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FACULDADE DE MEDICINA
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Assinatura do Chefe de Departamento
CAIO SICUPIRA GUIMARÃES
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________ ____________
Prof. Bruno Mattos Coutinho- UFF
__________________________________________ ____________
Profa. Camila Castelo Branco Pupe- UFF
__________________________________________ ____________
Profa. Izabela Jardim Rodrigues Pitta- UFF
DEDICATÓRIA
À minha mãe e meu pai (in memoriam) por todo amor, carinho e cuidado, os quais nunca mediram
esforços para que eu pudesse seguir o meu caminho.
À minha irmã pela força e motivação.
Aos meus amigos e familiares por todo apoio, motivação e companheirismo para superar as
adversidades, medos e incertezas.
Ao Luís Fernando por todos os momentos compartilhados, ensinamentos, carinho, amor e
inspiração.
À minha Madrinha, Patrícia, Tia Mercedes e Ieda por todo apoio e incentivo.
A UFF e a Faculdade de Medicina que, apesar das dificuldades do ensino público, conseguiram
passar aprendizado e ensinamentos essenciais para minha formação.
Aos professores pelo conhecimento incalculável apesar de todas as dificuldades estruturais e
dinâmicas do ensino. Em especial, gostaria de deixar um agradecimento ao Professor Jano, meu
orientador, pelo exemplo e inspiração, que ensina neurologia com amor e dedicação.
Ao Hospital Universitário Antônio Pedro e a todos os pacientes dessa casa por todos os
ensinamentos e aprendizados. A arte de cuidar, curar a amenizar o sofrimento não é fácil, por isso
cada paciente que passa pelo cuidado do médico e dos profissionais de saúde merece atenção
especial, sabendo lidar com a sua dor e dificuldades em todas as esferas.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS...........................................................................................................8
LISTA DE QUADROS.........................................................................................................9
LISTA DE SIGLAS.............................................................................................................10
RESUMO............................................................................................................................11
ABSTRACT........................................................................................................................12
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................13
2. OBJETIVO......................................................................................................................15
3. MÉTODOS......................................................................................................................16
4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA..........................................................................................17
4.1 SÍNDROME DE GESCHWIND-WAXMAN............................................................17
4.2 ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA........................................................................21
4.4 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA SÍNDROME...................................................25
4.5 A HIPERGRAFIA NA SÍNDROME........................................................................28
5. CONCLUSÃO.................................................................................................................33
6.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................34
8
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE SIGLAS
RESUMO
ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO
2. OBJETIVO
O presente estudo tem por objetivo fazer uma revisão de literatura a respeito da Síndrome de
Geschwind-Waxman e da hipergrafia presente no quadro clínico desta síndrome.
16
3. MÉTODOS
Ente os 237 artigos, 96 foram excluídos pela leitura do título por não se adequarem a
proposta temática desse trabalho, totalizando o restante de 141. Entre esses, 12 não foram
encontrados na íntegra e 49 foram excluídos após a leitura do resumo por não se ajustar ao tema
proposto. Oitenta artigos restaram para leitura na íntegra e desses 32 foram incluídos no trabalho.
Outros 22 artigos foram introduzidos a partir das referências dos artigos previamente incluídos na
pesquisa do PubMed para redação desse trabalho, por serem referências no assunto e devido à sua
importância clínica acerca do tema proposto, totalizando 54 artigos para a leitura na íntegra com o
objetivo de redigir a revisão narrativa do trabalho.
Figura 1: Fluxograma da seleção de artigos
Artigos encontrados no
PUBMED: 237
Artigos excluídos pela leitura
do título: 96
4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
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Uma pessoa com epilepsia é retratada sendo submetida a trepanação e cauterização. A obra que
remonta ao final do século XII é um dos primeiros retratos conhecidos da cirurgia de epilepsia.
Fonte: Ladino et al., 2013.
18
Somente no ano 400 aC, que Hipócrates, considerado pai da medicina ocidental,
desmitificou a imagem da epilepsia, apresentando uma proposta mais orgânica da condição,
pontuando possíveis causas de origem natural (ALI et al., 2016). Entretanto, apesar dos avanços ao
longo dos anos, apenas no século XVIII a definição moderna de epilepsia começou a ser formulada.
Em 1770 o neurologista suíço Samuel August Tissot introduzia os primeiros conceitos atuais sobre
epilepsia, incluindo a caracterização de crises e síndromes associadas (PANTELIADS et al., 2017).
Nessa mesma época, as mudanças de personalidade associadas a epilepsia também começaram a
fazer parte das observações mais detalhadas.
A epilepsia é conceituada como uma alteração neurológica crônica, onde há uma predisposição
duradoura à ocorrência de crises epiléticas, as quais são caracterizadas por descargas elétricas
neuronais síncronas ou excessivas (THURMAN et al, 2011). A ILAE (International League
Against Epilepsy) em 2017 define “crise epiléptica” como uma atividade neuronal sincronizada e
anormal responsável por causar sinais ou sintomas clínicos.
Essas alterações da epilepsia podem ser definidas como (1) duas crises não provocadas
ocorrendo em um intervalo de 24 horas, (2) quando ocorre um único episódio de convulsão não
provocado se o risco de recorrência for elevado, (3) ou quando existe um diagnóstico de uma
síndrome epiléptica conhecida (SCHEFFER et al, 2017). Tais crises podem ser focais, casos em que
a hiperexcitabilidade neuronal ocorre em áreas restritas de um hemisfério cerebral, ou
generalizadas, quando acomete os dois hemisférios cerebrais (NITRINI, 2015). Um exemplo de
epilepsia focal é a epilepsia do lobo temporal.
A epilepsia do lobo temporal (ELT) é a mais prevalente forma de epilepsia no adulto,
correspondendo a aproximadamente 60% das epilepsias focais e pelo menos 40% de todos os casos
de epilepsia (TEIXEIRA & SALGADO, 2004). A epilepsia temporal é dividida em mesial (medial)
e neocortical (lateral). Aproximadamente 80 % dos casos de ELT são do tipo mesial e geralmente
são associadas à esclerose hipocampal (KLEIN & JOSHI, 2019).
O quadro clínico apresenta-se de forma heterogênea na infância e mais homogênea na fase
adulta, o qual pode se caracterizar pela presença de crises (1) focais com preservação da
consciência, (2) focais sem preservação da consciência, (3) crises focais motoras ou não motoras e
(4) crises focais com evolução para tônico-clônico bilaterais (SCHEFFER et al, 2017). Os
principais sintomas da ELT incluem: fenômenos epigástricos, alucinações auditivas, sensações de
medo, déjà vu e jamais vu, perda de contato, automatismos simples e posturas distônicas (GÓMEZ,
2004). A ELT também é classicamente associada a alterações psico comportamentais, algumas das
quais compõem a síndrome de Geschwind-Waxman.
Kraepelin (1906), há mais de um século, observou que alguns pacientes forneciam
descrições longas, muito descritivas e detalhistas da sua condição clínica, apesar de conexas.
19
Glaser (1964) relatou em seus trabalhos que muitos pacientes com epilepsia eram preocupados com
a clareza do que era exposto e faziam esforços em restringir emoções. Livros texto de psiquiatria e
neurologia do século XIX já descreviam alterações de comportamento em pacientes com epilepsia
(ALI et al., 2016). No ensaio de Sigmund Freud sobre Dostoievisk, no século XX, ele descreve
claramente a associação entre a epilepsia e mudanças na personalidade (GESCHWIND, 1975).
Diante disso, os transtornos de personalidade associados a epilepsia sempre foram um
desafio para a ciência haja vista os estigmas sociais em torno da fenomenologia epiléptica. Os
primeiros relatos evidentes de transtornos de personalidade em pacientes com epilepsia foram
publicados entre 1974 e 1975 por Norman Geschwind e Stephen Waxman. As descrições dos casos
clínicos de pacientes com epilepsia e alterações comportamentais por esses autores lhes rendeu a
criação do epônimo síndrome de Geschwind ou síndrome de Geschwind-Waxman. (DEVINSKY &
SCHACHTER, 2009). Alguns autores também descrevem a alteração como Síndrome de Gastaut-
Geschwind devido as observações feitas por Gastaut, em 1954, em pacientes com epilepsia do lobo
temporal e desordens do comportamento (MÉNDEZ- BLANCA et al., 2011) No presente trabalho,
o transtorno de personalidade é descrito como síndrome de Geschwind ou síndrome de Geschwind-
Waxman.
A síndrome de Geschwind-Waxman foi descrita como um transtorno de personalidade
interictal característico de alguns pacientes com epilepsia do lobo temporal, descrito por alterações
comportamentais que incluem (1) hiperreligiosidade: aumento de interesse em assuntos de caráter
moral, filosófico e religioso, (2) hipergrafia: escrita compulsiva, excessiva e muitas vezes de
caráter religioso e filosófico, (3) circunstancialidade ( ocorrência de palavras sem sentido e em
excesso expressos em uma ideia ou raciocínio), (4) hipossexualidade e (5) irritabilidade, dentre
outras características (VERONELLI et al., 2017).
A descrição dessa síndrome por Geschwind e Waxman causou revoluções no mundo da
neurologia e levou a busca por pacientes com características dessas alterações comportamentais.
Nesse contexto, David Bear e Paul Fedio fizeram uma revisão de literatura de 1877 a 1977 em
busca de alterações comportamentais e psiquiátricas associadas a epilepsia. Após isso, reuniram as
18 características mais representativas e classificaram em categorias (quadro 1). Os autores fizeram
um questionário com 100 perguntas buscando traços dessas 18 características. O questionário foi
então aplicado a 27 pacientes com epilepsia do lobo temporal e 21 controles sem epilepsia. Assim,
os resultados demonstraram maior número de características presentes em pacientes com epilepsia
do lobo temporal (BEAR & FEDIO, 1977).
20
O estudo de Bear e Fedio foi aprovado por Geschwind e outros autores por criar um teste
psico comportamental com bases sólidas. Entretanto, alguns problemas mostraram-se na sua
aplicação prática, devido ao fato de que o questionário não distinguiu comportamentos apresentados
em pacientes com epilepsia de outros distúrbios comportamentais, demostrando alta sensibilidade
do teste com baixa especificidade.
As descrições sobre casos de pacientes com características da Síndrome de Geschwind
continuaram sendo descritas ao longo do século XX. Roberts (1982) descreve em seu trabalho o
caso de 6 pacientes apresentando hipergrafia seguida de delírios persecutórios, sentimentos
místicos, falta de interesse sexual, hiperreligiosidade, sensação de missão na terra, déjà vu,
alucinações auditivas e episódios maníacos. Nas análises de EEG (eletroencefalograma) a maioria
dos pacientes possuía foco irritativo temporal não dominante (direito). Naito (1988) descreve o
caso de uma japonesa de 62 anos com epilepsia pós-traumática que apresentava hipergrafia
interictal e retratava com minúcia, clareza e repetidamente experiências de grande prazer, unidade e
complexos místicos.
No século XXI, diversos relatos e descrições na literatura também trouxeram dados de
pacientes com alterações comportamentais e epilepsia do lobo temporal. Garcia-Santibanez e Sarva
(2015) trazem o relato de um paciente com epilepsia do lobo temporal que se apresenta com
hiperreligiosidade isolada e tenta converter outros pacientes e médicos ao islamismo além de
recusar os tratamentos oferecidos por afirmar que vai contra os preceitos de sua religião. Ao EEG
foram evidenciadas ondas agudas fronto-temporais do lado direito com RM (ressonância
magnética) normal.
Estudos posteriores relacionaram a síndrome de Geschwind não somente com a epilepsia do
lobo temporal, mas também com síndromes comportamentais em pacientes com atrofia temporo-
21
epilépticas focais levaria a disfunção progressiva das estruturas ativadoras subcorticais com
conectividade reduzida entre essas regiões e o neocórtex. Essa atividade prejudicada cronicamente
levaria aos transtornos de comportamento (Figura 3) (Englot et al, 2019).
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Mecanismo dos distúrbios interictais em pacientes com epilepsia do lobo temporal mesial.
Fonte: Adaptado de Englot et al., 2019.
Outros dois estudos conduzidos por Kanemoto, Kawasaki e Kawai (1996) e Trimble e Freeman
(2006) reforçaram as ideias defendidas nos estudos originais de Geschwind e Waxman e
exemplificam o quadro de pacientes com alterações anátomo funcionais no lobo temporal e
estruturas adjacentes com as características da síndrome.
Kanemoto e colaboradores (1996) descreveram a ocorrência de delírios religiosos e sensação
de fusão mística do corpo com o universo em pacientes com foco epileptogênico temporal que
apresentavam psicoses interictais em comparação com pacientes de psicoses ictais. Trimble e
Freeman (2006) fizeram um estudo comparando pacientes com epilepsia do lobo temporal e
manifestações de religiosidade e pacientes com epilepsia sem interesse pela religião. Foi aplicado o
24
questionário de Bear e Fedio que demostrou que pacientes hiper-religiosos apresentaram também
interesses filosóficos, agressividade e hipergrafia, sendo estas, outras características da síndrome de
Geschwind. Além disso, foi demostrado no estudo que esses pacientes apresentam lesão bilateral do
hipocampo, não visto no outro grupo sem manifestação religiosa. Assim, o estudo reforça a ideia do
comprometimento de estruturas límbicas no desenvolvimento dos sintomas da síndrome.
Outros dois estudos de Tebartz Van Els e colaboradores (2003) e Wuerfel e colaboradores
(2004) indicaram que a esclerose hipocampal é a anormalidade mais comum em pacientes com
epilepsia do lobo temporal e que essa associação está relacionada ao surgimento da hiper
religiosidade e outros sintomas da síndrome nesses pacientes. Kalamangalan (2009) traz o relato de
uma paciente de 44 anos com epilepsia do lobo temporal desde os 11 anos que apresentava
hipergrafia, com compulsão por escrever de forma detalhada e meticulosa sobre conversas,
medicações e rotinas. O EEG da paciente demostrou frequência alta na região anterior do lobo
temporal e a RM de crânio mostrou esclerose hipocampal (figura 4).
Figura 4: Ressonância Magnética de Crânio e EEG
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A esquerda da imagem: corte coronal em sequência de T2 mostrando esclerose hipocampal a direita
apontada pela seta branca. Na imagem da direita, é apresentado o EEG durante o sono da paciente
mostrando uma ponta única máxime sobre a região temporal anterior direita apontado pela seta
preta.
Fonte: Kalamangalam, 2019.
Em conclusão, os autores sugerem nos estudos que danos nas estruturas têmporo-límbicas
podem estar relacionadas com as manifestações comportamentais da Síndrome de Geschwind. Esse
achado é corroborado pelo fato de que pacientes que apresentam a degeneração ou demência
frontotemporal com dano as estruturas límbicas, eventualmente, desenvolvem a síndrome
(GAINOTTI, 2017).
25
Benson (1991) descreve que outros fatores podem estar envolvidos na síndrome como questões
psicológicos e ambientais. A explicação do autor sugere que a gênese da síndrome é um distúrbio
psicodinâmico, sendo a relação entre esses fatores ambientais e o lobo temporal, a explicação para a
manifestação dos sintomas.
Como observado anteriormente, a definição sobre os mecanismos envolvidos na gênese da
síndrome ainda hoje é controversa. Entre as hipóteses mais aceitas, estão os distúrbios relacionados
a lesões anatômicas do lobo temporal com esclerose hipocampal e as alterações sensitivo límbicas
(VERONELLI et al., 2017; ENGLOT et al., 2019).
Geschwind e Waxman entre 1974 e 1975 avaliaram 9 pacientes, sendo que 8 pacientes
apresentavam foco irritativo predominante no lobo temporal não dominante (direito) e 1
apresentava foco irritativo no lobo temporal dominante (esquerdo). Foi descrito que ambos os
pacientes apresentavam hipergrafia, hiperreligiosidade, circuntancialidade e interesses por questões
filosóficas e morais. Roberts e colaboradores (1982) fizeram um novo estudo original com 6
pacientes que apresentavam epilepsia do lobo temporal não dominante e manifestavam os mesmos
sintomas relatados no estudo de Geschwind e Waxman, reafirmando a associação da síndrome
comportamental com a epilepsia do lobo temporal.
A tríade comportamental clássica da síndrome de Geschwind-Waxman geralmente se
manifesta por hiperreligiosidade, hipergrafia e circunstancialidade e prolixidade. Além da tríade,
outras alterações também estão comumente presentes como hipossexualidade, interesses por
questões religiosas e filosóficas, irritabilidade, sensações de déjà vu e jamais vu (VERONELLI et
al., 2017). Importante destacar que a maioria dos pacientes não apresenta todas as alterações em
conjunto, existindo casos de sintomas isolados, o que muitas vezes dificulta a caracterização da
síndrome.
A alteração do comportamento caracterizada por excesso de interesse por questões religiosas,
atenção intensa ao seguimento estrito de dogmas e múltiplas conversões religiosas é conhecida
como hiperreligiosidade (GARCIA-SANTIBANEZ & SARVA, 2015). A hiperreligiosidade pode
ser: (1) no período ictal com êxtase e sentimentos de alegria ou prazer que descrevem a presença de
Deus e alucinações auditivas com a escuta da voz de Deus (2) pós-ictal com religiosidade intensa
que dura horas ou dias ou (3) interictal em que o paciente apresenta mudanças de comportamento
com convicções religiosas persistentes (DEVINSKY & LAI, 2008).
Na síndrome de Geschwind a hiperreligiosidade é caracterizado como um transtorno de
personalidade interictal geralmente associada aos outros sintomas da síndrome ou apresentada de
maneira isolada (CLANCY et al., 2014). Garcia-Santibanez e Sarva (2015) descrevem o relato de
um paciente 40 anos que apresentava epilepsia do lobo temporal desde a infância e manifestava
religiosidade aumentada e delírios de grandeza. A família do paciente relata que os episódios de
religiosidade aumentavam quando o paciente não fazia uso das medicações antiepilépticas. Esse
caso, é exemplo de uma manifestação isolada da religiosidade em paciente com epilepsia do lobo
temporal.
A fisiopatologia da hiperreligiosidade ainda não é totalmente compreendida. Acredita-se que a
gênese esteja envolvida com o sistema límbico devido a sua associação com o lobo temporal e as
emoções. O comportamento hiper-religioso se desenvolve à medida que ocorre o fortalecimento das
conexões límbico-corticais (DOLGOFF-KASPAR et al., 2011). Wuerfel e colaboradores (2004)
também avaliaram em seus estudos com ressonância magnética que pacientes com epilepsia do lobo
27
A hipergrafia é definida como uma tendência a escrita extensa e em alguns casos compulsiva,
extremamente detalhada e copiosa geralmente sobre temas de ordem religiosa, filosófica ou moral
descrita inicialmente em pacientes com epilepsia do lobo temporal (WAXMAN & GESCHWIND,
1974). Bear (1977) comparou em seu estudo pacientes com epilepsia do lobo temporal com outros
tipos de epilepsia, com esquizofrenia e com distúrbios do humor sendo que o único sintoma que
obteve escore mais elevado foi a hipergrafia no grupo epilepsia do lobo temporal. Nilsen (1981)
aplicou a escala de Bear e Fedio em paciente com epilepsia do lobo temporal medial e lateral, sendo
que os pacientes com ELT medial apresentaram maior pontuação em hipergrafia. Mungas (1982) e
Rodin (1984) também compararam a epilepsia com outros distúrbios, mas não notaram diferença na
pontuação psicopatológica além do quesito hipergrafia.
Tremont e colaboradores (2012) fizeram um estudo comparando distúrbios de personalidade
em pacientes com epilepsia do lobo temporal e pacientes sem epilepsia utilizando o escore de Bear
e Fedio. Foi observado no estudo que pacientes com epilepsia do lobo temporal apresentaram mais
características hipergráficas em comparação com o outro grupo sem epilepsia. Posteriormente,
novos estudos trouxeram a associação entre a degeneração lobar frontotemporal com o
desenvolvimento da hipergrafia, até então inédita, com proposta de mecanismo similar ao
desenvolvido na epilepsia do lobo temporal (POSTIGLIONE et al.,2008; CHAN et al.,2009;
KAMMINGA et al, 2015). Como observado e descrito pelos autores, a relação entre a Síndrome de
Geschwind e a hipergrafia em pacientes com epilepsia do lobo temporal é bem disseminada e
aceita. Ademais, outras causas associadas a síndrome como a DLFT também parecem estar
diretamente relacionadas e em processo de elucidação.
A discussão sobre os mecanismos propostos no desenvolvimento da hipergrafia, com
fisiopatologia própria ou em conjunto com a síndrome de Geschwind ainda tem sido alvo de
discussões e propostas entre os autores (DEVINSKY & SCHACHTER, 2009). As manifestações do
transtorno de personalidade interictal o do comportamento hipergráfico são desenvolvidas ao longo
do tempo e tem caráter crônico, sendo as mudanças observadas e consolidadas no decorrer do
desenvolvimento da patologia (BLUMER, 1999).
Geschwind e Waxman descrevem a hipergrafia como um distúrbio de comportamento
devido ao aprofundamento da resposta emocional na presença da função intelectual e cognitiva
relativamente preservada que poderia causar uma compulsão pela difusão e solidificação desses
29
sentimentos pela escrita ou em desenhos (YAMADORI, et al., 1986). Roberts (1982) em seu estudo
original considera a presença da hipergrafia essencialmente em pacientes com lesão temporal não
dominante (geralmente direita). Além dessa associação, estudos recentes demostram que a esclerose
hipocampal é considerada uma das alterações mais prevalentes em pacientes com distúrbios de
comportamento (BLUMCKE et al., 2012; DE LANEROLLE et al., 2003) e outros estudos sugerem
uma alteração do lobo temporal mais disseminada com envolvimento de estruturas extra-
hipocampais (BERNASCONE et al, 2005).
Geschwind também formula a hipótese de que a hiperexcitabilidade no lobo temporal e
estruturas límbicas é fundamental para a mudança de comportamentos explicados na síndrome
(DEVINSKY & SCHACHTER, 2009). Em reforço dessa ideia, alguns estudos com neuroimagem
explicando os substratos fisioanatômicos envolvidos no desenvolvimento da patologia observaram a
associação entre atrofia hipocampal e o surgimento de hiperreligiosidade e hipergrafia (TEBARTZ
VAN ELST et al., 2003; WUERFEL et al., 2004). Observando os casos relatados de pacientes com
degeneração lobar fronto temporal e a síndrome de Geschwind, também foram descritas
características em comum com a epilepsia do lobo temporal como a atrofia temporal anterior e do
hipocampo.
A manifestação da hipergrafia pode se dar de maneira isolada ou em conjunto com as outras
apresentações da síndrome de Geschwind como hiperreligiosidade e hipossexalidade compondo a
tríade comportamental observada em alguns pacientes com epilepsia do lobo temporal e
degeneração lobar fontotemporal (VERONELLI et al., 2017). A hipergrafia nos pacientes se
apresenta de maneira heterogênea (1) alguns apresentam tendência a escrita compulsiva e copiosa
sobre temas religiosos e filosóficos e (2) outros manifestam a hipergrafia em desenhos e expressões
artísticas sobre diversos temas (GAINOTTI, 2017).
Geschwind e Waxman (1974), em seu estudo original com 7 pacientes que apresentavam
epilepsia do lobo temporal e o fenômeno da hipergrafia, relatam em um dos casos, um paciente
jovem que apresentava comportamento agressivo, desinteresse sexual, automatismos psicomotores
e anotações copiosas sobre o seu distúrbio. O EEG mostrava atividade bilateral anterior e medial
predominante a esquerda. Em um dos seus vários relatos, ele descreve referências ritualizadas e
com menção a Deus de forma sequencial (figura 5).
O paciente do caso não respondia bem ao tratamento farmacológicos com drogas antiepilépticas
e aos 23 anos foi submetido a lobectomia temporal que evidenciou uma cavidade cística no lobo
temporal com hipertrofia de astrócitos no córtex adjacente em laudo histopatológico. Entretanto, o
comportamento hipergráfico se manteve mesmo após a cirurgia, apesar de entradas e formas mais
elaboradas na escrita após a procedimento. Além disso, o desinteresse sexual também se manteve e
30
o paciente relata melhora apenas dos episódios psicomotores. Esse fato reforça a ideia do
envolvimento de outras estruturas além do lobo temporal na síndrome de Geschwind-Waxman.
Figura 5: Duas páginas das extensas anotações do paciente com epilepsia do lobo temporal
________________________________________________________________________________
A página da esquerda foi escrita aos 24 anos, um ano após a lobectomia do lobo temporal. A página
à direita foi escrita um ano depois. Observe as entradas mais elaboradas no último registro.
Fonte: Adaptado de Waxman & Geschwind, 1974.
Kalangamam (2009) descreve o clássico caso de uma paciente de 44 anos com história de
epilepsia do lobo temporal desde os 11 anos que escrevia na maior parte do seu tempo de vigília
diversas cartas para o seu marido. A escrita era densa, usava todo o espaço disponível da folha
incluindo as margens. O conteúdo da carta era desconexo embora apresentasse detalhes específicos
sobre horários da ingestão de medicamentos e de conversas com outras pessoas. O EEG mostrou
frequência alta de pontas temporais principalmente do lado direito (figura 4). Além disso, a RM da
paciente demostrou esclerose hipocampal (figura 4) observação comumente apresentada em
pacientes com a Síndrome de Geschwind.
Veronelli e colaboradores (2017) descrevem o caso de uma mulher de 73 anos com história de
mudanças de comportamento. A paciente foi diagnosticada com degeneração lobar fronto temporal
31
Paciente escreveu muitas páginas de material com conteúdo específico e informações relacionadas
à igreja. A maneira de escrever foi densa, utilizando todo o espaço disponível em uma folha de
papel. A paciente guardava e arquivava todas os seus escritos obsessivamente enchendo gavetas
inteiras.
Fonte: Adaptado de Veronelli et al., 2017.
Em uma das consultas, o paciente retorna com um rolo de 1,5 metro de largura com 10 metros
de projetos de casas, ruas e prédios. A aptidão e compulsão por desenhar do paciente foram
adquiridas na adolescência, a época do diagnóstico da epilepsia, e sempre foram direcionadas a
confecção de casas, edifícios e plantas (figura 7). O autor relata a representação meticulosa e
detalhista do paciente realizada por horas de forma incansável além da preocupação com a exatidão
e o impulso exagerado para o desenho.
5. CONCLUSÃO
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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