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Agricultura de Precisão

Tráfego controlado de máquinas


agricolas: a experiência inglesa
e perspectivas de adoção no
Sul do Brasil1
Vitor C. Girardello2, Telmo J.C. Amado3, Paula Misiewicz4, Emily K. Smith5

O processo de modernização al, a consequência é a compactação


da agricultura vem ocorrendo com do solo, que ocasiona a redução na
muita rapidez, gerando constante- infiltração e da produtividade das
mente novos métodos e técnicas de culturas. De fato, a compactação do
manejo agrícola. Na vanguarda des- solo é um dos principais desafios da
tes avanços tecnológicos, a indústria agricultura contemporânea mundial.
de máquinas agrícolas vem apresen- Em áreas aonde não existe revol-
tando novos e sofisticados produtos, vimento do solo, como no plantio
buscando atender a necessidade do direto, sua ocorrência passa desper-
aumento da produtividade das cul- cebida, sendo o decréscimo de pro-
turas, ao mesmo tempo que propor- dutividade geralmente atribuído a
cionem aumento da eficiência do uso outros fatores.
de insumos e dos recursos naturais. A compactação influência ne-
Atualmente, as máquinas agrícolas gativamente a qualidade do solo
vêm equipadas com avançada tec- de diferentes formas, sendo que a
nologia embarcada, que proprocio- mais reconhecida é a alteração das
na maior desempenho operacional, características físicas do solo (Figura
maior conforto para operadores, 2). Assim, o solo quando submetido
maior controle da operação, adap- a carga elevada sofre um rearranjo
1Parteda Tese de Doutorado do tada a longas jornadas e com ras- das suas partículas na forma de lâ-
primeiro autor no Programa de Pós minas, criando um ambiente menos
treabilidade das atividades. Todavia
Graduação em Engenharia Agrícola,
estes itens, geralmente, também são propício às trocas gasosas, fluxo de
Universidade Federal de Santa Maria,
UFSM. acompanhados pelo aumento do ta- água, atividade biológica, além do
manho e peso das máquinas agríco- aumento da resistência à penetra-
2Doutorando em Engenharia Agrícola, las (Tullberg et al., 2007; Trein et al., ção radicular, gerando assim menor
UFSM, Bolsista CAPES. 2009). absorção de nutrientes pelas plantas
E-mail: vitorgirardello@gmail.com O aumento de tamanho e de e, por consequência, a redução na
peso dos tratores é necessário para produtividade das culturas, especial-
3ProfessorTitular no Departamento de que se mantenha a relação entre o mente em anos com ocorrência de
Solos da UFSM, Bolsista CNPq. déficit hídrico severo (Girardello et
peso/potência adequado para suprir
4Professora a necessidade de tração de equipa- al., 2011).
do Departamento de
Engenharia, Harper Adams University, mentos cada vez maiores, como se- Entre as alternativas para aliviar
Shropshire, Inglaterra. meadoras, graneleiros e distribuido- a compactação do solo destaca-se
res. Porém, quando o tráfego destas o uso da escarificação mecânica e
5Doutoranda da Harper Adams máquinas é realizado em solos com o uso de culturas de cobertura com
University, Shropshire, Inglaterra. condições de umidade acima da ide- agressivo sistema radicular (escarifi-

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Figura 1. Evolução do tamanho e do peso de máquinas agrícolas desde o ano de
1930 até os dias atuais. Fonte: Trein, Apsul (2012).

cação biológica). Embora, ressalta-se sos países do mundo, se destacando to do sistema radicular das culturas
que a prevenção, neste caso, é sem- pela adoção do tráfego controlado (Alba et al., 2011).
pre preferível a remediação. A esca- a Austrália (Gassen, 2011), Canadá, As modernas ferramentas da
rificação mecânica deve ser utilizada, Estados Unidos, Inglaterra e Nova agricultura de precisão tais como
preferencialmente, em casos severos Zelândia. Atualmente, a área com sistema de piloto automático, SIG
de compactação e mesmo assim de adoção do tráfego controlado mun- e localização geográfica com eleva-
forma esporádica, uma vez que a sua dialmente alcança mais de 2 milhões da acurácia (DGPS e RTK) possibili-
operação tem elevado consumo de de ha, especialmente, em regiões tam seguir com acurácia e precisão
tempo e de combustível, elevada onde a precipitação pluviométrica é o planejamento prévio das linhas de
demanda de potência e de mão de restrita e existe a necessidade de ele- semeadura (Bochtis & Vougioukas,
obra. Além disso, seus resultados na vada armazenagem de água no solo 2008; Alba et al., 2011). Para que
melhoria dos atributos físicos do solo (Tulberg et al., 2007). seja implantado corretamente o sis-
são de curta duração, notadamente O sistema de tráfego contro- tema de tráfego controlado deman-
em solos argilosos, e em muitos ca- lado vem sendo investigado desde da planejamento na utilização de
sos não se refletem no aumento da 1960, porém foi com advento das máquinas, requerendo o ajuste da
produtividade das culturas. A escari- novas ferramentas da agricultura de bitola de pneus, fazendo com que
ficação biológica pode ser utilizada precisão que a tecnologia ganhou todas as máquinas tenham a bitola
em caso menos severos, através da um novo impulso. Este sistema visa coincidente. Existem várias possi-
inclusão de plantas de cobertura no a organização do sistema de tráfego bilidades para proceder este ajuste,
programa de rotação de culturas. de máquinas dentro da lavoura, ten- sendo necessário um estudo prévio
Estas plantas por possuirem siste- do como pressuposto o confinamen- para identificar a melhor alternativa
ma radicular agressivo, conseguem to de tráfego de máquinas e equipa- para o produtor interessado na im-
romper a camada compactada do mentos em linhas pré-definidas que plantação deste sistema. As máqui-
solo, porém sua utilização demanda recebem o nome de “Tramlines”, nas disponíveis no mercado nacional
tempo, disponibilidade de sementes restringindo, desta forma, a compac- permitem, em geral, a utilização de
e um planejamento cuidadoso da ro- tação a locais específicos (Chamen dois grupos em relação à largura de
tação de culturas. et al., 1992; Tulberg et al., 2001; trabalho, a qual definiremos como
Neste contexto, prevenir a ocor- Gassen, 2011). Com isto, a área livre módulos. Assim, é possível o uso de
rência generalizada da compactação de tráfego de máquinas agrícolas é módulos de 3 ou 4 m. Detalhes dos
ou confiná-la a locais específicos aumentado possibilitando a reestru- ajustes necessários são apresentados
(zonas de tráfego) é uma estratégia turação do solo e o aprofundamen- na Figura 3.
que vem sendo avaliada em diver-

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Figura 2. Esquema representativo da influência da compactação nas funções de-
sempenhadas pelo solo. Adaptado de Boone (1986).

Vantagens e desvantagens 25 a 47%, gerando um incremento Por outro lado, a implantação


do sistema de tráfego na eficiência das operações de 4,68 do sistema pleno de tráfego contro-
controlado a 7,41 %. Esta redução decorre da lado requer investimento em máqui-
minimização das manobras nas ex- nas com características específicas,
tremidades da lavoura e do melhor treinamentos e operadores capacita-
Em uma pesquisa envolvendo planejamento das linhas de tráfego dos para executar a função e plane-
vários países da Europa, as princi- dentro da área. jamento de longo prazo. A implanta-
pais vantagens reportadas do tráfe- Pesquisas recentemente rea- ção do tráfego controlado pode ser
go controlado foram: o aumento da lizadas na Austrália, avaliando 16 oneroso em um primeiro momento,
produtividade em diversas culturas propriedades agrícolas, totalizando porém a médio e longo prazo torna-
(beterraba, batata, trigo e cevada) 6.500 ha cultivados com as cultu- se viável (Bochtis & Sørensen, 2010).
e economia de energia requerida ras de soja e milho, que migraram De maneira geral, as vantagens
nas operações agrícolas (preparo do do sistema convencional (tráfego e as desvantagens do sistema de trá-
solo, semeadura, colheita e transpor- aleatório) para o sistema de tráfego fego controlado citadas por Tulberg
te). O aumento de produtividade controlado reportaram as seguintes et al. (2007); Trein et al. (2009) e
das culturas variou entre 4 a 20% e a vantagens: redução de custo de pro- Chamen (2011) são:
economia energética variou de 37 a dução, redução da emissão de gases
70% (Chamen et al., 1992). de efeito estufa, maior infiltração de Vantagens:
Outro parâmetro estudado foi água, aumento de produtividade,
a distância percorrida pelas máqui- aumento da eficiência operacional, • Menor área de solo agrícola
nas dentro da lavoura. Bochtis et al. redução da mão de obra, possibi- produtivo que recebe a influ-
(2010) reportaram uma redução na lidade de jornada de trabalho mais ência negativa de pressão do
distância de transporte variando de extensa, entre outros. rodado das máquinas e equipa-
mentos;

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• Necessidade de ajuste das bito-
las das máquinas agrícolas.

Procedimento para a
implantação do sistema

Geração do Modelo Digital de


Elevação (MDE)

A implantação do sistema de
tráfego controlado deve obedecer al-
gumas regras, fazendo-se necessário
o levantamento planialtimétrico da
área. Este levantamento é denomi-
nado de Modelo Digital de Elevação
(MDE), servindo para orientação das
linhas de semeadura, seguindo os
princípios conservacionistas (Alba et
al., 2011). O MDE é composto por
coordenadas geográficas em três di-
mensões (X, Y e Z) e, para tanto faz-
se necessário o sinal de pelo menos
quatro satélites; ainda para se obter
maior acurácia neste levantamento,
é necessária a utilização de pelo me-
nos DGPS que reduz o erro de posi-
cionamento para aproximadamente
Figura 3. Modelo conceitual do sistema de tráfego controlado com módulos de 0,10 m.
3 m. Fonte: Bochtis et al. (2010) . Após a obtenção da cota real
dos pontos que compõem o grid
• Menor consumo de combustí- • Maior eficiência na obtenção (“raster”), com auxilio do SIG, reali-
vel e potência requerida para da população de plantas plane- za-se a geração virtual das linhas de
o deslocamento das máquinas jada; semeadura, bem como as linhas de
agrícolas; • Menor efeito de déficits hídri- trânsito (Tramlines).
• Menor risco de compactação cos de curta duração na produ-
superficial e subsuperficial; tividade das culturas. Ajuste de bitolas
• Redução na perda de solo e de
água por escoamento superfi- Desvantagens: A operação que exige maior
cial; cuidado dada a sua complexidade é
• Menor distância total percorri- • Custo financeiro para a obten- o ajuste da bitola dos rodados de to-
da pelas máquinas; ção dos sistemas de localização das as máquinas envolvidas no siste-
• Maior eficiência na logística e geográfica com elevada acurá- ma. A bitola é definida como sendo
no tráfego dentro da lavoura; cia (DGPS ou RTK); a distância entre o centro das duas
• Maior produtividade das cultu- • Necessidade de um SIG (Siste- rodas, tanto as dianteiras como nas
ras nos locais livres de trânsito ma de Informação Geográfica); traseiras, e ela vai possibilitar que se
de máquinas agrícolas; • Formato e topografia do talhão forme um padrão uniforme de dis-
• Melhoria nas propriedades fí- podem dificultar as operações tâncias e de repetibilidade durante
sicas, químicas e biológicas do de manejo, quanto mais regu- as operações agrícolas. A largura do
solo; lar à forma, mais fácil é o pla- ajuste de bitolas vai depender basi-
• Maior eficiência do uso de água nejamento e implantação das camente do tipo de maquinário dis-
armazenada no solo; linhas de semeadura e o funcio- ponível e da cultura que vai ser cul-
• Desenvolvimento inicial mais namento do sistema de tráfego tivada. Em geral opta-se por larguras
rápido das culturas; controlado; de trabalho de 3 m ou 4 m, sendo

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possível ainda usar múltiplas destas de piloto automático vem ganhan- brapa, 2006), com textura muito ar-
(Kroulík et al. 2010). do cada vez mais adeptos mundo a gilosa, e altitude média de 471 m. O
O ajuste de bitolas possibilita a fora, pelo fato que as operações de clima local é do tipo Cfa subtropical,
melhoria do rendimento operacio- direção manual estão sujeitas a erros segundo a classificação de Köppen,
nal das máquinas agrícolas, uma vez humanos que podem comprometer e precipitação média de 1700 mm.
que o tráfego ocorre em área com- a eficiência da operação. Soma-se a Para o desenvolvimento deste
pactada, aumentando a eficiência isto a escassez de mão de obra e a projeto, instalou-se na extremidade
de tração e melhorando a relação necessidade de jornadas de trabalho mais elevada da lavoura uma base
solo-máquina (Kingwell & Fuchsbi- extensas. para a correção em tempo real do
chler, 2011), possibilitando ainda As principais vantagens do sis- posicionamento das máquinas (RTK).
que sejam feita operações agrícolas tema de piloto automático são, de Com a instalação deste sistema con-
mesmo quando a umidade do solo acordo com Cordesses et al. (2000) segue-se uma elevada acurácia, de
for elevada. Este fato é relevante e Han et al. (2004), as seguintes: até 0,025m (Renschler et al., 2002).
especialmente em se tratando do O raio de alcance desta torre é de 5
controle de pragas e doenças, que • Menor impacto sobre o meio km, mas quando instalado em locais
necessitam em alguns casos serem ambiente (redução da frequên- mais altos como torre de silos de ar-
feitos imediatamente após eventos cia de passagem de máquinas mazenagem, torres de comunicação
de precipitação. Fato semelhante, sobre o solo, redução de com- podem alcançar até 30 km.
ocorreu recentemente no Paraná pactação aleatória do solo); Os equipamentos utilizados
quando a colheita de soja foi feita, • Redução de custos operacio- foram um trator de 170 cv, semea-
em condições de precipitação muito nais; dora de 11 linhas espaçadas 0,50 m
frequente, sendo praticamente im- • Aumento do rendimento ope- e com peso de 10.640 kg, pulveri-
possível respeitar a umidade do solo racional devido a trabalhar com zador autopropelido com barras de
ideal para o trânsito de máquinas, maior velocidade e com pos- 25 m e peso de 7.500 kg, a colhe-
em função das perdas na colheita. sibilidade de atuar em turno dora com plataforma de milho de 11
noturno, em épocas de maior linhas espaçadas 0,50 m e com peso
Uso do sistema de orientação demanda de trabalho; de 15.270 kg. Todas as máquinas fo-
e piloto automático • Melhoria da qualidade de ope- ram ajustada para bitola de 3 m. A
ração: o operador pode con- partir da instalação do experimento
Uma ferramenta necessária centrar a atenção na operação no mês de novembro de 2010, todas
para a execução do sistema de trá- que está sendo realizada; as máquinas utilizaram o sistema de
fego controlado é a utilização de um • Redução da fadiga do operador piloto automático System 150 com
sistema de orientação de direção, de possibilitando jornadas mais precisão centimétrica utilizando para
uma maneira mais simplificada, atra- longas; isso uma estação base RTK.
vés da utilização do sistema de barra • Aumento da segurança de tra- Os tratamentos investigados
de luz, no qual o operador é parte balho. neste experimento foram: (1) Sem
ativa do sistema e deve tomar a deci- tráfego de máquinas ou com au-
são baseada em luzes instaladas em Experiência Gaúcha sência de pressão de pneus (ST);
frente do seu campo de visão, que (2) Tráfego do pulverizador (TP); (3)
orientam o sentido e a intensidade Na safra de 2010/11 a equipe Tráfego com pressão de pneus do
da mudança de direção quando ne- do projeto Aquarius (www.ufsm. conjunto trator-semeadora (TT) e (4)
cessário. br/projetoaquarius) implantou um Tráfego máximo, acumulando passa-
Outra forma de atuação mais experimento na cidade de Não Me gens de pneus do pulverizador e do
moderna e eficiente é fazer o uso do Toque (RS), situada na região do pla- conjunto trator-semeadora (TM). As
sistema de piloto automático, que nalto, em um talhão da lavoura per- avaliações realizadas foram as pro-
representa uma grande evolução em tencente a Fazenda Anna, que é ma- priedades físicas do solo (densidade,
relação ao sistema anterior. Neste sis- nejada sob o sistema de agricultura macroporosidade, microporosidade,
tema o operador apenas é responsá- de precisão por longo prazo (Alba et porosidade total, resistência à pene-
vel por manobras ao final da linha de al., 2011). O talhão escolhido é de- tração), sistema radicular do milho e
semeadura ou em caso de emergên- nominado de Schimidt com 132 ha; da soja, componentes de rendimen-
cia, bastando apenas um toque no para o experimento utilizou-se 15 to das culturas, infiltração de água e
volante para o operador reassumir o ha. O solo é classificado como Latos- produtividade de grãos.
controle do equipamento. O sistema solo Vermelho Distrófico típico (Em-

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Os resultados obtidos neste Tabela 1. Propriedades físicas do solo, infiltração de água e produtividade das
experimento com o confinamento culturas sob diferente intensidade de tráfego de máquinas. Não Me
das linhas de tráfego em lavoura de Toque, RS, 2012.
grãos no sul de Brasil foram anima-
dores, sendo possível fazer todo o
planejamento das linhas de seme-
adura, mantendo os princípios da
conservação do solo, linhas em cur-
va (perpendicular a pendente do ter-
reno) nas áreas superiores a 6% de
declividade, representando 43% do
talhão e no restante da área, as linhas
de semeaduras foram retas, com
áreas de manobras minimizadas.
Para tanto, foi utilizado o programa
computacional Campeiro 7.0. Ain-
da, foi possível estabelecer um raio
de manobra adptado a largura dos aração, gradagem, semeadura, pul- contaminantes ambientais gerados
equipamentos ao final da linha de se- verização, colheita e transporte. durante o processo produtivo. Nes-
meadura que reduziu a necessidade Devido a má drenagem da maioria te contexto, o sistema de tráfego
de manobras nas extremidades da dos solos ingleses, muitas vezes estas controlado de máquinas permite
lavoura. Nestes locais, a velocidade operações são realizadas com eleva- reduções significativa na energia re-
de operação é reduzida e a demanda da umidade do solo. Com isto, os querida, no consumo de combustí-
operacional pode ser mais do que o problemas de compactação do solo vel, maior eficiência na operação de
dobro do restante da área. são frequentes neste sistema de cul- máquinas, maior controle da erosão,
Quanto às propriedades físicas tivo, além de ocasionar maior consu- menor perdas de sedimentos, menor
do solo, os resultados são apresenta- mo de combustível, maior distância perdas de água por escoamento en-
dos na Tabela 1. O tráfego intenso percorrida pelas máquinas e menor tre outros fatores da produção agrí-
de máquinas, foi responsável pelo eficiência operacional (Chamem et cola inglesa.
aumento da densidade do solo em al., 1992). A Harper Adams University,
15%, ainda ocasionou redução da in- A população urbana inglesa localizada na cidade de Newport,
filtração de água variando de 5 – 15 vem pressionado os produtores para condado de Shropshire, no centro-
vezes, quando comparado aos locais que, além de obterem produtivida- oeste inglês implantou em outubro
livre do trânsito. Estas mudanças na des competitivas, apresentem eleva- de 2011 um experimento de tráfego
estrutura do solo influenciaram forte- do grau de controle de poluentes e controlado com duração prevista de
mente a produtividade das culturas
do milho e da soja com reduções de
24,0 e 42,6%, respectivamente, no
tratamento com tráfego mais inten-
so em relação ao livre de trânsito.

Experiência Inglesa

Um dos países Europeus em


que o sistema de tráfego controlado
está mais avançado é a Inglaterra.
No sistema de tráfego convencional
adotado pelos agricultores ingleses,
o talhão recebe, durante o ano agrí-
cola, mais de 100% de tráfego de
máquinas, uma vez que o sistema Figura 4. Experimento de tráfego controlado na Harper Adams University (Newport,
de cultivo é composto por múltiplas Shropshire, Inglaterra) com a cultura do trigo (A) e solo do local do expe-
e frequentes operações, tais como: rimento (B). Foto: Girardello, 2013.

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O experimento inglês investi-
gou a combinação de sistemas de
preparo (3) e sistemas de tráfego
(3). O delineamento experimental
foi composto por 4 blocos totalizan-
do 36 parcelas de 4 x 100 m com
os seguintes tratamentos: 1) Tráfego
aleatório com preparo convencional
do solo (TAPC); 2) Tráfego aleató-
rio com cultivo mínimo (TACM); 3)
Tráfego aleatório com plantio direto
(TAPD); 4) Baixa pressão de pneus
com preparo convencional (BPPC);
5) Baixa pressão com cultivo míni-
mo (BPCM); 6) Baixa pressão com
plantio direto (BPPD); 7) Tráfego
controlado com preparo convencio-
nal (CTPC); 8) Tráfego controlado
com cultivo mínimo (TCCM); 9) Trá-
fego controlado com plantio direto
(TCPD).
Figura 5. Trator tracionando o cultivador de solo antes da semeadura. Harper O trator utilizado na variação
Adams University, Shropshire, Inglaterra. Foto: Girardello, 2013. do número de passadas foi Massey
Fergunson modelo 8480 DYNA-VT
com pneus dianteiros 16.9R 30 na
10 anos (Figura 4a). O experimento frente e 18.4R 46 na parte traseira.
possui uma área de 8,5 ha, situados O peso deste trator em situação de
sob as coordenadas 52º 46,78’ N e operação é 9.239 kg. O cultivador
02º 25,52’ O. O solo local apresenta de solo utilizado foi um VÄDESTAD
textura franco arenoso (Figura 4b), TD 400 com 6.200 kg composto de
com altitude média de 68 m acima quatro partes sendo: 1ª corta e mis-
do nível do mar e clima temperado. tura, 2ª afrouxa e mistura, 3ª nivela-
A precipitação pluviométrica mento e 4ª consolidação, sua largura
anual é de 697 mm (dados locais). útil de trabalho é de 4 m, sendo tra-
Devida a má drenagem natural do cionado pelo trator Challanger MT
solo, em setembro de 2011, foi ne- 765D (Figura 5). O mesmo trator foi
cessário a instalação de um sistema o responsável, posteriormente, pelo
de drenagem artificial composto por tracionamento da semeadora.
canos, instalados a cerca de 0,70 m A semeadora utilizada foi da
de profundidade que tem elevada marca VÄDESTAD RDA 400S com
capacidade de drenagem necessária, uma largura útil de 4 m, com 23 li-
principalmente no inicio da primave- nhas espaçadas 17 cm. A colhedora
ra, após o desgelo da neve acumula- utilizada foi uma Class Dominator
da durante o inverno. 85 com plataforma de corte de 4 m
Diferentemente do experimen- e peso de 6.600 kg, equipada com
to em Não Me Toque, a implantação sensor de rendimento Ceres 8000
do sistema de tráfego controlado na (instalado no elevador de grãos lim-
Inglaterra foi feito com módulos de pos) e sistema GPS com antena re-
4 m. Neste caso, todas as máquinas ceptora Trimble. Nos tratamentos
tiveram ajuste de bitola (2,1 m) e tra- com baixa pressão (BP) a pressão de
balharam com largura de operação insuflação foi de 1,4 PSI nos pneus
de 4 m (semeadora e colhedora), o traseiros e 0,7 PSI nos pneus diantei-
pulverizador possuia uma largura de ros. As máquinas (trator, cultivador,
barras de 24 m. semeadora e colhedora) são as mes-

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mas em todos os tratamentos utili-
zando os mesmos pneus. A pressão
normal de insuflação nos tratamen-
tos sem baixa pressão foi de 1,5 PSI.
Os resultados de infiltração de
água no solo (Figura 6) e da produ-
tividade da cultura de trigo (Tabela
2) obtidos na safra 2012 serão discu-
tidos a seguir. A infiltração de água
no solo após a primeira passagem
do trator apresentou a maior redu-
ção (80%) em relação a ausência de
tráfego. Posteriormente, os demais
trânsitos do trator tiveram pequeno
efeito adicional na redução da infil-
tração. Este processo também tem
sido verificado em experimentos
conduzidos no Brasil.
A produtividade da cultura do
trigo foi influenciada pelos tratamen-
tos investigados (Tabela 2). Devido Figura 6. Infiltração de água no solo com diferente intensidade de trânsito do
a compactação existente quando trator. Harper Adams University, Shropshire, Inglaterra, 2012. Fonte:
da implantação do experimento, o Chyba, 2012.
preparo do solo incrementou ligei-
ramente a produtividade em relação
ao plantio direto. A redução na pres-
são de pneus também se mostrou, potencialidade desta tecnologia em mais frequente, de compactação do
independente do sistema de prepa- aprimorar o sistema de produção solo nas lavouras comerciais mecani-
ro, mais eficiente do que o sistema agrícola. Uma ressalva que deve ser zadas. Entre os principais benefícios
tradicional. O sistema de insuflação feita, é que as produtividades de tri- desta estratégia de manejo desta-
nos pneus do trator, ocasiona o au- go na Inglaterra, são normalmente cam-se a melhoria das propriedades
mento da área específica de contato mais elevadas do que as brasileiras. físicas do solo, a redução das perdas
dos pneus com o solo, dissipando, de água e o incremento na produ-
em parte, o peso das máquinas e re- Considerações Finais tividade das culturas. Em adição, o
duzindo o risco de compactação do sistema de tráfego controlado au-
solo. Porém, as maiores produtivi- O sistema de tráfego controla- menta o rendimento operacional das
dades foram obtidas com o sistema do é uma alternativa moderna para máquinas agrícolas, favore o desen-
de tráfego controlado, ressaltando a minimizar a ocorrência, cada vez volvimento e o aprofundamento do

Tabela 2. Produtividade da cultura de trigo em diferentes sistemas de preparo e


de tráfego de máquinas agricolas. Harper Adams University, Shropshi-
re, Inglaterra, 2013.

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Thesis) School of Applied Sciences, making based on RTK GPS survey
especialmente aos funcionários da
Cranfield University, 2011. and six alternative elevation data
fazenda (Toco e Kleder). Ainda um
agradecimento a Capes pela cedên- sources. Watershed topography
CHYBA, J. The influence of traffic
cia da bolsa de estudo que possibili- and delineation Society 45:1883-
intensity and soil texture on
tou o intercâmbio internacional e a 1895, 2002.
soil water infiltration rate. MSc
Harper Adams University pelo apoio diss. Harper Adams University, TULLBERG, J.N.; ZIEBARTH, P.J. & LI,
e acolhimento ao primeiro autor. Department of Engineering. 2012. Y. Traffic and tillage effects on run-off.
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50 - Revista Plantio Direto - Edição 137/138

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