Você está na página 1de 13

Revista

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO ESTIGMA Científica


Fagoc
EM MASCULINIDADE: uma revisão de
literatura Multi
disciplinar
ISSN: 2525-488X

NETO, Ivaldo 1
FIRMINO, Itamar 2
PAULINO, Pedrita Reis Vargas 3

o crescente interesse e a vasta produção teórica


RESUMO sobre feminismo, que busca oferecer dignidade
A presente revisão teórica teve por objetivo e espaço mais equiparado para a mulher na
identificar artigos que discutam a construção do sociedade (BORBA, 1993; SOARES, 1994; SOARES
estigma em torno da masculinidade em contextos et al., 1995; MATOS, 2008; CAMPOS, 2017;
diversos, a partir do processo de interação social SOUZA, 2018). Em contraposição a esse avanço,
e das normativas de gênero. Buscou-se, nas o estudo sobre o masculino e seus pensamentos
bases Biblioteca Virtual em Saúde, Scielo, Redalyc sociais ficou em segundo plano, fomentando o
e Google Acadêmico, os seguintes descritores: machismo velado e delimitando o que se considera
masculinidade, gênero, estigma, violência, masculino em sociedade. Numa sociedade em
relações sociais e identidade. Foram selecionados que tabus são geradores e perpetradores de
17 artigos a partir da leitura dinâmica do resumo. violência, constante e cada vez mais normatizada,
Houve consenso com relação à importância dos produzir conhecimento acessível e esclarecedor
estudos feministas para o surgimento de estudos acerca da produção do estigma em masculinidade
sobre o masculino e de demais mecanismos é de grande contribuição para o meio acadêmico
sociais que o definem, bem como forte crítica e, principalmente, para a sociedade, uma vez
às construções que concedem ao masculino um que a compreensão do fenômeno e do processo
lugar de vítima na história de sua construção. aumenta a capacidade e possibilidade de produzir
A revisão sugere a importância da discussão práticas e saberes, alinhados.
sobre masculinidade e normas de gênero para a Um desafio é a contemporaneidade
compreensão das relações sociais. e os efeitos de subjetivação, “o encontro das
subjetividades com a variedade de estimulações
PALAVRAS-CHAVE: Masculinidade. Gênero. trazidas pelos recursos globais vem afetando
os homens, mesmo que de forma diferenciada,
Construção social. Estigma. Psicologia.
com múltiplos vetores advindos de toda parte”
(MANCEBO, 2009, p. 79). Numa sociedade
globalizada, as possibilidades de se organizar
INTRODUÇÃO
subjetivamente são maiores, possibilitando
novas performances e surgindo exigências a
Ao compreender o desenvolvimento da
partir da quebra repentina de modelos sólidos de
cultura e das atuais articulações sociais, nota-se
identidade. Os processos e comportamentos de
1 UNIFAGOC. E-mail: ivaldoneto1@gmail.com um indivíduo entendidos como masculinos que
2 UNIFAGOC. E-mail: itamarmfirminopsisf@gmail. sofrem o impacto da subjetivação tendem a se
com ajustar ou confrontar com os novos modelos. Esse
3 UNIFAGOC. E-mail: pedrita.paulino@fagoc.br processo pode ser permeado pela construção
60 Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019
de estigmas acerca dos indivíduos que não se segue as etapas de (1) pré-análise, (2) exploração
encaixam nos padrões que existem enquanto do material, (3) tratamento dos resultados e a (4)
regra numa sociedade de produção. interpretação. O autor afirma que esse processo
Importa-nos dizer que o entendimento de não se cumpre linearmente, sendo muitas vezes
estigma foi ampliado para além das marcas e sinais necessário o retorno ao material bruto e a reflexão
físicos. Ele passou a incluir atributos indesejáveis, sobre pontos relevantes perdidos inicialmente.
colocando as pessoas em categorias conforme Buscou-se compreender os conceitos de
valores considerados adequados por um grupo masculinidades, seus marcadores sociais, bem
social. Dentro dessa construção categórica criam- como o impacto do estigma no autoconceito e,
se padrões, preconceitos e estereótipos. Pessoas conseq uentemente, na identidade dos jovens.
estigmatizadas tentam corrigir a sua condição com
grande esforço pessoal. Atributos de inferioridade
e de não desejabilidade impactam a construção RESULTADOS E DISCUSSÃO
da identidade social de quem sofre estigmas.
Afetam a construção de seu autoconceito, trazem Os 17 artigos foram publicados em 14
sofrimentos, geram retraimentos e angústias periódicos diferentes, sendo duas publicações
(GOFMANN, 1975). em livros. Todos os artigos foram publicados no
Brasil, entre os anos 1985 e 2014. O maior volume
de artigos ficou dividido igualmente em duas
MÉTODO publicações, nos anos 1998, 2001, 2007 e 2012.

Realizou-se uma busca eletrônica nas Masculinidades


bases de dados Biblioteca Virtual em Saúde
(BVS), Scielo, Redalyc e Google Acadêmico, entre Ao estudar sobre a masculinidade observa-
os dias 01 e 10 de fevereiro de 2019, a partir dos se a prevalência do carácter essencialista com
descritores [masculinidade OR masculinidades] que os pesquisadores se debruçam, pautando-
AND [gênero OR identidade OR estigma] AND se num viés binário, masculino versus feminino.
[violência OR relações sociais] sem limites de Contudo, a compreensão da relação de oposição
datas. estabelecida entre os gêneros não deveria ser
Como resultados da busca inicial, foram definidora dos rumos das pesquisas. Se o gênero
obtidas 402 publicações. Foram incluídos todos existe, em específico, na dimensão em que a
os artigos que traziam a masculinidade no escopo biologia não determina o social, não poderia
das construções sociais quanto à produção de ser tal relação de oposição o único fator de
estigmas e vivência dos papeis de gênero, trabalhos relevância e discussão. A masculinidade, a partir
publicados em português. A sistematização para da discussão de gênero, torna-se uma estrutura
inclusão/exclusão dos estudos se deu pela leitura da prática social (CONNELL, 1995).
preliminar na seguinte ordem: 1) título; 2) resumo; A masculinidade é tratada como um
3) objetivos; 4) método. Chegou-se a um total de produto modelado pelas instituições decisivas na
17 artigos. Os artigos foram analisados por meio sua caracterização contemporânea. No seio da
de leitura do texto completo e sua sistematização burguesia, frente ao modelo de família, o homem
em indicadores bibliométricos como ano e país era a figura que representava o sustento, a
de publicação. manutenção da vida social, a família e a tradição.
Para o alcance do objetivo proposto No período medieval, a organização familiar em
utilizou-se como metodologia a análise de torno do pai provedor e da mãe afetiva alimentou
conteúdo, do tipo estrutural e temática. De estereótipos acerca das obrigações do homem e
acordo com Bardin (2011), a análise de conteúdo das relações maternais (SOUZA, 2009). Com as

Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019 61


novas demandas sociais, Silva (2000) nos traz para A hegemonia será estabelecida
reflexão o pensamento de que o homem estaria somente se existir correspondência
perdendo a noção de sua própria identidade, entre o padrão cultural e o poder
não sabendo mensurar a melhor descrição dele institucional, seja ele coletivo e/ou
mesmo. individual.
No final do século passado, o vestir, o
andar, o comportar-se, a entonação de voz, assim Welzer-Lang (2001) reconhece a
como a supervalorização das formas físicas, as contribuição dos estudos feministas para afinar e
qualidades como agilidade, coragem, bravura, enriquecer a ideia da dominação masculina que
heroismo eram os modelos de masculino. O que se exerce na esfera privada ou pública e atribui
fugisse disso era colocado como inferior, a saber aos homens privilégios materiais, culturais e
as mulheres e “os invertidos” (homossexuais) simbólicos. Tais privilégios também se mantêm
(GAY, 1995 citado por SILVA, 2000). Posterior a em nível de conjunto social a partir do mesmo
isso, inicia-se uma fase em que o homem, em sua sistema de dominação, recaindo não somente
contínua busca de si, incorpora à sua construção sobre as mulheres, mas também sobre outros
pessoal e social alguns comportamentos e homens (WELZER-LANG, 2001).
sentimentos que antes pertenciam ao universo O pesquisador australiano Connell (1995)
feminino, tais como: admitir sua fraqueza, aborda a masculinidade nas relações de gênero
fragilidade, assim como a sensibilidade. Contudo, a partir de ações reais e não do que imaginado
ainda assim, dentro desse universo mais alargado, ou esperado, sendo a masculinidade formada a
o homem ainda não se construíra de forma partir de uma ação racionalmente proposital e de
identitária completa, o que nos leva a observar sentido histórico bem definido. A posição ocupada
a pluralidade das masculinidades na construção pelo homem diz respeito às relações corporais e,
social dos homens contemporâneos (SILVA, também, sociais, incluindo a carga simbólica e
2000). física da corporalidade dos homens na formação
Souza (2009) busca, através dos da masculinidade. Quanto às estruturas das
artigos pioneiros na temática masculinidade, relações de gênero, compreendem a sexualidade,
compreender a crise do masculino e a ideia de a família, o estado, a política, a economia e a
novo homem, entendendo o alargamento desse nação.
campo enquanto contribuição do feminismo. De acordo com Connell (1995, p. 188),
As teorias de gênero e estudos na área “a masculinidade é uma configuração de prática
possibilitaram a construção do campo de estudos em torno da posição dos homens na estrutura
sobre as masculinidades, caracterizados pelo das relações de gênero”. É possível pensar a
enfoque perspectivo diversificado e voltado para masculinidade a partir de uma visão plural, sendo
as relações de poder, conflito e desigualdade, não apenas uma, mas diversas masculinidades.
principalmente, pelo questionamento da A configuração em torno das masculinidades
masculinidade hegemônica. mantém ativa as relações de poder, em que
Conforme Silva (2006, p. 121), paira sobre uma delas o status de hegemonia,
masculinidade hegemônica é uma: levando os demais constructos sócio históricos
a tonarem-se concorrentes ou afirmadores do
[...] configuração de gênero que modelo hegemônico.
incorpora a resposta atual aceita Para Santos (2010b), a pluralidade das
para o problema da legitimidade masculinidades, são construções sociais que
do patriarcado, garantindo a devem ser pensadas sob a ótica da multiplicidade,
posição dominante dos homens uma vez que se apresentam distintas em cada
e a subordinação das mulheres. sujeito. A autora apresenta o pensamento de

62 Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019


Joan Scott (1995), que conceitua gênero a partir sociedade. Essas transformações colocaram em
de duas proposições: como elemento constitutivo pauta o caráter hegemônico da masculinidade,
de relações sociais baseadas nas diferenças a posição patriarcal e dominadora dos homens,
percebidas entre os sexos; e como uma forma tanto em sociedade como na família (LISBOA,
primária de dar significado às relações de poder. 1998 APUD SOUZA, 2009).
Souza (2009) ressalta que as obrigações
Se o gênero é um produto histórico, e deveres atrelados a masculinidade pesavam
então ele está aberto à mudança para os indivíduos, levando essa pauta para os
histórica. É a isso que nos referimos estudos das masculinidades. Uma primeira noção
quando falamos de políticas de gênero. de estudo surge fortemente ligada a sexualidade,
Se quisermos que essa mudança se deslocando-se posteriormente, para questões
torne consciente e aberta ao controle como a paternidade e a violência.
democrático, então precisamos saber A partir de seu estudo sobre a crise
como o gênero é moldado e como da masculinidade, Souza (2009) destaca duas
ele pode ser re-moldado. (CONNELL, possiblidades para o seu surgimento: o medo
1995, p. 189). de redefinir a própria identidade para além da
oposição ao feminino gerando assim um estado
Em torno das relações sexuais, a de crise, devido uma clara definição e limitação
masculinidade hegemônica se destaca como dos papeis até sua então ruptura e; o surgimento
estrutura de poder que busca excluir qualquer da crise da masculinidade a partir do cenário de
variação do comportamento masculino que ruptura dos papeis e não pela sua estruturação
difira de seus preceitos. Não é possível dizer em torno do feminino, podendo dizer que a crise
que há um grupo mantenedor da masculinidade da masculinidade se deve à quebra de padrões
hegemônica enquanto uma elaboração planejada e comportamentos. A masculinidade pode ser
conscientemente, são relações antes contextuais vivenciada pela desvalorização do feminino e
e situacionais. Esse modelo hegemônico, apesar pela supressão os sentimentos, produzindo-se
de não predominante, é sustentado por um um homem inflexível e agressivo (BOURDIEU,
segmento da população masculina em prol 1999 citado por SANTOS, 2010a).
do poder e dominação, ainda que ilusórios ou As masculinidades se constituem
simbólicos (OLIVEIRA, 1998). enquanto estruturas hegemônicas por meio da
Nolasco (2001) acredita que as questões oposição e negação à feminilidade e, também, aos
de gênero foram possíveis a partir das ciências demais modelos de masculinidades concorrentes,
humanas que permitiram o rompimento do suprimindo-as e tornando-as subalternas, ou seja,
sujeito empírico de si próprio. Masculinidade e relegando-as ao mesmo espaço de dominação do
feminilidade tornaram-se definições referentes feminino (BOTTON, 2007). Nolasco (1995a citado
aos sujeitos independentemente da “marca por SOUZA, 2009) traz que a imposição de um
biológica”. Para o autor, atualmente usa-se duas modelo de masculinidade rígido não contempla
masculinidades, um fragmento representa “o a estimulação e melhoria da comunicação
mundo das tradições combatido pelos discursos emocional masculina, levando o indivíduo a um
de minoria com a qual os homens foram afastamento do outro e aproximação de si, porém
identificados”, já o outro “sinaliza as conquistas através do silêncio e sem muita reflexão.
do mundo civilizado e seu modo de acesso a ele” Connell (1995) ressalta o caráter volátil
(NOLASCO, 2001, p. 15). da hegemonia, a se pensar nos fatores variáveis
A noção de crise da masculinidade surge socioculturalmente, porém destaca o patriarcado
da transformação social, que influenciou nos como modelo referência na manutenção dos
papéis das mulheres e, também, na moral em homens em posição de dominação e mulheres na

Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019 63


posição de subordinação. No entanto, para Matos quanto contribuiu no debate sobre os homens
(2000b citado por SOUZA, 2009), ainda que haja e as masculinidades, sob uma ótica dialética e
dentro dos padrões de masculinidade um grupo histórica da realidade social dos gêneros. Gênero
que seja subordinado ou dominado por outro, seria uma categoria constituinte das relações
esses grupos ainda são dominantes diante de sociais entre homens e mulheres utilizada para
outros grupos minoritários comparados a ele. explicar como se dá a diferença entre os sexos
Segundo Connell (1995), há uma por meio das construções e da organização
aproximação do simbólico na masculinidade social. Um sistema simbólico que “configura e
subordinada ao simbólico da feminilidade. reflete posições hierárquicas e antagônicas entre
Transformar um homem, pertencente ao mesmo homens e mulheres” (PINTO et al., 2007). De
grupo em subordinado, é levá-lo a contemplar a acordo com Pinto et al (2007) a “relação entre os
feminilidade, afastando-o da sua posição inicial gêneros é hierarquizada e entendida como um
como forma de demarcação de poder. princípio que classifica as pessoas e serve como
Saliente-se que, de acordo com Welzer- instrumento ideológico de dominação”.
Lang (2001), o feminino torna-se o “polo de Oliveira (1998) discute algumas posições
rejeição central” no processo de socialização tomadas no debate acadêmico sobre o tema
masculina, pois as relações entre os homens masculinidades que, a seu ver, integram o
se estruturam hierarquicamente na imagem processo de visibilização do gênero masculino.
homens/mulheres. Quando um homem não Para Kaufman (1994 citado por OLIVEIRA, 1998,
corresponde ao status esperado é assim como p. 7) a “construção do ego masculino se faz
as mulheres, considerado dominado. Há um sobre uma estrutura de violência internalizada”,
esquema hierárquico que privilegia os homens ou seja, ao mesmo tempo que o homem torna
sob as mulheres e, os demais homens que não a mulher o objeto de sua violência, torna-se
corroboram com essa estrutura, tornam-se também vítima de si mesmo. Essa violência pode
reféns da dominação masculina. O processo ser decorrente do processo de subordinação
de dominação é marcado pelo reforçamento social do homem diante do sistema capitalista
dos estigmas depreciativos em contraponto a em conjunto ao mercado de trabalho, sendo a
manutenção de uma concepção de virilidade. repressão dos desejos emocionais e sexuais a
“O masculino é, ao mesmo tempo, submissão fonte de violência e da dominação que o homem
ao modelo e obtenção de privilégios do modelo” exerce sobre as mulheres, sobre si e os demais
(WELZER-LANG, 2001, p. 464). homens. “A violência de nossa ordem social nutre
Para Kimmel e Messner (1994 citados uma psicologia da violência, que por sua vez
por OLIVEIRA, 1998) os mecanismos através reforça as estruturas social, econômica e política
dois quais os privilégios são possíveis, tornam-se da violência” (OLIVEIRA, 1998, p. 8).
invisíveis para quem é favorecido por eles. Logo, Para o autor (OLIVEIRA, 1998, p. 11)
o homem branco se considera universal, pois não há uma abordagem sobre a masculinidade,
compreende a variabilidade do gênero, raça e marcada por um discurso vitimário, delimitando
classe sob suas experiências. a “condição masculina enquanto vítima de um
conjunto de fatores sociais e psíquicos”. Lançando
Os estudos de gênero mão do papel social masculino, que se caracteriza
enquanto restritivo, sufocando o self íntimo.
Em Giffin (2005) é possível perceber que Kaufman (1994 citado por OLIVEIRA, 1998),
a inserção de homens nos estudos de gênero através do estupro, estabelece um paradoxo: o
na década de 70, a partir do boom feminista na ato diz da expressão do poder e dominação sob
década de 60 nos países centrais, possibilitou as mulheres, mas também diz das fragilidades
avanço tanto para as questões feministas e inseguranças do homem que comete. Para o

64 Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019


autor, é por meio da violência internalizada que de poder entre homens e mulheres, enquanto se
se constrói o ego masculino, onde tanto a mulher frisa questões de gênero nas relações familiares,
é objeto de sua violência como a si próprio. E atribuindo ao papel masculino a culpabilidade,
dessa maneira, a masculinidade se caracteriza em e não ao sujeito a performá-lo. É difícil apontar
tom vitimário: para o sistema capitalista, por exemplo, sem
considerar nas dinâmicas de interação do
Se, por um lado, a masculinidade é cotidiano as possibilidades de subsistência deste
poder, por outro é terrivelmente frágil, mesmo sistema. Isso dá abertura para isenção de
pois não existe como pensamos: uma culpa do indivíduo mesmo, para uma estrutura
realidade biológica, uma fortaleza maior que ele, que paira sobre ele (OLIVEIRA,
indestrutível. Ela é "de papel", 1998, p. 13).
existe apenas como comportamento
prescrito, mais desejável, segundo A violência como marcador social masculino
expectativas socialmente formuladas,
do que efetivamente realizada Ao falar sobre violência e masculinidade
(OLIVEIRA, 1998, p. 7). no contemporâneo, Nolasco (2003, p. 30), afirma
que a violência surge da incapacidade que o
O capitalismo se estabelece como homem tem para “identificar-se e manter-se em
produtor da masculinidade, bem como as relações seu próprio lugar”. É um mecanismo de superar
trabalhistas, que ao mesmo tempo que constrói, sua própria impotência. Então a violência torna
também corrói a masculinidade. O processo de um mecanismo que alimenta a virilidade e reforça
alienação conduzido em sociedade e reproduzido a ideia que se tem do masculino acerca de si no
nas diferentes estruturas que a compõem, leva os seu contexto:
homens ao estranhamento de si e de sua própria
produção. Os homens têm poder sobre os outros Situações de homicídio e violência por
homens, mas não sobre si (OLIVEIRA, 1998). causas externas evocam temáticas
Há estudos que não tratam o homem como que falam de honra, valor, orgulho
vítima da sua condição de gênero, pautando-se heroísmo. Durante muitos séculos,
na dinâmica das relações e a estrutura de poder a masculinidade agregava a si essas
que as fundamenta. referências e as articulava umas às
outras, em torno do eixo viril. Desse
Do ponto de vista vitimário, o que modo, estabelecia-se um roteiro
poderia ser visto como independência para a construção social dos homens
é percebido como incapacidade (NOLASCO, 2003, p. 38).
de reconhecer a dependência. As
expressões de força, através dos Welzer-Lang (2001) aborda o processo de
atos de violência, são tomadas “rito de passagem” de menino para homem, a
como máscaras para a fragilidade partir da imersão em seu ambiente de atividades
e insegurança, operando-se uma socialmente propostas, como nas aprendizagens
inversão que transforma o réu em esportivas, “a estar com os postulantes ao
vítima. Isto nos faz lembrar da piada status de homem”. Aceitar a “lei dos maiores”
do garoto que comete parricídio e é compreender o sistema de regras que pairam
na frente do juiz pede clemência por sobre o social, e a emoção e o valor atribuído é o
estar órfão. (OLIVEIRA, 1998, p. 21). que dá tônus de rito a esse processo. O sofrimento
é parte da construção de uma masculinidade
Pouca atenção é direcionada às relações pautada na agressividade em que se internaliza

Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019 65


toda uma conduta, um modo de ser enquanto fenômeno da violência contemporânea, segundo
homem. a autora a importância de se pensar as múltiplas
masculinidades, deve-se à sua susceptibilidade
É também aprender a respeitar a contradições internas, enquanto construção
os códigos, os ritos que se tornam social. O que não impede “o reconhecimento
então operadores hierárquicos. de um modelo de masculinidade hegemônica,
Integrar códigos e ritos, que no legitimado pelas relações de poder e
esporte são as regras, obriga a apresentado como modelo a seguir”. Machado
integrar corporalmente (incorporar) (2001 citado por SANTOS, 2010b, p. 122) aponta
os não-ditos. Um desses não-ditos, para a desconstrução e o questionamento da
que alguns anos mais tarde relatam masculinidade hegemônica como reforçador
os rapazes já tornados homens, é de “novas configurações de subjetividades
que essa aprendizagem se faz no e sociabilidades machistas” pautadas na
sofrimento (WELZER-LANG, 2001, p. arbitrariedade e na violência.
463). Em Azevedo (1985), o machismo é
definido como um sistema de ideias e valores que
Para Welzer-Lang (2001, p. 463) a violência pauta a dominação masculina sobre as mulheres,
pode ser compreendida como processo de podendo ser também, uma ideologia a fim de
sociabilidade masculina, em que a aprendizagem estabelecer a supremacia por meio da afirmação
se dá no sofrimento, por meio da agressividade, da superioridade e pelo reforço da inferioridade.
de abusos físicos e psicológicos: “Sofrimentos Presente no imaginário social, é proveniente de
psíquicos de não conseguir jogar tão bem quanto um processo extenso de construção do que é ser
os outros. Sofrimentos dos corpos que devem pautado sobre estigmas binários homem/mulher.
endurecer para poder jogar corretamente”. A validação homossocial é comum à
A configuração dos espaços onde se constrói masculinidade, é quando há validação por
a masculinidade hegemônica é permeado atributos referentes à virilidade do sujeito,
não apenas por sofrimento, mas também por estando ele sob aprovação de outros homens.
solidariedade, gerando sentimento de pertença É valido ressaltar que o processo de validação
que possibilita a legitimação de um modelo nada mais é que consequência da própria
socialmente comum entre diferentes indivíduos. dominação masculina, uma vez que a mulher é
Há uma dinâmica psicossocial que tão inferiorizada que o homem busca aprovação
surge como processo de fabricação a partir das em outro homem (KNAUTH et al., 2005 citados
normativas-padrão para os gêneros sobre ser por PINTO et al., 2007).
homem e ser mulher, em que há uma sustentação
e propagação por meio das principais instituições, A representação midiática das masculinidades
como a família, a escola e a igreja. Para Strey
(2004) o modelo patriarcal de sociedade fornece Vitelli (2012) evidencia em seu estudo
diferentes experiências para meninos e meninas, a interlocução entre corpos e masculinidades
em que de um se espera que sejam rudes, nas mídias impressas ou televisivas. Ao citar
autoritários, sujos e não demonstrem fraqueza; Nolasco (2001), Vitelli (2012) aproxima a relação
e de outro se espera comportamento dócil, do corpo objeto ao corpo enquanto produtor de
carinhoso e passivo. subjetividade e mediador de relações sociais,
Santos (2010b, p. 120) busca criar evidenciando a exposição sistemática do homem
articulações possíveis entre gênero e violência, em práticas coletivas como forma de, através de
em especial às múltiplas construções de seu desempenho, “garantir para si visibilidade e
masculinidade e as distintas relações com o status social”, perpetuando uma lógica binária

66 Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019


do ser ou não ser homem. De acordo com completo, e muitos homens que buscam essa
Nolasco (2001 citado por VITELLI, 2012, p. 364), quebra do arraigado para se adequar nos padrões
“a masculinidade é uma experiência coletiva de beleza, ou apenas na onda de cuidado pessoal,
desenvolvida por intermédio de ritos, testes o faz de forma tímida, de modo que não sinta sua
e provas concebidos para o sujeito responder masculinidade ameaçada.
publicamente se ele é ou não é homem”.
Medrado e Lyra (2008) objetivam Os homens estão deixando o fardo
contribuir para os estudos e pesquisas sobre da onipotência carregado por muitos
homens e masculinidades, apresentando um anos e aproximando-se do universo
marco conceitual de gênero, a partir de uma feminino em vários aspectos, dentre
matriz que dialoga com produções feministas. os quais a possibilidade de se
Os meios de comunicação produzem cultura dedicarem à estética corporal. Como
capaz de modelar comportamentos sociais e não são todos eles que aderiram
opiniões políticas, o que contribui na formação às novas características modernas,
de diferentes identidades. Os discursos muitos entram em crise e sentem-
políticos também produzem concepções de se angustiados. (GHILARDI-LUCENA,
masculinidades e de homens e definem os papeis 2012, p. 91).
a serem socialmente interpretados, os locais de
ocupação de cada sujeito. É evidenciado um culto ao corpo e à
Vitelli (2012) apresenta a proposta de perfeição desse corpo. “O desejo de perfeição
Maria Rita Kehl que propõe pensar o corpo como estética que assola o mundo masculino nada
propriedade privada de cada um, diferentemente mais é que o prolongamento daquilo que já existe
do que ela afirma: “O corpo como objeto social nos no universo feminino”. Assim como recaído sob
pertence muito menos do que nós costumamos as mulheres, a cobrança pelo corpo magro, pelo
imaginar (VITELLI, 2012, p. 368). corpo na moda, o corpo bonito tem sido cobrado
Há participação da mídia e da publicidade ao homem (GHILARDI-LUCENA, 2012).
na desconstrução do homem, com relação Analisa-se através de revistas a construção
à vaidade, uma vez considerada feminina, e do homem, desde seu perfil mais magro e culto
há um atrito com o modelo mais rústico de até uma imagem viril, musculosa, fortemente
masculinidade coletivamente compartilhado. associada a uma sexualidade hétero, que reforça
Ghilardi-Lucena (2012, p. 89) afirma que “a o processo de objetificação do corpo pelo qual
mídia atua na construção do imaginário coletivo enfrentou o feminino, e enfrenta o homem.
ao produzir imagens simbólicas e intermediar a Ghilardi-Lucena (2012, p. 96) afirma que a “mídia
relação entre os leitores e a realidade”. A mídia faz com que a vaidade se torne uma característica
é uma esfera de poder em sua multiplicidade de – positiva – masculina, pois sugere tendências de
instrumentos da qual é composta, porém não moda nas peças publicitárias, reportagens, capas
exerce apenas influência, é um meio do fazer, de revista e fotografias”.
tornando-se assim veículo de transformação Apesar disso, enfatiza-se ainda o modelo
através de seu discurso, de forma dialética com o hegemônico predominante em sociedade,
sujeito receptor. Ou seja, o discurso em circulação, “um modelo de masculinidade hegemônico
bem como a reação do público, são possibilidades correspondendo a um homem branco, ocidental,
do fazer midiático que definem a recepção do de classe dominante, provedor, heterossexual,
conteúdo, seja discursivo ou simbólico de forma forte e viril”. Esse modelo hegemônico pode ser
menos alienada (GHILARDI-LUCENA, 2012). percebido nas publicações veiculadas à mídia,
No entanto, nenhum processo de filmes, personagens, brinquedos, direcionando
desconstrução se dá de maneira veloz e por simbolicamente, a busca pelo corpo “perfeito”

Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019 67


(GHILARDI-LUCENA, 2012). delas (CIAMPA, 2012, p. 67).

A construção dos estigmas nas masculinidades Para Silva (2006), as construções


singulares de um sujeito são desconsideradas
O ser humano em sua complexidade pela cultura e pelas sociedades de massa por
psicológica, desenvolve-se a partir das meio do condicionamento descritivo do sujeito
experiências vividas e da interpretação dessas através de modelos normativos em gênero e
experiências, de tal maneira a internalizá- sexualidade. Por cultura, o autor utiliza-se do
las e então externá-las, marcando traços da conceito proposto por Tylor: “um todo complexo
sua personalidade e identidade. A identidade que inclui conhecimento, crença, arte, leis,
humana em sua totalidade é definida pelas mais moral, costumes e quaisquer outras capacidades
diversas combinações, às vezes contraditória e hábitos adquiridos pelo homem enquanto
e suscetível a mudança. O estaticismo não a membro da sociedade” (1831-1917 citado por
caracteriza, pois como a experiência humana LARAIA, 2006).
ocorre constantemente, ela também se altera Na busca pela compreensão das
constantemente. Por mais mutável que seja, a masculinidades a partir do público alvo, Guerra
identidade apresenta-se no conjunto uno que et al (2014) adaptou a Escala de Concepções da
surge da multiplicidade e da mudança, integrando Masculinidade (ECM) para o contexto brasileiro,
as dimensões individual, profissional, familiar, possibilitando assim, estudos mais apurados
social e de lazer (CIAMPA, 2012) acerca do universo masculino. De acordo com
Uma primeira noção de identidade está Mahalik et al. (2003 citados por GUERRA et al.,
na diferença e na igualdade. Tanto a diferenciação 2014) a conformidade a normas enfatiza ao
quanto a imitação, refletem a percepção em masculino a necessidade de aderir às expectativas
torno dos diferentes grupos sociais, ou seja, a sociais em face do seu papel de gênero, o que
congruência da resposta a certos estímulos é o depende de qual modelo de masculinidade
reflexo de qual dos dois pontos, e mesmo de uma comum a cada indivíduo e, diante da não
variável entre eles, é tomado como referencial correspondência a essas expectativas, ocorre o
(CIAMPA, 2012). processo de estigmatização do indivíduo.
O posicionamento de um indivíduo Para Becker e Arnold (1986 citados por
interfere na sua realidade evidenciando apenas SIQUEIRA; CARDOSO, 2011), as crenças sobre
uma parcela integrante da multiplicidade de os estigmas compartilhadas entre os membros
determinações a qual está sujeito, tornando-a da sociedade sobre os diferentes significados
concreta em tempo e espaço: e atributos a ele atrelados é o que propõe o
surgimento do estigma. O estigma é a condição
Em cada momento de minha de não possuir atributos que sejam considerados
existência, embora eu seja uma importantes por algum grupo social, levando o
totalidade, manifesta-se uma parte estigmatizado à uma busca pela normatização de
de mim como desdobramento das si como forma de ajuste e adaptação a sociedade,
múltiplas determinações a que a fim de reduzir, não só as diferenças, mas
estou sujeito. [...] estabelece-se uma também o sofrimento.
intrincada rede de representações “Cada sociedade tem mecanismos de
que permeia todas as relações, controle social para garantir que a maioria de
onde cada identidade reflete outra seus membros se conforme com essas normas.
identidade, desaparecendo qualquer As pessoas que não se conformam com essas
possibilidade de se estabelecer um regras ou quebram os tabus sociais são excluídas
fundamento originário para cada uma socialmente” (BECKER; ARNOLD, 1986, p. 40

68 Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019


citados por SIQUEIRA; CARDOSO, 2011, p. 99). A pessoa estigmatizada o é a partir de
Algumas dimensões abarcadas pela duas identidades: uma real e uma virtual. A
ECM dizem respeito às características que primeira é o conjunto de atributos e categorias
envolvem o masculino no social, ao tempo que que o sujeito pode ter; já a segunda, é o conjunto
também sugerem a importância do estudo de categorias e atributos que as pessoas têm
da masculinidade e das normas de gênero para com um sujeito estranho, logo são valores
para a compreensão das relações. A primeira imputados por pessoas “normais”, quanto ao que
concepção é intitulada esforço constante, força um sujeito estranho deveria ter. Sendo assim,
e confiança demonstram masculinidade; a qualquer característica se constitui um estigma,
segunda concepção é a restrição emocional, especialmente, quando há maior discrepância
não exposição de vulnerabilidades; a terceira entre a identidade social virtual e a identidade
é o heterossexismo, qualquer comportamento social real (GOFFMAN, 1975).
considerado feminino não é aceito; e, por fim, a
provocação social. Considerando que a ECM-16 O indivíduo estigmatizado pode tentar
possui características psicométricas satisfatórias, aproximar-se de contatos mistos com
e tendo em vista a lacuna na literatura sobre agressividade; mas isso pode provocar
masculinidades, reafirma-se a importância de nos outros uma série de respostas
instrumentos validados para a amostra brasileira, desagradáveis. Pode-se acrescentar
atendendo assim, as especificidades territoriais que a pessoa estigmatizada algumas
dessas masculinidades (GUERRA et al., 2014). vezes vacila entre o retraimento e a
O “estar-sendo” no exercício de agressividade, correndo de um para a
determinada parcela na multiplicidade que outra (GOFFMAN, 1975, p. 18).
compõe o arcabouço de uma identidade, pode ser
tomado como o “ser” perante a sua totalidade, ou Siqueira e Cardoso (2011) revisaram a
seja, o que um indivíduo é enquanto atua sobre literatura com objetivo de discutir o conceito de
um aspecto especifico da sua identidade molda estigma para Goffman e para alguns entre tantos
uma identidade que o nega ser aquilo que é na autores que desenvolveram suas ideias a partir
totalidade que a compõe (CIAMPA, 2012, p. 69). dele. Tal como Link; Phelan (2001, p. 377 citados
De acordo com Bock e cols. (2008, p. por SIQUEIRA; CARDOSO, 2011, p. 97) que
214) “O estigma revela que a sociedade tem afirmam que “estigma existe quando elementos
dificuldade de lidar com o diferente”, ainda, para de rotulação, estereotipização, separação,
os autores: perda de status e discriminação ocorrem
simultaneamente em uma situação de poder
Um aspecto bastante importante que permite tais componentes acontecerem”.
desse processo, que pode envolver Para os autores não é necessário que um sujeito
um indivíduo, um grupo ou um povo possua determinada característica para que haja
inteiro e acompanhar o indivíduo o processo de rotulação acerca dele, gerando, a
desde o seu nascimento (uma partir desses rótulos, a criação de estereótipos.
característica física, por exemplo) ou Essas pessoas estigmatizadas que passam pelo
ser adquirido ao longo da vida (assumir processo de rotulação e, estereotipização, são
a própria homossexualidade), é ligadas a características indesejadas e perdem
o atributo negativo, que pode status além de sofrerem com a discriminação.
ser internalizado pelo indivíduo Goffman (1975) também traz a visão
e influenciar decisivamente sua de que a “criatura estigmatizada usará,
autoimagem e sua autoestima. provavelmente, o seu estigma para "ganhos
secundários", como desculpa pelo fracasso a

Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019 69


que chegou por outras razões”. Ele caracteriza as diferentes formas de estar no mundo, viver
o encontro face a face entre pessoas normais e e representar o que é ser homem. Ainda, deve-
pessoas estigmatizadas, como “uma das cenas se atentar para a possibilidade da realização de
fundamentais da sociologia”, isso porque tanto estudos passíveis de múltiplas perspectivas de
a pessoa que é estigmatizada, seja positiva ou abordagem, que abarquem a multiplicidade das
negativamente, quanto a pessoa estigmatizadora, diversas masculinidades, não se mantendo preso
“enfrentarão diretamente as causas e efeitos do a um viés binário de estudo.
estigma”. Na tensão diante de uma situação social Esta revisão bibliográfica possibilitou
mista, o sujeito estigmatizado pode anteceder a compreensão da pluralidade de formas de
responsivamente de maneira defensiva. ser homem, das variadas e complexas nuances
O estigma dá tônus de produção subjetiva que caracterizam a relação de poder entre os
a uma série de atributos ante estereotipados que indivíduos na sociedade, bem como identificar os
produções reais do sujeito, portanto, Nolasco fatores geradores de machismo e da inferiorização
(1985 citados por OLIVEIRA, 1998) aponta o do feminino na sociedade. Apesar do processo de
papel masculino como principal responsável dominação e posterior inferiorização, também
pela "situação precária" da masculinidade, ao pairar sobre os homens, há que se atentar para
considerar que os homens seguem sem muita não relegar ao masculino um lugar de vítima,
reflexão um modelo comportamental que os quando ele é responsável pela manutenção de
restringe subjetivamente, desencadeando uma masculinidade tóxica. O homem é o principal
tensões e angústias contínuas. Consoante a isso, transformador de sua própria condição, e por isso
o autor pensa ser necessária a busca por um é deveras importante o entendimento de todos
novo modelo de papel social, mais humanizado, os processos a ela imbricados.
incluindo, antes de tudo, uma diferença em As discussões de gênero são relevantes
relação ao atual. para debater a violência contra a mulher, tornando-
se instrumento para auxiliar na transformação
das relações em sociedade, uma vez que a
CONSIDERAÇÕES FINAIS violência se manifesta como comportamento
típico na masculinidade. Se há por um lado uma
Ao buscar a construção do estigma em masculinidade tóxica que usa a violência como
torno da masculinidade, em seus mais diversos escudo para sua incapacidade em lidar com as
contextos, observou-se que as teorias e estudos próprias emoções, há de outro a cobrança sobre
feministas ainda são referências principais, não o indivíduo pela conformidade com seu papel de
havendo até então, um campo historiográfico gênero. O ser – homem, diante do processo de
constituído das masculinidades, devido à escassez construção de sua identidade assume formas de
de estudos no campo. Há, estruturalmente, uma experimentação infindáveis, contudo, toma para
concepção binária que molda os papéis sociais, si uma masculinidade que não diz do conjunto
colocando em opostos seres que são mais que no seu todo, deixando à deriva a possibilidade de
apenas masculino versus feminino. Desde a vivenciar diferentes esferas desse conjunto.
maneira de se vestir ao modo de conversar, são Pode-se perceber como a concepção de
estabelecidos padrões que reforçam a limitação masculinidade foi sendo atribuída à virilidade, à
dos indivíduos. força, percorrendo desde os tempos em que o
Não há como compreender as homem era o provedor da família, até atualmente,
masculinidades por si sós. Deve-se considerar onde apesar da quebra de muitos padrões,
a etnia, a classe social, dentre outros fatores essas características persistem como traço forte
variáveis, como relevantes numa pesquisa do masculino. Isso se manifesta através da
histórica, para assim dar conta de compreender preocupação com o corpo, dos comportamentos

70 Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019


de risco atrelados à violência, ou mesmo com GHILARD-LUCENA, M. I. Gênero e representações sociais na
mídia: o corpo masculino. Redisco, Vitória da Conquista, v. 1,
o machismo. Foi possível, também, identificar n. 1, p. 88-97, 2012. Disponível em: http://periodicos.uesb.br/
a influência das mídias na manutenção destes index.php/redisco/article/view/900. Acesso em: 20 abr. 2019
conceitos padronizados de uma masculinidade
engessada e estigmatizada, corroborando GIFFIN, K. A inserção dos homens nos estudos de gênero:
contribuições de um sujeito histórico. 2005. Disponível em:
muitas vezes para a fundamentação de uma http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/630/63010111.pdf.
masculinidade tóxica famigerada. Acesso em: 27 jan. 2019.
Sugerem-se, a partir da baixa produção
GOFFMAM, E. Estigma: notas sobre a manipulação da
observada na literatura nacional, mais identidade deteriorada. Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes
investigações acerca da construção do estigma (Trad.). Rio de Janeiro: LTC. 1975
em torno da masculinidade nos contextos mais
GUERRA, V. M. ET AL. Ser homem é.: adaptação da escala de
diversos, a partir do processo de interação social concepções da masculinidade. Psico-USF, Itatiba, v. 19, n. 1, p.
e das normativas de gênero. 155-165, abr. 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1413-82712014000100015&lng
=en&nrm=iso. Acesso em: 27 jan. 2019.

REFERÊNCIAS LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico.


19. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
AZEVEDO, M. A. Mulheres espancadas: a violência denunciada. MANCEBO, D. Contemporaneidade e efeitos de subjetivação.
São Paulo: Cortez. 1985 In: BOCK, A. M. B. (Org.). Psicologia e o compromisso social. 2.
ed. rev. São Paulo: Cortez, 2009. ISBN 978-85-249-1515-4
BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: São Paulo Edições,
2011. MATOS, M. Teorias de gênero ou teorias e gênero? Se e como
os estudos de gênero e feministas se transformaram em um
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: campo novo para as ciências. Rev. Estud. Fem., Florianópolis,
uma introdução aos estudos de Psicologia. São Paulo: Saraiva, v. 16, n. 2, p. 333-357, ago. 2008. Disponível em: http://www.
2008. p. 214. ISBN 978-85-02-07851-2 scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X20080
00200003&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 27 jan. 2019.
BORBA, A. Movimento feminista, autonomia e organizações
não-governamentais. Fempress, n. 141, jun. 1993. MEDRADO, B.; LYRA, J. Por uma matriz feminista de gênero
para os estudos sobre homens e masculinidades. Rev.
BOTTON, F. B. As masculinidades em questão: uma perspectiva Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 3, set./dez. 2008,
de construção teórica. Rev. Vernáculo, n. 19 e 20, 2007. p. 809-840, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil.
Disponível em: https://revistas.ufpr.br/vernaculo/article/ Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
view/20548/13731. Acesso em: 20 abr. 2019. arttext&pid=S0104-026X2008000300005. Acesso em: 27 jan.
2019.
CAMPOS, M. Feminismo e movimentos de mulheres no
contexto brasileiro: a constituição de identidades coletivas e NOLASCO, S. O apagão da masculinidade? Rio de Janeiro:
a busca de incidência nas políticas públicas. Revista Sociais & trabalho e sociedade, ano 1, n. 2, dez. 2001. Disponível em:
Humanas, v. 30, ed. 2, 2017. Disponível em: https://periodicos. http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2018/03/O-
ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/27310. Acesso em: 20 Apagao-da-Masculinidade-S%C3%B3crates-Nolasco.pdf.
abr. 2019. Acesso em: 22 abr. 2019.
CIAMPA, A. C. Identidade. In: LANE, S.T.M.; CODO, W. (Orgs.) NOLASCO, S. Marc Lépine: violência e masculinidade no
Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: contemporâneo. Interfaces Brasil/Canadá, Belo Horizonte, v.
Brasiliense, 2012. p. 58-75. ISBN 978-85-11-15023-0 1, n. 3, 2003. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/
ojs2/index.php/interfaces/ article/view/6392>. Acesso em: 22
CONNELL, R. Políticas da masculinidade. Educação e Realidade, abr. 2019.
Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 185-209, jul./dez. 1995. Disponível
em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/ OLIVEIRA, P. P. Discursos sobre a masculinidade. 1998; ISSO
view/71725. Acesso em: 20 abr. 2019 19005-1. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/
ref/article/view/12036. Acesso em: 22 abr. 2019.
GARCIA, S. M. Conhecer os homens a partir do gênero e
para além do gênero. In: ARILHA, M.; RIDENTI, U.; SANDRA, PINTO, A. D. C.; MENEGHEL, S. N.; MARQUES, A. P. M. K. Acorda
G.; MEDRADO, B. (Orgs.). Homens e masculinidades: outras Raimundo! Homens discutindo violências e masculinidade.
palavras, São Paulo, ed. 34, 1998. Rev: Psico, Porto Alegre, PUCRS, v. 38, n. 3, p. 238-245, set./

Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019 71


dez. 2007. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/
revistapsico/ojs/index.php/revistapsico/article/view/2885.
Acesso em: 22 abr. 2019.

RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L; JABLONSKI, B. Psicologia


social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016 (Série Manuais Acadêmicos).
p. 56-57. ISBN 978-85-326-5203-4

SANTOS, S. C. M. O modelo predominante de masculinidade


em questão. R. Pol. Públ. São Luís, v. 14, n. 1, p. 59-65, jan./
jun. 2010ª. Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.
ufma.br/index.php/ rppublica/article/view/352. Acesso em: 22
abr. 2019.

SANTOS, V. F. Gênero, masculinidade, violências. Rev. Todavia,


ano 1, n. 1, jul. 2010b, p. 119-124. Disponível em: http://www.
ufrgs.br/revistatodavia/Artigo7%20-%20Revista%20Todavia.
pdf. Acesso em: 22 abr. 2019.

SILVA, S. G. Masculinidade na história: a construção cultural


da diferença entre os sexos. Psicol. cienc. prof. [online].
2000, vol.20, n.3, pp. 8-15. ISSN 1414-9893. Disponível
em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
abstract&pid=S1414-98932000000300003>. Acesso em: 22 de
abr. de 2019.

SILVA, S. G. A crise da masculinidade: uma crítica à identidade


de gênero e à literatura masculinista. Rev. Psicologia
ciência e profissão, 2006, v. 26, n. 1, p. 118-131. Disponível
em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1414-98932006000100011. Acesso em: 22 abr.
2019.

SIQUEIRA, R.; CARDOSO, H. O conceito de estigma como


processo social: uma aproximação teórica a partir da literatura
norte-americana. Imagonautas, v. n. 2, 1, 2011, ISSN: 07190166,
pp. 92-113. Disponível em: https://www.google.com/

72 Revista Científica Fagoc Multidisciplinar - Volume IV - 2019

Você também pode gostar