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A construção social da masculinidade

Article  in  Cadernos de saúde pública / Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública · May 2006
DOI: 10.1590/S0102-311X2006000500027 · Source: DOAJ

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Romeu Gomes
Fundação Oswaldo Cruz
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1118 RESENHAS BOOK REVIEWS

única e universalizada, acabou se transformando em A disciplinarização do corpo masculino também


“bioéticas”, contextualizadas e, no sentido latino é tratada nesse capítulo. Esse mecanismo, que fazia
apresentado pelo livro, preferencialmente compro- parte de um processo social mais amplo, servia aos
metidas com a realidade onde estão inseridas. ideais de conquista e defesa e era incorporado ao co-
tidiano. Seguindo os eixos de docilidade e utilidade,
Letícia Erig Osório de Azambuja “o processo de subjetivação quase que se igualava ao
Cátedra UNESCO de Bioética,
processo de sujeição presentes nas forças armadas, nas
Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.
escolas, em conventos, internatos, colégios, quartéis,
presídios, fábricas, hospitais, asilos etc.” (p. 63).
Seguindo a sua análise sobre o assunto, o autor
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA MASCULINIDADE. passa para a contemporaneidade, discutindo o enre-
Oliveira PP. Belo Horizonte: Editora UFMG/Rio damento do ser masculino com fragilidades, angús-
de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas tias, crises, modismos e aparentes contradições. A
do Rio de Janeiro; 2004. 347 pp. discussão política e acadêmica em torno do ser mas-
ISBN: 85-7041-416-1 culino também é por ele tratada.
Em termos acadêmicos, segundo Oliveira, a epi-
No cenário bibliográfico das ciências sociais, há al- demia da AIDS ensejou debates que tornaram públi-
guns anos, a masculinidade vem surgindo como uma cos certos temas interditos, como as relações extra-
categoria de discussão. A obra de Pedro Paulo de Oli- conjugais e homoorientadas. No bojo dessa discus-
veira, que é uma versão de sua tese de Doutorado em são, desencadeou-se o estímulo para as negociações
sociologia, faz coro a esse movimento que procura femininas em prol de práticas sexuais seguras, ques-
tratar essa categoria como uma construção social. tionando-se as bases convencionais em que predo-
Na introdução, é apresentada a etimologia da pala- minava a determinação masculina no desenho e sig-
vra masculinidade – que surge no século XVIII para ex- nificado da heterossexualidade padrão. Ele observa
plicitar critérios de diferenciação entre os sexos. Sem que a AIDS também provocou uma reação do movi-
cair na armadilha de reificar a masculinidade, logo de mento gay que trouxe reflexos aos estudos sobre a
início, o autor chama a atenção para a insuficiência das masculinidade. Esse movimento se organizou no
definições acerca dessa expressão e encaminha o de- combate do recrudescimento do preconceito e do es-
bate para a importância das suas características histó- tigma imputados àqueles considerados vetores da
ricas, a sua força de arregimentação social, a imbrica- disseminação da doença.
ção com outros lugares simbólicos estruturantes e o Ainda em relação ao mundo contemporâneo, o
seu poder de orientar a formulação de juízos. autor observa que, “apesar de todas as mudanças so-
Em sua discussão, Oliveira chama a atenção para cioestruturais e todos os movimentos que continua-
a masculinidade como um espaço simbólico de sen- mente contestam a hegemonia masculina, esse lugar
tido estruturante que modela atitudes, comporta- simbólico ainda é bastante valorizado e funciona co-
mentos e emoções a serem seguidos. Aqueles que se- mo bússola de orientação para a construção de identi-
guem tais modelos não só são atestados como ho- dades em diversos segmentos sociais” (p. 285).
mens como também não são questionados pelos ou- Em suas considerações finais, Oliveira almeja que
tros que compartilham desses símbolos. sejam desatados os nós das conexões e das associa-
Em seguida, o autor desenvolve uma discussão ções imediatamente projetadas na polarização entre
com o intuito principal de buscar a modelação da o masculino e o feminino, tão freqüentes nos julga-
masculinidade a partir de uma sociogênese moderna mentos do senso comum.
que se volta para instituições que foram decisivas pa- Inúmeras são as contribuições que a obra em
ra o surgimento de suas características contemporâ- questão pode fornecer ao campo da saúde pública.
neas fundamentais. Assinala que, nos séculos XVIII, Por meio dela, pode-se ancorar uma discussão sobre
XIX e parte do século XX, inúmeras características ti- as identidades de gênero. Essa discussão, por sua vez,
das como positivas – a exemplo da valentia, firmeza, pode intentar uma maior reflexão acerca da masculi-
inteligência e imponência – foram associadas ao ser nidade para se compreender os comprometimentos
masculino e vistas como qualidades sobre as quais a da saúde nas relações entre os gêneros. As imbrica-
própria sociedade gostava de se autoprojetar. Discute ções entre violência de gênero e masculinidade é ou-
ainda ícones, símbolos e reflexos dos períodos me- tra temática que pode buscar subsídios na constru-
dievo e moderno que constituem o masculino ou em ção social da masculinidade. A superposição de ações
torno dele gravitam. violentas e características tidas como viris podem ser
Nesse ideal moderno, em que o temor da imatu- melhor compreendidas por meio dessa construção.
ridade é menor do que o da efeminação, a transfor- Ainda no que tange à perspectiva relacional de
mação de um menino em homem passa, primeiro, gênero e saúde, as especificidades do ser homem no
pela “aquisição de um certo padrão físico e, depois, processo saúde-doença-cuidar podem ter maior visi-
através de uma adequação moral, que deveria culmi- bilidade a partir do debate da obra em questão. Nes-
nar com a consagração do casamento” (p. 54). se sentido, dentre outras questões, o debate sobre a
Ainda no século XIX, ressaltam-se os discursos mé- socialização dos homens que faz com que o cuidar de
dicos que alimentaram o slogan mente sã num corpo si não seja visto como prática masculina pode ganhar
são e ajudaram a desqualificar aqueles – como insanos, maior densidade com a leitura deste livro.
negros, judeus, homoorientados – que não se encaixa-
vam no ideal burguês de masculinidade, imputando- Romeu Gomes
Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz,
lhes o status de serem diferentes ou serem deficientes
Rio de Janeiro, Brasil.
sob algum aspecto. Junto a essa desqualificação, a mu- romeu@iff.fiocruz.br
lher costumava também ser vista como ser inferior.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(5):1115-1118, mai, 2006

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