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NORMAS PARA O CRESCIMENTO ESPIRITUAL

Por Miles J. Stanford

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SUMÁRIO

PREFÁCIO 3
FÉ 4
TEMPO 6
ACEITAÇÃO 9
PROPÓSITO 12
PREPARAÇÃO 15
COMPLETO NELE 18
APROPRIAÇÃO 21
IDENTIFICAÇÃO 24
CONSAGRAÇÃO 27
O EGO 30
AUTO-NEGAÇÃO 33
A CRUZ 36
DISCIPULADO 39
O PROCESSO DO DISCIPULADO 42
DESCANSO 45
AUXÍLIO 48
CULTIVO 50
PERMANÊNCIA 53

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PREFÁCIO

Há algum tempo atrás, um amigo passou às minhas mãos um exemplar do livro


intitulado CARTAS VERDES, escrito por Miles J. Stanford. Depois de leias primeiras
páginas, percebi que tinha nas mãos algo extraordinário. Dia após dia, no meu culto
devocional, li ao menos um capítulo e descobri que o livro era um dos mais práticos sobre
as normas bíblicas para o crescimento espiritual que eu já havia lido. Pedi a outros que o
lessem também, e eles confirmaram minhas impressões.

Este livro apresenta princípios básicos referentes às atividades espirituais do crente.


Esses princípios foram apresentados de maneira tão prática, que você achará
compensador lê-los e relê-los e, é claro, pô-los em prática também. Alguns dos aspectos
da vida e da caminhada cristãs que talvez lhe pareçam enigmáticos tornar-se-ão claros
conforme o Espírito de Deus os for transformando era realidade na sua vida diária.

As diversas partes do livro foram, originalmente, feitas em forma de pequenas cartas e


enviadas a um certo número de amigos interessados. Depois foram reunidos neste livro.
Essas cartas ficaram conhecidas como CARTAS VERDES, mas para que esta nova
edição se torne significativa para um novo público, o título foi mudado para NORMAS
PARA O CRESCIMENTO ESPIRITUAL. Sentimo-nos gratos com a permissão que o
autor nos concedeu para a publicação deste livro, em benefício de um maior número de
amigos.

Ainda que certos capítulos sejam tão interessantes, que levem alguém a desejar lê-los
primeiro, seria melhor ler os capítulos na ordem em que estão apresentados. Preceitos
são apresentados uns após outros numa seqüência lógica. Confiamos que essas
verdades serão largamente propagadas.

Theodore H. Epp
Fundador e Diretor "Back to the Bible Broadcast"

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O alvo deste livro é o de apresentar, cuidadosamente, algumas das mais


importantes normas para o crescimento espiritual, a fim de ajudar o leitor a
assentar um sólido alicerce bíblico em Cristo. Ele não pode honrar a nenhum outro.

O Espírito Santo mandou que Paulo escrevesse a cada um de nós o seguinte:


"Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé" (II Cor. 13:5a), e a recomendação
certamente não está fora de ordem, bem no começo desta série de estudos. Em primeiro
lugar, devemos nos lembrar de que "sem fé é impossível agradar a Deus" (Heb. 11:6a).
Além disso, e isto é muito importante, a fé verdadeira precisa estar alicerçada
exclusivamente sobre fatos escriturísticos, pois "a fé vem pela pregação e a pre:, gação
pela palavra de Cristo" (Rom. 10:17). Se a nossa fé não estiver estabelecida sobre fatos,
não passará de conjectura, superstição, especulação ou presunção.

Hebreus 11:1 não deixa dúvidas a respeito. "A fé é a certeza de coisas que se
esperam, a convicção de fatos que se não vêem". A fé estabelecida sobre os fatos da
Palavra de Deus consubstancia e evidencia as coisas que não se vêem. E todos sabem
que a evidência precisa estar fundamentada sobre fatos. Todos nós partimos desse
princípio quando nascemos de novo — nossa crença firmou-se diretamente sobre o fato
eterno da morte redentora da ressurreição de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (I
Cor. 15:1-4). Essa foi a fé com a qual começamos, e é a mesma fé pela qual temos de
"permanecer firmes" (I Cor. 16: 13), e "andar" (II Cor. 5:7), e "viver" (Gal. 2:20b). "Como
recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele" (Col. 2:6).

Desde que a verdadeira fé está ancorada sobre fatos bíblicos, é claro que não
devemos nos deixar influenciar por impressões. George Mueller disse: "As impressões
nada têm a ver com a fé. A fé se relaciona com a Palavra de Deus Não são as
impressões, fortes ou fracas, que farão a diferença. Temos de nos importar com a Palavra
de Deus e não conosco ou com nossas impressões".

As probabilidades constituem também a grande tentação, no que se refere ao


exercício da fé. É com muita freqüência que pensamos: "Não me parece provável que um
dia ele seja salvo". "Do jeito que as coisas estão, acho que o Senhor não me ama". Mas
Mueller escreve: "Muitas pessoas estão prontas a crer nas coisas que lhes parecem
prováveis. A fé nada tem a ver com as probabilidades. A província da fé começa onde as
probabilidades acabam e onde a visão e os sentidos fracassam. As aparências não
devem ser tomadas em consideração. A questão é — se Deus o disse em Sua Palavra".

Alexander R. Hay acrescenta algo mais, dizendo: "A fé precisa se basear na certeza.
Tem de haver um conhecimento definido dos propósitos e da vontade de Deus. Sem isso
não pode haver verdadeira fé. Pois a fé não é uma força que nós exercitamos ou uma luta
para crermos que algo vai acontecer, pensando que se crermos com bastante força, a
coisa acontece mesmo”. Isso pode ser pensamento positivo, mas certamente não é fé
bíblica.

Evan Hopkins escreve: "A fé precisa de fatos para repousar neles. A presunção pode
aceitar a fantasia em lugar do fato. Deus nos revela na Sua Palavra os fatos com os quais
a fé tem de lidar”. É sobre esssa base que J. B. Stoney pode dizer: “A verdadeira fé
sempre se desenvolve com a oposição, enquanto que a falsa confiança é prejudicada e
desencorajada com a mesma”. Não pode haver firmeza sem os fatos irremovíveis. A
preocupação de Pedro era: “Para que o valor da vossa fé, uma vez confirmado, muito

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mais preicioso do que o ouro perecível, mesmo apurado por foto, redunde em louvor,
glória e honra na revelação de Jesus Cristo" (I Ped. 1:7).

Quando começamos a dar valor aos fatos, nosso Pai começa a nos modificar na fé.
Por causa de sua profundamente simples confiança em Deus, Mueller podia dizer que
“Deus se deleita em aumentar a fé dos Seus flhos. Em lugar de não querer as lutas antes
da vitória e de não querer as provações que produzem paciência, deveríamos estar
prontos a aceitá-las da mão de Deus como um meio de obter a fé. Eu digo – e o digo com
deliberação – as provações, os obstáculos, as dificuldades e, às vezes, as derrotas, são o
próprio alimento da fé”.

Sobre o mesmo assunto, James McConkey escreveu: “A fé é dependência de Deus.


E essa dependência de Deus só começa quando termina a auto-dependência. E a auto-
dependência só acaba, com alguns de nós, quando a tristeza, o sofrimento, a aflição e
planos e esperanças desfeitos levam-nos ao ponto da derrota e da falta de confiança em
nós mesmos. É só então que descobrimos que aprendemos a lição da fé; que
descobrimos que a nossa frágil embarcação de vida se precipita para a frente na direção
de uma bendita vitória de vida, poder e serviço, com a qual nem sonhávamos nos dias em
que vivíamos na força da carne e da auto-confiança".

J.B. Stoney concorda, dizendo: "É uma grande coisa aprendermos a fé: isto é.
simples dependência de Deus. É de grande conforto ter a certeza de que o Senhor está
lhe ensinando a depender dEle, e é notável que a Fé seja necessária em tudo. ‘O justo
viverá pela fé', não somente nas suas circunstâncias, mas em tudo. Eu creio que o
Senhor permite que muitas coisas aconteçam com o propósito de nos levar a sentir a
necessidade que temos dEle. Quanto mais você O encontrar em suas tristezas e
necessidades, mais você se Lhe apegará e se sentirá afastado desse lugar de tristezas,
indo na direção dEle é do lugar onde Ele está". "Pensai nas coisas lá do alto" (Col. 3:2a).

Para se dizer a verdade, não podemos confiar em alguém além do conhecimento que
temos dessa pessoa. Por isso, além de tomarmos conhecimento dos fatos envolvidos,
devemos conhecer cada vez mais intimamente Aquele que os apresenta e os sustenta! "E
a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a
quem enviaste" (João 17:3). "Graça e paz vos sejam multiplicadas, no pleno
conhecimento de Deus e de Jesus nosso Senhor. Visto como pelo seu divino poder nos
têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento
completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude" (II Ped. 1:2-4).

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TEMPO

Parece que a maior parte dos crentes tem dificuldade em perceber e aceitar o
inexorável fato de que Deus não tem pressa na Sua tarefa de desenvolvimento de nossa
vida cristã. Ele está agindo de uma a outra eternidade! São tantos os que acham que não
estão fazendo progressos, se não estiverem rápida e constantemente avançando. É
verdade que o recém-convertido freqüentemente começa e continua durante algum tempo
num passo rápido. Mas isso não continua assim, se é que há um crescimento sadio que
conduz à maturidade, Deus mesmo vai modificar o ritmo do desenvolvimento. É impor-
tante que entendamos que na maior parte dos casos, quando um aparente retrocesso
começa a se instalar, não é, como muitos pensam, uma questão de afastamento do
Senhor.

John Darby o esclarece, dizendo que "Deus tem um jeito de deixar as pessoas de lado
depois do seu primeiro avanço. para que a auto-confiança possa desvanecer-se. Com
Moisés, foram quarenta anos. Logo que começou, precisou fugir. Com Paulo, foram três
anos, também, depois do seu primeiro testemunho. Temos de conhecer a nós mesmos e
perceber que não temos força própria. Assim, temos de aprender e, então, apoiando-nos
no Senhor, podemos, com mais maturidade e mais experiência, lidar com as almas".

Considerando que a vida cristã amadurece e dá frutos pelo princípio do crescimento (II
Ped. 3:18), mais do que por meio de lutas e "experiências", muito tempo é envolvido. Se
não percebermos e concordarmos com isso, teremos constantes frustrações, para não se
falar da resistência ao processo de desenvolvimento que o nosso Pai tem para nós. O Dr.
A.mH. Strong nos dá a ilustração: "Um aluno perguntou ao diretor da sua escola se não
podia fazer um curso mais resumido do que aquele que lhe fora indicado. 'Ah, sim',
respondeu o diretor, 'mas isso depende do que você quer ser. Quando Deus quer fazer
um carvalho, Ele leva cem anos, mas quando Ele quer fazer uma abóbora, leva seis
meses". Strong mostra-nos, também, e muito sabiamente que "o crescimento não é uma
coisa uniforme, quer na árvore quer na vida cristã. Em certos meses do ano há mais
crescimento do que em todos os outros juntos. Durante o resto do ano, entretanto, há
solidificação, sem a qual a madeira verde não teria valor. O período de rápido
crescimento, quando a fibra da madeira é realmente depositada entre a casca e o tronco,
leva de quatro a seis semanas".

Vamos estabelecer uma coisa para todo o sempre — não existem atalhos para
realidade! Um meteoro esta no fim do seu caminho quando começa a se apagar, mas não
uma estrela, com a sua luz firme, da qual os navegadores dependem com tanta
freqüência. Se o fator tempo não for reconhecido de todo o coração, sempre há o perigo
de se entrar por um falso e atraente atalho por meio de "experiências" e "bênçãos", nas
quais a pessoa fica pateticamente enredada no vórtice dos "sentimentos" sempre
cambiantes, à deriva do ancoradouro dos fatos bíblicos.

Em relação a esse assunto, George Goodman escreve: "Alguns têm sido induzidos ao
erro de afetar a perfeição, a libertação completa do pecado, porque, no momento em que
falam, sentem-se felizes e confiantes no Senhor. Esquecem-se de que não é uma
experiência presente que assegura o fruto da maturidade, mas uma paciente
permanência na prática do bem. Provar a graça de Deus é uma coisa; estabelecer-se
nela e manifestá-la no caráter, nos hábitos e na vida regular, é uma outra. Experiências e
bênçãos, ainda que verdaderias visitações da graça do Senhor, não são suficientes para
descansarmos em nós mesmos, como se tivéssemos um estoque de graça para o futuro,
ou como se já estivéssemos no fim da nossa luta. Não. Frutos amadurecem devagar; dias

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de sol e dias de tempestade, cada um acrescenta algo. Bênçãos virão depois de bênçãos,
e temperades seguirão tempestades, antes qeu o fruto alcance seu crescimento competo
ou esteja maduro”.

Sabemos que o método do Lavrador, para o verdadeiro crescimento espiritual, envolve


dor como também alegria; sofrimento como também felicidade; fracasso como tambem
sucesso; inércia como também serviço; morte como também vida; a tentaão de
buscarmos um atalho é espeicalmente forte, se não percebermos o valor disso tudo,
submetendo-nos à necssidade do elemento tempo; com simples confiança, descansando
nas Suas mãos, “plenamente certos de que aquele que começou a boa obra em nós há
de completá-la até ao dia de Cristo Jesus! (Fil. 1:6). E, queridos amigos, levará este
tempo todo! Mas, considerando que Deus está trabalhando com vista à eternidade, por
que deveríamos nos preocupar com o tempo envolvido?

Graham Scroggie afirmou: “A renovação espiritual é um processo gradual. Todo


crescimento é progressivo, e quanto mais excelente o organismo, mais longo o processo.
É de medida em medida: trinta, sessenta e cem vezes mais. É de estágio em estágio:
‘primeiro a erva, depois a espiga, e, por fim, o grao cheio na espiga’. E é o dia após dia.
Como eles são variados! Há dias grandiosos, dias de batalhas decisivas, dias de crise na
história espiritual, dias de triunfo no serviço cristão, dias em que Deus coloca a Sua mão
direita sobre nós.

Mas há também dias de ócio, dias que nos parecem sem utilidade, quando toda
oração e todo culto nos parecem uma carga. Será que nós, de algum modo, somos
renovados nesses dias? Sim, pois cada experiência que nos torna mais cônscios da
necessidade que temos de Deus deve contribuir para o progresso espiritual, .a menos que
neguemos o Senhor que nos comprou".

Vamos citar alguns nomes de crentes conhecidos que Deus obviamente conduziu à
maturidade e usou para a Sua glória — tais como Pierson, Chap-man, Tauler, Moody,
Goforth, Mueller, Taylor, Watt, Trumbull, Meyer, Murray, Havergal, Guyon, Mabie, Gordon,
Hyde, Mantle, McCheyne, McConkey, Deck, Paxson, Stoney, Saphir, Carmichael e
Hopkins. Em média, eles levaram quinze anos, depois de engajados na obra de suas
vidas, para começarem a reconhecer o Senhor Jesus como sua Vida, cessando de
trabalhar para Ele em seus próprios esforços, e começando a permitir que Ele fosse
o seu Tudo em tudo, fazendo, Ele mesmo, a Sua obra através deles. Isso não deve
nos desencorajar de modo nenhum, mas deve nos ajudar a firmarmos a nossa visão na
eternidade, pela fé "para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo
Jesus. ...prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo
Jesus" (Fil. 3:12b, 14).

Certamente isto não deve diminuir uma experiência dada pelo Espírito, uma bênção,
ou mesmo uma crise; mas é preciso lembrar de que estas simplesmente contribuem para
o processo global, de suma importância. Leva tempo compreendermo-nos a nós mesmos;
leva tempo e uma eternidade conhecer o nosso Infinito Senhor Jesus Cristo. Hoje é o dia
no qual devemos pôr a mão no arado, e irrevogavelmente colocarmos o nosso coração no
alvo que Ele tem para nós — "para o conhecer e o poder da sua ressurreição, e a
comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte" (Fil. 3:10).

"Freqüentemente, na batalha", diz Austin-Sparks, “vamos ao Senhor, e oramos, e


pedimos, e suplicamos pela vitória, por poder, por um triunfo sobre as forças do mal e da
morte, e o nosso pensamento é que o Senhor virá, de algum modo, exercitar e exibir um

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poder colossal, colocando-nos numa posição de vitória e triunfo espiritual dum só feito.
Precisamos corrigir nossa atitude mental. O que o Senhor faz é libertar-nos para que
tomemos posse. Ele nos leva através de algum treino, algumas experiências — leva-nos
por algum caminho, que resulte em expansão espiritual e exercício de espiritualidade,
para que venhamos a ocupar espontaneamente um lugar mais amplo. 'Não os lançarei
fora de diante de ti, num só ano, para que a terra não torne em desolação, e as feras do
campo se não multipliquem contra ti. Pouco a pouco os lançarei de diante de ti, até que te
multipliques e possuas a terra por herança' (Êx. 23:29,30)".

"Certo dia, na Câmara dos Comuns, Disraeli, o primeiro ministro britânico, fez um
brilhante discurso movido por um impulso. Naquela noite, uma conhecida lhe disse: 'Devo
lhe dizer o quanto gostei do seu discurso improvisado. Estive a pensar nele o dia todo’.
‘Madame’, confessou Disraeli, 'esse discurso improvisado esteve em minha mente
durante vinte anos!’”

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ACEITAÇÃO

Há dois assuntos que cada crente deve resolver o mais depressa possível. O primeiro
é: Será que Deus me aceita inteiramente? E: Se Ele me aceita, em que base Ele o faz? É
um assunto decisivo. Que devastação costuma permear a vida de uma pessoa, jovem ou
velha, rica ou pobre, salva ou perdida, que não tem certeza de estar sendo aceita, mesmo
no nível humano.

E, no entanto, quantos crentes, "lutadores" ou "vegetantes", atravessam a vida sem


esse precioso fato sobre o qual poderiam descansar e edificar a sua vida: "Predestinou-
nos para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de
sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no
Amado" (Ef. 1:5,6).

Cada crente é aceito pelo Pai, em Cristo. "Justificados, pois, mediante a fé, tenhamos
paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo" (Rom. 5:1). A paz vem de Deus
para nós, por meio do Seu Filho Amado — é sobre isso que a nossa paz deve se basear.
Deus pode estar em paz conosco por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, "havendo feito
a paz pelo sangue da sua cruz" (Col. 1:20). E não devemos nos esquecer nunca de
que a Sua paz se fundamenta exclusivamente na obra da cruz, totalmente à parte de
qualquer coisa que haja em nós ou venha de nós, uma vez que "Deus prova o seu
próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda
pecadores" (Rom. 5:8).

A nossa fé se transforma numa atitude fixa, uma vez que começa a descansar nesse
fato maravilhoso. Então ela pode, caso necessário, ser "rejeitada, sim, pelos homens, mas
para com Deus eleita e preciosa" (I Ped. 2:4). Essa é a influência firmadora de que a
maior parte dos crentes sente falta hoje em dia. Há um século atrás, J. B. Stoney
escreveu: "O Deus bendito nunca altera nem diverge do modo pelo qual nos aceitou, por
causa da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Mas que pena! nós nos desviamos do
estado no qual Deus poderia estar sempre vindo em nossa direção, conforme registrado
em Romanos 5:1-11. Muitos supõem que, tendo "consciência de pecado, devem,
portanto, renovar a sua aceitação da parte de Deus.

"A verdade é que Deus não mudou. Seus olhos repousam sobre o que Cristo realizou
em benefício "do crente. Quando você não anda no Espírito, você está na carne; você deu
lugar ao “velho homem”, que foi crucificado na cruz (Rom. 6:6). Você tem que ser
restaurado à comunhão, e quando isto acontece, descobre que sua aceitação nunca
mudou nem pode mudar. Quando os pecados se insinuam, nasce um medo de que Deus
tenha mudado. Ele não mudou, mas você, sim. Você não está andando no Espírito, mas
na carne. Você tem de se julgar a si mesmo, para ser restaurado. 'Porque isto é o meu
sangue, o sangue da (nova) aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de
pecados' (Mat. 26:28). Mas se os seus pecados não forem resolvidos na cruz, onde o
serão? 'Ora, onde há remissão destes (dos pecados), já não há oferta pelo pecado' (Heb.
10:18). Deus efetuou a reconciliação; Ele se mantém sempre fiel a mesma. Mas, que
pena! nós é que nos afastamos dela; e a tendência é a de supor que o bendito Pai mudou
para conosco. Ele certamente julgará a carne, se nós não o fizermos, mas Ele nunca se
afasta do amor que expressou ao filho pródigo, e descobrimos que, quando a nuvem que
o andar na carne produziu já se foi, o Seu amor, louvado seja o Seu Nome, nunca
mudou".

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A base divina deve ser a nossa base de aceitação. Não existe nenhuma outra. Somos
aceitos "no Amado". Nosso Pai está plenamente satisfeito com o que Seu Filho Amado
fez em nosso favor, e não há motivo para que nós também não o estejamos. A nossa
satisfação só pode brotar da Sua satisfação, e repousar nela. Vem de Deus para nós, não
de nós para Deus. J. N. Darby foi muito claro sobre isto: "Quando o Espírito Santo
persuade o homem, Ele não argüi sobre o que o homem é para Deus mas, sim, sobre o
que Deus é para o homem. O homem acha que sua aceitação com Deus depende de
seus próprios méritos. Ele não pode aceitar você desse modo; você está procurando
justiça em si mesmo, para que Ele possa aceitá-lo. Você não pode obter paz enquanto
estiver argumentando assim.

"O Espírito Santo sempre expõe o que Deus é, e isto produz uma mudança total na
minha alma. Não é que eu odeie os meus pecados; na verdade, eu posso estar me
comportando muito bem; mas é que eu ‘desprezo a mim mesmo'. É assim que o Espírito
Santo argumenta; Ele nos mostra o que nós somos, e essa é uma das razões por que Ele
parece freqüentemente tão duro e não dá paz à alma, pois Ele não nos deixa até que
experimentemos e reconheçamos de todo nosso coração, o que somos. Ele não concede
a paz, até que a alma chegue a esse ponto — Ele não pode fazê-lo; seria uma cura
superficial. A alma tem de chegar ao ponto de descobrir que não existe nada em que ela
possa se apoiar, a não ser a profunda bondade de Deus; e então, 'Se Deus é por nós,
quem será contra nós?' (Rom. 8:31b)".

Triste é dizer que a maior parte dos crentes, hoje em dia, pensa exatamente o
contrário — deles para com Deus. Quando tudo está correndo bem, e Deus parece estar
abençoando, então sentem que Deus os ama e os aceita. Mas quando tropeçam, e tudo
parece seco e difícil, então acham que Deus não os ama e não os aceita. Mas não pode
ser assim! Não há nada em nós que nos recomende diante de Deus; Ele nos aceita só por
causa de Cristo. A realidade é que a maior parte de nosso verdadeiro desenvolvimento
espiritual vem por meio das horas de sequidão e dificuldades. Graças a Deus, Ele nos
aceitou no Seu Filho, e sobre esse FATO devemos repousar a nossa fé. Como na
justificação, a nossa aceitação é tão somente pela GRAÇA. No seu clássico, "Romanos,
Versículo por Versículo", William R. Newell apresenta alguns pensamentos penetrantes
com relação a essa graça:

"Não havendo na criatura nenhum motivo para que a graça seja manifesta, a criatura
tem de ser dissuadida de tentar apresentar motivos a Deus para que lhe dispense o Seu
cuidado". "Ela foi aceita em Cristo, e é Cristo que é a sua posição!" "Ela não está em
prova". "Quanto à sua vida passada, não existe mais diante de Deus! Ela morreu na cruz,
e Cristo é a sua Vida". "A Graça, uma vez concedida, não pode mais ser retirada, pois
Deus conhece todas as exigências humanas de antemão. Sua ação foi independente
delas, e não apoiada nelas".

A atitude adequada do homem sob a graça:

"Crer e consentir em ser amado ainda que indigno, é o grande segredo".

"Recusar-se a tomar 'resoluções' e fazer 'votos'; pois isso é confiar na carne".

"Esperar ser abençoado, ainda que percebendo cada vez mais a falta de valor
próprio".

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"Descansar sobre a mão de Deus, que castiga (como a um filho que Ele educa) como
um sinal da Sua bondade".

Coisas que as almas graciosas descobrem:

"Esperar ser melhor (e, por tanto aceitável) é deixar de se ver em Cristo somente".

"Ficar desapontado consigo mesmo é ter acreditado em si mesmo".

"Ficar desencorajado é incredulidade — no que se refere ao propósito e plano de


Deus de abençoá-lo" .

"Ser orgulhoso, é ser cego! Pois não temos posição diante de Deus, em nós mesmos".

"A falta da bênção divina, portanto, brota da incredulidade, e não da falta de devoção".

"Pregar primeiro a devoção e depois a bênção, é inverter a ordem divina; é pregar a


Lei em lugar da Graça. A Lei fazia que as bênçãos dependessem da devoção; a Graça
concede bênçãos imerecidas e incondicionais: nossa devoção pode vir depois, mas nem
sempre o faz — nas medidas apropriadas".

Temos tido medo de realmente crer em Deus? Tem alguém chegado ao ponto de ter
medo de permitir que os outros realmente creiam em Deus? Não devemos nunca
esquecer que "Os caminhos de Deus nem sempre são os caminhos do homem. Para
alguns homens o perigo constante é o único impulso que os leva à ação, e muitas
religiões e psicologias dependem do medo para manter os seus discípulos na linha. O
medo também tem um lugar no Cristianismo, mas Deus tem motivações mais elevadas e
mais eficientes do que o medo, e uma delas é o amor. Freqüentemente o medo, depois
de algum tempo, produz apenas insensibilidade, mas o amor prospera o amor. Prometer a
um homem a certeza do seu destino pode parecer, no nível humano, o mesmo que
brincar com fogo; mas isso deixa Deus fora do quadro. Aqueles que apreciam a graça
com mais profundidade, não continuam no pecado. Além disso, o medo produz
obediencia por temor, amor gera a obediência dos filhos". — J. W. Sanderson, Jr.

"Pois também se a trombeta der som incerto, quem se preparará para a batalha?" (I
Cor. 14:8). Até que o crente esteja absoluta e escrituristicamente certo de sua posição,
não vai permanecer nela. "Estai, pois, firmes" (Ef. 6:14a).

"Ora, nosso Senhor Jesus Cristo mesmo, e Deus nosso Pai que nos amou e nos deu
eterna consolação e boa esperança, pela graça, console os vossos corações e os
confirme em toda boa obra e boa palavra" (II Tess. 2:16,17).

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PROPÓSITO

Como é maravilhoso e incentivante saber que o nosso Pai Celestial tornou claro como
cristal, na Sua Palavra, exatamente qual é o Seu propósito para cada um de nós. Agora
chegou a hora, exatamente nesses instantes que se seguirão, de esclarecer, com a
autoridade de Sua Palavra eterna, qual o propósito dEle para a sua vida pessoal.

"Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem" (Gên. 1:26). O primeiro
Adão, o cabeça da raça humana, foi feito à imagem de Deus no reino da personalidade,
intelecto, emoções, vontade, etc., para que pudesse haver comunhão, amizade e
cooperação entre eles; com Deus soberano e o homem súdito — sujeito à Sua vontade, o
que é a perfeita liberdade. Mas nós sabemos que Adão foi enganado e levado a escolher
o seu próprio caminho, em lugar do caminho divino, confiando em si somente, amando só
a si mesmo. Como resultado, imediatamente se tornou ego-centralizado, em lugar de
centralizar a sua vida em Deus; morto para Deus, que é a Fonte de toda a Vida, morto em
pecados e transgressões. Nessas condições, Adão "gerou um filho à sua semelhança,
conforme a sua imagem (decaída)" (Gên. 5:3). Foi assim que ele produziu uma raça
pecadora, sem Deus e ego-centralizada, com indivíduos mortos nos seus delitos e
pecados (Ef. 2:1).

"(Deus) nestes últimos dias nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas
as coisas, pelo qual também fez o universo. Ele que é o resplendor da glória e a
expressão exata do seu Ser..." (Heb. 1:2,3).

Eis a imagem de Deus na terra, dessa vez na pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, o
último Adão de Deus (I Cor. 15:45,47). Nosso nascimento natural fez-nos membros da
raça decaída e pecadora do primeiro Adão. Nossa transição da velha raça pecadora para
a nova e divina é conhecida como "novo nascimento". Quando "nascemos de novo", por
meio do "arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus (Cristo)" (Atos
20:21), nascemos nEle — Ele se torna a nossa Vida (Co. 3:3,4). "...foste cortado da que,
por natureza, era oliveira brava, e contra a natureza enxertado em boa oliveira" (Rom.
11:24). "Porque, como pela desobediência de um só homem (Adão) muitos se tornaram
pecadores, assim também por meio da obediência de um só (Cristo) muitos se tornarão
justos" (Rom. 5:19).

Nosso Pai Celestial continua desenvolvendo o Seu propósito de tornar o homem à Sua
imagem. Mas, ainda que o Seu primeiro propósito continue sendo o mesmo, Ele não está
usando o homem original para executá-lo. TUDO agora está centralizado no Último Adão,
nosso Senhor Jesus. Nascendo nEle por meio da fé, nós nos tornamos "co-participantes
da natureza divina" (II Ped. 1:4). E quando o Senhor Jesus tem permissão de Se
expressar através de nossa personalidade, este pobre e enfermo mundo verá "Cristo em
vós, a esperança da glória" (Col. 1:27). Em I Coríntios 15:49, Paulo nos dá a animadora
promessa: "E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno (Adão), devemos trazer
também a imagem do celestial (Cristo)".

"Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus,
daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que de antemão
conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho" (Rom.
8:28,29). Eis aí o "bem" para o qual Deus está operando com "todas as coisas
cooperando" — Seu propósito original em nos tornar semelhantes à Sua imagem, que se
centraliza e se expressa no Seu Filho, Cristo, que é a nossa Vida. A determinação de
Paulo para cada um dos seus convertidos era: "Meus filhos, por quem de novo sofro as

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dores de parto, até ser Cristo formado em vós" (Gál. 4:19).

O segredo aberto do crescimento espiritual sadio é conhecer e se estabelecer no


fato apresentado em Romanos 8:28 e 29. Quando entendemos que todas as coisas
estão cooperando para nos tornar cada vez mais semelhantes ao Senhor Jesus, não
ficaremos frustrados e perturbados quando alguma dessas "coisas" forem duras,
difíceis de entender, e muitas vezes contendo um elemento de morte. Seremos
capazes de descansarmos no Senhor Jesus e dizermos ao nosso Pai: "Seja feita a
Tua vontade". E a nossa constante atitude de fé será: "Ainda que ele me mate, nele
esperarei" (Jó 13:15, Ed. Rev. Corrigida). Essa é a nossa matrícula na maturidade
espiritual!

"E todos nós com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do
Senhor, somos transformados de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo
Senhor, o Espírito" (II Cor. 3:18). Uma coisa é conhecer o propósito de Deus em nossas
vidas, e é outra completamente diferente saber algo do "como" entrar nele agora mesmo.
Um dos meios mais eficientes que Deus usa é o fracasso. Tantos crentes ficam
simplesmente frenéticos com o fato do fracasso em suas vidas, e fazem tudo para
escondê-lo, ignorá-lo ou racionalizá-lo. E o tempo todo ficam resistindo ao instrumento
principal, usado pela mão de Deus, para nos tornar semelhantes à imagem do Seu Filho!

O fracasso, que se refere ao ego em nossa vida e serviço cristãos, é permitido por
Deus e, freqüentemente, Ele mesmo o planeja, para nos afastar completamente de nós
mesmos na direção da Sua Fonte para a nossa vida — Cristo Jesus, que nunca falha.
Regozije-se, caro amigo, na sua necessidade e na fome que sente o seu coração, pois
Deus diz: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos"
(Mat. 5:6). Quando nós, em nossa completa necessidade, olhamos consistente e
amorosamente para nosso Senhor Jesus conforme revelado na Palavra, o Espírito Santo
mudará, calma e facilmente, o centro e a fonte de nossas vidas do ego para Cristo —
donde, para cada um de nós, há de ser "Não mais eu, mas Cristo".

Deus tem uma lei natural que age no sentido de sermos conformados com aquilo no
que centralizamos nosso interesse e amor. Hawthorne apresentou esse fato em seu livro
"A Grande Face de Pedra". Lembrem-se, também, da Alemanha há alguns anos atrás,
cheia de pequenos Hítleres, tudo por causa da fanática devoção a um pintor de paredes
de segunda categoria! Aqui em nossa terra, as revistinhas, o rádio, a televisão e o
cinema, todos têm contribuído para nos dar uma nascente geração de jovens Superman,
vaqueiros, gangsters, etc. E o que dizer do crente? Se somos atraídos por este presente e
maligno mundo, nós nos tornamos progressivamente mundanos; se mimamos o ego e
vivemos para ele, ficamos cada vez mais ego-centralizados; mas quando olhamos para
Jesus Cristo, tornamo-nos cada vez mais iguais a Ele.

Norman Douty escreve: "Se eu devo ser igual a Ele, então Deus, na Sua graça, tem de
fazê-lo, e quanto mais cedo eu reconhecê-lo, mais cedo serei libertado de qualquer outra
forma de servidão. Jogue fora qualquer empenho e diga: 'Não posso fazê-lo; quanto mais
tento, mais me afasto de Sua semelhança. Que devo fazer?' O Espírito Santo responde:
'Você não pode fazê-lo; simplesmente recolha-se; desista'. Você tem estado na arena;
você tem-se esforçado; você é um fracasso; saia e assente-se, e, enquanto estiver
assentado, contemple a Ele. Não tente ser igual a Ele, só olhe para Ele. Simplesmente
ocupe-se com Ele. Esqueça-se de tentar ser igual a Ele. Em lugar de permitir que o seu
coração se encha desse desejo, permita que Ele o encha. Simplesmente olhe para Ele
através da Palavra. Abra a Palavra com um só propósito que é o de encontrar o Senhor.

13
Não para abarrotar a sua mente de coisas a respeito da Palavra santa, mas abra-a para
encontrar-se com o Senhor. Que ela seja um meio, não de educação bíblica, mas de
comunhão com Cristo. Olhe para o Senhor".

"Eu quero ser igual a Ti, Senhor!"


Estende as tuas mãos, sossega o coração.
Ó alma aflita, aquieta o teu clamor
E não Me impeças com tua inquietação.
Observa as flores que há na natureza,
Recebem sem esforço toda a sua beleza; O seu trabalho doce estão realizando,
Alegre e calmamente vão só desabrochando. E assim, também, desfruta as alegrias,
Pois toda lida e luta são só minhas". (Ter Steegen)

"Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua
boa vontade" (Fil. 2:13). E qual é a Sua "boa vontade", que Ele está "efetuando" em nós?
Ele está realizando tudo em conjunto, com este único propósito: "Para que também a vida
de Jesus se manifeste em nossa carne mortal" (Fil. 1:21). Este é o serviço: "...havia
alguns gregos... e lhe rogaram: Senhor, queremos ver a Jesus" (João 12:20,21).

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PREPARAÇÃO

Quando tomamos conhecimento do Seu eterno plano e propósito para nós, mais o
Seu método de preparação e o processo para alcançar o fim, nasce o descanso e a
confiança. Acontece que o ingrediente divino, básico para o crescimento, é a
dificuldade. Sem dificuldades pessoais, não avançaríamos em nossa vida cristã. O
motivo pelo qual o nosso Pai cria e permite as dificuldades em nossas vidas é o de nos
afastar de tudo aquilo que está fora de Cristo, centralizando-nos nEle somente. "Não mais
eu, mas Cristo".

Tanto para o nosso crescimento quanto para o nosso serviço, é de todo essencial que
vejamos e entendamos este princípio, que J. B. Stoney apresenta numa sentença: "A
alma jamais se apropria da verdade em toda sua realidade a não ser que precise dela".
Quanto ao nosso crescimento, é a nossa necessidade que nos leva a buscarmos e a nos
apropriarmos, pela fé, daquilo que precisamos receber de nosso Senhor Jesus Cristo. E
quanto ao serviço, ao testemunho e à ajuda aos outros, temos que observar e aguardar
pelo coração ansioso e faminto, se quisermos que haja fruto permanente. O Sr. Stoney
diz novamente: "O verdadeiro valor de uma coisa só é reconhecido quando precisamos
dela". O Sr. Darby o torna duplamente claro, escrevendo: "A sabedoria e a filosofia jamais
encontraram Deus; Ele mesmo se nos apresenta através de nossas necessidades; a
necessidade é que O torna conhecido. Duvido muito que tenhamos alguma vez aprendido
algo de maneira sólida, a não ser se o aprendemos dessa maneira".

A luz disso, nossas necessidades são de valor inestimável! Temos de enfrentar o fato
de que, sem a fome espiritual, não podemos nos alimentar do Senhor Jesus Cristo. Por
causa de nossa experiência pessoal, Mateus 5:6 deveria significar muito mais para cada
um de nós — "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos".
Com muita freqüência os crentes são exortados e até mesmo pressionados a crescerem,
antes que sintam uma aguda consciência da necessidade, antes que haja uma verdadeira
fome espiritual. E é triste dizer que, muitas vezes, quando existe um verdadeiro coração
faminto, muito pouco alimento espiritual se lhe oferece. Um dos motivos principais por que
tanto esforço evangelístico e tanto evangelismo pessoal resulte em tão pouco ou nada, é
que as verdades são forçadas sobre as "vítimas" para serem salvas, antes que percebam
que estão perdidas. Todo o trabalho logo resulta em nada, se não houver um
derramamento de convicção de pecado que leve os perdidos a buscarem Cristo com fé
pessoal e a satisfazerem a sua necessidade de maneira completa no Salvador.

Watchman Nee coloca as coisas no seu lugar, dizendo: "O Senhor não nos colocou
aqui para, em primeiro lugar, pregar ou fazer qualquer coisa para Ele. A primeira coisa
pela qual Ele nos colocou aqui foi a de despertar a fome dos outros. Nenhuma obra
verdadeira poderá jamais se iniciar, sem que despertemos um sentimento de
necessidade. Não podemos injetar a coisa nos outros; não podemos levar as pessoas a
sentirem fome. Essa fome tem de ser despertada, e essa fome pode ser despertada
apenas através daqueles que trazem consigo as impressões de Deus".

Na questão da preparação: antes da construção, tem de haver uma demolição. "Vinde,


e tornemos para o Senhor, porque ele nos despedaçou, e nos sarará; fez a ferida, e a
ligará" (Oséias 6:1). Isto se aplica aos dois, crescimento e serviço. J. C. Metcalfe escreve
acuradamente: "É mais do que confortador perceber que Deus chama, invariavelmente,
aqueles que se afundaram nas profundezas do fracasso para pastorear os outros. Essa
vocação não foi dada aos meramente talentosos, nem, necessariamente, aos muito
instruídos, ou aos muito bem educados”.

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"Sem uma experiência amarga da sua própria insuficiência e pobreza, estão bastante
inabilitados a carregarem o fardo do ministério espiritual. Para se ser paciente com as
fraquezas dos outros, é preciso que haja um homem que tenha descoberto algo sobre o
tamanho de sua própria fraqueza. Um homem assim também conhece de primeira mão o
cuidado amoroso do Supremo Pastor, e a Sua capacidade de curar aquele que confia
humildemente nEle e nEle somente. Portanto, ele não se desespera facilmente por causa
dos outros, mas olha através do pecado, da obstinação e da estupidez, para a grandeza
do amor imutável. O Senhor Jesus não deu a ordem 'Apascenta os meus cordeiros...',
quando ouviu a autoconfiante afirmação de Pedro sobre a sua imorredoura lealdade, mas
Ele a deu de pois que Pedro fracassou completamente em manter o seu voto e depois de
ter chorado amargamente pelas ruas de Jerusalém".

Sim, tem de haver uma preparação profunda, completa e demorada, para que haja
realização — se a nossa vida tem de ser Cristocêntrica, se a nossa caminhada tem de ser
controlada pelo Espírito Santo, e se o nosso serviço for para a glória de Deus. Mais cedo
ou mais tarde, o Espírito Santo começa a nos tornar cônscios do nosso problema básico
na qualidade de crentes — a diferença infinita entre o ego e Cristo. "Há outros lutadores,
além daqueles que estão buscando o perdão — a justificação. Há lutadores que buscam a
santificação — que procuram a santidade pessoal — que anseiam a libertação do poder
do velho Adão; e para esses, como também para aqueles que buscam a salvação, Cristo
promete poderosamente 'Eu vos aliviarei' (Mat. 11:28-30). É muito possível que um
homem, depois de ter descoberto o descanso da justificação em Cristo, entre num estado
de profunda necessidade no que se refere ao descanso da santificação. Achamos que
não erraremos muito, se dissermos que esta tem sido a experiência de quase todo crente
que jamais existiu". — P. B. Power

Grande parte da preparação que Ele executa em nossas vidas consiste no


estabelecimento desta luta — vemos o ego como ele é e, depois, tentamos nos livrar do
seu poder e influência malignos. Pois não há esperança de uma permanência consistente
no Senhor Jesus, enquanto estivermos sob o domínio do ego, no qual "não habita bem
nenhum" (Rom. 7:18a). "Não é na infância que somos capazes de permanecer
continuamente na Sua presença, apesar do nosso meio-ambiente adequado e apesar do
que fazemos. Nossa alma não cresce e não prospera quando O servimos com zelo
intermitente. Quando ficamos indiferentes, não podemos esperar tempos de refrigério da
presença do Senhor. Só depois de sermos subjugados, refinados e castigados, depois
que o amor ao ego e ao mundo já se foi, é que aprendemos a permanecer em contato
com Ele em todo o tempo, em todos os lugares e em todas as circunstâncias". —
Macllravy

O valor de ambos — a luta para nos libertarmos da velha vida adâmica e o esforço
igualmente infrutífero de experimentarmos a nova vida adâmica, a vida de Cristo —
consiste em finalmente entendermos que tudo é completamente fútil. O nosso doloroso
fracasso pessoal, em cada fase de nossa vida cristã, faz parte da preparação do Pai
para o Seu sucesso em nosso benefício. Esse Seu processo negativo nos conduz
finalmente à Sua promessa positiva, que se encontra em Filipenses 1:6: "Estou
plenamente certo de que aquele que começou a boa obra em vós há de completá-la até
ao dia de Cristo Jesus". A Sua "boa obra" em nós começa em nosso fracasso (e isto
inclui nossos pontos mais fortes), e depende inteiramente do Seu sucesso, de Sua eficaz
operação em nós, e não no nosso. "Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer
como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fil. 2:13). Não há dúvida de que todos nós
começamos com a simples graça, e temos de continuar e alcançar a meta na mesma

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base. "Para a liberdade foi que Cristo nos libertou" (Gál. 5:1).

Charles Trumbull disse: "A vida vitoriosa sem o esforço não é uma vida sem o
exercício definido da vontade. Usamos a nossa vontade para crer e receber, mas não
para nos esforçarmos na tentativa de realizar aquilo que só Deus pode fazer. A nossa
esperança de vitória sobre o pecado não é 'Cristo mais os meus esforços', mas 'Cristo
mais a minha aceitação'. Aceitar a vitória dEle é crer na Sua Palavra, que diz que Ele
nos liberta, neste momento, do domínio do pecado, e isto exclusivamente pela Sua
graça. Crer nEle desse modo é reconhecer que Ele está fazendo por nós o que não
podemos fazer por nós mesmos.

"Aprendemos esse princípio no momento de nosso nascimento espiritual, e parece


que a maior parte de nós tem de aprendê-lo tudo de novo quando se trata do crescimento
espiritual e do serviço. Não tenha medo, caro amigo; simplesmente se apegue ao fato de
que há um propósito dEle para você em Cristo, e que Ele há de levá-lo, passo a passo,
através de toda a preparação necessária — Ele o fará. Tendo certeza do propósito, você
pode igualmente tomar uma atitude positiva para com a preparação. Simplesmente,
lembre-se de que Romanos 8:28 e 29 andam juntos, e agradeça-Lhe pela verdade de
Filipenses 1:6".

"O Senhor é glorificado numa pessoa cujo coração está colocado, a qualquer custo,
em qualquer estrada, na direção do alvo que é o próprio Deus. Um homem que pensa
assim diz: 'Por qualquer caminho!' Aqui está uma estrada muito difícil, uma estrada
assediada por inimigos, mas o anelo de atingir o manterá firme no caminho. É o homem
que não tem o anseio de conhecê-lO, que facilmente se desvia. O Homem Jesus Cristo
trilhou essa estrada primeiro e, em todos os pontos, ao longo dela, venceu por nós. Não
temos de escalar nada; somos levados no trem do Seu triunfo. Cada inimigo foi
enfrentado; cada inimigo foi vencido; nada resta que não tenha sido potencialmente
colocado sob os Seus pés, e nada resta neste universo que possa vencer o menor dos
filhos de Deus, que, tendo tomado a mão do Senhor, diga: 'Senhor, leva-me através disto
até onde Tu estás, pela virtude do sangue que Tu já derramaste na Tua vitória'. Há
grande glória para o Senhor numa caminhada sossegada e confiante no dia da
adversidade, no dia do pavor, quando as coisas a nossa volta estão se abalando e
tremendo". — G.P.

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COMPLETO NELE

Vamos continuar tratando de fatos fundamentais, uma vez que a vida não pode ser
melhor do que as suas raízes, a sua fonte. A mocidade e a imaturidade tendem a agir
primeiro e pensar depois. A maturidade já aprendeu a tomar tempo para avaliar os fatos.
Nosso paciente Lavrador quer que reservemos tempo para aprendermos os fatos eternos,
sem os quais não podemos ser conduzidos à maturidade.

Nosso Senhor Jesus Cristo usou, com freqüência, os fatos naturais, a fim de
ensinar ,as mais profundas verdades espirituais. Primeiro, Ele nos ensinou sobre a
nossa vida natural e adâmica, antes que pudéssemos entender e apreciar a nossa nova
vida espiritual em Cristo. Isto envolve o princípio vital da origem — "segundo a sua
espécie". Cada crente primeiro aprende que é completo em Adão — originou-se dele; é
como ele. '"Porque, pela desobediência de um só homem muitos se tornaram pecadores"
(Rom. 5:19a). "Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem
nenhum" (Rom. 7:18a). Quando, através de nossos fracassos e lutas, Ele nos tiver
ensinado sobre o natural, estaremos prontos para aprender da nossa Fonte espiritual,
"...por meio da obediência de um só muitos se tor narão justos" (Rom. 5:19)."Porquanto
nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade. Também nele estais
aperfeiçoados" (Col. 2:9, 10a).

São dois os aspectos deste princípio relacionado com a origem. Primeiro, o Senhor
Jesus é a Fonte de nossa vida cristã — nascemos nEle; Deus nos fez completos nEle.
Esta verdade temos de aceitar pela fé; é verdade em relação a cada um de nós. "E
assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura..." (II Cor. 5:17a). Em segundo lugar,
quando nos apegamos a esse fato pela fé, somos introduzidos na realidade prática do
mesmo, dia após dia, na nossa experiência. Pouco a pouco vamos recebendo aquilo que
já é nosso. A coisa importante, que devemos saber e da qual precisamos estar certos, é
que tudo é nosso, somos completos nEle, AGORA. Esse fato nos capacita a ficarmos
quietos, enquanto Ele pacientemente opera em nosso caráter, introduzindo nele aquela
nossa vida, que está escondida com Cristo em Deus.

"O progresso é apenas um avanço no conhecimento espiritual, do que realmente


possuímos desde o princípio. É como subir por uma escada. A escada é a graça. O
primeiro passo é: cremos que o Senhor Jesus foi mandado por Deus; o segundo: na
plenitude da Sua obra fomos justificados; terceiro: travamos relações com Ele; quarto: nós
O vemos assentado no Céu; sabemos quais são as nossas relações com Ele lá e o Seu
poder aqui; quinto: conhecemos o mistério, as grandes coisas a que temos direito, porque
somos o Seu corpo; sexto: estamos assentados em Cristo nos lugares celestiais; sétimo:
absortos em admiração e louvor no conhecimento que temos dEle". — J. B. Stoney

Considerando que estamos completos em nosso Senhor Jesus Cristo, não seria
conveniente tentarmos acrescentar algo a essa obra consumada. Agora, é uma questão
de andar pela fé e de receber, de se apropriar, da sempre abundante Fonte que há em
nós. Walter Marshall é conciso neste assunto: "A ressurreição de Cristo foi a nossa
ressurreição para uma vida de santidade, assim como a queda de Adão foi a nossa
queda para a morte espiritual. E não somos nós mesmos os criadores e formadores de
nossa nova e santa natureza, como também não o fomos de nossa original corrupção,
pois ambas estavam prontas para que participássemos delas. É pela união com Cristo
que participamos dessa vida espiritual, da qual Ele tomou posse para nós na Sua
ressurreição. Desse modo, estamos capacitados a produzir frutos provenientes dela, tal
como a Escritura mostra na analogia que faz da união matrimonial. Romanos 7:4 diz:

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"...para pertencerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os mortos, e deste
modo frutifiquemos para Deus".

A nossa parte não é a produção, mas, sim, a recepção de nossa vida em Cristo.
Isto acarreta o descobrimento de fatos baseados na Bíblia; fé inequívoca nEle e no Seu
propósito para nós em Cristo; e paciente confiança, enquanto Ele nos conduz através do
necessário processo envolvido. Nenhum crente jamais alcançou a maturidade por
acidente, por coincidência, mesmo que seja completo em Cristo. O crescimento espiritual
exige que o coração tenha fome do Senhor Jesus. Exige determinação, com base na
certeza, em obter aquilo que é nosso nEle, mais a meditação e a reflexão. Nunca
alcançaremos o conhecimento de nossas posses espirituais com apenas uma
compreensão superficial da Palavra. Como poderemos jamais esperar ter uma comunhão
íntima com Aquele que conhecemos tão pouco?

A grande verdade que se segue, escrita por J. T. Beck, é realmente profunda, mas
prove uma boa oportunidade para o leitor exercitar e desenvolver um pouco seus poderes
de meditação e reflexão. "O que se precisa é daquele tipo de meditação, na qual Deus
concentre num crente o Seu próprio Espírito e Vida, como um princípio para ser
apropriado pessoalmente. É uma revelação que se trata da transação que introduz o
divino na vida pessoal do crente. Para formar homens de Deus, a vida de Deus, como
uma vida pessoal, tem que ser personificada através da vida do crente. Por causa disso,
logo que se trata de uma coisa estritamente nova, algo que na sua peculiaridade ainda
não existiu, cada novo tipo de vida, antes que possa se multiplicar em um número de
espécimes, precisa primeiro ter todo o seu conteúdo combinado em perfeita unidade, num
adequado princípio novo. E assim, para tornar o divino accessível aos homens, a primeira
coisa necessária é alguém em quem o princípio da vida divina tenha se tornado pessoal”.

"O Cristianismo concentra toda a plenitude da revelação na personalidade humana de


Jesus Cristo como Mediador — isto é, como princípio central da mediação do novo
organismo divino, em sua plenitude de Espírito e Vida, dentro da e para a vida humana
pessoal. Com a entrada de Cristo na nossa vida, a vida divina se torna impendente em
nós, não na sua relação mundial e universal, mas como um princípio pessoal, de modo
que o homem não é apenas um ser feito por Deus, mas um ser gerado por Deus. E com
a transformação sempre crescente do crente à semelhança de Cristo, aperfeiçoa-se o
desenvolvimento da vida pessoal vinda de Deus, em Deus e para Deus — o
desenvolvimento, não só de uma comunhão moral ou teocrática, mas de uma comunhão
da natureza!"

Uma semente tem dentro de si a reprodução completa da vida da qual ela veio. Ela é
completa, e nada lhe pode ser acrescentado. "Pois fostes regenerados, não de semente
corruptível, mas de incorruptível (I Ped. 1:23a). "...não semearas semente de duas
espécies" (Lev. 19:19). Tem de ser "não mais eu, mas Cristo". A Semente foi implantada
— agora a questão toda se resume no crescimento e maturação. Só isto poderá produzir
fruto que permaneça. "O desenvolvimento da vida divina no crente é como o crescimento
natural no reino vegetal. Não precisamos fazer nenhum esforço especial, apenas nos
colocar sob condições favoráveis para tal crescimento".

Só aqueles que tentaram crescer pelo esforço, e falharam, estão na posição de


apreciar o fato de que Deus é o instigador no reino do desenvolvimento. "Todos os
poderes da Divindade que já operaram juntos na realização da primeira parte do
propósito eterno — a revelação da semelhança perfeita do Pai no Homem Jesus Cristo —
estão igualmente ocupados na realização da segunda parte: operando essa semelhança

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em cada filho de Deus". William Law concorda: "Uma raiz plantada no melhor dos solos,
no melhor dos climas, e abençoada com tudo aquilo que o sol, o ar e a chuva podem
fazer por ela, não tem tanta probabilidade de atingir a perfeição, como cada homem cujo
espírito aspire por tudo aquilo que Deus está pronto e infinitamente desejoso de lhe dar.
Pois o sol não vai ao encontro do brotinho que se estende na sua direção, nem com a
metade da certeza de que Deus, a Fonte de todo o bem, Se comunica com a alma que
anseia partilhar da natureza dEle".

Além da nossa vida ser completa nEle, do mesmo modo são completas as vitórias
relacionadas com todas as muitas exigências desta vida. "Quando você luta pela vitória, já
está perdendo a batalha a partir do próprio começo. Imagine o Inimigo assaltando-o em
sua casa ou em seu local de trabalho. Ele cria uma situação, que você absolutamente não
consegue solucionar. Então, você faz o quê? Seu primeiro instinto é o de se preparar para
uma grande batalha e, então, orar a Deus para que lhe conceda a vitória. Mas se você o
fizer, a derrota será coisa certa, pois você terá cedido o terreno, que é seu em Cristo. Pela
atitude tomada, você o abandonou ao Inimigo. Então, o que deveria fazer quando ele
ataca? Você deveria simplesmente olhar para cima e louvar o Senhor. 'Senhor, estou
enfrentando uma situação que não tenho possibilidade de resolver. Teu inimigo, o Diabo,
está pretendendo me derrubar, mas eu Te louvo porque a Tua vitória é uma vitória que
abrange tudo. Ela inclui esta situação também. Te louvo porque já tenho, em Ti, a vitória
completa nesta questão". — Watchman Nee

P. S. Não se apresse — Ele não vai se apressar. "Hokusai, o artista japonês, disse:
'Desde a idade dos seis anos, tenho a mania de desenhar as formas das coisas. Quando
atingi os cinqüenta, já publicara uma infinidade de desenhos; mas nada do que produzi
antes dos setenta é digno de consideração'. Ele morreu aos oitenta e nove, declarando
que, se ao menos pudesse viver mais cinco anos, teria se tornado um grande artista".

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APROPRIAÇÃO

Eis aqui um assunto importante que se relaciona com a fé, e com aquela aceitação
prática de tudo aquilo que possuímos já em Cristo. Apropriação não significa,
necessariamente, ganhar algo novo, mas separar para uso prático algo que já nos
pertence.

Para podermos nos apropriar de algo necessário ao nosso andar diário em Cristo,
existem dois pontos essenciais: perceber o que já é nosso em Cristo; e estar cônscio de
nossa necessidade disso. Sobre esses dois fatos descansa a capacidade de apropriação,
o estender a mão, com fé determinada, e receber aquilo que nos pertence em nosso
Senhor Jesus Cristo.

Com referência ao primeiro ponto, PERCEBER o que já é nosso, William R. Newell


escreveu: "Nos três primeiros capítulos de Efésios, Paulo não pede aos santos nada
além de prestar atenção enquanto ele proclama aquela maravilhosa série de
grandes e eternos FATOS, que se lhes referem; e até completar esse catálogo de
realidades a respeito deles, não lhes pede absolutamente nada!”

"E quando ele começa o seu pedido para que andem com dignidade como convém
aos santos, tudo se baseia na revelação anterior aos fatos apresentados referentes ao
caráter e destino superiores dos santos: 'Rogo-vos, pois, eu, ... que andeis de modo digno
da vocação a que fostes chamados' (Ef. 4:1). Vamos parar de apresentar aos santos
longas listas de 'condições' de entrada na bendita vida em Cristo; e, pelo contrário, como
preparação primária para introduzi-los na experiência dessa vida, vamos lhes mostrar
quais são, realmente, a sua posição, possessões e privilégios em Cristo. Assim,
estaremos realmente cooperando com o Espírito Santo, e produziremos muito mais frutos
permanentes nas nossas lides entre o povo de Deus".

Logo que percebemos o que é nosso em Cristo Jesus, a necessidade prática leva-nos
à apropriação, para recebermos a resposta àquela necessidade. "Havia um 'suprimento
do Espírito de Jesus Cristo' para Paulo, e com isto foi possível que Cristo fosse glorificado
nele. Era um suprimento que estava sempre à disposição, mas que só era apreciado e
apropriado quando o apóstolo percebia a sua necessidade. A vida tem o intuito de
apresentar uma sucessão de descobertas da nossa necessidade de Cristo, e em cada
uma dessas descobertas, abre-se o caminho para um novo influxo do suprimento. Essa é
a explicação das muitas coisas que, de outro modo, não podemos entender — esse
constante mergulhar em novos testes, nos quais apenas um novo suprimento do Espírito
de Jesus Cristo poderá resolver a nossa dificuldade. E quando a dificuldade é resolvida,
quando experimentamos a suficiência de Cristo para resolver nossas necessidades
interiores, pode haver uma nova demonstração da Sua glória por nosso intermédio". —
H.F.

Essas duas realidades da percepção e da necessidade levam-nos do meandro


infantil à responsável e específica caminhada da fé. Elas nos transportam da atitude do
"ajuda-me" para a da ação de graças; do mendigar à apropriação. Observe o que L. L.
Letgers, um dos fundadores da "Wycliffe Bible Translators", tem a dizer a esse respeito:
"'Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda
sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo" (Ef. 1:3). "Se você repassar
mentalmente e descobrir uma única bênção com a qual Deus pode nos abençoar hoje, e
com a qual Ele já não nos tenha abençoado, então o que Ele disse a Paulo não é verdade
de maneira nenhuma, pois Ele disse: 'Ele tem abençoado'. Tudo está feito. 'Está

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consumado'. Deus nos tem abençoado com todas as bênçãos espirituais nos lugares
celestiais! É tão triste que vivamos dizendo: 'Ó Deus abençoa-nos; abençoa-nos nisso e
abençoa-nos naquilo!' quando tudo já está feito. Ele nos tem abençoado com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais". Conforme diz C A. Coates: "É a apropriação
que nos prova. Quantas vezes paramos na admiração".

De vez em quando o Espírito Santo chamará a nossa atenção a um certo aspecto da


Palavra de maneira notável, e nós nos alegraremos em ver e crer que aquilo é nosso em
Cristo. Pode ser, por exemplo, as verdades contidas em Mateus 11:28: "Vinde a mim
todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei". Além das situações
pessoais costumeiras, a incerteza, a luta e a tensão das condições do mundo
providenciam exatamente aquilo que o crente precisa para permanecer e descansar no
Senhor Jesus. A necessidade existe, e quando ele percebe o descanso que há nEle, tudo
o que resta a fazer é apropriar-se!

Até aqui, tudo bem. O crente vê o que ele possui em Cristo, e a sua necessidade
capacita-o a estender a mão e confiantemente apropriar-se e aceitar o descanso que
precisa. A apropriação tem de ser uma questão de confiança inequívoca, bíblica e
específica. Não temos de "pedir de maneira errada".

Agora vem a fase crítica, a chave de tudo. Na maior parte dos casos de apropriação,
há um período de espera entre a aceitação e o recebimento — às vezes de anos. Nossa
responsabilidade é a de esperar pacientemente nEle durante o tempo necessário, para
que Ele opere em nosso caráter e nossa vida aquilo que nós aceitamos em Cristo —
neste exemplo, Seu descanso, firmeza, certeza, segurança. "... Deus ... que trabalha para
aquele que nele espera" (Is. 64:4b).

O Sr. T. Austin-Sparks nos dá dois pensamentos preciosos em relação a esse hiato


todo importante — muitas vezes uma questão de anos — entre a apropriação
propriamente dita e a experimentação prática: "Cada pedacinho da verdade que
recebemos, se a recebemos de maneira experimental, há de nos introduzir em um conflito
e será estabelecida por meio do conflito. Ela não terá valor nenhum até que haja uma
batalha por causa dela. Tome qualquer posição que o Senhor quiser que você assuma, e,
se o fizer com Ele, experimentará o calor da luta, e haverá um elemento especial de
participação que será acrescentado por causa da batalha. Você assumiu uma posição —
sim, mas você ainda não a experimentou, o verdadeiro valor dela ainda não foi provado.
Você não penetra no verdadeiro significado dela até que haja algum conflito doloroso em
relação à mesma".

"Como resultado da obra da Sua cruz, e como a grande conseqüência da Sua


ressurreição, a vida eterna já foi recebida por aqueles que crêem. Mas ainda que essa
vida seja por si mesma vitoriosa, incorruptível e indestrutível, o crente tem de
experimentá-la pela fé, tem de vivê-la, tem de aprender as suas leis, tem de se conformar
a ela. Há um depósito no crente, o qual, por si mesmo, não precisa de acréscimos, no que
se refere à sua qualidade. No que diz respeito à sua vitória, ao seu poder, à sua glória e
às suas potencialidades, nada lhe pode ser acrescentado. Mas o curso da experiência
espiritual, da vida espiritual, é descobrir, apropriar-se e viver em sua totalidade tudo aquilo
que a vida representa e significa". — T.A-S.

Agora vimos um terceiro elemento envolvido na nossa apropriação. Depois que


percebemos nossas possessões em Cristo, e nos tornamos cônscios de nossa
necessidade, então temos de Lhe dar o tempo necessário para que opere, introduzindo

22
essa apropriação em nossa vida diária. Se esperamos que as nossas necessidades
sejam resolvidas na próxima entrevista, no próximo livro devocional, na próxima série de
reuniões especiais, no próximo e esperado "reavivamento", então a realidade nunca há de
chegar.

Nessa questão do desenvolvimento cristão, não existem atalhos, nenhum caminho


rápido e fácil. O Lavrador desenvolve no crente aquilo que Ele pretende ministrar aos
outros através dele. Para que se possa ministrar a Vida aos outros, aquilo que a pessoa
diz e faz tem de fluir daquilo que ela é. "Porque aprouve a Deus que nele (Jesus Cristo)
residisse toda a plenitude"; "Porque nos temos tornado participantes de Cristo"; "...para
que sejais tomados de toda a plenitude de Deus"; "... e a vossa vida de Jesus se
manifeste em nossa carne mortal" (Col: 1:19; Heb. 3:14; Ef. 3:19; Col. 3:33; II Cor. 4:11b).

Com que freqüência simplesmente admiramos e falamos a respeito das verdades que
o Espírito Santo nos revela na Palavra, quando o Seu propósito primário em nô-las dar é
que possamos permanecer nelas na fé, aguardando confiantemente que Ele as torne uma
parte integral da nossa vida. "Um profeta é uma pessoa que tem uma história, alguém
com quem Deus trabalhou, alguém que experimentou a operação formativa do Espírito.
Às vezes os pregadores em potencial nos perguntam quantos dias são precisos para se
preparar um sermão. A resposta é: Pelo menos dez anos, e provavelmente perto de vinte!
Pois o pregador interessa a Deus pelo menos tanto quanto a coisa que ele vai pregar.
Deus escolhe para Seus profetas aqueles em quem Ele já operou aquilo que pretende
usar como mensagem para hoje".

23
IDENTIFICAÇÃO

Conforme vamos passando das verdades da Substituição (nascimento) para as da


Identificação (crescimento), seria bom considerar rapidamente o que os líderes honrados
por Deus através dos anos têm a dizer a respeito da identificação, conforme apresentada
em Romanos seis.

Evan H. Hopkins: "O problema do crente que conhece a Cristo como a sua justificação
não é o pecado na sua culpa, mas o pecado como poder que governa. Em outras
palavras, ele não procura a libertação do pecado como um fardo, ou uma ofensa — pois
ele sabe que Deus já o isentou completamente da acusação e pena do pecado — mas do
pecado como um senhor. Para conhecer o meio divino do livramento do pecado como
senhor, ele tem de aprender a verdade contida no sexto capítulo de Romanos. Ali vemos
o que Deus fez, não com os nossos pecados — essa questão o apóstolo tratou nos
capítulos precedentes — mas conosco mesmos, os agentes e escravos do pecado. Ele
colocou o nosso velho homem — nosso ego original — onde pôs nossos pecados, isto é,
na cruz com Cristo. 'Sabendo isto, que foi crucificado com ele o nosso velho homem'
(Rom. 6:6). Lá o crente vê que além de Cristo ter morrido por ele — substituição — ele
também morreu com Cristo — identificação" (Thoughts on Life and Godliness, p. 50).

Andrew Murray: "Assim como Cristo, o crente também morreu para o pecado; ele é um
com Cristo, na semelhança da Sua morte (Rom. 6:5). E assim como o reconhecimento de
que Cristo morreu pelo pecado para nossa expiação é indispensável à nossa justificação,
assim também o reconhecimento de que Cristo, e nós com Ele, na semelhança da Sua
morte, estamos mortos para o pecado, é indispensável à nossa santificação" (Like Christ,
p. 176).

J. Hudson Taylor: "Desde que Cristo habitou assim no meu coração pela fé, quão feliz
tenho sido! Estou morto e sepultado com Cristo — ah! e ressuscitado também! E agora
Cristo vive em mim, e 'a vida que agora vivo na carne eu vivo pela fé no Filho de Deus,
que me amou, e se deu por mim'. Não devemos encarar essa experiência, essas
verdades, como coisa de alguns poucos. Elas são o direito de nascimento de cada filho
de Deus, e ninguém pode passar sem elas, sem desonrar nosso Senhor" (Spiritual Secret,
p. 116).

William R. Newell: "Para aqueles que se recusam ou negligenciam em reconhecerem-


se mortos para o pecado, conforme Deus ordena, insistimos com a pergunta: Como pode
você crer que Cristo realmente tomou sobre Si a culpa dos seus pecados e que você não
terá de prestar contas no dia do juízo? Só a Palavra de Deus é que diz que Cristo tomou
seus pecados sobre o Seu próprio corpo na cruz. E é essa mesma Palavra que diz que
você morreu com Cristo em relação a Adão; que seu velho homem foi crucificado; que
estando em Cristo você participou da Sua morte para o pecado, e, assim, tem de
reconhecer sua presente relação com o pecado em Cristo — como alguém que está
morto para ele e vivo para Deus" (Romanos, Versículo por Versículo, p. 227).

Lewis Sperry Chafer: "O tema sob consideração refere-se à morte de Cristo
relacionada com o julgamento divino da natureza do pecado no filho de Deus. A
necessidade desse julgamento e a sublime revelação de que esse julgamento já está
completamente realizado por nós são apresentados em Romanos 6:1-10. Esta passagem
é o fundamento como também a chave para a possibilidade de andarmos no Espírito” (He
That Is Spiritual, p. 154).

24
R. Paxson: "O velho 'eu' em você e em mim foi judicialmente crucificado com Cristo.
'Você morreu' e a sua morte data da morte de Cristo. 'O velho homem', o velho 'ego', na
estimativa divina, foi levado à cruz com Cristo e crucificado, levado à sepultura com Cristo
e sepultado. A certeza do livramento da esfera da 'carne' e do destronamento do 'velho
homem' repousa sobre a percepção e aceitação desse fato da co-crucificação" (Life on
the High-est Plane, Vol. II, p. 78, 79).

Watchman Nee: "Nossos pecados foram lavados pelo sangue; nós mesmos somos
libertados pela cruz. O sangue obtém nosso perdão, a cruz obtém o livramento do que
somos em Adão. O sangue pode lavar os meus pecados, mas não pode lavar meu velho
homem. Eu preciso da cruz para me crucificar — a mim, o pecador" (The Normal Christian
Life).

L. E. Maxwell: "Os crentes em Cristo foram unidos a Ele lá na cruz, unidos com Ele na
morte e ressurreição. Morremos com Cristo. Ele morreu por nós, e nós morremos com
Ele. Esse é um grande fato, verdadeiro para todos os crentes" (Christian Victory, p. 11).

Norman B. Harrison: "Eis o sinal que distingue o crente — a experiência da cruz. Não
simplesmente que Cristo morreu por nós, mas que nós morremos com Ele. 'Sabendo isto,
que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja
destruído, e não sirvamos o pecado como escravos' (Rom. 6:6)" (His Side Versus Our
Side, p. 40).

F. J. Huegel: "Se o grande Lutero, com a sua emocionante mensagem sobre a


justificação pela fé, tivesse passado com Paulo de Romanos 5 para Romanos 6, com
suas espantosas declarações referentes à posição de identificação com o Senhor
crucificado do já justificado pecador, o protestantismo formal não estaria, hoje, num
estágio mais alto? Não estaria livre de sua carnalidade ulcerosa?" (The Cross of Christ, p.
84).

Alexander R. Hay: "O crente foi unido a Cristo na Sua morte. Nessa união com Cristo,
a carne, 'o corpo do pecado' — todo o decaído ser arruinado pelo pecado, com a sua
inteligência, vontade e desejos foi julgada e crucificada. Pela fé, o crente reconhece-se
'morto para o pecado' (Rom. 6:3-14)" (N.T. Order for Church & Missionary, p. 310).

T. Austin-Sparks: "A primeira fase de nossa experiência espiritual pode ser um grande
e transbor-dante gozo, com um maravilhoso sentimento de emancipação. Nessa fase
costuma-se dizer coisas extravagantes quanto ao livramento total e à vitória final. E,
então, é possível que venha, e com freqüência vem mesmo, uma fase na qual o conflito
interior é a característica principal. Pode muito bem ser a experiência de Romanos sete.
Isto vai levar, sob a mão do Senhor, a um conhecimento mais completo do significado da
identificação com Cristo, conforme Romanos seis. Feliz é o homem que fica sabendo
disso desde o princípio" (What Is Man? p. 61).

J. Penn-Lewis: "Se a diferença entre 'Cristo morrendo por nós' e 'nós morrendo com
Ele' não for reconhecida, compreendida e aplicada, podemos afirmar com segurança que
o ego continua sendo o fator dominante na vida" (Memoir, p. 26).

William Culbertson: "Quem morreu na cruz? É claro que foi nosso bendito Senhor;
mas quem mais morreu ali? 'Sabendo isto, que foi crucificado com ele o nosso velho
homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como
escravos; porquanto quem morreu, justificado está do pecado. Ora, se já morremos com

25
Cristo, cremos que também com ele viveremos' (Rom. 6:6-8)" (God's Provision for Holy
Living, p. 46).

Reginald Wallis: "Deus diz com efeito: 'Meu filho, assim como você reconheceu a obra
substitutiva do Senhor Jesus Cristo para a sua salvação, avance agora um passo mais e
reconheça a Sua obra representativa para a sua vitória dia a dia'. Você crê que o Senhor
Jesus morreu pelos seus pecados, porque Deus o diz. Agora, dê o passo seguinte. Aceite
pela fé o fato igualmente verdadeiro de que você morreu com Ele, isto é, que o seu 'velho
homem foi crucificado com Ele'" (The New Life, p. 51).

James R. McConkey: "Porque Ele morreu 'a morte já não mais tem domínio sobre ele',
e por causa de nossa união com Ele, 'o pecado já não terá mais domínio sobre você',
ainda que esteja presente em você. O 'reconhecimento' de que estamos mortos para o
pecado em Jesus Cristo não o torna um fato — isso já é um fato por meio de nossa união
com Ele. Nosso reconhecimento da verdade apenas faz que comecemos a perceber o
fato na experiência" (The Way of Victory, p. 16).

26
CONSAGRAÇÃO

Seria bom, neste momento, destacar diversos pontos: 1) Nunca um crente alcançou
uma maturidade espiritual sadia através de reuniões compulsórias e constantes
exortações, nem antes que fosse preparado pelo Espírito. 2) O progresso saudável se
baseia sobre a percepção, compreensão e apropriação das verdades em Cristo, que
contam para o verdadeiro crescimento. 3) O aspecto experimental de toda verdade, e
especialmente daquelas que são chamadas de verdades profundas, está fechado para
todos, exceto para o coração que precisa. Até que alguém sinta a sua necessidade de
progredir espiritualmente, jamais ultrapassará as verdades relacionadas com o
nascimento — um simples nenê em Cristo. "Por isso, pondo de parte os princípios
elementares da doutrina de Cristo, deixemo-nos levar para o que é perfeito, não lançando
de novo a base do arrependimento de obras mortas, e da fé em Deus" (Heb. 6:1).

Essa questão da consagração parece que tem sido mal-interpretada por muitos
crentes. Muitos, especialmente aqueles que são novos no Senhor, têm sido vítimas,
muitas e muitas vezes, nessa questão da entrega, ou submissão. O "cacete" mais usado
é este: "O Senhor Jesus deu tudo por você, agora o menos que você poderia fazer é dar
tudo o que tem a Jesus!" O crente é exortado e pressionado a consagrar, submeter e
entregar a sua vida a Cristo, com base no amor e na gratidão pelo que foi feito em seu
favor no Calvário.

Com quanta freqüência a congregação média é sujeitada a essa rotina! Quantas vezes
o crente individual é manobrado até que vá à frente consagrar-se e reconsagrar-se,
submeter-se e resubmeter-se, entregar-se e re-entregar-se a Cristo! Por que é que,
depois de algum tempo, o crente chega a temer tais reuniões e mensagens? Bem, há um
certo número de motivos para toda essa frustração, confusão e fracasso; mas, graças a
Deus! há respostas bíblicas à disposição de todos que precisam delas e as querem.

Em primeiro lugar, é completamente inútil esperar que um crente suba, por meio da
consagração, da submissão, ou da entrega, do seu nível da substituição (Rom. 3-5), até o
nível das verdades mais profundas contidas em Romanos 8 e 12:1.

Há uma área muito importante de verdade identificativa em Romanos 6 e 7, que não


pode ser ignorada. Cada cristão, que tem o coração faminto, anseia em consagrar-se de
maneira completa e estar em condições para uma vida e serviço eficientes. E desde o
começo, até que a dura experiência lhe ensine o contrário, o bem-intencionado crente
acha que, estando pronto a obedecer a Deus e a ser o que Ele pretende, deve se esforçar
em executá-lo através de um esforço pessoal de consagração com a ajuda dEle. Ele
procura lutar, avançando pela via da motivação-amor, isto é, Ele fez por mim, por isso eu
devo fazer por Ele.

Estes dois pensamentos de Andrew Murray vão ajudar: "Um conhecimento superficial
dos planos de Deus leva ao pensamento de que, sendo a justificação obra de Deus por
meio da fé em Cristo, a santificação (crescimento) é obra nossa, a ser executada sob a
influência da gratidão que sentimos pela libertação que experimentamos, e com a ajuda
do Espírito Santo. Mas o cristão mais sincero logo descobre como a gratidão é fraca para
fornecer o poder. Quando pensa que mais oração vai resolver, descobre que, ainda que
seja indispensável, a oração não é suficiente. Muitas vezes o crente luta
desesperadamente durante anos, até que ouve o ensino do Espírito, que glorifica Cristo
novamente e O revela como nossa Santificação, a ser apropriada tão somente pela fé".

27
"Deus opera em nós o 'querer' e está pronto operar em nós o 'realizar' (Fil. 2:13), mas,
que pena! muitos crentes interpretam-no mal. Pensam que tendo a vontade (o querer), já
basta, e que por isso estão preparados para o 'realizar'. Não é assim. A nova vontade é
um dom permanente, um atributo da nova natureza. O poder para agir não é um dom
permanente, mas tem de ser recebido, momento por momento, pelo Espírito Santo. O
homem que estiver cônscio de sua própria impotência como crente é que aprenderá que,
pelo Espírito Santo, ele pode viver uma vida santa". De vez em quando alguém é
convocado para falar contra algo que é bom, para apresentar o que é melhor sob o ponto
de vista divino. O amor como motivação da vida cristã e para o serviço do Senhor é coisa
boa, elevada, mas não é adequada — especialmente porque não é a motivação subscrita
por Ele.

Como crentes que estamos crescendo, já é tempo que vejamos a necessidade de


ultrapassar a motivação do amor pela motivação da vida. "Porquanto, para mim o viver é
Cristo" (Fil. 1:21a). Nossa consagração, submissão, ou entrega, jamais persistirá se for a
resposta que Lhe dermos, partindo de qualquer outra motivação que não seja a da Sua
vida em nós. Submeter-se-Lhe sobre qualquer outra base, será simplesmente mais uma
tentativa fútil de vivermos para Ele na energia da carne. E mesmo que isso fosse possível,
Ele jamais poderia aceitá-lo, pois é nesse reino que não habita bem nenhum (Rom. 7:18);
além do fato de que Ele já levou à cruz a velha vida e a crucificou (Rom. 6:6; Gál. 2:20; II
Tim. 2:11; I Ped. 2:24, etc).

J. C. Metcalfe vê tanto o problema como a solução: "O ensino atual sobre a


consagração, que é equivalente à consagração do 'velho homem', procura passar por
cima da sentença de morte e, portanto, leva apenas à frustração e ao fracasso. Quando,
entretanto, você e eu estamos preparados, em sincera humildade, a transformarmos o
FATO de nossa morte com Cristo em nossa base diária de vida e serviço, nada poderá
impedir o surgimento vital e o conseqüente jorro da vida nova, para dessedentarmos as
almas sedentas à nossa volta".

Eis aí o ponto crucial da questão. A pergunta é: Qual é a vida que Lhe deve ser
consagrada, a velha vida do ego, ou a nova vida de Cristo? Deus não pode aceitar
absolutamente nada do velho — Ele vê e reconhece apenas aquilo que se centraliza no
Seu Filho, que é a nossa Vida. Partindo daí, Deus só tem uma única condição para a
consagração: "... oferecei-vos a Deus como ressurrectos dentre os mortos, e os vossos
membros a Deus como instrumentos de justiça" (Rom. 6:13). Essa é a nossa única base,
e dessa base temos de nos considerar mortos para o pecado, para o ego, para a lei, para
o mundo, e vivos para Deus em Cristo Ressuscitado — para andarmos em "novidade de
vida", "vivos para Deus em Cristo Jesus" (Rom. 6:11, 4b).

"'Oferecei-vos a Deus como ressurrectos dentre os mortos' (Rom. 6:13). Esse é o


verdadeiro lugar da consagração. Para os crentes, 'consagrar-se a Deus' antes de terem
tomado consciência de sua união com Cristo na morte e na ressurreição (identificação),
seria apenas apresentar a Deus os membros do homem natural, os quais Ele não pode
aceitar. Apenas aqueles que estão 'ressurrectos dentre os mortos' — isto é, aqueles que
se apropriaram completamente de sua semelhança com Ele na morte — são convidados
a apresentarem seus membros como instrumentos para Deus". — J. P. L.

"Deus nos pede que Lhe apresentemos nossos corpos como sacrifícios vivos diante
dEle (Rom. 12:1). Até que o façamos, não há nada mais que possamos fazer. Observe
que essa exortação vem depois de Romanos seis. Há um motivo para essa ordem — a
crucificação vem antes da consagração. O ego não crucificado recusa-se a ser

28
consagrado. Eis por que tanta gente, com toda a sinceridade, vai à frente tantas vezes,
consagrando a Deus o ego não crucificado". — H. Duncan. Eis por que as verdades
relacionadas com a identificação precisam ser apresentadas com todo o cuidado e de
modo completo, para que sejam finalmente compreendidas e para que a sua realidade
seja realmente experimentada. Nem sequer podemos nos aproximar da consagração sem
elas! Muitos acham que esta doutrina da Identificação é meramente uma "ênfase", um
assunto interessante apresentado em algumas poucas conferências sobre "Vida Mais
Profunda", e nas Convenções de Keswick. Mas essas verdades não são periféricas; são
fundamentais. "O capítulo seis de Romanos não é apenas um aspecto da verdade,
mas a verdade fundamental sobre a qual cada crente tem de permanecer para
conhecer tudo sobre a vitória". — DeVern Fromke

"Todas as verdades (da identificação) que temos aprendido a respeito da cruz, sobre a
nossa morte com Cristo, nossa morte para o pecado com Ele, sobre a nossa semelhança
com o grão de trigo que, caindo na terra, morre — todas são um preparatório para a vida
vitoriosa. São o fundamento dela e são elementares à mesma". — J. P. L.

"Um cuidadoso estudo de todas as Epístolas de Paulo mostrarão que foram escritas
sobre a base da cruz apresentada em Romanos seis — o fato de que Deus entrega à cruz
a velha e decaída vida adâmica, e nada tem para lhe dizer. Deus lida com todos os
crentes na base deste princípio — 'Em Cristo você morreu'. Mas a Igreja de Cristo, como
um todo, ignora este fato. Trata a criação decaída (a vida do ego) como se fosse capaz de
melhorar, e o significado da cruz que leva à morte a velha raça adâmica decaída além de
reparação, fica assim nulificado". — Fromke

29
O EGO

Um dos fatores mais importantes no crescimento cristão é a revelação que o Espírito


Santo faz ao crente sobre sua vida egocêntrica. O ego é a vida carnal da natureza, a vida
do primeiro Adão — "mortos nos vossos delitos e pecados" (Ef. 2:1); completamente
corruptos diante de Deus (Rom. 7:18). Em nenhum outro lugar os princípios espirituais
significam mais do que aqui. Platão, em seu "Conhece-te a ti mesmo", estava mais certo
do que pensava, mas mesmo assim só pela metade. Paulo, com o divino "Não mais eu,
mas Cristo", estava completamente certo!

Para que alguém possa avançar além do simples conhecimento superficial do Senhor
Jesus e entrar num consistente e crescente conhecimento pessoal e comunhão com Ele,
é preciso PRIMEIRO conhecer-se a si mesmo. Aqui não se trata de introspecção — o
Espírito Santo usa revelação experiencial. Primeiro, o crente aprende "não mais eu" e,
depois, "mas Cristo". Primeiro, "Se o grão de trigo caindo na terra, não morrer, fica ele
só", e, depois, "mas se morrer, produz muito fruto" (João 12:24). Primeiro, "sempre
entregues à morte" e, depois, "para que também a vida de Jesus se manifeste" (II Cor
4:11). No serviço: primeiro, "em nós opera a morte" e, depois, "mas em vós, a vida" (II
Cor. 4:12). Toda a vida ressurreta brota da morte, caso contrário não seria vida
ressurreta — a Sua vida ressurreta (Rom. 6:5,6). Temos de nos entregar a Deus como
vivos dentre os mortos (Rom. 6:13).

Já há alguns anos o cenário tem sido dominado por um tipo de conversão conhecido
por "entrega", ("commitment", em inglês), o qual, muitas vezes, triste é dizer, resulta em
pouco mais do que um aborto espiritual. Quando há um pouquinho de vida, esta costuma
desabrochar, da noite para o dia, em todo o apogeu, e logo fica carregada de frutos
oriundos de uma personalidade "dinâmica" e "radiante", unida a um serviço ativo e
apressado. A tragédia desse tipo de coisa é que o ego se sente à vontade e prospera
nessa animação toda, e raramente é desmascarado. Tudo, indiscriminadamente, é
considerado "um mar de rosas".

O novo nascimento sadio, baseado sobre uma profunda convicção de pecado, e


arrependimento para com Deus, começa, indubitavelmente, com amor e devoção ao
Salvador. Mas, dali a pouco, surge um sentimento de mal-estar espiritual, produzido pelo
reconhecimento do fato que há um elemento interior que puxa o indivíduo de volta para o
egocentrismo, para o mundo, para o domínio da lei, para o pecado. Esse aprendizado,
através de experiências dolorosas, da completa pecaminosidade e poder reinante do ego
na vida diária cristã, é o meio através do qual passamos a conhecer o Senhor Jesus além
da fase do nascimento — como nosso Salvador, para a fase do crescimento — como
nosso Senhor e nossa Vida. "Para mim o viver é Cristo". Nenhum crente chega
verdadeiramente a conhecer o Senhor Jesus como sua Vida, até que experimente no
fundo do seu ser o que realmente é o ego mortífero.

Numa conferência sobre a Vida Espiritual, há muitos anos atrás, o Dr. C. I. Scofield
dizia: "Nem todo mundo tem experimentado, de maneira nenhuma, o capítulo sete de
Romanos, essa agonia do conflito, do desejo de fazer o que não consegue, de ansiar por
fazer o bem que descobrimos não sermos capazes de fazer. É uma grande bênção
quando uma pessoa penetra no capítulo sete de Romanos e começa a perceber o terrível
conflito de sua luta e derrota; porque o primeiro passo para sair da luta do sétimo capítulo
e entrar na vitória do oitavo, é entrar primeiro no sétimo. De todas as categorias de
pessoas necessitadas, a mais necessitada da face da terra não é aquela que está
passando por uma grande tristeza, que está agonizando na luta pela vitória, mas e aquela

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que não tem luta nenhuma, nem vitória, e que não o sabe, e que se sente satisfeita,
avançando aos trancos numa deplorável ignorância de quase todas as possessões que
lhe pertencem em Cristo".

J. C. Metcalfe dá a este mesmo fato um testemunho a mais: "Muitos cristãos jovens,


que não foram advertidos dessa necessária viagem de descobrimento, na qual o Espírito
Santo vai certamente embarcá-los (Rom. 7), foram mergulhados num quase incurável
desespero à vista da presença do pecado que existe em sua natureza. Primeiro,
regozijaram-se grandemente com o perdão dos seus pecados, e com a sua aceitação da
parte de Deus; mas, mais cedo ou mais tarde, começaram a perceber que tudo não vai
bem, e que falharam e caíram do alto padrão de espiritualidade que pretendiam alcançar
no ardor e entusiasmo de sua conversão”.

"Eles começam a perceber algo da experiência que Paulo descreve tão vividamente:
'...pois não faço o que prefiro, e, sim, o que detesto' (Rom. 7:15), e, conseqüentemente,
sentem que falta-lhes o chão sob os pés na sua vida cristã; e, então, talvez, o diabo lhes
cochiche que não adianta prosseguir, porque nunca serão capazes de alcançar o alvo.
Mal sabem quão saudável é a sua condição, e que essa descoberta tão alarmante é
apenas o prelúdio de uma magnífica série de descobertas subseqüentes de coisas que
Deus determinou expressamente para o seu enriquecimento eterno. Durante toda a vida,
Deus tem de nos mostrar toda a nossa completa pecaminosidade e necessidade, antes
que possa nos levar até o reino da graça, no qual vislumbraremos a Sua glória".

A auto-revelação precede a revelação divina — este é um princípio que vale tanto para
o nascimento espiritual quanto para o crescimento espiritual. O crente que está
atravessando lutas e fracassos é o cristão que está sendo cuidadosa e amorosamente
tratado pelo seu Senhor, de um modo muito pessoal. Ele está sendo levado através da
experiência (de vários anos) da auto-revelação na direção da morte — a única base sobre
qual podemos "o conhecer e o poder da sua ressurreição e a comunhão dos seus
sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte" (Fil. 3:10).

Deus opera por meio de paradoxos. O sucesso vem por meio do fracasso; a vida brota
da morte, etc. O único elemento na vida do crente que se esmigalha é justamente aquele
que tem que acabar de qualquer maneira — a vida nova não pode nunca ser
prejudicada ou afetada. Essa desintegração é algo no qual o crente não pode entrar
nem criar por si mesmo — o ego jamais expulsará o ego. Ele tem de ser conduzido pela
misericórdia do Espírito Santo — até o fracasso abjeto e total. "Porque nós, que vivemos,
somos sempre entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus
se manifeste em nossa carne mortal” (II Cor. 4:11). É com muita freqüência que os meios
utilizados pelo Espírito são um companheiro não salvo, ou mesmo um salvo! Mil e uma
coisas são usadas por Ele — para se dizer a verdade, tudo (Rom. 8:28,29), com o fim de
revelar o que há de pior em nós, para finalmente nos capacitar a vermos claramente que
a vida cristã tem de ser "não mais eu, mas Cristo". Pessoas, circunstâncias, etc, nunca
são a causa do fracasso. A reação do ego para com as mesmas é que é a causa, e o
principal problema a ser resolvido. "Sou eu, sou eu, ó Senhor".

"Muitos de nós provavelmente já experimentaram o que é regozijar-se na graça de


Deus, sem ter compreendido muito bem o verdadeiro caráter da carne. Observa-se,
freqüentemente, que onde há a maior exuberância de alegria nos jovens convertidos, há
também uma leviandade que deixa de tomar consciência de que a carne não mudou em
nada! Nesses casos a graça de Deus é aceita de maneira auto-confiante; há muito pouco
de auto-desconfiança, ou sentimento de fraqueza e dependência. E a conseqüência

31
inevitável é uma queda, ou uma sucessão de quedas, que gradualmente convencem as
consciências dos crentes de sua completa fraqueza e incapacidade, enquanto estiverem
na carne". — C. A. Coates

Evan Hopkins nos dá alguns importantes esclarecimentos sobre o assunto: "Quão


infinitas são as formas pelas quais o ego aparece. Alguns se ocupam com aquele que é
louvável do ego. Orgulham-se de suas excelentes qualidades. Mas há outros que se
ocupam com o deplorável no ego. Estão sempre se queixando de suas imperfeições, e
lutando contra a carne como se esperassem que, com o tempo, fossem melhorá-la.
Quando é que nos convenceremos de que ela é tão completamente má, que está além de
qualquer recuperação? A nossa experiência, na direção que leva para cima, no poder de
Deus, está exatamente na proporção de nossa experiência, na direção que leva para
baixo, no aniquilamento do ego.

"Isto é reconhecer-se fraco com referência ao pecado? Não, é uma atitude mais
humilde que isso. É reconhecer-se estar morrendo? Não, ainda mais humilde.
'Considerai-vos mortos para o pecado' (Rom. 6:11). Há quem creia que é muito fraco.
Mas o que isto implica? Que tem alguma força. Mas, quando um homem está morto, não
tem poder nenhum. Temos de agir sobre o fato de que estamos mortos com referência ao
pecado. Não falaremos, então, em dificuldades quanto à resistência à tentação, no que se
refere a nós mesmos. Tomaremos o lugar mais honesto e humilhante, e diremos que é
simplesmente impossível resistir. Mas sabemos que aquilo que é impossível para o ego é
possível para Deus. Tomaremos o nosso lugar no lado da cruz que apresenta a vitória da
ressurreição e, fazendo assim, deixaremos para trás a velha vida do ego pela nova vida
em Cristo. Viver nEle, que é a nossa Vida, é estar no poder de Deus". Alguém já disse
muito corretamente que "há muitos crentes que estão 'separados do mundo', mas que
não estão 'separados' de si mesmos".

32
1. AUTO-NEGAÇÃO
2.
3. Quando um crente começa a descobrir algo da horrível tirania da vida do ego, ou
tem lutado sem cessar contra essa tirania, fica intensamente preocupado com
como descobrir o meio de negar o ego, que possa garantir a libertação que conduz
ao descanso e crescimento em Cristo. O homem tem muitos meios de procurar
escapar à servidão do ego: Deus só tem um único meio. Primeiro, então, vamos
ver alguns desses métodos centralizados no homem.
4.
5. MORTIFICAÇÀO
6.
7. Negar-se certas coisas por algum tempo, ou mesmo durante o tempo todo, nem
sequer se aproxima da resposta, uma vez que a velha natureza vai se ajustar e
florescer sob quaisquer condições — qualquer coisa que não seja a morte do ego.
"Houve aqueles que pensaram que para se desembaraçarem de si mesmos seria
necessário abandonar a sociedade; por isso rejeitaram todo relacionamento natural
humano e foram para o deserto, ou para as montanhas, ou para a cela do eremita,
para jejuar, suar e lutar na mortificação da carne. Ainda que suas motivações
fossem boas, é impossível apoiar seu método. Pois não é bíblico crer que a
natureza do velho Adão possa ser derrotada desse modo. Ela não se sujeita a
nada menos do que a morte na cruz. Ela é demasiadamente resistente para que
possa ser morta, maltratando o corpo ou deixando de atender às necessidades
emocionais". — A. W. Tozer
8.
9. CONQUISTA
10.
11. Provavelmente o esforço mais prolongado e exaustivo de todos é o do crente que
luta para subjugar e controlar este ego rebelde. Mais reuniões, mais estudos
bíblicos, mais orações, tudo é usado,mas essa também não é a resposta divina
para esse problema.
12.
13. EDUCAÇÃO
14.
15. Eis aí um método favorito, que tem sido experimentado e provado ser deficiente
através dos séculos. Tem-se confiado na boa educação e cultura cristãs em lares,
igrejas e escolas como sendo adequadas para subjugar a velha natureza e colocá-
la dentro da linha.
16.
17. REAVIVAMENTO
18.
19. Outro fracasso tem sido o de realizar reuniões especiais uma ou duas vezes por
ano. Isto envolve liderança externa (um estranho aos problemas dos membros da
igreja), e a devastadora rotina reavivalista (confissão, novos propósitos, etc), na
esperança de que algo vai mudar — mas raramente muda, e, se o faz, dura pouco.

CRESCIMENTO

São tantos os queridos crentes que continuam labutando (ou correndo freneticamente)
através da mortificante rotina da multidão das atividades e obrigações de suas igrejas,
esperando que, com o tempo, o ego há de mudar para melhor, conforme forem
crescendo. Mas o ego não muda nunca em nada. "O que é nascido da carne, é carne"
(João 3:6a). "Às vezes, esse ego é completamente mau. como quando fica zangado,

33
vingativo, indelicado, injusto, mentiroso, odioso, maldoso. Em outros, uma aparência de
bondade esconde um coração perverso, como quando nos orgulhamos de nossa
humildade, nos envaidecemos de nosso trabalho cristão, nos vangloriamos de nossa
ortodoxia. E um excessivo ardor e uma óbvia satisfação com o som da própria voz,
estraga muitas vezes uma reunião de oração".

PURIFICAÇÃO

Confissão imediata e a conseqüente purificação (também tem constituído um método


popular. Entretanto, I João 1:9 fala de pecados já cometidos e não da fonte (o ego) de
onde eles emanam. "Nossos pecados são resolvidos com o sangue, nós mesmos somos
tratados pela cruz. O sangue garante nosso perdão, a cruz garante a nossa libertação
daquilo que somos em Adão. O sangue pode lavar os meus pecados, mas não pode lavar
o meu velho homem. Preciso da cruz para que eu — o pecador — seja crucificado". — W.
Nee

EXPERIÊNCIAS

Atualmente, uma das tentativas para se obter uma melhoria é a de procurar "o batismo
do Espírito", o falar em línguas, etc. Essa é, inegavelmente, a mais perigosa e patética
de todas as armadilhas, porque é puramente auto-induzido, o ego neurótico e
religiosamente desenfreado. "O Calvário precede o Pentecoste. A morte com Cristo
precede a plenitude do Espírito. Poder! Sim, os filhos de Deus precisam de poder, mas
Deus não concede poder ao velho homem, nem à alma que não está crucificada. Satanás
dará poder ao 'velho Adão', mas não Deus".

Quem de nós não sabe algo sobre os nossos fracassos, por mais bem-intencionados
que tenhamos sido? O que a maioria não sabe é que é exatamente esse fracasso que
Deus usa para nos ensinar como podemos entrar no caminho que leva à vitória em Cristo.
"Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos
caminhos os meus caminhos, diz o Senhor" (Is. 55:8). Então qual é exatamente o
caminho divino para a auto-negação? Ele só tem um caminho e é o caminho em que se
baseiam todos os Seus outros caminhos: o princípio da obra consumada de Cristo.
Seu caminho para nós, em tudo, é o caminho que Ele já trilhou, conquistou e completou
em Cristo.

O CAMINHO DIVINO DA CRUZ

Foi na cruz do Calvário que Deus, em Cristo, resolveu completa e finalmente o


problema do ego, a natureza da qual brotam todos os nossos pecados. "Sabendo isto,
que foi crucificado com ele o nosso velho homem (ego não renovado), para que o (nosso)
corpo do pecado (instrumento do pecado) seja destruído, e não sirvamos o pecado como
escravos" (Rom. 6:6). O motivo por que não existe nenhum outro caminho para que o ego
seja sacrificado é porque Deus operou deste modo: nossa identificação com Cristo Jesus
na Sua morte e ressurreição! Está feito; nossa parte, agora, é crer.

"A 'carne' só se submete na cruz; não a todas as resoluções que você faça numa série
de conferências, não a algum esforço próprio, não a qualquer tentativa de auto-
crucificação; somente co-crucificação, sendo crucificado juntamente com Cristo (Gál.
2:20). Não é você se matando, mas aceitando, pela fé e submissão, seu lugar de união
com Cristo na Sua morte. Esta é a bendita barreira de segurança entre você e todos os
atrativos da carne, e ela abre o caminho para você fazer a vontade de Deus". — G. Watt

34
A cruz do Calvário resultou na morte do Senhor Jesus, pelo pecado e para o pecado.
Morrendo para o pecado, Ele morreu, saindo do reino do pecado, e Ele ressuscitou no
reino da "novidade de vida", vida eterna. E a nossa identificação com Ele no Calvário
levou-nos à morte; para a sepultura; à "novidade de vida" (Rom. 6:4). Primeiro, Romanos
6:3 — "batizados na sua morte"; depois, Romanos 6:4 — "sepultados com ele"; então,
Romanos 6:5 — "Porque se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte,
certamente o seremos também na semelhança da sua ressurreição"; também
Colossenses 3:3 — "porque morrestes, e a vossa vida está oculta com Cristo, em Deus";
portanto, Romanos 6:11 — "Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado,
mas vivos para Deus em Cristo Jesus".

Louvemos o Senhor! tudo aconteceu no Calvário; nosso pecado foi castigado, nossa
pecaminosidade foi resolvida, e os dois pela definitiva — A MORTE. E nós recebemos os
benefícios da obra da cruz, simplesmente reconhecendo e crendo na obra que foi
consumada na cruz. Primeiro, através da Palavra, descobrimos o que Deus fez pelo
nosso problema. Depois, quando nos convencemos inteiramente do fato e começamos a
entendê-lo claramente, estamos aptos para concordar e 'considerá-lo' verdadeiro. E
conforme exercitamos a fé no fato divino, começamos a receber os benefícios dessa obra
consumada na experiência. Não foi verdadeiro na questão de nossa justificação? Sim, e
do mesmo modo descobrimos que é verdadeiro na questão de nossa emancipação da
escravidão da vida do ego.

"O poderoso efeito da cruz com Deus, no Céu, no apagamento da culpa, e na nossa
renovada união com Deus, é inseparável do outro efeito — a destruição da autoridade do
pecado sobre o homem, pela crucificação do ego. Portanto, a Escritura nos ensina que a
cruz, além de operar uma disposição ou desejo para fazer tal sacrifício, também
concede realmente o poder para fazê-lo, e completa a obra. Isto aparece em Galatas,
com maravilhosa clareza. Em um lugar fala-se da cruz como sendo o lugar da nossa
reconciliação com Deus (3:13). Mas há mais três lugares onde a cruz é apresentada ainda
mais claramente como a vitória sobre o poder do pecado; como o poder que mantém o
"Eu" da vida do ego no lugar da morte; da carne (a operação externa do ego); e do mundo
(2:20; 5:24; 6:14). Nessas passagens, a nossa união (identificação) com Cristo, o
Crucificado, e a nossa identidade com Ele resultante da união, são representadas como o
resultado do poder exercido dentro de nós e sobre nós pela cruz". — Andrew Murray

Quando aprendemos a permanecer sobre a obra consumada no Calvário, o Espírito


Santo começará a aplicar fiel e eficientemente essa obra consumada na cruz à vida do
ego, e assim mantendo-a no lugar da morte — inativa — resultando na vida do "não mais
eu, mas Cristo".

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A CRUZ

Estudar essas verdades é uma tarefa árdua, não acha? Ainda que a fome e a
necessidade espiritual sejam os requisitos primários para a luz e o entendimento, o
Espírito Santo não libera os tesouros da Palavra rápida ou facilmente. "Um abismo chama
outro abismo". Temos de estar preparados, e mesmo assim há muito tempo, exploração,
oração, meditação, anseio e experiência envolvidos. A verdadeira realidade espiritual não
vem de outro modo, mas, louvado seja o Senhor, ela vem por este caminho!

O entendimento e a apropriação dos fatos relacionados com a cruz revelam-se ser


uma das fases mais difíceis e mais fatigantes para o crente que está crescendo. Deus
mantém guardadas as coisas melhores e mais importantes para aqueles que são
realmente sinceros, para aqueles que têm fome e sede daquilo que é o melhor em nosso
Senhor Jesus Cristo. A compreensão da parte do crente dos dois aspectos do Calvário dá
a chave para os dois, o crescimento espiritual e o serviço que vivifica.

"O Calvário é o segredo de tudo. O que conta é o que Ele fez ali, e o que Ele fez
transforma-se numa força na vida do crente, quando este se apropria dela pela fé. Este é
o ponto de partida do qual todo o viver piedoso deve começar. Jamais atingiremos a
experiência da vitória do Calvário em nossas vidas, se não estivermos preparados para
aceitarmos (reconhecermos) a Sua vitória na cruz como o segredo de nossa vitória
pessoal, hoje. Não há nenhuma vitória que seja nossa que não foi antes dEle. O que
temos a experimentar Ele comprou, e o que Ele comprou para nós, temos de
experimentar. O começo da vida de santidade é uma fé no Salvador crucificado, que vê
além da Sua obra substitutiva. É uma fé que me vê identificado com Cristo na Sua morte
e ressurreição".

Na verdade, nosso Pai educou cada um de nós para uma fé bem definida e explícita
neste segundo aspecto do Calvário: nossa identificação individual com o Senhor Jesus na
Sua morte para o pecado e na Sua ressurreição para a vida. Este treinamento ensinou-
nos de ponta à ponta o significado da primeira parte: crer e apropriar-se da obra que Ele
consumou, morrendo pelos nossos pecados — a justificação. Agora, Ele nos pede da
mesma maneira definida que creiamos e nos apropriemos do segundo aspecto. "Sabendo
isto, que foi crucificado com ele o nosso velho homem" (Rom. 6a); "Assim também vós
considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus" (Rom. 6:11).

Nossa inteligente fé, baseada tão somente nos fatos do Calvário, dá liberdade para o
Espírito Santo trazer essa obra consumada para dentro das nossas vidas diárias. Nós nos
firmamos no fato da Sua morte PELOS nossos pecados, e este ato de fé permite ao
Espírito Santo dar-nos a nossa liberdade quanto à pena do pecado — justificação.
Agora, depois que chegamos a entender o fato do segundo aspecto, a Palavra insiste
conosco a dependermos igualmente da verdade libertadora da nossa morte com Cristo
na Sua morte para o pecado, que permite ao Espírito Santo introduzir em nossas vidas a
libertação do poder e da escravidão do pecado — santificação progressiva. E, é claro,
quando estivermos com Ele na Glória, estaremos para sempre livres da presença do
pecado — inteiramente santificados e glorificados.

"Como o nosso Substituto, o Salvador foi sozinho à cruz, sem nós, para pagar a pena
do nosso pecado; como nosso Representante, Ele nos levou consigo à cruz, e lá, diante
dos olhos de Deus, todos morremos juntos com Cristo. Podemos ser perdoados,
porque Ele morreu em nosso lugar; podemos ser libertados, porque morremos com
Ele. A maneira divina de nos libertar, uma raça desesperadamente incurável, é a de nos

36
colocar na cruz do Seu Filho, e então começar de novo, recriando-nos em união com Ele,
o Ressuscitado, Aquele que vive (II Cor. 5:17). É o Espírito Santo que torna esses
grandes fatos reais e verdadeiros em nossa experiência, quando cooperamos com Ele; e
assim a praga de nossos corações cessará (Números 16:41-50) e nós seremos
transformados à semelhança de Cristo".

"Por meio da crucificação do velho homem com Cristo, o crente foi morto para o
pecado; foi completamente libertado do poder do pecado; foi colocado além do alcance do
pecado, e o direito que o pecado tinha sobre ele foi nulificado. Esta é a perfeita provisão
da graça de Deus, mas esse fato realizado só pode se tornar uma realidade verdadeira,
na experiência do crente, quando a fé se apossa dele (do fato) e capacita o crente,
momento a momento, dia a dia, ainda que as tentações o assolem, a 'reconhecê-lo'
verdadeiro. Quando ele o reconhece, o Espírito Santo o torna real; quando ele continua
reconhecendo-o, o Espírito Santo continua torando-o real. O pecado não precisa ter poder
sobre o crente, além do que este consinta por meio da incredulidade. Se ele estiver vivo
para o pecado, será devido, em grande parte, ao fato de ter falhado em reconhecer-se
morto para o pecado". — R. Paxson

A Reforma colocou em foco novamente a ênfase sobre o nascimento espiritual, sem o


qual não pode haver começo. O que está faltando entre os crentes até o dia de hoje é a
devida ênfase sobre o CRESCIMENTO — não apenas ser salvo e, eventualmente, o Céu.
Que tipo de salvação teríamos, se o Pai simplesmente nos salvasse da pena dos nossos
pecados, e depois nos abandonasse para que resolvêssemos sozinhos a questão do
poder do pecado em nossa vida e caminhada cristãs? Mas a maior parte dos crentes
acha que foi só isso que Ele conseguiu fazer, e está lutando para vencer o mais que
pode, com a ajuda dEle. E esse foi o erro dos gaiatas, tão destacado ainda hoje entre
muitos grupos de crentes. Temos de voltar aos dois fatos básicos: livres da pena do
pecado, por meio de Sua obra consumada; "...justificados por fé..." (Gál. 3:24);
"...andamos por fé..." (II Cor. 5:7); "Ora, como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim
andai nele" (Col. 2:6).

Não fomos abandonados para que lutássemos com a velha vida sozinhos; isto já foi
resolvido por Cristo na cruz. Esse é o fato que tem de ser conhecido, e é sobre esse fato
que estão firmados os princípios e as doutrinas da santidade no Novo Testamento. Em
outras palavras, o Calvário é o fundamento da santificação, tanto quanto da justificação.
Os dois dons brotam da mesma obra e são dois aspectos da mesma salvação".

Agora, enquanto o crente não conhece este aspecto duplo da sua salvação, o melhor
que pode fazer é procurar resolver os seus pecados por meio da confissão (I João 1:9) —
isto é, depois do prejuízo consumado! Isto resolve a sanção do pecado, mas não da fonte.
Já não chegou a hora de permitirmos que o Espírito Santo vá à fonte e interrompa essa
corrente de pecados, antes que sejam cometidos? Não seria infinitamente melhor do que
o desastre que o pecado causa, ainda que confessado? Quando os crentes ficam
enojados e cansados de fiar anos e anos numa gaiolinha espiritual — pecando,
confessando, mas depois pecando de novo — ficam prontos para a resposta divina para a
fonte do pecado, que é a morte do ego, realizada pela obra consumada na cruz.

"Quando pela vez primeira a luz de Deus brilha em nosso coração, nosso único grito é
pelo perdão, pois percebemos que temos cometido pecados diante dEle; mas depois que
recebemos o perdão dos pecados, fazemos uma nova descoberta — a descoberta do
pecado, e descobrimos que temos a natureza pecadora. Há uma inclinação interior para o
pecado. Há um poder dentro de nós que nos impele para o pecado, e, quando esse poder

37
extravasa, cometemos pecados. Podemos procurar e obter perdão, mas. depois,
tornamos a pecar; e a vida prossegue num círculo vicioso — pecando e sendo perdoados,
mas depois pecando novamente. Apreciamos o perdão divino, mas queremos algo mais,
queremos libertação. Precisamos do perdão pelo que fizemos, mas precisamos de
libertação pelo que somos".

Nossa aceitação da obra consumada da nossa morte para o pecado, em Cristo no


Calvário, é o ÚNICO meio de livramento divino — não há nenhum outro, porque foi o meio
que Ele providenciou. Aprendemos que nada temos a acrescentar à obra consumada na
questão da justificação, e agora temos de aprender a não acrescentar nada à obra
consumada da emancipação. Seremos libertados quando penetramos na libertação que
Ele preparou — não em nenhuma outra. "O crente não pode nunca vencer o velho
homem, mesmo com a força do novo, à parte da morte de Cristo. A morte de Cristo para o
pecado é indispensável, e se a cruz não for a base sobre a qual ele vence o velho
homem, ele apenas cai em outra forma de moralidade. Em ou tras palavras, ele está
procurando vencer o ego com o esforço do próprio ego, e a luta é inútil". — C. Usher

Marcus Rainford recusou-se a deixar de receber a libertação definitiva de Deus: "Não


deve ser uma simples impressão passageira da mente, quando estamos livres da
tentação ativa; não um mero estado de espírito alegre, quando sob a ação de um
refrigério temporário da presença do Senhor; não é uma consciência auto-lisonjeira de um
coração ocupado em praticar boas obras. De nenhum destes deve o crente supor que já
alcançou o domínio prático sobre o pecado. Este domínio só vem sobre a base de que
Cristo morreu para o pecado, e que o crente vive para Deus, por meio de Jesus Cristo
nosso Senhor".

"Devo reconhecer que o inimigo dentro do arraial — a carne, a velha natureza, o ego,
o eu, o velho Adão — é um usurpador. Pela fé devo reconhecer que ele está no lugar em
que Deus o colocou — crucificado com Cristo. Devo entender que, agora, a minha vida
está escondida com Cristo em Deus; que Ele é a minha vida". — Ian Thomas

38
DISCIPULADO

Um discípulo é alguém que, em primeiro lugar, mantém a comunhão da cruz, o que


resulta em comunhão com o seu Senhor: o discipulado. "A expiação da cruz e a
comunhão da cruz precisam ser igualmente pregadas, como condições para um
verdadeiro discipulado". "Cristo é a resposta, mas a cruz é necessária para abrir o
caminho até Ele".

No progresso espiritual, nosso Senhor nunca empurra. Ele é o nosso Líder (Heb. 12:2)
e Ele nos conduz passo a passo. Lutamos e falhamos (auto-esforço), o que estabelece
um anseio de obter uma resposta para esse fracasso deprimente. Eventualmente,
descobrimos os fatos bíblicos relacionados com a libertação na cruz (identificação), e
isso, por sua vez, produz a necessária fome de obter a liberdade, liberdade para ter
comunhão com a Resposta — nosso Senhor Jesus Cristo, Ressuscitado.

"Nada pode nos separar para Deus, nada pode nos tornar santos, a não ser a cruz
quando opera em nós, porque somente a cruz pode manter os impecilhos à santidade na
posição da morte". — G. Watt. "Por trás de todo o trabalho bem sucedido, em prol dos
perdidos, está um impulso espiritual interior; e, por trás do impulso, está o Espírito Santo,
que reproduz Cristo em nós; e a 'marca registrada' de tudo isso é a cruz, a experiência
viva daquilo que deve entrar e controlar a vida, antes que estejamos preparados para o
serviço". — J. E. Conant

Em nenhum lugar, nosso Senhor Jesus Cristo foi mais explícito e mais firme do que
quando mencionou o discipulado: "Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si
mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me". "E qualquer que não tomar a sua
cruz, e vier após mim, não pode ser meu discípulo" (Lucas 9:23; 14:27). Suas razões são
simples. O ego não pode e não quer segui-lO, mas o tomar da cruz resulta na morte do
ego, e na novidade de vida em Cristo Jesus.

Um discípulo é alguém que está livre do velho e livre para o novo. Em outras palavras,
em palavras bíblicas: "mortos para o pecado, mas vivos para Deus" (Rom. 6:11). E, para
tanto, o Senhor Jesus claramente estipulou que cada um deve tomar a sua cruz. Eis aí o
ultimato; e agora, vamos descobrir como tomar a cruz.

Mas, em primeiro lugar, vejamos como não tomar a cruz. "Os crentes precisam
entender que o tomar da cruz não se refere, em primeiro lugar, às provações que nós
chamamos de cruzes, mas à renúncia diária da vida, à morte do ego, que deve nos
identificar como identificou o Senhor Jesus, da qual precisamos na hora da prosperidade,
quase que mais do que na adversidade, e sem a qual a plenitude da bênção da cruz não
nos pode ser revelada". — A. Murray

"Vamos deixar de confundir as palavras 'uma cruz' com 'a cruz'. Às vezes os crentes
lastimam-se, cheios de pena de si mesmo, dizendo: 'Eu já tomei, ou devo tomar a minha
cruz, e seguir Jesus'. Se pudéssemos perder a visão da nossa 'cruz' na Sua cruz, então a
Sua cruz se tornaria a nossa cruz; a Sua morte, a nossa morte; a Sua sepultura, a nossa
sepultura; a Sua ressurreição, a nossa ressurreição; a Sua vida ressurreta, a nossa
novidade de vida". Não, tomar a nossa cruz não significa o estóico suportar de algum
fardo pesado, de alguma dificuldade, doença, situação ou relacionamento desagradável.
Suportar qualquer coisa desse tipo não é tomar a cruz. Tomar a cruz pode ou não
envolver tais coisas, mas as coisas em si não constituem a nossa cruz.

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A cruz do crente é a cruz do Calvário, a cruz sobre a qual ele foi crucificado com Cristo
(Gál. 2:20). Ali foi assinada a eterna proclamação de emancipação com o sangue do
Cordeiro, e selada com o Espírito de Deus. Cada crente é, desse modo, libertado de toda
a escravidão, mas cada crente não está cônscio dessa verdade libertadora.

É triste dizer que os únicos crentes interessados na libertação são aqueles que
chegaram ao ponto de odiar suas correntes, em vez de acariciá-las. "É verdade que o
intelecto é escandalizado pela cruz; mas o antagonismo contra a cruz é principalmente
moral, tanto no pecador quanto no santo, pois a sua mensagem só é bem recebida por
aqueles que desejam libertação da escravidão dos seus pecados, e que têm fome e sede
de experimentar a justiça de Deus". Sim, a necessidade precisa ser intensa, como disse
Norman Douty: "O caminho divino (via cruz), para a emancipação espiritual, é exatamente
tão ofensivo para o filho de Deus como o caminho da salvação para o perdido".

Quando o crente começa realmente a perceber a cruz pelo que ela é — um lugar de
morte, ele sente inclinação a hesitar quanto à escolha de tal comunhão. Nosso Senhor
Jesus Cristo entende isso bem, mas não há outro meio, desde que essa é a maneira pela
qual Ele consumou a obra em nosso favor. Por isso, Ele simplesmente permite que
nossas necessidades continuem a exercer a sua pressão, até que finalmente nós nos
curvemos ao inevitável.

Estaremos prontos a tomar a nossa cruz, quando o ego se nos tornar intolerável,
quando começarmos a "odiar a nossa vida" — "...e aquele que não aborrece... a sua
própria vida, não pode ser meu discípulo" (Lucas 14:26). O profundo fardo do ego e a
fome de ser igual a Ele fazem que a função da cruz — a crucificação — seja atraente.
Quando os longos anos devastadores de abjeta servidão se transformam naquela
liberdade, de valor espiritual! inestimável, no Senhor Jesus — tudo vale a pena! O custo
significa nada para nós! Começamos a partilhar, imaginem só! da atitude de nosso
Senhor Jesus, e de Paulo: "...o qual (o Senhor Jesus) em troca da alegria que lhe estava
proposta, suportou a cruz" (Heb. 12:2). A atitude do apóstolo Paulo se tornou esta: "Mas
longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo" (Gál. 6:14).
"Tende em vós o mesmo sentimento (atitude) que houve também em Cristo Jesus" (Fil.
2:5).

Sim, começamos a nos gloriar na cruz, a nossa liberdade de tudo o que escraviza, de
tudo o que nos impede de ter comunhão com nosso Senhor Ressurreto. E assim
começamos a tomar a nossa cruz, a nossa libertação, nossa própria obra consumada
guardada em custódia para nós, por tanto tempo e tão pacientemente, pelo Espírito
Santo.

E agora, como é que tomamos e levamos a nossa cruz? Finalmente, preparados


pelas nossas necessidades, cônscios de que a nossa escravidão foi desfeita em Cristo no
Calvário, definitivamente começamos a descansar sobre essa obra consumada —
apropriamo-nos dela. Nossa atitude começa a ser esta: Alegre e prontamente eu
aceito, pela fé nos fatos, minha consumada obra de emancipação, que foi
estabelecida no Calvário. Reconheço-me realmente morto para o pecado, e vivo
para Deus em Cristo. Isto é o tomar da cruz.

Quando o aprendemos, começamos a descobrir que esses fatos são verdadeiros na


prática. O Espirito Santo toma essa consumada obra de morte e a aplica a tudo que se
refere à velha natureza, que, assim, fica no seu lugar de morte — a morte do Calvário.
Quando nós nos afastamos dos fatos e começamos a descansar sobre qualquer outra

40
coisa ou outra pessoa, inclusive nós mesmos, o ego é libertado da cruz — ativo e
escravizador como sempre. Por meio desse processo somos pacientemente ensinados a
andar pela fé, para manter a nossa atitude de dependência da obra consumada na cruz.

Adolph Saphir escreveu: "O caminho estreito, que começa na cruz — 'Morrestes com
Cristo' — e que termina com a glória do Senhor Jesus, é o caminho sobre o qual o Senhor
se aproxima e anda com os Seus discípulos".

“‘Cristo vive em mim'. O Senhor que me habita vive em mim como fonte única da vida.
O velho 'ego' não tem nada a dar para a vida e o serviço cristãos; ele não pode nunca ser
utilizado para os propósitos divinos. A morte é a sua porção, por decreto. Não pode haver
dois senhores em nossas vidas. Se o velho 'eu' está nos controlando, então Cristo não
pode fazê-lo. Mas se nós alegremente tomarmos posse do grande fato da redenção —
'Estou crucificado com Cristo' — então Cristo, por meio do Seu Espírito, assume o
exercício do funcionamento da vida dentro de nós, e nos conduz como Seus escravos
(discípulos), no Seu cortejo triunfal".

41
O PROCESSO DO DISCIPULADO

Na parábola do Semeador, a semente semeada "na boa terra são os que, tendo
ouvido de bom e reto coração, retêm a palavra; estes frutificam com perseverança" (Lucas
8:15). O princípio do crescimento é sempre o mesmo: "primeiro a erva, depois a espiga, e,
por fim, o grão cheio na espiga" (Marcos 4:28). Portanto, "eis que o lavrador aguarda com
paciência o precioso fruto da terra" (Tiago 5:7). Isto exemplifica claramente que "aquele
que crer, não se apressará" (Is. 28:16).

Para a maior parte de nós, o crescimento tem constituído uma longa estação, desde a
frágil ervazinha até "o grão cheio na espiga". Tantos buscam alcançar esse estágio;
salvos, tendo assegurado o Céu — mais uma medida de respeitabilidade cristã, que
pacifica o coração, pelo menos dentro das igrejas. Temos aí o crente como um grão
normal de trigo, contendo vida dentro de um revestimento mais ou menos reluzente, lá no
alto do seu caule, em comunhão com outros grãos de trigo similares.

Esse é apenas um estágio, não o alvo. E, tal como a meia-idade, pode ser um estágio
perigoso: de alguém que procura um descanso "merecido"; de lagartear sem alvo, na
comunhão das reuniões, classes, etc.; de ignorar ou esquecer-se das lutas e dores do
crescimento das ervazinhas verdes aos seus pés, esperando e exortando-as a que
cresçam e amadureçam sem demora.

Isso tudo é muito confortável, mas tem um preço alto; cômodo, mas estéril. "A
semente pode ser linda, mas sua casca é dura. O germe da vida está trancado dentro de
sua casca e não pode sair. Portanto, nada produz. Eis o motivo por que são tantos os
crentes, até mesmo pregadores, que ficam infrutíferos. Só um aqui, e outro ali, é um
ganhador de almas. Quando o grão de trigo é enterrado, ele morre, e a sua dura
superfície exterior amolece e apodrece, para fornecer alimento ao jovem brotinho, que, de
outro modo, morreria e causaria uma colheita infrutífera. É preciso que nos reconheçamos
mortos para o ‘eu’ duro, frio e egoísta, a fim de que a influência amolecedora do Espírito
Santo possa operar, qualificando o crente para o serviço de Deus. Muitos querem fazer a
obra de Deus, mas são incapazes, por causa da ‘carne’ em suas vidas”.

Nosso Pai entende tudo isso, e é Ele que toma a inicitiva na questão. Ele joga a
semente da insatisfação em nossos corações; Ele começa a nos mostrar que há muito
mais nessa vida cristã do que simplesmente ser salvo e ativo para Ele. E é necessário
que Ele planeje e efetue a nossa mudança, de um grão carnal para o discipulado frutífero.
De um infinito número de meios, Ele escolhe o mais eficiente para a transição de cada
crente. E na mão do Lavrador, não há temor, mas liberdade.

“Com freqüência, encontramos cristãos que são inteligentes e brilantes, fortes e justos;
para se dizer a verdade, um pouco brilhantes demais, um pouco inteligentes demais —
parece que há muito do ego em sua força, e a sua justiça é severa e crítica. Têm tudo
para serem santos, exceto... a crucificação, que os moldaria numa sobrenatural ternura e
ilimitada caridade pelos outros. Mas, se eles pertecem aos verdadeiros eleitos, Deus tem
uma prensa de lagar preparada para eles, pela qual terão de passar um dia, que
transformará a dureza metálica de sua natureza no vinho de meigo amor, que Cristo
sempre apresenta no final da festa”.

"Outra parábola lhes propôs, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um homem
que semeou boa semente no seu campo... O que semeia a boa semente é o Filho do
homem; o campo é o mundo; a boa semente são os filhos do reino" (Mat. 13:24,37,38a).

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O Senhor da seara planta, enterra, os cristãos, como sementes em um campo, que é o
mundo.

Por meio do cuidado paciente e amoroso do Lavrador, o grão de trigo lá no alto do


caule começa a temer ser guardado sozinho, e anseia em "produzir muito fruto". Eis aí a
motivação divina para o discipulado: a fome que o coração filial sente em produzir frutos.
Finalmente, roga para que seja feito frutífero a qualquer custo, e então ouve o Senhor
dizer: "Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer,
fica ele só; mas se morrer, produz muito fruto" (João 12:24). "Quem quiser, pois, salvar a
sua vida, perdê-la-á; e quem perder a vida por causa de mim e do evangelho, salvá-la-á
(Marcos 8:35). Em amorosa resposta a esse anseio, o Espírito Santo, silenciosa e
mansamente, começa a soltar o grão de sua confortável ligação e encaixe na espiga. "E
quando o fruto já está maduro, logo se lhe mete a foice, porque é chegada a ceifa"
(Marcos 4:29). Como resultado, mais cedo ou mais tarde o grão de trigo descobre-se, não
mais no alto do caule, mas caído no chão, numa escuridão fria e estranha. E, pior ainda, a
terra suja e maltrata aquela linda e dourada cobertura. E o pior de tudo é que a cobertura
começa a se desintegrar e se desfazer em pedaços. Tudo o que não é de Cristo, por mais
lindo que seja na aparência e utilidade, revela-se o que realmente é — simplesmente o
ego.

Há ainda um desnudar mais profundo, mesmo até o germe da vida, até que nada mais
reste, senão Cristo, que é a nossa vida. Descendo, descendo para a morte. Paciência,
grão de trigo. "Ainda que ele me mate, nele esperarei" (Jó 13:15, Ed. Rev Corrigida).

"Se não cair na terra e não morrer..."


Será que o "fruto" tem tal preço elevado
Que tenha de perder a vida tão preciosa
E ser o grão na terra enterrado?
Pois Ele enterra os grãos aqui e ali,
Para que tenham mais profunda comunhão
Aqueles que estiverem prontos a beber
Do cálice da dor, cantando uma canção.
"Se não cair na terra e não morrer..."
Mas que colheita há de ser aquela,
Quando estiver o campo semeado
E tu participares também dela!
Pois tu que a tua vida entregaste
E ao "perder", a nova tu achaste,
De Cristo a face verás a descoberto
E a glória dEle refletirás por certo. — Yolanda Krieven

Quando o crente toma a sua cruz para ser um discípulo, o processo da morte começa
a se estabelecer. O discípulo descobre que é uma semente semeada pelo Filho, plantada
num lar, num escritório, num hospital, numa igreja, num presbitério, ou numa missão. Seja
qual for o lugar, lá haverá a morte da qual emergirá a vida ressurreta. "Porque nós, que
vivemos, somos sempre entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida
de Jesus se manifeste em nossa carne mortal. De modo que em nós opera a morte; mas
em vós, a vida" (II Cor. 4:11,12). "Precisamos penetrar profundamente nessa verdade:
Cristo, o Amado Filho do Pai, não pôde entrar na glória do Céu antes que, primeiro, se
entregasse à morte. E essa grande verdade, quando se nos apresenta, há de nos ajudar
a entender de que modo em nossa vida, e na nossa comunhão com Cristo, é-nos
impossível participar de Sua vida antes que, primeiro, tenhamos verdadeiramente nos

43
submetido, todos os dias, à morte para o pecado, para o ego, para a lei e para o mundo, e
assim permanecer na contínua comunhão do discipulado com o nosso Senhor crucificado
e res-surreto".

P.S. "Todas as verdades que aprendemos a respeito da cruz, da nossa morte com
Cristo, da nossa morte para o pecado com Ele, da nossa identificação com a morte como
o grão de trigo que cai na terra para morrer, são preparativos para a vida vitoriosa. São o
fundamento dela e fundamentais a ela".

44
DESCANSO

"Portanto resta um repouso para o povo de Deus. Porque aquele que entrou no
descanso de Deus, também ele mesmo descansou de suas obras, como Deus das suas.
Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele descanso" (Heb. 4:9-11a). São tantas as
verdades vitalizantes da Palavra, que consistem de duas metades entrelaçadas e
inseparáveis. "Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele descanso". Quanto ao esforço, é
verdade que há uma grande porção de luta, busca, súplica e agonia no processo do
descobrimento e entendimento das verdades que se aplicam às nossas necessidades. E
grande parte do mesmo caminho é trilhada (ou rastejada) num esforço de apropriarmo-
nos e penetrarmos nelas. Tudo isso não é em vão; é necessário. Mas essa não é a chave
que abre a porta da realidade. O descanso é a chave para se entrar no descanso!

No importante mas exaustivo processo do esforço, chegamos a ver a verdade da qual


precisamos; certificamo-nos dos fatos; começamos a perceber algo do que é nosso no
Senhor Jesus Cristo. A apropriação disso, o descanso na realidade tem de ser na base da
fé, não no esforço e na luta. Somos ensinados a reconhecer e a contar com aquilo que
agora sabemos ser verdade a nosso respeito nEle, conforme apresentado na Palavra. "Na
tranqüilidade e na confiança (está) a vossa força" (Is. 30:15). Temos de tranqüila e
firmemente olhar para o nosso Pai, em sincera confiança, recebendo com gratidão aquilo
que Ele nos dá em Seu Filho. "Todos esperam de ti, que lhes dês de comer a seu tempo.
Se lhes dás, eles o recolhem; se abres a mão, eles se fartam de bens" (Sal. 104:27,28).

Norman Grubb nos dá uma boa palavra sobre o princípio do esforço e do descanso.
"Tome por exemplo o aprendizado de uma língua estrangeira. Você enfrenta uma série de
caracteres indecifráveis num livro, e ouve uma confusão de sons ao redor, que não
significam absolutamente nada. Mas você sabe que é uma língua que pode ser
aprendida. Mais do que isso, você está lá para aprendê-la. Pois é o primeiro degrau na
escada da fé. Pode ser que tenha certas dúvidas, mas crê, no seu coração, que pode e
há de aprendê-la. Sem essa fé, você nem tentaria aprendê-la. E, assim, você começa a
labutar. Muitas vezes a fé e a coragem falham, a mente se cansa e o coração fica pesado,
e você quase desiste. Mas não desiste. Desistir é o pecado imperdoável da fé. Você
prossegue. Passam-se meses. Na maior parte do tempo, parece que tudo entra por um
ouvido e sai pelo outro. Então — o espaço de tempo depende da dificuldade da língua e
da capacidade e industriosidade do aluno, é claro — parece que acontece um milagre.
Chega o dia ou o momento, sem que você quase perceba, que aquilo que você estava
buscando veio ao seu encontro; aquilo que você tentava apanhar, apanhou você! Você
começa automaticamente a falar aquela língua, a pensar nela, a entendê-la. Aquilo que
era uma mixórdia de sons do lado de fora, transformou-se numa linguagem ordenada
dentro da mente.

"Do mesmo modo, no esforço espiritual da fé, o momento ou período chega quando
entendemos. Todos os vestígios de esforço e luta se foram. Na verdade, a fé como tal
nem mesmo é sentida ou reconhecida. O canal se perde de vista na abundância do
suprimento. Como quando ficamos sabendo que somos filhos de Deus por uma certeza
interior, pelo testemunho do Espírito em nosso espírito; assim, agora, ficamos sabendo
que o velho 'eu' está crucificado com Cristo, o novo 'eu' tem Cristo por vida permanente,
espírito com Espírito foram fundidos num só; o ramo foi enxertado na videira; o membro
ligado ao corpo, e o problema da permanência torna-se tão natural como o respirar".

Graças a Deus pelas necessidades, que simplesmente não permitirão que o coração
faminto pare de buscar a sua satisfação nEle. "É necessário que nos lembremos de um

45
princípio fundamental na vida espiritual: que Deus só revela verdades espirituais para
satisfazer necessidades espirituais". "Quantos descansam no estágio inicial do novo
nascimento. 'Pois fostes regenerados... de (semente) incorruptível, mediante a palavra de
Deus' (I Ped. 1:23), e falham em prosseguir no conhecimento de que '(Deus) nos
regenerou para uma viva esperança mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os
mortos, para uma herança incorruptível' (I Ped. 1:3,4)".

O coração faminto do crente descobre, através dos anos, que ele já foi conduzido por
um longo caminho, e cada passo do caminho foi pessoalmente experimentado: a
realidade que brota da fé fundamentada sobre os fatos da Palavra. "Quanto mais
claramente penetramos pela fé na verdade objetiva, ou naquilo que é verdade a nosso
respeito em Cristo, mais profundamente, mais experimentalmente, e mais praticamente, o
subjetivo operará em nós, e mais completa será a manifestação do efeito moral na nossa
vida e caráter". — C. H. M.

Sim, trilhamos um longo caminho, dando um passo de vez, pela fé: O descanso da fé
referente à nossa justificação; o descanso da fé referente à nossa identificação com Cristo
na morte, ressurreição e ascensão. Cada passo, estabelecido no repouso da fé, leva-nos
ao seguinte. Cada um deve ser estabelecido, antes que o próximo possa ser dado.

Nunca será demais afirmar que, se o crente não estiver firmemente estabelecido nos
passos de Romanos 1-5, ele não pode verdadeiramente entrar e repousar sobre as
verdades de Romanos 6-8, sejam quantas forem as reuniões e conferências especiais
que ele freqüentar, ou os assim chamados reavivamentos nos quais ele se envolver. "O
Dr. James da Albany, que foi usado para levar centenas ao conhecimento das verdades
mais profundas, declarou que usualmente achava que 'o fracasso nos estágios mais
elevados da vida cristã se devia à compreensão e aceitação imperfeitas do evangelho da
salvação nos seus princípios fundamentais'. É coisa rara poder ensinar, na maior parte
das reuniões da atualidade, mais que 'os primeiros princípios dos oráculos de Deus' — os
fatos básicos referentes ao novo nascimento. Você não pode aprofundar uma vida
espiritual que não existe! Você apenas há de construir de maneira torta, se os
fundamentos não forem colocados de maneira adequada! A falta da devida apreciação da
maravilha de uma plena salvação em Cristo, abre a porta a todo o tipo de falta de
equilíbrio, e produz contínua frustração e fracasso". — J. C. Metcalfe

Os crentes, muitas vezes, conseguem confiar em Deus em se tratando de verdades


que precisam, só para escorregar da graça no reino da lei, procurando produzir aquela
verdade particular em suas vidas ou serviço. Uma vez de posse da verdade, temos de
repousar — Ele produzirá. "Na experiência prática, quando nos apropriamos da nossa
libertação por meio da morte de Cristo, a vida do ego costuma parecer mais viva do que
nunca! É exatamente aí que Deus quer que permaneçamos firmes (repousando) sobre a
Sua Palavra escrita. A revelação crescente prova que a submissão à cruz é real, porque o
Espírito Santo nos atende no que pedimos e revela tudo o que Ele viu debaixo da
superfície — revela para que possa ser tratado com a cruz. Nossa parte é submeter
nossa vontade, e ficar do lado de Deus contra nós mesmos, enquanto o Espírito Santo
aplica a morte da cruz a tudo o que Lhe é contrário, para que seja realmente verdadeiro
que nós, os que somos de Cristo, tenhamos crucificado a carne com suas inclinações e
desejos (Gál. 5:4)".

"A fé que recebe bênçãos da mão do Pai tem dois estágios, e nós não devemos
desistir, só porque a fase da luta e do esforço não produz o prêmio. 'Seja feito de acordo
com a tua fé'. E, não nos esqueçamos, a fé começa sendo um esforço (Heb. 4:11) ou luta

46
(I Tim. 6:12), ainda que termine no repouso (Heb. 4:3). O primeiro estágio da fé é sempre
aquela batalha de aprender como possuir com a vontade, o coração e a inteligência, de
alguma verdade ou promessa que não nos é real na experiência, declarando-a nossa
apesar das aparências. Não nos parece que estamos mortos para o pecado e vivos para
Deus. Somos ensinados a crer nisso, e assim nos atrevemos a fazê-lo e a declará-lo.
Milhares de vezes, talvez, a fé será assaltada e derrotada: a incredulidade dirá 'isso é
bobagem', e nós desmentimos a nossa declaração de fé; mas o esforço da fé significa
que deliberadamente retornamos ao assalto. Novamente cremos e o declaramos. Assim
persistimos em fazê-lo. E, assim, seguindo as pegadas daqueles que 'pela fé e paciência
herdaram as promessas', uma coisa nova e divina acontecerá em nós. O Espírito vai
cooperar com a nossa fé (como está fazendo, realmente — de modo invisível — o tempo
todo), e à fé será acrescentada a certeza. O esforço será substituído pelo repouso. A
consumação da fé terá sido alcançada". — N. Grubb

"A verdadeira atividade é aquela que brota do repouso, que sempre a acompanha.
Quando aprendemos o que é ficarmos 'quietos', só então é que podemos 'prosseguir'.
Descansamos nEle, e no Seu Nome prosseguimos!" — E. H.

"Vamos tomar o cuidado de não sair do repouso da alma, quando estivermos


buscando mais bênçãos. Deus não pode operar enquanto estamos ansiosos, mesmo em
se tratando de nossa experiência espiritual. Vamos aceitar a Sua Palavra ao pé da letra, e
deixar que Ele a cumpra".

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AUXÍLIO

Para a maior parte de nós já é hora de pararmos de pedir auxílio a Deus. Ele não nos
ajudou a sermos salvos, e Ele não pretende nos ajudar a vivermos a vida cristã.

A imaturidade considera o Senhor Jesus um Ajudador. A maturidade O reconhece


como a própria Vida. O Dr. J. E. Conant escreveu: "A vida cristã não é vivermos com a
ajuda de Cristo, é Cristo vivendo a Sua vida em nós. Portanto, essa porção de nossas
vidas que não é a Sua vida, não é vida cristã; e aquela porção do nosso serviço que não é
a Sua atuação, não é serviço cristão; pois toda essa vida e serviço só têm uma fonte
humana e natural, e a vida e serviço cristãos têm uma fonte sobrenatural e espiritual".
Paulo insistia: "Para mim o viver é Cristo"; e, "tudo posso naquele que me fortalece (em
Cristo)" (Fil. 1:21; 4:13a).

William R. Newell disse: "O grande estratagema de Satanás é o de levar as almas


mais sinceras de volta a implorar a Deus aquilo que Deus já realizou!" Cada um de nós
tinha que avançar além do estágio da "ajuda", para nosso novo nascimento, e agradecer-
Lhe pelo que Ele já tinha realizado em nosso favor. Deus jamais poderia responder uma
oração, pedindo ajuda na questão da justificação. O mesmo princípio é verdadeiro, no que
se refere à vida cristã. Nosso Senhor Jesus Cristo espera que O queiramos, para ser tudo
em nós e fazer tudo por nosso intermédio. "Porquanto nele habita corporalmente toda a
plenitude da Divindade. Também nele estais aperfeiçoados" (Col. 2:9,10).

Se continuamos pedindo a ajuda de Deus, não confiamos nEle, nem O honramos. Em


face ao fato de que "o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir em Cristo
Jesus, cada uma de vossas necessidades" (Fil. 4:19), como podemos suplicar ajuda?
Nossa responsabilidade é a de ver na Palavra tudo o que é nosso em Cristo, e então
confiar e agradecer a Ele por aquilo que precisamos.

Mais cedo ou mais tarde temos de encarar o que declara F. J. Huegel: "Quando a vida
de oração de um crente brota da posição certa (uma completa conformação com Cristo na
Sua morte e ressurreição), segue-se uma grande mudança no procedimento. Muito do
simples implorar (ainda que o pedir seja sempre permitido, pois o Senhor diz: 'Pedi e dar-
se-vos-á') dá lugar a uma positiva e inefavelmente alegre apropriação. Muitos dos nossos
rogos deixam de ser registrados no Céu, porque não brotam de um relacionamento
correto com o Pai em união com Cristo na morte e ressurreição: posição na qual a pessoa
simplesmente se apropria daquilo que já é seu. 'Porque tudo', diz o apóstolo Paulo, 'é
vosso... e vós de Cristo, e Cristo de Deus' (I Cor. 3:21,23)".

Uma vez que "...sem fé é impossível agradar a Deus" (Heb. 11:6a), devemos examinar
outros fortes e verdadeiros argumentos que melhor esclarecem a atitude da fé que agrada
o Seu coração.

"Em nossas orações particulares e em nossos cultos públicos", escreve o Dr. A. W.


Tozer, "estamos sempre pedindo a Deus que realize coisas que Ele já fez ou não pode
nos conceder por causa de nossa incredulidade. Pedimos-Lhe que fale, quando JÁ falou e
está falando no momento. Pedimos-Lhe que venha, quando está presente, à espera de
que O reconheçamos. Pedimos o Espírito Santo para que nos encha, quando o tempo
todo estamos a impedi-lO por causa de nossas dúvidas".

O Dr. S. D. Gordon advertiu: "Quando você estiver no auge da batalha, quando for o
objetivo do ataque, peça menos e reivindique mais, com base no sangue do Senhor

48
Jesus. Não quero dizer que deva pedir a Deus a vitória, mas exija que a Sua vitória o
cubra".

Watchman Nee deixa muita gente admirada, quando diz: "A maneira de Deus livrar é
completamente diferente da maneira humana. O homem tenta eliminar o pecado,
procurando vencê-lo; Deus remove o pecador. Muitos cristãos choram por causa de sua
fraqueza, pensando que se, pelo menos, fossem mais fortes, tudo estaria bem. A idéia de
que se espera algo mais de nós, já que o nosso fracasso em vivermos uma vida santa
deve-se à nossa impotença, leva naturalmente ao falso conceito de livramento. Se nos
preocupamos com o poder do pecado e com a nossa incapacidade em enfrentá-lo, então
naturalmente concluímos que para obter a vitória sobre o pecado temos de ter mais
poder.

“‘Se ao menos eu fosse mais forte', dizemos, 'poderia controlar meus violentos
repentes de mau gênio', e então rogamos ao Senhor que nos fortaleça para podermos
exercer mais auto-controle. Mas isto também está errado; isto não é Cristianismo. A
maneira de Deus nos libertar do pecado não é nos fortalecendo cada vez mais, mas
tornando-nos cada vez mais fracos. Você dirá que esse é, certamente, um estranho
caminho para a vitória; mas é o caminho divino. Deus nos liberta do domínio do
pecado, não fortalecendo nosso velho homem, mas erucificando-o; não ajudando-o
a fazer alguma coisa, mas removendo-o do cenário da ação".

O crente não precisa implorar ajuda. Deve, com gratidão, apropriar-se daquilo que já é
dele em Cristo; pois, "...o meu justo viverá pela fé..." (Heb. 10:38a). E o querido e velho
Andrew Murray nos encoraja com o seguinte: "Ainda que seja lenta, e com muitos
tropeções, a fé que sempre Lhe agradece — não pelas experiências, mas pelas
promessas sobre as quais pode descansar — prossegue de poder em poder, cada vez
mais se desenvolvendo, na certeza bendita de que Deus mesmo aperfeiçoará a Sua obra
em nós (Fil. 1:6)".

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CULTIVO

Não há nenhuma dúvida de que o equilíbrio é vital em qualquer reino: mecânico, físico,
estético ou espiritual. A falta de equilíbrio resulta, freqüentemente, em desintegração; e,
possivelmente, em devastação dos setores circunvizinhos.

A vida do nosso ego está fora de equilíbrio — pende para um lado só. Como a muito
conhecida "Festinha do Eu":

"Eu fiz uma festinha


Que aconteceu assim: Três foram convidados
— Só Eu, Eu Mesmo e o Mim.
Enquanto Eu tomava chá,
Passava o bolo pra Mim.
Enquanto Eu comia torta,
Eu Mesmo comia pudim".

Sendo Ele Lavrador, o começo de Sua lavoura no coração do crente faminto só pode
ser no sentido para baixo. Paciente, persistente e dolorosamente, nosso Pai cava nos
recessos do nosso ego, mais e mais profundamente, revelando-nos exatamente o que
somos e o que não somos em nós mesmos. Seus motivos para essa preparação é duplo:
para que o Senhor Jesus possa ter liberdade de se manifestar em nós; e, através de nós,
para o benefício dos outros — crescendo e partilhando. "O Senhor te guiará
continuamente, fartará a tua alma até em lugares áridos, e fortificará os teus ossos; serás
como um jardim regado, e como um manancial, cujas águas jamais faltam" (Is. 58.11).

Cada um de nós precisa ser completamente lavrado, antes que Ele possa de maneira
eficiente lavrar em outros por nosso intermédio. Isto não significa que não haverá serviço
para nós, até que estejamos espiritualmente maduros, mas que a maior parte do nosso
serviço a caminho da maturidade é para o nosso próprio desenvolvimento, e não tanto
para o dos outros. No começo, o (crente crescente pensa, e pode levar os outros a sentir,
que todo o seu serviço é eficiente; mas logo chega a perceber que o Senhor não está
fazendo tanto por intermédio dele, quanto nele mesmo. Nosso Senhor sempre se
concentra na maior necessidade.

"Considerando que a obra de Deus é essencialmente espiritual, precisa de pessoas


espirituais para a sua execução; e a medida de sua espiritualidade vai determinar a
medida do seu valor diante do Senhor. Sendo assim, na mente divina, o servo tem mais
valor do que a obra. Se pretendemos nos entregar completamente nas mãos de Deus
para o Seu propósito, então é preciso que Ele nos molde de tal maneira que
continuamente cresçamos na nossa estatura espiritual. Não o nosso interesse na obra
cristã; não nossa energia, entusiasmo, ambições, ou capacidade; não nossas
qualificações acadêmicas, ou qualquer coisa que sejamos em nós mesmos, mas
simplesmente a nossa vida espiritual é que é a base do começo e do crescimento de
nosso serviço para Deus. Até mesmo a obra, quando estamos ocupados nela, é usada
por Ele para desenvolver a nossa medida espiritual". — Anônimo.

"É um erro medir a maturidade espiritual pela manifestação dos dons. Em si mesmos
sao uma base inadequada para a duradoura influência do homem a serviço de Deus.
Podem estar presentes e terem valor, mas o objetivo do Espírito é algo muito maior —
(formar Cristo em nós através da operação da cruz. Seu alvo é ver Cristo entretecido nos
crentes. Portanto, não é uma simples questão de fazer certas coisas ou dizer certas

50
palavras, mas que a pessoa seja um certo tipo de pessoa. Ele prega-se a si mesmo.
Muitos querem pregar sem que sejam a própria pregação, mas na longa carreira é o que
somos, e não simplesmente o que fazemos ou dizemos, que importa a Deus; e a
diferença jaz na formação de Cristo em nós". — W. Nee

Não somos salvos para servir; somos amadurecidos para servir. Só quando essa
cultivação revelar o ego como ele realmente é, que estaremos em posição de ajudar os
outros na sua cultivação. Só quando nos descobrimos a nós mesmos é que descobrimos
todo o resto. "Como na água o rosto corresponde ao rosto, assim o coração do homem ao
homem" (Prov. 27:19). Para contrabalançar o reconhecimento do ego, nosso Pai nos
capacita a crescer "na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo" (II Ped. 3:18).

Isto não se aplica somente ao serviço em geral, mas também na questão de nosso
ministério de intercessão. Mais do que qualquer coisa, o ministério da oração pelos outros
necessita de uma compreensão tríplice: de nosso Pai, de nós mesmos e dos outros. "A
oração pelos outros só pode fluir de um coração em descanso a respeito de si mesmo, e
conhecendo o valor dos desejos que expressa pelos outros. Eu não poderia ser sincero
ou feliz, orando de outro modo". — Stoney. Paulo escreveu: "Orarei com o espírito, mas
também orarei com a mente" (I Cor. 14:15).

Tantos de nós, depois de penetrar em algumas das realidades mais profundas de


nosso Senhor, buscam imediatamente puxar ou empurrar os outros para dentro dessa
conquista maravilhosa; e então ficamos admirados, porque se mostram tão lerdos em
aprender, e aparentemente tão apáticos na sua compreensão e preocupação. Facilmente
nos esquecemos dos muitos anos que levou, e dos caminhos desertos pelos quais o
Senhor nos fez vagar, a fim de nos fazer atravessar o Jordão e penetrar em Canaã.
"Moisés tinha toda a sabedoria dos egípcios, mas a sua concepção de libertação para
Israel foi a de matar um egípcio! Ele teve de ser treinado nos caminhos divinos, quarenta
anos em Midiã, e, quando Deus o mandou de volta ao Egito, disse-lhe que não se
preocupasse com Israel — que fosse diretamente ao faraó — o motivo de suas correntes!
Deus não treinou Israel primeiro, mas o líder que ia conduzir Israel. Deus procura treinar
os líderes no conhecimento dos Seus caminhos".

Conforme vamos aprendendo como nosso Pai tem de nos manejar através dos anos,
entendemos como Ele quer que ajudemos os outros. Para cultivarmos é preciso que,
primeiro, sejamos cultivados. "É uma coisa prejudicial para o crente forçar outro a receber
as 'bênçãos', quando esta alma ainda não está preparada para aceitá-las. Um progresso
forçado só pode dar ao inimigo a sua oportunidade de provocar desvios, pois aqueles que
se apressam em avançar pelos empurrões dos outros não podem ficar sozinhos, nem
suportar os testes das posições que assumiram". — J. P. L.

Então, em todo o nosso serviço, há também o motivo correto que deve ser
inteiramente examinado. "Devemos nos preocupar menos com referência aos resultados
imediatos de nosso trabalho, ou sobre como afetará esta ou aquela pessoa; a grande
questão é: depois de peneirado na Sua presença, será aceitável? E essa aceitação será a
minha recompensa. 'A razão por que trabalhamos é a de sermos aceitos por Ele,
presentes ou ausentes'" (II Cor. 5:9).

"Muitos parecem desanimar porque não colhem frutos, e não ficam felizes até que
consigam os mesmos. O fazer alguma coisa é bastante bom em si mesmo, mas a ordem
deveria ser da felicidade para o trabalho, e não trabalhar para ser feliz. É do círculo

51
íntimo, da colmeia, do coração onde Cristo reina, do único lugarzinho verde, da clausura
querida — do santuário, que alguém deveria partir para trabalhar. A qualidade do trabalho
de uma pessoa depende da natureza do seu descanso — e o descanso deveria ser como
o dEle próprio, conhecido e desfrutado com Ele. Temos idéias muito acanhadas de como
o nosso exterior revela as cores do nosso interior, e se o nosso interior não está em paz,
não podemos transmitir paz em serviço, ainda que o tentemos". — J. B. Stoney

P.S. "A maior prova de nosso amor a Cristo é a de nos importarmos pelos que Lhe
pertencem; '...tu me amas? Apascenta as minhas ovelhas'". - J. B. S.

52
PERMANÊNCIA

Quando, pela vez primeira, partimos zelosos e famintos por Ele, costumamos imaginar
que fizemos um grande progresso, quando estamos apenas começando. Conforme nosso
Senhor vai nos levando através dos anos, começamos a entender devagar que existem
áreas vastas, quase infinitas, de desenvolvimento, através das quais Ele ainda tem de nos
levar.

Muitas dessas áreas de desenvolvimento não passam de simples desertos — sem


atividade espiritual, sem serviço, pouca ou quase nenhuma comunhão com Ele, ou com
os outros. Toda e qualquer oração sai forçada e é, às vezes, abandonada completamente
por meses inteiros. O estudo bíblico feito com dificuldade é finalmente interrompido; tudo
parece dar em nada. É durante esses períodos necessários, que o crente chega a achar
que Deus parou de fazer a Sua parte, e parece-lhe que não vale a pena continuar. Mas,
mesmo assim, sente uma fome profunda no fundo do coração, que não lhe permite
desistir, "...o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece
os que lhe pertencem" (II Tim. 2:19a).

Será que devemos amá-lO, confiar nEle e atende-lO, somente quando nos parece que
Ele está nos "abençoando"? Que tipo de amor é esse? Amor próprio? Nosso Pai, de vez
em quando, tira-nos tudo, para nos dar a oportunidade de amá-lO, de confiar nEle e
atender a Ele, só porque é o nosso Pai. Ele sabe o que a cruz significa em nossas vidas;
Ele conhece os corações estéreis e vazios, que estão lá na frente e aos quais Ele tem de
ministrar por nosso intermédio — eis por que Ele nos conduz até o lugar onde não nos
importamos mais com as coisas que acontecem. Ele é tudo o que importa!

"A filiação é algo mais do que nascer de novo. Ela representa crescer até a plenitude.
Até que é uma coisa boa ser um nenê enquanto dura a infância, mas é uma coisa ruim
ser um nenê quando esse período já passou. Essa é a condição de muitos crentes. Ainda
que a filiação seja coisa inerente ao nascimento, o sentido neo-testamentário da filiação é
a realização das possibilidades do nascimento. É o crescimento até a maturidade. Por
isso o Novo Testamento tem tanto a dizer a respeito do crescimento, do deixar para trás
as coisas da meninice e da consecução da estatura perfeita. Com esse crescimento vem
maior plenitude de Cristo, e a riqueza abundante para a qual fomos salvos. Não é tanto
uma questão do que fomos salvos, mas para o que fomos salvos. O grande clímax da
nova criação é a revelação dos filhos de Deus" (Rom. 8:19). T.A-S.

A princípio, ficamos principalmente interessados com o aspecto externo da nossa vida


cristã, e o Senhor o permite durante algum tempo. Então, para que nós e o nosso exterior
saiamos do caminho, a fim de que o Senhor Jesus Cristo possa ser o nosso Tudo, nosso
Pai começa a nos tirar muito do que pensamos ter. Aí começa a longa transição do "fazer"
para o "ser", centralizada na cruz.

Todo esse progresso paradoxal — o caminho que leva para cima, invertido — tem
uma forte tendência de nos fazer sentir que o Senhor não está nos levando para cima.
Isto é simplesmente uma arma do Inimigo, que pode ser facilmente desviada, deixando
que Deus seja Deus, sabendo escrituristicamente que Ele é o nosso Pai.

"É verdade que Deus eleva aqueles que não são dignos e permite que pronunciem
Suas palavras antes que entendam completamente o seu significado; mas Ele não quer
que nenhum de nós pare aí. Nós podemos prosseguir por esse caminho durante algum
tempo, mas não é verdade que, do momento em que Ele começa em nós a Sua obra de

53
formação através da disciplina e correção, faz lentamente que percebamos quão pouco
de fato entendíamos sobre o verdadeiro significado daquilo que dizíamos ou fazíamos? A
intenção dEle é que alcancemos o ponto no qual possamos falar, com ou sem dons
manifestos, porque somos a própria coisa que falamos. Pois, na experiência cristã, as
coisas espirituais relacionadas com Deus são cada vez menos externas, isto é,
relacionadas com os dons, e cada vez mais internas, relacionadas com a vida. Na longa
caminhada, é a profundidade e o lado de dentro de uma obra que importa. Conforme o
Senhor mesmo vai significando cada vez mais para nós, outras coisas — sim, e isto deve
incluir até mesmo os Seus dons — importam cada vez menos. Então, ainda que
ensinemos a mesma doutrina, ainda que falemos as mesmas palavras, o impacto sobre
os outros é muito diferente, manifestando-se num aprofundamento da obra do Espírito
dentro deles também". - W. Nee

Seu processo inexorável vai nos desencorajar e nos frustar, se apenas queremos o
Céu ao morrer. Mas se quisermos o que Ele quer, tudo o que temos de atravessar,
incluindo o deserto, há de nos encorajar. E assim continuaremos, porque sabemos que
Ele sempre prossegue operando em nós e por intermédio de nós aquilo que Ele começou
e terminou em nosso benefício em nosso Senhor Jesus Cristo.

"Se nossos corações Lhe são verdadeiramente fiéis, podemos ter a certeza de que Ele
há de nos conduzir avançando no conhecimento dEle mesmo, tão depressa como
sejamos capazes de avançar. Ele sabe quanto podemos receber, e Ele não falha em nos
ministrar o alimento exato que precisamos na nosso presente necessidade. Podemos, às
vezes, sentirmo-nos inclinada à impaciência conosco mesmos, porque não fazemos
progressos mais rápidos, mas temos de aprender a confiar no Senhor em nossa
educação espiritual. Se os nossos olhos estiverem sobre Ele, e O seguirmos com
simplicidade de coração, conforme Ele nos for conduzindo, havemos de descobrir que Ele
nos conduz por um caminho direito e nos faz atravessar todos os exercícios dos quais
precisamos, a fim de moldar nossas almas na apreciação dEle mesmo, e de todas essas
benditas coisas que serão realizadas nEle. Temos de confiar no Seu amor, de maneira
completa, e temos de aprender cada vez mais a não confiarmos em nos mesmos". — C.
A. Coates

Paulo nos escreve, quando o faz a Timóteo: "Tu, pois, filho meu, fortifica-te na graça
que está em Cristo Jesus. E o que de minha parte ouviste, através de muitas
testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a
outros. Participa dos meus sofrimentos, como bom soldado de Cristo Jesus" (II Tim. 2:1-
3). Regozijamo-nos com você ao prosseguir nEIe. "Todavia o Senhor é fiel; ele vos
confirmará" (II Tess. 3:3a).

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