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ESTUDO DAS ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS CAUSADAS POR COLOCAÇÃO DE

PIERCINGS ORAIS (REVISÃO BIBLIOGRÁFICA)

Carvalho, Vitor T. C. 1,Barbosa, Einstein 2, Silva, Claudia M. O.M. 3

1
Aluno de Odontologia da Faculdade de Ciências da Saúde da UNIVAP, vitortcarvalho@bol.com.br
2
Aluno de Odontologia da Faculdade de Ciências da Saúde da UNIVAP, einstein_barbos@yahoo.com.br
3
Profa. De Semiologia e Patologia da Faculdade de Ciências da Saúde da UNIVAP, pato@univap.br

Palavras-chave: piercing, oral, bodypiercer


Área do Conhecimento: Patologia,

Resumo: O exagerado aumento do número de praticantes de piercing oral vem sendo preocupante para a
classe odontológica, pois se sabe que, a microbiota bucal é extremamente rica, desde bactérias comensais
a bactérias patogênicas, razão pela qual uma das seqüelas mais comuns observadas nas pessoas que
usam piercing é a infecção bacteriana. Geralmente a perfuração é realizada sem anestesia, por pessoas
que desconhecem normas de biossegurança.
Os cirurgiões dentistas e bodypiercers devem estar cientes das manifestações negativas que o
piercing oral pode gerar ao organismo: fraturas de elementos dentais; mobilidade dental; alteração do fluxo
salivar (podendo ocorrer cálculos dentais e interrupção intraducto de glândulas salivares); irritação gengival
por trauma; traumas periapicais ou periodontais; hemorragias; edemas; dificuldade de fonação e
mastigação; carcinomas orais e infecções de variados tipos como a endocardite bacteriana, hepatite B, C e
D além da AIDS.

Introdução trazer sérios problemas de saúde aos seus


adeptos, muitas são as propagandas enganosas
A vaidade sempre foi uma constante na vida que relatam a inexistência de riscos que esta
dos seres humanos. Desde os primórdios dos prática causa ao organismo e, também, são
tempos, o homem, procura embelezar seu corpo, muitas as ausências de orientações que
influenciado pelas suas diferentes culturas ou deveriam ser passadas pelos “bodypiercers”
pela valorização de sua auto-estima que o (aplicadores de piercing), aos seus clientes. Um
diferencia em seu próprio grupo social. No exemplo da inadvertência contra a saúde dos
princípio, o chamado “body art” (arte do corpo) praticantes de “body art” é o relato do caso de
que inclui tatuagem e a utilização de jóias em uma jovem que apresentou um defeito no septo
diferentes e incomuns partes anatômicas , tais ventricular, devido a uma infecção bacteriana,
como lábios, língua, sobrancelhas, bochecha e, adquirida após ter colocado piercing oral. Esta
até mesmo, órgãos genitais; tinha objetivo não recebeu nenhuma informação a respeito de
meramente espiritual. Os sacerdotes das profilaxia antibiótica que, obviamente, deveria ser
civilizações Maias e Astecas, por exemplo, feita antes de colocar o adorno (Ram & Peretz,
acreditavam que somente aqueles orientadores 2000).
espirituais que tivessem piercing na língua Piercing é uma palavra de origem inglesa que
poderiam falar com seus deuses. Tempos mais significa perfurar, mas popularmente a palavra
tarde, a arte de enfeitar o corpo, direcionou-se tomou a conotação de uma jóia que se usa em
para a expressão da distinção entre a realeza e diversas partes do corpo como, por exemplos,
os súditos de alguns povos, como na civilização região peribucal e cavidade bucal.
egípcia em que somente a realeza podia usar O exagerado aumento do número de
piercing. Na época atual o “body art” tornou-se praticantes de piercing oral vem sendo
um modismo entre adolescentes e jovens preocupante para a classe odontológica, pois se
adultos, influenciado pela mídia, pela música, ou sabe que, a microbiota bucal é extremamente
levado por manifestações de rebeldia contra a rica, desde bactérias comensais a bactérias
sociedade em geral ou mesmo contra membros patogênicas, razão pela qual uma das seqüelas
de sua própria família. mais comuns observadas nas pessoas que usam
A arte que parece bonita para seus piercing é a infecção bacteriana. Fato
praticantes vem sendo um motivo de comprovado no trabalho de Greif e col. (1999),
preocupação e constantes discussões entre os quando foi realizada uma pesquisa com 391
profissionais da área da saúde, pois além de jovens estudantes norte-americanos que

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possuíam piercing localizados em qualquer parte A sialorréia e a geração de corrente galvânica
do corpo. Cerca de 70% destes jovens, relataram entre a haste do piercing e o material restaurador
a ocorrência de infecções localizadas ou reações metálico, são fatos relatados na literatura,
irritativas, sendo que, dois estudantes narraram entretanto, seriam condições clínicas raras (De
ter contraído hepatite. Por este motivo, o Moor e col. 2000). Porém para Perking &
Departamento de Saúde norte-americano Harrison (1997), uma das conseqüências do uso
determinou a obrigatoriedade de somente aplicar de piercing oral seria o aumento fluxo salivar.
piercing com materiais esterilizados (Boardman & Para Hardee e Col. (2000), infecções mais
Smith, 1997). severas e hemorragias prolongadas seriam
A possibilidade de haver a transmissão de manifestações clínicas também raras. Entretanto
hepatite B, C e D, além do vírus HIV é confirmada Ram & Peretz (2000), afirmaram que a língua,
no trabalho de Meskin (1998). Segundo De Luca por apresentar-se ricamente vascularizada, pode
Canto (2002), as contaminações cruzadas estar sujeita a edema e risco de hemorragia
através das utilizações de instrumentais não prolongada caso os vasos sangüíneos sejam
esterilizados levam ao contágio destes vírus, rompidos durante a colocação do piercing. A
além de outras infecções. angina de Ludwing é outra complicação que pode
O local mais comum da colocação de piercing ocorrer segundo Perking & Harrison (1997). Para
oral pelos partidários do “body art” é a língua, na Keogh & O’Leary (2001) as complicações do
sua linha média, pois veias, artérias e nervos estado inflamatório pode acometer as vias aéreas
linguais, correm lateralmente a esta linha. superiores trazendo danos maiores.
Geralmente a perfuração é realizada sem Uma outra manifestação observada nos
anestesia, por pessoas que desconhecem indivíduos portadores de piercing oral é a perda
normas de biossegurança. Por se tratar de um da gustação ou paralisia permanente decorrente
órgão bastante vascularizado, a perfuração na da infecção e edema provocados pelo piercing
língua, constitui-se numa via de entrada de (Ram & Peretz 2000).
infecções como a Aids. Segundo Campbell e col Uma manifestação, talvez mais alarmante,
(2002), muitos são os relatos que confirmam as devido à presença de um piercing na cavidade
complicações locais e sistêmicas advindas do bucal é o fato de que sendo a mucosa que
uso de piercing lingual, que pode variar desde reveste a cavidade oral extremamente sensível a
uma infecção aguda à crônica. De acordo com quaisquer traumas, sejam de origens mecânicas,
Botchway & Kuc (1998), podem ocorrer físicas, ou por microorganismos, uma agressão
complicações agudas que seriam caracterizadas de curso prolongado e de baixa intensidade
por aumento do volume da língua acompanhada apresenta desenvolvimento lento e, na sua
de dor e, conseqüente dificuldade na mastigação maioria, pode evoluir para um tumor maligno
e na fala. E também expressões crônicas que (Toselho, 2002). O autor considerou que a língua
seriam caracterizadas por trincas ou fratura nos é o órgão mais comum de ocorrência de câncer
dentes e trauma na gengiva (Boardman & Smith, intrabucal, seguida, em ordem decrescente, pelo
1997). Em seu trabalho Croll (1999), descreve assoalho da boca, gengiva, palato, bochecha e
que as peças “decorativas” trazem uma pesada lábios.
bola, em sua haste, capaz de destruir o órgão O piercing labial geralmente é colocado nos
dental. O autor relata, ainda, a observação, por lábios inferior, por esta razão, quem sofre mais
radiografias, traumas periapicais, além de injurias associadas à presença deste piercing é o
mobilidades dos dentes afetados pelo trauma e tecido da mucosa gengival inferior. Segundo
sensibilidade á percussão ou a palpação no local Dibart e col (2002) a agressão por piercing labial
traumatizado. ocorre com mais freqüência na área de incisivos
Um dado preocupante é que muitos dentistas centrais da mandíbula causando retração
sequer sabem como aconselhar seus pacientes, gengival e uma inflamação crônica periodontal.
que usam tais peças metálicas nos lábios ou na Em se tratando da presença do piercing na
cavidade oral. De Moor e col (2000), afirmarem língua, pelo fato do individuo constantemente
que os profissionais da área odontológica têm a passar a língua nos dentes, quem sofre maior
responsabilidade de esclarer as complicações agressão são os dentes posteriores, também da
associadas ao uso do piercing oral. Embora a região mandibular. As prevalências da
tarefa seja extremamente difícil, visto que, muitos agressividade da fratura e da regressão gengivais
dos praticantes da “oral body art”, desconhecem estão na proporção de tempo do uso do piercing,
os perigos à saúde e relutam em remover seus bem como, ao seu tamanho (Campbell e col,
piercings ( Dibart e col, 2002). Portanto os 2002).
indivíduos que pretendem colocar um piercing
oral deveriam consultar antes um cirurgiâo-
dentista ou um médico, para conhecer os reais
riscos desta prática à saúde (Er e col, 2000).

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Discussão traumas geralmente são contínuos e de baixa
intensidade, propciando mais um fator positivo à
Durante todos estes anos, os trabalhos formação de carcinomas. O diagnóstico precoce
publicados, que procuram estudar a nocividade de quaisquer lesões, principalmente, de
do uso de piercing ao organismo, são unânimes carcinomas é muito importante, pois, proporciona
em afirmarem que este adorno provoca um ou uma esperança maior de tratamento e cura. Por
mais prejuízos à saúde. este motivo, os profissionais da saúde, em
Afastar a responsabilidade dos “bodypiercer” especial, ao cirurgião-dentista, precisam estar
na transmissão de infecções cruzadas ao se atentos a quaisquer condições que fogem da
colocar os piercing, nos adeptos deste tipo “body normalidade, orientar seus pacientes quanto aos
art”, é quase que impossível, pois a maioria dos riscos do uso de piercing e motivá-los a não usar
trabalhos não deixam quaisquer dúvidas a tal adorno.
respeito disto ( Boardman & Smith; De Lucas É de fundamental importância o
Canto; Greif e col.; Meskin). conhecimento do cirurgião dentista sobre essas
Quanto ao uso de piercing oral, o lingual é o alterações bucais provocadas pelos piercings
que mais se destaca como fator prejudicial à orais, já que falta informação a respeito do tema
saúde, pois, além da língua ser um órgão e falta aconselhamento aos pacientes sobre tais
ricamente vascularizado e inervados, facilitando riscos.
assim a disseminação de vírus e bactérias, o
indivíduo que usa este tipo de piercing tem o Conclusão
hábito parafuncional de constantemente passar a
língua nos dentes, principalmente, nos incisivos Após revisão bibliográfica, concluímos que:
superiores, resultando em fraturas ou trincas
nestes dentes. Podendo também ocorrer edemas · Os aplicadores de bodypiercing devem
diminuindo a gustação do indivíduo. estar cientes das responsabilidades do
Um outro fato que merece atenção quanto ao ato de aplicar peças ao corpo sem um
piercing na língua é a possibilidade de haver conhecimento anatômico e de
hemorragia prolongada, visto que, pelo fato dos biossegurança.
“bodypiercers”, desconhecerem anatomia da · Os cirurgiões dentistas e bodypiercers
língua, podem perfurar vasos sangüíneos ao devem estar cientes das manifestações
colocar o objeto neste órgão. Uma hemorragia negativas que o piercing oral pode gerar
não controlada pode levar um indivíduo ao estado ao organismo: fraturas de elementos
de choque com agravante ao óbito. dentais; mobilidade dental; alteração do
O piercing labial também pode gerar fluxo salivar (podendo ocorrer cálculos
infecções graves, provocar fraturas nos dentais e interrupção intraducto de
elementos dentais que entrarem em contato com glândulas salivares); irritação gengival
o adorno, além de gerar feridas nas gengivas por trauma; traumas periapicais ou
(Boardman & Smith; Croll; Botchway & Kuc) periodontais; hemorragias; edemas;
A saliva é uma substância importante na dificuldade de fonação e mastigação;
integridade da saúde bucal, pois, além de manter carcinomas orais e infecções de variados
a umidade da mucosa oral e consequentemente tipos como a endocardite bacteriana,
sua elasticidade, ela age como um elemento anti- hepatite B, C e D além da AIDS.
microbiano. O aumento do fluxo salivar, em · Os adeptos dessa moda devem procurar
decorrência da presença de um piercing oral, esclarecimentos antes da aplicação do
poderia ser vista como um fator positivo se não piercing oral, e essa orientação deve ser
fosse o fato de que, os componentes minerais de responsabilidade dos cirurgiões
que a compõe podem desencadear a formação dentistas e de outros profissionais da
de cálculos nos dentes ou ficarem retidos nos saúde.
intraductos ou mesmo entre as próprias glândulas
salivares, propiciando o desenvolvimento de
patologias glandulares de moderado a graves.
De todas as injurias provocadas pelo uso de Referências
piercing oral, a possibilidade do desenvolvimento
de carcinomas, sem dúvidas, é o mais alarmante.
A cicatrização da perfuração em que se 1- Boardman R, Smith RA. Dental
colocou o piercing é demorada, tornando-se uma Implications of Oral Piercing. J Calif Dent Assoc
via perigosa de entrada para agentes biológicos 1997; 25: 200-207
oncogênicos. Além do mais, a própria peça
decorativa é um elemento irritativo para a mucosa
oral que é extremamente sensível a traumas. Os

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