Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO
Enfermagem de Reabilitação
Às pessoas com queimadura que integraram este estudo, através dos seus testemunhos
quebraram o silêncio e o estigma social, o mais sincero bem-haja por me deixarem
entrar nas suas vidas e partilharem a própria experiência vivida após o acidente. Foram
a essência!
A ti, Kátia, por partilhares este desafio comigo, o meu mais profundo obrigado pelo teu
companheirismo e amizade.
From the identification of the natural units of meaning emerged several subthemes: the
conducting of Rehabilitation Nursing interventions in the Hospital; the performing of
surgical interventions; the accomplished teachings; the perceived feelings in the
discharge from the clinic moment; the pain management; the perceived difficulties at
home and the strategies used; the relationship with the family; the importance of
functional recovery; the conducting of rehabilitation interventions at home; the school
and labor implications; the monitoring done by healthcare professionals; the lack of
support; the care with the burn and the perceived feelings with the self-image change.
The experiences observed in the person with burn reveal the need to promote a
multidimensional care, facilitating the achievement of a quality of life that allows for a
satisfying familiar, professional and social reintegration. Therefore, the interventions of
the Rehabilitation Nurse Specialist, acquire a central importance in the recovery, not
only physical, but also psychological and consequently an enhancer of the person’s
independence and autonomy. This study is expected to boost the development of new
research, believing that the reinvigoration of scientific knowledge will strengthen the
professional performance based on the best evidence.
Keywords: Burn; Experiences; Rehabilitation; Nursing.
LISTA DE FIGURAS
Pág.
Figura 5 – Organograma descritivo do tema central: experiência vivida pela pessoa com
queimadura no internamento hospitalar. ....................................................................... 100
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 22
APÊNDICES
APÊNDICE I – Guião da entrevista
APÊNDICE II – Entrevista transcrita
APÊNDICE III – Quadro síntese do índice temático
APÊNDICE IV – Consentimento informado
ANEXOS
ANEXO I – Parecer da Comissão de Ética UICISA-E
INTRODUÇÃO
As pessoas com queimadura sofrem com o impacto que ocorre a nível físico,
psicológico e social. A extensão e profundidade da queimadura, a idade, o sexo, a etnia,
a localização da lesão e a dor podem dificultar o processo de reabilitação e, ainda,
quando as áreas do corpo afetadas permanecem expostas provocam diminuição da
autoestima e sentimentos negativos (Gonçalves, Echevarría-guanilo, Carvalho, Miasso,
& Rossi, 2011).
Pelo que, torna-se relevante estudar as vivências da pessoa com queimadura de modo
transversal, focando igualmente as vivências no domicílio, permitindo a continuidade de
cuidados. Concomitantemente salienta-se a necessidade de promover o aumento do
conhecimento sobre as vivências da pessoa com queimadura no domicílio, para que os
profissionais de saúde, mais concretamente o Enfermeiro Especialista em Enfermagem
de Reabilitação, tomem conhecimento e compreendam as vivências, permitindo assim
direcionar mais facilmente as suas intervenções.
23
A presente investigação pretende dar resposta à seguinte questão de investigação: Quais
as vivências da pessoa com queimadura no domicílio?
Os participantes do estudo são pessoas com queimadura que foram internadas numa
Unidade de Queimados da região centro de Portugal e que, no momento, se encontram
no próprio domicílio. O “método por redes” foi utilizado para selecionar os oito
participantes uma vez que, pretendeu-se selecionar pessoas que tenham vivido esta
experiência pela primeira vez, para assim transmitirem uma informação rica que permita
a compreensão do fenómeno. O processo de seleção dos participantes teve em
consideração os seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos;
consentir e colaborar voluntariamente no estudo; estar orientado/a; ter estado
hospitalizado/a numa Unidade de Queimados da região centro de Portugal; o tempo
decorrido após a ocorrência da(s) queimadura(s) ser superior ou igual a seis meses;
encontrar-se no domicílio após ter sido hospitalizado nessa Unidade de Queimados. A
entrevista semiestrutura, em contexto domiciliar, foi o instrumento de colheita de
24
informação utilizado. Para analisar a informação obtida optou-se por utilizar os
procedimentos técnicos propostos por Loureiro (2002).
Por último, a citação apresentada inicialmente foi proferida por um dos participantes. A
escolha deveu-se ao facto de esta espelhar o caminho árduo e tortuoso enfrentado pela
pessoa com queimadura. Bastou um acidente para mudar o rumo de uma vida. Este
pequeno excerto do testemunho de um dos participantes visa enviar uma mensagem de
apoio e força, incentivando cada pessoa a continuar a própria luta e a reaprender a
reconhecer-se.
25
PARTE I – ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL
26
O Enquadramento Conceptual procura colocar em evidência o processo de
investigação, objetivar e reunir um conjunto de informação sobre a temática/fenómeno
que se pretende estudar, para que seja dado o suporte necessário para alcançar os
objetivos do estudo. Concomitantemente, a revisão da literatura apresenta-se como uma
etapa crucial e basilar na delimitação e estruturação do problema. Ainda, permite alargar
a abrangência dos conceitos em análise na investigação, através da integração da
informação originada por outros investigadores (Fortin, 2009).
27
CAPÍTULO 1 – O DOENTE QUEIMADO
A queimadura é definida como uma lesão da pele ou de outro tecido humano, cuja
etiologia é derivada do fogo. Fisiologicamente, o acidente por queimadura é um trauma
complexo que necessita de uma abordagem multidisciplinar e contínua. A ocorrência
deve-se a transmissão de calor intenso para o corpo da pessoa, provocando a destruição
da primeira barreira protetora do organismo humano, a pele. Pode ocorrer pelo contacto
direto com líquidos/sólidos quentes/ frios, chamas, elementos radioativos ou químicos e
eletricidade (WHO, 2008; EBA, 2013).
28
“Ferida traumática: rotura e perda da camada exterior do tecido da superfície do
corpo ou das camadas mais profundas, devida a lesões pelo calor resultantes de
exposição a agentes térmicos, químicos, elétricos ou radioativos; caracterizada
por coagulação das proteínas das células, aumento do metabolismo, perda da
reserva de nutrientes nos músculos e no tecido adiposo, perda de proteínas e
compostos azotados, por grande dor, desconforto e stress, com risco de choque e
com risco de vida; necrose dos tecidos, infeção da ferida, contracturas, escara
hipotrófica com rigidez por espessamento, em que o doente fica profundamente
desfigurado; queimadura de 1.º grau, 2.º grau e 3.º grau”(2011, p.71).
Ao analisar esta definição, a queimadura deve ser interpretada como uma ferida com
propriedades e características específicas. Compreende-se que após a ocorrência desta
agressão física, vários são os danos colaterais que comprometem a homeostasia do
organismo, podendo ainda colocar em risco a vida da pessoa.
Ainda, Thelan et al. (1996) citados por Martins (2013) acrescentam como fatores
cruciais na avaliação da gravidade da queimadura: a suspeita de inalação de ar aquecido
29
e/ou vapores tóxicos (avaliada através do Índice de Clark). Desta forma, deve ser
considerada como uma queimadura de gravidade acrescida, porque verifica-se a
presença de risco de queimadura nas vias aéreas, podendo resultar na sua obstrução. A
idade e a história clínica da pessoa são outros fatores referidos pelo mesmo autor uma
vez que, a gravidade da situação clínica é superior quando o acidente se verifica em
crianças e/ou idosos.
Etiologia da Queimadura
Os agentes térmicos são considerados como o agente com maior prevalência nos
acidentes por queimadura. Caracterizam-se por se poderem apresentar em qualquer um
dos três estados físicos da matéria e consequentemente provocar lesões através de
temperaturas quentes ou frias (Martinho, 2008; Carvalho, 2011). A gravidade da
queimadura por agentes térmicos encontra-se relacionada com estado físico do agente
causal e a sua temperatura. Ainda, Carvalho (2011) acrescenta que, deve-se ter em
consideração a composição do vestuário uma vez que, as fibras naturais são mais
resistentes à combustão, enquanto as fibras sintéticas são mais inflamáveis.
30
A corrente elétrica corresponde ao agente elétrico causador da queimadura. Apesar de
não apresentarem uma elevada incidência são de extrema gravidade. A gravidade da
queimadura pelo agente elétrico está subjacente à resistência dos tecidos, à intensidade e
à voltagem da corrente. No que confere às suas especificidades, a lesão visível pode
parecer pouco significativa ao nível da porta de entrada e saída, porém as afeções
internas podem ser extensas e apresentar graves destruições de massa muscular, vasos e
órgãos, comprometendo assim o sistema cardiovascular (Martinho, 2008; Klein & O’
Malley, 1990, citados por Carvalho, 2011).
Nos Estados Unidos da América, o estudo levado a cabo pela American Burn
Assotiation (ABA, 2012), ao analisar os dados relativos aos internamentos por
queimadura em 91 hospitais de 35 estados, no período compreendido entre 2002 e 2011,
revelou que o agente térmico predominou em 80% dos casos (fogo e incêndios). As
lesões do tipo escaldão prevaleceram em crianças com idade inferior aos 5 anos. Por
fim, o fogo afetou maioritariamente as restantes faixas etárias.
31
O estudo realizado por Millan et al. (2012) teve como objetivo descrever o atendimento
às crianças queimadas do serviço de cirurgia plástica e queimados do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, ao longo de 15 meses
consecutivos. No período de outubro de 2009 a dezembro de 2010 coletou-se uma
amostra de 98 doentes, com idade inferior a 13 anos. Os resultados demonstraram que o
agente térmico prevaleceu em todas as faixas etárias, destacando-se um ligeiro aumento
na faixa etária de 1 ano aos 5 anos de idade. As queimaduras por fogo, explosão e lesão
elétrica manifestaram-se com o aumento da idade.
32
Assim, das 864 pessoas com queimaduras internadas num hospital universitário, no
período compreendido entre janeiro de 2005 a dezembro de 2008, 94 doentes sofreram
uma queimadura derivada de modalidades terapêuticas. As causas mais frequentes
foram o “saco” de água quente, a moxabustão (acupuntura térmica) e as almofadas de
aquecimento por fonte elétrica.
Agora abordando estudos realizados em Portugal, Martinho (2008) refere que desde
julho de 1989 até dezembro de 2007 foram admitidas 2738 pessoas com queimadura na
unidade de queimados do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Quanto a
etiologia das queimaduras, esta apresenta-se muito variada. Os agentes térmicos
predominaram, especificamente o fogo (55,3%) e os líquidos ferventes (18,3%). Os
agentes químicos ocorreram em 11,9% dos casos e o agente elétrico em 7,4% dos casos.
Após a análise dos diversos resultados dos estudos realizados nos Estados Unidos da
América, no Canadá, no Brasil, na Coreia e em Portugal, o agente térmico é o mais
33
prevalente em qualquer uma destas partes do globo, seguido do agente químico e por
fim do agente elétrico. Depara-se que poucos são os estudos que fazem alusão ao agente
radioativo, por conseguinte depreende-se que a sua prevalência seja muito reduzida.
34
al., 2003; Jorge & Dantas, 2003; Vale, 2005, citado por Montes et al., 2011; Thelan et
al., 1996, citados por Martins, 2013; WolfSE, 2005, citado por Andretta et al., 2013).
Ainda, Serra et al. (2004) citado por Martinho (2008) e WolfSE (2005) citado por
Andretta et al. (2013) referem um outro grau, o quarto. Estas queimaduras caracterizam-
se por lesões que atravessam a pele e comprometem o tecido adiposo, o músculo e o
osso.
No Brasil, o estudo retrospetivo e descritivo de Montes et al. (2011), com uma amostra
de 138 doentes internados num hospital de ensino, no período de janeiro de 2003 a
dezembro de 2007, apontou as queimaduras de 2º grau apresentaram maior prevalência
(88,4%), seguidas das queimaduras de 1º grau (43,5%) e por fim das queimaduras de 3º
grau (27,5%). De evidenciar que 58,7% dos doentes apresentaram queimaduras com
profundidades mistas.
35
Já no estudo observacional e descritivo de Rossi et al. (2012), que envolveu 211 pessoas
com queimadura internadas na unidade de queimados do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, no período compreendido entre maio de 2007
a maio de 2008, a queimadura de 3º grau predominou em 74,2% dos casos.
Em Portugal, no estudo realizado por Martinho (2008) com 2738 doentes hospitalizados
na unidade de queimados do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no período
referente a julho de 1989 até dezembro de 2007, ao analisar a profundidade das
queimaduras, as queimaduras de 3º grau prevaleceram em 43,7% dos casos.
Comparando os resultados anteriores com o estudo realizado por Francisco et al. (2013),
cujo principal objetivo era analisar o doente queimado pediátrico, internado na unidade
de cuidados intensivos pediátricos do Hospital Dona Estefânia de Lisboa, desde abril de
1991 até dezembro de 2010, observa-se que relativamente à profundidade da lesão, as
queimaduras de 3º grau prevaleceram (59%) às queimaduras de 2º grau (28%).
A Superfície Corporal Queimada (SCQ) é um outro elemento que deve ser avaliado na
caracterização da gravidade da queimadura. Deste modo, para proceder a quantificação
da SCQ é necessário avaliar a extensão da queimadura, determinando a percentagem da
área corporal queimada.
36
principalmente na primeira abordagem, tendo como princípio a divisão do corpo
humano em diversas partes, as quais é lhes atribuída uma percentagem específica. De
salientar, que o mesmo não se encontra indicado para avaliar a SCQ em crianças. O
segundo método, a tabela de Lund e Browder, caracteriza-se pelo seu grau de precisão
e por considerar as proporções do corpo de acordo com a idade, obtendo-se assim um
valor de referência (Martinho, 2008; Norma nº 022/2012; Oliveira et al., 2012; Andretta
et al., 2013; Hale et al., 2013; Martins, 2013).
No relatório de 2002-2011 realizado pela ABA (2012), constituído por uma amostra de
183 036 doentes, a percentagem de SCQ inferior a 10% verificou-se em 72% da
amostra com uma taxa de mortalidade associada de 0,6%. Ainda, é proferido que a
morte por queimadura aumenta em conformidade com a idade, percentagem da SCQ e
presença de lesão inalatória. Nomeadamente, a presença de lesão inalatória amplificou a
probabilidade de morte para 16 vezes em doentes com uma idade inferior aos 60 anos e
com uma percentagem de SCQ entre 0,1 e 19,9%.
Localização da Queimadura
As queimaduras localizadas nas seguintes áreas do corpo: face, pescoço, tórax, períneo,
mãos e pés, são consideradas com um nível elevado de gravidade independentemente da
classificação e da SCQ (Norma nº 022/2012). Ainda, Thelan et al. (1996) citados por
Martins (2013) e Hale et al. (2013), referem que as queimaduras que comprometem
38
zonas do corpo com articulações deveriam integrar o grupo referido anteriormente.
Estas, bem como as queimaduras da face, pescoço e mãos carecem de um grau elevado,
complexo e prolongado de cuidados de reabilitação (Vale, 2005, citado por Montes et
al., 2011). As queimaduras da face e mãos, para além de serem um fator de gravidade,
podem despoletar dificuldades de adaptação, sintomatologia ansiosa e depressiva, pelo
que se torna fundamental o acompanhamento e apoio psicológico nestas pessoas
(Wiechman et al., 2001, citados por Martins, 2013).
Diversos estudos efetuados no Brasil referem que a localização anatómica mais atingida
pela queimadura, são os membros superiores. Nomeadamente, no estudo de Nascimento
et al. (2013) os membros superiores foram os mais afetados (29%), seguidos do tronco
(23%), membros inferiores (23%), cabeça e pescoço (17%) e órgãos genitais (3%). Do
mesmo modo, Montes et al. (2011) apontam para os membros superiores como sendo a
localização anatómica mais comprometida em 70,3% dos casos. Rossi et al. (2012)
corroboram os resultados apresentados anteriormente, acrescentando que o membro
superior dominante foi o mais atingido.
O único estudo analisado que apresenta resultados diferentes foi realizado por Mun et
al. (2012) na Coreia. Este refere que as regiões anatómicas mais atingidas, foram os
membros inferiores, pé e tornozelo, seguidas a região perineal, joelho, tronco, ombro e
braço. Porém, é necessário salientar o cariz específico deste estudo, visto que procurou
caracterizar as queimaduras provocadas por modalidades terapêuticas. A prevalência
das queimaduras nos membros inferiores pode ser explicada pela correlação positiva
entre a Diabetes mellitus e as queimaduras, derivadas de modalidades terapêuticas. Pois,
a presença da doença arterial periférica provoca alterações vasculares que
comprometem os membros inferiores facilitando a ocorrência de queimaduras por
modalidades terapêuticas.
39
1.3. DADOS EPIDEMIOLÓGICOS E ESPECIFICIDADES DO DOENTE
QUEIMADO
Deste modo, torna-se evidente apostar na prevenção deste tipo de acidente, ou seja, ao
diminuir a prevalência automaticamente poder-se-á reduzir o número de pessoas com
sequelas funcionais, estéticas e psicológicas crónicas.
No que confere aos dados epidemiológicos dos Estados Unidos da América, verifica-se
a ocorrência de cerca de 120 000 casos por ano de queimaduras em crianças com
necessidade de tratamento num serviço de urgência, correspondendo a 15 casos em cada
10 000 residentes por ano (Souza, 2006, citado por Francisco et al., 2013).
No Brasil, estima-se que ocorram cerca de 1 milhão de acidentes por queimaduras por
ano. Destes, apenas 10% procuram atendimento hospitalar e, 2500 vítimas falecem
devido às lesões, sendo este fenómeno aplicado a todas as faixas etárias. Das pessoas
que se dirigem para os serviços de urgência, 40 mil encontram-se num estado grave
40
(Oliveira et al., 2012; Almeida & Santos, 2013). Ainda, é referido que por cada 204
crianças, com idade inferior aos 5 anos, 78% já experienciaram um acidente por
queimadura, mais precisamente 21,6% dos casos foram provocados por fogo no meio
domiciliar (cozinha). Já os adolescentes e os adultos têm como etiologia primária a
exposição a líquidos inflamáveis (álcool) (Almeida & Santos, 2013).
É unânime nos vários estudos que o meio domiciliar foi o local onde ocorreram o maior
número de acidentes por queimadura (Montes et al., 2011; ABA, 2012; Mun et al.,
2012; Rossi et al., 2012; Almeida & Santos, 2013).
Idade e Sexo
41
constituíram 19% da amostra e os doentes com idade igual ou superior aos 60 anos
representaram 12% dos doentes. De acordo com a mesma fonte, no Canada, os
resultados são semelhantes aos dos Estados Unidos de América. Verifica-se que o sexo
masculino foi o mais atingido (72%) por queimaduras em qualquer faixa etária (5 aos
80 anos). A faixa etária entre os 20 e 29 anos apresenta-se como a mais atingida pela
queimadura (16,7%).
Ainda, no Brasil, os resultados do estudo de Montes et al. (2011), Rossi et al. (2012) e
Nascimento et al. (2013) corroboram os resultados anteriores. No estudo de Montes et
al. (2011) o sexo masculino foi o mais prevalente em 71% dos casos e a média de idade
foi de aproximadamente 26 anos (mínima 10 meses e máxima 76 anos). Destaca-se que,
a faixa etária compreendida entre os 15 e os 59 anos constituiu a maioria dos casos
(61,6%), seguida da faixa etária dos 0 aos 14 anos (33,3%). No estudo de Rossi et al.
(2012), o sexo masculino prevaleceu sobre o sexo feminino (62,6%). A idade dos
elementos da amostra variou de um mês aos 76 anos de idade e a faixa etária mais
atingida foi a dos 18 aos 60 anos (66,8%) seguida da faixa etária dos 0 aos 18 anos
(26,8%). As pessoas com idade superior aos 60 anos de idade foram as menos
prevalentes (6,3%). No estudo de Nascimento et al. (2013), a amostra apresentou uma
prevalência do sexo masculino em 64,18% dos casos, sendo a faixa etária mais afetada
entre os 0 e 6 anos, seguida da faixa etária entre os 19 e os 60 anos.
Ao analisar estes resultados, Rodrigues (2010) refere que o meio laboral em que os
indivíduos do sexo masculino exercem a sua profissão promove o aumento de acidentes
por queimadura. Por outras palavras, encontram-se expostos a numerosos fatores de
risco propícios a ocorrência de acidentes por queimadura, são exemplos: as atividades
que englobam a agricultura, a indústria e a construção civil dado que, aumentam o risco
de acidentes pelo contacto direto com substâncias inflamáveis, produtos químicos e
eletricidade.
42
Abordando os estudos cuja amostra é unicamente pediátrica, os resultados de Millan et
al. (2012) sugerem que a média de idade foi de aproximadamente 5 anos. Quanto ao
sexo, prevaleceu o masculino em 68,4% dos casos. Do mesmo modo, Andretta et al.
(2013) referem no seu estudo uma maior prevalência de crianças do sexo masculino,
cuja faixa etária mais atingida foi entre os 0 e os 3 anos. Ainda, observa-se que o agente
etiológico se encontra relacionado com a idade da criança. Exemplificando, crianças até
aos 2 anos de idade apresentaram uma relação mais significativa com a queimadura por
contacto com líquidos ferventes, em contrapartida, as crianças com idade superior aos 6
anos apresentaram queimaduras derivadas do fogo ou da explosão por álcool, gasolina
ou gás. Em Portugal, o estudo de Francisco et al. (2013) vem corroborar os resultados
internacionais, mostrando uma prevalência do sexo masculino em 63,4% dos casos e
com uma média de idade de aproximadamente 4 anos.
De referir que, o estudo feito por Serra et al. (2012), no Brasil entre os anos de 2007 a
2011, com 51 adolescentes hospitalizados numa unidade especializada no tratamento de
queimaduras, foi o único estudo encontrado que mostrou maior prevalência de
queimaduras no sexo feminino. Na generalidade os resultados apontam para o sexo
masculino como sendo o mais afetado. Pensa-se que, as diferenças culturais, biológicas
e comportamentais específicas de cada sexo sejam a base deste acontecimento. Por
outras palavras, as crianças do sexo masculino normalmente expõem-se há um número
mais elevado de situações consideradas de risco, quando comparados com as crianças
do sexo feminino (Andretta et al., 2013).
Ao analisar a idade e o sexo do doente queimado, na grande maioria dos estudos, o sexo
masculino prevalece em relação ao sexo feminino e a idade média vária de acordo com
as amostras de cada estudo. Nos Estados Unidos de América, Canadá e Brasil, nos
estudos que abordam todas as faixas etárias, observa-se que a faixa etária mais atingida
são os jovens adultos e adultos. Em Portugal, denota-se um aumento da idade média da
queimadura para valores entre os 48 e os 49 anos. Já nos estudos com amostras
essencialmente pediátricas, a idade média varia entre os 3 e os 5 anos para todas as
regiões do globo analisadas.
O tempo de internamento hospitalar é muito variável, seja para a população adulta como
para as crianças. Porém, em Portugal o tempo médio de internamento nos adultos é
43
superior ao das crianças, fenómeno que não é equivalente nos restantes países
analisados.
De acordo com o estudo realizado pela ABA (2012), observa-se um decréscimo médio
dos dias de internamento. Nomeadamente houve uma redução de 11 dias para uma
média 8 dias. O tempo médio de internamento foi ligeiramente superior a 1 dia por cada
1% de SCQ.
Escolaridade e Sazonalidade
A temática ligada à escolaridade, apenas foi abordada num estudo. Deste modo, Rossi et
al. (2012) referem que, aproximadamente 45% dos doentes apresentavam um nível de
escolaridade inferior a nove anos de estudo. A baixa escolaridade é apontada como um
possível fator predisponente para este tipo de acidente, visto que uma preparação
académica insuficiente poderá comprometer o acesso à informação relativa às medidas
preventivas e aos primeiros socorros. Acrescenta-se que, os países em desenvolvimento
apresentam uma taxa elevada de acidentes por queimadura, em relação aos países em
que se verifica um investimento em ações educativas de prevenção e cuja população
apresenta níveis mais elevados de instrução.
45
CAPÍTULO 2 – A REABILITAÇÃO DO DOENTE QUEIMADO
A Dor
Deste modo, Gonçalves et al. (2011) referem que a dor é apontada como um fator que
dificulta todo o programa de reabilitação. Por consequência, o Enfermeiro Especialista
em Enfermagem de Reabilitação deve focar-se na gestão eficaz do quinto sinal vital,
facilitando a adesão ao programa de reabilitação.
Hiperestesia e Hipoestesia
Processo de Cicatrização
49
A cicatriz hipertrófica ocorre quando o processo de cicatrização não se conclui no
espaço de 10 a 21 dias (Procter, 2010). Estas apresentam-se salientes, pruriginosas,
endurecidas, dolorosas e com uma coloração vermelha ou rósea. Iniciam-se a formar
após 6 a 8 semanas, começando a regredir entre os 12 e os 24 meses. Já, a cicatriz
queloide, desenvolve-se 1 ano após a conclusão do processo de epitelização e, não
regride. Esta caracteriza-se por ter um crescimento lento e por invadir os tecidos
vizinhos não lesados pela queimadura (Oliveira & Leonardi, 2012; Yoda et al., 2013).
O estudo transversal realizado por Oliveira e Leonardi (2012) teve por objetivo
identificar a prevalência e os fatores associados às sequelas das queimaduras em 123
doentes pediátricos, internados no Hospital Infantil Joana de Gusmão, no período de
setembro de 2007 a agosto de 2009. Dá análise dos resultados, compreende-se que
39,8% das crianças apresentaram sequelas dois anos após a ocorrência da queimadura.
A sequela mais prevalente foi a cicatriz hipertrófica (56,3%). Abordando a SCQ, todas
as crianças com uma percentagem superior a 30% apresentaram sequelas, dois anos
após a lesão. Ainda, a profundidade da queimadura e o agente etiológico influenciaram
a manifestação de sequelas. Nomeadamente, 65,4% das crianças com queimaduras de 2º
grau profundo e 75,8% com 3º grau apresentaram sequelas. Os agentes inflamáveis
foram os responsáveis pelo maior número de casos com sequelas (64,3%).
50
visíveis com a percentagem de SCQ (superior a 20%) e com alterações no autocuidado
vestir e despir-se. Ainda, a sensibilidade à exposição solar e o “olhar do outro” sobre às
regiões com queimadura são considerados com fatores propulsores de um impacto
negativo na vida dos participantes. As principais dificuldades referidas pelos doentes
focaram-se na consecução de atividades básicas de vida diária (ABVD’s), tais como –
vestir-se, pentear-se, escovar os dentes e alimentar-se.
Contraturas
51
2014). No início é essencial uma intervenção a nível educacional. A dor, a fadiga e os
sentimentos de frustração irão prevalecer, pelo que o doente queimado deve estar
globalmente ciente de todo o programa de reabilitação e compreender a importância da
sua participação ativa neste processo transicional (Procter, 2010).
52
Primeira Fase da Reabilitação – Fase Aguda
De referir que se o doente for submetido a uma intervenção cirúrgica para colocação de
enxertos cutâneos, o programa de reabilitação deve ser mais cauteloso nos primeiros 20
dias, para evitar a inviabilidade dos mesmos (Andrade & Cunha, 2010).
Os principais objetivos nesta primeira fase são: controlar a dor; reduzir o risco de
infeção e complicações; prevenir contraturas musculares; executar técnicas de
posicionamento; manter a ADM máxima; manter a força e a massa muscular; facilitar a
mobilização articular e a deambulação; favorecer a cicatrização da ferida e dos tecidos
moles (Andrade & Cunha, 2010; Hale et al., 2013).
54
capacidades de deambulação; melhorar o desempenho na consecução de atividades de
vida diárias (AVD’s) (EBA, 2013). Deste modo, o estudo realizado por Santa, Brito e
Costa (2012) teve por objetivo avaliar a importância da recuperação funcional em 30
doentes queimados, internados numa unidade de cuidados intensivos. Os resultados
mostraram que todos os elementos da amostra se apresentavam com edema antes da
abordagem dos exercícios terapêuticos. Após verificou-se uma redução substancial do
edema e melhorias na ADM, ao nível flexão e extensão da coluna cervical, da coluna
lombar e na dorsiflexão e flexão plantar da articulação tibiotársica.
55
elasticidade cutânea (Andrade & Cunha, 2010). Para a gestão do processo cicatricial
encontram-se indicadas as seguintes modalidades de massagem: a massagem clássica
(melhora a circulação e facilita a penetração de agentes lubrificantes); a drenagem
linfática (reduz o edema e o linfedema); a massagem transversa profunda (desfaz as
aderências e possibilita a maleabilidade tecidular) (Andrade & Cunha, 2010).
A última fase da reabilitação do doente queimado é denominada por fase crónica e tem
início aproximadamente dois anos após a lesão. Tal como se verificou nas fases
anteriores é necessário dar continuidade ao programa de reabilitação. O programa de
56
gestão do processo cicatricial, a melhoria contínua da capacidade funcional e a
reintegração socioprofissional são as principais áreas de intervenção.
A vida após uma lesão grave por queimadura pode exigir programas de reabilitação para
o resto da vida (Procter, 2010). A pessoa com queimadura fica marcada pela presença
de uma cicatriz permanente, que irá influenciar a ADM, reduzir a força muscular e
capacidade funcional. Ainda, os aspetos psicológicos e sociais que daí derivam afetam
de modo significativo a reintegração social (Hale et al., 2013). Nesta conjuntura, uma
lesão causada por queimadura desencadeia mecanismos de autodefesa, especificamente
o isolamento social. Por consequência, o regresso à sociedade é um processo tortuoso e
difícil. É frequente que o doente queimado percecione sentimentos de singularidade
relativamente ao meio social a que pertence, por outras palavras, sente que é a única
pessoa que sofreu este tipo de lesão (Procter, 2010).
Nesta fase, a terapia compressiva e a utilização de dispositivos de silicone são dadas por
terminadas. Todavia, deve ser realizada uma vigilância e monitorização de sinais de
hipertrofia da cicatriz uma vez que, poderá ser necessário reiniciar o programa de
terapia compressiva (COBIS, 2009).
58
criar a ligação e o envolvimento da família como parceira de cuidados. A família ou
cuidador informal devem ser ensinados, orientados, instruídos e treinados para dar
continuidade ao programa de reabilitação no domicílio (Carvalho, 2013; Gomes, 2014).
59
CAPÍTULO 3 – O IMPACTO DA LESÃO POR QUEIMADURA NA
QUALIDADE DE VIDA DA PESSOA
Ao analisar as recomendações fornecidas pela EBA (2013), a qualidade de vida deve ser
um foco de atenção tão importante como a sobrevivência; a equipa multidisciplinar deve
possuir conhecimentos sobre os fatores que contribuem para a qualidade de vida para
assim direcionar as suas intervenções; a qualidade de vida deve ser avaliada
sistematicamente desde a admissão até o final do processo de reabilitação.
60
lesão, a SCQ, a localização da queimadura e a incapacidade funcional foram os
principais determinantes que afetaram a perceção da qualidade de vida.
Na análise da qualidade de vida após a alta hospitalar, o estudo de Wasiak et al. (2014b)
procurou descrever o estado de saúde e a qualidade de vida em 114 doentes queimados,
61
um ano após a queimadura. Os instrumentos de avaliação utilizados foram The Medical
Outcomes Study 36-Item Short- Form Health Survey e a BSHS. Após 12 meses da
ocorrência da lesão, alguns domínios da qualidade de vida são melhorados. Contudo, ao
longo dos primeiros 12 meses, o doente queimado é confrontado com inúmeros desafios
face a recuperação física e psicossocial que promovem a oscilação da perceção da
qualidade de vida.
Ainda, no estudo de Júnior et al. (2010) com uma amostra constituída por 21 pessoas
com queimadura e aplicando o instrumento BSHS, verifica-se que após a alta clínica as
limitações físicas e psíquicas diminuem a qualidade de vida. Evidencia-se a importância
de uma intervenção de reabilitação precoce e abrangente para minimizar as sequelas e
melhorar a qualidade de vida. No estudo transversal de Nicolosi et al. (2012), com 63
adolescentes durante o processo de reabilitação, os domínios mais afetados foram a
sensibilidade térmica, o afeto, a imagem corporal e o regime terapêutico. Para além
disso, no estudo realizado por Edwards et al. (2007) citados por Stavrou et al. (2014), os
resultados sugerem que, após a aplicação do instrumento The Medical Outcomes Study
36-Item Short- Form Health Survey, a ansiedade e a sintomatologia depressiva foram
mais frequentes no primeiro ano após a queimadura.
No Egipto, o estudo descritivo correlacional realizado por Elsherbiny et al. (2011), com
uma amostra de 100 pessoas adultas com queimaduras graves revelou que, após a
aplicação da BSHS, a queimadura apresentou um impacto negativo sobre a maioria das
dimensões da qualidade de vida: a imagem corporal, a sensibilidade ao calor, a
ocupação profissional e a saúde psicológica global. Deste modo, compreende-se que a
qualidade de vida diminui quando uma pessoa sofre uma queimadura (Ferreira et al.,
2014). A diminuição da qualidade de vida global é evidenciada no momento da alta
hospitalar, 6 meses e 4 anos após a lesão (Patterson, Ptacek, Cromes, Fauerbach, &
62
Engrav, 2000; Moi, Wentzel-Larsen, Salemark, Wahl, & Hanestad, 2006, citados por
EBA, 2013). O processo de reabilitação procura melhorar as complicações e sequelas
decorrentes da queimadura e desempenha um papel marcante na melhoria dos aspetos
psicossociais (Guirro & Guirro, 2007, citados por Silva et al., 2013). Por último, a
reinserção social e o regresso ao trabalho são elementos fundamentais para a qualidade
de vida, a longo prazo (EBA, 2013).
63
PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO
64
O Estudo Empírico corresponde a Fase metodológica e a Fase Empírica da
investigação. A fase metodológica consiste em definir os meios para realizar a
investigação. A fase empírica corresponde à realização da investigação, a qual
caracteriza-se pela colheita, interpretação e análise da informação, colocando em prática
o plano metodológico delineado (Fortin, 2009).
65
CAPÍTULO 1 – A METODOLOGIA QUALITATIVA E A FENOMENOLOGIA
Todavia, a investigação qualitativa apresenta limitações uma vez que, são os seres
humanos os instrumentos diretos através dos quais a informação é reunida e, os mesmos
são considerados como ferramentas inteligentes, sensíveis, mas também podem ser
falíveis. Ainda, uma outra limitação envolve a natureza subjetiva da investigação, ou
seja, a generalização dos resultados pode ser questionada (Polit et al., 2004).
66
Merlau-Ponty (Graças & Santos, 2008; Silva, Lopes, & Diniz, 2008; Thomas, 2005,
citados por Earle, 2010).
O autor Moran (2005) citado por Earle (2010) apresenta Edmund Husserl como um
matemático desapontado com as ciências exatas. Este é considerado o fundador da
Fenomenologia através da apresentação formal desta abordagem na obra Logische
Untersuchungen (Logical Investigations, 1900) (Koch, 1995, citado por Earle, 2010).
O filósofo Martin Heidegger estudante de Husserl, a partir da sua obra Being and Time
contribuiu para o desenvolvimento da Fenomenologia. Contudo, apresentou uma
abordagem oposta à tradicional (Moran, 2005, citado por Earle, 2010). Mais
precisamente, a sua perspetiva de Fenomenologia direcionou-se para o foco ontológico,
enquanto a de Husserl centrou-se na epistemologia. Por este motivo, Heidegger foi
considerado o fundador da Fenomenologia hermenêutica (Graças & Santos, 2008;
Annells, 1996, citado por Earle, 2010).
Mais tarde, com base nas perspetivas destes filósofos, Maurice Merleau-Ponty também
contribuiu para o desenvolvimento do pensamento fenomenológico, explicando no seu
texto Phenomenology of Perception o entendimento de “estar-no-mundo” e destacando
a importância da relação entre a pessoa e o objeto (Moran, 2005, citado por Earle,
2010). De acordo com Dowling (2007) citado por Earle (2010), este filósofo incidiu
numa perspetiva existencial e não transcendental como defendido por Husserl.
67
caraterísticas implicam a existência de diferentes formas de Fenomenologia defendidas
por fenomenólogos distintos (Earle, 2010, citado por Bradbury-Jones, 2012).
O método fenomenológico
A Fenomenologia é definida por Mohanty (2008) citado por Earle (2010, p.287) como
“a ciência da consciencialização”, perspetivando-a, segundo van Manen (1997) citado
por Earle (2010), como disciplina que procura descrever a forma como o mundo é
formulado e experienciado através de atos conscienciosos. Estas definições vão ao
encontro dos conceitos de Perius (2012), que carateriza a Fenomenologia como não
neutra no que confere às suas respostas, laboriosa, com um questionamento contínuo
limitado ao seu objeto, mas que permite compreendê-lo de uma forma única.
68
essenciais, que estão alicerçados à experiencia de vida, sendo valorizada conforme se
apresenta e não da forma que alguém pensa ou diz.
A Enfermagem é uma ciência que, segundo Meleis e Tangenstein (1994) citados por
Queirós (2009), tem como objeto as vivências humanas no decorrer dos processos de
transição, com o objetivo de conhecê-las, visando o cuidar das pessoas nessas fases,
facilitando a sua transição e o alcance do melhor bem-estar. Deste modo, é percetível
compreender que a utilização do método fenomenológico nesta área tem-se ampliado e
os resultados têm enriquecido à prática clínica, pois é durante o exercer da profissão que
os investigadores denotam a necessidade de estudar os fenómenos.
69
CAPÍTULO 2 – PERCURSO METODOLÓGICO
71
que permanece ao longo do tempo, deixando sequelas crónicas. Concomitantemente,
quando se procura compreender as vivências da pessoa com queimadura no domicílio,
verifica-se que é uma área ainda pouco explorada. Com o presente estudo, espera-se
recolher informações de cariz qualitativo, de modo a contribuir para o desenvolvimento
da disciplina de Enfermagem, mais especificamente para a Enfermagem de
Reabilitação, tendo por base a prática baseada na evidência.
-Qual foi a experiência vivida, pela pessoa com queimadura, relativamente à preparação
para o regresso ao domicílio, realizada pela equipa de Enfermagem?
72
-Descrever a importância atribuída, pela pessoa com queimadura, relativamente à
continuidade de cuidados de Enfermagem de Reabilitação.
73
Figura 1 – Representação esquemática do processo de investigação.
Fenómeno em Estudo
Foco de Estudo
Relatos das vivências de pessoas com
queimadura no domicílio.
Participantes
Pessoas com queimadura que foram internadas numa Unidade de
Queimados da Região Centro de Portugal e, neste momento se encontrem
no próprio domicílio.
Critérios de inclusão
Idade igual ou superior a 18 anos;
Consentir e colaborar voluntariamente no estudo;
Estar orientado/a; ter estado hospitalizado/a numa Unidade de
Queimados da região centro de Portugal;
Tempo decorrido após a ocorrência da (s) queimadura (s) superior ou
igual a seis meses;
Encontrar-se no domicílio após ter sido hospitalizado numa Unidade de
Queimados da Região Centro de Portugal.
74
2.2. PARTICIPANTES DO ESTUDO
A seleção dos participantes teve por base a experiência vivenciada por eles pela
primeira vez, a cultura e a interação social relativamente ao fenómeno de interesse.
Deste modo, procurou-se garantir a existência de uma relação íntima entre a experiência
vivida pelos participantes e o fenómeno que se pretende descrever e analisar (Streubert
& Carpenter, 2002; Fortin, 2009).
O método de seleção dos participantes foi o método por redes ou bola de neve. A
escolha deste método deveu-se ao facto de os participantes em estudo serem de difícil
acesso, segundo os critérios delineados, pelo que se iria constituir numa tarefa árdua e
exigir um longo dispêndio de tempo.
Em concordância com que foi descrito anteriormente, o primeiro passo foi identificar e
localizar a “semente” para dar início ao processo de seleção. Assim, foram contactadas
via telefone e através do correio eletrónico três pessoas vítimas de queimaduras. Estes
recursos humanos resultaram de contactos socioprofissionais. Destaca-se que estas
pessoas têm vindo a envolver-se em projetos ligados ao doente queimado. Por esta
razão foram consideradas como “sementes” adequadas e ricas em contactos
diversificados. Posteriormente, as “sementes“ selecionadas entraram em contacto com
outras pessoas com queimadura que se enquadrassem nos critérios de inclusão
delineados para o estudo. As “sementes” pediram o consentimento às pessoas
contactadas para fornecer o contacto ao investigador. Por sua vez, o investigador entrou
em contacto via telefone ou via correio eletrónico com as pessoas indicadas pelas
“sementes”, a fim de as informar sobre o estudo e perceber se teriam interesse em
76
integrar a investigação. As pessoas contactadas pelas “sementes” indicaram outras
pessoas com queimadura e, assim, repetiu-se o processo descrito anteriormente.
Existem múltiplos tipos de entrevistas pelo que, neste estudo foi selecionada a entrevista
semiestruturada. A entrevista semiestruturada é considerada um alicerce da metodologia
qualitativa. A sua utilização permite que os pontos de vista dos entrevistados sejam
“mais facilmente expressos numa situação de entrevista relativamente aberta do que
numa entrevista estruturada ou num questionário” (Flick, 2013, p.77). Este instrumento
permitiu direcionar o diálogo para as vivências dos entrevistados, recorrendo a um
guião de entrevista pré-definido. É importante referir que este guião deve ser entendido
como um recurso flexível e adaptável às diversas entrevistas, uma vez que as perguntas
que incorporam o guião são tendencialmente abertas.
78
na continuidade de cuidados”, procura descrever a experiência vivida pela pessoa com
queimadura, relativamente as dificuldades percecionadas na continuidade de cuidados
no domicílio. O bloco VI destinou-se ao agradecimento pela disponibilidade
demonstrada perante a entrevista e a vontade em integrar o estudo.
79
desde o início, procurou-se criar um ambiente de confiança com cada um dos
participantes, a fim de os ajudar a abordar as suas vivências. Cada entrevista foi
agendada em consonância com a disponibilidade verbalizada pelo participante. Estas
decorreram de modo individual e com respeito pela intimidade de cada pessoa
entrevistada. O local onde ocorreram as entrevistas foi no próprio domicílio de cada
participante. Cada participante mostrou-se disponível e recetivo em ser entrevistado
neste ambiente mais familiar. Ainda, este local permitiu minimizar a incidência de
interrupções e interferências externas.
80
O términus da entrevista sucedeu-se quando o investigador considerou ter chegado a
saturação ou exaustão dos dados, mais precisamente é o momento em que os dados que
surgem não são novos ou não variam dos que já foram colhidos, ou seja, não são
verbalizados novos temas ou essências (Streubert & Carpenter, 2002; Loureiro, 2006).
Desta forma, para garantir a autenticidade, o rigor e evitar a perda de informação obtida
pelos participantes, após cada entrevista foram organizadas as notas de campo e
transcritos os relatos.
O tempo de contacto prévio com o participante para realizar a entrevista foi analisado,
constatou-se que foi aproximadamente de 30 minutos. Mais precisamente, os primeiros
5 minutos foram de caráter informal, despendidos em explicitar e esclarecer o
participante quanto ao estudo e obter o consentimento informado. Os 20 minutos
subsequentes foram dedicados à obtenção dos relatos das experiências vividas face ao
fenómeno em estudo. Por último, os restantes 5 minutos de caráter informal foram
utilizados para agradecer ao participante a sua colaboração. Especificando o tempo
médio total investido para transcrever cada entrevista, este subdivide-se em dois
momentos: o primeiro é o tempo médio despendido no processo de audição e o segundo
é o tempo médio despendido no processo de transcrição. Nomeadamente, para o
processo de audição foi necessário aproximadamente 1 hora e 30 minutos para cada
entrevista. Em relação, ao processo de transcrição foram necessárias aproximadamente
5 horas para cada entrevista. Desta forma, o somatório destes dois momentos representa
um total de 6 horas e 30 minutos de tempo despendido para a audição e transcrição de
cada entrevista. O tempo total despendido para a audição e transcrição das 8 entrevistas
foi de 52 horas. Em apêndice encontra-se um exemplo de uma entrevista transcrita
(Apêndice II).
O processo de análise dos relatos tem como objetivo extrair o sentido da informação
recolhida. Deve ser tido em consideração o conceito de saturação de informação, pois é
uma característica da abordagem qualitativa efetuar a análise da informação
81
simultaneamente com a sua colheita (Loureiro, 2006). Além disso, Streubert e Carpenter
(2002), referem que o propósito da análise dos dados é preservar o que é único em cada
experiência vivida, para que seja possível compreender o fenómeno. Por consequência,
é necessário ouvir múltiplas vezes as descrições verbais dos participantes e ler e reler as
transcrições das entrevistas, para que se consiga identificar e extrair as declarações
significativas.
82
Desta forma, para proceder a descrição das vivências da pessoa com queimadura, optou-
se por seguir as linhas orientadoras propostas por Loureiro (2002). O primeiro passo
apresentado por Loureiro (2002) consiste em proceder à leitura intuitiva e global da
informação obtida, a fim de apreender o sentido e o significado da vivência dos
participantes de modo global. Após proceder à transcrição das entrevistas, estas devem
ser lidas as vezes que forem necessárias, para que se consiga alcançar uma visão
intuitiva sobre o fenómeno em estudo. Ainda, é neste primeiro passo que se deve
colocar entre “parêntesis” todo o conhecimento sobre a temática.
O segundo passo, visa criar e formar um perfil constitutivo para procurar a essência na
experiência. Neste sentido, deve-se proceder a identificação das unidades naturais de
significado. Mais precisamente, estas são segmentos discretos e expressões do texto
referentes aos aspetos individuais da experiência dos participantes. A identificação e
descriminação das unidades naturais de significado ocorrem sempre que o investigador
se aperceba de uma mudança psicológica significativa. Após identificadas as unidades
naturais de significado o investigador procura atribuir-lhes significados, porém sem
alterar o essencial da descrição da experiência.
Ainda, pode-se constatar que o segundo e terceiro passos apresentados por Giorgi
(1985) citado por Streubert e Carpenter (2002) corroboram-se com a segunda fase do
processo de análise fenomenológica proposta por Loureiro (2002). Deste modo, o
83
segundo e terceiro passo visam identificar e discriminar as unidades de transição da
experiência ou de significado, com base numa perspetiva psicológica focada no
fenómeno em estudo.
As unidades de significado devem ser consideradas como parte integrante do texto e não
como elementos isolados. A linguagem do sujeito não sofre alterações neste passo e, as
unidades de significado estão associadas à perspetiva adotada pelo investigador
(Holanda, 2006, citado por Andrade & Holanda, 2010).
Referindo o mesmo autor, o sexto passo prevê a realização de uma síntese descritiva dos
resultados. Mais especificamente, são utilizados os temas resultantes do índice temático,
para proceder a explicação rigorosa do significado atribuído ao fenómeno em estudo.
Por outras palavras, esta síntese descritiva é o resumo dos temas interpretados, que são
84
fundamentais para proceder a realização de um quadro pormenorizado sobre a
experiência dos participantes, relativamente ao fenómeno que se está a investigar.
Por último, o sétimo passo simboliza o retorno junto dos participantes com as
descrições exaustivas. No método de análise fenomenológica proposto por Colaizzi
(1978) citado por Streubert e Carpenter (2002), também se realizada o retorno aos
participantes no último passo. A finalidade é proporcionar um momento em que os
participantes tenham oportunidade de verificar os resultados e proceder à sua validação.
No caso de surgirem novas sugestões, estas deverão ser introduzidas na descrição
(Loureiro, 2002).
85
obtendo-se assim uma sequência das afirmações de significado de todos os
participantes. Após a criação do índice temático, procedeu-se a formulação dos temas
centrais e subtemas para agrupar a totalidade das unidades naturais de significado.
86
A transferibilidade refere-se à aplicação dos resultados para outros meios, para outras
populações ou para outros contextos (Fortin, 2009). Acrescenta-se que, de acordo
método de seleção dos participantes, a fim de obter mais dados acerca do fenómeno em
estudo, procura-se a não generalização da informação para que a transferibilidade seja
alcançada pelos leitores (Loureiro, 2006). Considerando o que foi exposto
anteriormente, pensa-se que a escolha do método de seleção dos participantes promoveu
a obtenção de informações precisas e ricas sobre o fenómeno que está a ser estudo. Esta
afirmação é defendida pelo facto, de os participantes selecionados terem vivenciado o
fenómeno na primeira pessoa. As capacidades de comunicação intrínsecas a cada
participante permitiram obter relatos profundos e carregados de sentimentos e emoções,
que auxiliaram o investigador a conhecer cada vez melhor o fenómeno em estudo.
Aquando a análise por outros investigadores procurou-se através de representações
esquemáticas e do quadro síntese do índice temático elucidar e facilitar a compreensão
do fenómeno.
87
entrevistas procurou-se validar a descrição dada pelos participantes. Porém, devido à
dispersão geográfica dos participantes e a dificuldade em marcar outro encontro
presencial, optou-se por validar as transcrições via telefone e/ou via correio eletrónico
nos casos em que tal fosse possível. Toda a informação obtida no primeiro e segundo
contacto (texto com a transcrição das entrevistas, notas de campos, ficheiro áudio), bem
como a identificação e transformação das unidades naturais de significado, a
identificação dos temas centrais e subtemas e a elaboração do quadro síntese relativo ao
índice temático foram submetidas à análise da Professora orientadora e do Professor
coorientador.
88
escolha, podendo participar voluntariamente ou recusar a participação (Polit et al.,
2004). Acrescenta-se que, o consentimento é livre e deve ser dado sem que nenhuma
ameaça, promessa de ameaça ou pressão exercidas sobre a pessoa. Ainda, a pessoa
deve-se encontrar com plenas capacidades cognitivas uma vez que, é essencial que o
consentimento informado seja livre e esclarecido (Fortin, 2009).
Em conformidade com o que foi referido, antes de dar início a cada entrevista foram
facultados os documentos inerentes ao consentimento informado e obtida a respetiva
assinatura como sinal representativo da tomada de conhecimento e compreensão de toda
a informação. Foram explicitadas todas as informações relativamente ao estudo: os
objetivos, o tipo de estudo, a finalidade e a duração. O direito à autodeterminação
encontrou-se presente, na medida em que todos os participantes foram informados
quanto ao direito de decidir ingressar ou recusar participar no estudo de livre vontade
sem sofrerem qualquer tipo de penalização. Ainda, assegurou-se que cada participante
fosse informado e compreendesse que tem o direito de se retirar a qualquer momento da
investigação, sem ter o dever de justificar a sua retirada e sem ser penalizado, apesar de
ter previamente aceite participar.
89
Quadro 2 – Siglas atribuídas aos participantes.
Participante 1 P1 (Participante número 1)
Participante 2 P2 (Participante número 2)
Participante 3 P3 (Participante número 3)
Participante 4 P4 (Participante número 4)
Participante 5 P5 (Participante número 5)
Participante 6 P6 (Participante número 6)
Participante 7 P7 (Participante número 7)
Participante 8 P8 (Participante número 8)
O direito à intimidade foi assegurado uma vez que, o investigador respeitou os limiares
de cada participante no que concerne a revelação de informações íntimas e pessoais. O
direito à proteção contra o desconforto e prejuízo foi assegurado, visto que nenhum
participante sofreu qualquer tipo de prejuízo ou desconforto, tendo sido previamente
esclarecido desde o início nos documentos do consentimento informado. Ressalva-se
que, todos os participantes receberam as mesmas informações e tiveram o mesmo
tratamento ao longo da investigação pelo que, o direito a um tratamento justo e leal foi
assegurado.
O investigador foi a única pessoa a ter acesso aos ficheiros de áudio, garantindo negar o
acesso a terceiros. As gravações permaneceram guardadas no domicílio do investigador
para prevenir possíveis desvios ou perdas de informação. Os participantes foram desde
o início informados que após a conclusão do estudo todos os ficheiros de áudio serão
eliminados instantaneamente, garantindo a confidencialidade e o anonimato.
90
CAPÍTULO 3 – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DA
INFORMAÇÃO
91
em dois subtemas: a etiologia da queimadura e a localização da queimadura.
Relativamente à experiência vivida pela pessoa com queimadura no internamento
hospitalar, foram identificados os seguintes subtemas: a satisfação com os profissionais
de saúde; a realização de intervenções de Enfermagem de Reabilitação; a realização de
intervenções cirúrgicas; os ensinos realizados; as dificuldades na realização de
atividades básicas de vida diárias (ABVD’s); a alteração da autoimagem; os sentimentos
percecionados no momento da alta clínica; a gestão da dor. No que confere às
“Vivências da pessoa com queimadura no domicílio” foram identificados quatro temas
centrais: a adaptação no domicílio; o processo de reabilitação; os cuidados com a
queimadura; os sentimentos percecionados pela alteração da autoimagem.
92
ao sexo, à idade, à raça, ao estado civil, às habilitações literárias, à profissão e ao tempo
decorrido após a queimadura.
93
distrito de Viseu e um no distrito de Lisboa. Por último, o tempo decorrido após a
queimadura oscila entre 1 ano até aos 10 anos.
94
3.2.1. Caracterização do acidente
A caracterização do acidente foi considerada como significativa uma vez que, todos os
participantes iniciaram os seus testemunhos através da caracterização e descrição do
acidente. Como se pode observar de seguida, houve descrições mais exaustivas que
outras, sugere-se que um dos motivos se encontre relacionado com complexidade do
acidente.
95
esguichou-o para cima do fogo. Passei por diante dele e o fogo apanhou-me.
Estive ainda algum tempo a arder. A minha primeira reação foi fugir. Enquanto
estava a correr acabei por cair. Quando me levantei arranquei a minha roupa e as
pessoas acudiram-me deitando água em cima de mim até apagar as chamas. Podia
ter feito algo mais acertado como: deitar-me ao chão ou agarrar numa manta para
apagar o fogo, mas, em alturas de perigo tomamos decisões menos acertadas (…)
Nessa altura vi toda a minha vida a passar-me a frente.
96
Etiologia da queimadura
A queimadura causada pelo fogo afetou três participantes. Dois dos participantes
sofreram a queimadura no exterior. Por outras palavras, um dos participantes estava a
queimar papéis num latão com diluente e o outro encontrava-se num festival de verão,
tendo sido atingido pelo fogo. Um dos três participantes sofreu uma queimadura por
fogo em contexto domiciliar durante a confeção de alimentos. De seguida são
apresentados os excertos dos participantes que sofreram uma queimadura causada pelo
fogo.
97
Relativamente as queimaduras elétricas, como podemos observar pelo relato seguinte,
um dos participantes sofreu um acidente de trabalho causado por queimaduras elétricas
de 2º e 3º grau.
Localização da Queimadura
98
Figura 4 – Organograma descritivo do subtema: localização da queimadura.
De referir que, seis participantes foram atingidos pela queimadura em dois ou mais
locais anatómicos, como se pode compreender pelos relatos abaixo transcritos.
P1: (…) As partes do meu corpo que foram atingidas foram o pescoço e os braços,
principalmente o esquerdo. A queimadura do pescoço por estar perto da traqueia
causou-me muita preocupação, a mim e aos profissionais de saúde.
P2: Queimei a perna, o braço e a mão esquerda.
P3: Queimei toda a região abdominal, tórax anterior, membros superiores, mãos e
parte do rosto. A superfície corporal queimada foi de 40%.
P4: Queimei a mão, o braço e a perna direita.
P5: Queimei o pé e a mão esquerda.
P6: Queimei-me da barriga para baixo e tive que ser internada numa unidade
especializada em queimaduras.
P7: (…) virei a frigideira para cima do braço e aconteceu…. Queimei o braço
todo!
P8: (…) só após duas horas é que me disseram que as queimaduras eram de
segundo e de terceiro grau nas pernas e de primeiro grau na barriga.
As queimaduras localizadas nas seguintes áreas do corpo: face, pescoço, tórax, períneo,
mãos e pés, são consideradas com um nível elevado de gravidade independentemente da
classificação e da SCQ (Norma nº 022/2012). Concomitantemente, depreende-se que os
participantes do estudo apresentam queimaduras de elevada gravidade.
Ainda, quatro participantes foram atingidos pela queimadura na face e/ou nas mãos, ou
seja, em zonas visíveis. Para além de ser um fator de gravidade, pode despoletar
dificuldades de adaptação, sintomatologia ansiosa e depressiva, pelo que se torna
fundamental o acompanhamento e o apoio psicológico nestas pessoas (Wiechman et al.,
2001, citados por Martins, 2013).
99
3.2.2. Experiência vivida pela pessoa com queimadura no internamento hospitalar
Figura 5 – Organograma descritivo do tema central: experiência vivida pela pessoa com
queimadura no internamento hospitalar.
100
Satisfação com os profissionais de saúde
Ao refletir sobre os relatos que se seguem verifica-se que, os participantes fazem alusão
aos diversos profissionais de saúde que os acompanharam, tais como: os Enfermeiros,
os Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação, os Médicos, os
Psicólogos e os Assistentes Sociais.
Apenas um participante verbalizou não ter sido acompanhado da maneira que desejava.
Como se pode observar pelo relato que se segue, o participante referiu ter sofrido uma
complicação no seu quadro clínico ao longo do internamento pelo que, vivenciou o
101
internamento com uma diferente carga emocional, verbalizando sentir-se sozinho e
desprezado.
P2: No internamento a minha experiência não foi positiva visto que, desencadeei
um quadro de infeção no braço queimado. Durante quatro dias ninguém veio ver o
penso. Tive que ralhar com eles, sentia-me sozinha e desprezada aqui no
hospital… só queria que me fizessem o penso todos os dias porque estava muito
preocupada com a infeção. Foi preciso eu ralhar e reclamar…. Enfim, queria ter
sido acompanhada de outra maneira (Suspiro).
Ao analisar a literatura, no estudo efetuado por Moi e Gjengedal (2014) os participantes
atribuíram importância ao papel desempenhado pelos profissionais de saúde, no que
confere à preparação da família para o regresso ao domicílio. Do mesmo modo, os
resultados do estudo efetuado por Carlucci et al. (2007) revelam que, ao longo do
internamento hospitalar, o apoio dado pela família e pelos profissionais de saúde foi
considerado importante para a maioria dos participantes. Ainda, acrescenta-se que a
falta de apoio por parte da família foi considerada como um fator dificultador da
vivência. Quanto à equipa de Enfermagem, o estudo desenvolvido por Yuxiang et al.
(2014) revelou que os participantes consideraram os Enfermeiros como fontes de
carinho, de apoio e de gentiliza.
102
Através dos excertos apresentados seguidamente compreende-se que cinco participantes
do estudo ao relatarem a sua vivência no internamento hospitalar consideraram com
significativo a realização de intervenções de Enfermagem de Reabilitação. Para além
disso, pode-se observar em alguns dos relatos o enfoque dado ao Enfermeiro
Especialista em Enfermagem de Reabilitação face aos cuidados de reabilitação.
A literatura sugere que se dê início aos programas de reabilitação logo no primeiro dia
de internamento, porém observa-se que três participantes referiram não ter tido acesso a
intervenções de Enfermagem de Reabilitação e um dos participantes referiu ter-lhe sido
dito que teria que iniciar programas de reabilitação após a alta clínica.
P3: A outra cirurgia que me marcou foi quando fui submetido a uma intervenção
cirúrgica para separar os dedos de uma das minhas mãos. Sem dúvida que se não
103
tivesse realizado essa intervenção não conseguiria fazer praticamente nada com a
mão.
Ainda, da analise dos relatos compreende-se que vários participantes tiveram que ser
submetidos a mais que uma intervenção cirúrgica, ou por inviabilidade dos enxertos
ou pela extensão da queimadura. A literatura, refere que os programas de reabilitação
devem ser mais cautelosos nos primeiros vinte dias após a intervenção cirúrgica para
colocação de enxertos cutâneos, para prevenir a inviabilidade dos mesmos (Andrade &
Cunha, 2010).
P1: Recordo que, a minha mão foi enxertada e, disseram-me que durante quatro
dias não a podia mexer. Mas após esses dias sabia que tinha muito que trabalhar.
P4: Durante o internamento fui submetida a uma cirurgia plástica uma vez que,
sofri uma queimadura por óleo e a queimadura estava a afundar cada vez mais.
Lembro-me que a dada altura os profissionais pensarão que a minha mão não
tinha solução e teria que ser amputada, mas felizmente não aconteceu.
P5: Após o segundo internamento voltei a ser transferido para a unidade
especializada em queimaduras para ser submetido a uma cirurgia para colocação
de enxertos cutâneos. O primeiro enxerto que fiz não pegou e por isso tive de
voltar a fazer outro.
P7: No internamento fiz uma cirurgia para colocação de enxertos cutâneos.
Retiraram-me a pele toda da perna para a colocar no braço. Fizeram-me várias
“costuras” e ainda hoje são visíveis essas marcas.
P8: No primeiro mês estava anestesiada e sobre o efeito da morfina. Fui internada
durante 3 meses numa unidade especializada em queimaduras. Ao longo do
internamento fui submetida a cinco intervenções cirúrgicas para colocação de
enxertos cutâneos.
P4: Ainda, mais adiante voltei a fazer outra cirurgia para corrigir a parte estética.
Neste sentido, o estudo realizado por Arruda, Braide e Nations (2014) procurou analisar
o principal motivo que norteou a decisão dos participantes em se submeterem a uma
intervenção cirúrgica. Da análise da informação, constata-se que os participantes
desejavam melhorar a própria autoestima e aprovação social através da correção
cirúrgica.
104
colocação de enxertos cutâneos nos braços, na qual retiraram a pele dadora das
minhas pernas. Recordo-me particularmente dessa porque tive muita dor no pós-
operatório.
P4: Quando fiz a cirurgia para colocação dos enxertos cutâneos tive dores
insuportáveis (…)
P5: A dor após a operação foi a pior que já tinha sentido.
P7: Todas as vezes que me faziam os curativos davam-me a anestesia local, porque
tinha muitas dores.
P8: Tive dores horríveis!
Ensinos realizados
105
Ao refletir sobre os relatos face aos ensinos sobre cuidados de reabilitação,
compreende-se que os participantes valorizaram os ensinos sobre os posicionamentos
terapêuticos e os exercícios terapêuticos. Relativamente às técnicas de
posicionamento, estas devem ser executadas o mais precocemente possível, para
garantir o sucesso da reabilitação. Na fase aguda da reabilitação, verifica-se a presença
de edema exacerbado principalmente ao nível das extremidades. Por consequência, o
programa de reabilitação deve incidir em posicionamentos terapêuticos capazes de
reduzir o edema, preservando o alinhamento corporal e evitando posições propícias ao
desenvolvimento de contraturas (COBIS, 2009; Procter, 2010).
A pessoa com queimadura deve manter os programas de reabilitação após a alta clínica
uma vez que, com o passar de algumas semanas esses ganhos podem dissipar-se devido
às forças de tensão da cicatriz (Procter, 2010). Deste modo, a realização de ensinos é
fundamental para que a pessoa adquira conhecimentos e capacidades para poder dar
continuidade aos programas de reabilitação no domicílio.
106
evitar a exposição solar e sequelas da queimadura – ainda, um participante referiu
como significativo os ensinos sobre o manuseamento do vestuário compressivo. Neste
sentido, os resultados do estudo realizado por McGarry et al. (2014) sugerem que, após
a tomada de conhecimento sobre a necessidade a utilizar vestuário compressivo, os
participantes descrevem ter experienciado sentimentos de deceção, uma vez que
consideram que esta modalidade terapêutica seria impeditiva de realizarem as atividades
do seu quotidiano. No entanto, alguns participantes referem ter encontrado algum
“conforto” no vestuário compressivo, por encobrir a queimadura.
P2: Avisaram-me para nunca tocar ou mexer nos pensos. Ainda, ensinaram-me
como deveria colocar o creme na região queimada e os cuidados a ter em casa
com a queimadura. Lembro-me que, fui alertada desde o início que iria ficar com
cicatrizes para o resto da minha vida.
P7: Ensinaram-me os principais cuidados a ter com a queimadura: hidratar muito
bem a queimadura com creme gordo, tomar medicação para diminuir a comichão
(inicialmente tinha muita comichão), usar só roupa de algodão e evitar a
exposição solar.
P8: Ainda, ensinaram-me sobre os cuidados a ter com zonas queimadas. Por
exemplo: a importância de manter a pele hidratada; evitar a exposição solar; ter
cuidado para não andar as “pancadas” com as pernas; como manusear e utilizar
o fato compressivo.
Em relação aos ensinos sobre a reintegração social, a literatura sugere que é frequente
que o doente queimado percecione sentimentos de singularidade relativamente ao meio
social a que pertence, por outras palavras, sente que é a única pessoa que sofreu este
tipo de lesão (Procter, 2010). Por consequência os profissionais de saúde devem
preparar conjuntamente com o doente e a sua família o regresso à sociedade. Deste
modo, ao analisar os relatos, um participante referiu que a equipa de Enfermagem
proporcionou e ensinou-lhe estratégias para interagir com as pessoas após a alta clínica.
Um participante referiu no seu relato que durante o internamento hospitalar não lhe
foram proporcionados ensinos apenas lhe foi dito que poderia optar por realizar
programas de reabilitação após a alta clínica. De salientar que, como se pode verificar
pelo excerto seguinte, o participante refere não ter sido informado quanto as sequelas e
complicações derivadas da queimadura.
107
Em síntese, a pessoa com queimadura deve assumir um papel ativo no processo de
reabilitação. No entanto, a equipa de Enfermagem deve ser responsável por criar a
ligação e o envolvimento da família como parceira de cuidados, a fim de potenciar os
ganhos funcionais e consequente autonomia. Os ensinos, para além de serem dirigidos à
pessoa com queimadura, devem também ser efetuados à família ou cuidador informal.
Estes devem ser ensinados, orientados, instruídos e treinados para dar continuidade ao
programa de reabilitação no domicílio (Carvalho, 2013; Gomes, 2014).
P1: Davam-me banho, porque eu não conseguia devido a mão esquerda. Estava
muito debilitada e ainda por cima tinha os pensos que não facilitavam as coisas.
Não conseguia estar em pé sequer para tomar banho sozinha…!
P3: No internamento lembro-me que a uma dada altura me deram carapau para
comer, mas não o conseguia comer devido as limitações da minha mão… não
houve ninguém que me ajudasse, os Enfermeiros diziam-me que tinha de conseguir
sozinho. Ainda, recordo-me que tomava “banho à gato” com muita dificuldade e
ia a balneoterapia em dias alternados. Era tudo tão difícil! No hospital andava
muitas vezes em tronco nu devido as queimaduras e não tinha a noção do quanto
seria difícil para mim vestir e despir-me.
P6: Durante o internamento não conseguia andar, devido aos pensos e as dores.
Em relação a alimentação, todos os alimentos deixavam-me nauseada, parecia que
tinha enjoado toda a comida. Não conseguia comer! Lembro-me que, uma
Enfermeira, muito querida, falou com a minha filha e pediu-lhe para trazer um
miminho de fora para eu comer. Só o cheiro da comida do hospital era
insuportável.
108
Alteração da autoimagem
P3: As minhas mãos estavam em carne viva, isso foi das coisas que mais me
marcaram! (Suspiro).
P6: Lembro-me que, a parte que me custou mais foi: no dia em que a Enfermeira
destapou os pensos pela primeira vez. Fiquei tão traumatizada! Não reconheci as
minhas pernas, estavam muito emagrecidas, cheias de escamas e abanavam todas!
Do mesmo modo, no estudo realizado por Arruda et al. (2014), os resultados sugerem
que o olhar e o toque sobre e região queimada são descritos como uma experiencia
difícil de esquecer e ultrapassar. As alterações da imagem corporal despoletaram
sentimentos negativos relacionados com a autoimagem.
Ainda, os resultados do estudo realizado por McGarry et al. (2014) referem que a
alteração da imagem corporal, mais precisamente o olhar e o toque sobre a pele
queimada, foi descrita pelos participantes como incomodativa, visto que a região
queimada possuía características diferentes da pele circundante. O toque e a massagem
sobre a região queimada foram evitados por vários participantes.
Neste sentido, Pinto et al. (2010) mencionam, no seu estudo, que após questionarem os
participantes sobre as alterações da maneira de ser depois do acidente, constataram-se
alterações ao nível do humor, do comportamento e da imagem corporal. O processo de
consciencialização das alterações comportamentais e da alteração da imagem corporal
iniciou-se logo após acidente e tornou-se mais marcado com o transcorrer do tempo.
O momento da alta clínica é considerado na literatura como uma situação que despoleta
um grande impacto psicológico, na pessoa com queimadura. Pois, nesse momento
109
verifica-se um processo de tomada de consciência em que a queimadura é absorvida
como uma realidade que vai deixar uma marca para sempre. Após a tomada de
consciência, a pessoa pode-se deixar levar por sentimentos depressivos, raiva,
ansiedade, perda de identidade e diminuição da funcionalidade. De referir que, a nível
pediátrico, estes sentimentos podem-se camuflar e transformar-se em atrasos no
desenvolvimento e numa temporária dependência dos progenitores (Procter, 2010).
P3: Eu até chorei no momento em que me disseram que ia ser transferido para
outro hospital! Tinha um quarto só para mim, tinha tudo… boas condições de
segurança, sabia que o meu quarto era todos os dias desinfetado com álcool e
outros produtos… e sabia que ia ser transferido para um hospital que não me
oferecia as mesmas condições.
110
P5: Quando tomei conhecimento que ia ter alta clínica não fiquei muito contente,
pois achava que precisava de recuperar mais. Vim para casa numa cadeira de
rodas, porque não podia andar com a muleta devido a mão queimada.
P6: Num dos dias que fui a balneoterapia, a Enfermeira disse-me que podia voltar
para casa. Foi um choque! Ainda estava cheia de ligaduras, sem conseguir mexer
bem as pernas e com a morfina. Nesse momento não queria ir, lembro-me que só
dizia “Já? Já? Já?”
P8: Ensinaram-me várias coisas e deram-me as dicas necessárias para cuidar de
mim em casa, mas mesmo assim, nem eu nem os meus familiares nos sentimos
preparados para voltar para casa. Sentíamos medo, porque aqui tínhamos o
acompanhamento necessário e em casa tínhamos que ser nos a tratar de tudo. Mas
que remédio, tivemos que conseguir!
P7: Estava muito ansiosa para ter alta clínica, devido ao sofrimento que sentia
causado pelas colheitas de sangue diárias.
Neste sentido, o estudo efetuado por Carlucci et al. (2007), que pretendeu analisar os
sentimentos experienciados por 31 participantes no internamento hospitalar, sugere que
a maioria dos participantes relatou como significativo: o choro, a tristeza, a revolta, o
remorso, a solidão e a saudade. Para além destes, o medo e ansiedade foi experienciado
por catorze participantes.
P1: No momento da alta, tive medo porque ia ser transferida para outro hospital
que não era especializado em queimaduras. Fui eu que pedi para ir para um
hospital mais perto de minha casa, mas foi a pior coisa que eu fiz. A serio que foi!
(Suspiro e Pausa).
O estudo efetuado por Pinto et al. (2010) vem a acrescentar que, o acidente provoca
alterações de humor, ou seja, modifica o estado emocional e afetivo da pessoa. Ao nível
111
dos sentimentos percecionados, a tristeza assume-se como o sentimento dominante. A
tristeza também se encontrou associada ao medo da alteração da imagem corporal e da
funcionalidade. A revolta e a irritabilidade foram referenciadas como sentimentos
percecionados após o acidente.
P2: Sim sentia-me preparada. Sempre tive muita coragem, para enfrentar
situações difíceis.
P4: Quando regressei a casa tanto eu como os meus pais sentíamo-nos
preparados. Ensinaram-nos diferentes exercícios de reabilitação para fazer em
casa a fim de não ficar tão afetada.
Gestão da Dor
Na fase aguda da reabilitação, o alívio da dor deve ser constante atendendo à presença
da dor de fundo, da dor processual e da dor de rutura (EBA, 2013). A gestão da dor foi
considerada como significativa para seis participantes. Como se pode observar pelo
trâmite dos excertos, os participantes revelam que a dor de fundo e a dor processual
não foram geridas de modo eficaz.
P1: Este “ronga, ronga” que sentia nos locais da queimadura não passava!
P4: Quando fiz a cirurgia para colocação dos enxertos cutâneos tive dores
insuportáveis, “as compressas agarravam-se a pele, aí sim, tive muitas dores”.
P6: Da primeira vez não me custou muito fazer o tratamento, fiz com anestesia
local. Lembro-me que, faziam-me os tratamentos e os pensos na cama. Nas sessões
seguintes de tratamento foi muito doloroso! Estava a fazer morfina, mas mesmo
assim tinha dores. Só pensava que ia morrer! O meu corpo estava muito queimado,
com queimaduras de 2 grau, foi mesmo muito doloroso! A dor foi o pior e
nenhuma anestesia estava a fazer-me efeito…. Relembro que, a dada altura a
112
médica iniciou a aplicar-me diversas pomadas nas regiões queimadas. Nesse
momento senti que entrei no meio de um ciclo de fogo. Considero-me uma pessoa
muito forte e tentei aguentar-me, mas houve momentos em que pensei que fosse
desmaiar.
P7: Durante o internamento o que mais me causava transtorno e dor eram as
colheitas de sangue diárias. Foi uma doença para mim! Todas as vezes que me
faziam os curativos davam-me a anestesia local. Isso mexeu muito comigo,
principalmente com a minha cabeça.
P8: Tive dores horríveis…
No estudo efetuado por Carlucci et al. (2007), com 31 participantes, pode-se verificar
que, a experiência relacionada com a sensação de dor foi considerada como significativa
para 26 participantes. Mais precisamente, a situações de dor encontravam-se
diretamente relacionadas com a execução de procedimentos, tais como: os cuidados de
higiene e conforto, os tratamentos as regiões queimadas e com a própria dor derivada da
queimadura.
O estudo realizado por Yuxiang et al. (2012) vem acrescentar que a dor experienciada
pelos participantes, nas sessões de tratamento às regiões queimadas, suscitou nos
participantes alterações ao nível do humor, do padrão de sono, do apetite e aumento dos
níveis de ansiedade.
P6: Cheguei a um ponto em que disse aos médicos que já não queria mais
tratamentos.
Para além disso, um participante referiu como um obstáculo nas sessões de reabilitação,
a dor causada pelas regiões dadoras dos enxertos cutâneos.
P3: Quando comecei a deambular sentia muita dor nas zonas dadoras (pernas) e
isso foi mais um obstáculo.
113
Do mesmo modo, no estudo efetuado por Yuxiang et al. (2012), os participantes
associaram à dor uma maior renitência para a execução de sessões de fisioterapia.
Concomitantemente, se ocorrer uma gestão e controlo inadequado da dor verificar-se-á
o despoletar de processos de não adesão aos programas de reabilitação, seja a curto
como a longo prazo (Procter, 2010).
114
Neste sentido, foram identificados quatro temas centrais: a adaptação no domicílio; o
processo de reabilitação; os cuidados com a queimadura; os sentimentos percecionados
pela alteração da autoimagem. Relativamente a cada tema central foram identificados
diversos subtemas, mais precisamente para a adaptação ao domicílio foram
reconhecidos três subtemas – dificuldades percecionadas no domicílio, estratégias
utilizadas e a relação com a família – no que confere ao processo de reabilitação os seis
subtemas identificados cingiram-se – a importância da recuperação funcional, a
realização de intervenções de reabilitação no domicílio, a dor, as implicações escolares
e laborais, ao acompanhamento pelos profissionais de saúde e a falta de apoios. Ao tema
central representativo dos cuidados com a queimadura delinearam-se quatro subtemas –
as adaptações do vestuário, a hidratação cutânea, a sensibilidade à exposição solar e a
utilização de vestuário compressivo. Por último, face ao tema central sobre os
sentimentos percecionados pela alteração da autoimagem emergem oito subtemas – a
perda, a tristeza, o medo, o desânimo, o desespero, a revolta, o estigma social e a
adaptação à mudança.
A adaptação no domicílio assume-se como tema central, dado que engloba o conjunto
de subtemas relacionados com o regresso a casa dos participantes, mais especificamente
– as dificuldades percecionadas no domicílio, as estratégias utilizadas e a relação com a
família.
P1: Vestir uma camisola, Deus me livre! Vou fazendo as coisas do dia-a-dia, mas,
com alguma dificuldade.
115
P2: As principais dificuldades que senti quando regressei a casa foi não conseguir
lavar-me, vestir e despir-me sozinha.
P3: Em casa tinha a minha esposa para me ajudar, se não fosse ela não conseguia
tomar banho, vestir-me, despir-me, levar os alimentos a boca, cortar os alimentos
e realizar as tarefas do dia-a-dia que envolvessem o uso dos braços e mãos.
P4: No início não conseguia vestir-me, tomar banho e comer (…)
P5: Quando voltei a casa, os primeiros dois meses foram os mais difíceis, nos
quais precisei de mais ajuda. As minhas principais dificuldades cingiram-se ao
conseguir tomar banho, ao caminhar, ao vestir-me e ao despir-me de forma
autónoma. Para deambular usava a canadiana de um lado e do outro lado tinha o
apoio da minha esposa. Precisei de ajuda para me calçar. Descer escadas custava-
me muito. O mais difícil para mim foi o facto de não conseguir fazer as coisas
sozinho e precisar de ajuda, isso é que foi mais difícil.
P6: As minhas principais dificuldades foram conseguir lavar-me, ir a casa de
banho, vestir-me, calçar-me e custava-me muito andar. No início usei o andarilho
para andar. Com as canadianas desequilibrava-me muito facilmente. Andei
bastante tempo com o andarilho, achava-o mais seguro. Depois, pouco a pouco
comecei a andar sozinha, mas ainda me custa dobrar o joelho.
P7: Quando voltei para casa não podia fazer nada com o braço queimado, tudo o
que fazia era com o braço saudável. Enquanto tinha os pensos não conseguia
dobrar o braço e levá-lo para trás da cabeça. Estive mais de um mês em casa com
estas limitações. Uma grande dificuldade que tenho é não conseguir calçar-me,
preciso da ajuda do meu marido. Após três meses já conseguia vestir-me, lavar-me
e comer. Contudo, no banho ainda preciso da ajuda do meu marido para lavar a
parte de trás do meu corpo porque não consigo fazer os movimentos necessários.
Quando me vou deitar e deito-me sobre o lado queimado, faz-me muita diferença e
causa-me desconforto.
P8: As principais dificuldades que tive foram: vestir-me sozinha, porque não me
conseguia dobrar; não conseguia tomar banho no chuveiro, por consequência
lavava-me a gato como fazia no hospital. Para deambular usava as canadianas.
Andei ainda muito tempo de canadianas. (Suspiro) Um dos pés não o consigo
apoiar no chão completamente, ficou deformado, sem elasticidade na zona do
tendão de aquiles.
116
vestuário, alimentação e locomoção. A transferência não foi referida como uma
atividade que suscitou dificuldades para os participantes.
O estudo realizado por Assis (2011) corrobora a informação anterior, ao explicitar que
as alterações físicas decorrentes da queimadura são associadas há alterações nos níveis
dependência para a realização das AVD’s, trabalho e lazer.
P3: (…) quero fechar a mão direita e sinto que a pele esta toda apanhada, o que
não me deixa fechar a mão. Os movimentos que consigo fazer também são muito
poucos, praticamente 50% das minhas capacidades desapareceram. Ainda, na
cama basta querer-me virar e noto logo que a pele não tem a mesma
elasticidade…
P4: (…) não conseguia escrever e realizar tarefas que implicassem o uso da mão.
P5: O meu pé não mexe praticamente, não consigo levanta-lo para cima e perdi a
sensibilidade.
De acordo com o exposto, após o regresso a casa a pessoa é confrontada com alterações
ao nível da funcionalidade, verificando-se alterações associadas à incapacidade de
117
desempenhar determinadas tarefas. Este acontecimento compromete a vida diária da
família, uma vez que ocorrem modificações na dinâmica familiar, no que confere ao
desempenho de papéis assumidos por cada elemento. O quotidiano da pessoa encontra-
se alterado pela impossibilidade de executar tarefas do próprio dia-a-dia e, ainda, pela
impossibilidade de desempenhar a atividade profissional realizada antes do acidente
(Pinto et al., 2010).
Estratégias utilizadas
P1: No início era a minha filha que me vestia porque com a mão queimada não
conseguia.
P2: Acabei por encontrar as minhas próprias estratégias, agarrei-me a deus e
adaptei-me as minhas limitações. Quem me ajudou foi o meu marido. Encontrei
uma maneira de conseguir cozinhar, por exemplo usando a outra mão. Tive que
ensinar ao meu marido a fazer determinadas tarefas que antes era eu que
desempenhava. Tenho feito a minha vida, mas de forma diferente.
P3: A minha esposa teve que assumir o meu trabalho em casa e o dela, ela tinha
que fazer praticamente tudo.
P5: Vou fazendo o que posso, o que não puder alguém o vai fazer, tive que
arranjar as minhas estratégias. A minha esposa e o meu filho foram ajudas
essenciais. Nos primeiros tempos era a minha esposa que me dava banho.
P6: Foi complicado em casa! Vivo sozinha. A minha filha ficou comigo na
primeira semana após regressar do hospital. A minha nora e a minha mãe também
virão ajudar-me.
P7: Para tomar banho, vestir, despir-me o meu marido tinha que me ajudar. Para
realizar determinadas tarefas as pessoas tinham que colocar as coisas a jeito, ou
seja, perto de mim. Por exemplo: não tinha força suficiente na mão para agarrar
numa panela e coloca-la no fogão. Nessa situação o meu marido tinha que colocar
e retirar a panela do fogão e depois eu ficava a tomar conta da comida. Na altura
ninguém nos tinha ensinado estratégias pelo que, ele fazia as coisas da forma que
mais jeito lhe dava.
118
Nos primeiros meses após o regresso a casa, ressalva-se que os participantes adotaram
como estratégia e/ou necessidade a mudança de papéis, sendo que o familiar
significativo assume um papel de substituição ou de auxílio na realização das mais
variadas atividades.
Um aspeto relevante referido por dois participantes é o facto de não terem sido
efetuados ensinos no internamento hospitalar sobre estratégias adaptativas para o
domicílio. Neste sentido, Pinto et al. (2008) acrescentam que o Enfermeiro deve
proceder a calendarização de encontros periódicos com a equipa multidisciplinar para
que seja possível delinear estratégias de adaptação, facilitar a expressão de sentimentos,
dificuldades e vivências da pessoa com queimadura e da sua família.
A relação com a família foi descrita por cinco participantes como sendo “a essência da
minha recuperação”, “a fonte de apoio e força”, “sofrimento mútuo”. Quatro
participantes referiram como significativo o sofrimento pelo qual a própria família teve
de passar, causando nos participantes maior sofrimento. Um participante mencionou
que a relação com os seus progenitores e amigos se tornou mais forte, despoletando um
processo de maior aproximação.
119
P1: Para a minha filha também foi uma altura complicada. Não foi fácil para ela
conciliar a sua vida para me acompanhar as consultas.
P4: Tentei não me ir abaixo, tinha sempre os meus pais a darem-me força. Foram
a Essência na minha recuperação! (Choro) …. Custou-me a aguentar o facto de
que, para além do meu sofrimento os meus pais estavam a sofrer também. Eles
tiveram que mudar a própria vida para me acompanharem durantes todos estes
anos. Tentava nunca deitar uma lagrima diante dos meus pais, mas não foi fácil…
P5: A minha esposa sofreu muito também, toda a minha família sofreu. Tivemos
que nos adaptar a esta mudança, lutar por nos próprios, pela família e, acima de
tudo olhar em frente!
P6: Os meus pais vivem ao meu lado. A minha mãe tinha sido operada há muito
pouco tempo. O facto de eu saber que a minha mãe não podia fazer esforços
devido à cirurgia, e que mesmo assim andou a cuidar de mim e a levantar-se
durante a noite, mexeu muito comigo. Sabia que eles precisavam de mim, mas não
os podia ajudar, foi assim um bocadinho… (Suspiros e Choro).
P8: Em casa foram os meus pais que me ajudaram. No entanto, tentava fazer o
máximo possível sozinha, de forma autónoma, queria mesmo voltar a ganhar
forças! Mas nem sempre era possível fazer tudo por mim… (Pausa). Os meus pais
e amigos foram a minha fonte de apoio e força. O acidente aumentou e melhorou a
relação com os meus pais, tornou-a mais forte e aproximamo-nos muito.
Neste contexto, os resultados do estudo efetuado por Carlucci et al. (2007) revelam que
os participantes expressaram nos seus relatos uma mudança ao nível relacional (família
e amigos), por outras palavras principiaram a valorizar mais a vida decorrente da
aproximação e do aumento da atenção dada pelos seus entes queridos. No estudo
realizado por Pinto et al. (2008), ao analisar a reação da família perante o acidente por
queimadura, verificam-se oscilações – positivas, negativas e ambivalentes – de acordo
com o tempo decorrido após o acidente. Contudo, observa-se que com o decorrer do
tempo prevalecem as reações positivas na família, manifestadas através do apoio, da
proximidade e da aceitação.
Ainda, o estudo realizado por Pinto et al. (2010) acrescenta que a relação com os outros
sofre alterações. Ao nível do núcleo familiar, apura-se a presença de uma aproximação,
a qual pode-se dever ao aumento do nível de dependência da pessoa com queimadura.
Na pessoa adulta, o cônjuge assume um papel vinculativo de relevo devido à partilha de
um relacionamento afetivo. Assim, os relatos dos participantes fomentam que a pessoa
que lhes deu maior suporte e apoio foi o cônjuge. A fonte seguinte de apoio e suporte
foram os filhos, sendo que às restantes pessoas é-lhes conferido um papel mais distante.
Ao nível das relações de amizade, os participantes referem que há oscilações com o
passar do tempo. Nos primeiros 2 meses verifica-se uma maior aproximação e apoio que
progressivamente desvanece. Um ano após a queimadura ocorre um reconhecimento das
120
relações de verdadeira amizade. A pessoa reconhece os verdadeiros amigos, os que
sempre estiveram presentes e a apoiaram de modo incondicional. Também, o estudo
efetuado por Moi e Gjengedal (2014) sugere que a ajuda e o apoio dado pela família
fortaleceram as relações e os laços familiares, suscitando nos participantes sentimentos
de profunda gratidão.
121
Figura 11 – Organograma descritivo do tema central: processo de reabilitação.
No que confere aos ganhos que os programas de recuperação funcional trouxeram aos
participantes, através da análise das unidades naturais de significado, os mesmos
relataram observar melhorias na ADM, na força muscular e para um participante
significou um recurso fundamental para adesão ao programa de reabilitação – (…)
se tivesse que o fazer sozinho não o faria (…). Ainda, um participante fez referência a
gestão do processo cicatricial, descreve que com as intervenções de reabilitação não
constatou alterações – as cicatrizes mantinham-se iguais.
122
como abrir e fechar a mão, fazer flexão e extensão dos dedos da mão, se tivesse
que o fazer sozinho não o faria devido a dor intensa que despoletavam esses
movimentos.
P4: Considero ter sido bem acompanhada. Lembro-me que no início não
conseguia dobrar o braço e passado uns tempos já conseguia dobra-lo, mas não
estica-lo. E chegou a um ponto em que não o conseguia esticar nem dobrar. As
sessões de fisioterapia foram fundamentais para recuperar a força muscular e a
amplitude dos movimentos da mão e do braço.
P7: Após uns meses, na consulta de queimados e reencaminharam-me para fazer
fisioterapia. Fiz quinze sessões de fisioterapia. Lembro-me que me colocavam
Biafine e faziam-me massagens no braço e na mão. Lembro-me de usar uma toalha
ou uma bola para fazer os vários movimentos com o braço queimado. No início,
não conseguia movimentar o punho para trás e para isso fiz muitos exercícios com
a bola. Depois para reabilitar os dedos deram-me uma espécie de pinça para
apertar. Notei melhorias na amplitude dos movimentos, mas as cicatrizes
mantinham-se iguais.
P8: Inicialmente pensou-se em contratar um profissional de saúde para fazer-me
reabilitação em casa, mas não foi necessário. Passado uns meses iniciei as sessões
de fisioterapia e tenho-me sentido bem acompanhada. Faço fisioterapia
praticamente todos os dias da semana e, ao fim-de-semana noto muita diferença
por não ter sessões. Por exemplo: ao fim de semana a minha vida é menos agitada
e noto que não consigo andar tão bem, sinto-me mais presa! Nesses momentos
sinto que estou a retroceder no tratamento.
A vida após uma lesão grave por queimadura pode exigir programas de reabilitação para
o resto da vida (Procter, 2010). A pessoa com queimadura fica marcada pela presença
de uma cicatriz permanente, que irá influenciar a ADM, reduzir a força muscular e
capacidade funcional. Ainda, os aspetos psicológicos e sociais que daí derivam afetam
de modo significativo a reintegração social (Hale et al., 2013).
123
observar-se que alguns participantes delinearam o próprio programa de reabilitação
no domicílio enquanto aguardavam ser reencaminhados para serviços de Medicina
Física e Reabilitação. Por outro lado, dois participantes referem ter realizado programas
de reabilitação no domicílio de forma autónoma apenas pondo em prática os ensinos
realizados ao longo do internamento, porém um deles expressou que gostaria de ter
sido reencaminhado para os serviços de Medicina Física e Reabilitação – Ninguém me
reencaminhou para os serviços de reabilitação, mas gostava de ter feito (…).
Dois participantes mencionam que para além dos programas de recuperação funcional,
realizaram um programa de exercícios de reabilitação no domicílio, afirmando que na
recuperação não são suficientes só as sessões de Medicina Física e Reabilitação –
Apesar de fazer fisioterapia, também tenho que fazer exercícios em casa, tem mesmo
que ser! Relativamente aos exercícios de reabilitação desempenhados no domicílio, um
participante refere que necessita do auxílio de outra pessoa para executar determinados
exercícios terapêuticos – (…) há exercícios que aprendi que não sou capaz de fazer sem
a ajuda de outra pessoa.
P1: Comecei a fazer eu mesma fisioterapia e reabilitação em casa visto que, tive
que esperar um mês por uma autorização do centro de saúde para poder iniciar a
fisioterapia. Fazia os exercícios que os profissionais me foram ensinando no
internamento do hospital especializado em queimaduras. Portanto, mesmo
pagando as sessões de fisioterapia tive que esperar um mês até começar! Nesse
mês regredi muito, porque o que eu fazia não era suficiente… (Pausa). Quando
faço fisioterapia em casa há exercícios que aprendi que não sou capaz de fazer
sem a ajuda de outra pessoa.
P2: Não fiz fisioterapia, fiz sozinha a minha própria reabilitação.
P6: Fazia alguma reabilitação em casa por iniciativa própria. Os Enfermeiros
ensinaram-me alguns exercícios no internamento. Por exemplo: ensinaram-me
exercícios para fazer reabilitação ao joelho. Tive muita força! Ninguém me
reencaminhou para os serviços de reabilitação, mas gostava de ter feito! Um
tempo depois, decidi inscrever-me nas aulas de ginástica (aulas de grupo) na
minha terra. As aulas ajudaram-me muito a recuperar os movimentos do meu
joelho e a melhorar as questões psicológicas. Há coisas que não consigo fazer,
mas as pessoas apoiam-me. Tudo isto ajudou a minha cabeça e aliviou muito o
stress!
P8: Apesar de fazer fisioterapia, também tenho que fazer exercícios em casa, tem
mesmo que ser!
124
Dor
No domicílio a presença de dor foi considerada relevante para três participantes. Neste
sentido, dois participantes referem percecionar dores intensas quando são confrontados
com a realização de ABVD’s – locomoção e vestuário. Um dos participantes utiliza a
expressão – sinto que as cicatrizes parecem uma eira de cascalho – para descrever a
textura da pele aquando o toque. A dor causada pelo vestuário foi considerada como
significativa para um participante – (…) nem aguento ter a roupa por cima da pele pois
causa-me muita dor e desconforto. Por outro lado, um outro participante mencionou
como relevante a dor percecionada após atividades de locomoção – os pés inchados,
esfolados e acima de tudo com muita dor – o mesmo refere que, para além das dores
intensas percecionadas verifica a presença de edema, acentuando-se na estação invernal.
125
processo difícil. Ainda, para um dos participantes houve necessidade de alterar a área
laboral em que exercia as suas funções. Contudo, os dois participantes, após a
ocorrência do acidente, estiveram afastados da atividade laboral por um período de
tempo significativo – Tive que deixar de trabalhar durante um ano e meio. O outro
participante encontra-se numa fase do processo de reabilitação mais precoce, uma vez
que ainda não regressou ao trabalho. Porém, é evidente a o desejo manifestado em
retomar as atividades laborais.
P1: O que espero é poder voltar a trabalhar em breve e, ser capaz de conduzir o
meu carro uma vez que, a mão que foi queimada é essencial para o fazer.
P5: Tive que deixar de trabalhar durante um ano e meio. Não foi fácil. (Suspiro).
Após um ano e meio voltei a trabalhar, mas noutra área. Sempre fui uma pessoa
muita ativa, habituada a trabalhar e de repente dei por mim em casa. No trabalho
também me causa algum fastio a queimadura da mão, mas o que é que vou fazer?
Tenho que fazer alguma coisa. No trabalho utilizo muito a mão queimada e tenho
que usar sempre a luva.
P6: Fui a junta médica pedir extensão da baixa e foi concedida. A minha patroa
foi impecável comigo, compreendia as minhas dificuldades. Quando voltei para o
trabalho ainda não estava totalmente recuperada, mas já não tive prorrogação da
baixa. As funções que desempenho exigem que me ajoelhe e movimente, foi muito
complicado porque não o conseguia fazer.
Ainda, no estudo qualitativo realizado Oster, Kildal e Ekselius (2010) referido por EBA
(2013), as pessoas com queimadura expressam como barreiras – os sentimentos de
deceção sentindo-se incompreendidas, detentoras de pouca informação, mencionando
também a pouca compaixão por parte dos colegas de trabalho. O estudo de Mackey et
al. (2009) referido por EBA (2013) acrescenta que após o regresso ao trabalho, o doente
queimado pode-se sentir derrotado, sobrecarregado, afetado, inalterado ou mais forte.
126
EBA, 2013). Em média, aproximadamente 3 anos após a lesão as pessoas com
queimadura regressam ao trabalho. Todavia, o retorno ao trabalho caracteriza-se por
novas adaptações, especificamente a redução do horário de trabalho, a redução do
número de dias de trabalho ou até mesmo a mudança da função desempenhada. No
estudo efetuado por Moi e Gjengedal (2014) os participantes consideraram como
importante os seus empregadores proporcionarem opções flexíveis no que diz respeito
ao regresso ao trabalho.
P4: Quando fui para casa, retomei a escola e tentei ir ao maior número possível de
aulas, mas não consegui passar de ano. Foi muito complicado conseguir conciliar
a escola com a fisioterapia.
P8: Com o acidente acabei por perder um semestre inteiro de aulas e isso mexeu
comigo! Estava muito entusiasmada com este novo curso e perdi logo o primeiro
semestre fiquei mesmo em baixo e muito triste.
Neste sentido é evidente que a queimadura tem um impacto direto sobre o regresso à
escola. Mais precisamente, no estudo de Christiansen et al. (2007) citado por Bakker et
al. (2013), as crianças com queimaduras cuja média da SCQ foi 14% faltaram 38 dias as
atividades letivas. As crianças do sexo masculino e a idade mais avançada foram
considerados como os fatores de causalidade relacionados com o maior tempo para
regressar as atividades escolares.
127
descrito por seis participantes como – muito satisfatório, positivo, fonte de apoio e de
força.
P2: Continuei a ser seguida na consulta externa para utentes queimados e fui
acompanhada pelo centro de saúde da minha área de residência. Senti-me
satisfeita com o acompanhamento feito pela equipa do centro de saúde.
P3: Ao nível do acompanhamento por profissionais de saúde, tinha consultas de
três em três meses e estava satisfeito.
P4: Senti confiança nos profissionais. Sempre tivemos um bom acompanhamento
por parte dos profissionais.
P6: Senti-me bem, estava a ser acompanhada nas consultas. Em casa não tive
grandes dúvidas porque seguia os conselhos que me foram dados no internamento
e nas consultas.
P7: Ao longo das consultas sentia-me apoiada. Ainda, era seguida no centro de
saúde para fazer os curativos. No centro de saúde também me apoiaram e
reforçavam o que já me tinha sido dito nas consultas. Por exemplo: diziam-me
para evitar o sol; ter força que amanhã era um novo dia… senti que tinha sempre
alguém que me acompanhava e apoiava. A minha família e os profissionais de
saúde deram-me força e ajudaram-me.
P8: Como estive internada muito tempo e continuava a ser seguida nas consultas,
acabei por sentir-me muito apoiada pelos profissionais, não podia ter sido melhor,
sentia que estava em boas mãos.
128
Falta de apoios
Mais precisamente três participantes referem não lhes terem sido proporcionados apoios
para a aquisição de ajudas técnicas (vestuário compressivo) e cremes hidratantes,
elementos considerados na literatura como fundamentais no processo do cuidar da
queimadura. A falta de apoios simbolizou para os participantes um obstáculo na
aquisição do vestuário compressivo, provocando o adiamento da terapia compressiva, a
qual é considerada como importante na gestão do processo cicatricial da região
queimada.
P3: Não tive qualquer tipo de apoio. Gastei e continuo a gastar muito dinheiro em
cremes. Os boiões são muito caros e gastava mais que do que um por mês.
P6: Dá primeira vez que fui a consulta de queimados tiraram-me logo as medidas
para as meias elásticas; disseram que me iam chamar, mas até hoje ninguém me
disse mais nada. As pomadas e as meias não foram comparticipadas. Foi tudo do
meu bolso!
P7: Ao nível das ajudas técnicas, estou à espera de uma manga. Infelizmente soube
que o hospital já não as dá e tenho que ser eu a comprar. Informei-me quanto aos
preços das mangas e o que encontrei mais em conta foi quase 200 euros. Vejamos
eu com uma reforma de 300 euros como posso compra-la? Uma pessoa minha
amiga está a tentar angariar alguns fundos para me ajudar a comprar a manga.
Os cremes e tudo o resto foi sempre comprado a minha custa. Não é fácil
conseguir gerir todas estas despesas, sem ajuda!
P5: O seguro de trabalho não me ofereceu qualquer tipo de ajuda e não tive
apoios para fazer fisioterapia. Acabei por não fazer fisioterapia porque não tinha
recursos pessoais para o fazer. Queria ter tido acesso a fisioterapia, mas não tive.
129
Se tivesse feito fisioterapia e reabilitação teria melhorado bastante, mas onde
moro é tudo tão longe… era bom ter especialistas aqui perto, era mesmo muito
bom! Aqui não há nenhum especialista nesta área. O seguro de trabalho cortou-se
das suas obrigações. O meu filho queria desistir dos estudos para ir trabalhar
para nos ajudar. Quando uma pessoa tem um acidente de trabalho devia ter apoio
até ser necessário e eu não senti apoio após o internamento.
P1: Apoios? Que apoios… (Pausa). Não tenho nem tive apoios nenhuns. Quando
tinha que ir fazer os tratamentos e as sessões de fisioterapia era a minha filha que
me levava. Falei com diversas assistentes sociais para saber se pelo menos
poderia ter algum tipo de apoio no transporte. A resposta que recebi foi que não
me enquadrava nos requisitos. Para ter algum apoio deveria ser incapaz de mexer
as pernas.
Ainda, um participante refere ter tido apenas algum apoio por parte de um seguro de
saúde estrangeiro, mas a nível nacional não teve apoios para cuidar de si no domicílio.
P2: Não tive qualquer tipo de apoio. Quem me ajudou a pagar as contas foi a
minha seguradora francesa.
De acordo com a informação anterior, o estudo efetuado por Moi e Gjengedal (2014)
menciona que as preocupações relacionadas com o trabalho e com os recursos
económicos se iniciam durante o internamento hospitalar e continuam depois no
domicílio. Para além disso, os participantes mencionaram que a obtenção de ajudas
económicas vindas da sociedade foi percecionada e descrita como um processo muito
exigente e com demasiada burocracia associada.
Por outro lado, o estudo desenvolvido por Carvalho (2011b) reforça a importância do
apoio social e familiar. Assim, ao analisar o significado atribuído ao apoio da família e
da sociedade, os participantes expressam que a ajuda emocional, material e financeira
recebida promoveu o processo de autoaceitação, auxiliou a reorganização das tarefas do
dia-a-dia e ajudou a ultrapassar a crise vivenciada no meio familiar.
Adaptações do vestuário
A adaptação do vestuário foi descrita por três participantes como significativa. Para dois
participantes foi significativo utilizar roupas de algodão para proteger a região
queimada, evitando alterações no processo de cicatrização e minimizando a dor. Porém,
um participante referiu ter adaptado o vestuário para esconder a queimadura do olhar do
“outro”.
P4: Tive que adaptar o meu vestuário. Tinha que usar camisolas mais compridas e
casacos. Refugiei-me muito no vestuário. Tentava encobrir ao máximo as zonas
queimadas, para que ninguém as conseguisse ver evitando assim aqueles olhares
de pena (…)
P5: O calçado é outro obstáculo para mim, estou sempre a comprar botas novas.
Compro um par de botas e uso-as durante 15 dias e já tenho que as trocar porque
começam-me a doer. Tenho em casa muito calçado para deitar fora porque não
consigo usa-lo. Na mão queimada utilizo sempre uma luva para prevenir que a
pele rache.
131
P6: O meu vestuário sofreu alterações, comecei a vestir apenas roupas de algodão
e a usar meias elásticas.
Neste contexto, no estudo efetuado por Moi e Gjengedal (2014) a falta de compreensão
e simpatia do “outro” suscitou nos participantes a necessidade de recorrer a estratégias
adaptativas, como por exemplo a utilização do vestuário para esconder a região
queimada. Desta forma, os resultados mostram que uma atitude de compreensão
intuitiva da experiência vivida foi apreciada positivamente pelos participantes. O cuidar
por um Enfermeiro experiente em queimaduras foi considerado como promotor de uma
atitude de compreensão intuitiva, através da capacidade que o mesmo detém em
interpretar às expressões corporais.
Hidratação cutânea
P4: Tinha que colocar constantemente creme nas zonas queimadas e ainda hoje o
faço.
P5: Todos os dias aplico creme no pé e na mão várias vezes, se não o fizer parece
que a pele estala e racha toda.
P6: Nas zonas do corpo queimadas tinha que aplicar creme várias vezes ao dia.
Comecei a perceber quando a perna precisava de creme. Quando sentia a pele a
aquecer, a picar e com prurido, já sabia que elas queriam creme. Aplicava creme
6 e 7 vezes por dia.
De acordo com o exposto, no estudo realizado por Assis (2011), após o regresso ao
domicílio os participantes referiram como principais alterações: os transtornos na
sensibilidade cutânea; os cuidados específicos com a região queimada (utilização de
cremes e protetores solares); a utilização de vestuário compressivo e readaptação do
vestuário; a diminuição de momentos de lazer.
Pelo que, se recomenda como crucial, cuidar da pele através da aplicação diária de
cremes hidratantes com propriedades emolientes e com princípios ativos eficazes
132
(Borges, 2006, citado por Andrade & Cunha, 2010). A aplicação tópica do creme
hidratante deve ser efetuada pelo menos 2 a 3 vezes ao dia e este deve ser inodoro e sem
propriedades alcoólicas (O’ Sullivan & Schimitz, 2004, citados por Andrade & Cunha,
2010).
P4: Durante estes anos e ainda hoje, tenho que ter vários cuidados com as regiões
do corpo queimadas. No início não podia apanhar sol. Sentia um medo constante
quando apanhava sol, medo de ficar com a cicatriz mais escura e mais feia.
P6: Para além disso, tinha que evitar apanhar sol para não agravar as feridas.
P8: Hoje em dia tenho que continuar a evitar a exposição ao sol, porque quando
apanho sol as minhas pernas começam a “escaldar”.
P5: Quando me exponho ao sol, por exemplo nas férias, na praia, protejo sempre
as zonas queimadas com uma toalha, faço isto, mas ninguém me disse que o tinha
que fazer, mas acho que faz mal o sol a pele.
Vestuário compressivo
133
O vestuário compressivo foi utilizado por quatro participantes, três dos quais usaram
esta modalidade terapêutica durante vários anos. A pressão exercida, o calor
provocado e o prurido foram considerados como obstáculos à adesão terapêutica da
veste compressiva.
P3: Usei durante vários anos colete e luvas compressivas, tudo feito a minha
medida.
P4: Usei durante vários anos fatos compressivos. No início custou-me a adaptação
à pressão exercida pelo fato, mas com o passar do tempo habituei-me…
P6: Custava-me muito aguentar as meias porque faziam-me calor e à noite tinha
mesmo que as tirar.
P8: Tem sido difícil habituar-me ao fato compressivo, dá-me muita comichão! Será
que terei que continuar a usar o fato compressivo após estes dois anos?
O estudo realizado por Ripper et al. (2009) citados por Hale et al. (2013) pretendeu
analisar as experiências de 21 adultos perante a utilização da veste compressiva. O
tempo decorrido após o acidente variou entre 5 meses até 4 anos. Os resultados mostram
que as principais queixas dos participantes se deveram às limitações físicas e funcionais
causas pelo vestuário. Para além disso, a utilização do vestuário compressivo foi
considerada como um fator motivacional para os participantes, através do incremento da
expectativa de sucesso, do apoio emocional e prático.
Neste sentido, no estudo realizado por Bakker, Maertens, Van Son e Van Loey (2013),
os resultados sugerem que a nível pediátrico as crianças com queimadura apresentam
elevados níveis de ansiedade, stress e problemas comportamentais nos primeiros meses
após o acidente. Após vários anos da ocorrência do acidente, observa-se que as crianças
134
são afetadas a longo prazo com problemas psicológicos, tais como: a ansiedade, a
depressão e as alterações no funcionamento social. No estudo realizado por Pinto et al.
(2010), com participantes adultos, nos primeiros 12 meses após o acidente, verificam-se
expressões de ambivalência, sugestivas de um processo de não-aceitação. Nesta fase
inicial, a pessoa vivência uma confusão de ideias que não permite que seja efetuada a
clarificação dos sentimentos. Após 12 meses do acidente, os participantes do estudo
relevam processos de aceitação da alteração comportamental.
Perda
O sentimento de perda foi considerado como significativo para seis participantes. Este
sentimento foi considerado como o sentimento mais significativo numa fase inicial. Os
participantes referem nos seus relatos que tomaram consciência que a própria
autoimagem sofreu alterações permanentes. Um participante descreve a alteração
permanente da autoimagem como uma situação traumática que experienciou.
P6: A queimadura provocou-me muitas sequelas, que carrego ainda hoje. Comecei
a perder o meu cabelo, derivado da medicação que tive que tomar. Custou-me
mesmo muito passar por tudo isto! Foi um trauma! (Choro)
135
Ao analisar as unidades naturais de significado, compreende-se que os sentimentos de
perda se encontram relacionados com a não-aceitação da alteração da imagem
corporal – Ainda não aceitei bem esta situação! – Por outro lado, os participantes que
sofreram a queimadura há mais tempo, descrevem esta fase inicial caracterizada
principalmente por sentimentos de perda como uma fase difícil e com grande impacto
ao nível emocional – (…) foi tudo muito difícil para mim (…).
Neste contexto, o estudo realizado por Pinto et al. (2010) afirma que as modificações
que ocorrem ao nível da imagem corporal são acompanhadas por sentimentos de perda.
Porém, ao longo do tempo esta experiência dolorosa deve despoletar um processo de
reorganização capaz de superar a crise. Deste modo, a pessoa para conseguir clarificar e
aceitar a nova imagem corporal, não deve assumir uma postura de rejeição e negação,
face à experiencia traumática vivida. A queimadura despoleta e gera um processo de
crise, o qual transcende as questões físicas, dado que também se torna num problema
relacional. A queimadura para além de provocar a perda da imagem corporal pode
também simbolizar a perda de amizades e da função profissional.
Ainda, o estudo efetuado por Moi e Gjengedal (2014) acrescenta que os participantes
referem sentirem-se incomodados com o “olhar do outro”, favorecendo o despoletar de
sentimentos de perda da própria imagem corporal e evitando expor o próprio corpo
queimado em público.
136
Tristeza
P2: Eu tenho tido sempre muita coragem, já passei por muita coisa na minha
vida…Olho para o meu braço e dá-me pena, olho para as minhas pernas,
principalmente para a esquerda, e dá-me pena…. (Choro).
P6: Custa-me muito relembrar o que eu era antes da queimadura e o que sou
agora! Hoje, quando olho para as minhas pernas e vejo aquelas manchas fico
triste (Choro).
Medo
O medo foi referido por um participante, este sentimento esta relacionado com o medo
do desconhecido, mais especificamente o medo perante a alteração da imagem corporal.
Do mesmo modo, no estudo realizado por Pinto et al. (2010) é mencionado que, ao
longo dos primeiros 12 meses, verificaram-se alterações comportamentais nos
participantes expressas por estados de ansiedade e medo.
P8: Penso que, o que me faz mais confusão na queimadura é a questão estética.
Estou assustada com as marcas que vão ficar nas pernas.
Desânimo
P5: Basicamente depois da queimadura foi tudo a diminuir, não tem nada a ver!
Estes últimos anos não foram fáceis. As pessoas passam por mim e dizem-me:
quem te viu e quem te vê. Mas ainda estão cá as marcas… (Pausa)
P8: Estou um bocado apavorada com o resultado, mas também não posso fazer
mais nada...!
137
Após o regresso ao domicílio, de acordo com o estudo efetuado por Moi e Gjengedal
(2014), os sentimentos de insegurança manifestavam-se com a interação dos
participantes com a sociedade na qual estavam inseridos, sendo estes causadores de
desânimo e raiva.
Desespero
Nas fases tardias após a ocorrência do acidente, dois participantes consideraram como
significativos os sentimentos relacionados com o desespero. Deste modo, os
participantes revelam nos seus relatos o impacto avassalador causado pela queimadura
ao longo do tempo. Um dos participantes refere que por não constatar melhorias no seu
estado de saúde, percecionou sentimentos de desespero intensos que despoletaram a
ideação suicida.
P3: Houve muitas alturas em que me senti completamente desorientado, isto não
se resolve num 1 ano, nem 2 nem 3 nem 4… é para vida… dava por mim a dizer:
daqui a 1 mês estou melhor… chegava o final desse mês e continuava igual, ao fim
de 2 meses estava na mesma, ao fim de um ano continuava idêntico…comecei a
pensar que nunca mais iria curar-me. Fiquei desanimado e até cheguei a pensar
em fazer um fogareiro no meu quarto e fechar-me lá, mas não o fiz! É muito
complicado para mim dizer isto, mas é verdade. Senti-me muito em abaixo ao
longo destes anos. Noutro tipo de cirurgias a recuperação faz-se num mês ou dois,
mas as com as queimaduras não é assim.
Revolta
P3: Durante todos estes anos, senti que desvalorizavam e não compreendiam a
gravidade das minhas limitações.
138
P5: Eu não aceitei bem isto tudo. Não, não aceitei…nunca pensei que a
queimadura fosse para toda vida… isto nunca mais sai do meu corpo e de mim.
P8: Por vezes irrita-me um bocado isto tudo… (Pausa)
P7: Há dias que sinto sentimentos de revolta e me dá para chorar. E penso, porquê
é que isto me aconteceu a mim? Sinto-me revoltada sim! (Pausa)
Estigma social
P6: Se andar com meias mais claras ou de saia, tenho sempre a sensação que as
outras pessoas olhem e pensem: olha aquela anda com as pernas todas sujas. Pois,
há partes das pernas em que a pele está com uma coloração anormal. Por
exemplo, no ano passado os meus filhos convenceram-me a ir à praia com eles.
Notava que as pessoas olhavam para mim e teciam comentários. Custou-me muito!
Ia a água e depois vinha logo para toalha, enchia-me de creme e tapava logo as
pernas. O olhar das pessoas deixa-nos … (Suspiro)
P7: Eu lembro-me que houve pessoas que me disseram que não me iam visitar
porque não gostavam de olhar para isto. E isso não foi fácil de ouvir, mas tive que
enfrentar a situação, não tinha outra solução (Suspiro e Pausa). No verão não saio
de casa porque não posso apanhar sol. De inverno não posso apanhar frio, então
estou assim! Passo a minha vida em casa. E antes disto saía mais, no verão ia até
a praia, agora não.
Da mesma forma, no estudo realizado por Arruda et al. (2014), é sugerido que o estigma
social e a vergonha encontram-se presentes na sociedade atual. Pelo que, o olhar do
outro é considerado como o fator preponderante para que a queimadura seja absorvida
por um juízo de valor moral na sociedade.
Para além do referido, o estudo desenvolvido por Carvalho (2011b) verificou que os
familiares relataram que, durante os programas de reabilitação, o ente querido é vítima
139
dos efeitos do estigma social, manifestando sentimentos de vergonha. Assim, os
resultados revelam que a fonte causadora de maiores níveis de stress, durante os
programas de reabilitação, foi o estigma social.
O estudo concretizado por McGarry et al. (2014) reforça a reflexão anterior, uma vez
que menciona que alguns participantes vivenciaram o regresso à escola de modo
negativo, pois foram colocados no centro das atenções e foram alvo de comentários por
parte das outras crianças. Ao nível da imagem corporal, a evidência aponta para
autoavaliações negativas face à perceção da própria imagem corporal. Este fenómeno
promove o despoletar de humor negativo, de sentimentos de estigmatização e de
desconforto social (Bakker et al., 2013).
Adaptação à mudança
140
P5: Há muito trabalho que não sou capaz de fazer, mas o melhor é seguir em
frente e deixar de matutar sobre o que aconteceu...aconteceu, aconteceu…!
P8: Não posso fazer nada para voltar atrás, só posso olhar para frente (Pausa e
Suspiro). É difícil para mim falar disto, é uma coisa que nunca vou esquecer,
nunca! Tenho que lidar com isto da melhor maneira e aprender a lidar melhor
ainda. Foi um acidente que me aconteceu na vida… (Pausa)
141
CONCLUSÃO
142
Deste modo, após da análise dos relatos, constatou-se que as vivências experienciadas
durante o internamento hospitalar têm uma influência e um impacto direto sobre o
processo de vivências experienciado no domicílio. Assim, para aferir e compreender o
significado global da experiência vivida pela pessoa com queimadura no domicílio é
necessário analisar conjuntamente os dois processos de vivências, visto que representam
vivências indissociáveis e estritamente relacionadas. Neste sentido, através da análise,
interpretação, discussão e reflexão da informação proveniente dos relatos emergiram
duas áreas temáticas: as “Vivências da pessoa com queimadura no internamento
hospitalar” e as “Vivências da pessoa com queimadura no domicílio”.
143
profissionais tais como: os Enfermeiros, os Enfermeiros Especialistas em Enfermagem
de Reabilitação, os Médicos, os Psicólogos e os Assistentes Sociais.
144
Os sentimentos percecionados no momento da alta clínica foram – a insegurança, a
ansiedade, o medo da mudança e a confiança. Os sentimentos relacionados com a
insegurança foram experienciados por quatro participantes. A insegurança encontrou-se
estritamente relacionada com a mudança abrupta do apoio, dos cuidados especializados
e das condições de segurança oferecidas no internamento pela equipa multidisciplinar.
Um outro fator que impulsionou a insegurança nos participantes foi a presença de
sequelas e complicações subjacentes à queimadura, uma vez que equacionou a
capacidade do processo de cuidar no domicílio. A ansiedade em regressar ao domicílio
foi percecionada por um participante, devido ao sofrimento provocado pelos
procedimentos terapêuticos. O sentimento de medo da mudança foi referido por um
participante, que associou este sentimento à mudança repentina face ao processo de
transferência para um hospital não especializado em queimaduras. Por último, no
momento da alta clínica, o sentimento de confiança perante o regresso ao domicílio foi
experienciado por dois participantes. Os ensinos e a preparação do regresso a casa
realizada pelos profissionais de saúde ao participante e à sua família, foram
considerados como fatores facilitadores para a perceção deste sentimento.
A relação com a família foi descrita por cinco participantes como sendo – “a essência
da recuperação”, “uma fonte de apoio e força”, “sofrimento mútuo”. Quatro
participantes referiram como significativo o sofrimento ao qual a própria família foi
submetida, despoletando nos participantes maior sofrimento. Por último, um
participante referiu que a relação com os seus progenitores e amigos se tornou mais
forte, desencadeando um processo de maior aproximação.
Após o regresso ao domicílio, a presença de dor foi considerada relevante para três
participantes. Neste sentido, dois participantes referiram percecionar dores intensas,
quando confrontados com a realização de ABVD’s. A dor causada pelo vestuário foi
considerada como significativa para um participante. Ainda, um participante considerou
como importante a dor provocada pelas intervenções terapêuticas de reabilitação,
contudo, salientou que a presença dos profissionais de saúde facilitou o controlo da dor.
147
Medicina Física e de Reabilitação e recursos económicos para realizar programas de
recuperação funcional.
Por último, face ao tema central inerente aos “Sentimentos percecionados pela
alteração da autoimagem” emergiram oito subtemas – a perda, a tristeza, o medo, o
desânimo, o desespero, a revolta, o estigma social e a adaptação à mudança.
O sentimento de perda foi considerado por seis participantes como o sentimento mais
significativo, numa fase inicial. A alteração permanente da autoimagem foi descrita
como uma fase difícil e com grande impacto ao nível emocional. Nomeadamente, um
participante referiu ter sido a situação mais traumática que experienciou. Os sentimentos
de perda encontraram-se estritamente relacionados com a não-aceitação da alteração da
imagem corporal. O sentimento relacionado com a tristeza despoletado pelo olhar sobre
as regiões do corpo queimadas foi considerado significativo, para dois participantes. O
medo do desconhecido, mais especificamente o medo perante a alteração da imagem
corporal foi proferido por um participante. Com o decorrer do tempo, após a ocorrência
do acidente, dois participantes referiram ter percecionado sentimentos de desânimo,
provocados pelas complicações e sequelas da queimadura. Nas fases tardias, à
ocorrência do acidente, dois participantes consideraram como significativos os
sentimentos relacionados com o desespero. Um dos participantes referiu, por não
constatar melhorias no seu estado de saúde, ter percecionado sentimentos de desespero
148
intensos que despoletaram a ideação suicida. Os sentimentos de revolta, experienciados
por quatro participantes, encontram-se relacionados com a falta de sensibilidade das
outras pessoas, a não-aceitação do estado de saúde e com a cronicidade associada a
complicações da queimadura. O estigma social foi experienciado por dois participantes
durante o desempenhar de atividades do dia-a-dia que exigissem a exposição das regiões
do corpo queimadas. Deste modo, o “olhar do outro” e os comentários afetaram-nos
negativamente, promovendo o isolamento social. Por outro lado, um participante
vivenciou sentimentos de estigma social no meio escolar, descrevendo a interação com
as outras crianças como uma situação problemática. Os sentimentos relacionados com a
adaptação à mudança foram experienciados por três participantes. A
consciencialização e aceitação foi descrita como um processo contínuo e longo, sendo
necessário efetivar a aceitação da “nova imagem corporal”, compreender as limitações
e, acima de tudo, aprender a reconhecer-se.
150
prática de Enfermagem, através do incentivo à criação de projetos inseridos na
comunidade para o apoio às pessoas com queimadura. Acredita-se, que seja
fundamental promover e sensibilizar a sociedade, quanto à necessidade da
implementação de estratégias mais eficazes de apoio social e económico, dirigidas às
pessoas com queimadura. Recomenda-se, continuar a investir na implementação de
ações preventivas, a fim de minimizar os acidentes por queimadura. Ainda, através da
exposição dos achados, espera-se contribuir para a criação de grupos de apoio, a nível
nacional, capazes de acompanhar, auxiliar e apoiar as pessoas com queimadura, através
da partilha de experiências e de estratégias utilizadas no processo de (con)viver com a
queimadura.
151
BIBLIOGRAFIA
Ahmed, E. T., Abdel-Aziem, A. A., & Ebid, A. A. (2011). Effect of isokinetic training
on quadriceps peak torgue in healthy subjects and patients with burn injury. Journal
of Rehabilitation Medicine, 43(10), 930–934. doi: 10.2340/16501977-0862
Almeida, W. F., & Santos, J.N. (2013). Assistência de enfermagem em grupos de riscos
a queimadura. Revista Brasileira de Queimaduras, 12(2), 71–76. Recuperado de
http://rbqueimaduras.org.br/detalhe_artigo.asp?id=149
Al-Mousawi, A. M., Williams, F. N., Mlcak, R. P., Jeschke, M. G., Herndon, D. N., &
Suman, O. E. (2010). Effects of exercise training on resting energy expenditure and
lean mass during pediatric burn rehabilitation. Journal of burn care & research,
31(3), 1-16. Recuperado de http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3856323/.
American Burn Association (2012). 2012 National burn repository: Report 2002-2011.
Chicago, United States of America: ABA.
Andretta, I. B., Cancelier, A. C. L., Mendes, C., Figueiredo, A. De, Branco, C., &
Tezza, M. Z. (2013). Perfil epidemiológico das crianças internadas por queimaduras
em hospital do sul do Brasil, de 1998 a 2008. Revista Brasileira de Queimaduras,
12(1), 22–29. Recuperado de
http://www.rbqueimaduras.org.br/detalhe_artigo.asp?id=140
Arruda, C.N., Braide, A.S.G., & Nations, M. (2014). "Carne crua e torrada": a
experiência do sofrimento de ser queimada em mulheres nordestinas, Brasil.
Cadernos de Saúde Pública, 30(10), 2057-2067. Recuperado de
https://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00175713
Assis, J. T. S. J. (2011). Conhecendo a vida ocupacional do paciente queimado por
autoagressão após a alta hospitalar (Dissertação de Mestrado). Recuperado de
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22131/tde-16052011-164421/
Bakker, A., Maertens, K. J., Van Son, M. J., & Van Loey, N. E. (2013). Psychological
consequences of pediatric burns from a child and family perspective: A review of the
empirical literature. Clinical Psychology Review, 33(3), 361-371. Recuperado de
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0272735813000032
Burns Registry of Australia and New Zealand. (2013). Burns registry of Australia and
New Zealand: Annual report, 1st july 2012 – 30th june 2013. Melbourne, Austrália:
BRANZ.
Carlucci, V. D. S., Rossi, L.A., Ficher, A.M.F.T., Ferreira, E., & Carvalho, E.C. (2007).
A experiência da queimadura na perspetiva do paciente. Revista da Escola de
Enfermagem da USP, 41(1), 21-28. Recuperado de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-
62342007000100003&lng=en&tlng=pt
Echevarría-Guanilo, M.E., Martins, C.L., Cantarelli, K.J., Gonçalves, N., & Rossi, L.A.
(2012). Visibilidade das cicatrizes de queimaduras percebida pelos pacientes durante
o primeiro ano de reabilitação. Revista Brasileira de Queimaduras,11(3), 120-124.
Recuperado de http://www.rbqueimaduras.org.br/detalhe_artigo.asp?id=116
Elsherbiny, O. E. E., Salem, M. A., El-Sabbagh, A. H., Elhadidy, M. R., & Eldeen, S.
M. A. (2011). Quality of life of adult patients with severe burns. Burns, 37(5), 776-
789. Recuperado de
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0305417911000027
European Burns Association. (2013). European practice guidelines for burn care:
Minimum level of burn care provision in Europe (2ª ed.). Vienna, Austria: EBA.
Ferreira, T.C.R., Silva, L.C.F.S., & Santos, M.I.G. (2014). Abordagem fisioterapêutica
em queimados: Revisão sistemática. Revista da Universidade Vale do Rio Verde, 12(
2), 821-830. Recuperado de
http://revistas.unincor.br/index.php/revistaunincor/article/view/1531/pdf_260
Flick, U. (2013). Métodos Qualitativos na Investigação Científica (2ª ed., pp. 1-13; 77-
95). (A.M. Parreira, Trad.). Lisboa, Portugal: Monitor. (Obra original publicada em
2005).
Francisco, T., Nóbrega, S., Valente, R., Santos, M., Pereira, G., Estrada, J., …Ventura,
L. (2013). Grande queimado numa unidade de cuidados intensivos pediátricos:
Experiência de 20 anos. Nascer e Crescer, 23(3), 151-157. Recuperado de
http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?pid=S0872-
07542013000300004&script=sci_arttext&tlng=pt
Hale, A., O’Donovan, R., McEvoy, S., Keohane, C., & Gormley, G. (2013).
Physiotherapy in Burns, Plastics and Reconstructive Surgery. Recuperado de
http://www.physio-pedia.com/images/3/30/Burns_and_Plastics.pdf
Júnior, G.F.P., Vieira, A.C.P., & Alves, G.M.G. (2010). Avaliação da qualidade de vida
de indivíduos queimados pós alta hospitalar. Revista Brasileira de Queimaduras,
9(4), 140-145. Recuperado de http://rbqueimaduras.org.br/detalhe_artigo.asp?id=50
Lopes, A.M.M. (2011). Comunicar com o doente queimado: Vivências de quem cuida
(Dissertação de mestrado). Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal.
Machado, N.M., Araújo, E.C., & Castro, A.J.O. (2011). Trauma da queimadura em
crianças e suas implicações nutricionais. Revista Brasileira de Queimaduras, 10(1),
15-20. Recuperado de http://www.rbqueimaduras.com.br/detalhe_artigo.asp?id=58
McGarry, S., Elliott, C., McDonald, A., Valentine, J., Wood, F., & Girdler, S. (2014).
Paediatric burns: From the voice of the child. Burns, 40(4), 606-615. Recuperado de
https://www.researchgate.net/publication/256664431_Paediatric_burns_From_the_vo
ice_of_the_child
Millan, L. S., Gemperli, R., Tovo, F. M., Mendaçolli, T. J., Gomez, D. S., & Ferreira,
M. C. (2012). Estudo epidemiológico de queimaduras em crianças atendidas em
hospital terciário na cidade de São Paulo. Revista Brasileira Cirurgia Plástica, 27(4),
611–615. Recuperado de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-51752012000400024
Miller, T., Bhattacharya, S., Zamula, W., Lezotte, D., Kowalske, K., Herndon, D., ... &
Engrav, L. (2013). Quality-of-life loss of people admitted to burn centers, United
States. Quality of Life Research, 22(9), 2293-2305. Recuperado de
http://link.springer.com/article/10.1007/s11136-012-0321-5#page-1
Moi, A. L., & Gjengedal, E. (2014). The lived experience of relationships after major
burn injury. Journal of clinical nursing, 23(15-16), 2323-2331. Recuperado de
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jocn.12514/full
Moi, A. L., & Nilsen, R. M. (2012). Pathways leading to self-perceived general health
and overall quality of life in burned adults. Burns, 38(8), 1157-1164. Recuperado de
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0305417912001441
Montes, S. F., Barbosa, M. H., & Neto, A. L. De. S. (2011). Aspetos clínicos e
epidemiológicos de pacientes queimados internados em um hospital de ensino.
Revista Da Escola de Enfermagem da USP, 45(2), 369–373. doi: 10.1590/S0080-
62342011000200010
Mun, J. H., Jeon, J. H., Jung, Y. J., Jang, K. U., Yang, H. T., Lim, H. J., … Seo, C. H.
(2012). The factors associated with contact burns from therapeutic modalities. Annals
of Rehabilitation Medicine, 36(5), 688–695. doi: 10.5535/arm.2012.36.5.688
Nascimento, L.K.A., Barreto, J.M., & Costa, A.C.S.M. (2013). Unidade de tratamento
de queimados: Perfil epidemiológicos dos pacientes admitidos na fisioterapia. Revista
Brasileira de Queimaduras, 12(3), 177-181. Recuperado de
http://rbqueimaduras.org.br/detalhe_artigo.asp?id=165
Nicolosi, J.T., Carvalho, V.F., Ferreira, M.C., Vana, L.P.M., Sabatés, A.L., & Mousse,
M. (2012). Avaliação do estado de saúde de adolescentes vítimas de queimadura em
processo reabilitação por meio da Burn Specific Helth Scale - Revised (BSHS-R).
Revista Brasileira de Queimaduras, 11(3), 116-119. Recuperado de
http://www.rbqueimaduras.com.br/detalhe_artigo.asp?id=115
Oliveira, D., & Leonardi, D. (2012). Sequelas físicas em pacientes pediátricos que
sofreram queimaduras. Revista Brasileira de Queimaduras, 11(4), 234-239.
Recuperado de http://rbqueimaduras.com.br/detalhe_artigo.asp?id=128
Oliveira, T., Moreira, K., & Gonçalves, T. (2012). Assistência de enfermagem com
pacientes queimados. Revista Brasileira de Queimaduras, 11(1), 132-137.
Recuperado de http://www.rbqueimaduras.com.br/detalhe_artigo.asp?id=97
Pinto, J. M., Montinho, L.M.S., & Gonçalves, P.R.C. (2008). O doente queimado e a
dinâmica familiar: O impacto da doença na família. Revista de Enfermagem
Referência, 2(6), 69-76. Recuperado de http://www.index-
f.com/referencia/2008pdf/066976.pdf
Polit, D.F., Beck, C.T., & Hungler, B.P. (2004). Fundamentos de pesquisa em
Enfermagem: Métodos, avaliação e utilização (5ª ed. 19-43; 81-99; 199-221; 357-
377). (A. Thorell, Trad.). Porto Alegre, Brasil: Artmed. (Obra original publicada em
2001).
Poupart, J., Deslauriers, J., Groulx, L., Laperrière, A., Mayer, R., & Pires, A.P. (2012).
A pesquisa qualitativa: Enfoques epistemológicos e metodológicos (3ª ed. pp. 43-
124). (A.C. Nesser, Trad.). Rio de Janeiro, Brasil: Editora Vozes. (Obra original
publicada em 1997).
Procter, F. (2010). Rehabilitation of the burn patient. Indian Journal of Plastic Surgery:
official publication of the Association of Plastic Surgeons of India, 43(1), 101-113.
doi: 10.4103/0970-0358.70730
Rosenberg, M., Celis, M. M., Meyer, W., Tropez-Arceneaux, L., McEntire, S. J., Fuchs,
H., ... Suman, O. E. (2013). Effects of a hospital based wellness and exercise program
on quality of life of children with severe burns. Burns, 39(4), 599-609. doi:
10.1016/j.burns.2012.08.019.
Rossi, L. A., Adriano, J., & Júnior, F. (2012). Caracterização de pacientes atendidos em
um serviço de queimados e atitudes no momento do acidente. Revista Eletrónica de
Enfermagem, 14(4), 866–872. Recuperado de
http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v14/n4/pdf/v14n4a15.pdf
Santana C.M.L., Brito, C.F., & Costa, A.C.S.M. (2012). Importância da fisioterapia na
reabilitação do paciente queimado. Revista Brasileira de Queimaduras 11(4), 240-
245. Recuperado de http://rbqueimaduras.com.br/detalhe_artigo.asp?id=129
Serra, M.C., Queiroz, M.E., Silva, V.P., Bafuda, M., Araújo, N., Macieira, L., & Bouza,
I.C.S. (2012). Perfil das queimaduras em adolescentes. Revista Brasileira de
Queimaduras, 11(1), 20–22. Recuperado de
http://www.rbqueimaduras.org.br/detalhe_artigo.asp?id=94
Silva, A.F.R., Oliveira, L.P., Vale, M.B., & Batista, K.N.M. (2013). Análise da
qualidade de vida de pacientes queimados submetidos ao tratamento fisioterapêutico
internados no Centro de Tratamento de Queimados. Revista Brasileira Queimaduras,
12(4), 260-264. Recuperado de
http://rbqueimaduras.org.br/detalhe_artigo.asp?id=176
Silva, J., Lopes, R., & Diniz, N. (2008). Fenomenologia. Revista Brasileira de
Enfermagem, 61(2), 254-257. Recuperado de
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-71672008000200018&script=sci_arttext
Stavrou, D., Weissman, O., Tessone, A., Zilinsky, I., Holloway, S., Boyd, J., & Haik, J.
(2014). Health Related Quality of Life in burn patients–A review of the literature.
Burns, 40(5), 788-796. Recuperado de
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0305417913003896
Wasiak, J., Lee, S. J., Paul, E., Mahar, P., Pfitzer, B., Spinks, A., ... & Gabbe, B.
(2014a). Predictors of health status and health-related quality of life 12 months after
severe burn. Burns, 40(4), 568-574. Recuperado de
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0305417914000357
Wasiak, J., Paul, E., Lee, S.J., Mahar, P., Pfitzer, B., Spinks, A., … Gabbe, B. (2014b).
Patterns of recovery over 12 months following a burn injury in Australia. Elsevier:
Injury, 45(9), 1459-1464. doi: 10.1016/j.injury.2014.02.018
Women’s and Children’s Hospital (CYWHS). (2010). Guidelines for the Management
of Paediatric Burns. Recuperado de
http://www.wch.sa.gov.au/services/az/divisions/psurg/burns/documents/burns_guideli
nes.pdf
World Health Organization. (2008). World report on child injury prevention. Genebra,
Suiça: WHO.
Yoda, C.N., Leonardi, D.F., & Feijó, R. (2013). Queimadura pediátrica: fatores
associados a sequelas físicas em crianças queimadas atendidas no Hospital Infantil
Joana de Gusmão. Revista Brasileira de Queimaduras, 12(2),112-117. Recuperado de
http://www.rbqueimaduras.com.br/detalhe_artigo.asp?id=155
Yuxiang, L., Lingjun, Z., Lu, T., Mengjie, L., Xing, M., Fengping, S., ... & Jijun, Z.
(2012). Burn patients’ experience of pain management: a qualitative study. Burns,
38(2), 180-186. Recuperado de
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0305417911002695
APÊNDICES
APÊNDICE I
(Guião da Entrevista)
Blocos
Objetivos Questões
Temáticos
sociodemográfico;
Estado Civil: _______________________
__________________________________
profissional do sujeito.
_________________________________
_________________________________
Recolher elementos que Estimaria que me falasse sobre a sua
Conhecimento das vivências da Pessoa com
ENTREVISTA P3
P3: “Queimei-me há cinco anos. Estava a queimar uns papéis dentro de um latão com óleo. Já
tinha feito isto muitas vezes, só que naquele dia foi diferente. Normalmente metia a acendalha a
arder e atirava para lá um pouco de diluente e começava a arder, mas, naquele dia os papéis
estavam molhados e não estava a conseguir pegar-lhes fogo. Pensei que estava tudo apagado, só
que não! Então, recoloquei diluente e, pegou fogo repentinamente o latão e Eu. Por azar, tinha
vestido uma camisola com botões e em poliéster, pegou logo fogo e não a consegui tirar!
Comecei a correr e a gritar, mas com o ar e a correr comecei a arder ainda mais… Gritei, gritei e
gritei até que uma pessoa veio e me atirou ao chão e, apagou-me!” Fui enviado ao serviço de
urgência de um hospital central e reencaminharam-me logo para o internamento numa unidade
especializada em queimaduras. Queimei toda a região abdominal, tórax anterior, membros
superiores, mãos e parte do rosto. A superfície corporal queimada foi de 40%.
P3: Estive um mês internado numa unidade especializada em queimaduras. Fui submetido a
várias cirurgias, mas, as que recordo melhor são: a cirurgia para colocação de enxertos cutâneos
nos braços, na qual retiraram a pele dadora das minhas pernas. “Recordo-me particularmente
dessa porque tive muita dor no pós-operatório”. A outra cirurgia que me marcou foi quando fui
submetido a uma intervenção cirúrgica para separar os dedos de uma das minhas mãos. “Sem
dúvida que se não tivesse realizado essa intervenção não conseguiria fazer praticamente nada
com a mão”.
No internamento pouco ou nada fiz de fisioterapia. “Não me ensinaram grande coisa.
Ensinaram-me a sair da cama e pouco mais”. “As minhas mãos estavam em carne viva, isso foi
das coisas que mais me marcaram!” (Suspiro). No internamento lembro-me que “a uma dada
altura deram-me carapau para comer, mas não o conseguia comer devido as limitações da minha
mão… não houve ninguém que me ajudasse, os Enfermeiros diziam-me que tinha de conseguir
sozinho”. Ainda, recordo-me que tomava “banho à gato” com muita dificuldade e ia a
balneoterapia em dias alternados. Era tudo tão difícil! Quando comecei a deambular sentia
muita dor nas zonas dadoras (pernas) e isso, foi mais um obstáculo. No hospital andava muitas
vezes em tronco nu devido as queimaduras. Não tinha a noção do quanto seria difícil para mim
vestir e despir-me. Depois fui transferido para outro hospital uma vez que, já me encontrava
“fora de perigo”.
P3: Eu até chorei no momento em que me disseram que ia ser transferido para outro hospital!
Não queria sair do internamento, porque sentia-me muito bem acompanhado. “Tinha um quarto
só para mim, tinha tudo… boas condições de segurança, sabia que o meu quarto era todos os
dias desinfetado com álcool e outros produtos… e sabia que ia ser transferido para um hospital
que não me oferecia as mesmas condições”.
P3: Em casa tinha a minha esposa para me ajudar, se não fosse ela não conseguia tomar banho,
vestir-me, despir-me, levar os alimentos a boca, cortar os alimentos e realizar as tarefas do dia-
a-dia que envolvessem o uso dos braços e mãos.
E: Pensa ter sido devidamente acompanhado para ultrapassar cada etapa do seu processo
de reabilitação?
P3: Depois do internamento, após oito dias, comecei as sessões de fisioterapia três vezes por
semana, durante cinco anos. “Lembro-me perfeitamente que não conseguia levantar o meu
braço até cá em cima”. “Meteram-me numa máquina que levantava o meu braço”. Com as
sessões de fisioterapia comecei a aumentar a amplitude dos meus movimentos. Usei durante
vários anos colete e luvas compressivas, tudo feito a minha medida.
Notei muitos ganhos com a reabilitação. Se tivesse que ultrapassar cada etapa do processo de
reabilitação sozinho, “não me ia obrigar a fazer tanto”, como os profissionais faziam comigo.
Uma coisa “tão simples” como abrir e fechar a mão, fazer flexão e extensão dos dedos da mão,
se tivesse que o fazer sozinho não o faria devido a dor intensa que despoletavam esses
movimentos. Mesmo com os profissionais durante as sessões de fisioterapia gritava devido a
dor que sentia, mas faziam de tudo para me motivar e controlar a dor. “Senti muita Dor com as
queimaduras”.
E: Ao longo destes anos sentiu-se apoiado? Teve algum tipo de apoio?
P3: Durante todos estes anos, senti que me desvalorizavam e não compreendiam a gravidade
das minhas limitações. A minha esposa teve que assumir o meu trabalho em casa e o dela, ela
tinha que fazer praticamente tudo. Houve muitas alturas em que me senti completamente
desorientado, isto não se resolve num 1 ano, nem 2 nem 3 nem 4… é para vida… dava por mim
a dizer: “daqui a 1 mês estou melhor… chegava o final desse mês e continuava igual, ao fim de
2 meses estava na mesma, ao fim de um ano continuava idêntico…comecei a pensar que nunca
mais iria curar-me. Fiquei desanimado e até cheguei a pensar em fazer um fogareiro no meu
quarto e fechar-me lá, mas não o fiz! É muito complicado para mim dizer isto, mas é verdade.
Senti-me muito em abaixo ao longo destes anos. Noutro tipo de cirurgias a recuperação faz-se
num mês ou dois, mas as com as queimaduras não é assim”. Não tive qualquer tipo de apoio.
Gastei e continuo a gastar muito dinheiro em cremes. “Os boiões são muito caros e gastava mais
do que um por mês”. Ao nível do acompanhamento por profissionais de saúde, tinha consultas
de três em três meses, estava satisfeito.
P3: Agora, consigo fazer praticamente tudo, mas, ainda tenho algumas dificuldades. Por
exemplo: “quero fechar a mão direita e sinto que a pele esta toda apanhada, o que não me deixa
fechar a mão. Os movimentos que consigo fazer também são muito poucos, praticamente 50%
das minhas capacidades desapareceram”. “A pessoa que eu era antes da queimadura não tem
nada a ver com a pessoa que sou agora! Agora aparento ter uma idade muito superior a real,
antes ninguém me dava a idade que eu tinha. Basicamente depois da queimadura foi tudo a
diminuir, nunca mais voltei a ter as minhas mãos… não tem nada a ver!” Estes últimos anos não
foram fáceis. “As pessoas passam por mim e dizem-me: quem te viu e quem te vê”. “Mas ainda
estão cá as marcas…na cama basta querer-me virar e noto logo que a pele não tem a mesma
elasticidade…” Contudo, considero que, consegui “ficar muito bom…” (Pausa) tendo em conta
que tive 40% do corpo queimado com queimaduras de terceiro grau.
APÊNDICE III
(Quadro Síntese do Índice Temático)
Agente elétrico
P5: (…) foram queimaduras elétricas de
2º e 3º grau (…) 1
CARACTERIZAÇÃO Localização
da foram atingidas foram o pescoço e os
DO ACIDENTE
queimadura braços, principalmente o esquerdo. A
queimadura do pescoço por estar perto
da traqueia causou-me muita
preocupação, a mim e aos profissionais
de saúde.
P2: Queimei a perna, o braço e a mão 8
esquerda.
P3: Queimei toda a região abdominal,
tórax anterior, membros superiores, mãos
e parte do rosto. A superfície corporal
queimada foi de 40%.
P5: Queimei o pé e a mão esquerda.
Satisfação P3: Não queria sair do internamento,
com os porque sentia-me muito bem
profissionais acompanhado.
de saúde P4: Tive um bom acompanhamento pelos 7
Psicólogos e Assistentes Sociais, para
além dos Enfermeiros e dos Médicos.
Intervenções P4: Após a cirurgia comecei a fazer
de fisioterapia no internamento, com um
Enfermagem Enfermeiro de Reabilitação.
de P7: (…) vinha uma Enfermeira ter
Reabilitação comigo para fazermos alguns exercícios
de reabilitação e ensinou-me a fazê-los 5
sozinha.
EXPERIÊNCIA
P8: A Enfermeira de Reabilitação vinha
VIVIDA PELA
ter comigo ao quarto para fazer
PESSOA COM
fisioterapia.
QUEIMADURA NO
Realização de P1: (…) a minha mão foi enxertada e,
INTERNAMENTO
intervenções disseram-me que durante quatro dias não
HOSPITALAR
cirúrgicas a podia mexer.
P3: (…) fui submetido a uma intervenção
cirúrgica para separar os dedos de uma
das minhas mãos. Sem dúvida que se não
tivesse realizado essa intervenção não
conseguiria fazer praticamente nada com 7
a mão.
P4: (…) voltei a fazer outra cirurgia para
corrigir a parte estética.
P5: A dor após a operação foi a pior que
já tinha sentido.
P8: Ao longo do internamento fui
submetida a cinco intervenções
cirúrgicas para colocação de enxertos
cutâneos.
CONSENTIMENTO INFORMADO
Venho convida-lo respeitosamente para que integre o grupo de participantes do presente estudo.
A questão de investigação que norteia o estudo é: Quais as vivências da pessoa com queimadura
no domicílio? Sendo o objetivo geral do estudo analisar as vivências da pessoa com queimadura
no domicílio. A finalidade será recolher informação de cariz qualitativo que proporcione
evidência científica na orientação da intervenção do Enfermeiro Especialista em Enfermagem
de Reabilitação. Para a realização deste estudo solicito que me disponibilize algum do seu
tempo, para que seja possível realizar uma entrevista presencial, podendo ser necessário
realizar-se mais que uma sessão. Saliento que as informações disponibilizadas serão unicamente
utilizadas para a presente investigação. Será garantida a privacidade dos participantes, bem
como a confidencialidade dos dados recolhidos.
TERMO DE CONSENTIMENTO
Declaro que, relativamente à investigação a desenvolver por Emílio Pinto dos Santos, fui
informado(a) sobre os objetivos e condições de participação na presente investigação. Sinto-me
esclarecido(a) e autorizo participar na investigação e autorizo a que as informações recolhidas
através das entrevistas sejam utilizadas no trabalho referido.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
TERMO DE CONSENTIMENTO
Eu,___________________________________________________________________, declaro
que, relativamente à investigação a desenvolver por Emílio Pinto dos Santos, fui informado(a)
sobre os objetivos e condições de participação na presente investigação. Sinto-me esclarecido(a)
e autorizo participar na investigação e autorizo a gravação de áudio durante a entrevista para a
presente investigação.
Contactos
Telefónico: +351918220045
e-mail: emilio_pdsantos@hotmail.com
ANEXOS
ANEXO I
(Parecer da Comissão de Ética UICISA-E)