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CICLO DE ESTUDOS CONDUCENTE AO GRAU DE MESTRE EM

ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO

(CON)VIVER COM A QUEIMADURA

Vivências da pessoa com queimadura no domicílio

Emílio Pinto dos Santos

Coimbra, junho de 2016


CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM EM REABILITAÇÃO

(CON)VIVER COM A QUEIMADURA

Vivências da pessoa com queimadura no domicílio

Emílio Pinto dos Santos

Orientadora: Mestre Maria do Rosário Carreiró de Carvalho e Sá, Professora Adjunta na

Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

Coorientador: Doutor Arménio Guardado Cruz, Professor Coordenador na Escola

Superior de Enfermagem de Coimbra

Dissertação apresentada à Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

para obtenção do Grau de Mestre em

Enfermagem de Reabilitação

Coimbra, junho de 2016


“Estamos habituados a ver a nossa imagem ao espelho e, de repente, tudo muda para
sempre. Mas, apesar de todas as adversidades, aprendi a reconhecer-me.”

(Anônimo – Participante P4)


AGRADECIMENTOS

Às pessoas com queimadura que integraram este estudo, através dos seus testemunhos
quebraram o silêncio e o estigma social, o mais sincero bem-haja por me deixarem
entrar nas suas vidas e partilharem a própria experiência vivida após o acidente. Foram
a essência!

À Professora orientadora desta dissertação, Mestre Maria do Rosário Carreiró de


Carvalho e Sá, agradeço a sua orientação científica, salientando a sua disponibilidade, o
seu espírito crítico e todas as palavras de apoio e sugestões dadas ao longo desta jornada
que partilhamos em conjunto.

Ao Professor Doutor Arménio Guardado Cruz, coorientador deste trabalho agradeço a


sua orientação, a sua disponibilidade na leitura e as sugestões e os comentários dados ao
longo deste percurso.

A ti, Kátia, por partilhares este desafio comigo, o meu mais profundo obrigado pelo teu
companheirismo e amizade.

Ao Rui, à Rita e a todos os meus estimados amigos que me ajudaram e apoiaram na


realização deste sonho.

À minha família que sempre me apoiou incondicionalmente e me motivou nos


momentos mais difíceis. São e serão sempre o meu porto seguro!

A todos, o meu mais sincero e profundo Obrigado!


LISTA DE SIGLAS

ABA – American Burn Assotiation

ADM – Amplitude de Movimento

ABVD’s – Atividades Básicas de Vida Diárias

AVD’s – Atividades de Vida Diária

BBA – British Burn Assotiation

BRANZ – Burns Registry of Australia and New Zealand

BSHS – Burn Specific Health Scale

COBIS – Care of Burn in Scotland

CYWHS – Women’s and Children’s Hospital

EBA – European Burns Association

ECCI – Equipas de Cuidados Continuados Integrados

MCEER – Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação

OE – Ordem dos Enfermeiros

RNCCI – Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados

SCQ – Superfície Corporal Queimada

WHO – World Health Organization

ESEnfC – Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

UICISA-E – Unidade de Investigação em Ciências da Saúde - Enfermagem


RESUMO
A pessoa vítima de queimadura é confrontada de forma súbita com uma lesão, que
consequentemente resulta numa experiência traumática. Desta lesão advêm
complicações e sequelas crónicas, as quais exigem uma intervenção global de
Enfermagem de Reabilitação em coordenação com a equipe de cuidado agudo do
queimado. Conviver com a queimadura revela um impacto multidimensional a nível
físico, psicológico, pessoal, familiar e social. Neste contexto, delineou-se como objetivo
geral – Analisar as vivências da pessoa com queimadura no domicílio – segundo uma
metodologia qualitativa de enfoque fenomenológico, tendo recorrido ao método por
redes para selecionar os oito participantes. A entrevista semiestruturada, realizada em
contexto domiciliar, constituiu o instrumento utilizado para recolha da informação, que
foi analisada usando o método proposto por Loureiro (2002).

A partir da identificação das “unidades naturais de significado” emergiram diversos


subtemas: a realização de intervenções de Enfermagem de Reabilitação no internamento
hospitalar; a realização de intervenções cirúrgicas; os ensinos realizados; os sentimentos
percecionados no momento da alta clínica; a gestão da dor; as dificuldades
percecionadas no domicílio e as estratégias utilizadas; a relação com a família; a
importância da recuperação funcional; a realização de intervenções de reabilitação no
domicílio; as implicações escolares e laborais; o acompanhamento pelos profissionais
de saúde; a falta de apoios; os cuidados com queimadura e os sentimentos
percecionados pela alteração da autoimagem.

As vivências observadas na pessoa com queimadura revelam a necessidade de se


promover cuidados de cariz multidimensional, favorecendo o alcance de uma qualidade
de vida que permita uma reintegração familiar, profissional e social satisfatória. Pelo
que, as intervenções do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação
adquirem uma importância fulcral na recuperação não só física, mas também
psicológica da pessoa e por consequência potenciadora da independência/autonomia.
Com este estudo espera-se impulsionar o desenvolvimento de novas investigações,
acreditando que o revigorar do conhecimento científico irá fortalecer uma atuação
profissional baseada na evidência científica.
Palavras-chave: Queimadura; Vivências; Reabilitação; Enfermagem.
ABSTRACT
The burn victim person is unexpectedly confronted with an injury, which result in a
traumatic experience. The injury brings complications and chronic sequelae, that require
a global Rehabilitation Nursing intervention, in coordination with the acute care team of
burned. Living with the burn injurie reveals a multidimensional impact in a physical,
psychological, personal, familiar and social way. Therefore, it was outlined as general
objective – To analyze the experiences of the burn victim person after returning home –
According to a qualitative methodology with a phenomenological approach, having
used the method for networks to select the eight participants. The semi-structured
interview, held in domestic context, was the instrument used to collect the information,
that was analyzed using the method proposed by Loureiro (2002).

From the identification of the natural units of meaning emerged several subthemes: the
conducting of Rehabilitation Nursing interventions in the Hospital; the performing of
surgical interventions; the accomplished teachings; the perceived feelings in the
discharge from the clinic moment; the pain management; the perceived difficulties at
home and the strategies used; the relationship with the family; the importance of
functional recovery; the conducting of rehabilitation interventions at home; the school
and labor implications; the monitoring done by healthcare professionals; the lack of
support; the care with the burn and the perceived feelings with the self-image change.

The experiences observed in the person with burn reveal the need to promote a
multidimensional care, facilitating the achievement of a quality of life that allows for a
satisfying familiar, professional and social reintegration. Therefore, the interventions of
the Rehabilitation Nurse Specialist, acquire a central importance in the recovery, not
only physical, but also psychological and consequently an enhancer of the person’s
independence and autonomy. This study is expected to boost the development of new
research, believing that the reinvigoration of scientific knowledge will strengthen the
professional performance based on the best evidence.
Keywords: Burn; Experiences; Rehabilitation; Nursing.
LISTA DE FIGURAS
Pág.

Figura 1 – Representação esquemática do processo de investigação. ........................... 74

Figura 2 – Organograma descritivo das vivências da pessoa com queimadura no


internamento hospitalar. .................................................................................................. 94

Figura 3 – Organograma descritivo do subtema: etiologia da queimadura. .................. 97

Figura 4 – Organograma descritivo do subtema: localização da queimadura. .............. 99

Figura 5 – Organograma descritivo do tema central: experiência vivida pela pessoa com
queimadura no internamento hospitalar. ....................................................................... 100

Figura 6 – Organograma descritivo do subtema: satisfação com os profissionais de


saúde. ............................................................................................................................. 101

Figura 7 – Organograma descritivo do subtema: intervenções de Enfermagem de


Reabilitação. .................................................................................................................. 102

Figura 8 – Organograma descritivo do subtema: ensinos realizados. .......................... 105

Figura 9 – Organograma descritivo do subtema: sentimentos percecionados no


momento da alta clínica. ............................................................................................... 110

Figura 10 – Organograma descritivo das vivências da pessoa com queimadura no


domicílio. ...................................................................................................................... 114

Figura 12 – Organograma descritivo do tema central: cuidados com a queimadura. .. 131

Figura 13 – Organograma descritivo do tema central: sentimentos percecionados pela


alteração da autoimagem. .............................................................................................. 135
LISTA DE QUADROS
Pág.

Quadro 1 – Fases de análise fenomenológica segundo Loureiro (2002). ...................... 85

Quadro 2 – Siglas atribuídas aos participantes. ............................................................. 90

Quadro 3 – Caracterização sociodemográfica dos participantes. .................................. 93


SUMÁRIO
Pág.

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 22

PARTE I – ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

CAPÍTULO 1 – O DOENTE QUEIMADO ................................................................ 28

1.1. O CONCEITO DE QUEIMADURA ....................................................................... 28

1.2. CARACTERIZAÇÃO DAS QUEIMADURAS ...................................................... 29

1.3.DADOS EPIDEMIOLÓGICOS E ESPECIFICIDADES DO DOENTE


QUEIMADO ................................................................................................................... 40

CAPÍTULO 2 – A REABILITAÇÃO DO DOENTE QUEIMADO ......................... 46

2.1. COMPLICAÇÕES E SEQUELAS DECORRENTES DA QUEIMADURA ......... 46

2.2. O PROCESSO DE REABILITAÇÃO DO DOENTE QUEIMADO ...................... 51

2.3. A CONTINUIDADE DE CUIDADOS APÓS O REGRESSO AO DOMICÍLIO .. 58

CAPÍTULO 3 – O IMPACTO DA LESÃO POR QUEIMADURA NA


QUALIDADE DE VIDA DA PESSOA ....................................................................... 60

PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO

CAPÍTULO 1 – A METODOLOGIA QUALITATIVA E FENOMENOLOGIA . 66

1.1. A FENOMENOLOGIA: PERSPETIVA HISTÓRICA E METODOLÓGICA ...... 66

1.2. O MÉTODO FENOMENOLÓGICO APLICADO À ENFERMAGEM ................ 69

CAPÍTULO 2 – PERCURSO METODOLÓGICO ................................................... 70

2.1. FENÓMENO A INVESTIGAR ............................................................................... 70

2.2. PARTICIPANTES DO ESTUDO ........................................................................... 75

2.3. PROCEDIMENTOS E COLHEITA DE INFORMAÇÃO...................................... 77

2.4. PROCESSO DE ANÁLISE DA INFORMAÇÃO .................................................. 81

2.5. VALIDAÇÃO E RIGOR DA INVESTIGAÇÃO ................................................... 86


2.6. CONSIDERAÇÕES FORMAIS E ÉTICAS ........................................................... 88

CAPÍTULO 3 – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DA


INFORMAÇÃO ............................................................................................................ 91

3.1. CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES..................................................... 92

3.2. VIVÊNCIAS DA PESSOA COM QUEIMADURA NO INTERNAMENTO


HOSPITALAR ................................................................................................................ 94

3.2.1. Caracterização do acidente ................................................................................ 95

3.2.2. Experiência vivida pela pessoa com queimadura no internamento hospitalar


....................................................................................................................................... 100

3.3. VIVÊNCIAS DA PESSOA COM QUEIMADURA NO DOMICÍLIO ................ 114

3.3.1. Adaptação no domicílio .................................................................................... 115

3.3.2. Processo de Reabilitação .................................................................................. 121

3.3.3. Cuidados com a Queimadura .......................................................................... 130

3.3.4. Sentimentos percecionados pela alteração da autoimagem .......................... 134

CONCLUSÃO ............................................................................................................. 142

BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 152

APÊNDICES
APÊNDICE I – Guião da entrevista
APÊNDICE II – Entrevista transcrita
APÊNDICE III – Quadro síntese do índice temático
APÊNDICE IV – Consentimento informado

ANEXOS
ANEXO I – Parecer da Comissão de Ética UICISA-E
INTRODUÇÃO

O desejo presente no Homem em querer constantemente aumentar o seu conhecimento


e, assim, desafiar a história da humanidade através do progresso, levou o Homo Erectus
a dominar e controlar o fogo há mais de um milhão de anos.

O fogo, de acordo com o esoterismo filosófico pré-socrático é considerado como um


dos quatros elementos que rege o planeta. Este representa um caráter místico e sagrado,
ao qual o Homem deve respeito. Na atualidade é feita a correspondência destes
elementos aos estados físicos que a matéria pode assumir, sendo o fogo representativo
do plasma. O domínio e controlo deste elemento que integra a história da humanidade
conjuntamente com a interação contínua que o Homem estabelece com a natureza,
promoveram o despoletar de acidentes causados por queimaduras.

No século XXI, as queimaduras constituem uma causa importante de mortalidade e


morbilidade e é unânime a nível internacional considerar as queimaduras como um
problema grave de saúde pública (European Burns Association [EBA], 2013).
Mundialmente a World Health Organization (WHO, 2014) estima que
aproximadamente 265 000 pessoas morrem anualmente devido aos acidentes por
queimadura.

As queimaduras ocorrem na generalidade por exposição térmica e acidentes graves,


resultantes da transferência de energia de uma fonte térmica, química ou elétrica para o
corpo. Estas podem destruir parcial ou totalmente a pele e as estruturas adjacentes, ou
atingir as camadas mais profundas, como: o tecido subcutâneo, os músculos, os tendões
e os ossos (Júnior, Vieira & Alves, 2010; Oliveira, Moreira & Gonçalves, 2012).

As pessoas com queimadura sofrem com o impacto que ocorre a nível físico,
psicológico e social. A extensão e profundidade da queimadura, a idade, o sexo, a etnia,
a localização da lesão e a dor podem dificultar o processo de reabilitação e, ainda,
quando as áreas do corpo afetadas permanecem expostas provocam diminuição da
autoestima e sentimentos negativos (Gonçalves, Echevarría-guanilo, Carvalho, Miasso,
& Rossi, 2011).

O processo de cicatrização tem impacto direto sobre a funcionalidade da pessoa. Além


da gestão do processo cicatricial, as queimaduras podem levar a alterações anatómicas,
22
fisiológicas, endócrinas e imunológicas sendo que, a distorção do conceito de
autoimagem associada a estas alterações influência a qualidade de vida da pessoa
(Oliveira & Leonardi, 2012).

A reabilitação surge assim como um processo de capacitação de níveis satisfatórios de


saúde intelectual, sensorial, física, psicológica e social, proporcionando à pessoa a
aptidão para a independência e consequentemente a autonomia para o retorno à vida
preexistente à lesão por queimadura (WHO, 2008). O Enfermeiro Especialista em
Enfermagem de Reabilitação apresenta-se como um elo facilitador no processo de
adaptação e de reintegração, considerando as capacidades e potencialidades da pessoa
com queimadura (Gonçalves et al., 2011).

O fenómeno em estudo, com enfoque na temática (Con)Viver com a queimadura,


perspetiva estudar as “Vivências da pessoa com queimadura no domicílio”. A sua
escolha deveu-se ao facto de ser uma área de interesse pessoal e profissional. A nível
profissional, como Enfermeiro a desempenhar funções na Rede Nacional de Cuidados
Continuados Integrados (RNCII) e na comunidade, ao contatar com pessoas com
queimaduras observou-se com clareza o enorme impacto biopsicossocial que a
queimadura acarreta. Ainda, constatou-se uma carência de estudos científicos neste
âmbito, principalmente a nível nacional. Denota-se uma grande afluência de estudos
relativos a fase de internamento hospitalar do doente queimado, porém a queimadura é
um fenómeno que permanece ao longo do tempo, deixando sequelas crónicas e exigindo
programas de reabilitação por um longo período de tempo. Mais precisamente, as
evidências científicas referem que a pessoa queimada permanece com muitas sequelas,
tais como: cicatrizes hipertróficas, retrações, alterações da pigmentação, amputações,
contraturas, alterações da imagem corporal e da autoestima, dificuldade de reintegração
familiar, profissional e social, conduzindo à diminuição da perceção da qualidade de
vida da vítima e dos familiares.

Pelo que, torna-se relevante estudar as vivências da pessoa com queimadura de modo
transversal, focando igualmente as vivências no domicílio, permitindo a continuidade de
cuidados. Concomitantemente salienta-se a necessidade de promover o aumento do
conhecimento sobre as vivências da pessoa com queimadura no domicílio, para que os
profissionais de saúde, mais concretamente o Enfermeiro Especialista em Enfermagem
de Reabilitação, tomem conhecimento e compreendam as vivências, permitindo assim
direcionar mais facilmente as suas intervenções.

23
A presente investigação pretende dar resposta à seguinte questão de investigação: Quais
as vivências da pessoa com queimadura no domicílio?

O objetivo geral do estudo é analisar as vivências da pessoa com queimadura no


domicílio. Os objetivos específicos prendem-se com: descrever a importância
atribuída, pela pessoa com queimadura, aos cuidados prestados pelo Enfermeiro
Especialista em Enfermagem de Reabilitação, na preparação para o regresso ao
domicílio; descrever as principais necessidades percecionadas, pela pessoa com
queimadura, no domicílio; descrever as dificuldades percecionadas, pela pessoa com
queimadura, no domicílio; descrever a importância atribuída, pela pessoa com
queimadura, relativamente à continuidade de cuidados de Enfermagem de Reabilitação.

Em consonância com a questão de investigação e os objetivos delineados, optou-se por


realizar um estudo de cariz qualitativo, aplicando uma abordagem fenomenológica.
Relativamente à opção metodológica, a abordagem fenomenológica foi escolhida pela
riqueza das suas possibilidades descritivas e exploratórias. A fenomenologia
caracteriza-se pelo enfoque central na descrição dos fenómenos, dirigindo-os para as
vivências quotidianas. Compreende-se a relevância de procurar no Homem
(participantes) a sua perspetiva sobre o seu estar-no-mundo, através da descrição
exaustiva do fenómeno. Por consequência torna-se necessário entrar no “mundo” destas
pessoas com queimadura, descrevendo e interpretando as suas vivências, explorando os
sentimentos, sensações e perceções sobre todo o caminho percorrido desde o acidente
por queimadura até ao momento.

Os participantes do estudo são pessoas com queimadura que foram internadas numa
Unidade de Queimados da região centro de Portugal e que, no momento, se encontram
no próprio domicílio. O “método por redes” foi utilizado para selecionar os oito
participantes uma vez que, pretendeu-se selecionar pessoas que tenham vivido esta
experiência pela primeira vez, para assim transmitirem uma informação rica que permita
a compreensão do fenómeno. O processo de seleção dos participantes teve em
consideração os seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos;
consentir e colaborar voluntariamente no estudo; estar orientado/a; ter estado
hospitalizado/a numa Unidade de Queimados da região centro de Portugal; o tempo
decorrido após a ocorrência da(s) queimadura(s) ser superior ou igual a seis meses;
encontrar-se no domicílio após ter sido hospitalizado nessa Unidade de Queimados. A
entrevista semiestrutura, em contexto domiciliar, foi o instrumento de colheita de

24
informação utilizado. Para analisar a informação obtida optou-se por utilizar os
procedimentos técnicos propostos por Loureiro (2002).

A presente dissertação inserida no âmbito do Curso de Mestrado em Enfermagem de


Reabilitação, encontra-se dividida em duas partes. A Parte I corresponde ao
enquadramento conceptual e subdivide-se em três capítulos. No primeiro capítulo é
abordado o conceito de queimadura, a caracterização das queimaduras, os dados
epidemiológicos nacionais e internacionais e as especificidades do doente queimado. No
segundo capítulo são analisadas as principais complicações e sequelas decorrentes da
queimadura, o processo de reabilitação do doente queimado e a continuidade de
cuidados após o regresso ao domicílio. No terceiro capítulo é analisada a perceção da
qualidade de vida após a queimadura. A Parte II engloba o estudo empírico e reparte-se
em três capítulos. No primeiro capítulo é apresentado o enquadramento histórico e
metodológico da fenomenologia e a sua aplicação à Enfermagem. No segundo capítulo
procede-se à descrição do percurso metodológico (questão de investigação, método de
seleção dos participantes, procedimentos e técnicas de colheita de informação, processo
de análise da informação, validação e rigor da investigação e considerações éticas e
formais). No terceiro capítulo são apresentadas as características sociodemográficas dos
participantes e, ainda, são apresentadas, analisadas e interpretadas as unidades naturais
de significado referentes às vivências da pessoa com queimadura. Por último, são
expostas as principais conclusões, onde se integram as limitações do estudo, as
implicações para a prática e as sugestões para futuros estudos.

A organização da dissertação segue as normas do guia de elaboração de trabalhos


escritos da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e, ainda, as referências
bibliográficas cingem-se às normas da 6ª edição da American Psychological Association
(APA, 2015).

Por último, a citação apresentada inicialmente foi proferida por um dos participantes. A
escolha deveu-se ao facto de esta espelhar o caminho árduo e tortuoso enfrentado pela
pessoa com queimadura. Bastou um acidente para mudar o rumo de uma vida. Este
pequeno excerto do testemunho de um dos participantes visa enviar uma mensagem de
apoio e força, incentivando cada pessoa a continuar a própria luta e a reaprender a
reconhecer-se.

25
PARTE I – ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

26
O Enquadramento Conceptual procura colocar em evidência o processo de
investigação, objetivar e reunir um conjunto de informação sobre a temática/fenómeno
que se pretende estudar, para que seja dado o suporte necessário para alcançar os
objetivos do estudo. Concomitantemente, a revisão da literatura apresenta-se como uma
etapa crucial e basilar na delimitação e estruturação do problema. Ainda, permite alargar
a abrangência dos conceitos em análise na investigação, através da integração da
informação originada por outros investigadores (Fortin, 2009).

O enquadramento conceptual encontra-se dividido em três grandes capítulos.

No Capítulo 1, intitulado “O doente queimado”, é apresentado o conceito de


queimadura, a caracterização das queimaduras e, por fim são apresentados os dados
epidemiológicos e as especificidades do doente queimado.

No Capítulo 2, titulado por “A reabilitação do doente queimado” são abordadas as


complicações e sequelas decorrentes da queimadura. Ainda, são caracterizadas as fases
do processo de reabilitação e é abordada a temática da continuidade de cuidados no
doente queimado após regressar ao domicílio. Finaliza-se com uma análise sobre a
perceção da qualidade de vida após a queimadura.

No Capítulo 3, denominado por “O impacto da lesão por queimadura na qualidade de


vida da pessoa” é abordada a temática relacionada com a perceção da qualidade de vida
na pessoa com queimadura.

27
CAPÍTULO 1 – O DOENTE QUEIMADO

No século XXI, as queimaduras constituem uma causa importante de mortalidade e


morbilidade. A organização dos cuidados de saúde conjugada com uma prática clínica
baseada na evidência científica, são elementos indispensáveis na obtenção de ganhos em
saúde, em eficiência e em qualidade de vida dos doentes (Norma nº 024/2012).

O doente queimado é considerado como um doente politraumatizado, com necessidade


de cuidados altamente especializados. As consequências que advêm da queimadura
transcendem a destruição parcial ou total da espessura da pele. Denota-se ainda que, a
queimadura para além das diversas complicações evidenciadas na fase aguda, acarreta
para a pessoa inúmeras consequências e sequelas (EBA, 2013).

A pessoa com queimadura é confrontada de forma inesperada com uma experiência


traumática decorrente do acidente. Este fenómeno é considerado na literatura como uma
das mais traumáticas situações que o indivíduo pode experienciar física e
emocionalmente, provocando um impacto avassalador na pessoa e na sua família.

1.1. O CONCEITO DE QUEIMADURA

A queimadura é definida como uma lesão da pele ou de outro tecido humano, cuja
etiologia é derivada do fogo. Fisiologicamente, o acidente por queimadura é um trauma
complexo que necessita de uma abordagem multidisciplinar e contínua. A ocorrência
deve-se a transmissão de calor intenso para o corpo da pessoa, provocando a destruição
da primeira barreira protetora do organismo humano, a pele. Pode ocorrer pelo contacto
direto com líquidos/sólidos quentes/ frios, chamas, elementos radioativos ou químicos e
eletricidade (WHO, 2008; EBA, 2013).

Na literatura consultada encontraram-se uma panóplia de definições do conceito de


queimadura. Deste modo, optou-se por considerar a definição dada pelo Conselho
Internacional de Enfermeiros.

O conceito de queimadura é definido pelo Conselho Internacional de Enfermeiros como


sendo uma

28
“Ferida traumática: rotura e perda da camada exterior do tecido da superfície do
corpo ou das camadas mais profundas, devida a lesões pelo calor resultantes de
exposição a agentes térmicos, químicos, elétricos ou radioativos; caracterizada
por coagulação das proteínas das células, aumento do metabolismo, perda da
reserva de nutrientes nos músculos e no tecido adiposo, perda de proteínas e
compostos azotados, por grande dor, desconforto e stress, com risco de choque e
com risco de vida; necrose dos tecidos, infeção da ferida, contracturas, escara
hipotrófica com rigidez por espessamento, em que o doente fica profundamente
desfigurado; queimadura de 1.º grau, 2.º grau e 3.º grau”(2011, p.71).

Ao analisar esta definição, a queimadura deve ser interpretada como uma ferida com
propriedades e características específicas. Compreende-se que após a ocorrência desta
agressão física, vários são os danos colaterais que comprometem a homeostasia do
organismo, podendo ainda colocar em risco a vida da pessoa.

A fisiopatologia da queimadura é deveras complexa, podendo comprometer vários


órgãos, como o rim, o coração, o cérebro e os pulmões. Concomitantemente, o
comprometimento dos diversos órgãos pode predispor para a ocorrência de uma falência
multiorgânica. As primeiras oito horas pós-queimadura assumem um caráter crucial na
recuperação do edema inicial e consequente choque hipovolémico. Deste modo, é
fundamental que a abordagem inicial ao doente queimado tenha por base protocolos
especializados e minuciosos, que considerem a sua fisiopatologia para minimizar a
morbilidade e a mortalidade (Norma nº 023/2012; Norma nº 024/2012).

Assim, deve-se promover uma abordagem multidisciplinar e multiprofissional na


prestação de cuidados ao doente queimado. A queimadura deve ser considerada como
sendo um fenómeno multifacetado e multidimensional pela interação que estabelece a
nível biopsicossocial com a pessoa.

1.2. CARACTERIZAÇÃO DAS QUEIMADURAS

Inicialmente, a queimadura é um traumatismo local, porém a sua rápida evolução


transforma-o num fenómeno global. Os danos que decorrem do acidente por
queimadura encontram-se estritamente relacionados com diversos fatores, sendo os
quatro principais: a etiologia, a profundidade da queimadura, a superfície corporal
queimada e a localização da queimadura. Por consequência, a determinação e avaliação
dos fatores mencionados condicionam fortemente a evolução e o prognóstico clínico
(Carvalho, 2011; Norma nº 022/2012).

Ainda, Thelan et al. (1996) citados por Martins (2013) acrescentam como fatores
cruciais na avaliação da gravidade da queimadura: a suspeita de inalação de ar aquecido

29
e/ou vapores tóxicos (avaliada através do Índice de Clark). Desta forma, deve ser
considerada como uma queimadura de gravidade acrescida, porque verifica-se a
presença de risco de queimadura nas vias aéreas, podendo resultar na sua obstrução. A
idade e a história clínica da pessoa são outros fatores referidos pelo mesmo autor uma
vez que, a gravidade da situação clínica é superior quando o acidente se verifica em
crianças e/ou idosos.

Etiologia da Queimadura

A etiologia da queimadura revela ser um fator significativo na determinação e seleção


das medidas e intervenções terapêuticas que devem ser tomadas, promovendo deste
modo o planeamento e execução de cuidados direcionados e personalizados (Oliveira et
al., 2012).

A etiologia da queimadura diferencia-se de acordo com agente causador da queimadura,


podendo ser classificadas em queimaduras térmicas, químicas, elétricas ou
radioativas (Conselho Internacional de Enfermeiros, 2011; EBA, 2013).

Os agentes térmicos são considerados como o agente com maior prevalência nos
acidentes por queimadura. Caracterizam-se por se poderem apresentar em qualquer um
dos três estados físicos da matéria e consequentemente provocar lesões através de
temperaturas quentes ou frias (Martinho, 2008; Carvalho, 2011). A gravidade da
queimadura por agentes térmicos encontra-se relacionada com estado físico do agente
causal e a sua temperatura. Ainda, Carvalho (2011) acrescenta que, deve-se ter em
consideração a composição do vestuário uma vez que, as fibras naturais são mais
resistentes à combustão, enquanto as fibras sintéticas são mais inflamáveis.

São considerados como agentes químicos os produtos de limpeza, os desinfetantes,


químicos industriais como ácidos e bases fortes, o fenol e produtos de petróleo. A
gravidade da queimadura por agentes químicos, de acordo com Fritsch e Yurko (2003)
citados por Martinho (2008), encontra-se relacionada com o químico implicado, a
concentração, a duração da exposição e a prontidão no tratamento. Quanto às
especificidades deste agente, Carvalho (2011) refere que uma lesão superficial pode
evoluir rapidamente para outra lesão de maior profundidade, se o agente for de origem
ácida, ir-se-á verificar uma reação exotérmica, ou seja, as lesões que daí advêm são de
etiologia mista (térmica e química).

30
A corrente elétrica corresponde ao agente elétrico causador da queimadura. Apesar de
não apresentarem uma elevada incidência são de extrema gravidade. A gravidade da
queimadura pelo agente elétrico está subjacente à resistência dos tecidos, à intensidade e
à voltagem da corrente. No que confere às suas especificidades, a lesão visível pode
parecer pouco significativa ao nível da porta de entrada e saída, porém as afeções
internas podem ser extensas e apresentar graves destruições de massa muscular, vasos e
órgãos, comprometendo assim o sistema cardiovascular (Martinho, 2008; Klein & O’
Malley, 1990, citados por Carvalho, 2011).

Por fim, as radiações também são consideradas como um agente etiológico da


queimadura. A queimadura por radiação é um fenómeno raro e advém
preferencialmente das sessões de radioterapia. Quanto à sua especificidade salienta-se
que, a sintomatologia local manifesta-se mais tardiamente (duas a três semanas após a
exposição) e o tratamento local é muito semelhante ao das queimaduras térmicas
(Muller, 1996, citado por Martinho, 2008; Carvalho, 2011).

Neste sentido, verifica-se a existência de vários agentes etiológicos que provocam a


queimadura. De seguida serão apresentados resultados de vários estudos que analisaram
a prevalência do agente etiológico em populações distintas.

A Organização Mundial de Saúde em 2008 apontou para o agente térmico, mais


especificamente a queimadura por líquido fervente, como sendo a causa mais frequente
de queimadura em crianças (WHO, 2008).

Nos Estados Unidos da América, o estudo levado a cabo pela American Burn
Assotiation (ABA, 2012), ao analisar os dados relativos aos internamentos por
queimadura em 91 hospitais de 35 estados, no período compreendido entre 2002 e 2011,
revelou que o agente térmico predominou em 80% dos casos (fogo e incêndios). As
lesões do tipo escaldão prevaleceram em crianças com idade inferior aos 5 anos. Por
fim, o fogo afetou maioritariamente as restantes faixas etárias.

No Brasil, o estudo transversal, observacional e analítico de Andretta et al. (2013), cuja


amostra foi constituída por 111 crianças com queimadura internadas nos serviços de
pediatria do Hospital de Nossa Senhora da Conceição, no período de janeiro de 1998 até
dezembro 2008, verifica-se que o agente térmico foi o mais prevalente, através do
contacto com líquidos ferventes (água ou alimentos quentes), seguido do fogo
(combustões por álcool e contacto com superfícies quentes).

31
O estudo realizado por Millan et al. (2012) teve como objetivo descrever o atendimento
às crianças queimadas do serviço de cirurgia plástica e queimados do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, ao longo de 15 meses
consecutivos. No período de outubro de 2009 a dezembro de 2010 coletou-se uma
amostra de 98 doentes, com idade inferior a 13 anos. Os resultados demonstraram que o
agente térmico prevaleceu em todas as faixas etárias, destacando-se um ligeiro aumento
na faixa etária de 1 ano aos 5 anos de idade. As queimaduras por fogo, explosão e lesão
elétrica manifestaram-se com o aumento da idade.

Ainda, o estudo retrospetivo de Serra et al. (2012) analisou uma amostra de 51


adolescentes, entre 12 e 18 anos de idade, no período de 2007 a 2011 hospitalizados
numa unidade especializada no tratamento de queimaduras no Brasil. Os resultados
mostram que o álcool foi o agente etiológico prevalente (agente térmico).

Ao analisar os resultados do estudo retrospetivo e descritivo de Montes, Barbosa e Neto


(2011), cuja amostra foi constituída por 138 pessoas com queimaduras, com diferentes
faixas etárias internadas num hospital de ensino no Brasil, no período de janeiro de
2003 a dezembro de 2007, o agente térmico (líquido fervente) foi a principal causa de
queimadura na faixa etária dos 0 aos 14 anos e a chama foi a principal causa de
queimadura nas restantes faixas etárias (15 até 76 anos).

O estudo observacional e descritivo realizado por Rossi, Adriano e Júnior (2012),


objetivou descrever o perfil das pessoas com queimadura internadas na unidade de
queimados do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, São
Paulo, no período compreendido entre maio de 2007 e maio de 2008. O agente
etiológico mais frequente da amostra de 211 doentes foi de origem térmica. Para a faixa
etária dos 0 aos 18 anos, o líquido fervente foi a causa principal (41,8%) e para as
restantes faixas etárias (superior aos 18 anos de idade) a principal causa de queimadura
foi o álcool (75,7%).

Do mesmo modo, o estudo retrospetivo, descritivo e transversal de Nascimento, Barreto


e Costa (2013), constituído por uma amostra de 1247 doentes, no período compreendido
entre janeiro de 2008 a dezembro de 2012, mostrou que o agente térmico comprometeu
70,15% dos doentes, seguido do agente químico (12,84%) e do elétrico (3,69%).

Na Coreia, Mun et al. (2012) realizaram um estudo retrospetivo que procurou


compreender a etiologia das queimaduras provocadas por modalidades terapêuticas.

32
Assim, das 864 pessoas com queimaduras internadas num hospital universitário, no
período compreendido entre janeiro de 2005 a dezembro de 2008, 94 doentes sofreram
uma queimadura derivada de modalidades terapêuticas. As causas mais frequentes
foram o “saco” de água quente, a moxabustão (acupuntura térmica) e as almofadas de
aquecimento por fonte elétrica.

No Canadá, os resultados corroboram-se com os estudos anteriores, apontando para o


agente térmico como sendo o mais prevalente (fogo / chama). Porém, é referido um
aumento de queimaduras por contacto com objetos quentes, tornando esta causa mais
frequente do que a lesão elétrica (ABA, 2012).

Agora abordando estudos realizados em Portugal, Martinho (2008) refere que desde
julho de 1989 até dezembro de 2007 foram admitidas 2738 pessoas com queimadura na
unidade de queimados do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Quanto a
etiologia das queimaduras, esta apresenta-se muito variada. Os agentes térmicos
predominaram, especificamente o fogo (55,3%) e os líquidos ferventes (18,3%). Os
agentes químicos ocorreram em 11,9% dos casos e o agente elétrico em 7,4% dos casos.

O estudo levado a cabo por Rodrigues (2010), na unidade de queimados do Hospital


São João do Porto, objetivou analisar o perfil dos doentes internados ao longo do ano
2009. Assim, ao investigar a etiologia da queimadura, o agente térmico foi o mais
prevalente tendo sido o fogo o mais frequente (78%) seguido dos líquidos ferventes
(15,3%). O agente químico apresentou uma prevalência de 5%.

Ao caracterizar o doente queimado pediátrico internado na unidade de cuidados


intensivos pediátricos do Hospital Dona Estefânia de Lisboa, o estudo de Francisco et
al. (2013) que decorreu ao longo de 20 anos (abril de 1991 até dezembro de 2010),
mostrou mais uma vez que, os agentes térmicos, tais como os líquidos ferventes e o
fogo, constituíram a causa mais frequente de queimadura (38,1%). O agente elétrico foi
o menos prevalente (23,9%). De referir que, nos meses mais frios foram mais frequentes
as queimaduras por líquido fervente, enquanto no verão o agente mais prevalente foi o
fogo. Ao analisar a distribuição das queimaduras de acordo com a faixa etária, verifica-
se que os líquidos ferventes foram o principal agente etiológico em crianças com menor
idade e as queimaduras elétricas predominaram nos adolescentes.

Após a análise dos diversos resultados dos estudos realizados nos Estados Unidos da
América, no Canadá, no Brasil, na Coreia e em Portugal, o agente térmico é o mais

33
prevalente em qualquer uma destas partes do globo, seguido do agente químico e por
fim do agente elétrico. Depara-se que poucos são os estudos que fazem alusão ao agente
radioativo, por conseguinte depreende-se que a sua prevalência seja muito reduzida.

Relativamente às diferenças encontradas nos diversos estudos, a principal foca-se na


caracterização do agente térmico prevalente (líquidos ferventes, fogo, álcool, incêndios,
contacto com superfícies quentes, entre outros), variando de estudo para estudo. Ainda,
a faixa etária parece influenciar a etiologia das queimaduras, pois nos estudos cuja
amostra abordou todas as faixas etárias do ciclo vital, os autores procuraram evidenciar
as principais diferenças quanto ao tipo de acidente que propiciou a ocorrência da
queimadura.

Profundidade das Queimaduras

A profundidade da queimadura e a extensão encontram-se diretamente relacionadas com


o nível de gravidade da lesão provocada no organismo (Oliveira et al., 2012). Os fatores
que interferem no grau de profundidade da queimadura cingem-se ao tipo de agente, à
temperatura e à duração da sua exposição. Normalmente é difícil uma queimadura
apresentar uma profundidade homogénea ao longo de toda a sua extensão (Hale,
Donovan, Diskin, McEvoy, Keohane, & Gormley, 2013). Assim, quanto maior a
profundidade da queimadura, maior será o tempo necessário para que ocorra o processo
de cicatrização (Martins, 2013). O método clínico utilizado para avaliar a profundidade
da queimadura é através da extensão e da rapidez de preenchimento capilar (Norma nº
022/2012).

A classificação das queimaduras tem enfoque na profundidade e na extensão, sendo que


existem diversas nomenclaturas para classificar as queimaduras.

A mais comum nomenclatura de classificação das queimaduras, mas atualmente em


desuso, recorre à categorização por “graus”: primeiro, segundo e terceiro grau. As
queimaduras de primeiro grau caracterizam-se por lesarem unicamente a epiderme. As
queimaduras de segundo grau ou de espessura parcial subdividem-se em dois grupos:
superficiais e profundas. Nas superficiais encontra-se comprometida a epiderme e parte
da derme, enquanto nas profundas há envolvimento das camadas mais profundas da
derme, folículos pilosos e glândulas sudoríparas, há exceção da base dos mesmos que
não é afetada. Já as queimaduras de terceiro grau ou de espessura total comprometem a
totalidade da espessura da pele: epiderme, derme até a gordura subcutânea (Ferreira et

34
al., 2003; Jorge & Dantas, 2003; Vale, 2005, citado por Montes et al., 2011; Thelan et
al., 1996, citados por Martins, 2013; WolfSE, 2005, citado por Andretta et al., 2013).
Ainda, Serra et al. (2004) citado por Martinho (2008) e WolfSE (2005) citado por
Andretta et al. (2013) referem um outro grau, o quarto. Estas queimaduras caracterizam-
se por lesões que atravessam a pele e comprometem o tecido adiposo, o músculo e o
osso.

A atual classificação das queimaduras estabelece cinco categorias: epidérmica;


superficial parcial; profunda parcial; profunda completa; profunda completa “+”.
A queimadura epidérmica é considerada como sendo o eritema da pele (queimadura
solar). A queimadura superficial de espessura parcial caracteriza-se por envolver a
epiderme e parte da derme papilar. A queimadura profunda de espessura parcial atinge a
epiderme e toda a camada papilar da derme até à derme reticular. A queimadura
profunda completa afeta toda a espessura da pele. A queimadura profunda “completa +”
compromete, além de toda a espessura da pele, todos os tecidos subjacentes (músculos
e/ou ossos) (Norma nº 022/2012).

A classificação da profundidade das queimaduras assume-se com sendo um fator


preponderante na determinação da gravidade da queimadura, bem como dos cuidados
especializados a serem prestados. Assim, pensa-se que seja fulcral para o Enfermeiro
possuir conhecimento sobre a classificação da queimadura quanto à profundidade, para
que possa direcionar, planear, executar e avaliar os cuidados prestados.

No Brasil, o estudo retrospetivo e descritivo de Montes et al. (2011), com uma amostra
de 138 doentes internados num hospital de ensino, no período de janeiro de 2003 a
dezembro de 2007, apontou as queimaduras de 2º grau apresentaram maior prevalência
(88,4%), seguidas das queimaduras de 1º grau (43,5%) e por fim das queimaduras de 3º
grau (27,5%). De evidenciar que 58,7% dos doentes apresentaram queimaduras com
profundidades mistas.

Estes resultados são corroborados pelo estudo retrospetivo, descritivo e transversal de


Nascimento et al. (2013). Foram estudados 1247 doentes internados no serviço de
fisioterapia da unidade de tratamento de queimados do Hospital de Urgência de Sergipe,
Brasil, no período compreendido entre janeiro de 2008 a dezembro de 2012. Deste
modo, as queimaduras de 2º grau foram as mais prevalentes ao longo dos anos
(32,48%).

35
Já no estudo observacional e descritivo de Rossi et al. (2012), que envolveu 211 pessoas
com queimadura internadas na unidade de queimados do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, no período compreendido entre maio de 2007
a maio de 2008, a queimadura de 3º grau predominou em 74,2% dos casos.

Em Portugal, no estudo realizado por Martinho (2008) com 2738 doentes hospitalizados
na unidade de queimados do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no período
referente a julho de 1989 até dezembro de 2007, ao analisar a profundidade das
queimaduras, as queimaduras de 3º grau prevaleceram em 43,7% dos casos.

A nível pediátrico observam-se algumas diferenças. No estudo transversal,


observacional e analítico realizado por Andretta et al. (2013) com 111 crianças (a idade
variou entre os 0 e 14 anos) hospitalizadas nos serviços de pediatria do Hospital de
Nossa Senhora da Conceição, Brasil, no período de janeiro de 1998 até dezembro de
2008, os resultados apontaram para o predomínio de queimaduras epidérmicas (1º grau)
e para queimaduras superficiais parciais e profundas parciais (2º grau).

Comparando os resultados anteriores com o estudo realizado por Francisco et al. (2013),
cujo principal objetivo era analisar o doente queimado pediátrico, internado na unidade
de cuidados intensivos pediátricos do Hospital Dona Estefânia de Lisboa, desde abril de
1991 até dezembro de 2010, observa-se que relativamente à profundidade da lesão, as
queimaduras de 3º grau prevaleceram (59%) às queimaduras de 2º grau (28%).

Ao refletir sobre os resultados dos estudos mencionados, compreende-se que há


diferenças quanto à prevalência da profundidade das queimaduras entre Portugal e o
Brasil, seja a nível pediátrico, seja a nível das restantes faixas etárias. Em Portugal as
queimaduras de 3º grau são as mais prevalentes, já no Brasil as mais prevalentes são as
queimaduras de 2º grau.

Superfície Corporal Queimada

A Superfície Corporal Queimada (SCQ) é um outro elemento que deve ser avaliado na
caracterização da gravidade da queimadura. Deste modo, para proceder a quantificação
da SCQ é necessário avaliar a extensão da queimadura, determinando a percentagem da
área corporal queimada.

Atualmente utilizam-se dois métodos: a “Regra dos Nove ou a medida da palma da


mão” e a tabela de Lund e Brower. O primeiro método, “Regra dos Nove” é utilizado

36
principalmente na primeira abordagem, tendo como princípio a divisão do corpo
humano em diversas partes, as quais é lhes atribuída uma percentagem específica. De
salientar, que o mesmo não se encontra indicado para avaliar a SCQ em crianças. O
segundo método, a tabela de Lund e Browder, caracteriza-se pelo seu grau de precisão
e por considerar as proporções do corpo de acordo com a idade, obtendo-se assim um
valor de referência (Martinho, 2008; Norma nº 022/2012; Oliveira et al., 2012; Andretta
et al., 2013; Hale et al., 2013; Martins, 2013).

Após ter sido corretamente identificada a percentagem da SCQ é passível de se


classificar a queimadura em leve, média ou de grande porte. A queimadura leve é
considerada quando a SCQ é inferior a 10%, se a SCQ se situar entre 10-20% é
classificada por média e, por fim, se a SCQ for superior a 20% considera-se com uma
queimadura de grande porte (grande queimado) (Oliveira et al., 2012). Assim,
quantificar a percentagem da SCQ revela ser o indicador de eleição para identificar a
extensão da queimadura e determinar a sua gravidade.

No relatório de 2002-2011 realizado pela ABA (2012), constituído por uma amostra de
183 036 doentes, a percentagem de SCQ inferior a 10% verificou-se em 72% da
amostra com uma taxa de mortalidade associada de 0,6%. Ainda, é proferido que a
morte por queimadura aumenta em conformidade com a idade, percentagem da SCQ e
presença de lesão inalatória. Nomeadamente, a presença de lesão inalatória amplificou a
probabilidade de morte para 16 vezes em doentes com uma idade inferior aos 60 anos e
com uma percentagem de SCQ entre 0,1 e 19,9%.

No estudo retrospetivo e descritivo de Montes et al. (2011), a média da percentagem da


SCQ foi de 20,8% (mínimo de 1,0% e máximo de 95,0%) em relação a amostra dos 138
doentes internados num hospital de ensino no Brasil, no período de janeiro de 2003 a
dezembro de 2007. Os resultados da investigação de Rossi et al. (2012) aproximam-se
dos resultados referidos anteriormente, pois a percentagem da SCQ variou entre os 0,5
aos 85%.

Já no estudo efetuado por Rodrigues (2010) na unidade de queimados do Hospital São


João do Porto revelou que, a percentagem média de SCQ foi de 18,2% na amostra de
137 doentes internados ao longo do ano 2009. O máximo correspondeu a 97% e o
mínimo a 2%. Prevaleceu a percentagem de SCQ inferior a 10% (55,9%). Ainda, as
queimaduras por fogo apresentaram uma percentagem de SCQ duas vezes superior aos
líquidos quentes.
37
Em relação aos estudos que se caracterizam por possuir exclusivamente uma amostra
pediátrica, os resultados do estudo realizado por Millan et al. (2012), no período de
outubro de 2009 a dezembro de 2010, com 98 crianças (idade inferior aos 13 anos)
hospitalizadas no serviço de cirurgia plástica e queimados do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, apontam para uma média da
percentagem de SCQ de 10%. As crianças com uma percentagem de SCQ superior a
20% sofreram um acidente por combustão de álcool ou líquido fervente (água).

No Hospital Dona Estefânia de Lisboa, Francisco et al. (2013) realizaram um estudo


com 137 crianças, internadas numa unidade de cuidados intensivos pediátricos, ao longo
de 20 anos. Os resultados sugerem que a percentagem média de SCQ foi de 20%. De
realçar que 7,3% da amostra possuía queimaduras cuja SCQ atingiu os 80%. As
queimaduras provocadas pelo fogo atingiram uma maior SCQ, quando comparadas com
queimaduras elétricas.

A percentagem da SCQ apresenta-se muito variada em todos os estudos. O estudo


português realizado no Hospital São João do Porto, o estudo americano e o estudo
efetuado no Brasil com crianças, corroboram-se na medida em que revelam uma maior
prevalência de queimaduras com uma percentagem média de SCQ inferior a 10%.
Verificam-se diferenças, no mesmo país, na extensão das queimaduras em crianças e em
adultos. Por outras palavras, em Portugal a média da percentagem de SCQ queimada é
superior na criança relativamente ao adulto, já no Brasil constata-se o inverso.

A avaliação da extensão da queimadura através do cálculo da SCQ deve ser conjugada e


analisada tendo em consideração a etiologia, a idade e a presença de lesão inalatória.
Todos estes fatores encontram-se relacionados e de acordo com a sua variação, podem
minimizar ou não a taxa de mortalidade.

Localização da Queimadura

A localização da queimadura é outro fator preponderante na avaliação da gravidade da


queimadura, além disso, é considerado um elemento de referenciação para a
necessidade de internamento hospitalar numa unidade especializada em queimaduras.

As queimaduras localizadas nas seguintes áreas do corpo: face, pescoço, tórax, períneo,
mãos e pés, são consideradas com um nível elevado de gravidade independentemente da
classificação e da SCQ (Norma nº 022/2012). Ainda, Thelan et al. (1996) citados por
Martins (2013) e Hale et al. (2013), referem que as queimaduras que comprometem
38
zonas do corpo com articulações deveriam integrar o grupo referido anteriormente.
Estas, bem como as queimaduras da face, pescoço e mãos carecem de um grau elevado,
complexo e prolongado de cuidados de reabilitação (Vale, 2005, citado por Montes et
al., 2011). As queimaduras da face e mãos, para além de serem um fator de gravidade,
podem despoletar dificuldades de adaptação, sintomatologia ansiosa e depressiva, pelo
que se torna fundamental o acompanhamento e apoio psicológico nestas pessoas
(Wiechman et al., 2001, citados por Martins, 2013).

Diversos estudos efetuados no Brasil referem que a localização anatómica mais atingida
pela queimadura, são os membros superiores. Nomeadamente, no estudo de Nascimento
et al. (2013) os membros superiores foram os mais afetados (29%), seguidos do tronco
(23%), membros inferiores (23%), cabeça e pescoço (17%) e órgãos genitais (3%). Do
mesmo modo, Montes et al. (2011) apontam para os membros superiores como sendo a
localização anatómica mais comprometida em 70,3% dos casos. Rossi et al. (2012)
corroboram os resultados apresentados anteriormente, acrescentando que o membro
superior dominante foi o mais atingido.

A nível pediátrico os resultados são semelhantes. No estudo de Millan et al. (2012),


depreende-se que os membros superiores foram os mais afetados em 54,1% dos casos,
seguidos da cabeça e pescoço (46,9%), tronco (45,9%), membros inferiores/períneo
(33,7%) e via aérea (1%).

O único estudo analisado que apresenta resultados diferentes foi realizado por Mun et
al. (2012) na Coreia. Este refere que as regiões anatómicas mais atingidas, foram os
membros inferiores, pé e tornozelo, seguidas a região perineal, joelho, tronco, ombro e
braço. Porém, é necessário salientar o cariz específico deste estudo, visto que procurou
caracterizar as queimaduras provocadas por modalidades terapêuticas. A prevalência
das queimaduras nos membros inferiores pode ser explicada pela correlação positiva
entre a Diabetes mellitus e as queimaduras, derivadas de modalidades terapêuticas. Pois,
a presença da doença arterial periférica provoca alterações vasculares que
comprometem os membros inferiores facilitando a ocorrência de queimaduras por
modalidades terapêuticas.

39
1.3. DADOS EPIDEMIOLÓGICOS E ESPECIFICIDADES DO DOENTE
QUEIMADO

A nível internacional é unânime considerar as queimaduras como um problema grave de


saúde pública. De realçar que o progresso alcançado ao longo dos anos no tratamento do
doente queimado, através da criação de guidelines europeias e mundiais, nas quais
Portugal participa ativamente, minimizou as taxas de mortalidade e morbilidade, porém
ainda não é suficiente (EBA, 2013).

Deste modo, torna-se evidente apostar na prevenção deste tipo de acidente, ou seja, ao
diminuir a prevalência automaticamente poder-se-á reduzir o número de pessoas com
sequelas funcionais, estéticas e psicológicas crónicas.

Mundialmente, estima-se que aproximadamente 265000 pessoas morrem anualmente


devido aos acidentes por queimadura (WHO, 2014). Ainda, ressalva-se que as regiões
do globo com baixo desenvolvimento socioeconómico (África, sudeste asiático e em
países de baixo e médio rendimentos da região mediterrânica de leste) apresentaram o
maior número de pessoas. Para além disso, as crianças cuja idade é igual ou inferior a
um ano, apresentam um elevado risco de sofrer um acidente provocado por queimadura
mesmo em países desenvolvidos (WHO, 2008).

Os autores Nascimento et al. (2013) reforçam a ideia de que o padrão epidemiológico


das queimaduras se modifica de acordo com as partes do mundo que se estejam a
investigar. Os países em desenvolvimento como a China, o Irão e a Índia, apresentam
elevados índices de prevalência de queimadura. Os principais fatores devem-se à
elevada densidade populacional, ao analfabetismo, às moradias precárias (fogareiros
para cozinhar no chão das casas), às baixas condições socioeconómicas e ao
carecimento de campanhas públicas preventivas.

No que confere aos dados epidemiológicos dos Estados Unidos da América, verifica-se
a ocorrência de cerca de 120 000 casos por ano de queimaduras em crianças com
necessidade de tratamento num serviço de urgência, correspondendo a 15 casos em cada
10 000 residentes por ano (Souza, 2006, citado por Francisco et al., 2013).

No Brasil, estima-se que ocorram cerca de 1 milhão de acidentes por queimaduras por
ano. Destes, apenas 10% procuram atendimento hospitalar e, 2500 vítimas falecem
devido às lesões, sendo este fenómeno aplicado a todas as faixas etárias. Das pessoas
que se dirigem para os serviços de urgência, 40 mil encontram-se num estado grave
40
(Oliveira et al., 2012; Almeida & Santos, 2013). Ainda, é referido que por cada 204
crianças, com idade inferior aos 5 anos, 78% já experienciaram um acidente por
queimadura, mais precisamente 21,6% dos casos foram provocados por fogo no meio
domiciliar (cozinha). Já os adolescentes e os adultos têm como etiologia primária a
exposição a líquidos inflamáveis (álcool) (Almeida & Santos, 2013).

É unânime nos vários estudos que o meio domiciliar foi o local onde ocorreram o maior
número de acidentes por queimadura (Montes et al., 2011; ABA, 2012; Mun et al.,
2012; Rossi et al., 2012; Almeida & Santos, 2013).

Na Austrália e na Nova Zelândia, o relatório anual realizado pela Burns Registry of


Australia and New Zealand (BRANZ, 2013) mostra uma diminuição de 108 casos de
queimadura entre os anos 2011-2012 e 2012-2013, nomeadamente de 2828 para 2720
casos. Todavia, é de referir que desde o ano 2009 até o ano 2011, o número de casos
tinha vindo sempre a aumentar.

A British Burn Assotiation (BBA, 2005) refere que, em Inglaterra, aproximadamente


250 000 pessoas por ano foram vítimas de um acidente por queimadura.

Por fim, em Portugal, o número de doentes queimados é elevado. A incidência estimada


é de 21,4/100000 (doentes hospitalizados por cada 100 000 habitantes por ano) (Silva,
2003, citado por Francisco et al., 2013).

Ao refletir sobre os resultados apresentados anteriormente, observa-se que os acidentes


por queimadura afetam todas as regiões do mundo, variando a sua prevalência e
incidência. Porém, deve-se realçar a dificuldade encontrada em apresentar dados
epidemiológicos globais referentes aos últimos cinco anos, pois constatou-se uma
grande dispersão nas estatísticas nacionais e internacionais.

As especificidades do doente queimado irão focar-se na caraterização de diversos


elementos, tais como: a idade e o sexo; o tempo de internamento hospitalar; a influência
da escolaridade e da sazonalidade e, por fim, serão referidos os fatores que interferem
na taxa de mortalidade e morbilidade.

Idade e Sexo

Ao caracterizar os doentes queimados quanto a idade e ao sexo, o relatório realizado


pela ABA (2012) aponta para uma elevada prevalência do sexo masculino (70%). A
idade média foi de 32 anos, sendo que as crianças com idade inferior aos 5 anos

41
constituíram 19% da amostra e os doentes com idade igual ou superior aos 60 anos
representaram 12% dos doentes. De acordo com a mesma fonte, no Canada, os
resultados são semelhantes aos dos Estados Unidos de América. Verifica-se que o sexo
masculino foi o mais atingido (72%) por queimaduras em qualquer faixa etária (5 aos
80 anos). A faixa etária entre os 20 e 29 anos apresenta-se como a mais atingida pela
queimadura (16,7%).

Ainda, no Brasil, os resultados do estudo de Montes et al. (2011), Rossi et al. (2012) e
Nascimento et al. (2013) corroboram os resultados anteriores. No estudo de Montes et
al. (2011) o sexo masculino foi o mais prevalente em 71% dos casos e a média de idade
foi de aproximadamente 26 anos (mínima 10 meses e máxima 76 anos). Destaca-se que,
a faixa etária compreendida entre os 15 e os 59 anos constituiu a maioria dos casos
(61,6%), seguida da faixa etária dos 0 aos 14 anos (33,3%). No estudo de Rossi et al.
(2012), o sexo masculino prevaleceu sobre o sexo feminino (62,6%). A idade dos
elementos da amostra variou de um mês aos 76 anos de idade e a faixa etária mais
atingida foi a dos 18 aos 60 anos (66,8%) seguida da faixa etária dos 0 aos 18 anos
(26,8%). As pessoas com idade superior aos 60 anos de idade foram as menos
prevalentes (6,3%). No estudo de Nascimento et al. (2013), a amostra apresentou uma
prevalência do sexo masculino em 64,18% dos casos, sendo a faixa etária mais afetada
entre os 0 e 6 anos, seguida da faixa etária entre os 19 e os 60 anos.

Em Portugal, nos estudos desenvolvidos por Martinho (2008) e Rodrigues (2010)


observam-se resultados semelhantes aos países mencionados anteriormente. Contudo, a
idade média apresenta-se mais elevada. Nomeadamente, no estudo de Martinho (2008),
o sexo masculino prevaleceu em 63,6% dos casos e no estudo de Rodrigues (2010),
prevaleceu em 64,4% dos casos. A média de idade foi de aproximadamente de 49 anos
no estudo de Martinho (2008) e de 48 anos no estudo de Rodrigues (2010).

Ao analisar estes resultados, Rodrigues (2010) refere que o meio laboral em que os
indivíduos do sexo masculino exercem a sua profissão promove o aumento de acidentes
por queimadura. Por outras palavras, encontram-se expostos a numerosos fatores de
risco propícios a ocorrência de acidentes por queimadura, são exemplos: as atividades
que englobam a agricultura, a indústria e a construção civil dado que, aumentam o risco
de acidentes pelo contacto direto com substâncias inflamáveis, produtos químicos e
eletricidade.

42
Abordando os estudos cuja amostra é unicamente pediátrica, os resultados de Millan et
al. (2012) sugerem que a média de idade foi de aproximadamente 5 anos. Quanto ao
sexo, prevaleceu o masculino em 68,4% dos casos. Do mesmo modo, Andretta et al.
(2013) referem no seu estudo uma maior prevalência de crianças do sexo masculino,
cuja faixa etária mais atingida foi entre os 0 e os 3 anos. Ainda, observa-se que o agente
etiológico se encontra relacionado com a idade da criança. Exemplificando, crianças até
aos 2 anos de idade apresentaram uma relação mais significativa com a queimadura por
contacto com líquidos ferventes, em contrapartida, as crianças com idade superior aos 6
anos apresentaram queimaduras derivadas do fogo ou da explosão por álcool, gasolina
ou gás. Em Portugal, o estudo de Francisco et al. (2013) vem corroborar os resultados
internacionais, mostrando uma prevalência do sexo masculino em 63,4% dos casos e
com uma média de idade de aproximadamente 4 anos.

De referir que, o estudo feito por Serra et al. (2012), no Brasil entre os anos de 2007 a
2011, com 51 adolescentes hospitalizados numa unidade especializada no tratamento de
queimaduras, foi o único estudo encontrado que mostrou maior prevalência de
queimaduras no sexo feminino. Na generalidade os resultados apontam para o sexo
masculino como sendo o mais afetado. Pensa-se que, as diferenças culturais, biológicas
e comportamentais específicas de cada sexo sejam a base deste acontecimento. Por
outras palavras, as crianças do sexo masculino normalmente expõem-se há um número
mais elevado de situações consideradas de risco, quando comparados com as crianças
do sexo feminino (Andretta et al., 2013).

Ao analisar a idade e o sexo do doente queimado, na grande maioria dos estudos, o sexo
masculino prevalece em relação ao sexo feminino e a idade média vária de acordo com
as amostras de cada estudo. Nos Estados Unidos de América, Canadá e Brasil, nos
estudos que abordam todas as faixas etárias, observa-se que a faixa etária mais atingida
são os jovens adultos e adultos. Em Portugal, denota-se um aumento da idade média da
queimadura para valores entre os 48 e os 49 anos. Já nos estudos com amostras
essencialmente pediátricas, a idade média varia entre os 3 e os 5 anos para todas as
regiões do globo analisadas.

Tempo de Internamento Hospitalar

O tempo de internamento hospitalar é muito variável, seja para a população adulta como
para as crianças. Porém, em Portugal o tempo médio de internamento nos adultos é

43
superior ao das crianças, fenómeno que não é equivalente nos restantes países
analisados.

De acordo com o estudo realizado pela ABA (2012), observa-se um decréscimo médio
dos dias de internamento. Nomeadamente houve uma redução de 11 dias para uma
média 8 dias. O tempo médio de internamento foi ligeiramente superior a 1 dia por cada
1% de SCQ.

No Brasil, observou-se um aumento do tempo médio de internamento em relação ao


estudo efetuado nos Estados Unidos da América. Deste modo, o estudo de Montes et al.
(2011) mostrou que o tempo médio de internamento foi de aproximadamente 16 dias.
No estudo português realizado por Rodrigues (2010), o tempo médio de internamento
foi de aproximadamente 24 dias, denotando um aumento face aos estudos anteriores.

No Brasil, a nível pediátrico, os resultados do estudo de Andretta et al. (2013) sugerem


que o tempo médio de internamento foi de 7 dias. Em Portugal, o estudo de Francisco et
al. (2013) apontou para uma diminuição do tempo médio de internamento nas crianças.
Especificamente, o tempo médio de internamento foi de cinco dias. Ainda, os resultados
sugerem que o tempo de internamento está relacionado com o agente etiológico da
queimadura e com a percentagem de SCQ, ou seja, os doentes com uma maior
percentagem de SCQ causada pelo fogo tiveram internamentos mais longos.

Escolaridade e Sazonalidade

A temática ligada à escolaridade, apenas foi abordada num estudo. Deste modo, Rossi et
al. (2012) referem que, aproximadamente 45% dos doentes apresentavam um nível de
escolaridade inferior a nove anos de estudo. A baixa escolaridade é apontada como um
possível fator predisponente para este tipo de acidente, visto que uma preparação
académica insuficiente poderá comprometer o acesso à informação relativa às medidas
preventivas e aos primeiros socorros. Acrescenta-se que, os países em desenvolvimento
apresentam uma taxa elevada de acidentes por queimadura, em relação aos países em
que se verifica um investimento em ações educativas de prevenção e cuja população
apresenta níveis mais elevados de instrução.

A influência da sazonalidade na queimadura apenas se verificou no estudo de Francisco


et al. (2013). Ao longo dos 20 anos do estudo, os meses de maio, julho, agosto e
outubro apresentaram o maior número de admissões. De acordo com estes resultados,
depreende-se que é nos meses em que a temperatura climatérica se encontra mais
44
elevada que acontecem mais acidentes por queimadura. Supostamente, o esperado, seria
uma maior prevalência de queimaduras na época de inverno, devido ao manuseio de
lareiras e confeção de alimentos e bebidas quentes. Porém, é nos meses de verão que as
crianças passam mais tempo em casa, o que poderá despoletar o envolvimento em
algumas atividades de risco para este tipo acidente.

Taxa de Mortalidade e Morbilidade

A mortalidade e a morbilidade resultantes de acidentes por queimadura parecem estar


relacionadas com o nível de desenvolvimento socioeconómico de cada país (maior
incidência nos países de baixo e médio rendimento). O risco de acidentes por
queimaduras acresce quando os seguintes fatores socioeconómicos se encontram
presentes: níveis baixos de literacia e um elevado número de membros no agregado
familiar; histórico de queimaduras na família; baixa supervisão dos progenitores perante
os próprios filhos; insuficiente legislação e regulamentos sociais para prevenção de
acidentes por queimadura (WHO, 2008). No estudo realizado nos Estados Unidos da
América, a ABA (2012) apontou para uma diminuição da taxa de mortalidade para
ambos os sexos, culminando aproximadamente numa igualdade. Pelo contrário, no
Canada, a taxa de mortalidade por queimadura aumentou, pensa-se que o aumento se
encontre relacionado com maiores percentagens de SCQ.

A taxa de mortalidade altera-se de acordo com a faixa etária. A mortalidade por


queimadura é superior nas crianças mais novas comparativamente aos jovens (Souza,
2006, citado por Francisco et al., 2013). As crianças com idade inferior aos 10 anos
apresentam valores superiores de mortalidade quando comparadas com os jovens entre
os 10 e os 14 anos. No entanto, quando se analisa a taxa de mortalidade em jovens, com
idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos, constata-se um aumento substancial em
relação a faixa etária dos 10 aos 14 anos (WHO, 2008).

Em síntese, a queimadura representa um trauma de grande complexidade que requer um


tratamento eficaz, adequado e imediato. Apostar na prevenção é fundamental para
prevenir queimaduras em crianças e jovens. As pessoas ao sofrerem queimaduras graves
podem apresentar elevadas taxas de morbilidade e mortalidade, porém as mesmas
devem ser diminuídas através da redução dos fatores de risco presentes em cada
sociedade.

45
CAPÍTULO 2 – A REABILITAÇÃO DO DOENTE QUEIMADO

A queimadura acarreta para a pessoa diversas sequelas que provocam alterações na


funcionalidade, diminuído a perceção da qualidade vida. O processo de reabilitação
apresenta-se como sendo uma “longa jornada” que a pessoa com queimadura e a sua
família devem enfrentar ao longo do ciclo vital.

A taxa de mortalidade nas vítimas de queimadura tem vindo a diminuir devido às


melhorias no atendimento hospitalar e pré-hospitalar. No entanto, o número de pessoas
que permanece com sequelas é elevado. As sequelas provocadas pelas queimaduras
como a formação de cicatrizes hipertróficas e contraturas, apresentam-se como um
grande desafio a nível do tratamento bem como a nível do processo de reabilitação
(Júnior et al., 2010).

Os reinternamentos e a grande necessidade de reabilitação a longo prazo representam


para as pessoas com queimadura e para as respetivas famílias diversas complicações,
tais como: a perda ou a dificuldade em encontrar um emprego e a rejeição social. A
reabilitação surge como um processo de capacitação de níveis satisfatórios de saúde
intelectual, sensorial, física, psicológica e social, proporcionado à pessoa a aptidão para
a independência e consequentemente a autonomia para o retorno à vida preexistente à
lesão por queimadura (WHO, 2008).

2.1. COMPLICAÇÕES E SEQUELAS DECORRENTES DA QUEIMADURA

A lesão da primeira barreira protetora, a pele, provoca complicações que alteram a


homeostasia dos diversos sistemas orgânicos do organismo. Deste modo, verificam-se
alterações tais como: hipovolémia, hipotermia, edema, risco acrescido de infeção,
alterações respiratórias, comprometimento do sistema imunitário e processos de
cicatrização ineficazes (Silva & Castilhos, 2010, citados por Andrade & Cunha, 2010).

Quando a percentagem de SCQ é igual ou superior a 30% verificam-se alterações


sistémicas derivadas das modificações moleculares, tais como: a libertação de
metabólitos tóxicos, antigénios e agentes imunomoduladores (a histamina, a serotonina,
a bradicinina, o óxido nítrico, entre outros). O choque que ocorre no organismo tem
repercussões a nível cardiovascular, respiratório e renal, conduzindo a imunossupressão
46
e o hipermetabolismo (Evers et al., 2010, citados por Hale, O’Donovan, McEvoy,
Keohane, & Gormley, 2013).

As alterações que decorrem ao nível do sistema cardiovascular são: a depressão do


miocárdio (contratilidade miocárdica diminuída); a formação de edema (causado pelo
aumento da permeabilidade capilar devido ao processo inflamatório instalado, levando a
perda de proteínas e fluídos intravenosos para o espaço intersticial); a hipovólemia
(derivada do edema e perda rápida de líquidos através da superfície da queimadura) e a
vasoconstrição periférica (risco de desenvolver insuficiência renal). Por consequência,
este conjunto de alterações desencadeia um quadro de hipoperfusão e hipotensão
generalizada (Evers et al., 2010, citados por Hale et al., 2013).

O processo inflamatório que se verifica provoca um quadro caracterizado por:


hipertermia, necessidade de aporte de oxigénio, aumento da pressão parcial de CO2,
elevado consumo de glicose e aumento da frequência cardíaca (Ferido et al., 2000;
Jeschke et al., 2007; Grisbrook et al., 2012, citados por Hale et al., 2013).

Ao nível do sistema respiratório, o elevado número de mediadores inflamatórios pode


desencadear um quadro de broncoespasmo e de edema pulmonar, com um agravamento
do quadro clínico se estiver presente uma lesão inalatória (Evers et al., 2010, citados por
Hale et al., 2013). As queimaduras do tórax são as que mais comprometem o sistema
respiratório. Estas exigem a execução de um curativo oclusivo, o qual pode intensificar
ainda mais a restrição da caixa torácica, provocando a diminuição da força muscular e
dos volumes pulmonares, aumentando a incidência de atelectasias e complicações
pulmonares (Ferreira, Silva, & Santos, 2014).

Analisando as alterações metabólicas que ocorrem na pessoa com queimadura, o


hipermetabolismo é o fator prioritário. Este instaura-se aproximadamente 5 dias após a
queimadura e pode persistir até 2 anos. Inicialmente, devido a fase de choque o
hipermetabolismo é suprimido. Quando instalado despoleta a libertação de energia
derivada do catabolismo proteico e das reservas de gordura, causando uma perda
significativa de massa corporal magra, sem a qual a pessoa pode não sobreviver
(Jeschke et al., 2007, citados por Hale et al., 2013). Decorrente do hipermetabolismo, é
necessária uma atenção redobrada relativamente ao aporte nutricional. Deste modo, um
aporte nutricional inadequado ao longo do internamento poderá despoletar o aumento da
mortalidade e morbilidade e, consequentemente levará ao aumento do tempo de
internamento. Concomitantemente, a terapia nutricional no doente queimado objetiva
47
sobretudo a sobrevivência do doente, através do fornecimento de nutrientes essenciais
para a manutenção da resposta sistémica e defesa orgânica (Machado, Araújo, & Castro,
2011).

O estudo realizado por Machado et al. (2011) procurou descrever as particularidades


relativas à nutrição em 49 crianças queimadas (idades entre os 0 e os 10 anos),
hospitalizadas no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Metropolitano de
Urgência e Emergência do Estado do Pará. Os resultados sugerem que 80% da amostra
apresentou um estado nutricional adequado, proporcionando às crianças melhores
condições imunitárias e mais energia para cicatrização da queimadura. As crianças com
excesso de peso tiveram menos dias de internamento hospitalar. É evidente a
importância da avaliação recorrente das necessidades nutricionais, para proceder ao
aporte nutricional adequado, a fim de melhor o prognóstico clínico e diminuir os dias de
internamento.

Ainda, verificam-se alterações na motilidade gastrointestinal, nomeadamente o


processo digestivo é afetado pela diminuição da absorção dos nutrientes e pelo aumento
do pH intragástrico (Evers et al., 2010, citados por Hale et al., 2013).

Por último, denotam-se um risco elevado de infeção causado pelas alterações


imunológicas derivadas da imunodeficiência instalada (Hettiaratchy & Dziewulski,
2004, citados por Hale et al., 2013).

De seguida, serão abordadas as principais sequelas e complicações decorrentes da


queimadura, nomeadamente – a dor, a hiperestesia e a hipoestesia, o processo de
cicatrização e as contraturas.

A Dor

A dor é uma complicação e uma sequela decorrente da queimadura. Seguidamente,


serão abordados os três tipos de dor – a dor processual, a dor de fundo e a dor de rutura
(EBA, 2013). Inicialmente manifesta-se uma hiperalgesia mecânica, denominada por
dor processual. Esta é descrita como uma sensação de ardor intenso. A dor aguda e
intermitente persiste durante minutos ou mesmo horas após a execução dos tratamentos
à queimadura ou após a reabilitação. Quando a ansiedade se encontra associada a dor
processual é referido um aumento da duração da algia. Ainda, constatam-se fortes
correlações entre a dor e a angústia fisiológica em adultos e em crianças com
queimadura. A dor de fundo caracteriza-se por apresentar propriedades específicas,
48
nomeadamente, tem uma duração prolongada e constante com uma intensidade leve a
moderada. É descrita como uma dor latejante, presente mesmo quando a pessoa se
encontra imóvel. A dor de rutura é descrita por uma sensação de ardor e picada que se
agrava aquando a execução de movimento (Verão et al., 2007; Richardson & Mustard,
2009, citados por Hale et al., 2013).

Deste modo, Gonçalves et al. (2011) referem que a dor é apontada como um fator que
dificulta todo o programa de reabilitação. Por consequência, o Enfermeiro Especialista
em Enfermagem de Reabilitação deve focar-se na gestão eficaz do quinto sinal vital,
facilitando a adesão ao programa de reabilitação.

Hiperestesia e Hipoestesia

A hiperestesia ou hipersensibilidade é referida muitas vezes pelas pessoas com


queimadura. Este facto deve-se aos inúmeros procedimentos invasivos e dolorosos aos
quais as pessoas são submetidas, tais como: os desbridamentos mecânicos, a
balneoterapia, a colocação de enxertos, a escarectomia, os programas contínuos de
reabilitação e a pressoterapia (principais desconfortos: cãibras, parestesias, prurido e
dor). Porém, a diminuição da sensibilidade também se verifica. Deste modo, quando a
pessoa é submetida à uma intervenção cirúrgica para colocação de enxerto cutâneo, a
hipoestesia pode-se verificar durante 6 até 18 meses. As regiões periféricas da ferida
recuperam as propriedades sensitivas mais cedo que o epicentro. Algumas técnicas de
reabilitação promovem o retorno sensitivo, tais como: a massoterapia e os exercícios de
alongamento (Borges, 2006, citado por Andrade & Cunha, 2010).

Processo de Cicatrização

A queimadura profunda caracteriza-se por um processo de cicatrização anárquico, ou


seja, ocorre a formação anómala de tecidos conjuntivos como os cordões fibrosos, as
bridas e as placas cicatriciais. Estes três acontecimentos ocorrem devido à constante
restruturação do tecido de granulação, provocada pela lise e síntese desorganizada do
colagénio, dos fibroblastos e das enzimas. Estas alterações estruturais culminam numa
modificação e desorganização da disposição das camadas celulares, as quais provocam a
aproximação dos segmentos corporais atingidos pela queimadura (Borges, 2006, citado
por Andrade & Cunha, 2010; Yoda, Leonardi, & Feijó, 2013).

49
A cicatriz hipertrófica ocorre quando o processo de cicatrização não se conclui no
espaço de 10 a 21 dias (Procter, 2010). Estas apresentam-se salientes, pruriginosas,
endurecidas, dolorosas e com uma coloração vermelha ou rósea. Iniciam-se a formar
após 6 a 8 semanas, começando a regredir entre os 12 e os 24 meses. Já, a cicatriz
queloide, desenvolve-se 1 ano após a conclusão do processo de epitelização e, não
regride. Esta caracteriza-se por ter um crescimento lento e por invadir os tecidos
vizinhos não lesados pela queimadura (Oliveira & Leonardi, 2012; Yoda et al., 2013).

O estudo transversal realizado por Oliveira e Leonardi (2012) teve por objetivo
identificar a prevalência e os fatores associados às sequelas das queimaduras em 123
doentes pediátricos, internados no Hospital Infantil Joana de Gusmão, no período de
setembro de 2007 a agosto de 2009. Dá análise dos resultados, compreende-se que
39,8% das crianças apresentaram sequelas dois anos após a ocorrência da queimadura.
A sequela mais prevalente foi a cicatriz hipertrófica (56,3%). Abordando a SCQ, todas
as crianças com uma percentagem superior a 30% apresentaram sequelas, dois anos
após a lesão. Ainda, a profundidade da queimadura e o agente etiológico influenciaram
a manifestação de sequelas. Nomeadamente, 65,4% das crianças com queimaduras de 2º
grau profundo e 75,8% com 3º grau apresentaram sequelas. Os agentes inflamáveis
foram os responsáveis pelo maior número de casos com sequelas (64,3%).

O estudo transversal realizado por Yoda et al. (2013) corrobora os resultados


apresentados no estudo anterior. O objetivo do estudo foi identificar os fatores
associados a sequelas físicas em 373 crianças (idades entre os 0 e os 10 anos). Os
resultados mostram diferenças estatisticamente significativas entre a SCQ e ocorrência
de sequelas, nomeadamente a formação de uma cicatriz hipertrófica. Assim, todas as
crianças com uma percentagem de SCQ superior aos 40% tiveram sequelas. Ainda, a
profundidade das queimaduras e a manifestação de sequelas mostrou ser
estatisticamente significativa, pois 60% das crianças com queimaduras de 3º grau
apresentaram sequelas.

Já, o estudo descritivo e transversal de Echevarría-Guanilo, Martins, Cantarelli,


Gonçalves e Rossi (2012), objetivou analisar a perceção da visibilidade das cicatrizes de
71 doentes (idade média de 35,6 anos) em processo de reabilitação, acompanhados em
ambulatório na Unidade de Queimados do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto, no período de junho de 2004 a junho de 2008. Os
resultados mostram uma associação entre os doentes que verbalizaram ter cicatrizes

50
visíveis com a percentagem de SCQ (superior a 20%) e com alterações no autocuidado
vestir e despir-se. Ainda, a sensibilidade à exposição solar e o “olhar do outro” sobre às
regiões com queimadura são considerados com fatores propulsores de um impacto
negativo na vida dos participantes. As principais dificuldades referidas pelos doentes
focaram-se na consecução de atividades básicas de vida diária (ABVD’s), tais como –
vestir-se, pentear-se, escovar os dentes e alimentar-se.

Contraturas

As contraturas nos tecidos moles e a rigidez articular observam-se preferencialmente em


queimaduras de 2º grau profundas, 3º e 4º grau. A perda das propriedades elásticas da
pele causadas pela síntese inadequada de colagénio compromete gravemente a
funcionalidade articular da pessoa, através da limitação da amplitude do movimento
articular (ADM) (Albuquerque & Silva, 2010, citados por Andrade & Cunha, 2010).

Em síntese, as sequelas decorrentes da queimadura implicam elevados gastos para a


sociedade. Nos Estados Unidos da América, aproximadamente 4 bilhões de dólares são
gastos no tratamento das sequelas provocadas pela queimadura (Yoda et al., 2013). A
prevenção de complicações e sequelas assume-se como um foco de atenção crucial, pois
permite melhorar a funcionalidade da pessoa, direcionar os cuidados de reabilitação a
serem prestados, reduzir o número de reinternamentos e, acima de tudo, melhorar a
qualidade de vida, facilitando o retorno à vida pessoal, familiar, profissional e social.

2.2. O PROCESSO DE REABILITAÇÃO DO DOENTE QUEIMADO

A reabilitação do doente queimado assenta em dois pilares iniciais: a avaliação do


potencial de cada indivíduo após a lesão e a avaliação da sua condição psicossocial.
Através da evolução tecnológica e científica verificaram-se alterações significativas
relativamente à reabilitação, principalmente quanto à sua iniciação. Assim, nos dias de
hoje a reabilitação é iniciada no primeiro dia internamento nas unidades especializadas
em queimados, se as condições clínicas do doente o permitirem. Posteriormente, o
doente queimado dará continuidade ao programa de reabilitação em regime de
ambulatório e no domicílio (Andrade & Cunha, 2010; Procter, 2010; EBA, 2013; Hale
et al., 2013; Ferreira et al., 2014).

O programa de reabilitação caracteriza-se pela sua flexibilidade e adequabilidade a cada


pessoa acompanhando-a durante todas as fases (Andrade & Cunha, 2010; Ferreira et al.,

51
2014). No início é essencial uma intervenção a nível educacional. A dor, a fadiga e os
sentimentos de frustração irão prevalecer, pelo que o doente queimado deve estar
globalmente ciente de todo o programa de reabilitação e compreender a importância da
sua participação ativa neste processo transicional (Procter, 2010).

O objetivo geral da reabilitação foca-se em promover a funcionalidade e a


independência após a queimadura, para níveis mais próximos aos da pré-lesão (EBA,
2013). Os objetivos específicos são múltiplos e variam de acordo com a fase da
reabilitação em que o doente se encontra, são exemplos: prevenir complicações
respiratórias; prevenir a perda da ADM; manter níveis adequados de força muscular;
minimizar/evitar deformidades anatómicas derivadas de processos cicatriciais
desadequados (Andrade & Cunha, 2010; Hale et al., 2013).

Deste modo, o Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação, por ser um


elemento da equipa multidisciplinar, intervém de modo especializado em todas as fases
do programa de reabilitação. Caracterizando de forma geral as competências deste
profissional, a Ordem dos Enfermeiros (OE, 2010, p.3) refere que o Enfermeiro
Especialista em Enfermagem de Reabilitação

“Avalia a funcionalidade e diagnostica alterações que determinam limitações da


atividade e incapacidades. (…). Concebe planos de intervenção com o propósito
de promover capacidades adaptativas com vista ao autocontrolo e autocuidado
nos processos de transição saúde/doença e ou incapacidade. (…). Capacita a
pessoa com deficiência, limitação da actividade e/ou restrição da participação
para a reinserção e exercício da cidadania. (…). Elabora e implementa programas
de treino de AVD’s visando a adaptação às limitações da mobilidade e à
maximização da autonomia e da qualidade de vida. (…). Promove a mobilidade, a
acessibilidade e a participação social. (…). Maximiza a funcionalidade
desenvolvendo as capacidades da pessoa.”

A reabilitação do doente queimado deve ser entendida como um processo contínuo,


duradouro e com uma abordagem multidisciplinar. É um percurso longo que a pessoa
enfrenta, sendo difícil estabelecer limites entre cada fase da reabilitação. Cada programa
de reabilitação deve ser adequado e personalizado a cada pessoa. Todavia, para melhor
compreender o programa de reabilitação do doente queimado a literatura aponta para
três grandes fases: a fase aguda, a fase intermédia e a fase crónica. Seguidamente
caracterizar-se-á as três fases da reabilitação do doente queimado.

52
Primeira Fase da Reabilitação – Fase Aguda

A fase aguda decorre maioritariamente em regime de internamento hospitalar em


unidades especializadas em queimaduras ou de cuidados intensivos (Andrade & Cunha,
2010). A duração desta fase pode ser de alguns dias ou ir até vários meses, pois está
dependente de múltiplos fatores, como a gravidade da lesão, a idade e as comorbilidades
associadas (Procter, 2010).

O processo de reabilitação deve ser iniciado no primeiro dia de internamento (Marini,


2007, citado por Heinzmann, Wozezenski, & Beck, 2009; Procter, 2010). Antes de
iniciar o programa de reabilitação, de acordo com Borges (2006) citado por Andrade e
Cunha (2010), deve-se proceder à recolha de informação, nomeadamente à anamnese, à
história clínica e a realização do exame físico, pois o sucesso do programa de
reabilitação é influenciado pela informação recolhida.

A avaliação criteriosa é crucial na identificação de problemas e prescrição de


intervenções (Care of Burn in Scotland [COBIS], 2009). Mais precisamente, segundo
Guirro e Guirro (2002) citados por Andrade e Cunha (2010), deve-se avaliar
inicialmente no doente queimado: a ventilação, a funcionalidade articular, o padrão
postural, o tónus e a força muscular e avaliar a queimadura. A monitorização da
extensão da queimadura nas primeiras 48 horas após o acidente é crucial, dado que pode
sofrer grandes alterações. Ainda, deve-se ter em atenção que o edema progride durante
as primeiras 36 horas após a lesão e o fenómeno do hipermetabolismo começa a
desenvolver-se ao quinto dia após a lesão (Hale et al., 2013).

De referir que se o doente for submetido a uma intervenção cirúrgica para colocação de
enxertos cutâneos, o programa de reabilitação deve ser mais cauteloso nos primeiros 20
dias, para evitar a inviabilidade dos mesmos (Andrade & Cunha, 2010).

Os principais objetivos nesta primeira fase são: controlar a dor; reduzir o risco de
infeção e complicações; prevenir contraturas musculares; executar técnicas de
posicionamento; manter a ADM máxima; manter a força e a massa muscular; facilitar a
mobilização articular e a deambulação; favorecer a cicatrização da ferida e dos tecidos
moles (Andrade & Cunha, 2010; Hale et al., 2013).

Neste contexto, a equipa de Enfermagem é um elo essencial no controlo, gestão e alívio


da dor. Encontra-se preconizado que em todas as unidades especializadas em
queimaduras se deve atuar de forma multidisciplinar no controlo da dor (EBA, 2013).
53
Na fase aguda da reabilitação, o alívio da dor deve ser constante atendendo à presença
da dor fundo, da dor processual e da dor de rutura (EBA, 2013). Do mesmo modo, para
dar início ao programa de reabilitação, se ocorrer uma gestão e controlo inadequado da
dor, verificar-se-á o despoletar de processos de não adesão à reabilitação, seja a curto
como a longo prazo (Procter, 2010).

Em relação ao sistema respiratório, as vítimas de queimadura com lesão inalatória ou


com uma grande percentagem de SCQ irão necessitar de cuidados especializados de
cinesiterapia respiratória (Women’s and Children’s Hospital [CYWHS], 2010). Ao
analisar as estratégias utilizadas na cinesiterapia respiratória em doentes queimados,
Gomes (1995) citado por Heinzmann et al. (2009) e Borges (2010) citado por Ferreira et
al. (2014) referem a utilização de técnicas de broncodesobstrução, de desinsuflação
pulmonar, de reexpansão pulmonar, de reeducação da função muscular respiratória e de
prevenção das deformidades torácicas derivadas da lesão. Ainda, é aconselhada a
utilização do espirómetro de incentivo e a ventilação por pressão expiratória positiva
(COBIS, 2009; CYWHS, 2010).

As técnicas do posicionamento adequado devem ser executadas o mais precocemente


possível, para garantir o sucesso da reabilitação. Na fase aguda, o edema exacerbado e a
rigidez articular representam as complicações mais frequentes (COBIS, 2009; Procter,
2010). Pelo que, as técnicas de posicionamento terapêutico devem atender aos seguintes
princípios: membros edemaciados elevados; os membros superiores e os membros
inferiores são colocados em abdução e em extensão, evitando a rotação externa da
articulação coxofemoral; as mãos devem ser posicionadas mantendo um
posicionamento funcional e a articulação tibiotársica é colocada a 90º (CYWHS, 2010;
Procter, 2010). Ainda, as talas são consideradas como uma extensão ao programa de
posicionamentos terapêuticos. A aplicação das talas é recomendada em doentes que
apresentam elevados scores de dor, com dificuldades em cumprir o posicionamento
terapêutico, com queimaduras em regiões em que o posicionamento por si só é
insuficiente (pescoço aplicação de colares cervicais) e após colocação de enxertos
cutâneos (COBIS, 2009; Andrade & Cunha, 2010; Procter, 2010; EBA, 2013).

Por último, o exercício terapêutico, mais precisamente a mobilização articular, deve


iniciar-se o mais rapidamente possível (COBIS, 2009; Andrade & Cunha, 2010; EBA,
2013). Os principais objetivos do exercício terapêutico preconizam restaurar ou manter
a ADM, a força, a flexibilidade e a condição física (endurance); restaurar as

54
capacidades de deambulação; melhorar o desempenho na consecução de atividades de
vida diárias (AVD’s) (EBA, 2013). Deste modo, o estudo realizado por Santa, Brito e
Costa (2012) teve por objetivo avaliar a importância da recuperação funcional em 30
doentes queimados, internados numa unidade de cuidados intensivos. Os resultados
mostraram que todos os elementos da amostra se apresentavam com edema antes da
abordagem dos exercícios terapêuticos. Após verificou-se uma redução substancial do
edema e melhorias na ADM, ao nível flexão e extensão da coluna cervical, da coluna
lombar e na dorsiflexão e flexão plantar da articulação tibiotársica.

Segunda Fase da Reabilitação – Fase Intermédia

A fase intermédia do programa de reabilitação ocorre aquando da alta clínica da unidade


especializada em queimaduras. Nesta fase a reabilitação decorre em regime de
ambulatório e os cuidados a serem prestados irão variar de doente para doente. Neste
processo de transição, é importante que seja mantida a continuidade do programa de
reabilitação delineado na fase aguda, até que sejam atingidos os objetivos na íntegra.
Assim, os objetivos gerais da fase intermédia procuram dar continuidade ao programa
de reabilitação estabelecido na fase aguda; gerir o processo cicatricial através da
aplicação tópica de agentes físicos, da terapia compressiva e da massoterapia; reduzir os
efeitos/complicações da imobilidade; restaurar/melhorar as capacidades para executar as
AVD’s e melhorar a condição física (COBIS, 2009; Hale et al., 2013).

Os agentes físicos, nomeadamente, a eletroterapia é utilizada para desfazer aderências


tendinosas ao tecido cicatricial, contribuindo para a redução do edema e potenciando a
ADM articular (Delisa, 2002, citado por Andrade & Cunha, 2010). A utilização da
terapia por laser de baixa intensidade atua como coadjuvante ao processo de
cicatrização, através da redução do edema pelo aumento da fagocitose, da síntese de
colagénio e da síntese proteica (Carvalho et al., 2001, citados por Heinzmann et al.,
2009; Ferreira et al., 2014). A aplicação do ultrassom permite a regeneração mais rápida
do tecido de granulação, através do realinhamento das fibras de colagénio, resultando
em ganhos de ADM articular e alívio da dor (Heinzmann et al., 2009; Andrade &
Cunha, 2010).

A massoterapia, mais precisamente a massagem à cicatriz é considerada fulcral na


gestão do processo cicatricial da queimadura. A finalidade da massoterapia foca-se em
melhorar a figuração do plano cicatricial, libertar as aderências e promover uma maior

55
elasticidade cutânea (Andrade & Cunha, 2010). Para a gestão do processo cicatricial
encontram-se indicadas as seguintes modalidades de massagem: a massagem clássica
(melhora a circulação e facilita a penetração de agentes lubrificantes); a drenagem
linfática (reduz o edema e o linfedema); a massagem transversa profunda (desfaz as
aderências e possibilita a maleabilidade tecidular) (Andrade & Cunha, 2010).

A terapia compressiva, especificamente as vestes compressivas são muito utilizadas na


gestão do processo cicatricial em queimaduras profundas de 2º e de 3º grau (Borges,
2006, citado por Andrade & Cunha, 2010). O vestuário compressivo encontra-se
indicado em doentes com uma elevada percentagem de SCQ, em áreas enxertadas e para
queimaduras superficiais que não cicatrizaram ao fim de duas semanas (COBIS, 2009).
Os principais objetivos focam-se na redução da espessura da cicatriz; na melhoria da
circulação periférica; na redução do edema; no alívio do prurido; na proteção de regiões
enxertadas; na prevenção da formação de contraturas (Procter, 2010). Os dispositivos de
silicone podem ser utilizados singularmente ou conjugados com as vestes compressivas.
O mecanismo de ação visa prevenir a formação de tecido fibrótico, através do
nivelamento e amolecimento do tecido cicatricial (Andrade & Cunha, 2010; Smith,
2005, citado por Procter, 2010).

Em relação as AVD’s, a queimadura despoleta o desenvolvimento de sentimentos de


perda de funcionalidade e capacidades para o seu desempenho. A consecução de AVD’s
de forma independente tem um papel de relevo no sucesso do programa de reabilitação
(Edgar & Brereton, 2004, citados por Procter, 2010). Através de uma avaliação
funcional será possível definir metas que poderão incluir processos de reaprendizagem,
ensinos para novas estratégias adaptativas ou para equipamentos adaptativos (COBIS,
2009). Simultaneamente, deve ser desencorajado nos familiares o desempenho de papéis
de “substituição” na realização das AVD’s, visto que aumenta a renitência da pessoa em
participar no programa de reabilitação. A participação ativa do doente queimado na
execução de AVD’s promove a sensação de bem-estar e de “controlo” sobre o meio que
o rodeia, aumentando os níveis de autoestima e de motivação (Procter, 2010).

Terceira Fase da Reabilitação – Fase Crónica

A última fase da reabilitação do doente queimado é denominada por fase crónica e tem
início aproximadamente dois anos após a lesão. Tal como se verificou nas fases
anteriores é necessário dar continuidade ao programa de reabilitação. O programa de

56
gestão do processo cicatricial, a melhoria contínua da capacidade funcional e a
reintegração socioprofissional são as principais áreas de intervenção.

A vida após uma lesão grave por queimadura pode exigir programas de reabilitação para
o resto da vida (Procter, 2010). A pessoa com queimadura fica marcada pela presença
de uma cicatriz permanente, que irá influenciar a ADM, reduzir a força muscular e
capacidade funcional. Ainda, os aspetos psicológicos e sociais que daí derivam afetam
de modo significativo a reintegração social (Hale et al., 2013). Nesta conjuntura, uma
lesão causada por queimadura desencadeia mecanismos de autodefesa, especificamente
o isolamento social. Por consequência, o regresso à sociedade é um processo tortuoso e
difícil. É frequente que o doente queimado percecione sentimentos de singularidade
relativamente ao meio social a que pertence, por outras palavras, sente que é a única
pessoa que sofreu este tipo de lesão (Procter, 2010).

Nesta fase, a terapia compressiva e a utilização de dispositivos de silicone são dadas por
terminadas. Todavia, deve ser realizada uma vigilância e monitorização de sinais de
hipertrofia da cicatriz uma vez que, poderá ser necessário reiniciar o programa de
terapia compressiva (COBIS, 2009).

Na pele que sofreu uma queimadura observam-se episódios frequentes de descamação e


desidratação epidérmica. Por consequência, é preponderante cuidar da pele através da
aplicação diária de cremes hidratantes com propriedades emolientes e com princípios
ativos eficazes (Borges, 2006, citado por Andrade & Cunha, 2010). O período de
maturação da ferida determina o seu aspeto estético. Consequentemente é necessário
orientar e ensinar a pessoa com queimadura quanto a adaptação do vestuário (vestuário
de algodão) e à sensibilidade à exposição solar (utilização de protetor solar)
(Echevarría-Guanilo et al., 2012).

Na fase intermédia e/ou na fase crónica, a família ou o cuidador informal serão


responsáveis por prestar diversos cuidados à pessoa queimada, tais como: a satisfação
do autocuidado (higiene, comer, beber, vestir-se, despir-se e arranjar-se), a gestão do
regime medicamentoso, a gestão de medidas de segurança e a promoção da interação
psicoemocional e social (Goyatá, Rossi, & Dalri, 2006, citados por Almeida & Santos,
2013). Por outro lado, o sucesso da reintegração do doente queimado na comunidade
exige que o processo de reabilitação se direcione para o retorno ao trabalho. Mais
precisamente são considerados como fatores facilitadores do retorno ao trabalho: a
participação social ativa, a continuidade de cuidados de saúde e de reabilitação, a
57
adaptação das tarefas à pessoa e os apoios sociais (EBA, 2013). As barreiras
percecionadas após o reingresso ao trabalho parecem mudar ao longo do tempo. Nos
primeiros meses observam-se dificuldades no desempenho da função devido as sequelas
físicas, porém a longo prazo os problemas psicossociais sobressaem (Mason et al.,
2012, citados por EBA, 2013).

2.3. A CONTINUIDADE DE CUIDADOS APÓS O REGRESSO AO DOMICÍLIO

O modelo clássico de prestação de cuidados, focado no modelo biomédico tradicional,


em que a atenção é centrada exclusivamente nas alterações biológicas e na doença, não
é de todo ajustado à transição epidemiológica que estamos vivendo. Pelo que, a
implementação de novos paradigmas direcionados para recuperação global e sua
manutenção, devem ser considerados como processos ativos e contínuos. Por outras
palavras, há necessidade de períodos mais longos de tratamentos, que ultrapassam a fase
aguda da doença. Assim, sugere-se o enfoque nas intervenções preventivas, na
reabilitação, na readaptação e na reintegração social, bem como a provisão e
manutenção do conforto e da qualidade de vida, mesmo em situações irrecuperáveis
(Decreto-Lei nº 101/2006).

Em Portugal, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) procura


oferecer cuidados de saúde e de apoio social às pessoas em situação de dependência. O
pilar fundamental na “filosofia da RNCCI” é a promoção da autonomia da pessoa em
situação de dependência para que recupere a funcionalidade. Ainda, salienta-se a
abordagem centrada na pessoa de modo sistematizado, documentado e resultante do
trabalho de uma equipa multidisciplinar. A Equipa de Cuidados Continuados Integrados
(ECCI) caracteriza-se por ser uma equipa multidisciplinar coordenada pelas entidades
responsáveis pelos cuidados de saúde primários e entidades de apoio social. A prestação
de cuidados continuados integrados domiciliários é realizada por profissionais que
desempenham funções nos cuidados de saúde primários, nomeadamente enfermeiros e
médicos de família. Todavia, é de salientar a articulação com outros profissionais de
saúde, mais precisamente os assistentes sociais e os fisioterapeutas. Os cuidados que são
oferecidos e prestados pela equipa médica e de enfermagem são de natureza preventiva,
curativa, reabilitadora e paliativa (Cuidados Continuados Saúde e Apoio Social, 2007).

A família ou o cuidador informal são sem dúvida um elo fundamental no processo de


cuidados à pessoa com queimadura. A equipa de Enfermagem deve ser responsável por

58
criar a ligação e o envolvimento da família como parceira de cuidados. A família ou
cuidador informal devem ser ensinados, orientados, instruídos e treinados para dar
continuidade ao programa de reabilitação no domicílio (Carvalho, 2013; Gomes, 2014).

O Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação deve intervir nas diversas


fases do processo de doença/incapacidade. Neste sentido, a Ordem dos Enfermeiros
refere que,

“A sua intervenção visa promover o diagnóstico precoce e acções preventivas de


enfermagem de reabilitação, de forma a assegurar a manutenção das capacidades
funcionais dos clientes, prevenir complicações e evitar incapacidades, assim como
proporcionar intervenções terapêuticas que visam melhorar as funções residuais,
manter ou recuperar a independência nas actividades de vida, e minimizar o
impacto das incapacidades instaladas (quer por doença ou acidente)
nomeadamente, ao nível das funções neurológica, respiratória, cardíaca,
ortopédica e outras deficiências e incapacidades. Para tal, utiliza técnicas
específicas de reabilitação e intervém na educação dos clientes e pessoas
significativas, no planeamento da alta, na continuidade dos cuidados e na
reintegração das pessoas na família e na comunidade, proporcionando-lhes assim,
o direito à dignidade e à qualidade de vida” (OE, 2010, p. 1).

Neste enquadramento, considerando o fenómeno em estudo, as vivências da pessoa com


queimadura no domicílio, os cuidados especializados de Enfermagem de Reabilitação à
pessoa com queimadura, devem promover o cariz holístico e multidimensional, para que
seja possível alcançar uma qualidade de vida que permita uma reintegração familiar,
profissional e social satisfatória.

O Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação já começa decentralizar-se


do meio hospitalar, para integrar as equipas multidisciplinares dos cuidados de saúde
primários. Este acontecimento é fundamental uma vez que, no caso da pessoa com
queimadura, após a alta hospitalar, os apoios na comunidade são muito limitados. Por
outras palavras, são necessários projetos direcionados para o apoio da pessoa queimada
ao nível dos cuidados de saúde primários. A tomada de conhecimento sobre a
experiência vivida pela pessoa com queimadura, relativamente às dificuldades e
necessidades percecionadas no domicílio é essencial para direcionar a prestação de
cuidados do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação.

59
CAPÍTULO 3 – O IMPACTO DA LESÃO POR QUEIMADURA NA
QUALIDADE DE VIDA DA PESSOA

A pessoa com queimadura é confrontada com um processo de reabilitação físico, social


e psicológico pelo que, assume importância fulcral investigar a perceção da qualidade
de vida da pessoa com queimadura (Stavrou et al., 2014). As perdas a longo prazo da
qualidade de vida na pessoa com queimadura são semelhantes às das pessoas que
sofreram um traumatismo crânioencefálico (Miller et al., 2013).

A evolução no tratamento dos doentes queimados não procura apenas a sobrevivência


da pessoa queimada para inteirar o processo de reabilitação, mas sim, visa reintegrá-los
na sociedade com qualidade de vida. A qualidade de vida é integrada na história clínica
de cada doente, sendo uma variável tão importante como a taxa de mortalidade (Silval,
Naspitz, & Solè, 2000, citados por Silva, Oliveira, Vale, & Batista, 2013).

Ao analisar as recomendações fornecidas pela EBA (2013), a qualidade de vida deve ser
um foco de atenção tão importante como a sobrevivência; a equipa multidisciplinar deve
possuir conhecimentos sobre os fatores que contribuem para a qualidade de vida para
assim direcionar as suas intervenções; a qualidade de vida deve ser avaliada
sistematicamente desde a admissão até o final do processo de reabilitação.

A qualidade de vida representa uma elevada complexidade biológica, social e


psicológica. As características de cada pessoa, os mecanismos de enfrentamento e as
especificidades do meio ambiente (economia e apoio social) têm impacto na qualidade
de vida do doente queimado (Wilson & Cleary, 1995, citados por EBA, 2013).

Diversas são as variáveis que influenciam a perceção do estado de saúde,


nomeadamente, fatores fisiológicos como: a SCQ, a localização anatómica da
queimadura, a classificação da queimadura e as intervenções cirúrgicas realizadas
(Fauerbach et al., 2005; van Loey, van Beeck, Faber, van de Schoot, & Bremer, 2012,
citados por EBA, 2013). As alterações na saúde mental (sintomatologia depressiva e
insatisfação com imagem corporal) representam ameaças para o bem-estar do doente
queimado (Fauerbach et al., 2000; Oster, Willebrand, & Ekselius, 2011, citados por
EBA, 2013). No estudo realizado por Elsherbiny, Salem, El-Sabbagh, Elhadidy e
Eldeen (2011) o sexo, o nível de instrução académica, a ocupação profissional após a

60
lesão, a SCQ, a localização da queimadura e a incapacidade funcional foram os
principais determinantes que afetaram a perceção da qualidade de vida.

O estudo realizado por Wasiak et al. (2014a) procurou identificar as características


clínicas capazes de influenciar a qualidade de vida, 12 meses após a lesão. Os
instrumentos utilizados foram The Medical Outcomes Study 36-Item Short- Form
Health Survey e a Burn Specific Health Scale (BSHS) e, a amostra foi constituída por
99 pessoas com queimaduras. A idade avançada, o sexo feminino, maiores percentagens
de SCQ e profundidade da queimadura foram responsáveis por scores mais baixos de
perceção da saúde física. A idade avançada e a percentagem de SCQ mostraram ser
preditores importantes para um pior estado de saúde mental. Por último, a idade
avançada e o sexo feminino foram também apontados como preditores de scores mais
baixos no instrumento de avaliação BSHS.

Em relação à idade, a recuperação da qualidade de vida em crianças face ao adulto é


diferente. Deste modo, Miller et al. (2013) sugerem que as crianças recuperam os níveis
de qualidade de vida mais rapidamente (aproximadamente dentro de 1 ano) e na
totalidade. Já o adulto com 25 a 50 % da SCQ necessita de 2 anos para estabilizar os
níveis de qualidade de vida.

Durante a fase aguda do processo de reabilitação, o estudo de Guimarães, Martins e


Guimarães (2013) procurou identificar o nível de qualidade de vida em 20 doentes
queimados hospitalizados. O instrumento de avaliação utilizado foi The Medical
Outcomes Study 36-Item Short- Form Health Survey. O domínio da “Vitalidade” e da
“Saúde Mental” apresentam maior pontuação, já os piores resultados cingiram-se aos
domínios dos “Aspetos Físicos” e dos “Aspetos Emocionais”. Relativamente ao
domínio da “Vitalidade”, os resultados do estudo de Moi e Nilsen (2012) sugerem que a
vitalidade é um fator de relevo para a autoperceção da saúde geral e para a qualidade de
vida global na pessoa adulta que sofreu um acidente por queimadura. Do mesmo modo,
o estudo descritivo realizado por Silva, Oliveira, Vale e Batista (2013) utilizou o mesmo
instrumento de avaliação e procurou verificar a qualidade de vida em 16 doentes
queimados hospitalizados. Os resultados mostram melhorias nos domínios da Dor e
Saúde Mental, sugerindo que a reabilitação promove a diminuição do sofrimento
aumentando a perceção da qualidade de vida.

Na análise da qualidade de vida após a alta hospitalar, o estudo de Wasiak et al. (2014b)
procurou descrever o estado de saúde e a qualidade de vida em 114 doentes queimados,
61
um ano após a queimadura. Os instrumentos de avaliação utilizados foram The Medical
Outcomes Study 36-Item Short- Form Health Survey e a BSHS. Após 12 meses da
ocorrência da lesão, alguns domínios da qualidade de vida são melhorados. Contudo, ao
longo dos primeiros 12 meses, o doente queimado é confrontado com inúmeros desafios
face a recuperação física e psicossocial que promovem a oscilação da perceção da
qualidade de vida.

Ainda, no estudo de Júnior et al. (2010) com uma amostra constituída por 21 pessoas
com queimadura e aplicando o instrumento BSHS, verifica-se que após a alta clínica as
limitações físicas e psíquicas diminuem a qualidade de vida. Evidencia-se a importância
de uma intervenção de reabilitação precoce e abrangente para minimizar as sequelas e
melhorar a qualidade de vida. No estudo transversal de Nicolosi et al. (2012), com 63
adolescentes durante o processo de reabilitação, os domínios mais afetados foram a
sensibilidade térmica, o afeto, a imagem corporal e o regime terapêutico. Para além
disso, no estudo realizado por Edwards et al. (2007) citados por Stavrou et al. (2014), os
resultados sugerem que, após a aplicação do instrumento The Medical Outcomes Study
36-Item Short- Form Health Survey, a ansiedade e a sintomatologia depressiva foram
mais frequentes no primeiro ano após a queimadura.

Na fase crónica do processo de reabilitação, também se verificam alterações na


perceção da qualidade de vida. O estudo de Renneberg et al. (2014) procurou identificar
a qualidade de vida a longo prazo após a lesão por queimadura. A amostra foi
constituída por 265 pessoas com queimadura. Ao longo de 36 meses houve uma ligeira
melhoria da qualidade de vida a nível físico. A mobilidade foi considerada uma variável
fundamental na perceção global da qualidade de vida. Já a nível da saúde mental
verificou-se a incidência de sintomatologia depressiva, neurótica e transtorno de stress
pós-traumático.

No Egipto, o estudo descritivo correlacional realizado por Elsherbiny et al. (2011), com
uma amostra de 100 pessoas adultas com queimaduras graves revelou que, após a
aplicação da BSHS, a queimadura apresentou um impacto negativo sobre a maioria das
dimensões da qualidade de vida: a imagem corporal, a sensibilidade ao calor, a
ocupação profissional e a saúde psicológica global. Deste modo, compreende-se que a
qualidade de vida diminui quando uma pessoa sofre uma queimadura (Ferreira et al.,
2014). A diminuição da qualidade de vida global é evidenciada no momento da alta
hospitalar, 6 meses e 4 anos após a lesão (Patterson, Ptacek, Cromes, Fauerbach, &

62
Engrav, 2000; Moi, Wentzel-Larsen, Salemark, Wahl, & Hanestad, 2006, citados por
EBA, 2013). O processo de reabilitação procura melhorar as complicações e sequelas
decorrentes da queimadura e desempenha um papel marcante na melhoria dos aspetos
psicossociais (Guirro & Guirro, 2007, citados por Silva et al., 2013). Por último, a
reinserção social e o regresso ao trabalho são elementos fundamentais para a qualidade
de vida, a longo prazo (EBA, 2013).

Em síntese, compreende-se que a perceção da qualidade de vida altera-se com o passar


do tempo após a ocorrência da lesão. Existem múltiplos determinantes capazes de
alterar a perceção da qualidade de vida, variando de acordo com as características da
pessoa e com as especificidades da queimadura. Ainda, é importante proceder à
avaliação sistemática da qualidade de vida, visto ser um recurso útil para direcionar e
personalizar os cuidados ao longo do processo de reabilitação.

63
PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO

64
O Estudo Empírico corresponde a Fase metodológica e a Fase Empírica da
investigação. A fase metodológica consiste em definir os meios para realizar a
investigação. A fase empírica corresponde à realização da investigação, a qual
caracteriza-se pela colheita, interpretação e análise da informação, colocando em prática
o plano metodológico delineado (Fortin, 2009).

O estudo empírico encontra-se dividido em três grandes capítulos.

No Capítulo 1, intitulado por “A metodologia Qualitativa e a Fenomenologia” é


apresentado o enquadramento histórico e metodológico da fenomenologia e, ainda, é
abordado o método fenomenológico aplicado à Enfermagem.

No Capítulo 2, titulado por “Percurso metodológico” é exposto e descrito o percurso


metodológico, abordando a problemática de investigação, o processo de seleção dos
participantes, os procedimentos e técnicas de colheita de informação, o processo de
análise da informação, a validação e rigor da investigação e as considerações éticas e
formais.

Por último, no Capítulo 3, denominado por “Apresentação, análise e interpretação da


informação” são apresentadas as características sociodemográficas dos participantes e,
ainda, são apresentadas, interpretadas e analisadas as unidades naturais de significado,
os respetivos temas centrais e subtemas referentes às vivências da pessoa com
queimadura.

65
CAPÍTULO 1 – A METODOLOGIA QUALITATIVA E A FENOMENOLOGIA

A investigação em Enfermagem procura responder às questões ou solucionar os


problemas de relevância para a profissão de Enfermagem, recorrendo principalmente a
dois grandes paradigmas: o positivista e o naturalista (Polit, Beck, & Hungler, 2004). O
paradigma naturalista exige aos investigadores o enfoque nos “aspetos dinâmicos,
holísticos e individuais dos fenómenos, tentando captura-los na sua totalidade, dentro do
contexto dos que o experimentam” (Polit et al., 2004, p.30). Nesta abordagem o
investigador e o objeto têm uma relação intersubjetiva, não sendo o primeiro
considerado o perito, mas sim o produtor de conhecimento (Fortin, 2009).

Os métodos naturalistas encontram-se relacionados com a investigação de natureza


qualitativa, visto que “a investigação qualitativa está vocacionada para a análise de
casos concretos, nas suas particularidades de tempo e espaço, partindo das
manifestações e atividades das pessoas nos seus contextos próprios” (Flick, 2013, p.
13). Por outras palavras, a complexidade humana é explorada na sua totalidade através
de relatos ricos e profundos capazes de clarificar o fenómeno em estudo.

A pesquisa qualitativa pode-se caracterizar de modo geral pela sua flexibilidade de


adaptação no decorrer de toda a investigação, inclusivamente permite que o objeto da
investigação seja construído de forma progressiva. Para além disso, evidencia-se pela
capacidade de englobar dados heterogéneos e por descrever de modo aprofundado os
diversos aspetos relevantes da vida social (Poupart et al., 2012).

Todavia, a investigação qualitativa apresenta limitações uma vez que, são os seres
humanos os instrumentos diretos através dos quais a informação é reunida e, os mesmos
são considerados como ferramentas inteligentes, sensíveis, mas também podem ser
falíveis. Ainda, uma outra limitação envolve a natureza subjetiva da investigação, ou
seja, a generalização dos resultados pode ser questionada (Polit et al., 2004).

1.1. A FENOMENOLOGIA: PERSPETIVA HISTÓRICA E METODOLÓGICA

A Fenomenologia teve origem nos filósofos alemães Husserl e Heidegger, progredindo


e ganhando força pela Europa através dos trabalhos de dois filósofos franceses Satre e

66
Merlau-Ponty (Graças & Santos, 2008; Silva, Lopes, & Diniz, 2008; Thomas, 2005,
citados por Earle, 2010).

O autor Moran (2005) citado por Earle (2010) apresenta Edmund Husserl como um
matemático desapontado com as ciências exatas. Este é considerado o fundador da
Fenomenologia através da apresentação formal desta abordagem na obra Logische
Untersuchungen (Logical Investigations, 1900) (Koch, 1995, citado por Earle, 2010).

O filósofo Martin Heidegger estudante de Husserl, a partir da sua obra Being and Time
contribuiu para o desenvolvimento da Fenomenologia. Contudo, apresentou uma
abordagem oposta à tradicional (Moran, 2005, citado por Earle, 2010). Mais
precisamente, a sua perspetiva de Fenomenologia direcionou-se para o foco ontológico,
enquanto a de Husserl centrou-se na epistemologia. Por este motivo, Heidegger foi
considerado o fundador da Fenomenologia hermenêutica (Graças & Santos, 2008;
Annells, 1996, citado por Earle, 2010).

Mais tarde, com base nas perspetivas destes filósofos, Maurice Merleau-Ponty também
contribuiu para o desenvolvimento do pensamento fenomenológico, explicando no seu
texto Phenomenology of Perception o entendimento de “estar-no-mundo” e destacando
a importância da relação entre a pessoa e o objeto (Moran, 2005, citado por Earle,
2010). De acordo com Dowling (2007) citado por Earle (2010), este filósofo incidiu
numa perspetiva existencial e não transcendental como defendido por Husserl.

O recente cientista e filósofo canadiano, Max van Manen, apresentou uma


Fenomenologia centrada numa perspetiva pedagógica e direcionada para a ação. Ainda,
apresentou a distinção entre Fenomenologia descritiva e a interpretativa (Earle, 2010).

O filósofo Husserl (1857-1938) fundou a “escola” da Fenomenologia descritiva, a qual


procura conhecer a descrição dos significados das experiências das pessoas, isto é,
perceber o que a pessoa experimenta perante um determinado fenómeno. A “escola”
interpretativa ou hermenêutica foi fundada por Heidegger (1889-1976). Esta defende a
necessidade da interpretação e compreensão das experiências para além da sua
descrição, incluindo o espaço, o corpo, o tempo e a relação humana (Polit et al., 2004).

A subjetividade objetiva deste método de investigação intrínseca ao seu objeto de


estudo é justificada pelo movimento filosófico como um método de pesquisa, com
explicações de diferentes escolas filosóficas baseadas em diferentes paradigmas. Estas

67
caraterísticas implicam a existência de diferentes formas de Fenomenologia defendidas
por fenomenólogos distintos (Earle, 2010, citado por Bradbury-Jones, 2012).

O método fenomenológico

A Fenomenologia tornou-se reconhecida como uma forma de estudar as experiências de


pesquisa em saúde. O termo "Fenomenologia" deriva do grego e significa "trazer à luz",
mas a atual definição encoraja uma abordagem que olha para além das apresentações
iniciais, encerrando diferentes significados consoante o contexto, seja ele teórico ou
prático (Adams & van Manen, 2008, citados por Earle, 2010; Pringle, Hendry, &
McLafferty, 2011).

A Fenomenologia é definida por Mohanty (2008) citado por Earle (2010, p.287) como
“a ciência da consciencialização”, perspetivando-a, segundo van Manen (1997) citado
por Earle (2010), como disciplina que procura descrever a forma como o mundo é
formulado e experienciado através de atos conscienciosos. Estas definições vão ao
encontro dos conceitos de Perius (2012), que carateriza a Fenomenologia como não
neutra no que confere às suas respostas, laboriosa, com um questionamento contínuo
limitado ao seu objeto, mas que permite compreendê-lo de uma forma única.

O método fenomenológico surgiu da filosofia e da psicologia. O seu objeto são as


experiências vividas pelo ser humano sendo que, o investigador se questiona sobre a
essência do fenómeno, considerando a perspetiva experienciada pelas pessoas e o seu
significado. Os autores Polit et al. (2004, p. 207) referem que “o fenomenologista
investiga os fenómenos subjetivos, na crença de que as verdades críticas sobre a
realidade estejam fundamentadas nas experiências vividas pelas pessoas”.

O filósofo alemão Husserl introduziu o conceito de conhecimento das experiências do


ser humano como a base para a abordagem (Pringle et al., 2011). As críticas apontadas
ao seu idealismo baseiam-se no papel da ambiguidade e na impossibilidade de redução
fenomenológica completa (Perius, 2012). Nesta mesma perspetiva Silva et al. (2008) e
Graças e Santos (2008) afirmam que a natureza do objeto abrange o ser humano
enquanto ser no mundo, como presente e presença, que equivale ao “ser-aí” apresentado
por Heidegger, caraterizado como a pessoa que interage com o seu contexto, não
encerrado para o mundo. Ainda, Spielberg (1975) citado por Streubert e Carpenter
(2002) reforça a ideia de que o método fenomenológico investiga fenómenos subjetivos

68
essenciais, que estão alicerçados à experiencia de vida, sendo valorizada conforme se
apresenta e não da forma que alguém pensa ou diz.

1.2. O MÉTODO FENOMENOLÓGICO APLICADO À ENFERMAGEM

A Fenomenologia é um método adequado e rigoroso para o estudo do sentido da


experiência humana nas múltiplas relações que a pessoa estabelece com o mundo.
Consequentemente é essencial uma solidez epistemológica e metodológica que permita
articular a subjetividade do conhecer com o conhecimento científico válido e objetivo
(Giorgi & Sousa, 2010).

Nas ciências sociais e humanas destacam-se os contributos da Fenomenologia, na


renovação dos métodos e na orientação dos problemas. Os profissionais de saúde, mais
precisamente os Enfermeiros, ao utilizarem uma abordagem fenomenológica, focam as
experiências vividas pelos doentes, o que permite identificar e responder mais
adequadamente às suas necessidades (Pringle et al., 2011). De realçar que, segundo
Rose et al. (1995) citados por Pringle et al. (2011, p.13), "a Fenomenologia claramente
tem o potencial de gerar conhecimentos para a prática da prática". Do mesmo modo,
Loureiro (2006) aponta para a importância das linhas metodológicas inerentes à prática
científica, baseadas nos fenómenos identificados pelos investigadores, que muito
contribuiu para o desenvolvimento da disciplina de Enfermagem.

Neste sentido, a Enfermagem procura compreender o ser humano na totalidade,


colocando de parte o “ser fragmentado” e favorecendo uma visão holística. Esta
disciplina expressa-se na área do cuidar, manifestando o seu corpo de conhecimentos,
em habilidades e atitudes. A utilização da Fenomenologia permite refletir acerca da sua
natureza e domínio, realizando a conceção do cuidar e o sentido atribuído às vivências
das pessoas (Graças & Santos, 2008).

A Enfermagem é uma ciência que, segundo Meleis e Tangenstein (1994) citados por
Queirós (2009), tem como objeto as vivências humanas no decorrer dos processos de
transição, com o objetivo de conhecê-las, visando o cuidar das pessoas nessas fases,
facilitando a sua transição e o alcance do melhor bem-estar. Deste modo, é percetível
compreender que a utilização do método fenomenológico nesta área tem-se ampliado e
os resultados têm enriquecido à prática clínica, pois é durante o exercer da profissão que
os investigadores denotam a necessidade de estudar os fenómenos.

69
CAPÍTULO 2 – PERCURSO METODOLÓGICO

O percurso metodológico ou fase metodológica de uma investigação de cariz


qualitativo, com uma abordagem fenomenológica, caracteriza-se por diversas etapas.
Nesta fase, é fundamental determinar as operações e as estratégias necessárias para a
investigação. O investigador deve dirigir foco de atenção para o desenho de
investigação, a escolha dos participantes e para os métodos de colheita da informação.
A elaboração de um plano de trabalho representativo do processo de investigação é um
recurso importante para o investigador (Fortin, 2009).

Contudo, devido às especificidades da investigação qualitativa, nomeadamente a


flexibilidade presente durante toda a investigação, o delineamento da investigação
sucede-se de forma emergente. O delineamento emergente permite que o investigador se
baseie na realidade e nos pontos de vista que inicialmente não eram conhecidos ou
compreendidos (Polit et al., 2004).

Neste capítulo pretende-se descrever o percurso metodológico de modo pormenorizado.


Inicialmente, é apresentado o fenómeno a investigar, a questão de investigação e os
objetivos. Seguidamente procede-se a caracterização dos participantes, a explicitação
dos procedimentos e técnicas de colheita de informação, a descrição do processo de
análise da informação, a validação e rigor da investigação e finaliza-se com as
considerações formais e éticas.

2.1. FENÓMENO A INVESTIGAR

A escolha do fenómeno a investigar advém normalmente de uma inquietação ou dúvida


sobre uma determinada realidade percecionada pelo investigador. Neste sentido, o
investigador procura encontrar respostas que satisfaçam o seu interesse inicial, mas
também que contribuam para o desenvolvimento e enriquecimento do conhecimento
científico.

O fenómeno em estudo deve ser delimitado através da especificação da natureza, do


contexto e do significado, recorrendo para isso a um texto argumentativo para justificar
e sustentar a investigação (Polit et al., 2004). De seguida é apresentado o fenómeno em
estudo, recorrendo a um breve texto argumentativo no qual é justificado o fenómeno a
investigar, a questão de investigação, os objetivos e o desenho da investigação.
70
A Organização Mundial de Saúde considera as queimaduras como um problema grave
de saúde pública, com um impacto de relevo nas taxas de mortalidade e morbilidade.
Mundialmente estima-se que aproximadamente 265 000 pessoas morrem anualmente
devido aos acidentes por queimadura (WHO, 2014).

A taxa de mortalidade nas vítimas de queimadura tem vindo a diminuir devido às


melhorias no atendimento hospitalar e pré-hospitalar. Todavia, o número de pessoas que
permanece com sequelas é elevado, representando um grande desafio ao processo de
reabilitação (Júnior et al., 2010).

A pessoa com queimadura é confrontada de forma inesperada com uma experiência


traumática decorrente do acidente. Este fenómeno é considerado como uma das mais
traumáticas situações que o indivíduo pode experienciar física e emocionalmente,
provocando um impacto avassalador na pessoa e na sua família.

As complicações que derivam da queimadura transcendem a destruição parcial ou total


da espessura da pele, acarretando para a pessoa inúmeras consequências e sequelas
(EBA, 2013). As principais sequelas e complicações que afetam a pessoa são as
cicatrizes hipertróficas, as retrações, as alterações da pigmentação, as contraturas, as
alterações da imagem corporal e da autoestima. Ainda, se verifica a dificuldade de
reintegração familiar, profissional e social, conduzindo à diminuição da perceção da
qualidade de vida da pessoa e dos seus familiares. O seu impacto multidimensional
repercute-se na pessoa a nível pessoal, físico, psicológico, familiar e social.

Após identificada a área de interesse, procurou-se esclarecer e delimitar o fenómeno a


estudar. Neste sentido o fenómeno em estudo foca-se nas “Vivências da pessoa com
queimadura no domicílio”. Enquanto profissional de Enfermagem a desempenhar
funções na RNCII e na comunidade ao contactar com algumas pessoas com
queimaduras, foi possível observar o enorme impacto biopsicossocial que a queimadura
acarreta. Denotou-se que as pessoas com queimaduras enfrentam uma mudança
extremamente desafiante e complexa após o regresso ao domicílio. Do ponto de vista
pessoal e profissional este facto despoletou uma sensação de inquietação e interesse
para estudar este fenómeno.

Da análise da literatura, constatou-se a existência de lacunas nesta área, principalmente


ao nível nacional. Ainda, observou-se uma grande afluência de estudos relativos à fase
de internamento hospitalar do doente queimado. Porém, a queimadura é um fenómeno

71
que permanece ao longo do tempo, deixando sequelas crónicas. Concomitantemente,
quando se procura compreender as vivências da pessoa com queimadura no domicílio,
verifica-se que é uma área ainda pouco explorada. Com o presente estudo, espera-se
recolher informações de cariz qualitativo, de modo a contribuir para o desenvolvimento
da disciplina de Enfermagem, mais especificamente para a Enfermagem de
Reabilitação, tendo por base a prática baseada na evidência.

Aquando da seleção do fenómeno a investigar, é especificado o domínio a explorar e é


elaborada a questão de investigação. Nos estudos qualitativos é delineada uma questão
de investigação central e subquestões. Num estudo fenomenológico a questão central
deve ser aberta e geral com enfoque na experiência vivida (Fortin, 2009).

Deste modo, a presente investigação pretende dar resposta à seguinte questão de


investigação central: Quais as vivências da pessoa com queimadura no domicílio?

Consequentemente após a formulação da questão de investigação central definiram-se


três questões de investigação subquestões:

-Qual foi a experiência vivida, pela pessoa com queimadura, relativamente à preparação
para o regresso ao domicílio, realizada pela equipa de Enfermagem?

-Quais foram as principais necessidades/dificuldades percecionadas no domicílio, pela


pessoa com queimadura?

-Qual foi a experiência vivida, pela pessoa com queimadura, relativamente à


continuidade de cuidados de Enfermagem de Reabilitação?

Partindo da questão de investigação central definiu-se o seguinte objetivo geral –


Analisar as vivências da pessoa com queimadura no domicílio. E como objetivos
específicos:

-Descrever a importância atribuída, pela pessoa com queimadura, aos cuidados


prestados pelo Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação, na preparação
para o regresso ao domicílio;

-Descrever as principais necessidades percecionadas, pela pessoa com queimadura, no


domicílio;

-Descrever as dificuldades percecionadas, pela pessoa com queimadura, no domicílio;

72
-Descrever a importância atribuída, pela pessoa com queimadura, relativamente à
continuidade de cuidados de Enfermagem de Reabilitação.

O Desenho de Investigação é descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa e


enfoque fenomenológico. Em consonância com a questão de investigação e os objetivos
delineados, decidiu-se realizar um estudo de natureza fenomenológica recorrendo ao
método de análise proposto por Loureiro (2002). Torna-se necessário entrar no “mundo”
destas pessoas com queimaduras, descrevendo e interpretando as suas vivências,
explorando sentimentos, sensações e perceções sobre desde o acidente por queimadura
até ao momento.

Na fenomenologia, a investigação de fenómenos particulares parece ser a mais indicada


para investigações em Enfermagem (Spiegelberg, 1971, citado por Loureiro, 2002). A
proposta de análise fenomenológica sugerida por Loureiro (2002) procura preservar os
pressupostos referidos por Husserl (já referenciados no capítulo anterior). Ainda, tem
por base os pressupostos da análise fenomenológica proposta por Amedeo Giorgi
(1985) e alguns conceitos presentes em outros autores, tais como Colaizzi (1978) e Van
Kaam (1959). A escolha deste método de análise fenomenológica cinge-se ao facto de
Loureiro (2002) adaptar este método à investigação fenomenológica em Enfermagem.
Por consequência, a compreensão e sua aplicação prática torna-se mais clara e acessível
ao investigador. Por fim, de acordo com o referido, compreende-se que o desenho de
investigação escolhido se encontra adequado para compreender o fenómeno em estudo,
alcançar os objetivos e responder à questão de investigação central delineada. A Figura
1 tem por finalidade representar de modo esquemático e sintético o processo de
investigação do estudo.

73
Figura 1 – Representação esquemática do processo de investigação.

Fenómeno em Estudo

Vivências da pessoa com queimadura no domicílio.

Questão de Investigação Central Objetivo Geral


Quais as vivências da pessoa com Analisar as vivências da pessoa com
queimadura no domicílio? queimadura no domicílio.

Desenho do Estudo Método


- Colheita de dados: entrevista
- Metodologia de natureza Qualitativa;
semiestruturada;
- Abordagem Fenomenológica;
- Análise fenomenológica segundo L.
- Estudo descritivo e exploratório;
Loureiro (2002).
- Referencial filosófico de Husserl.

Foco de Estudo
Relatos das vivências de pessoas com
queimadura no domicílio.

Participantes
Pessoas com queimadura que foram internadas numa Unidade de
Queimados da Região Centro de Portugal e, neste momento se encontrem
no próprio domicílio.

Critérios de inclusão
 Idade igual ou superior a 18 anos;
 Consentir e colaborar voluntariamente no estudo;
 Estar orientado/a; ter estado hospitalizado/a numa Unidade de
Queimados da região centro de Portugal;
 Tempo decorrido após a ocorrência da (s) queimadura (s) superior ou
igual a seis meses;
 Encontrar-se no domicílio após ter sido hospitalizado numa Unidade de
Queimados da Região Centro de Portugal.

74
2.2. PARTICIPANTES DO ESTUDO

Nas investigações qualitativas as pessoas que integram o estudo podem ser


denominadas por informantes ou participantes (Streubert & Carpenter, 2002). Neste
estudo optou-se pela designação de participantes. Os participantes são pessoas com
queimadura que foram hospitalizadas numa Unidade de Queimados da Região Centro
de Portugal e que, neste momento se encontram no próprio domicílio. Os participantes
foram convidados a participar no estudo, sendo para o efeito realizado um contacto
telefónico prévio, para que se pudesse proceder à marcação de uma entrevista
presencial.

A seleção dos participantes teve por base a experiência vivenciada por eles pela
primeira vez, a cultura e a interação social relativamente ao fenómeno de interesse.
Deste modo, procurou-se garantir a existência de uma relação íntima entre a experiência
vivida pelos participantes e o fenómeno que se pretende descrever e analisar (Streubert
& Carpenter, 2002; Fortin, 2009).

Concomitantemente foram definidos os seguintes critérios de inclusão:

-Idade igual ou superior a 18 anos;


-Consentir e colaborar voluntariamente no estudo;
-Estar orientado/a;
-Ter estado hospitalizado/a numa Unidade de Queimados da Região Centro de Portugal;
-Tempo decorrido após a ocorrência da (s) queimadura (s) ser superior ou igual a seis
meses;
-Encontrar-se no domicílio após ter sido hospitalizado numa Unidade de Queimados da
Região Centro de Portugal.

O método de seleção dos participantes foi o método por redes ou bola de neve. A
escolha deste método deveu-se ao facto de os participantes em estudo serem de difícil
acesso, segundo os critérios delineados, pelo que se iria constituir numa tarefa árdua e
exigir um longo dispêndio de tempo.

O pressuposto basilar deste método cinge-se à existência de ligações sociais ou pessoais


entre os membros da população-alvo, para que seja possível identificar outras pessoas
com características semelhantes (Fortin, 2009; Faugier & Sargeant, 1997, citados por
Dewes, 2013).
75
A aplicação prática deste método inicia-se pela sinalização de pessoas que pertencem ao
grupo dos participantes do estudo. As primeiras pessoas encontradas são denominadas
por “sementes”, pois é a partir das mesmas que se irão originar os restantes
participantes. Normalmente as sementes são pessoas que se encontram mais acessíveis
aos investigadores. Esta primeira etapa é crucial, dado que, se a “semente” não for bem
selecionada toda a seleção dos participantes será comprometida pela falta de
heterogeneidade. Após encontrada a semente é dado início ao processo de recrutamento
dos participantes (Snijders, 1992, citado por Dewes, 2013).

De acordo com as características próprias do método de seleção, nomeadamente ser


feito pela indicação de outras pessoas pertencentes ao grupo de participantes que se
pretendem estudar, promove-se assim uma relação de maior confiança (Biernacki &
Waldorf, 1981, citados por Dewes, 2013).

Nos estudos qualitativos exploratórios e/ou descritivos, o método em bola de neve


oferece uma vantagem evidente na obtenção de informações perante grupos de pessoas
desconhecidas ou de difícil acesso (Hendricks & Blanken, 1992, citados por Dewes,
2013). Contudo, deve-se ter em consideração o facto de existir pouco controlo sobre o
método de seleção. Por outras palavras, os novos participantes estão dependentes dos
participantes que já integram o estudo, ou seja, devido ao processo de recrutamento ser
por indicação, a partilha de traços e características entre os participantes pode implicar
que a amostra seja apenas um subgrupo (Faugier & Sargeant, 1997, citados por Dewes,
2013).

Em concordância com que foi descrito anteriormente, o primeiro passo foi identificar e
localizar a “semente” para dar início ao processo de seleção. Assim, foram contactadas
via telefone e através do correio eletrónico três pessoas vítimas de queimaduras. Estes
recursos humanos resultaram de contactos socioprofissionais. Destaca-se que estas
pessoas têm vindo a envolver-se em projetos ligados ao doente queimado. Por esta
razão foram consideradas como “sementes” adequadas e ricas em contactos
diversificados. Posteriormente, as “sementes“ selecionadas entraram em contacto com
outras pessoas com queimadura que se enquadrassem nos critérios de inclusão
delineados para o estudo. As “sementes” pediram o consentimento às pessoas
contactadas para fornecer o contacto ao investigador. Por sua vez, o investigador entrou
em contacto via telefone ou via correio eletrónico com as pessoas indicadas pelas
“sementes”, a fim de as informar sobre o estudo e perceber se teriam interesse em

76
integrar a investigação. As pessoas contactadas pelas “sementes” indicaram outras
pessoas com queimadura e, assim, repetiu-se o processo descrito anteriormente.

Em relação ao número de participantes, Polit et al. (2004) referem a inexistência de


critérios ou regras pré-estabelecidas, uma vez que são escolhidos de acordo com a
finalidade do estudo e tendo em consideração o conceito de saturação dos dados. Nesta
linha de pensamento, Fortin (2009) acrescenta que o número de participantes pode
variar entre menos que dez a trinta. Perante o que foi referido, o grupo dos participantes
foi constituído por oito pessoas com queimaduras, após o investigador ter considerado
como atingida a saturação da informação.

2.3. PROCEDIMENTOS E COLHEITA DE INFORMAÇÃO

As investigações qualitativas procuram descobrir e explorar os aspetos do ponto de vista


dos participantes, através da interpretação do fenómeno no seu meio natural (Fortin,
2009). Mais precisamente, os estudos fenomenológicos procuram descrever ou
interpretar fenómenos subjetivos. O investigador pode permanecer "objetivo" por
preconceitos, mas estes devem ser reconhecidos como parte do processo de pesquisa
(Graças & Santos, 2009; Pringle et al., 2011).

A seleção dos procedimentos e das técnicas de colheita de informação ocorreu após a


seleção dos participantes, tendo em consideração a questão de investigação central e os
objetivos delineados. Na investigação qualitativa “a flexibilidade dos métodos de
colheita dos dados e a análise favorece a descoberta de novos fenómenos ou o
aprofundamento de fenómenos conhecidos” (Fortin, 2009, p. 300). Ainda, a mesma
autora refere que a colheita de informação pode ser efetuada de múltiplos modos, mas
cabe ao investigador selecionar o instrumento que melhor se adequa aos objetivos do
estudo e às questões de investigação.

A intencionalidade é a chave para compreender as experiências da pessoa, pois é uma


habilidade humana conseguir estar consciente dos objetos e do seu contexto entendendo
as suas caraterísticas (Keller, 1999, citado por Earle, 2010). Por outras palavras, o
indivíduo tem a capacidade de conhecer o que o rodeia pela observação, pesquisa,
questionamento e formulação de teorias (Earle, 2010).

Em concordância com a natureza do estudo optou-se por selecionar a entrevista como


instrumento de colheita de informação. A entrevista “é um modo particular de
comunicação verbal entre duas pessoas, um entrevistador que recolhe dados e um
77
respondente que fornece a informação” (Fortin, 2009, p. 375). A entrevista permite o
acesso às perspetivas únicas de cada participante, recorrendo à uma conversa informal
facilitadora e promotora da extrapolação de cada vivência subjetiva. Assim, focou-se
inteiramente a atenção para o fenómeno em estudo, procurando a apropriação do mesmo
através da aproximação e contato direto com as pessoas com queimaduras, que
fielmente transmitiram por palavras próprias as suas vivências.

Existem múltiplos tipos de entrevistas pelo que, neste estudo foi selecionada a entrevista
semiestruturada. A entrevista semiestruturada é considerada um alicerce da metodologia
qualitativa. A sua utilização permite que os pontos de vista dos entrevistados sejam
“mais facilmente expressos numa situação de entrevista relativamente aberta do que
numa entrevista estruturada ou num questionário” (Flick, 2013, p.77). Este instrumento
permitiu direcionar o diálogo para as vivências dos entrevistados, recorrendo a um
guião de entrevista pré-definido. É importante referir que este guião deve ser entendido
como um recurso flexível e adaptável às diversas entrevistas, uma vez que as perguntas
que incorporam o guião são tendencialmente abertas.

A entrevista semiestruturada promove uma maior interação entre o entrevistador e o


respondente, devido a possibilidade de colocar questões abertas e claras que
impulsionam o processo comunicativo. Ainda, o papel de orientação assumido pelo
entrevistador permite direcionar e explorar em profundidade os diversos blocos
temáticos do guião de entrevista (Flick, 2013).

O guião de entrevista (Apêndice I) encontra-se estruturado e organizado em seis blocos


temáticos. O bloco I denominado por “Legitimação da entrevista” procura explicar ao
participante as finalidades da investigação e obter o consentimento informado livre e
esclarecido para realizar a entrevista e a gravação de áudio. O bloco II intitulado por
“Caraterização do entrevistado” pretende caracterizar o participante a nível
sociodemográfico e descrever o seu perfil académico e profissional. O bloco III
representa o “Conhecimento das vivências da pessoa com queimadura no internamento
hospitalar”, no qual se procura recolher elementos que permitam descrever a
experiência vivida, relativamente à preparação para o regresso ao domicílio realizada
pela equipa de Enfermagem. O bloco IV titulado por “Conhecimento das vivências da
pessoa com queimadura no domicílio” teve por objetivo a recolha de elementos que
permitam identificar as principais necessidades/dificuldades percecionadas pela pessoa
no domicílio. O bloco V teve por temática o “Conhecimento das dificuldades/obstáculos

78
na continuidade de cuidados”, procura descrever a experiência vivida pela pessoa com
queimadura, relativamente as dificuldades percecionadas na continuidade de cuidados
no domicílio. O bloco VI destinou-se ao agradecimento pela disponibilidade
demonstrada perante a entrevista e a vontade em integrar o estudo.

O investigador antes de abordar os participantes deve procurar minimizar os possíveis


“problemas técnicos” derivados da aplicação prática do guião de entrevista. Neste
sentido, deve-se promover uma fase de treino para a utilização do guião de entrevista
(Flick, 2013). Por esta razão, o guião de entrevista foi aplicado previamente junto de um
participante com queimadura. Com a aplicação deste primeiro teste objetivou-se validar
a clareza das questões e treinar a técnica de entrevista semiestruturada. Os resultados
culminaram numa entrevista rica em informações relevantes, pelo que não foi
necessário alterar as questões.

As entrevistas decorram desde o dia 4 de maio até ao dia 5 de setembro de 2015.


Considerou-se essencial estabelecer desde início uma relação de maior proximidade e
confiança com os participantes. Desta forma, após os participantes expressarem via
telefone ou via correio eletrónico o interesse em integrar o estudo, procedeu-se a
marcação de uma entrevista presencial. O contacto inicial com os participantes permitiu
tomar conhecimento sobre o cumprimento dos critérios de inclusão definidos para
ingressar no estudo.

Primeiramente ocorreu um contacto telefónico preliminar com os participantes, a fim de


os preparar para o encontro com o investigador e agendar a entrevista para o dia e hora
mais conveniente para os mesmos e, ainda, mostrou-se disponibilidade total para
responder a possíveis questões.

Deste modo, aquando o momento da entrevista, o investigador procurou em primeiro


lugar obter o consentimento informado livre e esclarecido e a permissão escrita e oral
para proceder à gravação de áudio. Evidencia-se o cuidado do investigador em
explicitar toda a informação inerente ao estudo de modo detalhado antes de dar início a
cada entrevista.

O ambiente em que é realizada a entrevista assume-se como um fator de extrema


relevância uma vez que, pode influenciar o conteúdo da informação que é transmitida.
Assim, é importante que o participante se sinta confortável com o meio envolvente, pois
irá facilitar a divulgação da informação (Streubert & Carpenter, 2002). Neste sentido,

79
desde o início, procurou-se criar um ambiente de confiança com cada um dos
participantes, a fim de os ajudar a abordar as suas vivências. Cada entrevista foi
agendada em consonância com a disponibilidade verbalizada pelo participante. Estas
decorreram de modo individual e com respeito pela intimidade de cada pessoa
entrevistada. O local onde ocorreram as entrevistas foi no próprio domicílio de cada
participante. Cada participante mostrou-se disponível e recetivo em ser entrevistado
neste ambiente mais familiar. Ainda, este local permitiu minimizar a incidência de
interrupções e interferências externas.

Abordando os recursos utilizados para registar a informação verbalizada pelos


participantes, optou-se pela gravação de áudio de modo digital e, pelas anotações
escritas pelo investigador no decorrer e imediatamente após a entrevista. A escolha
destes recursos deveu-se ao facto de querer minimizar a perda de informação e registar
por escrito os detalhes importantes (atitude, comportamento e aparência dos
participantes), os quais através da gravação de áudio não são passíveis de se registar.
Deste modo, Streubert e Carpenter (2002) referem que as anotações feitas pelo
investigador provocam o enriquecimento da informação obtida pela entrevista,
culminando numa descrição mais detalhada e elucidativa do fenómeno.

Os participantes foram informados previamente sobre a possibilidade do investigador


poder efetuar anotações por escrito e, da importância de gravar a entrevista, através de
um gravador digital. Ainda, foi explicitado aos participantes que após a conclusão do
estudo os ficheiros de áudio serão eliminados instantaneamente.

Ao longo da entrevista é deixado ao critério do entrevistador a decisão sobre as


perguntas que pretende fazer, quando e em que ordem (Flick, 2013). No início de cada
entrevista, os primeiros minutos caracterizaram-se por um ligeiro distanciamento e
inibição por parte de alguns dos participantes. Todavia, com o passar do tempo os
relatos carregaram-se de emoção e sentimento. No decorrer das entrevistas procurou-se
ajudar cada participante a explicar-se minuciosamente, com a finalidade de facilitar a
exteriorização de emoções e sentimentos, obtendo descrições mais ricas e profundas.
Sempre que foi necessário repetiram-se algumas questões e utilizaram-se outras
tonalidades de voz, porém, tentando evitar interrupções abruptas no discurso de cada
pessoa. Destaca-se a ocorrência de situações em que os participantes repetiram ideias,
emoções e vivências. Estas situações foram enaltecidas devido a carga emocional e a
importância atribuída pelo participante.

80
O términus da entrevista sucedeu-se quando o investigador considerou ter chegado a
saturação ou exaustão dos dados, mais precisamente é o momento em que os dados que
surgem não são novos ou não variam dos que já foram colhidos, ou seja, não são
verbalizados novos temas ou essências (Streubert & Carpenter, 2002; Loureiro, 2006).
Desta forma, para garantir a autenticidade, o rigor e evitar a perda de informação obtida
pelos participantes, após cada entrevista foram organizadas as notas de campo e
transcritos os relatos.

O tempo de contacto prévio com o participante para realizar a entrevista foi analisado,
constatou-se que foi aproximadamente de 30 minutos. Mais precisamente, os primeiros
5 minutos foram de caráter informal, despendidos em explicitar e esclarecer o
participante quanto ao estudo e obter o consentimento informado. Os 20 minutos
subsequentes foram dedicados à obtenção dos relatos das experiências vividas face ao
fenómeno em estudo. Por último, os restantes 5 minutos de caráter informal foram
utilizados para agradecer ao participante a sua colaboração. Especificando o tempo
médio total investido para transcrever cada entrevista, este subdivide-se em dois
momentos: o primeiro é o tempo médio despendido no processo de audição e o segundo
é o tempo médio despendido no processo de transcrição. Nomeadamente, para o
processo de audição foi necessário aproximadamente 1 hora e 30 minutos para cada
entrevista. Em relação, ao processo de transcrição foram necessárias aproximadamente
5 horas para cada entrevista. Desta forma, o somatório destes dois momentos representa
um total de 6 horas e 30 minutos de tempo despendido para a audição e transcrição de
cada entrevista. O tempo total despendido para a audição e transcrição das 8 entrevistas
foi de 52 horas. Em apêndice encontra-se um exemplo de uma entrevista transcrita
(Apêndice II).

Por fim, compreendendo os pressupostos subjacentes à fenomenologia, especificamente


a finalidade em descrever e compreender as vivências relativas ao fenómeno em estudo,
acredita-se que através da entrevista semiestruturada foi possível extrair a essência da
vivência experienciada pelo participante.

2.4. PROCESSO DE ANÁLISE DA INFORMAÇÃO

O processo de análise dos relatos tem como objetivo extrair o sentido da informação
recolhida. Deve ser tido em consideração o conceito de saturação de informação, pois é
uma característica da abordagem qualitativa efetuar a análise da informação

81
simultaneamente com a sua colheita (Loureiro, 2006). Além disso, Streubert e Carpenter
(2002), referem que o propósito da análise dos dados é preservar o que é único em cada
experiência vivida, para que seja possível compreender o fenómeno. Por consequência,
é necessário ouvir múltiplas vezes as descrições verbais dos participantes e ler e reler as
transcrições das entrevistas, para que se consiga identificar e extrair as declarações
significativas.

A análise dos dados de um estudo fenomenológico de acordo com Fortin (2009) é


composta por quatro fases: a primeira consiste na colocação em evidência do sentido
global do texto; a segunda é a identificação das unidades de significado; a terceira foca-
se no desenvolvimento do conteúdo das unidades de significado; por último é feita a
síntese do conjunto das unidades de significado. As unidades de significado simbolizam
os elementos representativos do contexto do fenómeno em estudo, incluindo o seu
significado.

Nesta vertente específica da investigação qualitativa, o método fenomenológico


desenvolvido por Amedeo Giorgi (1985) é considerado o mais utilizado e conhecido
uma vez que, elaborou de forma detalhada os diversos passos para realizar um estudo
fenomenológico. O principal objetivo deste método consiste em obter “unidades de
significado”, por outras palavras trata-se de identificar as essências ou os temas
entrosados nas descrições fornecidas pelos participantes (Queiroz, 2007).

De acordo com o trabalho desenvolvido por Amedeo Giorgi (1985), compreende-se


que, através do método fenomenológico é possível ter acesso ao mundo vivido, ou seja,
quando se considera o sujeito englobado no seu contexto de vivência é adequado utilizar
a fenomenologia com fundamento teórico e metodológico (Andrade & Holanda, 2010).

Contudo, o método de análise desenvolvido por Amedeo Giorgi (1985) encontra-se


adaptado e recomendado para o âmbito da psicologia. Por este motivo, procurou-se um
método de análise fenomenológica adaptado à Enfermagem. Desta forma, foi escolhido
o método de análise proposto por Loureiro (2002). Como já foi referido, este método
tem por base os conceitos basilares de Husserl (Fenomenologia Descritiva). A proposta
de análise fenomenológica de Loureiro (2002) tem por base os pressupostos de Amedeo
Giorgi (1985) e também alguns conceitos presentes em autores, como Colaizzi (1978) e
Van Kaam (1959).

82
Desta forma, para proceder a descrição das vivências da pessoa com queimadura, optou-
se por seguir as linhas orientadoras propostas por Loureiro (2002). O primeiro passo
apresentado por Loureiro (2002) consiste em proceder à leitura intuitiva e global da
informação obtida, a fim de apreender o sentido e o significado da vivência dos
participantes de modo global. Após proceder à transcrição das entrevistas, estas devem
ser lidas as vezes que forem necessárias, para que se consiga alcançar uma visão
intuitiva sobre o fenómeno em estudo. Ainda, é neste primeiro passo que se deve
colocar entre “parêntesis” todo o conhecimento sobre a temática.

Este primeiro passo encontra-se estritamente relacionado com o primeiro passo


apresentado por Giorgi (1985). Nomeadamente, este representa o “sentido do todo”, isto
é, ler e reler toda a descrição obtida pelos participantes as vezes que o investigador
considerar necessárias, com a finalidade de atingir o sentido geral do todo. Por
consequência é crucial entender a linguagem de quem descreve a própria vivência, sem
que o investigador procure identificar unidades de significado (Queiroz, 2007; Andrade
& Holanda, 2010).

O segundo passo, visa criar e formar um perfil constitutivo para procurar a essência na
experiência. Neste sentido, deve-se proceder a identificação das unidades naturais de
significado. Mais precisamente, estas são segmentos discretos e expressões do texto
referentes aos aspetos individuais da experiência dos participantes. A identificação e
descriminação das unidades naturais de significado ocorrem sempre que o investigador
se aperceba de uma mudança psicológica significativa. Após identificadas as unidades
naturais de significado o investigador procura atribuir-lhes significados, porém sem
alterar o essencial da descrição da experiência.

Posteriormente, procura-se reduzir as significações atribuídas às unidades naturais de


significado transformando-as em temas centrais. Desta forma, é passível de agrupar e
eliminar as unidades repetidas. A construção dos temas centrais tem por finalidade
efetuar a convergência e a divergência entre as unidades de significado. Por último,
antes de avançar para ao passo seguinte, deve-se efetivar a reconstituição dos temas
centrais, a fim de obter uma lista de afirmações que não sejam repetidas e que
descrevam o significado da experiência de cada participante (Loureiro, 2002).

Ainda, pode-se constatar que o segundo e terceiro passos apresentados por Giorgi
(1985) citado por Streubert e Carpenter (2002) corroboram-se com a segunda fase do
processo de análise fenomenológica proposta por Loureiro (2002). Deste modo, o
83
segundo e terceiro passo visam identificar e discriminar as unidades de transição da
experiência ou de significado, com base numa perspetiva psicológica focada no
fenómeno em estudo.

A criação destas unidades de significado tem por objetivo ajudar o investigador a


analisar o texto de modo repartido (Andrade & Holanda, 2010). A discriminação e
identificação das unidades de significado devem ser precedidas de qualquer tipo de
análise e, devem ocorrer espontaneamente, após o investigador ter absorvido a descrição
dada pelo sujeito. Ainda, através da leitura sequencial e múltipla do texto, o
investigador vai tomando consciência da presença de uma mudança de sentido na
situação descrita pelo participante (Queiroz, 2007).

As unidades de significado devem ser consideradas como parte integrante do texto e não
como elementos isolados. A linguagem do sujeito não sofre alterações neste passo e, as
unidades de significado estão associadas à perspetiva adotada pelo investigador
(Holanda, 2006, citado por Andrade & Holanda, 2010).

O terceiro passo consiste em efetuar o primeiro processo de validação.


Concomitantemente, preconiza-se que se recorra a um especialista com uma prática
avançada em investigação de natureza qualitativa que já tenha orientado trabalhos de
investigação desta natureza. A importância deste passo cinge-se ao facto de ser
necessário avaliar todo processo de análise decorrido, desde a formação das unidades
naturais de significado até aos perfis constitutivos (Loureiro, 2002).

De acordo com o mesmo autor, o quarto passo foca-se na realização e formulação de um


índice temático. No índice, é estabelecida uma lista sequencial de afirmações de
significado, as quais não podem ser repetidas e devem estar contidas nos perfis
constitutivos. Os perfis constitutivos de cada participante são usados como base para a
construção do índice temático. O quinto passo foca-se na constituição de um
determinado conjunto de temas, que são submetidos a um processo de interpretação
através do índice temático.

Referindo o mesmo autor, o sexto passo prevê a realização de uma síntese descritiva dos
resultados. Mais especificamente, são utilizados os temas resultantes do índice temático,
para proceder a explicação rigorosa do significado atribuído ao fenómeno em estudo.
Por outras palavras, esta síntese descritiva é o resumo dos temas interpretados, que são

84
fundamentais para proceder a realização de um quadro pormenorizado sobre a
experiência dos participantes, relativamente ao fenómeno que se está a investigar.

Por último, o sétimo passo simboliza o retorno junto dos participantes com as
descrições exaustivas. No método de análise fenomenológica proposto por Colaizzi
(1978) citado por Streubert e Carpenter (2002), também se realizada o retorno aos
participantes no último passo. A finalidade é proporcionar um momento em que os
participantes tenham oportunidade de verificar os resultados e proceder à sua validação.
No caso de surgirem novas sugestões, estas deverão ser introduzidas na descrição
(Loureiro, 2002).

Seguidamente é apresentado o Quadro 1 que explicita as diversas fases da análise


fenomenológica segundo o autor referido anteriormente.

Quadro 1 – Fases de análise fenomenológica segundo Loureiro (2002).


Fases de Análise Fenomenológica segundo Loureiro (2002)

1. Proceder a leitura intuitiva e global da informação;


2. Formar um perfil constitutivo para encontrar a essência da experiência: unidades naturais de
significado; atribuição de significados; temas centrais; perfis constitutivos;
3. Proceder a primeira validação;
4. Formar um índice temático;
5. Trabalhar no índice temático;
6. Síntese e descrição dos resultados;
7. Proceder a segunda validação.
Fonte: Adaptado de Loureiro (2002, p. 15).

Em síntese, aquando a conclusão da transcrição da informação obtida através das


entrevistas, procedeu-se a uma análise temática de conteúdo de natureza exploratória,
tendo por base as diversas fases/passos da análise fenomenológica sugeridos por
Loureiro (2002).

Inicialmente, procedeu-se a leitura integral da informação obtida pelas entrevistas.


Depois de reler várias vezes os relatos, procurou-se encontrar as unidades naturais de
significado presentes em cada excerto. Mais precisamente, sempre que o investigador
identificasse uma mudança psicológica face ao significado atribuído a situação descrita,
era assinalada como sendo uma unidade natural de significado. Após ter efetuado este
procedimento para os oito relatos, procurou-se atribuir-lhes um significado. O passo
seguinte consistiu na validação das unidades naturais de significado e respetivos
significados atribuídos, para tal recorreu-se a Professora orientadora do estudo.
Posteriormente, após a validação, elaborou-se um índice temático composto pelo perfil
constitutivo de cada participante com as respetivas unidades naturais de significado,

85
obtendo-se assim uma sequência das afirmações de significado de todos os
participantes. Após a criação do índice temático, procedeu-se a formulação dos temas
centrais e subtemas para agrupar a totalidade das unidades naturais de significado.

A etapa subsequente consistiu na explicação rigorosa dos temas centrais e subtemas


encontrados. Por outras palavras, recorreu-se a utilização de organogramas
representativos dos temas centrais e subtemas, com a finalidade de analisar e discutir o
significado atribuído ao fenómeno em estudo. Por último, realizou-se a validação dos
resultados junto dos participantes. Todavia, devido à dispersão geográfica dos
participantes e a dificuldade em marcar outro encontro presencial, optou-se por validar
as transcrições via telefone e/ou via correio eletrónico nos casos em que tal fosse
possível. Esta opção metodológica permitiu a criação e formulação de um quadro
síntese do índice temático representativo das vivências da pessoa com queimadura
(Apêndice III).

2.5. VALIDAÇÃO E RIGOR DA INVESTIGAÇÃO

Os critérios de validação científica na investigação de natureza qualitativa de caráter


fenomenológico são divergentes face aos da abordagem quantitativa uma vez que,
surgem diferentes conceitos como: a credibilidade, a transferibilidade, a dependência e a
confirmabilidade, que asseguram o rigor e a validação científica (Loureiro, 2006).
Perante o exposto, é importante afirmar que, ao longo da investigação foram tidos em
consideração todos estes conceitos.

A credibilidade procura relacionar as capacidades analíticas do investigador perante a


procura do conhecimento derivado das realidades experienciadas e da sua interpretação.
Nomeadamente, visa-se aferir a existência de conformidade entre o que foi descrito e
aquilo que foi efetivamente experienciado e verbalizado pelos participantes (Loureiro,
2006). Posto isto, as entrevistas foram realizadas até que o investigador se deparasse
com repetição da informação, atingindo-se deste modo a sua saturação. O local onde
decorreram as entrevistas por ser um meio mais familiar, o domicílio dos participantes,
propiciou um maior à vontade para os participantes expressassem sobre o fenómeno em
estudo. Relativamente à triangulação dos dados, recorreu-se ao auxílio da Professora
orientadora e do Professor coorientador para proceder análise da informação recolhida.
O processo de validação dos dados correspondeu às vivências e sentimentos
experienciados pelos participantes.

86
A transferibilidade refere-se à aplicação dos resultados para outros meios, para outras
populações ou para outros contextos (Fortin, 2009). Acrescenta-se que, de acordo
método de seleção dos participantes, a fim de obter mais dados acerca do fenómeno em
estudo, procura-se a não generalização da informação para que a transferibilidade seja
alcançada pelos leitores (Loureiro, 2006). Considerando o que foi exposto
anteriormente, pensa-se que a escolha do método de seleção dos participantes promoveu
a obtenção de informações precisas e ricas sobre o fenómeno que está a ser estudo. Esta
afirmação é defendida pelo facto, de os participantes selecionados terem vivenciado o
fenómeno na primeira pessoa. As capacidades de comunicação intrínsecas a cada
participante permitiram obter relatos profundos e carregados de sentimentos e emoções,
que auxiliaram o investigador a conhecer cada vez melhor o fenómeno em estudo.
Aquando a análise por outros investigadores procurou-se através de representações
esquemáticas e do quadro síntese do índice temático elucidar e facilitar a compreensão
do fenómeno.

O conceito de dependência é fulcral no que concerne aos processos de auditoria do


método de investigação, pelo que é essencial que o investigador possua a informação
pormenorizada sobre o processo de pesquisa e respetivas decisões (Loureiro, 2006).
Este conceito encontra-se estritamente relacionado com o conceito de fiabilidade
definido por Fortin como “a exatidão com a qual se segue a evolução da investigação de
um fenómeno e se dá conta das diferentes perspetivas expressas pelos participantes. (…)
assegura-se que um outro investigador, colocado em circunstâncias idênticas, faria as
mesmas observações” (2009, p. 304). Ao longo de todo o processo de investigação os
Professores orientadores assumiram um papel de relevo face a validação dos resultados.
No entanto, deve ser referido que não ocorreu nenhum processo de auditora externa.

A confirmabilidade expõe-se de forma paralela à objetividade, em que os dados obtidos


permitem ao auditor delinear se as descrições, interpretações e recomendações se
encontram na origem, isto é, se outros autores obtiveram resultados semelhantes para o
mesmo fenómeno. A validação deste pressuposto assenta em duas ocasiões: o regresso
aos participantes com o propósito de validar a descrição por eles retratada e a
incorporação de novas informações se estas forem significativas (Loureiro, 2006). No
último passo do método de análise fenomenológica apresentado por Loureiro (2002),
sinaliza-se a necessidade do retorno aos participantes, pelo que o conceito de
confirmabilidade foi tido em consideração. Mais precisamente, após a transcrição das

87
entrevistas procurou-se validar a descrição dada pelos participantes. Porém, devido à
dispersão geográfica dos participantes e a dificuldade em marcar outro encontro
presencial, optou-se por validar as transcrições via telefone e/ou via correio eletrónico
nos casos em que tal fosse possível. Toda a informação obtida no primeiro e segundo
contacto (texto com a transcrição das entrevistas, notas de campos, ficheiro áudio), bem
como a identificação e transformação das unidades naturais de significado, a
identificação dos temas centrais e subtemas e a elaboração do quadro síntese relativo ao
índice temático foram submetidas à análise da Professora orientadora e do Professor
coorientador.

2.6. CONSIDERAÇÕES FORMAIS E ÉTICAS

As considerações éticas assumem-se como fatores relevantes aquando da realização de


investigações em seres humanos. É necessário ter em consideração os direitos e as
liberdades subjacentes aos participantes. De acordo com Polit et al. (2004), sugerem-se
três princípios fundamentais: o princípio da beneficência, o princípio do respeito pela
dignidade humana e o princípio da justiça. Cada princípio tem subjacentes várias
dimensões. O princípio da beneficência é de extremo relevo, pois subentende que não
seja causado nenhum dano ao participante e, as dimensões que inclui são – a
integridade, a garantia contra a exploração e a relação risco/benefício. O princípio do
respeito pela dignidade humana abrange o direito à autodeterminação e ao direito à
revelação total. O princípio da justiça pressupõe o direito ao tratamento justo e o direito
à privacidade. Ainda, Fortin (2009) refere cinco princípios ou direitos fundamentais
com aplicação direta nas investigações que envolvam os seres humanos: o direito à
autodeterminação, o direito à intimidade, o direito ao anonimato e à confidencialidade,
o direito à proteção contra o desconforto e prejuízo e o direito a um tratamento justo e
leal.

O primeiro passo efetuado antes de dar início à investigação, consistiu em solicitar o


parecer à Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde-
Enfermagem (UICISA-E) da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfc), a
qual emitiu um parecer favorável a 29 de abril de 2015 (Anexo I).

O consentimento informado é um instrumento utilizado para que os participantes tomem


conhecimento de todas as informações inerentes ao estudo. Ainda, é fundamental que as
informações fornecidas sejam compreendidas, a fim de tomarem uma decisão de livre

88
escolha, podendo participar voluntariamente ou recusar a participação (Polit et al.,
2004). Acrescenta-se que, o consentimento é livre e deve ser dado sem que nenhuma
ameaça, promessa de ameaça ou pressão exercidas sobre a pessoa. Ainda, a pessoa
deve-se encontrar com plenas capacidades cognitivas uma vez que, é essencial que o
consentimento informado seja livre e esclarecido (Fortin, 2009).

Desta forma, atendendo às especificidades do instrumento de colheita de informação


selecionado, a entrevista semiestruturada com recurso à gravação de áudio, torna-se
evidente a necessidade e a importância de criar um documento referente ao
consentimento informado livre e esclarecido. Em apêndice encontram-se os documentos
elaborados para consentimento informado referente a participação voluntaria no estudo
e o consentimento informado relativo a permissão para a gravação de áudio no decorrer
da entrevista (Apêndice IV).

Em conformidade com o que foi referido, antes de dar início a cada entrevista foram
facultados os documentos inerentes ao consentimento informado e obtida a respetiva
assinatura como sinal representativo da tomada de conhecimento e compreensão de toda
a informação. Foram explicitadas todas as informações relativamente ao estudo: os
objetivos, o tipo de estudo, a finalidade e a duração. O direito à autodeterminação
encontrou-se presente, na medida em que todos os participantes foram informados
quanto ao direito de decidir ingressar ou recusar participar no estudo de livre vontade
sem sofrerem qualquer tipo de penalização. Ainda, assegurou-se que cada participante
fosse informado e compreendesse que tem o direito de se retirar a qualquer momento da
investigação, sem ter o dever de justificar a sua retirada e sem ser penalizado, apesar de
ter previamente aceite participar.

Nos estudos de natureza qualitativa, devem ser tomadas medidas de precaução


acrescidas relativamente a salvaguarda da identidade de cada participante.
Especificando, para além da utilização de nomes fictícios, deve ser também omissa
qualquer tipo de informação que facilite o reconhecimento do participante (Polit et al.,
2004). Ao longo do estudo garantiu-se o direito à confidencialidade através da
salvaguarda do anonimato pela utilização de siglas para identificar os participantes, tal
como representado no Quadro 2. Ainda, foi omissa qualquer tipo de informação capaz
de possibilitar a identificação de cada participante.

89
Quadro 2 – Siglas atribuídas aos participantes.
Participante 1 P1 (Participante número 1)
Participante 2 P2 (Participante número 2)
Participante 3 P3 (Participante número 3)
Participante 4 P4 (Participante número 4)
Participante 5 P5 (Participante número 5)
Participante 6 P6 (Participante número 6)
Participante 7 P7 (Participante número 7)
Participante 8 P8 (Participante número 8)

O direito à intimidade foi assegurado uma vez que, o investigador respeitou os limiares
de cada participante no que concerne a revelação de informações íntimas e pessoais. O
direito à proteção contra o desconforto e prejuízo foi assegurado, visto que nenhum
participante sofreu qualquer tipo de prejuízo ou desconforto, tendo sido previamente
esclarecido desde o início nos documentos do consentimento informado. Ressalva-se
que, todos os participantes receberam as mesmas informações e tiveram o mesmo
tratamento ao longo da investigação pelo que, o direito a um tratamento justo e leal foi
assegurado.

O investigador foi a única pessoa a ter acesso aos ficheiros de áudio, garantindo negar o
acesso a terceiros. As gravações permaneceram guardadas no domicílio do investigador
para prevenir possíveis desvios ou perdas de informação. Os participantes foram desde
o início informados que após a conclusão do estudo todos os ficheiros de áudio serão
eliminados instantaneamente, garantindo a confidencialidade e o anonimato.

Finalizando, ao longo de todo o processo de investigação assumiu-se como valor


fundamental a responsabilidade, tanto ao nível pessoal como profissional, em garantir e
salvaguardar as diversas considerações éticas e morais subjacentes ao estudo.

90
CAPÍTULO 3 – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DA
INFORMAÇÃO

Neste capítulo, após a caracterização sociodemográfica dos participantes, é apresentada,


analisada e discutida a informação obtida através dos relatos dos participantes do
estudo, a fim de compreender a experiência vivida por cada um. O processo de análise
da informação, de acordo com Loureiro (2002), iniciou-se pela leitura e análise
pormenorizada da informação obtida através nas entrevistas. De seguida, procedeu-se à
construção do perfil constitutivo a fim de encontrar a essência da experiência. Deste
modo, foram identificadas as unidades naturais de significado, ou seja, enxertos ou
expressões do texto que caracterizam os aspetos individuais da vivência de cada
participante. Posteriormente, procedeu-se à atribuição de significados e à criação dos
temas centrais e subtemas.

Neste enquadramento, considerou-se como significativo incorporar as vivências da


pessoa com queimadura durante o internamento hospitalar, para além das vivências
experienciadas no domicílio. Pois, após a análise dos relatos, constatou-se que as
vivências experienciadas durante o internamento hospitalar têm influência e um impacto
direto sobre o processo de vivências experienciado no domicílio. Por outras palavras,
para aferir e compreender o significado global da experiência vivida pela pessoa com
queimadura no domicílio é necessário analisar conjuntamente os dois processos de
vivências, visto que representam vivências indissociáveis e estritamente relacionadas.
Nesta conjuntura, resultante da análise e reflexão sobre a informação emergiram duas
áreas temáticas:

-Vivências da pessoa com queimadura no internamento hospitalar;

-Vivências da pessoa com queimadura no domicílio.

Relativamente às “Vivências da pessoa com queimadura no internamento hospitalar”


foram identificados dois temas centrais: a caracterização do acidente e a experiência
vivida pela pessoa com queimadura no internamento hospitalar. Os temas centrais
resultam da agregação dos subtemas e da subsequente união dos significados atribuídos
às unidades naturais de significado. Deste modo, a caracterização do acidente destaca o
relato da experiência vivida pelo participante no momento do acidente, subdividindo-se

91
em dois subtemas: a etiologia da queimadura e a localização da queimadura.
Relativamente à experiência vivida pela pessoa com queimadura no internamento
hospitalar, foram identificados os seguintes subtemas: a satisfação com os profissionais
de saúde; a realização de intervenções de Enfermagem de Reabilitação; a realização de
intervenções cirúrgicas; os ensinos realizados; as dificuldades na realização de
atividades básicas de vida diárias (ABVD’s); a alteração da autoimagem; os sentimentos
percecionados no momento da alta clínica; a gestão da dor. No que confere às
“Vivências da pessoa com queimadura no domicílio” foram identificados quatro temas
centrais: a adaptação no domicílio; o processo de reabilitação; os cuidados com a
queimadura; os sentimentos percecionados pela alteração da autoimagem.

A codificação dos excertos transcritos rege-se pela utilização da letra P (Participante)


seguida de um número referente à ordem em que foi analisada a entrevista. Recorreu-se
a este tipo de codificação para que fosse possível contextualizar a informação em
relação às narrativas. No final de alguns excertos de texto poderão ser encontrados
alguns sentimentos ou atitudes manifestadas pelo participante durante a entrevista, tais
como: choro, suspiro e pausa. Ao longo do excerto pode ser encontrado o seguinte
símbolo – (…) – o qual representa excertos de texto não valorizados na análise.

A discussão da informação analisada será realizada em conjunto com a apresentação da


mesma, de acordo com o enquadramento teórico apresentado neste estudo, com a
reflexão pessoal do investigador e com bibliografia suplementar considerada
preponderante para a análise dos temas emergidos. Ainda, serão apresentados diversos
organogramas referentes aos temas centrais e aos subtemas. Optou-se por utilizar esta
representação esquemática com a intenção de tornar mais explícita e clara a
compreensão global da informação.

3.1. CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES

Nos estudos de natureza qualitativa e de cariz fenomenológico as características dos


participantes assumem-se como um aspeto importante. Todavia, a confidencialidade, o
anonimato e os restantes princípios éticos subjacentes são assegurados, uma vez que o
objetivo desta breve caracterização é mostrar um panorama geral dos participantes, sem
que seja passível de serem identificados. Desta forma, no Quadro 3 encontram-se
representadas algumas características sociodemográficas dos participantes relativamente

92
ao sexo, à idade, à raça, ao estado civil, às habilitações literárias, à profissão e ao tempo
decorrido após a queimadura.

Quadro 3 – Caracterização sociodemográfica dos participantes.

Ao analisar o Quadro 3 percebe-se que os participantes são maioritariamente do sexo


feminino, mais precisamente seis participantes são do sexo feminino e dois são do sexo
masculino. Quanto à idade decidiu-se criar “classes” para facilitar a análise. Os
participantes na sua maioria têm uma idade situada entre os 40 e os 70 anos, sendo que
apenas dois têm uma idade inferior aos 30 anos. A raça caucasiana é uma característica
transversal a todos os participantes. Relativamente ao estado civil, a grande maioria dos
participantes é casada (5 participantes), dois são solteiros/as e um é viúvo/a. As
habilitações literárias que prevalecem são a 3ª classe e a 4ª classe. Contudo, realça-se
que um terço dos participantes tem habilitações literárias equivalentes ou superiores ao
12º ano. Quanto a profissão, três participantes são reformados, dois são estudantes, um é
auxiliar de ação médica, um é agricultor/a e um é empregado/a de limpeza. Deste modo,
verifica-se alguma diversificação quanto a profissão desempenhada por cada
participante. Analisando o local de residência, verifica-se que a grande parte dos
participantes, mais precisamente seis, residem no distrito de Coimbra, um reside no

93
distrito de Viseu e um no distrito de Lisboa. Por último, o tempo decorrido após a
queimadura oscila entre 1 ano até aos 10 anos.

3.2. VIVÊNCIAS DA PESSOA COM QUEIMADURA NO INTERNAMENTO


HOSPITALAR

Os testemunhos de cada participante revelam que as vivências experienciadas desde o


momento do acidente até ao regresso ao domicílio são indissociáveis, devendo ser
analisadas na sua globalidade para compreender o fenómeno em estudo. Cada
participante iniciou o seu testemunho descrevendo o momento do acidente, o tipo de
acidente e as regiões do corpo queimadas. Posteriormente de acordo com o guião da
entrevista foram colocadas questões abertas sobre o internamento hospitalar e por
consequência foi explorada a experiência vivida por cada participante. De seguida é
apresentada a Figura 2, na qual se encontra representado um organograma que ilustra as
vivências da pessoa com queimadura no internamento hospitalar.

Figura 2 – Organograma descritivo das vivências da pessoa com queimadura no internamento


hospitalar.

94
3.2.1. Caracterização do acidente

A caracterização do acidente foi considerada como significativa uma vez que, todos os
participantes iniciaram os seus testemunhos através da caracterização e descrição do
acidente. Como se pode observar de seguida, houve descrições mais exaustivas que
outras, sugere-se que um dos motivos se encontre relacionado com complexidade do
acidente.

P1: Em novembro de 2014, estava em casa a cozinhar e, queimei-me com água


quente.
P2: Há 1 ano sofri um acidente. Estava em casa e coloquei a cafeteira no lume. Ao
retira-la do lume abriu-se e, a água a ferver caiu para cima de mim.
P3: Queimei-me há cinco anos. Estava a queimar uns papéis dentro de um latão
com óleo. Já tinha feito isto muitas vezes só que naquele dia foi diferente.
Normalmente metia a acendalha a arder e atirava para lá um pouco de diluente e
começava a arder, mas naquele dia os papéis estavam molhados e não estava a
conseguir pegar-lhes fogo. Pensei que estava tudo apagado, só que não! Então,
recoloquei diluente e, pegou fogo repentinamente o latão e Eu. Por azar, tinha
vestido uma camisola com botões e em poliéster, pegou logo fogo e não a consegui
tirar! Comecei a correr e a gritar, mas com o ar e a correr comecei a arder ainda
mais…. Gritei, gritei e gritei até que uma pessoa veio e atirou-me ao chão e
apagou-me! Fui enviado ao serviço de urgência de um hospital central e
reencaminharam-me logo para o internamento numa unidade especializada em
queimaduras.
P4: Aos 12 anos sofri um acidente. Estava em casa com a minha mãe e o meu
irmão. A minha mãe estava a tratar das tarefas da casa e eu estava a fazer os
trabalhos de casa. A determinada altura decidi que queria fazer-lhe uma surpresa.
Então, para ajudar a minha mãe comecei a descascar as batatas para o almoço.
Coloquei o óleo a aquecer na frigideira e voltei a fazer os trabalhos de casa.
Esqueci-me completamente do óleo e quando regressei à cozinha já só via fumo.
Corri para o fogão para desligar o gás e peguei na frigideira para a colocar
debaixo de água. Nessa altura a panela pegou fogo e atirei-a para o chão, mas
escorreguei no óleo e caí. Nesse instante não senti nada, mas após algum tempo
comecei a sentir muitas dores e apercebi-me que estava queimada.
P5: Sofri um acidente de trabalho há mais ou menos dez anos…
P6: Queimei-me em 2013. Eram 9 horas da manhã e tinha uma galinha a cozer
numa panela de pressão. Quando vi que a galinha estava cozida retirei o
“pirulito” da panela e deixei que saísse o vapor. Pensei que o vapor já tivesse
saído na totalidade e então decidi abrir a panela. Infelizmente ainda havia vapor
no interior da panela e saltou contra mim. Tirei a roupa toda e fui a correr e a
gritar para casa da minha mãe. Atiraram-me água fria nas zonas que estavam a
queimar. As minhas filhas ligaram para a emergência médica e fui transportada
para o serviço de urgência.
P7: Em 2014, estava a ajudar a fazer um jantar solidário para os idosos. Fiquei
encarregue de fritar as batatas e aconteceu.
P8: Em 2014 tive um acidente num festival. Um rapaz estava a cozinhar num prato
de barro com álcool em chama. Entretanto agarrou numa garrafa com álcool e

95
esguichou-o para cima do fogo. Passei por diante dele e o fogo apanhou-me.
Estive ainda algum tempo a arder. A minha primeira reação foi fugir. Enquanto
estava a correr acabei por cair. Quando me levantei arranquei a minha roupa e as
pessoas acudiram-me deitando água em cima de mim até apagar as chamas. Podia
ter feito algo mais acertado como: deitar-me ao chão ou agarrar numa manta para
apagar o fogo, mas, em alturas de perigo tomamos decisões menos acertadas (…)
Nessa altura vi toda a minha vida a passar-me a frente.

Analisando as particularidades de cada acidente, verifica que cinco dos participantes


sofreram um acidente no próprio domicílio enquanto estavam a realizar tarefas
domésticas, mais precisamente a cozinhar e, foram todos indivíduos do sexo feminino.
Um dos participantes do sexo masculino sofreu um acidente enquanto estava a queimar
papéis num latão no exterior da própria casa. A literatura, refere que o meio domiciliar é
o local onde ocorreram o maior número de acidentes por queimadura (Montes et al.,
2011; ABA, 2012; Mun et al., 2012; Rossi et al., 2012; Almeida & Santos, 2013).

O outro participante do sexo masculino sofreu o acidente enquanto se encontrava no seu


local de trabalho. O meio laboral em que os indivíduos do sexo masculino exercem a
sua profissão promove o aumento de acidentes de queimadura (Rodrigues, 2010). E por
último, um dos participantes sofreu um acidente durante um festival de verão.

Ao analisar o estudo qualitativo desenvolvido por Pinto, Moutinho e Gonçalves (2010),


a reação ao acidente é muito específica de pessoa para pessoa, porém é maioritariamente
negativa. Ainda, no estudo realizado por Carvalho (2011b), as memórias do acidente
ainda se encontram presentes nos participantes em processo de reabilitação tardio. O
estudo efetuado por Carlucci, Ficher, Ferreira e Carvalho (2007) acrescenta que, a
vivência de sofrer um acidente por queimadura foi considerada como significativa,
sendo descrita como algo repentino e novo, com o qual a pessoa não estava a contar.

O acidente representou um trauma que marcou a história de cada pessoa. Mais


precisamente é descrito como um marco de rutura na vida da pessoa com uma dimensão
e complexidade capaz de despoletar alterações físicas, psicológicas e sociais.
Observam-se testemunhos mais pormenorizados e carregados de emotividade. Os
testemunhos de cada participante mostram que as memórias do acidente ainda se
encontram muito presentes. Cada vivência traumática experienciada é inigualável a
outra uma vez que, o meio envolvente e as características únicas de cada pessoa
colmatam o fenómeno numa vivência singular. A afirmação anterior é corroborada pela
diversidade e singularidade presente em cada excerto.

96
Etiologia da queimadura

A etiologia da queimadura nos participantes teve origem em dois agentes – o térmico e


o elétrico – o agente térmico afetou sete participantes e o agente elétrico atingiu um
participante. Mundialmente, o agente térmico é considerado na literatura como o mais
prevalente. De seguida é apresentada a Figura 3, na qual se encontra representado um
organograma que ilustra a etiologia da queimadura.

Figura 3 – Organograma descritivo do subtema: etiologia da queimadura.

Ao analisar os relatos compreende-se que o agente térmico se subdivide em dois


grandes grupos – a queimadura por líquido fervente e a queimadura causada pelo fogo –
a queimadura por líquido fervente afetou quatro dos participantes e ocorreu em contexto
domiciliário durante a confeção de alimentos, tal como se pode verificar pelos relatos.

P1: (…) sofri o acidente causado por um líquido quente.


P2: (…) acabei por queimar-me com a cafeteira de água a ferver.
P6: (…) destapei a panela de pressão e queimei-me com vapor de água (…)
P7: (…) queime-me com óleo ao fritar batatas.

A queimadura causada pelo fogo afetou três participantes. Dois dos participantes
sofreram a queimadura no exterior. Por outras palavras, um dos participantes estava a
queimar papéis num latão com diluente e o outro encontrava-se num festival de verão,
tendo sido atingido pelo fogo. Um dos três participantes sofreu uma queimadura por
fogo em contexto domiciliar durante a confeção de alimentos. De seguida são
apresentados os excertos dos participantes que sofreram uma queimadura causada pelo
fogo.

P3: (…) recoloquei diluente e, pegou fogo repentinamente o latão e EU (...)


P4: (…) a panela pegou fogo e atirei-a para o chão, mas escorreguei no óleo e caí
(…) após algum tempo comecei a sentir muitas dores e apercebi-me que estava
queimada.
P8: (…) passei por diante dele e o fogo apanhou-me. Estive ainda algum tempo a
arder.

97
Relativamente as queimaduras elétricas, como podemos observar pelo relato seguinte,
um dos participantes sofreu um acidente de trabalho causado por queimaduras elétricas
de 2º e 3º grau.

P5: (…) foram queimaduras elétricas de 2º e 3º grau (…)

As queimaduras elétricas são descritas na literatura como queimaduras com pouca


incidência, porém são de extrema gravidade. No que confere às especificidades da
queimadura pelo agente elétrico, a lesão visível pode parecer pouco significativa ao
nível da porta de entrada e saída, no entanto as afeções internas podem ser extensas e
apresentar graves destruições de massa muscular, vasos e órgãos, comprometendo assim
o sistema cardiovascular (Martinho, 2008; Klein & O’ Malley, 1990, citados por
Carvalho, 2011).

A etiologia da queimadura revela ser um fator preponderante na determinação e seleção


de medidas e intervenções terapêuticas que devem ser tomadas, promovendo deste
modo o planeamento e execução de cuidados direcionados e personalizados (Oliveira et
al., 2012). Em suma, a descrição do agente etiológico é relevante, pois permite ter uma
visão global sobre o acidente e sobre a sua gravidade.

Localização da Queimadura

A descrição sobre a localização anatómica da queimadura assume-se como relevante,


para compreender as principais sequelas e complicações que daí advém ao nível da
autonomia e independência funcional da pessoa. Ainda, a localização da queimadura é
outro fator imponente na avaliação da gravidade da queimadura, visto que ser
considerado como um elemento de referenciação para a necessidade de internamento
hospitalar numa unidade especializada em queimaduras.

Deste modo, os participantes do estudo foram atingidos pela queimadura em diferentes


localizações anatómicas. Ao analisar a Figura 4 pode-se observar que os membros
superiores e inferiores foram as localizações anatómicas mais atingidas, seguidas da
mão, do tronco e da face.

98
Figura 4 – Organograma descritivo do subtema: localização da queimadura.

De referir que, seis participantes foram atingidos pela queimadura em dois ou mais
locais anatómicos, como se pode compreender pelos relatos abaixo transcritos.

P1: (…) As partes do meu corpo que foram atingidas foram o pescoço e os braços,
principalmente o esquerdo. A queimadura do pescoço por estar perto da traqueia
causou-me muita preocupação, a mim e aos profissionais de saúde.
P2: Queimei a perna, o braço e a mão esquerda.
P3: Queimei toda a região abdominal, tórax anterior, membros superiores, mãos e
parte do rosto. A superfície corporal queimada foi de 40%.
P4: Queimei a mão, o braço e a perna direita.
P5: Queimei o pé e a mão esquerda.
P6: Queimei-me da barriga para baixo e tive que ser internada numa unidade
especializada em queimaduras.
P7: (…) virei a frigideira para cima do braço e aconteceu…. Queimei o braço
todo!
P8: (…) só após duas horas é que me disseram que as queimaduras eram de
segundo e de terceiro grau nas pernas e de primeiro grau na barriga.

As queimaduras localizadas nas seguintes áreas do corpo: face, pescoço, tórax, períneo,
mãos e pés, são consideradas com um nível elevado de gravidade independentemente da
classificação e da SCQ (Norma nº 022/2012). Concomitantemente, depreende-se que os
participantes do estudo apresentam queimaduras de elevada gravidade.

Ainda, quatro participantes foram atingidos pela queimadura na face e/ou nas mãos, ou
seja, em zonas visíveis. Para além de ser um fator de gravidade, pode despoletar
dificuldades de adaptação, sintomatologia ansiosa e depressiva, pelo que se torna
fundamental o acompanhamento e o apoio psicológico nestas pessoas (Wiechman et al.,
2001, citados por Martins, 2013).

99
3.2.2. Experiência vivida pela pessoa com queimadura no internamento hospitalar

Os participantes ao descreverem a experiência vivida após o acidente por queimadura


relataram também a experiência vivida no internamento hospitalar. Desta forma, a
experiência vivida pela pessoa com queimadura no internamento hospitalar foi
considerada como um tema central decorrente da análise da informação. De seguida, é
apresenta a Figura 5, com um organograma que esquematiza a análise da informação
face ao tema central identificado.

Figura 5 – Organograma descritivo do tema central: experiência vivida pela pessoa com
queimadura no internamento hospitalar.

Ao analisar a figura apresentada, através da identificação do tema central surgem


diversos subtemas – a satisfação com os profissionais de saúde; a realização de
intervenções de Enfermagem de Reabilitação; a realização de intervenções cirúrgicas;
os ensinos realizados; as dificuldades na realização de ABVD’s; a alteração da
autoimagem; os sentimentos percecionados no momento da alta clínica; a gestão da dor.

100
Satisfação com os profissionais de saúde

Ao analisar os relatos dos participantes face ao subtema relativo a satisfação com os


profissionais de saúde, como se pode observar na Figura 6, sete participantes
verbalizaram terem-se sentido bem acompanhados por toda a equipa multidisciplinar.
Apenas um participante referiu que gostaria de ter tido outro acompanhamento por parte
dos profissionais de saúde.

Figura 6 – Organograma descritivo do subtema: satisfação com os profissionais de saúde.

Ao refletir sobre os relatos que se seguem verifica-se que, os participantes fazem alusão
aos diversos profissionais de saúde que os acompanharam, tais como: os Enfermeiros,
os Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação, os Médicos, os
Psicólogos e os Assistentes Sociais.

P1: Foram todos impecáveis comigo, tanto os Enfermeiros, como os Médicos e os


Enfermeiros de Reabilitação. Já não estou recordada dos nomes, era uma equipa
muito grande.
P3: Não queria sair do internamento, porque sentia-me muito bem acompanhado.
P4: Recordo-me que tive um bom acompanhamento de Psicólogos e Assistentes
Sociais, para além dos Enfermeiros e dos Médicos.
P5: Fui acompanhado por toda a equipa de Enfermagem e por dois Médicos, pelo
menos daquilo que recordo, senti-me bem acompanhado.
P6: O internamento foi complicado para mim. Estive internada 25 dias. Quando
começaram os tratamentos, lembro-me que os profissionais foram espetaculares,
mas “eu passei-me um bocadinho da cabeça”.
P7: Senti-me bem acompanhada por todos os profissionais.
P8: Ao longo do internamento fui muito bem acompanhada por vários
profissionais, dos quais uma Enfermeira de Reabilitação.

Apenas um participante verbalizou não ter sido acompanhado da maneira que desejava.
Como se pode observar pelo relato que se segue, o participante referiu ter sofrido uma
complicação no seu quadro clínico ao longo do internamento pelo que, vivenciou o

101
internamento com uma diferente carga emocional, verbalizando sentir-se sozinho e
desprezado.

P2: No internamento a minha experiência não foi positiva visto que, desencadeei
um quadro de infeção no braço queimado. Durante quatro dias ninguém veio ver o
penso. Tive que ralhar com eles, sentia-me sozinha e desprezada aqui no
hospital… só queria que me fizessem o penso todos os dias porque estava muito
preocupada com a infeção. Foi preciso eu ralhar e reclamar…. Enfim, queria ter
sido acompanhada de outra maneira (Suspiro).
Ao analisar a literatura, no estudo efetuado por Moi e Gjengedal (2014) os participantes
atribuíram importância ao papel desempenhado pelos profissionais de saúde, no que
confere à preparação da família para o regresso ao domicílio. Do mesmo modo, os
resultados do estudo efetuado por Carlucci et al. (2007) revelam que, ao longo do
internamento hospitalar, o apoio dado pela família e pelos profissionais de saúde foi
considerado importante para a maioria dos participantes. Ainda, acrescenta-se que a
falta de apoio por parte da família foi considerada como um fator dificultador da
vivência. Quanto à equipa de Enfermagem, o estudo desenvolvido por Yuxiang et al.
(2014) revelou que os participantes consideraram os Enfermeiros como fontes de
carinho, de apoio e de gentiliza.

Intervenções de Enfermagem de Reabilitação

A reabilitação do doente queimado assenta em dois pilares iniciais: a avaliação do


potencial de cada indivíduo após a lesão e a avaliação da sua condição psicossocial
(EBA, 2013). A fase aguda da reabilitação do doente queimado decorre
maioritariamente em regime de internamento hospitalar, em unidades especializadas em
queimaduras ou de cuidados intensivos (Andrade & Cunha, 2010).

Ao analisar a Figura 7 constata-se que, cinco participantes realizaram intervenções de


Enfermagem de Reabilitação e três participantes não realizaram nenhum programa de
reabilitação no internamento hospitalar.

Figura 7 – Organograma descritivo do subtema: intervenções de Enfermagem de Reabilitação.

102
Através dos excertos apresentados seguidamente compreende-se que cinco participantes
do estudo ao relatarem a sua vivência no internamento hospitalar consideraram com
significativo a realização de intervenções de Enfermagem de Reabilitação. Para além
disso, pode-se observar em alguns dos relatos o enfoque dado ao Enfermeiro
Especialista em Enfermagem de Reabilitação face aos cuidados de reabilitação.

P1: No hospital especializado em queimaduras faziam-me tudo: fisioterapia e


reabilitação. Custava-me muito, mas sentia que valia a pena e notava melhoras.
P4: Após a cirurgia comecei a fazer fisioterapia no internamento, com um
Enfermeiro de Reabilitação.
P6: (…) a Enfermeira vinha ao quarto para me ensinar a fazer exercícios (…)
P7: Durante o internamento lembro-me que, vinha uma Enfermeira ter comigo
para fazermos alguns exercícios de reabilitação e ensinou-me a fazê-los sozinha.
P8: A Enfermeira de Reabilitação vinha ter comigo ao quarto para fazer
fisioterapia.

Através da evolução tecnológica e científica verificaram-se alterações significativas


relativamente à reabilitação, principalmente quanto à sua iniciação. Assim, nos dias de
hoje a reabilitação deve ser iniciada no primeiro dia internamento nas unidades
especializadas em queimados, se as condições clínicas do doente o permitirem.
(Andrade & Cunha, 2010; Procter, 2010; EBA, 2013; Hale et al., 2013; Ferreira et al.,
2014).

P2: Durante o internamento não fiz fisioterapia.


P3: No internamento pouco ou nada fiz de fisioterapia.
P5: (…) disseram-me que tinha que fazer fisioterapia após a alta clínica.

A literatura sugere que se dê início aos programas de reabilitação logo no primeiro dia
de internamento, porém observa-se que três participantes referiram não ter tido acesso a
intervenções de Enfermagem de Reabilitação e um dos participantes referiu ter-lhe sido
dito que teria que iniciar programas de reabilitação após a alta clínica.

Realização de intervenções cirúrgicas

A realização de intervenções cirúrgicas foi considerada significativa para sete


participantes. Ao analisar e refletir sobre a informação presente nos excertos seguintes
percebe-se que, um participante considerou como significativo a realização da
intervenção cirúrgica e os benefícios da mesma.

P3: A outra cirurgia que me marcou foi quando fui submetido a uma intervenção
cirúrgica para separar os dedos de uma das minhas mãos. Sem dúvida que se não

103
tivesse realizado essa intervenção não conseguiria fazer praticamente nada com a
mão.

Ainda, da analise dos relatos compreende-se que vários participantes tiveram que ser
submetidos a mais que uma intervenção cirúrgica, ou por inviabilidade dos enxertos
ou pela extensão da queimadura. A literatura, refere que os programas de reabilitação
devem ser mais cautelosos nos primeiros vinte dias após a intervenção cirúrgica para
colocação de enxertos cutâneos, para prevenir a inviabilidade dos mesmos (Andrade &
Cunha, 2010).

P1: Recordo que, a minha mão foi enxertada e, disseram-me que durante quatro
dias não a podia mexer. Mas após esses dias sabia que tinha muito que trabalhar.
P4: Durante o internamento fui submetida a uma cirurgia plástica uma vez que,
sofri uma queimadura por óleo e a queimadura estava a afundar cada vez mais.
Lembro-me que a dada altura os profissionais pensarão que a minha mão não
tinha solução e teria que ser amputada, mas felizmente não aconteceu.
P5: Após o segundo internamento voltei a ser transferido para a unidade
especializada em queimaduras para ser submetido a uma cirurgia para colocação
de enxertos cutâneos. O primeiro enxerto que fiz não pegou e por isso tive de
voltar a fazer outro.
P7: No internamento fiz uma cirurgia para colocação de enxertos cutâneos.
Retiraram-me a pele toda da perna para a colocar no braço. Fizeram-me várias
“costuras” e ainda hoje são visíveis essas marcas.
P8: No primeiro mês estava anestesiada e sobre o efeito da morfina. Fui internada
durante 3 meses numa unidade especializada em queimaduras. Ao longo do
internamento fui submetida a cinco intervenções cirúrgicas para colocação de
enxertos cutâneos.

Pelos testemunhos dos participantes observa-se que um participante fez referência a


realização de uma intervenção cirúrgica para correção estética.

P4: Ainda, mais adiante voltei a fazer outra cirurgia para corrigir a parte estética.

Neste sentido, o estudo realizado por Arruda, Braide e Nations (2014) procurou analisar
o principal motivo que norteou a decisão dos participantes em se submeterem a uma
intervenção cirúrgica. Da análise da informação, constata-se que os participantes
desejavam melhorar a própria autoestima e aprovação social através da correção
cirúrgica.

A dor no período pós-operatório foi considerada como significativa para cinco


participantes. Estes descreveram a dor como “horrível”; “a pior dor percecionada”;
“dores insuportáveis”.

P3: Estive um mês internado numa unidade especializada em queimaduras. Fui


submetido a várias cirurgias, mas, as que recordo melhor são: à cirurgia para

104
colocação de enxertos cutâneos nos braços, na qual retiraram a pele dadora das
minhas pernas. Recordo-me particularmente dessa porque tive muita dor no pós-
operatório.
P4: Quando fiz a cirurgia para colocação dos enxertos cutâneos tive dores
insuportáveis (…)
P5: A dor após a operação foi a pior que já tinha sentido.
P7: Todas as vezes que me faziam os curativos davam-me a anestesia local, porque
tinha muitas dores.
P8: Tive dores horríveis!

O estudo descritivo de McGarry et al. (2014) acrescenta-se que, os participantes tinham


conhecimento que a intervenção cirúrgica seria “apenas o começo do tratamento”. A
execução dos tratamentos à região dadora e à região enxertada foi descrita pelos
participantes como a situação mais traumática e assustadora que experienciaram com a
queimadura. Assistir aos procedimentos invasivos conjuntamente com a dor
percecionada contribuiu para descrever esta vivência como traumática. Os participantes
descreveram este momento como a situação mais dolorosa que vivenciaram. Grande
parte dos participantes verbalizou sentimentos de ansiedade antes da execução dos
tratamentos, mais precisamente descreveram sentirem-se preocupados, nervosos e com
medo do procedimento.

Ensinos realizados

Ao longo do internamento hospitalar os participantes descreveram como significativo a


realização de ensinos efetuada pela equipa de Enfermagem. Concomitantemente,
através dos relatos compreende-se que foram realizados ensinos sobre os cuidados de
reabilitação, ensinos sobre os cuidados / sequelas da queimadura e ensinos sobre a
reintegração social. A seguir encontra-se representada a Figura 8 que ilustra o
organograma sobre os ensinos realizados aos participantes.

Figura 8 – Organograma descritivo do subtema: ensinos realizados.

105
Ao refletir sobre os relatos face aos ensinos sobre cuidados de reabilitação,
compreende-se que os participantes valorizaram os ensinos sobre os posicionamentos
terapêuticos e os exercícios terapêuticos. Relativamente às técnicas de
posicionamento, estas devem ser executadas o mais precocemente possível, para
garantir o sucesso da reabilitação. Na fase aguda da reabilitação, verifica-se a presença
de edema exacerbado principalmente ao nível das extremidades. Por consequência, o
programa de reabilitação deve incidir em posicionamentos terapêuticos capazes de
reduzir o edema, preservando o alinhamento corporal e evitando posições propícias ao
desenvolvimento de contraturas (COBIS, 2009; Procter, 2010).

No que confere ao exercício terapêutico, mais precisamente a mobilização articular,


deve iniciar-se o mais rapidamente possível (COBIS, 2009; Andrade & Cunha, 2010;
EBA, 2013). O exercício terapêutico apresenta inúmeros benefícios para o doente
queimado, tais como: a melhoria da capacidade respiratória e cardiovascular, na
coordenação, no equilíbrio, na força e na resistência muscular e, ainda, despoleta no
doente queimado uma sensação global de bem-estar e autoconfiança (Procter, 2010).

A pessoa com queimadura deve manter os programas de reabilitação após a alta clínica
uma vez que, com o passar de algumas semanas esses ganhos podem dissipar-se devido
às forças de tensão da cicatriz (Procter, 2010). Deste modo, a realização de ensinos é
fundamental para que a pessoa adquira conhecimentos e capacidades para poder dar
continuidade aos programas de reabilitação no domicílio.

P1: Todos os exercícios de reabilitação que aprendi foram-me ensinados no


internamento do hospital especializado em queimaduras.
P2: O Enfermeiro da ”fisioterapia” ensinou-me sobre a importância de
movimentar sempre o braço, a mão e as pernas queimadas e sobre como devia
fazê-lo.
P3: (…) ensinaram-me a sair da cama (…).
P6: (…) os Enfermeiros ensinaram-me alguns exercícios no internamento. Por
exemplo: ensinaram-me exercícios para fazer reabilitação ao joelho.
P7: (…) a Enfermeira ensinou-me a fazer exercícios de reabilitação e ensinou-me
o posicionamento que deveria adotar com o braço: afastado do corpo e levantado
ligeiramente.
P8: A Enfermeira de Reabilitação ensinou-me a fazer vários exercícios de
mobilidade e de força com as pernas.

Relativamente aos ensinos sobre cuidados / sequelas da queimadura, três participantes


referiram que durante o internamento hospitalar foram ensinados sobre os principais
cuidados a ter com a queimadura – hidratação cutânea, adaptação do vestuário,

106
evitar a exposição solar e sequelas da queimadura – ainda, um participante referiu
como significativo os ensinos sobre o manuseamento do vestuário compressivo. Neste
sentido, os resultados do estudo realizado por McGarry et al. (2014) sugerem que, após
a tomada de conhecimento sobre a necessidade a utilizar vestuário compressivo, os
participantes descrevem ter experienciado sentimentos de deceção, uma vez que
consideram que esta modalidade terapêutica seria impeditiva de realizarem as atividades
do seu quotidiano. No entanto, alguns participantes referem ter encontrado algum
“conforto” no vestuário compressivo, por encobrir a queimadura.

P2: Avisaram-me para nunca tocar ou mexer nos pensos. Ainda, ensinaram-me
como deveria colocar o creme na região queimada e os cuidados a ter em casa
com a queimadura. Lembro-me que, fui alertada desde o início que iria ficar com
cicatrizes para o resto da minha vida.
P7: Ensinaram-me os principais cuidados a ter com a queimadura: hidratar muito
bem a queimadura com creme gordo, tomar medicação para diminuir a comichão
(inicialmente tinha muita comichão), usar só roupa de algodão e evitar a
exposição solar.
P8: Ainda, ensinaram-me sobre os cuidados a ter com zonas queimadas. Por
exemplo: a importância de manter a pele hidratada; evitar a exposição solar; ter
cuidado para não andar as “pancadas” com as pernas; como manusear e utilizar
o fato compressivo.

Em relação aos ensinos sobre a reintegração social, a literatura sugere que é frequente
que o doente queimado percecione sentimentos de singularidade relativamente ao meio
social a que pertence, por outras palavras, sente que é a única pessoa que sofreu este
tipo de lesão (Procter, 2010). Por consequência os profissionais de saúde devem
preparar conjuntamente com o doente e a sua família o regresso à sociedade. Deste
modo, ao analisar os relatos, um participante referiu que a equipa de Enfermagem
proporcionou e ensinou-lhe estratégias para interagir com as pessoas após a alta clínica.

P4: As Enfermeiras iam-me explicando as diversas etapas de todo o processo.


Ensinaram-me como devia interagir com as pessoas após regressar a casa, pois
enquanto adolescente, não ia ser um processo fácil lidar com o meio social.

Um participante referiu no seu relato que durante o internamento hospitalar não lhe
foram proporcionados ensinos apenas lhe foi dito que poderia optar por realizar
programas de reabilitação após a alta clínica. De salientar que, como se pode verificar
pelo excerto seguinte, o participante refere não ter sido informado quanto as sequelas e
complicações derivadas da queimadura.

P5: Durante o internamento ninguém me ensinou nada, apenas diziam-me que


tinha que fazer fisioterapia. Não me alertaram para as sequelas da queimadura.
Eu pensava que voltaria para casa e com o tempo tudo regressaria ao normal.

107
Em síntese, a pessoa com queimadura deve assumir um papel ativo no processo de
reabilitação. No entanto, a equipa de Enfermagem deve ser responsável por criar a
ligação e o envolvimento da família como parceira de cuidados, a fim de potenciar os
ganhos funcionais e consequente autonomia. Os ensinos, para além de serem dirigidos à
pessoa com queimadura, devem também ser efetuados à família ou cuidador informal.
Estes devem ser ensinados, orientados, instruídos e treinados para dar continuidade ao
programa de reabilitação no domicílio (Carvalho, 2013; Gomes, 2014).

Dificuldades na realização de ABVD’s

A experiência vivida no internamento significou para três participantes um aumento do


nível de dependência para realizar as ABVD’s. Nas três unidades naturais de significado
apresentadas pode-se observar que os participantes referem ter dificuldades em realizar
mais do que uma ABVD’s de forma independente. As dificuldades na realização de
ABVD’s foram relativas: à higiene pessoal, ao vestuário, à alimentação e à
locomoção.

P1: Davam-me banho, porque eu não conseguia devido a mão esquerda. Estava
muito debilitada e ainda por cima tinha os pensos que não facilitavam as coisas.
Não conseguia estar em pé sequer para tomar banho sozinha…!
P3: No internamento lembro-me que a uma dada altura me deram carapau para
comer, mas não o conseguia comer devido as limitações da minha mão… não
houve ninguém que me ajudasse, os Enfermeiros diziam-me que tinha de conseguir
sozinho. Ainda, recordo-me que tomava “banho à gato” com muita dificuldade e
ia a balneoterapia em dias alternados. Era tudo tão difícil! No hospital andava
muitas vezes em tronco nu devido as queimaduras e não tinha a noção do quanto
seria difícil para mim vestir e despir-me.
P6: Durante o internamento não conseguia andar, devido aos pensos e as dores.
Em relação a alimentação, todos os alimentos deixavam-me nauseada, parecia que
tinha enjoado toda a comida. Não conseguia comer! Lembro-me que, uma
Enfermeira, muito querida, falou com a minha filha e pediu-lhe para trazer um
miminho de fora para eu comer. Só o cheiro da comida do hospital era
insuportável.

A pessoa com queimadura deve ser encorajada desde o internamento hospitalar a


satisfazer o autocuidado de forma independente e autónoma, para que possa retomar os
papéis socioprofissionais desempenhados antes da lesão (Procter, 2010). A queimadura
despoleta o desenvolvimento de sentimentos de perda de funcionalidade e capacidades
para desempenhar ABVD’s. A consecução de ABVD’s de forma independente tem um
papel de relevo no sucesso do programa de reabilitação (Edgar & Brereton, 2004,
citados por Procter, 2010).

108
Alteração da autoimagem

A alteração da autoimagem durante o internamento hospitalar foi considerada como


significativa para dois participantes. O olhar sobre a região queimada foi o que mais
marcou os participantes, os quais referem que já não reconheciam o próprio corpo. Por
consequência, a tomada de conhecimento sobre os danos causados pela queimadura no
corpo da pessoa provocou alterações no conceito de autoimagem pré-existente.

P3: As minhas mãos estavam em carne viva, isso foi das coisas que mais me
marcaram! (Suspiro).
P6: Lembro-me que, a parte que me custou mais foi: no dia em que a Enfermeira
destapou os pensos pela primeira vez. Fiquei tão traumatizada! Não reconheci as
minhas pernas, estavam muito emagrecidas, cheias de escamas e abanavam todas!

Do mesmo modo, no estudo realizado por Arruda et al. (2014), os resultados sugerem
que o olhar e o toque sobre e região queimada são descritos como uma experiencia
difícil de esquecer e ultrapassar. As alterações da imagem corporal despoletaram
sentimentos negativos relacionados com a autoimagem.

Ainda, os resultados do estudo realizado por McGarry et al. (2014) referem que a
alteração da imagem corporal, mais precisamente o olhar e o toque sobre a pele
queimada, foi descrita pelos participantes como incomodativa, visto que a região
queimada possuía características diferentes da pele circundante. O toque e a massagem
sobre a região queimada foram evitados por vários participantes.

De acordo com os resultados dos estudos apresentados anteriormente, verificou-se que


um participante considerou como uma experiência traumática o olhar sobre a região
queimada do próprio corpo.

P6: Foi um trauma para mim! (Choro)

Neste sentido, Pinto et al. (2010) mencionam, no seu estudo, que após questionarem os
participantes sobre as alterações da maneira de ser depois do acidente, constataram-se
alterações ao nível do humor, do comportamento e da imagem corporal. O processo de
consciencialização das alterações comportamentais e da alteração da imagem corporal
iniciou-se logo após acidente e tornou-se mais marcado com o transcorrer do tempo.

Sentimentos percecionados no momento da alta clínica

O momento da alta clínica é considerado na literatura como uma situação que despoleta
um grande impacto psicológico, na pessoa com queimadura. Pois, nesse momento

109
verifica-se um processo de tomada de consciência em que a queimadura é absorvida
como uma realidade que vai deixar uma marca para sempre. Após a tomada de
consciência, a pessoa pode-se deixar levar por sentimentos depressivos, raiva,
ansiedade, perda de identidade e diminuição da funcionalidade. De referir que, a nível
pediátrico, estes sentimentos podem-se camuflar e transformar-se em atrasos no
desenvolvimento e numa temporária dependência dos progenitores (Procter, 2010).

Através dos relatos e pelo organograma representado na Figura 9, os participantes


descreveram que no momento da alta clínica predominaram os sentimentos de
insegurança, de ansiedade, de medo da mudança e de confiança.

Figura 9 – Organograma descritivo do subtema: sentimentos percecionados no momento da alta


clínica.

Os sentimentos relacionados com a insegurança prevaleceram nos participantes. Mais


precisamente, quatro participantes expressam sentir-se inseguros após terem tomado
conhecimento da proximidade da alta clínica. Pelos excertos que se seguem, pode-se
depreender que a insegurança dos participantes se encontra relacionada com a mudança
abrupta do apoio, dos cuidados especializados e das condições de segurança oferecidas
no internamento pela equipa multidisciplinar. Ainda, se pode verificar que a presença de
sequelas e complicações subjacentes à queimadura despoletou sentimentos de
insegurança nos participantes, uma vez que não se sentiam preparados para cuidar deles
próprios no domicílio.

P3: Eu até chorei no momento em que me disseram que ia ser transferido para
outro hospital! Tinha um quarto só para mim, tinha tudo… boas condições de
segurança, sabia que o meu quarto era todos os dias desinfetado com álcool e
outros produtos… e sabia que ia ser transferido para um hospital que não me
oferecia as mesmas condições.

110
P5: Quando tomei conhecimento que ia ter alta clínica não fiquei muito contente,
pois achava que precisava de recuperar mais. Vim para casa numa cadeira de
rodas, porque não podia andar com a muleta devido a mão queimada.
P6: Num dos dias que fui a balneoterapia, a Enfermeira disse-me que podia voltar
para casa. Foi um choque! Ainda estava cheia de ligaduras, sem conseguir mexer
bem as pernas e com a morfina. Nesse momento não queria ir, lembro-me que só
dizia “Já? Já? Já?”
P8: Ensinaram-me várias coisas e deram-me as dicas necessárias para cuidar de
mim em casa, mas mesmo assim, nem eu nem os meus familiares nos sentimos
preparados para voltar para casa. Sentíamos medo, porque aqui tínhamos o
acompanhamento necessário e em casa tínhamos que ser nos a tratar de tudo. Mas
que remédio, tivemos que conseguir!

Ao analisar o estudo efetuado por Moi e Gjengedal (2014) confirma-se que, os


participantes no momento da alta hospitalar também percecionaram sentimentos de
insegurança relacionados com a alteração do meio envolvente em que estavam a ser
cuidados, provocando aumentos nos níveis de ansiedade.

O sentimento relacionado com a ansiedade foi significativo para um participante, o qual


refere ter-se sentido ansioso para poder regressar ao próprio domicílio devido ao
sofrimento causado pelos procedimentos terapêuticos.

P7: Estava muito ansiosa para ter alta clínica, devido ao sofrimento que sentia
causado pelas colheitas de sangue diárias.

Neste sentido, o estudo efetuado por Carlucci et al. (2007), que pretendeu analisar os
sentimentos experienciados por 31 participantes no internamento hospitalar, sugere que
a maioria dos participantes relatou como significativo: o choro, a tristeza, a revolta, o
remorso, a solidão e a saudade. Para além destes, o medo e ansiedade foi experienciado
por catorze participantes.

O medo da mudança foi percecionado por um participante. Este sentimento prende-se


com a mudança face ao ambiente seguro em que considerava encontrar-se no
internamento hospitalar. O mesmo referiu que solicitou ser transferido para um hospital
próximo da sua área de residência, contudo não especializado em queimaduras. Este
acontecimento suscitou posteriormente descontentamento e desagrado.

P1: No momento da alta, tive medo porque ia ser transferida para outro hospital
que não era especializado em queimaduras. Fui eu que pedi para ir para um
hospital mais perto de minha casa, mas foi a pior coisa que eu fiz. A serio que foi!
(Suspiro e Pausa).

O estudo efetuado por Pinto et al. (2010) vem a acrescentar que, o acidente provoca
alterações de humor, ou seja, modifica o estado emocional e afetivo da pessoa. Ao nível

111
dos sentimentos percecionados, a tristeza assume-se como o sentimento dominante. A
tristeza também se encontrou associada ao medo da alteração da imagem corporal e da
funcionalidade. A revolta e a irritabilidade foram referenciadas como sentimentos
percecionados após o acidente.

No momento da alta clínica, dois participantes recordaram que se sentiam confiantes e


preparados para regressarem a casa. Ao analisar as duas unidades de significado
compreende-se que, um participante verbalizou sentir-se preparado para regressar a casa
devido aos ensinos e a preparação realizada pelos profissionais de saúde ao mesmo e à
sua família, frisando os ensinos relacionados com os cuidados de reabilitação.

P2: Sim sentia-me preparada. Sempre tive muita coragem, para enfrentar
situações difíceis.
P4: Quando regressei a casa tanto eu como os meus pais sentíamo-nos
preparados. Ensinaram-nos diferentes exercícios de reabilitação para fazer em
casa a fim de não ficar tão afetada.

A presença de uma pessoa significativa é fundamental no acompanhamento da pessoa


com queimadura no internamento hospitalar, bem como no regresso ao domicílio. Neste
sentido deve ser promovida a inserção da família nos cuidados à pessoa com
queimadura mediada pelo Enfermeiro, a fim de ser atingido o maior nível de autonomia
possível (Pinto, Montinho, & Gonçalves, 2008). Pois, o internamento hospitalar é
vivenciado como um momento de vulnerabilidade física e emocional, afetando não
apenas a pessoa com queimadura como também a sua família (Assis, 2011).

Gestão da Dor

Na fase aguda da reabilitação, o alívio da dor deve ser constante atendendo à presença
da dor de fundo, da dor processual e da dor de rutura (EBA, 2013). A gestão da dor foi
considerada como significativa para seis participantes. Como se pode observar pelo
trâmite dos excertos, os participantes revelam que a dor de fundo e a dor processual
não foram geridas de modo eficaz.

P1: Este “ronga, ronga” que sentia nos locais da queimadura não passava!
P4: Quando fiz a cirurgia para colocação dos enxertos cutâneos tive dores
insuportáveis, “as compressas agarravam-se a pele, aí sim, tive muitas dores”.
P6: Da primeira vez não me custou muito fazer o tratamento, fiz com anestesia
local. Lembro-me que, faziam-me os tratamentos e os pensos na cama. Nas sessões
seguintes de tratamento foi muito doloroso! Estava a fazer morfina, mas mesmo
assim tinha dores. Só pensava que ia morrer! O meu corpo estava muito queimado,
com queimaduras de 2 grau, foi mesmo muito doloroso! A dor foi o pior e
nenhuma anestesia estava a fazer-me efeito…. Relembro que, a dada altura a

112
médica iniciou a aplicar-me diversas pomadas nas regiões queimadas. Nesse
momento senti que entrei no meio de um ciclo de fogo. Considero-me uma pessoa
muito forte e tentei aguentar-me, mas houve momentos em que pensei que fosse
desmaiar.
P7: Durante o internamento o que mais me causava transtorno e dor eram as
colheitas de sangue diárias. Foi uma doença para mim! Todas as vezes que me
faziam os curativos davam-me a anestesia local. Isso mexeu muito comigo,
principalmente com a minha cabeça.
P8: Tive dores horríveis…

No estudo efetuado por Carlucci et al. (2007), com 31 participantes, pode-se verificar
que, a experiência relacionada com a sensação de dor foi considerada como significativa
para 26 participantes. Mais precisamente, a situações de dor encontravam-se
diretamente relacionadas com a execução de procedimentos, tais como: os cuidados de
higiene e conforto, os tratamentos as regiões queimadas e com a própria dor derivada da
queimadura.

O estudo realizado por Yuxiang et al. (2012) vem acrescentar que a dor experienciada
pelos participantes, nas sessões de tratamento às regiões queimadas, suscitou nos
participantes alterações ao nível do humor, do padrão de sono, do apetite e aumento dos
níveis de ansiedade.

Um participante ponderou interromper os tratamentos devido à dor que lhe provocavam.

P6: Cheguei a um ponto em que disse aos médicos que já não queria mais
tratamentos.

Ao analisar o estudo de Yuxiang et al. (2012), verifica-se que os participantes do estudo


caracterizaram a dor derivada dos tratamentos à queimadura como a pior dor física e
psicológica que experienciaram na própria vida. Um outro aspeto pertinente é a
diferenciação entre a dor percecionada após o acidente e a dor sentida no internamento
aquando da realização de ABVD’s. Deste modo, a primeira é descrita como uma “dor
tolerável” quando comparada com a dor sentida no autocuidado de vestir e despir. Ao
analisar a dor sentida pelos participantes no pós-operatório imediato, os resultados
mostram que houve uma gestão da dor satisfatória através do controlo da dor pela
administração de terapêutica medicamentosa analgésica.

Para além disso, um participante referiu como um obstáculo nas sessões de reabilitação,
a dor causada pelas regiões dadoras dos enxertos cutâneos.

P3: Quando comecei a deambular sentia muita dor nas zonas dadoras (pernas) e
isso foi mais um obstáculo.

113
Do mesmo modo, no estudo efetuado por Yuxiang et al. (2012), os participantes
associaram à dor uma maior renitência para a execução de sessões de fisioterapia.
Concomitantemente, se ocorrer uma gestão e controlo inadequado da dor verificar-se-á
o despoletar de processos de não adesão aos programas de reabilitação, seja a curto
como a longo prazo (Procter, 2010).

3.3. VIVÊNCIAS DA PESSOA COM QUEIMADURA NO DOMICÍLIO

A segunda área temática resultante da análise da informação assenta nas “Vivências da


pessoa com queimadura no domicílio”. A seguir, é apresentada a Figura 10, a qual exibe
o organograma descritivo face aos temas centrais e subtemas relativos a área temática
“Vivências da pessoa com queimadura no domicílio”.

Figura 10 – Organograma descritivo das vivências da pessoa com queimadura no domicílio.

114
Neste sentido, foram identificados quatro temas centrais: a adaptação no domicílio; o
processo de reabilitação; os cuidados com a queimadura; os sentimentos percecionados
pela alteração da autoimagem. Relativamente a cada tema central foram identificados
diversos subtemas, mais precisamente para a adaptação ao domicílio foram
reconhecidos três subtemas – dificuldades percecionadas no domicílio, estratégias
utilizadas e a relação com a família – no que confere ao processo de reabilitação os seis
subtemas identificados cingiram-se – a importância da recuperação funcional, a
realização de intervenções de reabilitação no domicílio, a dor, as implicações escolares
e laborais, ao acompanhamento pelos profissionais de saúde e a falta de apoios. Ao tema
central representativo dos cuidados com a queimadura delinearam-se quatro subtemas –
as adaptações do vestuário, a hidratação cutânea, a sensibilidade à exposição solar e a
utilização de vestuário compressivo. Por último, face ao tema central sobre os
sentimentos percecionados pela alteração da autoimagem emergem oito subtemas – a
perda, a tristeza, o medo, o desânimo, o desespero, a revolta, o estigma social e a
adaptação à mudança.

3.3.1. Adaptação no domicílio

O regresso ao domicílio representa a transição para a fase intermédia do programa de


reabilitação, por consequência deve ser realizada uma avaliação funcional
pormenorizada ao nível das AVD’s. Por outras palavras devem ser definidas metas que
poderão compreender processos de reaprendizagem, ensinos para novas estratégias
adaptativas ou para equipamentos adaptativos (COBIS, 2009).

A adaptação no domicílio assume-se como tema central, dado que engloba o conjunto
de subtemas relacionados com o regresso a casa dos participantes, mais especificamente
– as dificuldades percecionadas no domicílio, as estratégias utilizadas e a relação com a
família.

Dificuldades percecionadas no domicílio

Ao analisar as unidades de significado relativas as dificuldades percecionadas no


domicílio, percebe-se que todos os participantes apresentaram dificuldades ao nível da
realização de ABVD’s.

P1: Vestir uma camisola, Deus me livre! Vou fazendo as coisas do dia-a-dia, mas,
com alguma dificuldade.

115
P2: As principais dificuldades que senti quando regressei a casa foi não conseguir
lavar-me, vestir e despir-me sozinha.
P3: Em casa tinha a minha esposa para me ajudar, se não fosse ela não conseguia
tomar banho, vestir-me, despir-me, levar os alimentos a boca, cortar os alimentos
e realizar as tarefas do dia-a-dia que envolvessem o uso dos braços e mãos.
P4: No início não conseguia vestir-me, tomar banho e comer (…)
P5: Quando voltei a casa, os primeiros dois meses foram os mais difíceis, nos
quais precisei de mais ajuda. As minhas principais dificuldades cingiram-se ao
conseguir tomar banho, ao caminhar, ao vestir-me e ao despir-me de forma
autónoma. Para deambular usava a canadiana de um lado e do outro lado tinha o
apoio da minha esposa. Precisei de ajuda para me calçar. Descer escadas custava-
me muito. O mais difícil para mim foi o facto de não conseguir fazer as coisas
sozinho e precisar de ajuda, isso é que foi mais difícil.
P6: As minhas principais dificuldades foram conseguir lavar-me, ir a casa de
banho, vestir-me, calçar-me e custava-me muito andar. No início usei o andarilho
para andar. Com as canadianas desequilibrava-me muito facilmente. Andei
bastante tempo com o andarilho, achava-o mais seguro. Depois, pouco a pouco
comecei a andar sozinha, mas ainda me custa dobrar o joelho.
P7: Quando voltei para casa não podia fazer nada com o braço queimado, tudo o
que fazia era com o braço saudável. Enquanto tinha os pensos não conseguia
dobrar o braço e levá-lo para trás da cabeça. Estive mais de um mês em casa com
estas limitações. Uma grande dificuldade que tenho é não conseguir calçar-me,
preciso da ajuda do meu marido. Após três meses já conseguia vestir-me, lavar-me
e comer. Contudo, no banho ainda preciso da ajuda do meu marido para lavar a
parte de trás do meu corpo porque não consigo fazer os movimentos necessários.
Quando me vou deitar e deito-me sobre o lado queimado, faz-me muita diferença e
causa-me desconforto.
P8: As principais dificuldades que tive foram: vestir-me sozinha, porque não me
conseguia dobrar; não conseguia tomar banho no chuveiro, por consequência
lavava-me a gato como fazia no hospital. Para deambular usava as canadianas.
Andei ainda muito tempo de canadianas. (Suspiro) Um dos pés não o consigo
apoiar no chão completamente, ficou deformado, sem elasticidade na zona do
tendão de aquiles.

Neste sentido, a Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação


(MCEER) considera como ABVD’s seis atividades:

“Higiene Pessoal: no uso do chuveiro, da banheira e acto de lavar o corpo;


higiene oral; arranjo pessoal; Controlo da eliminação vesical e intestinal e uso
dos sanitários: acto inteiramente auto controlado de mictar ou defecar; ir ao
sanitário para a eliminação e higienizar-se após; Vestuário: ir buscar as roupas
ao armário, bem como vestir: roupas íntimas, roupas externas, apertar botões,
fechos e cintos, calçar meias e sapatos; Alimentação: uso dos talheres; fragmentar
os alimentos no prato; dirigir a comida do prato (ou similar) à boca; Locomoção:
deslocar-se autonomamente; Transferência: sair da cama e sentar-se numa
cadeira e vice-versa; transferir-se de uma cadeira para outra, para a sanita,
banheira ou outra superfície” (MCEER, 2011, p.2).

De acordo com a informação anterior, verifica-se que os participantes expressaram


dificuldades na consecução das seguintes ABVD’s – higiene pessoal, uso do sanitário,

116
vestuário, alimentação e locomoção. A transferência não foi referida como uma
atividade que suscitou dificuldades para os participantes.

Ainda, é importante referir que apenas um participante referiu ter dificuldade em


realizar uma ABVD’s de modo independente, os restantes referiram dificuldades em
desempenhar mais que duas ABVD’s. Para além disso, averigua-se que um participante
referiu ter dificuldades em desempenhar quatro ABVD’s de forma independente, no
domicílio.

Ao refletir sobre a informação relativa às vivências no internamento hospitalar, mais


precisamente às dificuldades sentidas para a realização de ABVD’s, verifica-se que um
maior número de participantes referiu dificuldades para desempenhar essas atividades
após se encontrar no domicílio. Do mesmo modo, destaca-se que os participantes
atribuem maior significado a dificuldade na realização de ABVD’s no domicílio.

O estudo realizado por Assis (2011) corrobora a informação anterior, ao explicitar que
as alterações físicas decorrentes da queimadura são associadas há alterações nos níveis
dependência para a realização das AVD’s, trabalho e lazer.

Uma outra dificuldade apontada por um participante é perda de capacidades ao nível


do movimento articular e a perda das propriedades elásticas da pele. Pela análise da
unidade natural de significado percebe-se que o participante ficou muito afetado,
referindo ter perdido 50% das suas capacidades motoras.

P3: (…) quero fechar a mão direita e sinto que a pele esta toda apanhada, o que
não me deixa fechar a mão. Os movimentos que consigo fazer também são muito
poucos, praticamente 50% das minhas capacidades desapareceram. Ainda, na
cama basta querer-me virar e noto logo que a pele não tem a mesma
elasticidade…

Ainda, um participante refere que no domicílio deparou-se com a dificuldade de não


conseguir escrever, uma vez que a mão foi atingida pela queimadura.

P4: (…) não conseguia escrever e realizar tarefas que implicassem o uso da mão.

A perda de sensibilidade foi descrita por um participante como uma dificuldade


percecionada no domicílio.

P5: O meu pé não mexe praticamente, não consigo levanta-lo para cima e perdi a
sensibilidade.

De acordo com o exposto, após o regresso a casa a pessoa é confrontada com alterações
ao nível da funcionalidade, verificando-se alterações associadas à incapacidade de

117
desempenhar determinadas tarefas. Este acontecimento compromete a vida diária da
família, uma vez que ocorrem modificações na dinâmica familiar, no que confere ao
desempenho de papéis assumidos por cada elemento. O quotidiano da pessoa encontra-
se alterado pela impossibilidade de executar tarefas do próprio dia-a-dia e, ainda, pela
impossibilidade de desempenhar a atividade profissional realizada antes do acidente
(Pinto et al., 2010).

Estratégias utilizadas

Perante as dificuldades sentidas, no domicílio, seis participantes descreveram como


significativo a implementação de estratégias para contornar as dificuldades presentes no
seu quotidiano.

P1: No início era a minha filha que me vestia porque com a mão queimada não
conseguia.
P2: Acabei por encontrar as minhas próprias estratégias, agarrei-me a deus e
adaptei-me as minhas limitações. Quem me ajudou foi o meu marido. Encontrei
uma maneira de conseguir cozinhar, por exemplo usando a outra mão. Tive que
ensinar ao meu marido a fazer determinadas tarefas que antes era eu que
desempenhava. Tenho feito a minha vida, mas de forma diferente.
P3: A minha esposa teve que assumir o meu trabalho em casa e o dela, ela tinha
que fazer praticamente tudo.
P5: Vou fazendo o que posso, o que não puder alguém o vai fazer, tive que
arranjar as minhas estratégias. A minha esposa e o meu filho foram ajudas
essenciais. Nos primeiros tempos era a minha esposa que me dava banho.
P6: Foi complicado em casa! Vivo sozinha. A minha filha ficou comigo na
primeira semana após regressar do hospital. A minha nora e a minha mãe também
virão ajudar-me.
P7: Para tomar banho, vestir, despir-me o meu marido tinha que me ajudar. Para
realizar determinadas tarefas as pessoas tinham que colocar as coisas a jeito, ou
seja, perto de mim. Por exemplo: não tinha força suficiente na mão para agarrar
numa panela e coloca-la no fogão. Nessa situação o meu marido tinha que colocar
e retirar a panela do fogão e depois eu ficava a tomar conta da comida. Na altura
ninguém nos tinha ensinado estratégias pelo que, ele fazia as coisas da forma que
mais jeito lhe dava.

Através da análise das unidades de significado anteriores, denota-se que os participantes


tiveram que criar estratégias personalizadas e adaptadas às próprias dificuldades.
Uma estratégia utilizada foi a reeducação e estimulação do membro que não foi atingido
pela queimadura para o desempenho de tarefas domésticas. Um participante expressou
como sendo uma estratégia significativa o apego a religiosidade. Concomitantemente,
no estudo efetuado por Carlucci et al. (2007), alguns participantes referiram uma maior
aproximação com a religião após a ocorrência do acidente.

118
Nos primeiros meses após o regresso a casa, ressalva-se que os participantes adotaram
como estratégia e/ou necessidade a mudança de papéis, sendo que o familiar
significativo assume um papel de substituição ou de auxílio na realização das mais
variadas atividades.

Após o regresso ao domicílio, a família ou o cuidador informal serão responsáveis por


prestar diversos cuidados à pessoa com queimadura, tais como: a satisfação do
autocuidado (higiene pessoal, comer, beber, vestir-se, despir-se e arranjar-se), a gestão
do regime medicamentoso, a gestão de medidas de segurança e a promoção da interação
psicoemocional e social (Goyatá, Rossi, & Dalri, 2006, citados por Almeida & Santos,
2013). A família deve, ainda, incentivar, apoiar e motivar a pessoa com queimadura a
participar em atividades desportivas e em programas de exercício físico (COBIS, 2009).
No estudo de Pinto et al. (2008), ao analisar o funcionamento familiar também se
verificam alterações. Com o decorrer do tempo verifica-se a necessidade de efetuar a
troca de papéis no seio familiar. Desta forma, as tarefas que a pessoa com queimadura
desempenhava antes do acidente poderão ter que ser efetuadas por outra pessoa do
agregado familiar.

A família pode-se tornar num obstáculo à reintegração social da pessoa com


queimadura. Este acontecimento sucede-se quando a família adquire um papel de
”superproteção” (Procter, 2010).

Um aspeto relevante referido por dois participantes é o facto de não terem sido
efetuados ensinos no internamento hospitalar sobre estratégias adaptativas para o
domicílio. Neste sentido, Pinto et al. (2008) acrescentam que o Enfermeiro deve
proceder a calendarização de encontros periódicos com a equipa multidisciplinar para
que seja possível delinear estratégias de adaptação, facilitar a expressão de sentimentos,
dificuldades e vivências da pessoa com queimadura e da sua família.

Relação com a família

A relação com a família foi descrita por cinco participantes como sendo “a essência da
minha recuperação”, “a fonte de apoio e força”, “sofrimento mútuo”. Quatro
participantes referiram como significativo o sofrimento pelo qual a própria família teve
de passar, causando nos participantes maior sofrimento. Um participante mencionou
que a relação com os seus progenitores e amigos se tornou mais forte, despoletando um
processo de maior aproximação.

119
P1: Para a minha filha também foi uma altura complicada. Não foi fácil para ela
conciliar a sua vida para me acompanhar as consultas.
P4: Tentei não me ir abaixo, tinha sempre os meus pais a darem-me força. Foram
a Essência na minha recuperação! (Choro) …. Custou-me a aguentar o facto de
que, para além do meu sofrimento os meus pais estavam a sofrer também. Eles
tiveram que mudar a própria vida para me acompanharem durantes todos estes
anos. Tentava nunca deitar uma lagrima diante dos meus pais, mas não foi fácil…
P5: A minha esposa sofreu muito também, toda a minha família sofreu. Tivemos
que nos adaptar a esta mudança, lutar por nos próprios, pela família e, acima de
tudo olhar em frente!
P6: Os meus pais vivem ao meu lado. A minha mãe tinha sido operada há muito
pouco tempo. O facto de eu saber que a minha mãe não podia fazer esforços
devido à cirurgia, e que mesmo assim andou a cuidar de mim e a levantar-se
durante a noite, mexeu muito comigo. Sabia que eles precisavam de mim, mas não
os podia ajudar, foi assim um bocadinho… (Suspiros e Choro).
P8: Em casa foram os meus pais que me ajudaram. No entanto, tentava fazer o
máximo possível sozinha, de forma autónoma, queria mesmo voltar a ganhar
forças! Mas nem sempre era possível fazer tudo por mim… (Pausa). Os meus pais
e amigos foram a minha fonte de apoio e força. O acidente aumentou e melhorou a
relação com os meus pais, tornou-a mais forte e aproximamo-nos muito.

Neste contexto, os resultados do estudo efetuado por Carlucci et al. (2007) revelam que
os participantes expressaram nos seus relatos uma mudança ao nível relacional (família
e amigos), por outras palavras principiaram a valorizar mais a vida decorrente da
aproximação e do aumento da atenção dada pelos seus entes queridos. No estudo
realizado por Pinto et al. (2008), ao analisar a reação da família perante o acidente por
queimadura, verificam-se oscilações – positivas, negativas e ambivalentes – de acordo
com o tempo decorrido após o acidente. Contudo, observa-se que com o decorrer do
tempo prevalecem as reações positivas na família, manifestadas através do apoio, da
proximidade e da aceitação.

Ainda, o estudo realizado por Pinto et al. (2010) acrescenta que a relação com os outros
sofre alterações. Ao nível do núcleo familiar, apura-se a presença de uma aproximação,
a qual pode-se dever ao aumento do nível de dependência da pessoa com queimadura.
Na pessoa adulta, o cônjuge assume um papel vinculativo de relevo devido à partilha de
um relacionamento afetivo. Assim, os relatos dos participantes fomentam que a pessoa
que lhes deu maior suporte e apoio foi o cônjuge. A fonte seguinte de apoio e suporte
foram os filhos, sendo que às restantes pessoas é-lhes conferido um papel mais distante.
Ao nível das relações de amizade, os participantes referem que há oscilações com o
passar do tempo. Nos primeiros 2 meses verifica-se uma maior aproximação e apoio que
progressivamente desvanece. Um ano após a queimadura ocorre um reconhecimento das

120
relações de verdadeira amizade. A pessoa reconhece os verdadeiros amigos, os que
sempre estiveram presentes e a apoiaram de modo incondicional. Também, o estudo
efetuado por Moi e Gjengedal (2014) sugere que a ajuda e o apoio dado pela família
fortaleceram as relações e os laços familiares, suscitando nos participantes sentimentos
de profunda gratidão.

De acordo com os estudos apresentados, compreende-se que as relações familiares e as


relações com os amigos alteraram-se com o decorrer do tempo. Neste sentido, salienta-
se que os participantes deste estudo não descreveram cronologicamente as oscilações
relacionais com a família e amigos.

3.3.2. Processo de Reabilitação

O processo de reabilitação no domicílio é considerado como a fase intermédia do


programa de reabilitação. Nesta fase a reabilitação decorre em regime de ambulatório e
os cuidados a serem prestados irão variar de pessoa para pessoa. Neste processo de
transição é importante que seja mantida a continuidade do programa de reabilitação
delineado na fase aguda, até que sejam atingidos os objetivos na íntegra (COBIS, 2009).

Alguns dos participantes do estudo já se encontram na última fase da reabilitação, a qual


é denominada por fase crónica e tem início aproximadamente dois anos após a lesão.
Desta forma serão exploradas as vivências dos participantes ao nível da fase intermédia
e da fase crónica.

A seguir é apresentado o organograma alusivo aos subtemas subjacentes ao tema central


– processo de reabilitação. Como se pode observar na Figura 11, a importância da
recuperação funcional foi considerada como significativa para cinco participantes. As
intervenções de reabilitação no domicílio contaram com quatro unidades naturais de
significado. A dor foi considerada significativa por três participantes. As implicações
escolares e laborais foram relevantes para cinco participantes. O acompanhamento pelos
profissionais de saúde assumiu relevo em sete participantes e, por fim, a falta de apoios
foi mencionada por seis participantes.

121
Figura 11 – Organograma descritivo do tema central: processo de reabilitação.

Importância da recuperação funcional

A recuperação funcional foi considerada com significativa para cinco participantes. Ao


refletir sobre as unidades naturais de significado que se seguem compreende-se que,
quatro participantes mantiveram os programas de recuperação funcional por um longo
período de tempo – comecei as sessões de fisioterapia três vezes por semana, durante
cinco anos. A recuperação funcional foi descrita por dois participantes como
fundamental. Um participante proferiu que ao fim-de-semana não realizava sessões de
recuperação funcional e esta situação despoletou no participante sentimentos
relacionados com o retrocesso no processo de reabilitação – (…) sinto que estou a
retroceder no tratamento. Ainda o mesmo participante refere que sem os programas de
recuperação funcional observa alterações funcionais – sinto-me mais presa!

No que confere aos ganhos que os programas de recuperação funcional trouxeram aos
participantes, através da análise das unidades naturais de significado, os mesmos
relataram observar melhorias na ADM, na força muscular e para um participante
significou um recurso fundamental para adesão ao programa de reabilitação – (…)
se tivesse que o fazer sozinho não o faria (…). Ainda, um participante fez referência a
gestão do processo cicatricial, descreve que com as intervenções de reabilitação não
constatou alterações – as cicatrizes mantinham-se iguais.

P1: Hoje em dia continuo a fazer fisioterapia em casa e num ginásio de


fisioterapia, é fundamental.
P3: Depois do internamento, após oito dias, comecei as sessões de fisioterapia três
vezes por semana, durante cinco anos. Lembro-me perfeitamente que não
conseguia levantar o meu braço até cá em cima, meteram-me numa “máquina que
levantava o meu braço” e com as sessões de fisioterapia comecei a aumentar a
amplitude dos meus movimentos. Notei muitos ganhos com a reabilitação. Se
tivesse que ultrapassar cada etapa do processo de reabilitação sozinho, não me ia
obrigar a fazer tanto, como os profissionais faziam comigo. Uma coisa tão simples

122
como abrir e fechar a mão, fazer flexão e extensão dos dedos da mão, se tivesse
que o fazer sozinho não o faria devido a dor intensa que despoletavam esses
movimentos.
P4: Considero ter sido bem acompanhada. Lembro-me que no início não
conseguia dobrar o braço e passado uns tempos já conseguia dobra-lo, mas não
estica-lo. E chegou a um ponto em que não o conseguia esticar nem dobrar. As
sessões de fisioterapia foram fundamentais para recuperar a força muscular e a
amplitude dos movimentos da mão e do braço.
P7: Após uns meses, na consulta de queimados e reencaminharam-me para fazer
fisioterapia. Fiz quinze sessões de fisioterapia. Lembro-me que me colocavam
Biafine e faziam-me massagens no braço e na mão. Lembro-me de usar uma toalha
ou uma bola para fazer os vários movimentos com o braço queimado. No início,
não conseguia movimentar o punho para trás e para isso fiz muitos exercícios com
a bola. Depois para reabilitar os dedos deram-me uma espécie de pinça para
apertar. Notei melhorias na amplitude dos movimentos, mas as cicatrizes
mantinham-se iguais.
P8: Inicialmente pensou-se em contratar um profissional de saúde para fazer-me
reabilitação em casa, mas não foi necessário. Passado uns meses iniciei as sessões
de fisioterapia e tenho-me sentido bem acompanhada. Faço fisioterapia
praticamente todos os dias da semana e, ao fim-de-semana noto muita diferença
por não ter sessões. Por exemplo: ao fim de semana a minha vida é menos agitada
e noto que não consigo andar tão bem, sinto-me mais presa! Nesses momentos
sinto que estou a retroceder no tratamento.

A vida após uma lesão grave por queimadura pode exigir programas de reabilitação para
o resto da vida (Procter, 2010). A pessoa com queimadura fica marcada pela presença
de uma cicatriz permanente, que irá influenciar a ADM, reduzir a força muscular e
capacidade funcional. Ainda, os aspetos psicológicos e sociais que daí derivam afetam
de modo significativo a reintegração social (Hale et al., 2013).

A formação de uma cicatriz hipertrófica é muito comum, após uma queimadura,


causando incapacidades funcionais e alterações estéticas significativas (Bloemen et al.,
2008, citados por Procter, 2010). A gestão do processo cicatricial é um processo longo e
muitas vezes acompanhado por elevados níveis de dor. Este processo decorre durante
muitos meses e visa minimizar as sequelas que a queimadura acarreta. Pelo que, não
pode ser efetuado durante algumas semanas e depois ser abandonado (Procter, 2010). A
gestão do processo cicatricial deve ser adaptada e adequada para cada pessoa, de acordo
com a localização anatómica da queimadura, a idade e a resposta ao tratamento
(CYWHS, 2010).

Intervenções de reabilitação no domicílio

As intervenções de reabilitação no domicílio foi uma realidade vivida por quatro


participantes. Desta forma, ao refletir sobre as unidades naturais de significado,

123
observar-se que alguns participantes delinearam o próprio programa de reabilitação
no domicílio enquanto aguardavam ser reencaminhados para serviços de Medicina
Física e Reabilitação. Por outro lado, dois participantes referem ter realizado programas
de reabilitação no domicílio de forma autónoma apenas pondo em prática os ensinos
realizados ao longo do internamento, porém um deles expressou que gostaria de ter
sido reencaminhado para os serviços de Medicina Física e Reabilitação – Ninguém me
reencaminhou para os serviços de reabilitação, mas gostava de ter feito (…).

Dois participantes mencionam que para além dos programas de recuperação funcional,
realizaram um programa de exercícios de reabilitação no domicílio, afirmando que na
recuperação não são suficientes só as sessões de Medicina Física e Reabilitação –
Apesar de fazer fisioterapia, também tenho que fazer exercícios em casa, tem mesmo
que ser! Relativamente aos exercícios de reabilitação desempenhados no domicílio, um
participante refere que necessita do auxílio de outra pessoa para executar determinados
exercícios terapêuticos – (…) há exercícios que aprendi que não sou capaz de fazer sem
a ajuda de outra pessoa.

P1: Comecei a fazer eu mesma fisioterapia e reabilitação em casa visto que, tive
que esperar um mês por uma autorização do centro de saúde para poder iniciar a
fisioterapia. Fazia os exercícios que os profissionais me foram ensinando no
internamento do hospital especializado em queimaduras. Portanto, mesmo
pagando as sessões de fisioterapia tive que esperar um mês até começar! Nesse
mês regredi muito, porque o que eu fazia não era suficiente… (Pausa). Quando
faço fisioterapia em casa há exercícios que aprendi que não sou capaz de fazer
sem a ajuda de outra pessoa.
P2: Não fiz fisioterapia, fiz sozinha a minha própria reabilitação.
P6: Fazia alguma reabilitação em casa por iniciativa própria. Os Enfermeiros
ensinaram-me alguns exercícios no internamento. Por exemplo: ensinaram-me
exercícios para fazer reabilitação ao joelho. Tive muita força! Ninguém me
reencaminhou para os serviços de reabilitação, mas gostava de ter feito! Um
tempo depois, decidi inscrever-me nas aulas de ginástica (aulas de grupo) na
minha terra. As aulas ajudaram-me muito a recuperar os movimentos do meu
joelho e a melhorar as questões psicológicas. Há coisas que não consigo fazer,
mas as pessoas apoiam-me. Tudo isto ajudou a minha cabeça e aliviou muito o
stress!
P8: Apesar de fazer fisioterapia, também tenho que fazer exercícios em casa, tem
mesmo que ser!

Em síntese, as intervenções de reabilitação no domicílio foram mencionadas pelos


participantes como significativas, valorizando os ensinos sobre os cuidados de
reabilitação recebidos no internamento hospitalar pela equipa de Enfermagem.

124
Dor

No domicílio a presença de dor foi considerada relevante para três participantes. Neste
sentido, dois participantes referem percecionar dores intensas quando são confrontados
com a realização de ABVD’s – locomoção e vestuário. Um dos participantes utiliza a
expressão – sinto que as cicatrizes parecem uma eira de cascalho – para descrever a
textura da pele aquando o toque. A dor causada pelo vestuário foi considerada como
significativa para um participante – (…) nem aguento ter a roupa por cima da pele pois
causa-me muita dor e desconforto. Por outro lado, um outro participante mencionou
como relevante a dor percecionada após atividades de locomoção – os pés inchados,
esfolados e acima de tudo com muita dor – o mesmo refere que, para além das dores
intensas percecionadas verifica a presença de edema, acentuando-se na estação invernal.

Ainda, um participante expressou como significativo as dores provocadas pelas


atividades terapêuticas de reabilitação, contudo a presença dos profissionais de saúde
facilitou o controlo da dor.

P3: Mesmo com os profissionais de saúde durante as sessões de fisioterapia


gritava devido a dor que sentia, mas faziam de tudo para me motivar e controlar a
dor. Senti muita Dor com as queimaduras.
P5: Se passasse o dia a andar de um lado para outro, quando chegasse a casa
estaria com os pés inchados, esfolados e acima de tudo com muita dor. No inverno,
noto que o pé me começa a doer mais e fica mais inchado. As dores estão sempre
presentes, mas no inverno é pior.
P7: Hoje em dia ainda sinto que as cicatrizes estão muito doridas. Ainda tenho um
longo caminho a percorrer até isto ficar bom. Por exemplo: por cima da roupa
sinto que as cicatrizes parecem uma eira de cascalho, ou seja, é como se
estivessem lá pedras por cima da minha pele. Em algumas zonas do braço
queimado, há dias em que, nem aguento ter a roupa por cima da pele pois causa-
me muita dor e desconforto. Se a dor é na mão utilizo luvas de algodão. Se quiser
lavar a loiça, utilizo as luvas de algodão e por cima coloco as luvas de plástico.
Por exemplo: se uma pedrinha de sal entra em contacto com a pele queimada, nem
lhe digo nem lhe conto qual é a sensação, ui ui … (Suspiro)

Implicações escolares e laborais

O retorno às atividades escolares e profissionais é um passo que integra uma meta do


processo de reabilitação, com a finalidade de retomar a vida pré-existe há queimadura.
Cinco dos participantes vivenciaram este momento, três dos quais tiveram que retornar
ao trabalho e dois regressaram ao meio escolar.

Ao analisar as unidades naturais de significado relacionadas como retorno ao trabalho


denota-se que, para dois participantes o regresso ao trabalho foi considerado um

125
processo difícil. Ainda, para um dos participantes houve necessidade de alterar a área
laboral em que exercia as suas funções. Contudo, os dois participantes, após a
ocorrência do acidente, estiveram afastados da atividade laboral por um período de
tempo significativo – Tive que deixar de trabalhar durante um ano e meio. O outro
participante encontra-se numa fase do processo de reabilitação mais precoce, uma vez
que ainda não regressou ao trabalho. Porém, é evidente a o desejo manifestado em
retomar as atividades laborais.

P1: O que espero é poder voltar a trabalhar em breve e, ser capaz de conduzir o
meu carro uma vez que, a mão que foi queimada é essencial para o fazer.
P5: Tive que deixar de trabalhar durante um ano e meio. Não foi fácil. (Suspiro).
Após um ano e meio voltei a trabalhar, mas noutra área. Sempre fui uma pessoa
muita ativa, habituada a trabalhar e de repente dei por mim em casa. No trabalho
também me causa algum fastio a queimadura da mão, mas o que é que vou fazer?
Tenho que fazer alguma coisa. No trabalho utilizo muito a mão queimada e tenho
que usar sempre a luva.
P6: Fui a junta médica pedir extensão da baixa e foi concedida. A minha patroa
foi impecável comigo, compreendia as minhas dificuldades. Quando voltei para o
trabalho ainda não estava totalmente recuperada, mas já não tive prorrogação da
baixa. As funções que desempenho exigem que me ajoelhe e movimente, foi muito
complicado porque não o conseguia fazer.

No estudo desenvolvido por Carvalho (2011b), os programas de reabilitação


significaram para os participantes um vetor para constatar a alteração da imagem
corporal e da identidade social, através das mudanças nas ligações familiares, sociais e
de trabalho. Alguns dos participantes após o acidente tiveram que deixar a profissão que
exerciam, o que significou para os mesmos deixar a própria vida em “standby” devido
as alterações funcionais. O sofrimento psicológico, as limitações físicas e a presença
constante de dor causaram nos participantes um obstáculo ao alcance da funcionalidade.
Ainda, a perda de autonomia e as alterações financeiras favoreceram a sensação de
perda moral.

Ainda, no estudo qualitativo realizado Oster, Kildal e Ekselius (2010) referido por EBA
(2013), as pessoas com queimadura expressam como barreiras – os sentimentos de
deceção sentindo-se incompreendidas, detentoras de pouca informação, mencionando
também a pouca compaixão por parte dos colegas de trabalho. O estudo de Mackey et
al. (2009) referido por EBA (2013) acrescenta que após o regresso ao trabalho, o doente
queimado pode-se sentir derrotado, sobrecarregado, afetado, inalterado ou mais forte.

Ao analisar as taxas de empregabilidade 4 anos após a queimadura, apura-se que são


inferiores quando comparadas com a população em geral (Moi et al., 2006, citados por

126
EBA, 2013). Em média, aproximadamente 3 anos após a lesão as pessoas com
queimadura regressam ao trabalho. Todavia, o retorno ao trabalho caracteriza-se por
novas adaptações, especificamente a redução do horário de trabalho, a redução do
número de dias de trabalho ou até mesmo a mudança da função desempenhada. No
estudo efetuado por Moi e Gjengedal (2014) os participantes consideraram como
importante os seus empregadores proporcionarem opções flexíveis no que diz respeito
ao regresso ao trabalho.

Em suma, o sucesso da reintegração da pessoa com queimadura na comunidade exige


que o processo de reabilitação se direcione também para o retorno ao trabalho. Mais
precisamente são considerados como fatores facilitadores do retorno ao trabalho: a
participação social ativa, a continuidade de cuidados de saúde e de reabilitação, a
adaptação das tarefas à pessoa e os apoios sociais (EBA, 2013).

As implicações escolares foram consideradas com significativas para dois participantes.


Pela análise dos relatos verifica-se em ambos os excertos que a queimadura promoveu e
propiciou o insucesso escolar. O motivo principal do insucesso escolar deveu-se à
ausência dos participantes nas atividades letivas, causada pelos tratamentos relacionados
com a queimadura (internamento hospitalar, consultas e intervenções de reabilitação).

P4: Quando fui para casa, retomei a escola e tentei ir ao maior número possível de
aulas, mas não consegui passar de ano. Foi muito complicado conseguir conciliar
a escola com a fisioterapia.
P8: Com o acidente acabei por perder um semestre inteiro de aulas e isso mexeu
comigo! Estava muito entusiasmada com este novo curso e perdi logo o primeiro
semestre fiquei mesmo em baixo e muito triste.

Neste sentido é evidente que a queimadura tem um impacto direto sobre o regresso à
escola. Mais precisamente, no estudo de Christiansen et al. (2007) citado por Bakker et
al. (2013), as crianças com queimaduras cuja média da SCQ foi 14% faltaram 38 dias as
atividades letivas. As crianças do sexo masculino e a idade mais avançada foram
considerados como os fatores de causalidade relacionados com o maior tempo para
regressar as atividades escolares.

Acompanhamento pelos profissionais de saúde

A continuidade de cuidados no domicílio é fundamental para a pessoa com queimadura.


O acompanhamento por parte dos profissionais de saúde, após o regresso a casa foi

127
descrito por seis participantes como – muito satisfatório, positivo, fonte de apoio e de
força.

O acompanhamento através de consultas periódicas foi considerado satisfatório para


cinco participantes. Porém, destes cinco participantes, dois mencionaram terem também
como complemento o acompanhamento pelos centros de saúde da área de residência.

P2: Continuei a ser seguida na consulta externa para utentes queimados e fui
acompanhada pelo centro de saúde da minha área de residência. Senti-me
satisfeita com o acompanhamento feito pela equipa do centro de saúde.
P3: Ao nível do acompanhamento por profissionais de saúde, tinha consultas de
três em três meses e estava satisfeito.
P4: Senti confiança nos profissionais. Sempre tivemos um bom acompanhamento
por parte dos profissionais.
P6: Senti-me bem, estava a ser acompanhada nas consultas. Em casa não tive
grandes dúvidas porque seguia os conselhos que me foram dados no internamento
e nas consultas.
P7: Ao longo das consultas sentia-me apoiada. Ainda, era seguida no centro de
saúde para fazer os curativos. No centro de saúde também me apoiaram e
reforçavam o que já me tinha sido dito nas consultas. Por exemplo: diziam-me
para evitar o sol; ter força que amanhã era um novo dia… senti que tinha sempre
alguém que me acompanhava e apoiava. A minha família e os profissionais de
saúde deram-me força e ajudaram-me.
P8: Como estive internada muito tempo e continuava a ser seguida nas consultas,
acabei por sentir-me muito apoiada pelos profissionais, não podia ter sido melhor,
sentia que estava em boas mãos.

Ao contrário da informação referida anteriormente, no estudo desenvolvido por


Carvalho (2011b), alguns dos participantes referiram não se sentir confortáveis para
questionar os profissionais de saúde relativamente às dúvidas que possuíam.

Apenas um participante menciona que não teve acompanhamento Médico e/ou de


Enfermagem após a alta clínica – Senti muita falta de não ter tido um acompanhamento
ao longo destes anos para ter um feedback da evolução da queimadura – frisando no
seu relato a importância da esposa perante o processo de cuidar – A minha mulher foi
quem fez de Enfermeira.

P5: Ao longo destes anos não tive acompanhamento de profissionais de saúde. A


minha mulher foi quem fez de Enfermeira. Era ela, que todas as semanas me fazia
os tratamentos ao pé e que me acompanhou sempre. Uma pessoa na minha
situação necessita de ter um apoio Médico e de Enfermagem. Senti muita falta de
não ter tido um acompanhamento ao longo destes anos para ter um feedback da
evolução da queimadura.

128
Falta de apoios

A falta de apoios foi considerada como significativa para seis participantes. Ao


caracterizar a falta de apoios compreende-se que não houve ajudas sociais e financeiras
perante a aquisição de ajudas técnicas, cremes, transporte para os programas de
Medicina Física e Reabilitação e recursos económicos para realizar programas de
reabilitação.

Mais precisamente três participantes referem não lhes terem sido proporcionados apoios
para a aquisição de ajudas técnicas (vestuário compressivo) e cremes hidratantes,
elementos considerados na literatura como fundamentais no processo do cuidar da
queimadura. A falta de apoios simbolizou para os participantes um obstáculo na
aquisição do vestuário compressivo, provocando o adiamento da terapia compressiva, a
qual é considerada como importante na gestão do processo cicatricial da região
queimada.

P3: Não tive qualquer tipo de apoio. Gastei e continuo a gastar muito dinheiro em
cremes. Os boiões são muito caros e gastava mais que do que um por mês.
P6: Dá primeira vez que fui a consulta de queimados tiraram-me logo as medidas
para as meias elásticas; disseram que me iam chamar, mas até hoje ninguém me
disse mais nada. As pomadas e as meias não foram comparticipadas. Foi tudo do
meu bolso!
P7: Ao nível das ajudas técnicas, estou à espera de uma manga. Infelizmente soube
que o hospital já não as dá e tenho que ser eu a comprar. Informei-me quanto aos
preços das mangas e o que encontrei mais em conta foi quase 200 euros. Vejamos
eu com uma reforma de 300 euros como posso compra-la? Uma pessoa minha
amiga está a tentar angariar alguns fundos para me ajudar a comprar a manga.
Os cremes e tudo o resto foi sempre comprado a minha custa. Não é fácil
conseguir gerir todas estas despesas, sem ajuda!

Um participante mencionou que devido à falta de apoios económicos por parte do


seguro de trabalho não teve acesso a programas de reabilitação – Acabei por não fazer
fisioterapia porque não tinha recursos pessoais para o fazer – nem ao
acompanhamento por profissionais de saúde especializados no tratamento da
queimadura. Ainda, a falta de recursos económicos teve impacto direto sobre a família
nuclear – O meu filho queria desistir dos estudos para ir trabalhar para nos ajudar.
Compreende-se que para este participante a presença de apoios adequados às suas
necessidades teria alterado a sua vivência no domicílio.

P5: O seguro de trabalho não me ofereceu qualquer tipo de ajuda e não tive
apoios para fazer fisioterapia. Acabei por não fazer fisioterapia porque não tinha
recursos pessoais para o fazer. Queria ter tido acesso a fisioterapia, mas não tive.

129
Se tivesse feito fisioterapia e reabilitação teria melhorado bastante, mas onde
moro é tudo tão longe… era bom ter especialistas aqui perto, era mesmo muito
bom! Aqui não há nenhum especialista nesta área. O seguro de trabalho cortou-se
das suas obrigações. O meu filho queria desistir dos estudos para ir trabalhar
para nos ajudar. Quando uma pessoa tem um acidente de trabalho devia ter apoio
até ser necessário e eu não senti apoio após o internamento.

A falta de apoio no transporte para a realização de programas de Medicina Física e


Reabilitação foi considerado importante para um participante.

P1: Apoios? Que apoios… (Pausa). Não tenho nem tive apoios nenhuns. Quando
tinha que ir fazer os tratamentos e as sessões de fisioterapia era a minha filha que
me levava. Falei com diversas assistentes sociais para saber se pelo menos
poderia ter algum tipo de apoio no transporte. A resposta que recebi foi que não
me enquadrava nos requisitos. Para ter algum apoio deveria ser incapaz de mexer
as pernas.

Ainda, um participante refere ter tido apenas algum apoio por parte de um seguro de
saúde estrangeiro, mas a nível nacional não teve apoios para cuidar de si no domicílio.

P2: Não tive qualquer tipo de apoio. Quem me ajudou a pagar as contas foi a
minha seguradora francesa.

De acordo com a informação anterior, o estudo efetuado por Moi e Gjengedal (2014)
menciona que as preocupações relacionadas com o trabalho e com os recursos
económicos se iniciam durante o internamento hospitalar e continuam depois no
domicílio. Para além disso, os participantes mencionaram que a obtenção de ajudas
económicas vindas da sociedade foi percecionada e descrita como um processo muito
exigente e com demasiada burocracia associada.

Por outro lado, o estudo desenvolvido por Carvalho (2011b) reforça a importância do
apoio social e familiar. Assim, ao analisar o significado atribuído ao apoio da família e
da sociedade, os participantes expressam que a ajuda emocional, material e financeira
recebida promoveu o processo de autoaceitação, auxiliou a reorganização das tarefas do
dia-a-dia e ajudou a ultrapassar a crise vivenciada no meio familiar.

3.3.3. Cuidados com a Queimadura

Os cuidados com queimadura podem ser de teor transitório (veste compressiva) ou


então permanentes (hidratação cutânea, evitamento da exposição solar, adaptações do
vestuário). No estudo efetuado por Carlucci et al. (2007), ao analisar os relatos dos
participantes, percebe-se que catorze dos participantes referiram como consequências
derivadas da queimadura as limitações físicas, as alterações emocionais e os cuidados a
ter com a queimadura.
130
Neste sentido, torna-se relevante interpretar e analisar a vivência dos participantes
perante os cuidados com a queimadura. Ao abordar o tema central relativo aos cuidados
com a queimadura, como se pode observar através do organograma representado na
Figura 12, considerou-se como subtemas a adaptação do vestuário da qual surgem três
unidades naturais de significado; a hidratação cutânea referida em três unidades naturais
de significado; a sensibilidade à exposição solar e a utilização de vestuários
compressivo considerados como significativas para quatro participantes respetivamente.

Figura 12 – Organograma descritivo do tema central: cuidados com a queimadura.

Adaptações do vestuário

O período de maturação da ferida resultante da queimadura determina o seu aspeto


estético. Consequentemente, é necessário orientar e ensinar a pessoa com queimadura
quanto à adaptação do vestuário (Echevarría-Guanilo et al., 2012).

A adaptação do vestuário foi descrita por três participantes como significativa. Para dois
participantes foi significativo utilizar roupas de algodão para proteger a região
queimada, evitando alterações no processo de cicatrização e minimizando a dor. Porém,
um participante referiu ter adaptado o vestuário para esconder a queimadura do olhar do
“outro”.

P4: Tive que adaptar o meu vestuário. Tinha que usar camisolas mais compridas e
casacos. Refugiei-me muito no vestuário. Tentava encobrir ao máximo as zonas
queimadas, para que ninguém as conseguisse ver evitando assim aqueles olhares
de pena (…)
P5: O calçado é outro obstáculo para mim, estou sempre a comprar botas novas.
Compro um par de botas e uso-as durante 15 dias e já tenho que as trocar porque
começam-me a doer. Tenho em casa muito calçado para deitar fora porque não
consigo usa-lo. Na mão queimada utilizo sempre uma luva para prevenir que a
pele rache.

131
P6: O meu vestuário sofreu alterações, comecei a vestir apenas roupas de algodão
e a usar meias elásticas.

Neste contexto, no estudo efetuado por Moi e Gjengedal (2014) a falta de compreensão
e simpatia do “outro” suscitou nos participantes a necessidade de recorrer a estratégias
adaptativas, como por exemplo a utilização do vestuário para esconder a região
queimada. Desta forma, os resultados mostram que uma atitude de compreensão
intuitiva da experiência vivida foi apreciada positivamente pelos participantes. O cuidar
por um Enfermeiro experiente em queimaduras foi considerado como promotor de uma
atitude de compreensão intuitiva, através da capacidade que o mesmo detém em
interpretar às expressões corporais.

Hidratação cutânea

A hidratação cutânea é descrita na literatura como basilar no cuidar da queimadura,


visto que, a região queimada é propícia a desenvolver episódios frequentes de
descamação e desidratação epidérmica. Através da análise das três unidades naturais de
significado que se seguem, verifica-se que os três participantes sentiram necessidade de
aplicar creme hidratante múltiplas vezes, durante o dia, para prevenir às alterações da
pele. Um dos participantes refere, no seu relato, que aprendeu a reconhecer os sinais e
sintomas de quando a sua pele necessita de creme hidratante – quando sentia a pele a
aquecer, a picar e com prurido já sabia que elas queriam creme.

P4: Tinha que colocar constantemente creme nas zonas queimadas e ainda hoje o
faço.
P5: Todos os dias aplico creme no pé e na mão várias vezes, se não o fizer parece
que a pele estala e racha toda.
P6: Nas zonas do corpo queimadas tinha que aplicar creme várias vezes ao dia.
Comecei a perceber quando a perna precisava de creme. Quando sentia a pele a
aquecer, a picar e com prurido, já sabia que elas queriam creme. Aplicava creme
6 e 7 vezes por dia.

De acordo com o exposto, no estudo realizado por Assis (2011), após o regresso ao
domicílio os participantes referiram como principais alterações: os transtornos na
sensibilidade cutânea; os cuidados específicos com a região queimada (utilização de
cremes e protetores solares); a utilização de vestuário compressivo e readaptação do
vestuário; a diminuição de momentos de lazer.

Pelo que, se recomenda como crucial, cuidar da pele através da aplicação diária de
cremes hidratantes com propriedades emolientes e com princípios ativos eficazes

132
(Borges, 2006, citado por Andrade & Cunha, 2010). A aplicação tópica do creme
hidratante deve ser efetuada pelo menos 2 a 3 vezes ao dia e este deve ser inodoro e sem
propriedades alcoólicas (O’ Sullivan & Schimitz, 2004, citados por Andrade & Cunha,
2010).

Sensibilidade à exposição solar

A exposição solar é considera como prejudicial para os participantes. De acordo com


as quatro unidades naturais de significado, compreende-se que todos os participantes
consideram que a exposição solar agrava a cicatrização e a altera a pigmentação da pele.

P4: Durante estes anos e ainda hoje, tenho que ter vários cuidados com as regiões
do corpo queimadas. No início não podia apanhar sol. Sentia um medo constante
quando apanhava sol, medo de ficar com a cicatriz mais escura e mais feia.
P6: Para além disso, tinha que evitar apanhar sol para não agravar as feridas.
P8: Hoje em dia tenho que continuar a evitar a exposição ao sol, porque quando
apanho sol as minhas pernas começam a “escaldar”.

Um dos participantes refere que começou a evitar a exposição solar protegendo as


regiões queimadas com uma toalha. Salienta-se, que o participante refere que esta
estratégia não lhe foi ensinada por nenhum profissional de saúde.

P5: Quando me exponho ao sol, por exemplo nas férias, na praia, protejo sempre
as zonas queimadas com uma toalha, faço isto, mas ninguém me disse que o tinha
que fazer, mas acho que faz mal o sol a pele.

Vestuário compressivo

A terapia compressiva, especificamente as vestes compressivas são muito utilizadas na


gestão do processo cicatricial em queimaduras profundas de 2º e 3º grau. Deste modo, é
aplicada uma pressão contínua e constante sobre as regiões atingidas pela queimadura,
promovendo a elasticidade e homogeneidade do tecido cutâneo (Borges, 2006, citado
por Andrade & Cunha, 2010). Este vestuário é fabricado de acordo com as medidas
específicas da pessoa. Quanto ao modo de utilização, deve ser utilizado ao longo de 12 a
18 meses consecutivos e durante 23 horas por dia, sendo apenas removido para os
cuidados de higiene (Bloemen et al., 2008, citados por COBIS, 2009; Andrade &
Cunha, 2010; Procter, 2010). A literatura sugere, através da aplicação da pressão ocorra
uma aceleração no processo de remodelação e reorganização das fibras de colagénio,
culminando na melhoria estética da cicatriz (Bloemen et al., 2008, citados por COBIS,
2009).

133
O vestuário compressivo foi utilizado por quatro participantes, três dos quais usaram
esta modalidade terapêutica durante vários anos. A pressão exercida, o calor
provocado e o prurido foram considerados como obstáculos à adesão terapêutica da
veste compressiva.

P3: Usei durante vários anos colete e luvas compressivas, tudo feito a minha
medida.
P4: Usei durante vários anos fatos compressivos. No início custou-me a adaptação
à pressão exercida pelo fato, mas com o passar do tempo habituei-me…
P6: Custava-me muito aguentar as meias porque faziam-me calor e à noite tinha
mesmo que as tirar.
P8: Tem sido difícil habituar-me ao fato compressivo, dá-me muita comichão! Será
que terei que continuar a usar o fato compressivo após estes dois anos?

O estudo realizado por Ripper et al. (2009) citados por Hale et al. (2013) pretendeu
analisar as experiências de 21 adultos perante a utilização da veste compressiva. O
tempo decorrido após o acidente variou entre 5 meses até 4 anos. Os resultados mostram
que as principais queixas dos participantes se deveram às limitações físicas e funcionais
causas pelo vestuário. Para além disso, a utilização do vestuário compressivo foi
considerada como um fator motivacional para os participantes, através do incremento da
expectativa de sucesso, do apoio emocional e prático.

3.3.4. Sentimentos percecionados pela alteração da autoimagem

No domicílio a pessoa com queimadura perceciona diversos sentimentos relacionados


com a alteração da autoimagem. A literatura sugere que estes sentimentos vão-se
alterando com o passar do tempo. Pelo que, a pessoa com queimadura numa fase inicial
irá manifestar e percecionar sentimentos diferentes, quando comparados com os da fase
tardia.

Os participantes do estudo encontram-se em fases diferentes do processo de reabilitação


uma vez que, o tempo decorrido após o acidente varia entre um ano até dez anos. Posto
isto, no decorrer das entrevistas, verificou-se que os participantes com mais tempo
transcorrido após o acidente manifestaram mais sentimentos, ou seja, descreveram a
própria vivência desde o regresso a casa até ao momento atual.

Neste sentido, no estudo realizado por Bakker, Maertens, Van Son e Van Loey (2013),
os resultados sugerem que a nível pediátrico as crianças com queimadura apresentam
elevados níveis de ansiedade, stress e problemas comportamentais nos primeiros meses
após o acidente. Após vários anos da ocorrência do acidente, observa-se que as crianças
134
são afetadas a longo prazo com problemas psicológicos, tais como: a ansiedade, a
depressão e as alterações no funcionamento social. No estudo realizado por Pinto et al.
(2010), com participantes adultos, nos primeiros 12 meses após o acidente, verificam-se
expressões de ambivalência, sugestivas de um processo de não-aceitação. Nesta fase
inicial, a pessoa vivência uma confusão de ideias que não permite que seja efetuada a
clarificação dos sentimentos. Após 12 meses do acidente, os participantes do estudo
relevam processos de aceitação da alteração comportamental.

Seguidamente é apresentada a Figura 13 que esquematiza os sentimentos percecionados


pela alteração da autoimagem, sendo que foram considerados como significativos os
seguintes sentimentos: a perda, a tristeza, o medo, o desânimo, o desespero, a revolta, o
estigma social e a adaptação à mudança.

Figura 13 – Organograma descritivo do tema central: sentimentos percecionados pela alteração


da autoimagem.

Perda

O sentimento de perda foi considerado como significativo para seis participantes. Este
sentimento foi considerado como o sentimento mais significativo numa fase inicial. Os
participantes referem nos seus relatos que tomaram consciência que a própria
autoimagem sofreu alterações permanentes. Um participante descreve a alteração
permanente da autoimagem como uma situação traumática que experienciou.

P6: A queimadura provocou-me muitas sequelas, que carrego ainda hoje. Comecei
a perder o meu cabelo, derivado da medicação que tive que tomar. Custou-me
mesmo muito passar por tudo isto! Foi um trauma! (Choro)

135
Ao analisar as unidades naturais de significado, compreende-se que os sentimentos de
perda se encontram relacionados com a não-aceitação da alteração da imagem
corporal – Ainda não aceitei bem esta situação! – Por outro lado, os participantes que
sofreram a queimadura há mais tempo, descrevem esta fase inicial caracterizada
principalmente por sentimentos de perda como uma fase difícil e com grande impacto
ao nível emocional – (…) foi tudo muito difícil para mim (…).

P1: No princípio afetou-me muito. As queimaduras estarão sempre presentes no


meu corpo… (Suspiro) Enfim, tudo foi um processo difícil.
P2: Saber que nunca mais vou poder andar com o meu braço ao léu no verão, ao
calor… nem com as minhas pernas! Já sei… já sei que não podem estar expostos
ao sol, tenho que ter muito cuidado com o sol e com o calor, já sei disso tudo… Já
passei por muita coisa na minha vida e por isso tento ser forte e ter coragem, mas
não é fácil olhar para o meu corpo queimado e saber que nunca vai voltar ao
normal… (Pausa)
P3: A pessoa que eu era antes da queimadura não tem nada a ver com a pessoa
que sou agora! Agora aparento ter uma idade muito superior a real, antes
ninguém me dava a idade que eu tinha (…) nunca mais voltei a ter as minhas
mãos.
P4: Quando olho para mim e recordo o que se passou é complicado… foi tudo
muito difícil para mim… (Choro)
P7: Olhar para meu braço queimado mexe comigo. Ainda não aceitei bem esta
situação!

Neste contexto, o estudo realizado por Pinto et al. (2010) afirma que as modificações
que ocorrem ao nível da imagem corporal são acompanhadas por sentimentos de perda.
Porém, ao longo do tempo esta experiência dolorosa deve despoletar um processo de
reorganização capaz de superar a crise. Deste modo, a pessoa para conseguir clarificar e
aceitar a nova imagem corporal, não deve assumir uma postura de rejeição e negação,
face à experiencia traumática vivida. A queimadura despoleta e gera um processo de
crise, o qual transcende as questões físicas, dado que também se torna num problema
relacional. A queimadura para além de provocar a perda da imagem corporal pode
também simbolizar a perda de amizades e da função profissional.

Ainda, o estudo efetuado por Moi e Gjengedal (2014) acrescenta que os participantes
referem sentirem-se incomodados com o “olhar do outro”, favorecendo o despoletar de
sentimentos de perda da própria imagem corporal e evitando expor o próprio corpo
queimado em público.

136
Tristeza

O sentimento relacionado com a tristeza foi considerado significativo para dois


participantes. Através da análise das unidades naturais de significado, compreende-se
que o sentimento de tristeza é despoletado pelo olhar sobre as regiões do corpo
queimadas.

P2: Eu tenho tido sempre muita coragem, já passei por muita coisa na minha
vida…Olho para o meu braço e dá-me pena, olho para as minhas pernas,
principalmente para a esquerda, e dá-me pena…. (Choro).
P6: Custa-me muito relembrar o que eu era antes da queimadura e o que sou
agora! Hoje, quando olho para as minhas pernas e vejo aquelas manchas fico
triste (Choro).

Medo

O medo foi referido por um participante, este sentimento esta relacionado com o medo
do desconhecido, mais especificamente o medo perante a alteração da imagem corporal.
Do mesmo modo, no estudo realizado por Pinto et al. (2010) é mencionado que, ao
longo dos primeiros 12 meses, verificaram-se alterações comportamentais nos
participantes expressas por estados de ansiedade e medo.

P8: Penso que, o que me faz mais confusão na queimadura é a questão estética.
Estou assustada com as marcas que vão ficar nas pernas.

Desânimo

O sentimento de desânimo foi considerado como significativo para dois participantes.


Com os passar do tempo após a ocorrência da queimadura, os participantes referem
sentir-se desanimados com as consequências e as alterações provocadas pela
queimadura.

P5: Basicamente depois da queimadura foi tudo a diminuir, não tem nada a ver!
Estes últimos anos não foram fáceis. As pessoas passam por mim e dizem-me:
quem te viu e quem te vê. Mas ainda estão cá as marcas… (Pausa)

Ainda, ao analisar a unidade natural de significativo que se segue, compreende-se que


associado ao sentimento de desânimo o participante refere não poder fazer mais nada
para minimizar as complicações derivadas da queimadura.

P8: Estou um bocado apavorada com o resultado, mas também não posso fazer
mais nada...!

137
Após o regresso ao domicílio, de acordo com o estudo efetuado por Moi e Gjengedal
(2014), os sentimentos de insegurança manifestavam-se com a interação dos
participantes com a sociedade na qual estavam inseridos, sendo estes causadores de
desânimo e raiva.

Desespero

Nas fases tardias após a ocorrência do acidente, dois participantes consideraram como
significativos os sentimentos relacionados com o desespero. Deste modo, os
participantes revelam nos seus relatos o impacto avassalador causado pela queimadura
ao longo do tempo. Um dos participantes refere que por não constatar melhorias no seu
estado de saúde, percecionou sentimentos de desespero intensos que despoletaram a
ideação suicida.

P3: Houve muitas alturas em que me senti completamente desorientado, isto não
se resolve num 1 ano, nem 2 nem 3 nem 4… é para vida… dava por mim a dizer:
daqui a 1 mês estou melhor… chegava o final desse mês e continuava igual, ao fim
de 2 meses estava na mesma, ao fim de um ano continuava idêntico…comecei a
pensar que nunca mais iria curar-me. Fiquei desanimado e até cheguei a pensar
em fazer um fogareiro no meu quarto e fechar-me lá, mas não o fiz! É muito
complicado para mim dizer isto, mas é verdade. Senti-me muito em abaixo ao
longo destes anos. Noutro tipo de cirurgias a recuperação faz-se num mês ou dois,
mas as com as queimaduras não é assim.

Um outro participante menciona ter ficado muito afetado a nível psicológico e


emocional. Os sentimentos de desespero despoletaram um processo de crise emocional,
o qual foi ultrapassado recorrendo ao apoio da família.

P6: Pensei que ia morrer! Senti-me muito abalada psicologicamente. A minha


família e os meus netinhos foram as pessoas que me deram forças para lutar.

Revolta

Os sentimentos de revolta foram experienciados por quatro participantes. Ao refletir


sobre as unidades naturais de significado, compreende-se que um participante se sente
revoltado pela falta de sensibilidade das outras pessoas em entender as limitações e
implicações que a queimadura acarreta.

P3: Durante todos estes anos, senti que desvalorizavam e não compreendiam a
gravidade das minhas limitações.

Ainda, foram mencionados por três participantes os sentimentos de revolta associados a


não-aceitação do estado de saúde bem como a cronicidade associada às complicações
da queimadura.

138
P5: Eu não aceitei bem isto tudo. Não, não aceitei…nunca pensei que a
queimadura fosse para toda vida… isto nunca mais sai do meu corpo e de mim.
P8: Por vezes irrita-me um bocado isto tudo… (Pausa)
P7: Há dias que sinto sentimentos de revolta e me dá para chorar. E penso, porquê
é que isto me aconteceu a mim? Sinto-me revoltada sim! (Pausa)

Estigma social

Os sentimentos relacionados com o estigma social foram experienciados por três


participantes. Uma lesão causada por queimadura desencadeia mecanismos de
autodefesa, especificamente o isolamento social. Por consequência, o regresso à
sociedade é um processo tortuoso e difícil. É frequente que o doente queimado
percecione sentimentos de singularidade relativamente ao meio social a que pertence,
por outras palavras, sente que é a única pessoa que sofreu este tipo de lesão (Procter,
2010).

Ao analisar os excertos, compreende-se que dois participantes foram vítimas de estigma


social ao desempenhar atividades do seu quotidiano que implicassem a exposição ao
público das regiões queimadas. Os olhares e os comentários afetaram os participantes,
promovendo o isolamento social – Custou-me muito! (…) O olhar das pessoas deixa-
nos…! Passo a minha vida em casa.

P6: Se andar com meias mais claras ou de saia, tenho sempre a sensação que as
outras pessoas olhem e pensem: olha aquela anda com as pernas todas sujas. Pois,
há partes das pernas em que a pele está com uma coloração anormal. Por
exemplo, no ano passado os meus filhos convenceram-me a ir à praia com eles.
Notava que as pessoas olhavam para mim e teciam comentários. Custou-me muito!
Ia a água e depois vinha logo para toalha, enchia-me de creme e tapava logo as
pernas. O olhar das pessoas deixa-nos … (Suspiro)
P7: Eu lembro-me que houve pessoas que me disseram que não me iam visitar
porque não gostavam de olhar para isto. E isso não foi fácil de ouvir, mas tive que
enfrentar a situação, não tinha outra solução (Suspiro e Pausa). No verão não saio
de casa porque não posso apanhar sol. De inverno não posso apanhar frio, então
estou assim! Passo a minha vida em casa. E antes disto saía mais, no verão ia até
a praia, agora não.

Da mesma forma, no estudo realizado por Arruda et al. (2014), é sugerido que o estigma
social e a vergonha encontram-se presentes na sociedade atual. Pelo que, o olhar do
outro é considerado como o fator preponderante para que a queimadura seja absorvida
por um juízo de valor moral na sociedade.

Para além do referido, o estudo desenvolvido por Carvalho (2011b) verificou que os
familiares relataram que, durante os programas de reabilitação, o ente querido é vítima

139
dos efeitos do estigma social, manifestando sentimentos de vergonha. Assim, os
resultados revelam que a fonte causadora de maiores níveis de stress, durante os
programas de reabilitação, foi o estigma social.

Seguidamente é apresentado um excerto de um relato que identifica a vivência do


estigma social no meio escolar. O participante descreveu a interação com as outras
crianças como uma situação problemática.

P4: A interação com as outras crianças também foi um processo problemático.


Todos os dias ouvia comentários: olha vai passar a batata queimada; olha
estorricou. E foi assim durante muito, muito tempo… Quando passo por alguém e
ouço algum comentário, continuo a caminhar sem dizer nada e penso: vocês não
fazem ideia do que eu já passei… e do que uma pessoa doente sofre…

O estudo concretizado por McGarry et al. (2014) reforça a reflexão anterior, uma vez
que menciona que alguns participantes vivenciaram o regresso à escola de modo
negativo, pois foram colocados no centro das atenções e foram alvo de comentários por
parte das outras crianças. Ao nível da imagem corporal, a evidência aponta para
autoavaliações negativas face à perceção da própria imagem corporal. Este fenómeno
promove o despoletar de humor negativo, de sentimentos de estigmatização e de
desconforto social (Bakker et al., 2013).

Adaptação à mudança

Os sentimentos relacionados com a adaptação à mudança foram experienciados por três


participantes. Após o processo de crise é fundamental que na pessoa com queimadura se
verifique a reorganização emocional, contudo este processamento pode ser moroso. Ao
refletir sobre as unidades naturais de significado seguintes, depreende-se que a
adaptação à mudança, ou seja, a consciencialização e aceitação, é considerada pelos três
participantes como um processo contínuo e longo – Tenho que lidar com isto da
melhor maneira e aprender a lidar melhor ainda. Além disso, é considerado importante
a aceitação da nova imagem corporal, compreender as suas limitações e acima de
tudo aprender a reconhecer-se.

P4: Hoje em dia, já não tenho tantos complexos em mostrar as queimaduras e


falar sobre tudo o que aconteceu. “Cresci, mudei de mentalidade e amadureci!
Vão-se notar sempre as marcas, mas as pessoas a minha a volta já não questionam
ou fazem comentários como antes. Penso que foi desde o ano passado que
consegui chegar a este ponto, a aceitar-me como sou. Estamos habituados a ver a
nossa imagem ao espelho e, de repente, tudo muda para sempre. Mas, apesar de
todas as adversidades, aprendi a reconhecer-me.

140
P5: Há muito trabalho que não sou capaz de fazer, mas o melhor é seguir em
frente e deixar de matutar sobre o que aconteceu...aconteceu, aconteceu…!
P8: Não posso fazer nada para voltar atrás, só posso olhar para frente (Pausa e
Suspiro). É difícil para mim falar disto, é uma coisa que nunca vou esquecer,
nunca! Tenho que lidar com isto da melhor maneira e aprender a lidar melhor
ainda. Foi um acidente que me aconteceu na vida… (Pausa)

No estudo concretizado por McGarry et al. (2014), os participantes referem que o


acidente os mudou enquanto pessoas. Alguns dos participantes verbalizaram sentirem-
se mais fortes e com mais confiança e outros referem encarar a queimadura como um
acidente com o qual têm que aprender a conviver.

Do mesmo modo, os resultados do estudo efetuado por Moi e Gjengedal (2014)


corroboram a informação encontrada nas unidades naturais de significado apresentadas
anteriormente, uma vez que, os participantes do estudo referem que com o transcorrer
do tempo aprenderam a aceitar-se como eles são, minimizando os sentimentos de perda
da autoimagem. Ainda, o apoio dado pelos familiares mais próximos facilitou o
processo de aceitação da nova imagem corporal, revelando que a queimadura não afetou
os sentimentos afetivos entre os elementos da família nuclear.

Em suma, compreende-se que o processo de aceitação da alteração da autoimagem


corporal caracteriza-se por adaptações diárias no quotidiano de cada pessoa,
representando um desafio tortuoso para cada participante.

141
CONCLUSÃO

A última etapa do presente estudo intitulado por “(Con)Viver com a queimadura:


Vivências da pessoa com queimadura no domicílio” visa expor as principais conclusões,
dificuldades, limitações, implicações e sugestões inerentes à investigação. A
queimadura e as respetivas complicações e sequelas físicas, psicologias e sociais
permanecem ao longo do tempo, na vida da pessoa e da sua família. Após a análise da
literatura nacional e internacional, verificou-se a carência de estudos sobre as vivências
da pessoa com queimadura, mais especificamente sobre as vivências desde o momento
do acidente até às experienciadas no domicílio.

Nesta conjuntura, o tipo de estudo apresentado é do tipo descritivo-exploratório de


abordagem qualitativa e de caráter Fenomenológico. A escolha do enfoque
fenomenológico deveu-se à sua riqueza exploratória e descritiva, necessária para entrar
no “mundo” destas pessoas com queimadura. Concomitantemente, procurou-se
descrever e interpretar as vivências dos oito participantes, através da exploração dos
sentimentos, sensações e perceções quanto à experiência vivida desde o acidente até ao
momento, no seu meio sociofamiliar. O método por redes ou bola de neve foi o método
escolhido para a seleção dos participantes. O instrumento utilizado para recolha da
informação foi a entrevista semiestruturada. Desta forma, foi possível extrair a essência
da vivência experienciada por cada participante, recorrendo a um guião de entrevista
flexível e adaptável. O tempo de contacto prévio com o participante para realizar a
entrevista foi aproximadamente de 30 minutos. Ainda, se evidencia a elaboração de dois
documentos referentes ao consentimento informado livre e esclarecido, a fim de
respeitar todos os princípios éticos referentes a este tipo de estudo. Em relação à opção
metodológica para proceder à análise da informação, recorreu-se ao método proposto
por Loureiro (2002), o qual adaptou o método fenomenológico clássico à investigação
em Enfermagem, tornando a sua aplicação prática mais acessível ao investigador.

O estudo procurou dar resposta à seguinte questão de investigação – Quais as vivências


da pessoa com queimadura no domicílio? – Posteriormente, delineou-se e formulou-se
como objetivo geral – Analisar as vivências da pessoa com queimadura no domicílio.

142
Deste modo, após da análise dos relatos, constatou-se que as vivências experienciadas
durante o internamento hospitalar têm uma influência e um impacto direto sobre o
processo de vivências experienciado no domicílio. Assim, para aferir e compreender o
significado global da experiência vivida pela pessoa com queimadura no domicílio é
necessário analisar conjuntamente os dois processos de vivências, visto que representam
vivências indissociáveis e estritamente relacionadas. Neste sentido, através da análise,
interpretação, discussão e reflexão da informação proveniente dos relatos emergiram
duas áreas temáticas: as “Vivências da pessoa com queimadura no internamento
hospitalar” e as “Vivências da pessoa com queimadura no domicílio”.

No que confere às “Vivências da pessoa com queimadura no internamento hospitalar”


foram identificados dois temas centrais: a caracterização do acidente e a experiência
vivida pela pessoa com queimadura no internamento hospitalar.

Relativamente à “Caracterização do acidente” verificou-se a prevalência de acidentes


no ambiente doméstico, mais precisamente durante a consecução de tarefas domésticas.
Ainda, através da análise da informação, constatou-se que cada experiência vivida no
momento do acidente se assume como inigualável, culminando em memórias muito
marcantes e traumáticas. A caracterização do acidente subdivide-se em dois subtemas: a
etiologia da queimadura e a localização da queimadura. A etiologia da queimadura
teve origem em dois agentes – o térmico e o elétrico – o agente térmico afetou sete
participantes e o agente elétrico atingiu um participante. Quanto a localização da
queimadura, os oito participantes do estudo foram atingidos por queimadura em
diferentes localizações anatómicas. As localizações anatómicas mais afetadas foram os
membros superiores e inferiores, seguidas da mão, do tronco e da face.

Ao analisar o tema central “Experiência vivida pela pessoa com queimadura no


internamento hospitalar” surgiram oito subtemas: a satisfação com os profissionais de
saúde; a realização de intervenções de Enfermagem de Reabilitação; a realização de
intervenções cirúrgicas; os ensinos realizados; as dificuldades na realização de
ABVD’s; a alteração da autoimagem; os sentimentos percecionados no momento da alta
clínica; a gestão da dor.

Quanto à satisfação com os profissionais de saúde, sete participantes referiram terem-


se sentidos satisfeitos com o acompanhamento de toda a equipa multidisciplinar, ao
longo do internamento hospitalar, fazendo alusão nos seus relatos aos diversos

143
profissionais tais como: os Enfermeiros, os Enfermeiros Especialistas em Enfermagem
de Reabilitação, os Médicos, os Psicólogos e os Assistentes Sociais.

A realização de intervenções de Enfermagem de Reabilitação durante o


internamento hospitalar foi considerada como uma experiência significativa para cinco
participantes. Para além disso, pode-se observar em alguns dos relatos o enfoque e a
importância atribuída ao Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação, face
aos cuidados de reabilitação.

A realização de intervenções cirúrgicas foi considerada como um fenómeno


significativo para sete participantes. Ainda, a dor no período pós-operatório foi descrita
por cinco participantes como sendo “horrível”; “a pior dor percecionada”; “dores
insuportáveis”.

Os ensinos realizados pela equipa de Enfermagem ao longo do internamento hospitalar


foram considerados como significativos, mais precisamente, seis participantes
consideraram como fundamentais os ensinos sobre os cuidados de reabilitação.
Nomeadamente, foram valorizados os ensinos sobre os posicionamentos terapêuticos e
sobre os exercícios terapêuticos. Ainda, três participantes referiram como significativo
os ensinos sobre os principais cuidados a ter com a queimadura – hidratação cutânea,
adaptação do vestuário, evitamento da exposição solar e manuseamento do vestuário
compressivo. De salientar, que um participante referiu como significativo os ensinos
sobre estratégias de reintegração social. Em suma, a assimilação de conhecimentos e de
estratégias adaptativas, através da realização de ensinos, foi considerada como um fator
facilitador para a continuidade de cuidados no domicílio perante os programas de
reabilitação.

As dificuldades na realização de ABVD’s durante o internamento significaram para


três participantes uma alteração dos níveis de dependência. Os participantes referiram
terem dificuldades em realizar mais que uma ABVD’s de forma independente. As
dificuldades na realização de ABVD’s foram relativas: à higiene pessoal, ao vestuário, à
alimentação e à locomoção.

A alteração da autoimagem, nomeadamente o olhar sobre a região queimada foi o que


mais marcou dois participantes. Nesta situação, a tomada de conhecimento sobre os
danos causados pela queimadura no corpo da pessoa provocou alterações no conceito de
autoimagem pré-existente.

144
Os sentimentos percecionados no momento da alta clínica foram – a insegurança, a
ansiedade, o medo da mudança e a confiança. Os sentimentos relacionados com a
insegurança foram experienciados por quatro participantes. A insegurança encontrou-se
estritamente relacionada com a mudança abrupta do apoio, dos cuidados especializados
e das condições de segurança oferecidas no internamento pela equipa multidisciplinar.
Um outro fator que impulsionou a insegurança nos participantes foi a presença de
sequelas e complicações subjacentes à queimadura, uma vez que equacionou a
capacidade do processo de cuidar no domicílio. A ansiedade em regressar ao domicílio
foi percecionada por um participante, devido ao sofrimento provocado pelos
procedimentos terapêuticos. O sentimento de medo da mudança foi referido por um
participante, que associou este sentimento à mudança repentina face ao processo de
transferência para um hospital não especializado em queimaduras. Por último, no
momento da alta clínica, o sentimento de confiança perante o regresso ao domicílio foi
experienciado por dois participantes. Os ensinos e a preparação do regresso a casa
realizada pelos profissionais de saúde ao participante e à sua família, foram
considerados como fatores facilitadores para a perceção deste sentimento.

A gestão da dor durante o internamento hospitalar foi considerada como significativa


para seis participantes. Através da análise da informação é transversal, na vivência de
seis participantes, um processo de gestão da dor não eficaz. Este fenómeno, equacionou
num participante a interrupção dos tratamentos e, foi considerado por um outro
participante como um obstáculo na consecução do programa de reabilitação.

As “Vivências da pessoa com queimadura no domicílio” foram consideradas como a


segunda área temática. Neste sentido, foram identificados quatro temas centrais: a
adaptação no domicílio; o processo de reabilitação; os cuidados com a queimadura; os
sentimentos percecionados pela alteração da autoimagem.

Relativamente à “Adaptação ao domicílio” foram atribuídos três subtemas – as


dificuldades percecionadas no domicílio, as estratégias utilizadas e a relação com a
família.

Quanto às dificuldades percecionadas no domicílio, concluiu-se que todos os


participantes expressaram dificuldades na consecução das seguintes ABVD’s – higiene
pessoal, uso do sanitário, vestuário, alimentação e locomoção. Ainda, sete participantes
referiram dificuldades em desempenhar mais que duas ABVD’s. É importante referir
que o número de participantes que verbalizou dificuldades na realização de ABVD’s,
145
após o regresso a casa, é superior quando comparado ao número de participantes que
verbalizou as mesmas dificuldades no internamento hospitalar. Concomitantemente,
pode-se aferir que os participantes atribuíram maior significado às dificuldades na
realização de ABVD’s no domicílio. Para além do referido, foram também apontados
como obstáculos à autonomia da pessoa com queimadura – a perda de capacidades ao
nível do movimento articular, a perda das propriedades elásticas da pele, a perda da
sensibilidade e a incapacidade para a escrita.

Relativamente às estratégias utilizadas no domicílio, seis participantes apontaram


como imperativo a criação de estratégias personalizadas e adaptadas às próprias
dificuldades. As principais estratégias adaptativas utilizadas para a promoção da
independência funcional foram: a reeducação e estimulação do membro não afetado
pela queimadura, para o desempenho de tarefas domésticas; a mudança de papéis, sendo
que o familiar significativo assumiu um papel de substituição ou de auxílio na
realização das mais variadas atividades; a aproximação e apego a
espiritualidade/religião. Por fim, dois participantes referiram que durante o
internamento hospitalar não lhes foram proporcionados ensinos relativos as estratégias
adaptativas para o domicílio, por consequência tiveram dificuldades acrescidas no
delineamento de estratégias adaptativas.

A relação com a família foi descrita por cinco participantes como sendo – “a essência
da recuperação”, “uma fonte de apoio e força”, “sofrimento mútuo”. Quatro
participantes referiram como significativo o sofrimento ao qual a própria família foi
submetida, despoletando nos participantes maior sofrimento. Por último, um
participante referiu que a relação com os seus progenitores e amigos se tornou mais
forte, desencadeando um processo de maior aproximação.

No que confere ao “Processo de reabilitação” os seis subtemas identificados foram – a


importância da recuperação funcional, as intervenções de reabilitação no domicílio, a
dor, as implicações escolares e laborais, o acompanhamento pelos profissionais de
saúde e a falta de apoios.

A importância recuperação funcional foi considerada com significativa para cinco


participantes. Deste modo, quatro participantes mantiveram os programas de
recuperação funcional por um longo período de tempo. A recuperação funcional foi
descrita por dois participantes como – fundamental. A não realização de programas de
recuperação funcional, foi considerado por um participante como um fator que
146
despoletou sentimentos relacionados com o retrocesso no processo de reabilitação. Os
ganhos obtidos foram descritos como – melhorias na ADM, aumento da força muscular
e como fator facilitador no processo de adesão ao programa de reabilitação.

As intervenções de reabilitação no domicílio foram uma realidade vivida por quatro


participantes. A reabilitação no domicílio foi mencionada pelos participantes como
significativa, valorizando os ensinos sobre os cuidados de reabilitação recebidos no
internamento hospitalar pela equipa de Enfermagem. Ainda, dois participantes referiram
como importante a realização de intervenções de reabilitação no domicílio, como um
complemento aos programas de Medicina Física e Reabilitação.

Após o regresso ao domicílio, a presença de dor foi considerada relevante para três
participantes. Neste sentido, dois participantes referiram percecionar dores intensas,
quando confrontados com a realização de ABVD’s. A dor causada pelo vestuário foi
considerada como significativa para um participante. Ainda, um participante considerou
como importante a dor provocada pelas intervenções terapêuticas de reabilitação,
contudo, salientou que a presença dos profissionais de saúde facilitou o controlo da dor.

As implicações escolares e laborais afetaram de modo significativo cinco


participantes. Ao nível da atividade laboral, constatou-se que dois participantes
consideraram o regresso ao trabalho como – um processo difícil. A alteração da área
laboral e o afastamento por longos períodos de tempo da função exercida foram
considerados como obstáculos ao retorno do exercício profissional. Quanto às
implicações escolares, dois participantes consideraram a queimadura como um fator
causal do insucesso escolar, provocado pela ausência nas atividades letivas originada
pelo internamento, pelas consultas e pelos programas de reabilitação.

O acompanhamento pelos profissionais de saúde após o regresso ao domicílio foi


descrito por seis participantes como – muito satisfatório, positivo, uma fonte de apoio e
de força. O acompanhamento decorreu do agendamento de consultas externas
periódicas e pelo apoio em simultâneo com os centros de saúde da área de residência.
Contudo, um participante mencionou não ter tido acesso a um acompanhamento Médico
e/ou de Enfermagem, após a alta clínica.

A falta de apoios foi considerada como significativa para seis participantes. Ao


caracterizar a falta de apoios verificou-se que não houve ajudas sociais e financeiras
perante a aquisição de ajudas técnicas, cremes hidratantes, transporte para os serviços de

147
Medicina Física e de Reabilitação e recursos económicos para realizar programas de
recuperação funcional.

Ao tema central representativo dos “Cuidados com a queimadura” atribuíram-se


quatro subtemas – as adaptações do vestuário, a hidratação cutânea, a sensibilidade à
exposição solar e a utilização de vestuário compressivo.

A adaptação do vestuário significou para três participantes uma alteração do vestuário,


mais precisamente a utilização exclusiva de vestuário de algodão, funcionando também
como recurso para esconder a região queimada do “olhar do outro”. A hidratação
cutânea foi considerada como uma necessidade basilar para três participantes, mais
precisamente, através da aplicação contínua ao longo do dia de cremes hidratantes. De
referir, que um dos participantes verbalizou ter aprendido a reconhecer sinais e sintomas
relacionados com a desidratação cutânea. A exposição solar foi considerada por quatro
participantes como prejudicial no processo de cicatrização e como promotora da
alteração da pigmentação da pele. O vestuário compressivo foi utilizado por quatro
participantes, os quais referiram como obstáculos a adesão terapêutica da veste – a
pressão exercida, o calor e o prurido provocados.

Por último, face ao tema central inerente aos “Sentimentos percecionados pela
alteração da autoimagem” emergiram oito subtemas – a perda, a tristeza, o medo, o
desânimo, o desespero, a revolta, o estigma social e a adaptação à mudança.

O sentimento de perda foi considerado por seis participantes como o sentimento mais
significativo, numa fase inicial. A alteração permanente da autoimagem foi descrita
como uma fase difícil e com grande impacto ao nível emocional. Nomeadamente, um
participante referiu ter sido a situação mais traumática que experienciou. Os sentimentos
de perda encontraram-se estritamente relacionados com a não-aceitação da alteração da
imagem corporal. O sentimento relacionado com a tristeza despoletado pelo olhar sobre
as regiões do corpo queimadas foi considerado significativo, para dois participantes. O
medo do desconhecido, mais especificamente o medo perante a alteração da imagem
corporal foi proferido por um participante. Com o decorrer do tempo, após a ocorrência
do acidente, dois participantes referiram ter percecionado sentimentos de desânimo,
provocados pelas complicações e sequelas da queimadura. Nas fases tardias, à
ocorrência do acidente, dois participantes consideraram como significativos os
sentimentos relacionados com o desespero. Um dos participantes referiu, por não
constatar melhorias no seu estado de saúde, ter percecionado sentimentos de desespero
148
intensos que despoletaram a ideação suicida. Os sentimentos de revolta, experienciados
por quatro participantes, encontram-se relacionados com a falta de sensibilidade das
outras pessoas, a não-aceitação do estado de saúde e com a cronicidade associada a
complicações da queimadura. O estigma social foi experienciado por dois participantes
durante o desempenhar de atividades do dia-a-dia que exigissem a exposição das regiões
do corpo queimadas. Deste modo, o “olhar do outro” e os comentários afetaram-nos
negativamente, promovendo o isolamento social. Por outro lado, um participante
vivenciou sentimentos de estigma social no meio escolar, descrevendo a interação com
as outras crianças como uma situação problemática. Os sentimentos relacionados com a
adaptação à mudança foram experienciados por três participantes. A
consciencialização e aceitação foi descrita como um processo contínuo e longo, sendo
necessário efetivar a aceitação da “nova imagem corporal”, compreender as limitações
e, acima de tudo, aprender a reconhecer-se.

Após referenciadas, de forma sistematizada, as principais conclusões do estudo


realizado, pertence fazer a avaliação do processo desenvolvido, referindo as
dificuldades e limitações, apontando as implicações para a prática de Enfermagem de
Reabilitação e as prováveis linhas de investigação futuras.

O desenvolver de uma investigação caracteriza-se por ser um processo complexo, com


muitas dificuldades e limitações da mais variada ordem. No entanto, é importante
proceder à identificação e transmissão das principais limitações e dificuldades, a fim
de auxiliar futuras investigações.

Neste estudo, uma das principais limitações deveu-se à escolha do método de


investigação, o método fenomenológico, apesar do mesmo se ter demonstrado o mais
adequado para investigar o fenómeno em estudo. Todavia, sabe-se que não é passível de
se proceder à generalização da informação analisada e interpretada. Contudo, em
relação aos critérios de validação científica, deve ser salientado, que o conceito de
transferibilidade pode ser possível de ser alcançado pelos leitores através da aplicação
dos achados em outros contextos.

A escolha da entrevista semiestruturada como instrumento de colheita informação


suscitou alguma dificuldade ao investigador, devido à sua pouca experiência em
investigações qualitativas fenomenológicas. Concomitantemente, a falta de experiência
poderá ter constituído um fator limitador no achado de informação, potencialmente
relevante para a compreensão do fenómeno em análise. Por outras palavras, poderão ter
149
havido elementos do discurso dos participantes que não foram explorados de modo
exaustivo ou informação que tenha passado despercebida, bem como notas de campo
relevantes.

Uma outra dificuldade cingiu-se ao processo de análise da informação, pois foi


considerado uma tarefa nova, complexa e morosa para o investigador, o que se deveu
em parte à falta de experiência. A interpretação das vivências foi a dificuldade mais
marcante, visto poder comprometer posteriormente a essência dos achados. No entanto,
salienta-se que o método proposto por Loureiro (2002) foi considerado como um
método facilitador devido a sua aplicabilidade à investigação em Enfermagem.

Por fim, as limitações e as dificuldades mencionadas foram consideradas e


compreendidas como elementos promotores de um processo de melhoria contínua,
enquanto Enfermeiro e Investigador.

Ao abordar as implicações para a prática de Enfermagem, compreende-se que os


cuidados gerais e especializados desempenhados por parte do Enfermeiro e do
Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação à pessoa com queimadura
devem promover o cariz holístico e multidimensional, para que a pessoa consiga
alcançar uma qualidade de vida que permita uma reintegração familiar, profissional e
social satisfatória.

O Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação foi referido nos relatos


como um elemento ativo na prestação de cuidados à pessoa com queimadura, ao longo
do internamento hospitalar. No entanto, após o regresso ao domicílio observou-se nos
relatos um processo de rutura, ou seja, os participantes deixaram de fazer referência ao
acompanhamento por parte do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de
Reabilitação. Neste sentido, devido ao cariz crónico que representa a queimadura e às
necessidades expressas pelos participantes, sugere-se que de futuro se fomente, com
maior evidência, o processo de decentralização do meio hospitalar, para que este
profissional dotado de competências especializadas possa contribuir conjuntamente com
outros profissionais na continuidade de cuidados, no planeamento de programas de
reabilitação, no delineamento de estratégias adaptativas e na reintegração social da
pessoa com queimadura.

Com a realização do presente estudo pretendeu-se compreender o problema a partir da


perspetiva dos participantes da investigação e fazer emergir contributos de relevo para a

150
prática de Enfermagem, através do incentivo à criação de projetos inseridos na
comunidade para o apoio às pessoas com queimadura. Acredita-se, que seja
fundamental promover e sensibilizar a sociedade, quanto à necessidade da
implementação de estratégias mais eficazes de apoio social e económico, dirigidas às
pessoas com queimadura. Recomenda-se, continuar a investir na implementação de
ações preventivas, a fim de minimizar os acidentes por queimadura. Ainda, através da
exposição dos achados, espera-se contribuir para a criação de grupos de apoio, a nível
nacional, capazes de acompanhar, auxiliar e apoiar as pessoas com queimadura, através
da partilha de experiências e de estratégias utilizadas no processo de (con)viver com a
queimadura.

Por último, acredita-se, na importância da inclusão do Enfermeiro Especialista em


Enfermagem de Reabilitação nas equipas multidisciplinares que integram os cuidados
de saúde primários. Pois, é considerado como um elemento potenciador da
independência e consequente autonomia destas pessoas. Estamos convictos que com a
integração mais plena do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação nas
equipas multidisciplinares, ir-se-á despoletar e favorecer a acessibilidade aos cuidados
especializados, traduzindo-se em melhorias na perceção da qualidade de vida para a
pessoa com queimadura e nos ganhos em saúde para a sociedade.

Portanto, espera-se impulsionar o desenvolvimento de novas investigações e,


principalmente, constituir e representar uma ferramenta e recurso pertinente para
direcionar e intervir de acordo com a evidência científica.

Em jeito de finalização deixar-se-ão algumas sugestões para futuras investigações.


Deste modo, sugere-se que sejam efetuados mais estudos nacionais e internacionais
sobre o fenómeno em estudo, uma vez que se constatou uma baixa afluência de
literatura disponível. Por fim, sugere-se a realização de estudos com enfoque nas
vivências do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação, ao nível dos
cuidados de saúde primários, face ao processo de cuidados à pessoa com queimadura.
Esta sugestão irá permitir o cruzamento de informação entre as vivências deste
profissional e as vivências das pessoas com queimadura, culminando num aumento da
evidência científica perante a compreensão global do fenómeno. Em suma, acredita-se
que com a realização de novas investigações será revigorado o conhecimento científico,
fortalecendo assim uma atuação prática baseada na evidência científica, culminando em
contributos para o desenvolvimento do “Saber em Enfermagem”.

151
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APÊNDICES
APÊNDICE I
(Guião da Entrevista)

Entrevista n.º ______ Data: _____/______/______

Hora de Início:____________ Hora de Conclusão:______________

Blocos
Objetivos Questões
Temáticos

 Informar acerca das finalidades da investigação;


Legitimação da entrevista.

 Motivar o/a entrevistado/a a participar, realçando o valor da colaboração;


Bloco I

 Assegurar a confidencialidade e anonimato dos testemunhos prestados;

 Obter a autorização para a entrevista (consentimento informado);

 Obter a autorização para a gravação de áudio em suporte digital.

 Caracterizar o sujeito a nível Idade: ____________ Sexo: __________


Caraterização do entrevistado
(Pessoa com Queimadura).

sociodemográfico;
Estado Civil: _______________________

 Descrever o perfil académico e Habilitações Literárias:


Bloco II

__________________________________
profissional do sujeito.
_________________________________

Profissão atual / que exercia anteriormente:

_________________________________
 Recolher elementos que Estimaria que me falasse sobre a sua
Conhecimento das vivências da Pessoa com

permitam descrever a experiência relativamente a preparação


Queimadura no internamento hospitalar.

experiência vivida pela pessoa para cuidar de si no domicílio, realizada


com queimadura, relativamente durante o internamento hospitalar.
à preparação para o regresso ao
 Que ensinos foram realizados? Em que
Bloco III

domicílio realizada pela equipa


aspetos foi instruído? Que
de Enfermagem.
procedimentos foram treinados? Quem
o preparou?

 Na sua opinião, encontrava-se


preparado para regressar ao domicílio?
Justifique a sua resposta.

 Recolher elementos que Gostaria que me falasse sobre as principais


Conhecimento das vivências da pessoa com queimadura no

permitam identificar as alterações que a queimadura provocou na


principais sua vida.
necessidades/dificuldades
 O que mudou na sua vida?
percecionadas pela pessoa com
queimadura, no domicílio. Gostaria que me falasse sobre as
domicílio.
Bloco IV

dificuldades por si percecionadas após


regressar ao seu domicílio.

 Desde o momento do seu regresso a


casa até ao momento, quais foram as
principais dificuldades percecionadas
por si? Conseguiu ultrapassa-las? Que
estratégias utilizou? Quem o ajudou
neste processo de adaptação?
 Recolher elementos que Gostaria que me falasse sobre a sua
permitam descrever a experiência referente ao acompanhamento
experiência vivida pela pessoa por parte dos profissionais de saúde e
com queimadura, relativamente organizações de saúde, desde alta
as dificuldades por ela hospitalar até ao momento.
percecionadas na continuidade
Conhecimento das dificuldades/obstáculos na continuidade de cuidados

 Pensa ter sido devidamente


de cuidados.
acompanhado para ultrapassar cada
etapa do seu processo de reabilitação?

 Se seguiu um programa de reabilitação


após ter regressado ao domicílio,
gostaria que falasse sobre a sua
experiência.
Bloco V

 Face a sua experiência de vida após ter


sido vítima de queimadura, como
descreve a sua satisfação com os
cuidados de saúde oferecidos após a
alta hospitalar? (Organizações e
Profissionais de Saúde). Justifique a
sua opinião.

 Que apoio gostaria que lhe fosse


proporcionado relativamente aos
cuidados de saúde? (maior informação,
apoio técnico, profissionais
especializados, económico,
socioprofissional, entre outros).
da entrevista
Finalização
Bloco VI

Agradecimento pela disponibilidade e pela participação no estudo.


APÊNDICE II
(Entrevista Transcrita)

ENTREVISTA P3

Características Sociodemográficas do Participante

Género: Masculino Idade: 61-70 anos

Estado Civil: Casado Habilitações literárias: 4ª classe

Profissão: Reformado Tempo decorrido após a queimadura: 5 anos

Duração da entrevista: 00:20:56

E: Pode-me falar sobre como ocorreu o acidente por queimadura?

P3: “Queimei-me há cinco anos. Estava a queimar uns papéis dentro de um latão com óleo. Já
tinha feito isto muitas vezes, só que naquele dia foi diferente. Normalmente metia a acendalha a
arder e atirava para lá um pouco de diluente e começava a arder, mas, naquele dia os papéis
estavam molhados e não estava a conseguir pegar-lhes fogo. Pensei que estava tudo apagado, só
que não! Então, recoloquei diluente e, pegou fogo repentinamente o latão e Eu. Por azar, tinha
vestido uma camisola com botões e em poliéster, pegou logo fogo e não a consegui tirar!
Comecei a correr e a gritar, mas com o ar e a correr comecei a arder ainda mais… Gritei, gritei e
gritei até que uma pessoa veio e me atirou ao chão e, apagou-me!” Fui enviado ao serviço de
urgência de um hospital central e reencaminharam-me logo para o internamento numa unidade
especializada em queimaduras. Queimei toda a região abdominal, tórax anterior, membros
superiores, mãos e parte do rosto. A superfície corporal queimada foi de 40%.

E: Como descreve a sua experiência durante o internamento?

P3: Estive um mês internado numa unidade especializada em queimaduras. Fui submetido a
várias cirurgias, mas, as que recordo melhor são: a cirurgia para colocação de enxertos cutâneos
nos braços, na qual retiraram a pele dadora das minhas pernas. “Recordo-me particularmente
dessa porque tive muita dor no pós-operatório”. A outra cirurgia que me marcou foi quando fui
submetido a uma intervenção cirúrgica para separar os dedos de uma das minhas mãos. “Sem
dúvida que se não tivesse realizado essa intervenção não conseguiria fazer praticamente nada
com a mão”.
No internamento pouco ou nada fiz de fisioterapia. “Não me ensinaram grande coisa.
Ensinaram-me a sair da cama e pouco mais”. “As minhas mãos estavam em carne viva, isso foi
das coisas que mais me marcaram!” (Suspiro). No internamento lembro-me que “a uma dada
altura deram-me carapau para comer, mas não o conseguia comer devido as limitações da minha
mão… não houve ninguém que me ajudasse, os Enfermeiros diziam-me que tinha de conseguir
sozinho”. Ainda, recordo-me que tomava “banho à gato” com muita dificuldade e ia a
balneoterapia em dias alternados. Era tudo tão difícil! Quando comecei a deambular sentia
muita dor nas zonas dadoras (pernas) e isso, foi mais um obstáculo. No hospital andava muitas
vezes em tronco nu devido as queimaduras. Não tinha a noção do quanto seria difícil para mim
vestir e despir-me. Depois fui transferido para outro hospital uma vez que, já me encontrava
“fora de perigo”.

E: Na sua opinião, encontrava-se preparado para regressar ao domicílio?

P3: Eu até chorei no momento em que me disseram que ia ser transferido para outro hospital!
Não queria sair do internamento, porque sentia-me muito bem acompanhado. “Tinha um quarto
só para mim, tinha tudo… boas condições de segurança, sabia que o meu quarto era todos os
dias desinfetado com álcool e outros produtos… e sabia que ia ser transferido para um hospital
que não me oferecia as mesmas condições”.

E: Pode-me falar das principais dificuldades sentidas quando chegou a casa?

P3: Em casa tinha a minha esposa para me ajudar, se não fosse ela não conseguia tomar banho,
vestir-me, despir-me, levar os alimentos a boca, cortar os alimentos e realizar as tarefas do dia-
a-dia que envolvessem o uso dos braços e mãos.

E: Pensa ter sido devidamente acompanhado para ultrapassar cada etapa do seu processo
de reabilitação?

P3: Depois do internamento, após oito dias, comecei as sessões de fisioterapia três vezes por
semana, durante cinco anos. “Lembro-me perfeitamente que não conseguia levantar o meu
braço até cá em cima”. “Meteram-me numa máquina que levantava o meu braço”. Com as
sessões de fisioterapia comecei a aumentar a amplitude dos meus movimentos. Usei durante
vários anos colete e luvas compressivas, tudo feito a minha medida.

Notei muitos ganhos com a reabilitação. Se tivesse que ultrapassar cada etapa do processo de
reabilitação sozinho, “não me ia obrigar a fazer tanto”, como os profissionais faziam comigo.
Uma coisa “tão simples” como abrir e fechar a mão, fazer flexão e extensão dos dedos da mão,
se tivesse que o fazer sozinho não o faria devido a dor intensa que despoletavam esses
movimentos. Mesmo com os profissionais durante as sessões de fisioterapia gritava devido a
dor que sentia, mas faziam de tudo para me motivar e controlar a dor. “Senti muita Dor com as
queimaduras”.
E: Ao longo destes anos sentiu-se apoiado? Teve algum tipo de apoio?

P3: Durante todos estes anos, senti que me desvalorizavam e não compreendiam a gravidade
das minhas limitações. A minha esposa teve que assumir o meu trabalho em casa e o dela, ela
tinha que fazer praticamente tudo. Houve muitas alturas em que me senti completamente
desorientado, isto não se resolve num 1 ano, nem 2 nem 3 nem 4… é para vida… dava por mim
a dizer: “daqui a 1 mês estou melhor… chegava o final desse mês e continuava igual, ao fim de
2 meses estava na mesma, ao fim de um ano continuava idêntico…comecei a pensar que nunca
mais iria curar-me. Fiquei desanimado e até cheguei a pensar em fazer um fogareiro no meu
quarto e fechar-me lá, mas não o fiz! É muito complicado para mim dizer isto, mas é verdade.
Senti-me muito em abaixo ao longo destes anos. Noutro tipo de cirurgias a recuperação faz-se
num mês ou dois, mas as com as queimaduras não é assim”. Não tive qualquer tipo de apoio.
Gastei e continuo a gastar muito dinheiro em cremes. “Os boiões são muito caros e gastava mais
do que um por mês”. Ao nível do acompanhamento por profissionais de saúde, tinha consultas
de três em três meses, estava satisfeito.

E: Hoje em dia como se sente…

P3: Agora, consigo fazer praticamente tudo, mas, ainda tenho algumas dificuldades. Por
exemplo: “quero fechar a mão direita e sinto que a pele esta toda apanhada, o que não me deixa
fechar a mão. Os movimentos que consigo fazer também são muito poucos, praticamente 50%
das minhas capacidades desapareceram”. “A pessoa que eu era antes da queimadura não tem
nada a ver com a pessoa que sou agora! Agora aparento ter uma idade muito superior a real,
antes ninguém me dava a idade que eu tinha. Basicamente depois da queimadura foi tudo a
diminuir, nunca mais voltei a ter as minhas mãos… não tem nada a ver!” Estes últimos anos não
foram fáceis. “As pessoas passam por mim e dizem-me: quem te viu e quem te vê”. “Mas ainda
estão cá as marcas…na cama basta querer-me virar e noto logo que a pele não tem a mesma
elasticidade…” Contudo, considero que, consegui “ficar muito bom…” (Pausa) tendo em conta
que tive 40% do corpo queimado com queimaduras de terceiro grau.
APÊNDICE III
(Quadro Síntese do Índice Temático)

QUADRO SÍNTESE DO ÍNDICE TEMÁTICO

ÁREAS UNIDADES NATURAIS DE Nº


TEMAS CENTRAIS SUBTEMAS
TEMÁTICAS SIGNIFICADO UR

Etiologia da Agente térmico


queimadura P1: (…) sofri o acidente causado por um
líquido quente.
P8: (…) passei por diante dele e o fogo 7
apanhou-me. Estive ainda algum tempo a
arder.

Agente elétrico
P5: (…) foram queimaduras elétricas de
2º e 3º grau (…) 1

P1: (…). As partes do meu corpo que


VIVÊNCIAS DA PESSOA COM QUEIMADURA NO INTERNAMENTO HOSPITALAR

CARACTERIZAÇÃO Localização
da foram atingidas foram o pescoço e os
DO ACIDENTE
queimadura braços, principalmente o esquerdo. A
queimadura do pescoço por estar perto
da traqueia causou-me muita
preocupação, a mim e aos profissionais
de saúde.
P2: Queimei a perna, o braço e a mão 8
esquerda.
P3: Queimei toda a região abdominal,
tórax anterior, membros superiores, mãos
e parte do rosto. A superfície corporal
queimada foi de 40%.
P5: Queimei o pé e a mão esquerda.
Satisfação P3: Não queria sair do internamento,
com os porque sentia-me muito bem
profissionais acompanhado.
de saúde P4: Tive um bom acompanhamento pelos 7
Psicólogos e Assistentes Sociais, para
além dos Enfermeiros e dos Médicos.
Intervenções P4: Após a cirurgia comecei a fazer
de fisioterapia no internamento, com um
Enfermagem Enfermeiro de Reabilitação.
de P7: (…) vinha uma Enfermeira ter
Reabilitação comigo para fazermos alguns exercícios
de reabilitação e ensinou-me a fazê-los 5
sozinha.
EXPERIÊNCIA
P8: A Enfermeira de Reabilitação vinha
VIVIDA PELA
ter comigo ao quarto para fazer
PESSOA COM
fisioterapia.
QUEIMADURA NO
Realização de P1: (…) a minha mão foi enxertada e,
INTERNAMENTO
intervenções disseram-me que durante quatro dias não
HOSPITALAR
cirúrgicas a podia mexer.
P3: (…) fui submetido a uma intervenção
cirúrgica para separar os dedos de uma
das minhas mãos. Sem dúvida que se não
tivesse realizado essa intervenção não
conseguiria fazer praticamente nada com 7
a mão.
P4: (…) voltei a fazer outra cirurgia para
corrigir a parte estética.
P5: A dor após a operação foi a pior que
já tinha sentido.
P8: Ao longo do internamento fui
submetida a cinco intervenções
cirúrgicas para colocação de enxertos
cutâneos.

Ensinos Ensinos sobre cuidados de reabilitação


realizados P6: (…) ensinaram-me exercícios para
fazer reabilitação ao joelho.
P7: (…) a Enfermeira ensinou-me a fazer
exercícios de reabilitação e ensinou-me o 6
posicionamento que deveria adotar (…)
P8: A Enfermeira de Reabilitação
ensinou-me a fazer vários exercícios de
mobilidade e de força com as pernas.
Ensinos sobre cuidados / sequelas da
queimadura
P2: (…) ensinaram-me como deveria
colocar o creme na região queimada e os
cuidados a ter em casa com a
queimadura (…) fui alertada desde o
início que iria ficar com cicatrizes para o
resto da minha vida.
P7: Ensinaram-me a hidratar muito bem
a queimadura com creme gordo, tomar 3
medicação para diminuir a comichão,
usar só roupa de algodão e evitar a
exposição solar.
P8: (…) ensinaram-me a importância de
manter a pele hidratada; evitar a
exposição solar; ter cuidado para não
andar as “pancadas” com as pernas;
como manusear e utilizar o fato
compressivo.
Ensinos sobre Reintegração Social
P4: (…) as Enfermeiras ensinaram-me
como devia interagir com as pessoas
após regressar a casa, pois enquanto 1
adolescente, não ia ser um processo fácil
lidar com o meio social.
Não foram realizados Ensinos
P5: Durante o internamento ninguém me
ensinou nada, apenas diziam-me que
tinha que fazer fisioterapia. Não me
alertaram para as sequelas da 1
queimadura. Eu pensava que voltaria
para casa e com o tempo tudo
regressaria ao normal.
Dificuldades P3: No internamento lembro-me que a
na realização uma dada altura me deram carapau para
de ABVD’s comer, mas não o conseguia comer
devido as limitações da minha mão (…)
não houve ninguém que me ajudasse, os
Enfermeiros diziam-me que tinha de 3
conseguir sozinho (…) tomava “banho à
gato” com muita dificuldade. Era tudo
tão difícil! (...) não tinha a noção do
quanto seria difícil para mim vestir e
despir-me.
Alteração da P3: As minhas mãos estavam em carne
autoimagem viva, isso foi das coisas que mais me
marcaram! (Suspiro).
P6: (…) a parte que me custou mais foi:
no dia em que a Enfermeira destapou os 2
pensos pela primeira vez. Fiquei tão
traumatizada! Não reconheci as minhas
pernas, estavam muito emagrecidas,
cheias de escamas e abanavam todas!
Sentimentos Insegurança
percecionado P3: Eu até chorei no momento em que me
s no disseram que ia ser transferido para
momento da outro hospital! Tinha um quarto só para
alta clínica mim, tinha Tudo… boas condições de 4
segurança, sabia que o meu quarto era
todos os dias desinfetado com álcool e
outros produtos (…)
Ansiedade
P7: Estava muito ansiosa para ter alta
clínica, devido ao sofrimento que sentia 1
causado pelas colheitas de sangue
diárias.
Medo da Mudança
P1: (…) tive medo porque ia ser
transferida para outro hospital que não
era especializado em queimaduras. Fui 1
eu que pedi para ir para um hospital mais
perto de minha casa, mas foi a pior coisa
que eu fiz.
Confiança
P2: Sim sentia-me preparada. Sempre
tive muita coragem, para enfrentar 2
situações difíceis.
Gestão da P1: Este “ronga, ronga” que sentia nos
Dor locais da queimadura não passava!
P4: Quando fiz a cirurgia para colocação
dos enxertos cutâneos tive dores
insuportáveis, “as compressas
agarravam-se a pele, aí sim, tive muitas
dores”.
P6: Nas sessões seguintes de tratamento
foi muito doloroso! Estava a fazer
morfina, mas mesmo assim tinha dores.
Só pensava que ia morrer! O meu corpo 6
estava muito queimado, com
queimaduras de 2 grau, foi mesmo muito
doloroso! A dor foi o pior e nenhuma
anestesia estava a fazer-me efeito….
Relembro que, a dada altura a médica
iniciou a aplicar-me diversas pomadas
nas regiões queimadas. Nesse momento
senti que entrei no meio de um ciclo de
fogo.

Dificuldades P2: As principais dificuldades que senti


VIVÊNCIAS DA PESSOA COM QUEIMADURA NO

percecionada quando regressei a casa foi não


s no conseguir lavar-me, vestir e despir-me
domicílio sozinha.
P3: Em casa tinha a minha esposa para
me ajudar, se não fosse ela não
conseguia tomar banho, vestir-me,
despir-me, levar os alimentos a boca,
cortar os alimentos e realizar as tarefas
DOMICÍLIO

do dia-a-dia que envolvessem o uso dos


ADAPTAÇÃO NO braços e mãos.
DOMICÍLIO 8
P6: As minhas principais dificuldades
foram conseguir lavar-me, ir a casa de
banho, vestir-me, calçar-me e custava-me
muito andar. No início usei o andarilho
para andar.
P7: Quando voltei para casa não podia
fazer nada com o braço queimado, tudo o
que fazia era com o braço saudável (…).
Uma grande dificuldade que tenho é não
conseguir calçar-me, preciso da ajuda do
meu marido (…) no banho ainda preciso
da ajuda do meu marido para lavar a
parte de trás do meu corpo porque não
consigo fazer os movimentos necessários.
Estratégias P1: No início era a minha filha que me
utilizadas vestia, porque com a mão queimada não
conseguia.
P2: Acabei por encontrar as minhas
próprias estratégias, agarrei-me a deus e
adaptei-me as minhas limitações. Quem
me ajudou foi o meu marido. Encontrei
uma maneira de conseguir cozinhar, por
exemplo usando a outra mão. Tive que
ensinar ao meu marido a fazer
determinadas tarefas que antes era eu
que desempenhava.
P6: Foi complicado em casa! Vivo 6
sozinha. A minha filha ficou comigo na
primeira semana após regressar do
hospital. A minha nora e a minha mãe
também virão ajudar-me.
P7: Para tomar banho, vestir, despir-me
o meu marido tinha que me ajudar. Para
realizar determinadas tarefas as pessoas
tinham que colocar as coisas a jeito, ou
seja, perto de mim. Na altura ninguém
nos tinha ensinado estratégias pelo que,
ele fazia as coisas da forma que mais
jeito lhe dava.
Relação com P4: Tentei não me ir abaixo, tinha
a família sempre os meus pais a darem-me força.
Foram a Essência na minha
recuperação! (Choro) …. Custou-me a
aguentar o facto de que, para além do
meu sofrimento os meus pais estavam a
sofrer também.
P5: A minha esposa sofreu muito
também, toda a minha família sofreu.
Tivemos que nos adaptar a esta mudança,
lutar por nos próprios, pela família e,
acima de tudo olhar em frente, não foi 5
fácil!
P6: O facto de eu saber que a minha mãe
não podia fazer esforços devido à
cirurgia, e que mesmo assim andou a
cuidar de mim e a levantar-se durante a
noite, mexeu muito comigo (Suspiros e
Choro).
P8: Os meus pais e amigos foram a
minha fonte de apoio e força. O acidente
aumentou e melhorou a relação com os
meus pais, tornou-a mais forte e
aproximamo-nos muito.
Importância P1: Hoje em dia continuo a fazer
da fisioterapia em casa e num ginásio de
recuperação fisioterapia, é fundamental.
funcional P4: (…) no início não conseguia dobrar o
braço e passado uns tempos já conseguia
dobra-lo, mas não estica-lo. (…) as
PROCESSO DE sessões de fisioterapia foram
REABILITAÇÃO fundamentais para recuperar a força 5
muscular e a amplitude dos movimentos
da mão e do braço.
P8: ao fim-de-semana noto muita
diferença por não ter sessões. Por
exemplo: ao fim de semana a minha vida
é menos agitada e noto que não consigo
andar tão bem, sinto-me mais presa!
Nesses momentos sinto que estou a
retroceder no tratamento.
Intervenções P1:Comecei a fazer eu mesma
de fisioterapia e reabilitação em casa visto
Reabilitação que, tive que esperar um mês por uma
no Domicílio autorização do centro de saúde para
poder iniciar a fisioterapia. Fazia os
exercícios que os profissionais me foram
ensinando no internamento do hospital
especializado em queimaduras. Quando
faço fisioterapia em casa há exercícios
que aprendi que não sou capaz de fazer
sem a ajuda de outra pessoa. 4
P2: (…) fiz sozinha a minha própria
reabilitação.
P6: Fazia alguma reabilitação em casa
por iniciativa própria. Os Enfermeiros
ensinaram-me alguns exercícios no
internamento. Ninguém me reencaminhou
para os serviços de reabilitação, mas
gostava de ter feito!
P8: Apesar de fazer fisioterapia, também
tenho que fazer exercícios em casa, tem
mesmo que ser!
Dor P3: (…) durante as sessões de
fisioterapia gritava devido a dor que
sentia, mas faziam de tudo para me
motivar e controlar a dor.
P5: Se passasse o dia a andar de um lado
para outro, quando chegasse a casa
estaria com os pés inchados, esfolados e
acima de tudo com muita dor. No
inverno, noto que o pé me começa a doer
mais e fica mais inchado. As dores estão 3
sempre presentes, mas no inverno é pior.
P7: (…) por cima da roupa sinto que as
cicatrizes parecem uma eira de cascalho,
ou seja, é como se estivessem lá pedras
por cima da minha pele. Em algumas
zonas do braço queimado, há dias em
que, nem aguento ter a roupa por cima
da pele pois causa-me muita dor e
desconforto.
Implicações P4: Quando fui para casa, retomei a
Escolares e escola e tentei ir ao maior número
Laborais possível de aulas, mas não consegui
passar de ano. Foi muito complicado
conseguir conciliar a escola com a
fisioterapia.
P5: Tive que deixar de trabalhar durante 5
um ano e meio. Não foi fácil. (Suspiro).
Após um ano e meio voltei a trabalhar,
mas noutra área.
P6: Quando voltei para o trabalho ainda
não estava totalmente recuperada, mas já
não tive prorrogação da baixa.
Acompanha P2: Continuei a ser seguida na consulta
mento pelos externa para utentes queimados e, fui
Profissionais acompanhada pelo centro de saúde da
de Saúde minha área de residência. Senti-me
satisfeita com o acompanhamento (…) 7
P3: (…) tinha consultas de três em três
meses e, estava satisfeito.
P8: (…) acabei por sentir-me muito
apoiada pelos profissionais, não podia
ter sido melhor (…)
Falta de P6: Dá primeira vez que fui a consulta de
Apoios queimados tiraram-me logo as medidas
para as meias elásticas; disseram que me
iam chamar, mas até hoje ninguém me
disse mais nada. As pomadas e as meias
não foram comparticipadas. Foi tudo do
meu bolso!
P5: (…) O seguro de trabalho não me 6
ofereceu qualquer tipo de ajuda e não
tive apoios para fazer fisioterapia. (…).
Queria ter tido acesso a fisioterapia, mas
não tive. (…). Aqui não há nenhum
especialista nesta área. (…) O meu filho
queria desistir dos estudos para ir
trabalhar para nos ajudar.
Adaptações P4: Refugiei-me muito no vestuário.
do Vestuário Tentava encobrir ao máximo as zonas
queimadas para que, ninguém as
conseguisse ver evitando assim aqueles
olhares de pena…
P5: O calçado é outro obstáculo para
mim, estou sempre a comprar botas 3
novas (…). Na mão queimada utilizo
sempre uma luva para prevenir que a
pele rache.
P6: O meu vestuário sofreu alterações,
comecei a vestir apenas roupas de
algodão (…)
Hidratação P4: Tinha que colocar constantemente
Cutânea creme nas zonas queimadas e ainda hoje
o faço.
P5: Todos os dias aplico creme no pé e
na mão várias vezes, se não o fizer 3
parece que a pele estala e racha toda.
P6: Quando sentia a pele a aquecer, a
picar e com prurido, já sabia que elas
queriam creme. Aplicava creme 6 e 7
vezes por dia.
CUIDADOS COM A Sensibilidade P4: Sentia um medo constante quando
QUEIMADURA à exposição apanhava sol, medo de ficar com a
Solar cicatriz mais escura e mais feia.
P5: Quando me exponho ao sol (…)
protejo sempre as zonas queimadas com
uma toalha, faço isto, mas ninguém me 4
disse que o tinha que fazer, mas acho que
faz mal o sol a pele.
P6: (…) tinha que evitar apanhar sol
para não agravar as feridas.
P8: (…) quando apanho sol as minhas
pernas começam a “escaldar”.
Vestuário P3: Usei durante vários anos colete e
Compressivo luvas compressivas, tudo feito a minha
medida.
P4: Usei durante vários anos fatos
compressivos. No início custou-me a
adaptação à pressão exercida pelo fato,
mas com o passar do tempo habituei- 4
me…
P6: Custava-me muito aguentar as meias
porque faziam-me calor e à noite tinha
mesmo que as tirar.
P8: Tem sido difícil habituar-me ao fato
compressivo, dá-me muita comichão!
Perda P2: (…) não é fácil olhar para o meu
SENTIMENTOS
corpo queimado e saber que nunca vai 6
PERCECIONADOS
voltar ao normal… (Pausa)
PELA ALTERAÇÃO
P3: A pessoa que eu era antes da
DA AUTOIMAGEM queimadura não tem nada a ver com a
pessoa que sou agora!
P7: Olhar para meu braço queimado
mexe comigo. Ainda não aceitei bem esta
situação!
Tristeza P6: Custa-me muito relembrar o que eu
era antes da queimadura e o que sou
agora! Hoje, quando olho para as minhas 2
pernas e vejo aquelas manchas fico triste
(Choro).
Medo P8: Penso que, o que me faz mais
confusão na queimadura é a questão 1
estética. Estou assustada com as marcas
que vão ficar nas pernas.
Desânimo P5: Basicamente depois da queimadura
foi tudo a diminuir, não tem nada a ver!
Estes últimos anos não foram fáceis. As 2
pessoas passam por mim e dizem-me:
quem te viu e quem te vê. Mas ainda
estão cá as marcas… (Pausa)
Desespero P3: Houve muitas alturas em que me
senti completamente desorientado, isto
não se resolve num 1 ano, nem 2 nem 3
nem 4… é para vida… (…) comecei a
pensar que nunca mais iria curar-me. 2
(…) até cheguei a pensar em fazer um
fogareiro no meu quarto e fechar-me lá,
mas não o fiz! (…). Senti-me muito em
abaixo ao longo destes anos.
Revolta P5: Eu não aceitei bem isto tudo. Não,
não aceitei…nunca pensei que a
queimadura fosse para toda vida… isto
nunca mais sai do meu corpo e de mim… 4
P7: Há dias que sinto sentimentos de
revolta e me dá para chorar. E penso,
porquê é que isto me aconteceu a mim?
Sinto-me revoltada sim! (Pausa)
Estigma P4: A interação com as outras crianças
social também foi um processo problemático.
Todos os dias ouvia comentários: olha
vai passar a batata queimada; olha
estorricou. E foi assim durante muito,
muito tempo (…)
P6: (…) no ano passado os meus filhos 3
convenceram-me a ir à praia com eles.
Notava que as pessoas olhavam para mim
e teciam comentários. Custou-me muito!
Ia a água e depois vinha logo para
toalha, enchia-me de creme e tapava logo
as pernas. O olhar das pessoas deixa-nos
… (Suspiro)
Adaptação à P4: Hoje em dia, já não tenho tantos
mudança complexos em mostrar as queimaduras e
falar sobre tudo o que aconteceu.
“Cresci, mudei de mentalidade e
amadureci! (…) Penso que foi desde o
ano passado que consegui chegar a este
ponto, a aceitar-me como sou. Estamos
habituados a ver a nossa imagem ao 3
espelho e, de repente, tudo muda para
sempre. Mas, apesar de todas as
adversidades, aprendi a reconhecer-me.
P8: Tenho que lidar com isto da melhor
maneira e, aprender a lidar melhor
ainda. Foi um acidente que me aconteceu
na vida… (Pausa)
APÊNDICE IV
(Consentimento Informado)

CONSENTIMENTO INFORMADO

Eu, Emílio Pinto dos Santos, Licenciado em Enfermagem e a frequentar o IV Curso de


Mestrado em Enfermagem de Reabilitação na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra,
encontro-me a realizar um estudo de investigação cujo tema é “(CON)Viver com a
queimadura: Vivências da pessoa com queimadura no domicílio”.

Venho convida-lo respeitosamente para que integre o grupo de participantes do presente estudo.
A questão de investigação que norteia o estudo é: Quais as vivências da pessoa com queimadura
no domicílio? Sendo o objetivo geral do estudo analisar as vivências da pessoa com queimadura
no domicílio. A finalidade será recolher informação de cariz qualitativo que proporcione
evidência científica na orientação da intervenção do Enfermeiro Especialista em Enfermagem
de Reabilitação. Para a realização deste estudo solicito que me disponibilize algum do seu
tempo, para que seja possível realizar uma entrevista presencial, podendo ser necessário
realizar-se mais que uma sessão. Saliento que as informações disponibilizadas serão unicamente
utilizadas para a presente investigação. Será garantida a privacidade dos participantes, bem
como a confidencialidade dos dados recolhidos.

A sua decisão em participar é voluntária e se o desejar pode a qualquer momento interromper a


sua participação, revogando o seu consentimento. Caso necessite de ser clarificado sobre
alguma dúvida estarei disponível para responder e esclarecer a todas as questões que desejar.
Esta participação não terá qualquer custo para si e não tem compensação financeira relacionada
à sua participação.

Agradeço, desde já, a sua atenção, disponibilidade e colaboração.


___________________________________
(Emílio Pinto dos Santos)
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

TERMO DE CONSENTIMENTO

Declaro que, relativamente à investigação a desenvolver por Emílio Pinto dos Santos, fui
informado(a) sobre os objetivos e condições de participação na presente investigação. Sinto-me
esclarecido(a) e autorizo participar na investigação e autorizo a que as informações recolhidas
através das entrevistas sejam utilizadas no trabalho referido.

Coimbra, ___/____/______ _______________________________________________


(Assinatura do participante)
CONSENTIMENTO INFORMADO, LIVRE E ESCLARECIDO PARA GRAVAÇÃO
ÁUDIO NA ENTREVISTA

Eu, Emílio Pinto dos Santos, Licenciado em Enfermagem e a frequentar o IV Curso de


Mestrado em Enfermagem de Reabilitação na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra,
encontro-me a realizar um estudo de investigação cujo tema é “(CON)Viver com a
queimadura: Vivências da pessoa com queimadura no domicílio”, sob orientação da
Professora Maria do Rosário Carreiró de Carvalho e Sá.

Confirma-se que foi explicitado ao participante, de forma adequada e inteligível: o tema, os


objetivos e a relevância da realização de entrevistas com gravação de áudio na consecução do
estudo. Garante-se o respeito pelos procedimentos éticos, a confidencialidade dos dados e o
anonimato dos participantes.

Agradeço, desde já, a sua disponibilidade e colaboração.

Data: ____/_____/______ ____________________________________


(Emílio Pinto dos Santos)

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TERMO DE CONSENTIMENTO

Eu,___________________________________________________________________, declaro
que, relativamente à investigação a desenvolver por Emílio Pinto dos Santos, fui informado(a)
sobre os objetivos e condições de participação na presente investigação. Sinto-me esclarecido(a)
e autorizo participar na investigação e autorizo a gravação de áudio durante a entrevista para a
presente investigação.

Data: ____/_____/_______ _______________________________________________


(Assinatura do participante)

Contactos
Telefónico: +351918220045
e-mail: emilio_pdsantos@hotmail.com
ANEXOS
ANEXO I
(Parecer da Comissão de Ética UICISA-E)

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