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Proposta de guia para a restauração de campos nativos no sul do Brasil

Article · April 2023

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11 authors, including:

Ernestino De Souza Guarino Ana Porto


Brazilian Agricultural Research Corporation (EMBRAPA) Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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Pedro Augusto Thomas Sandra Cristina Müller


Universidade Federal do Rio Grande do Sul Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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ISSN 1806-9185
Foto: Ernestino Guarino

COMUNICADO
TÉCNICO
Proposta de guia para a
restauração de campos
394
nativos no sul do Brasil
Ernestino de Souza Gomes Guarino
Ana Boeira Porto
Pelotas, RS Pedro Augusto Thomas
Fevereiro, 2023 Sandra Cristina Müller
Leonardo Marques Urruth
Davi Chemello
Carlos Nabinger
Danilo Menezes Sant’Anna
Eduardo Vélez Martin
Gerhard Ernst Overbeck
Gabriela Coelho-de-Souza
2

Proposta de guia para a restauração


de campos nativos no sul do Brasil1
1
Ernestino de Souza Gomes Guarino, engenheiro florestal, doutor em Botânica, pesquisador da Embrapa
Clima Temperado, Pelotas, RS. Ana Boeira Porto, bióloga, mestre em Botânica, doutoranda do Programa
de Pós-Graduação em Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. Pedro
Augusto Thomas, biólogo, mestre em Ecologia, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. Sandra Cristina Müller, bióloga, doutora
em Ecologia, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. Leonardo
Marques Urruth, biólogo, doutor em Biologia, servidor da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. Davi Chemello, biólogo, mestre em Microbiologia Agrícola e
do Ambiente, servidor da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, RS. Carlos Nabinger, engenheiro-agrônomo, doutor em Zootecnia, professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. Danilo Menezes Sant’Anna, médico-veterinário, doutor
em Zootecnia, pesquisador da Embrapa Pecuária Sul, Bagé, RS. Eduardo Vélez Martin, biólogo, doutor
em Ecologia, CEO da Ilex Consultoria Científica, Porto Alegre, RS. Gerhard Ernst Overbeck, engenheiro
ambiental, doutor em Ciências Naturais, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, RS. Gabriela Coelho-de-Souza, bióloga, doutora em Botânica, professora da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.

Contextualização (PAT) Planalto Sul (Sema/RS; IMA/SC)


e Plano de Ação Nacional (PAN) para a
O guia técnico para restauração de Conservação dos Sistemas Lacustres
campos nativos integra as ações de e Lagunares do Sul do Brasil (Cepsul/
pesquisa e extensão conjuntas entre os ICMBio), incluindo o Departamento de
projetos “Nexo Pampa” (Embrapa Clima Ecologia, o Departamento de Botânica
Temperado) e o projeto “PANexus: e o Programa de Pós-Graduação em
governança da sociobiodiversidade Desenvolvimento Rural da UFRGS, o
para as seguranças hídrica, energéti- Núcleo de Estudos e Pesquisas em
ca e alimentar na Mata Atlântica Sul” Recuperação de Áreas Degradadas da
Círculo de Referência em Agroecologia, Universidade Federal de Santa Maria, a
Sociobiodiversidade, Soberania e Universidade Estadual do Rio Grande do
Segurança Alimentar e Nutricional Sul, o Departamento de Biodiversidade
(AsSsAN Círculo de Referência), e Museu de Ciências Naturais da Sema/
Universidade Federal do Rio Grande RS e a Embrapa Pecuária Sul.
do Sul (UFRGS). Esses projetos con- Ambos os projetos buscaram formas
taram com o trabalho em rede entre de promover as seguranças hídrica,
as instituições vinculadas aos Planos energética e alimentar por meio da con-
Nacionais para Espécies Ameaçadas servação pelo uso e pelos processos
de Extinção, Plano de Ação Territorial de restauração ecológica dos Campos
3

Sulinos do Bioma Pampa e da Mata fornecimento de forragem natural para a


Atlântica, em especial dos Campos de atividade pecuária (Pillar et al., 2015). No
Cima da Serra, presentes nos estados entanto, os Campos Sulinos são histori-
do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e camente negligenciados (Overbeck et
Paraná. A elaboração deste guia, fruto al., 2007; Ellwanger et al., 2022), sendo
de um trabalho conjunto entre pesquisa- que, nas últimas três décadas, a degra-
dores, estudantes, gestores e extensio- dação e/ou conversão desses campos
nistas, visa suprir uma demanda latente foi acelerada. Proporcionalmente, o
por materiais direcionados ao fomento Pampa foi o bioma brasileiro que mais
de ações práticas de restauração no Sul perdeu vegetação nativa entre 1985 e
do Brasil. Vale ressaltar que a elabora- 2020, com redução de 21,4% (Azevedo
ção deste documento é inspirada em et al., 2022). De acordo com Vélez-
iniciativas anteriores desenvolvidas no Martin et al. (2015), as principais causas
mesmo contexto, a exemplo da publi- de conversão de áreas de campo nativo
cação Espécies de Plantas Prioritárias são a silvicultura (principalmente pínus,
para Projetos de Restauração Ecológica eucaliptos e acácia-negra) e a agricultu-
em Diferentes Formações Vegetais no ra (principalmente soja, milho e arroz).
Bioma Pampa: Primeira Aproximação Ainda não existem protocolos esta-
(Guarino et al., 2018). belecidos para a restauração ecológica
dos ecossistemas campestres do Rio
A restauração Grande do Sul, tanto para o Pampa
quanto para os Campos de Cima da
ecológica dos Serra. Dessa forma, em situações de
campos nativos degradação de áreas originalmente co-
bertas por campo nativo e com necessi-
do Sul do Brasil dade de restauração, faz-se necessária
criatividade crítica: criatividade para
Os Campos Nativos do Sul do Brasil inovar e experimentar com técnicas de
(Campos Sulinos) ocupam grande parte recuperação e criticismo na escolha de
do Bioma Pampa, restrito ao Rio Grande ações de manejo que considerem ca-
do Sul, e as áreas mais altas do Planalto racterísticas ecológicas, paisagísticas e
Sul-brasileiro (Rio Grande do Sul, Santa culturais dos ambientes campestres.
Catarina e Paraná), essas associadas Assim, o objetivo desta publicação
às florestas de araucária do Bioma Mata é apresentar de forma simplificada um
Atlântica (Overbeck et al., 2007, 2013; guia técnico para restauração ecológica
Andrade et al., 2019a). Além da eleva- dos Campos Sulinos, descrevendo
da biodiversidade de espécies nativas de forma sequencial as etapas e os
campestres (Boldrini et al., 2015), esses respectivos processos técnicos da
campos prestam diversos serviços ecos- restauração, permitindo que diferentes
sistêmicos, sendo o mais conhecido o
4

públicos envolvidos com o manejo e a outubro de 2019, realizada no Centro


restauração de Campos Nativos (p. ex.: Interdisciplinar Sociedade, Ambiente e
pecuaristas, extensionistas rurais, ges- Desenvolvimento da UFRGS. Foram
tores ambientais, etc.) tomem decisões convidados para participar da oficina 12
para a adequação ambiental de Áreas pesquisadores, especialistas, estudan-
de Preservação Permanente (APP), tes e gestores de diversas instituições da
Reserva Legal (RL) e Áreas de Uso região Sul do Brasil, os quais foram con-
Restrito (AUR) nos Campos Sulinos. tatados por e-mail, sendo apresentados
à problemática e convidados a participar
O guia está dividido em quatro etapas
da oficina. No entanto, a oficina foi con-
e abrange a restauração do componente
duzida junto a 10 participantes, com a
biótico, ou seja, não considera situações
intenção de levantar subsídios técnicos
de degradação extrema, em que há
para a elaboração de um protocolo de
necessidade de reconstrução de solo
restauração para os Campos Sulinos.
antes de qualquer ação associada ao
Tendo como base um questionário se-
componente biótico (por exemplo, após
miestruturado, preparado previamente,
mineração a céu aberto). O objetivo
os mediadores da oficina guiaram as
geral da restauração ecológica de ecos-
discussões, permitindo aos participantes
sistemas campestres, nessa perspec-
a definição e o encadeamento lógico das
tiva, é reestabelecer um ecossistema
diferentes etapas e processos para a
campestre próximo a um campo nativo
restauração de campos nativos, geran-
não degradado, restaurando a compo-
do uma ampla discussão, a qual foi gra-
sição de espécies e a biodiversidade
vada e transcrita posteriormente (Figura
característica do ecossistema que havia
1). A partir desse material, foi formulada
antes da degradação, bem como o seu
a primeira versão do guia técnico, a qual
potencial de uso, por exemplo, por meio
foi avaliada individualmente por meio
da pecuária em campo nativo.
de consulta a todos os convidados para
a reunião técnica. Ao mesmo tempo, o
Metodologia guia foi testado pela Secretaria do Meio
Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande
Os procedimentos metodológicos do Sul como protocolo de orientação
para a construção do guia técnico para para os técnicos. Esses processos per-
restauração de campos nativos no mitiram a realização de ajustes finos na
Sul do Brasil constaram da realização descrição das etapas e processos da
de uma oficina promovida pelos pro- restauração de campos nativos no Sul
jetos Nexo Pampa2 e PANexus3, em do Brasil.

2
Projeto Nexo Pampa: Valorização, Manejo e Restauração da Vegetação Nativa como Estratégia para as
Seguranças Alimentar, Hídrica e Energética (CNPq processo n° 441575/2017-0).
3
Oficina do Projeto PANexus: governança da sociobiodiversidade para as seguranças hídrica, energética
e alimentar na Mata Atlântica Sul (CNPq processo n° 441526/2017-9).
5

Foto: Gabriela Coelho-de-Souza

Figura 1. Procedimento utilizado para organização de ideias com metodologia


participativa (questionário semiestruturado e tarjetas), realizado para construção
da versão preliminar do fluxograma para restauração ecológica de campos nativos
do Sul do Brasil.

Etapas da restauração
Com base na discussão realizada ecológica dos campos naturais do Sul
durante e após a oficina técnica, foi do Brasil (Figura 2), as quais serão abor-
construído um diagrama com as quatro dadas a seguir.
etapas do processo de restauração
6
Ilustração: Ana Boeira Porto e Pedro Augusto Thomas

Figura 2. Fluxograma de restauração de campos nativos do Sul do Brasil.


7

Etapa 1: Diagnóstico local espécies não características do campo


nativo que havia antes [por exemplo,
O diagnóstico inicial consiste em uma alta densidade de vassouras (Baccharis
avaliação da área degradada em termos sp.)], a resiliência é baixa e há necessi-
de sua resiliência, seu histórico de dade de ações ativas para a restauração
uso e o contexto da paisagem (Holl; ecológica da área. Ou seja, caracterizar
Aide, 2011). Essa análise permite avaliar a vegetação no local a ser restaurado,
o nível geral de degradação e obter uma mediante o levantamento das espécies
perspectiva realista sobre o potencial de de plantas presentes, é determinante
recuperação e das ações necessárias. para identificar o nível de resiliência.
Dessa maneira, também orienta a defi-
nição de objetivos e metas mais espe- O histórico de uso da área é chave
cíficas, que levem em conta as ações e para avaliar o grau de dificuldade da
o esforço necessário para alcançá-los. restauração ecológica, justamente por
Nessa etapa, também é importante o influenciar a resiliência. Quanto maior
contexto socioeconômico. Deve ser tiver sido o tempo de uso da área e
questionado se a área se encontra em quanto mais intensivo tiver sido o uso,
propriedade particular e se há interesse menor deve ser a resiliência do ecossis-
e possibilidade de utilizar a área para tema. Por exemplo, áreas que durante
pastoreio; se sim, a recuperação pode vários anos produziram culturas com
e deve incluir esse objetivo. Por outro revolvimento do solo e muita adubação
lado, se a área estiver em uma unidade química terão maior dificuldade de re-
de conservação de proteção integral ou generação natural, ou seja, possuem
área de preservação permanente, então uma baixa resiliência, devido ao uso
a conservação da biodiversidade passa intensivo. Nessa situação, a quantidade
a ser o objetivo principal. de estruturas subterrâneos de plantas
nativas (por exemplo, rizomas) e de
A resiliência de um ecossistema leva sementes no solo (banco de sementes)
em conta sua capacidade e velocidade − que são chaves para a regeneração
de retorno ao estado anterior à degra- natural e resiliência nos campos nativos
dação. Considerando-se um campo que − geralmente são baixas, impedindo o
tenha sido degradado por uso humano desenvolvimento espontâneo da vege-
(foco deste trabalho), após o término tação nativa. Alterações na estrutura e
desse uso, há sinais de que a vegetação composição química do solo também
nativa esteja se regenerando natural- são problemáticas para a regeneração
mente sem qualquer ação de introdução natural. Por outro lado, quando o uso
de espécies? Se sim, a resiliência do sis- tiver sido menos intenso, o potencial de
tema pode ser alta e seriam necessárias recuperação é maior, e a necessidade
poucas ou mesmo nenhuma ação ativa de intervenções é menor. Esse seria o
de restauração. Se não, e se houver caso, por exemplo, após o uso da área
predomínio de espécies exóticas ou de
8

para pastejo com alta carga animal (so- de forma representativa e com número
brepastoreio) por anos consecutivos. suficiente para abranger a heterogenei-
O campo pode estar degradado, mas dade da área. Indicadores importantes
a vegetação consegue se recuperar de de se observar dizem respeito à estru-
forma mais fácil a partir de sementes ou tura da vegetação (altura, quantidade de
estruturas subterrâneas no solo. solo exposto, densidade de lenhosas,
etc.) e da composição dessa vegetação
O contexto da paisagem é outro
(cobertura e diversidade de espécies
elemento importante no diagnóstico da
nativas, cobertura de exóticas, cobertu-
área. Áreas degradadas situadas numa
ra de invasoras). Andrade et al. (2019b)
região com alto grau de conversão dos
apresentam procedimentos de amostra-
campos nativos (ou seja, utilizadas
gem em detalhe.
com agricultura ou silvicultura) tendem
a ter maior dificuldade de recuperação
natural (ouse seja, baixa resiliência), Etapa 2: Estabelecimento
em comparação com áreas cujo entor-
no ainda apresenta remanescentes de de uma cobertura
campos nativos (seja em unidades de vegetal campestre
conservação ou utilizados com pecuária
Uma vez realizado o diagnóstico ini-
sobre campo nativo). Isso ocorre porque
cial, pode-se iniciar o planejamento da
a presença de remanescentes no entor-
restauração propriamente dito, ou seja,
no pode facilitar a colonização natural
a escolha das estratégias e técnicas a
da área por espécies nativas, bem como
serem utilizadas. Para facilitar, o diagra-
facilitar o manejo com rebanhos entre
ma do guia é dividido em dois caminhos,
áreas remanescentes e a área degrada-
considerando-se áreas que tiveram his-
da. Além disso, em regiões com maior
tórico de uso com agricultura ou sobre-
índice de conversão, as chances de
pastejo (no lado esquerdo), e áreas que
invasão por espécies exóticas são muito
tiveram histórico de uso com silvicultura
mais elevadas, devido à maior proba-
(no lado direito). No caso de histórico
bilidade de chegada dessas sementes
com agricultura, é importante distinguir
do entorno, o que pode dificultar muito
entre locais que possuem maior ou me-
o processo de restauração ecológica. O
nor resiliência, conforme descrito acima.
levantamento da própria vegetação no
Em condições de resiliência baixa, o po-
local a ser restaurado, já mencionado
tencial de espécies nativas campestres
acima, é uma parte fundamental nesse
de forma espontânea é baixo. Sob con-
diagnóstico inicial. A vegetação deve ser
dições de resiliência maior, é possível
avaliada em vários pontos distintos para
que apenas a condução da regeneração
que represente bem a área como um
natural seja suficiente para desencadear
todo. Sugere-se a avaliação em várias
uma trajetória de retorno à vegetação
parcelas pequenas (por exemplo, 1 m²),
anterior.
espalhadas pela área a ser restaurada
9

Sob condições de baixa resiliência, é estejam na área (Thomas et al., 2019).


importante iniciar o processo de restau- Essas ações devem auxiliar na retoma-
ração com a criação de uma vegetação da e manejo da regeneração natural das
tipicamente campestre, evitando-se, áreas, mas sempre precisam ser plane-
assim, o início da restauração por outros jadas junto com atividades de manejo
tipos de vegetação não desejados. Em de campo ao longo do processo (por
alguns casos, pode ser necessário ativi- exemplo, manejo pastoril) e acompa-
dades de preparo do solo. Em situações nhadas por monitoramento do sucesso
em que a estrutura de solo está intacta (ou insucesso) da restauração.
(por exemplo, uso agrícola anterior com
No caso do histórico com silvicultura,
técnicas de plantio direto), recomenda-
que também implica baixa resiliência da
-se não realizar atividades de preparo do
área, a primeira ação consiste em retirar
solo, pois isso pode favorecer a entrada
as árvores e remover os restos de ga-
de espécies indesejadas, inclusive de
lhos e acículas (no caso de plantios de
exóticas invasoras. Além disso, a fertili-
Pinus spp.). A remoção dessa camada
zação do solo deve ser evitada, pois em
de restos é fundamental, pois formam
geral não favorece o estabelecimento de
uma barreira que impede a germinação
espécies herbáceas nativas. A semea-
e o estabelecimento das espécies her-
dura com herbáceas para recobrimento
báceas nativas (Porto et al., 2022). A
rápido deve ser realizada preferencial-
remoção pode ser feita manualmente,
mente com espécies nativas dos cam-
com maquinário, ou com fogo (Porto et
pos do Sul do Brasil. Enquanto houver
al., 2022). Além disso, Pinus spp. tam-
dificuldade para encontrar tais sementes
bém são invasoras em áreas de campo
no mercado, pode-se usar espécies for-
e plantas jovens e adultas devem ser re-
rageiras exóticas (aveia-preta, azevém,
movidas da área em restauração ao lon-
festuca, trevo-branco). É importante não
go do processo de restauração. O mes-
utilizar espécies invasoras, como capim-
mo vale para outras espécies exóticas
-annoni (Eragrostis plana), braquiária
invasoras que venham a se estabelecer
(Urochloa spp.) ou grama-bermuda
na área; o controle pode ser manual ou
(Cynodon dactylon), mesmo que elas
químico (localizado). Após essas ações,
cubram rapidamente o solo. Espécies
podem ser realizadas, a depender do
invasoras normalmente se beneficiam
grau de estabelecimento de uma cober-
de ações de degradação, como revolvi-
tura vegetal de forma espontânea, ativi-
mento do solo e remoção da vegetação,
dades de introdução de espécies para
dificultando muito a restauração a longo
a formação de uma primeira cobertura
prazo; devem ser removidas se estive-
vegetal, conforme descrito acima.  
rem presentes na área. Herbicidas e
roçadas podem ser usados no controle Nessa etapa da restauração, já pode
de invasoras, de modo direcionado, para ser possível utilizar a área para o pas-
não afetar as espécies nativas que já tejo, dependendo da cobertura vegetal,
10

da biomassa e da composição da vege- espécies exóticas invasoras). Outra téc-


tação. Se for o caso, devem ser consi- nica interessante é a introdução de feno
deradas as recomendações feitas na contendo sementes de campo nativo.
próxima etapa. No entanto, é importante Para tal, a vegetação em uma área de
ter cuidado com o uso pastoril das áre- campo nativo bem conservada é roçada
as no momento de estabelecimento de e a biomassa (feno) é transportada para
espécies nativas: o manejo inadequado a área em restauração. Ao se aplicar
pode também prejudicar o processo de esse feno na área em restauração,
restauração. distribuindo-a em uma camada fina,
sementes são introduzidas e, ao mesmo
tempo, pode-se facilitar a germinação e
Etapa 3: Estabelecimento o estabelecimento das plantas, pois a
da diversidade e cobertura biomassa do feno ajuda a manter condi-
ções de umidade e aporta matéria orgâ-
de espécies nativas nica no solo. Essa técnica, no entanto,
Essa etapa objetiva o aumento da só pode trazer bons resultados se o feno
diversidade de espécies campestres de fato contiver sementes de espécies
nativas, o que inclui diferentes técnicas nativas. Portanto, é necessário observar
de introduzir espécies nativas de forma o desenvolvimento da vegetação ao lon-
ativa ou realizar um manejo pastoril go do tempo e buscar realizar a roçada
que contribua para o enriquecimento da quando a maior parte das espécies-alvo
vegetação nativa na área. Nesse mo- da restauração estiverem frutificando.
mento, a presença ou ausência de gado Uma possibilidade de se aumentar a
na área em restauração influencia a es- produção de sementes na vegetação é
colha das ações de introdução de espé- realizar um diferimento (ou seja, retirar
cies, bem como o manejo da vegetação. o gado) na área-fonte por alguns meses
Dependendo de haver ou não gado na antes da roçada.
área, existem diferentes possibilidades
Outras duas técnicas potencialmente
de introdução de espécies nativas.
interessantes são o uso de leivas e o
Sementes de espécies nativas po- transporte de camadas mais superficiais
dem ser coletadas manualmente (ou de solo. No primeiro caso, as leivas (blo-
com máquinas coletoras específicas; cos, torrões com vegetação de campo)
modelos em construção no Rio Grande são coletadas (por exemplo, medindo
do Sul) e lançadas na área em restau- 20 cm x 20 cm) em uma área de campo
ração. Essa atividade deve ser feita sob nativo e então “replantadas” na área
a orientação e certificação de que as degradada, com o intuito que as plantas
coletas são efetivamente de espécies presentes nas leivas comecem a coloni-
características dos campos (é importan- zar e se expandir na área degradada. Na
te não introduzir, de maneira alguma, segunda técnica, os primeiros 5-10 cm
11

de solo são coletados em uma área de a dominância por espécies de gramíneas


campo nativo e espalhados na área a ser entouceiradas em cobertura e biomas-
restaurada, com intuito de se introduzir sa, bem como a densidade de espécies
plantas a partir do banco de sementes lenhosas na área (ex.: vassouras, árvo-
no solo. As áreas de referência desses res pioneiras). No entanto, é importante
materiais (leivas e solo superficial), po- cuidar para que o gado não esteja pas-
rém, devem ser bem selecionadas, pois tejando em áreas com espécies exóticas
ambas as técnicas impactam o local de invasoras, para não as introduzir na área
destino. Recomenda-se que sejam feitas em restauração. Quando há predomínio
em locais que vão ser convertidos (por de touceiras altas, ou se muitos indiví-
exemplo, áreas de desenvolvimento ur- duos de espécies lenhosas começam
bano), para não impactar áreas de cam- a ocupar a área, a sombra formada por
pos remanescentes. É importante salien- essas plantas dificulta a germinação e a
tar ainda que as técnicas de transplante manutenção de várias espécies herbá-
de leivas e de solo superficial, apesar ceas. Por isso, em áreas sem presença
de funcionarem em outros ecossistemas de gado, ou mesmo em áreas com baixa
campestres ao redor do mundo, ainda carga animal, podem ser importantes
não foram testadas nos campos do Sul outras formas de manejo (ex.: fogo pres-
do Brasil. Da mesma forma, as técnicas crito, roçada) para controlar a biomassa
de semeadura direta de sementes de de dominantes ou lenhosas e promover
espécies nativas coletadas em campo e a diversidade de espécies campestres.
de feno, embora sejam promissoras em Por fim, destaca-se que nessa etapa
primeiros estudos, ainda foram pouco também é importante identificar e remo-
aplicadas em larga escala nessa região. ver plantas invasoras, sejam elas herbá-
Por fim, será importante estabelecer um ceas ou arbustivo-arbóreas.
mercado de sementes nativas para a
restauração em larga escala. Enquanto
isso não acontecer, é preciso empregar Etapa 4: Monitoramento
a criatividade e a crítica, mencionadas e manejo adaptativo
inicialmente.
para alcance do alvo
Quando as áreas em restauração já
Após as ações de intervenção das
estão sendo utilizadas por pastejo com
etapas anteriores, inicia-se a fase de
gado (algo, a princípio, desejável), o des-
monitoramento e de ajustes no manejo
locamento dos animais entre áreas de
sempre que necessário para que a res-
campos remanescentes (conservados)
tauração alcance os objetivos propostos:
e a área de restauração pode facilitar a
trata-se do manejo adaptativo. O manejo
introdução de espécies nativas, já que
adaptativo deve ser guiado pelo monito-
transportam uma grande quantidade de
ramento da vegetação a partir da avalia-
sementes em seu trato digestório. Além
ção de parâmetros que indiquem quais
disso, o gado também ajuda a controlar
12

ações têm funcionado (ou seja, tiveram Alguns parâmetros comuns e que
efeito positivo acerca dos indicadores de são indicadores da estrutura e funcio-
sucesso da restauração) e quais não. namento de campos são: diversidade
Por exemplo, a cobertura e a diversidade de espécies nativas ou de formas de
da vegetação nativa estão aumentando? vida (graminoides, ervas, arbusto, etc.),
Se não, o que se pode mudar para que altura da vegetação, cobertura de es-
ela aumente? Consegue-se o controlar pécies nativas, presença e cobertura
as espécies invasoras? Se não, o que de espécies exóticas e de invasoras,
pode ser feito de diferente para melhorar densidade de espécies lenhosas, entre
o controle? Para tanto, é sempre impor- outras. A quantidade de solo exposto
tante ter dados do início da implementa- também é muito informativa acerca do
ção das principais ações de intervenção estado da vegetação, bem como a pro-
na área em restauração e compará-los porção entre touceiras, gramíneas pros-
algum tempo à frente, para entender se tradas (rastejantes) e arbustos. A área
e como houve mudanças. degradada deve ser amostrada antes
das intervenções de restauração e ser
Para avaliar o andamento das ações
acompanhada ao longo do tempo para
de restauração, técnicas e manejos utili-
fins de comparação. É importante tam-
zados, e analisar se estão sendo eficien-
bém amostrar uma área conservada tida
tes, ou seja, se estão indo ao encontro
como referência para se ter uma ideia do
dos objetivos traçados, é preciso utilizar
estado em que se quer chegar (ou seja,
parâmetros que sejam indicadores de
quais são os valores dos parâmetros
aferição do processo. Esses parâmetros
medidos) com as técnicas de restaura-
devem ser quantificados no local, então
ção que estão sendo implementadas.
para isso é necessário delimitar uma
amostra representativa (uma quantidade Com base nessas informações, no-
de parcelas ou pontos de amostragem vas ações de intervenção e ou de mane-
espalhados por toda a área, e que seja jo podem ser adotadas. Por isso, essa
representativa da diversidade de situa- etapa é muito importante na restaura-
ções na área) para permitir que os dados ção, pois mostra que se deve aprender
reflitam toda a área em restauração. Por com a prática e adaptar nossas ações
exemplo, a composição e diversidade pensando sempre no objetivo final da
de espécies nativas pode ser avaliada restauração, que é alcançar característi-
dentro de parcelas de 1 m2 (Andrade et cas de composição e diversidade de es-
al., 2019a; Figura 3). pécies semelhantes às observadas em
áreas de campo conservado da região.
13

Foto: Gerhard Ernst Overbeck e edição de Ana Boeira Porto


A

Figura 3. Área de campo degradada por plantio de pínus (A) e exemplo de parcela amostral
com 1 m2 (B), utilizada em um experimento de restauração no Parque Nacional da Lagoa do
Peixe, Mostardas, RS.

Considerações finais e técnicas propostas junto com o seu


constante monitoramento, com o tempo,
possibilitarão aperfeiçoá-lo.
Este guia representa a primeira
tentativa de elaboração de um proto- Vale lembrar que a restauração eco-
colo de restauração para os Campos lógica de campos é algo que leva tempo,
Sulinos (campos dos biomas Pampa e e esse tempo vai depender, principal-
Mata Atlântica). A execução das etapas mente, das condições encontradas no
14

início do processo de restauração, dos


objetivos, das ações tomadas durante a
Referências
preparação e o estabelecimento da ve- ANDRADE, B. O.; BONILHA, C. L.; OVERBECK,
getação nativa, e das ações de manejo G. E.; VÉLEZ-MARTIN, E.; ROLIM, R. G.;
BORDIGNON, S. A. L.; SCHNEIDER, A. A.;
adaptativo do campo. VOGEL ELY, C.; LUCAS, D. B.; GARCIA, É.
N.; DOS SANTOS, E. D.; TORCHELSEN,
Atualmente, ainda são poucos os F. P.; VIEIRA, M. S.; SILVA FILHO, P. J. S.;
estudos que avaliam a restauração FERREIRA, P. M. A.; TREVISAN, R.; HOLLAS,
ecológica em ecossistemas campestres. R.; CAMPESTRINI, S.; PILLAR, V. D.; BOLDRINI,
I. I. Classification of South Brazilian grasslands:
Com mais experiências práticas e mais Implications for conservation. Applied Vegetation
estudos científicos, inclusive focados no Science, v. 22, p. 168-184, 2019a.
fornecimento de espécies nativas para ANDRADE, B. O.; BOLDRINI, I. I.; CADENAZZI,
a restauração, espera-se grandes avan- M.; PILLAR, V. D.; OVERBECK, G. E. Grassland
vegetation sampling: a practical guide for
ços técnicos nos próximos anos.
sampling and data analysis. Acta Botanica
Brasilica, v. 33, n. 4, p. 786-795, 2019b.

Agradecimentos AZEVEDO, T.; ROSA, M. R.; SHIMBO, J. Z.;


OLIVEIRA, M. G.; VALDIONES, A. P.; DEL
LAMA, C.; TEXEIRA, L. M. S. Relatório Anual
Os autores são gratos ao Conselho de Desmatamento 2021. São Paulo: Brasil
Nacional de Desenvolvimento Científico MapBiomas, 2022. 126 p. Disponível em: http://
alerta.mapbiomas.org. Acesso em: 08 ago. 2022.
e Tecnológico (CNPq), que apoiou os
projetos Panexus (CNPq/MCTI, proces- BOLDRINI, I. I.; OVERBECK, G. E.; TREVISAN,
R. Biodiversidade de plantas. In: PILLAR, V. P.;
so n° 441526/2017-9) e NexoPampa LANGE, O. (org.). Os campos do sul. Porto
(CNPq/MCTI, processo n° 441575/2017- Alegre: UFRGS, 2015. p. 51–59.
0). Agradecem também à Universidade ELLWANGER, J. H.; ZILIOTTO, M.; CHIES, J.
Federal do Rio Grande do Sul, Embrapa A. B. Protect Brazil’s overlooked Pampa biome.
Science, v. 377, p. 720, 2022.
Clima Temperado e Secretaria do Meio
Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande GUARINO, E. de S. G.; OVERBECK, G. E.;
BOLDRINI, I. I.; MULLER, S. C.; ROVEDDER,
do Sul, pelo apoio na organização da A. P.; FREITAS, T. C. de; GOMES, G. C.;
oficina e execução do trabalho; aos NORONHA, A. H.; MIURA, A. K.; SOUSA, L.
colegas Cristina Grabher, Mara Rejana P. de; SANT’ANNA, D. M.; CHOMENKO, L.;
MOLZ, M.; MAHLER JÚNIOR, J. K. F.; MOLINA,
Ritter, Ketulyn Fuster Marques, Gabriela A. R.; ESPINDOLA, V. S. Espécies de plantas
Morais Olmedo e Clebes Brum Pinheiro, prioritárias para projetos de restauração
pela valorosa cooperação durante a ecológica em diferentes formações vegetais
no bioma Pampa: primeira aproximação.
oficina; aos bolsistas Sammer Maravilha Pelotas: Embrapa Clima Temperado, 2018. 79 p.
Gillio-Dias e Caetano Flores e Moura, (Embrapa Clima Temperado. Documentos, 457).
pelo apoio na realização da oficina e
decupagem de sua gravação.
15

HOLL, K. D.; AIDE, T. M. When and where to PORTO, A. B.; DO PRADO, M. A. P. F.;
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Management, v. 261, p. 1558-1563, 2011. Restoration of subtropical grasslands degraded
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PFADENHAUER, J.; PILLAR, V. D.; BLANCO, 2022. DOI: 10.1111/rec.13773
C. C.; BOLDRINI, I. I.; BOTH, R.; FORNECK, E.
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Campos. Perspectives in Plant Ecology, R.; TORCHELSEN, F. P.; OVERBECK, G. E.;
Evolution and Systematics, v. 9, p. 101-116, MÜLLER, S. C. Controlling the invader Urochloa
2007. decumbens: subsidies for ecological restoration
in subtropical Campos grassland. Applied
OVERBECK, G. E.; HERMANN, J.; ANDRADE, Vegetation Science, v. 22, p. 96–104, 2019.
B. O.; BOLDRINI, I. I.; KIEHL, K.; KIRMER,
A.; KOCH, C.; KOLLMANN, J.; MEYER, S. T.; VÉLEZ-MARTIN, E.; ROCHA, C. H.; BLANCO,
MÜLLER, S. C.; NABINGER, C.; PILGER, G. C.; AZAMBUJA, B. O.; HASENACK, H.; PILLAR,
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p. 115-119.

Embrapa Clima Temperado Comitê Local de Publicações


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Marilaine Schaun Pelufê, Sonia Desimon

Revisão de texto
Bárbara Chevallier Cosenza

Normalização bibliográfica
Marilaine Schaun Pelufê

Editoração eletrônica
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Foto da capa
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