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Antes de explorar sua proposta, Nietzsche, com um certo tom de ironia e ficção, se
utiliza de uma linguagem em estilo de fábola para introduzir sua tese acerca do surgimento do
conhecimento. Para ele, o ser humano por ser tão frágil – “o mais desafortunado, mais frágil e
mais efêmero” (p. 64) – teve que inventar algo que o preservasse vivo, e foi assim que surgiu o
saber. Essa capacidade de “dissimulação”, isto é, de esconder suas fraquezas por meio da
aplicação de sua cognição, é o que lhe manteve e mantém vivo até hoje. Trazemos aqui um
exemplo para elucidar tal explanação: um ser humano está em uma floresta e de repente é
atacado por um urso. O seu instinto lhe impele a buscar algum meio que possibilite sua defesa,
pois sabe que jamais conseguiria sem tal ajuda. A esse instinto, Nietzsche denomina intelecto,
e ao uso de instrumentos para viabilizar sua defesa perante o urso, ele denomina dissimulação.
Em seguida, trata-se do surgimento da verdade. Para tanto, o autor inicia essa aclaração
partindo da necessidade do homem de se socializar, abandonando o pensamento de “todos
contra todos”, afinal, que socialização se fundaria sem que, ao menos, existisse algo tido como
“certo” e “errado” e sem que isso fosse conhecido e aceito por todos? Para Bourdieu
(GIRARDI, 2007), essa concepção é pressuposta, tanto de forma objetiva (científica) quanto de
forma subjetiva (pessoal). Nietzsche, de certa maneira, não foge a essa concepção. A partir
disso é que nasce o primeiro contato com o que poderia ser a verdade. Neste conceito primário,
entende-se, então, por verdade, o uso de designações válidas para demonstrar o real. A mentira,
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Graduando do curso de Bacharelado em Filosofia – PUC-Rio.
por conseguinte, seria o inverso, ou seja, usar de designações válidas par fazer parecer real o
que é irreal.
Vimos que, para o escritor, a linguagem se dá por uma excitação nervosa transformada
em imagem e em seguida em sons articulados, então o que nos diferencia de animais, visto que,
eles, também, têm a capacidade de executar esse processo? Como dito no início deste estudo, o
ser humano, por sorte, é dotado de intelecto, e com isso ele tem a faculdade, não somente da
realização do modo de linguagem, mas de “dissolver todas as imagens em um conceito” (p. 70).
Podemos, então, introduzir uma metáfora utilizada pelo autor: a metáfora da pirâmide.
Essa figura de linguagem é utilizada em diversos meios como forma de elucidação de uma tese,
por exemplo: dentro da biologia para demonstrar a pirâmide dos alimentos; dentro da sociologia
para demonstrar a pirâmide das classes. Mas, agora a utilizaremos em um sentido mais estrito,
nos limitando apenas ao seu formato. Nesse intuito, podemos tomar como exemplo, o grupo
dos mamíferos: na base da pirâmide estão todas as espécies de mamíferos e no topo o conceito
de mamífero, ou seja, partindo da base, quanto mais se aproxima do topo, mais se condensa e
se extrai o que é comum a esse grupo.
Posteriormente, Nietzsche dá seguimento a uma sequência estratégica de metáforas para
ilustrar sua tese. Discutiremos algumas delas, tentando abstrair de cada uma o sentido pelo qual
o autor as cita:
3) Metáfora da teia de aranha. A teia de uma aranha é onde ela vive, consegue seu alimento,
se defende de predadores e se abriga dos eventos da natureza. Mais resistente que um fio de
cabelo, “bastante fina para deslocar-se flutuando e bastante sólida para não se dispersar ao sopro
do menor vento” (p. 71). Do mesmo modo, é a rede de conceitos: resistente a ponto de perdurar
pelo tempo e adaptável a inúmeras situações. Não obstante, é percebido que na construção de
seu texto, o próprio Nietzsche se assemelha a essa metáfora, pois ele constrói seus argumentos,
não de forma reta e linear, mas os entrelaçam, se valendo, não somente de seus pensamentos
contraditórios à tradição, mas também, de autores pré-socráticos, como o Protágoras.
4) Metáfora da cera. A abelha recolhe das flores o material necessário para a fabricação de
sua cera e consequentemente para a construção de suas colmeias. Da mesma forma, o homem
constrói sua “colmeia” de conceitos, a diferença é que ele a constrói não pelo que encontrou,
mas pelo que ele próprio criou. Ele só consegue manter de pé sua construção, graças ao fato de,
como já mencionado no texto, poder esquecer e imaginar que tudo o que concebe é mais pura
verdade.
5) Metáfora da moita. Ligada à metáfora anterior, a moita, também, está relacionada com o
poder de esquecimento do homem. Exemplo: alguém esconde algo atrás de um arbusto, porém
esquece onde colocou tal coisa e começa a procura-la. De repente ele a encontra e se vangloria
por tal proeza. De igual modo é a verdade: o ser humano a escondeu em seu Logos e depois
procurando a encontrou e a trata como se fosse a “verdade em si”, mas se desconsiderarmos o
homem, esta verdade deixa de ter qualquer valor.