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1. Introdução

Apresenta-se exemplo de análise estrutural de um poço considerando-se


a interação solo-estrutura.

A estrutura do poço é uma casca delgada com plano médio na forma de


cilindro circular reto. Considera-se que o carregamento também apresenta
simetria em relação ao eixo de revolução do cilindro.

Inicialmente é feita a análise considerando-se modelo de ações impostas,


conforme classificação proposta por Maffei (2012), utilizando-se métodos de
cálculo de casca cilíndrica vistos na disciplina.

Posteriormente, é feito modelo de ações espontâneas, considerando-se


ainda as fases de execução, com uso de programa baseado no método dos
elementos finitos.

Por fim, são comparados e discutidos os resultados.

2. Características da estrutura

A estrutura ora analisada tem profundidade de 10 m, diâmetro de 6 m e


espessura de 0,2 m. Considera-se ainda que exista uma viga de borda no nível
do terreno – digamos, com dimensões de 60 cm x 20 cm – e uma laje de fundo,
com espessura maior que a da parede do poço – digamos 60 cm – na cota de
escavação (Figura 1).

Figura 1 – Características geométricas da estrutura.

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O concreto é considerado com:

 fck = 25 MPa;
 Eci = 28 GPa (módulo de elasticidade tangente inicial – nos cálculos será
considerado um valor menor para levar em conta a deformação lenta, de
forma simplificada);
 ν = 0,2 (coeficiente de Poisson);

A taxa de armadura geométrica (ρ) será considerada com valor pequeno,


digamos, no máximo, ρ = 0,5%.

Considera-se solo homogêneo, adotando-se as seguintes propriedades


mecânicas necessárias para análise:

 Ângulo de atrito interno = 25o;


 Coesão = 25 kPa;
 Peso específico = 20 kN/m³;

Além disso foram empregados os seguintes parâmetros:

 E=30000 KN/m2
 =0,4
 K0 = 0,6;

A Figura 2 resume essas propriedades consideradas. Apresenta-se


ainda o topo rochoso, considerado a 14 m de profundidade.

Figura 2 – Perfil de solo considerado (NA abaixo da cota de escavação).

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Imagine-se que esses valores sejam representativos para a análise. É


interessante enfatizar que, eventualmente, devem ser imaginadas variações
nesses parâmetros para fins de verificação da influência que os mesmos
possam ter sobre os resultados.

O método construtivo previsto consiste em:

 Execução da viga de borda, ao nível do terreno, deixando-se esperas da


armação para ligação com a casca (Figura 3a);
 Primeira fase de escavação, com profundidade de 2,5 m;
 Projeção do concreto, nas seguintes etapas (Figura 3b):
o Primeira camada com 3 cm de espessura;
o Colocação da primeira tela;
o Projeção da segunda camada de concreto, com 14 cm, em
passos de aproximadamente 5 cm;
o Colocação da segunda tela;
o Projeção da última camada de concreto, finalizando a espessura
da casca;
o Prever esperas da tela para traspasse com o próximo segmento;
 Segunda fase de escavação, até a profundidade de 5 m;
 Execução do segundo segmento;
 Repetição do processo até a cota de escavação final;
 Execução da laje de fundo;

(a)

(b)

Figura 3 – Detalhes do método executivo.


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3. Modelo de ações impostas

Neste modelo, será analisada apenas a fase final, com algumas


simplificações:

 Será considerado empuxo ativo, não admitindo valores negativos no


topo, com os seguintes valores;
o ka = tg²(45o – 12,5o) = 0,41
o σmáx = 0,41 x 20 x 10 – 2 x 25 x √0,41 = 82 – 32 = 50 kN/m²
 A parede será considerada engastada na laje de fundo;
 A parede será considerada livre no topo (a viga de bordo não será
considerada);
 Ec = Es / 15 = 13,33 x 106 kPa – para levar em conta a deformação lenta
e ficar consistente com a teoria clássica de Estádio II. Então:
o EcA = 2.666.000 kN/m;
o EcI = 8887 kNxm²/m

Dessa forma, tem-se o argumento de entrada na tabela:

 H² / (Dh) = 10² / (6,2 x 0,2) = 80,64

A tabela fornecida apresenta resultados apenas para valores do


argumento acima inferiores ou iguais a 16,0. Desse modo, será feito o modelo
de viga sobre base elástica, com a rigidez das molas conforme Anexo 1:

 K = 2666000/(3,1²) = 277419 kN/m ~280000 kN/m

Procedendo dessa forma, obtêm-se os valores abaixo.

Figura 4 – Momentos My (kN.m/m) e reações nas molas (kN,m).

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O maior momento fletor teve valor de 7,93 kNxm/m.

A maior reação nas molas teve valor de 2,72 kN, a aproximadamente


1,60 m da base, para espaçamento entre nós de 0,0625 m. Dessa forma, pode-
se estimar o valor de Nz por meio da expressão abaixo:

 Nz = 2,72 x 3,1 / 0,0625 = 135 kN/m (compressão)

Como referência, compare-se com o maior valor obtido de pR, que no


caso seria de 50x3,1=155 kN/m, conforme figura abaixo.

(a)

(b)

Figura 5 – Resumo esquemático dos resultados: (a) esforços; (b) deformada.

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O deslocamento máximo obtido no modelo foi de 0,2 mm.

Dois aspectos devem ser considerados: primeiro, a deformada indica


rotação em torno de um ponto situado no topo; segundo, os deslocamentos são
bastante pequenos.

Deve-se questionar a validade da aplicação do empuxo ativo frente a


esses dois aspectos. Para discutir melhor esses e outros aspectos do
comportamento da estrutura será feito modelo no qual o solo seja representado
como meio contínuo com comportamento elasto-plástico perfeito. Além disso,
será considerada a sequência de execução por meio de modelo evolutivo.

4. Modelo com interação solo-estrutura

Nas figuras seguintes são apresentados os resultados obtidos.

4.1. Sem consideração da sequência construtiva – modelo não


evolutivo

(a)

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y (m)
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7
6
5
4
-150 -100 -50 0
tensão horizontal (kN/m2)

(b)

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11
10
9 y (m)
8
7
6
5
4
50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 -5
momento fletor (kNm/m)
(c)

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y (m)

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8
7
6
5
4
-300 -250 -200 -150 -100 -50 0 50
Nz (kN/m)

(d)
Figura 6.

4.2. Com consideração da sequência construtiva – modelo evolutivo

(a)

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y (m)

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7
6
5
4
-150 -100 -50 0
tensão horizontal (kN/m2)

(b)

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12
11
10
y (m)
9
8
7
6
5
4
40 35 30 25 20 15 10 5 0 -5 -10
momento fletor (kNm/m)

(b)

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y (m)

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8
7
6
5
4
-400 -350 -300 -250 -200 -150 -100 -50 0 50
Nz (kN/m)

(C)

Figura 8.

5. Discussão

A deformada da parede foi semelhante nos três modelos, indicando


rotação em torno de um ponto situado no topo da parede. Porém os valores de
deslocamentos foram bastante diferentes. O modelo de ações impostas
conduziu a deslocamentos máximos de 0,2 mm enquanto que os modelos de
ações espontâneas apresentaram deslocamentos máximos de 1,2 mm.

A distribuição das tensões na interface parede-solo, considerada linear


no modelo de ações impostas, apresentou distribuição não linear nos outros
dois modelos, com valores de tensões bastante superiores às tensões ativas
imaginadas inicialmente.

Foram obtidos valores de tensões da ordem de 150 kN/m² enquanto a


tensão ativa máxima considerada foi de 50 kN/m² na base.

A distribuição não linear pode ser explicada pela consideração das fases
de execução. O segmento do poço concretado em uma determinada fase
funciona como um apoio rígido no topo do segmento escavado na fase
seguinte. Isso proporciona arqueamento do solo que busca apoio nos pontos

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mais rígidos, já que o solo apresenta resistência a cisalhamento suficiente para


permitir tal arqueamento.

Figura 7 – Ilustração do arqueamento do solo observado no modelo quando se


considera a sequência executiva.

Como consequência das tensões serem maiores e de apresentarem


distribuição não linear, o que provoca perturbações maiores no regime de
membrana, os momentos fletores na parede foram bem maiores no modelo de
ações espontâneas, alcançando até 48 kNxm/m – cerca de seis vezes superior
ao valor obtido no modelo de ações impostas.

Isso explica também os maiores deslocamentos.

Por outro lado, apesar da grande diferença de deslocamentos obtida,


nos dois modelos os valores de deslocamentos foram baixos demais para
mobilizar o empuxo ativo. Dessa forma, pode-se explicar os valores altos das
tensões na interface solo-parede.

6. Conclusão

Foram apresentados resultados de processamentos de modelos


numéricos visando analisar o comportamento estrutural de um poço cilíndrico
de concreto escavado em solo homogêneo acima do NA.

Inicialmente, a estrutura foi modelada como uma casca cilíndrica


submetida a empuxo ativo – modelo aqui denominado de ações impostas.
Levando-se em consideração a simetria, o problema foi resolvido por analogia
com uma viga sobre apoios elásticos lineares. A rigidez das molas foi calculada
conforme se explica no Anexo.

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Em seguida foram feitos dois modelos nos quais o solo foi modelado
juntamente com a estrutura. O solo foi representado como meio contínuo com
comportamento elasto-plástico perfeito. Esses modelos, aqui denominados de
forma genérica, como modelos de ações espontâneas, foram feitos
considerando-se ainda duas situações com relação à sequência de execução.

Os resultados apresentaram diferenças significativas de valores que


podem ser atribuídas à consideração das tensões ativas no modelo de ações
impostas. Nos modelos de meio contínuo, as tensões na interface solo-parede
foram significativamente maiores que as ativas e, além disso, apresentaram
distribuição não linear.

Isso está relacionado à consideração das fases de execução no cálculo


que promove arqueamento do solo e causa redistribuição das tensões. Cada
segmento do poço que vai sendo executado funciona como um apoio rígido
superior para o novo trecho de solo escavado.

O objetivo principal deste exemplo foi mostrar as possibilidades de


análise que se apresentam quando se considera a interação solo-estrutura com
modelos mais elaborados.

Com esse tipo de análise a compatibilização de deslocamentos do


maciço com os da estrutura pode ser feita de forma mais coerente.

No entanto, deve-se atentar para a sensibilidade do modelo para alguns


parâmetros, tais como o nível de refinamento da malha de elementos finitos
empregada e o valor do coeficiente de atrito solo-parede, por exemplo. Isso
indica a necessidade de análise paramétrica para que se possam obter
resultados que se considerem aceitáveis. Está além dos objetivos deste texto
apresentar uma análise paramétrica.

O principal objetivo deste exemplo é demonstrar uma diferença básica


entre os modelos ditos de ações impostas e de ações espontâneas.

No modelo de ações impostas, faz-se um diagrama de corpo livre da


estrutura e a interação com o solo é considerada por meio das tensões
atuantes na interface. Procura-se “adivinhar” a forma dessas tensões. No
exemplo apresentado essas tensões foram imaginadas como correspondentes
ao estado ativo de Rankine (atrito nulo entre solo e parede).

No modelo de ações espontâneas essas tensões surgem como


consequência da compatibilização dos deslocamentos do solo e da estrutura,
considerando-se o solo como meio contínuo e comportamento não-linear – no
exemplo apresentado considerou-se comportamento elasto-plástico perfeito.

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BIBLIOGRAFIA

MAFFEI, C. E. M.; GONÇALVES, H. H.; TEIXEIRA, P. W. G. N. T. PEF 2502 –


Notas de Aula.

PLAXIS. V. . Manual de Utilização.

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ANEXO

Cálculo da rigidez (K) de um anel circular submetido à pressão uniforme


utilizando o Processo da Carga Unitária.

Dada uma barra prismática, com eixo circular de raio “R”, submetida a
pressão “p”, conforme figura abaixo, pode-se determinar a variação do raio “R”
recorrendo-se à simetria do problema e utilizando o Processo da Carga Unitária
para determinar, por exemplo, a variação no diâmetro (ΔD), causada pelo
carregamento fictício mostrado na Figura A1(b).

(a)

(b)

Figura A1.

Dessa forma:

EA x ΔD = ∫ [(-p x R) x (-1 x senα) x (R x dα)], com 0 ≤ α ≤ π;

EA x ΔD = 2 x p x R² ↔ ΔD = 2 x p x R² / EA;

K = 2.p / (ΔD) = EA / (R²)

Mais simples é imaginar o ΔD correspondente à variação no comprimento da


circunferência devido a N = p.R. Assim, chega-se a ΔD = 2 x p x R² / EA.

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