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RESUMO
A reintegração cromática é uma das fases mais importantes no processo de restauração de
uma obra, por definir a imagem final do bem. A realização dessa etapa se modifica de acordo
com o período histórico, visto que cada época assume um modo preferencial de intervenção
na camada pictórica, e de acordo com as próprias características das obras tratadas. Dessa
forma, este estudo apresenta os critérios da reintegração cromática desenvolvidos na história
da conservação-restauração e tem como objetivo identificar as mudanças que ocorreram no
campo e a transposição dos preceitos teóricos para as práticas restaurativas.
PALAVRAS-CHAVE
Conservação-restauração; Reintegração Cromática; Terminologia; Tecnologia
ABSTRACT
The chromatic reintegration is one of the most important phases in the restoration process of
the work, as it defines the final image of the property. This stage changes according to the
historical period, as each period assumes a preferential mode of intervention in the pictorial
layer and according to the characteristics of the works dealt with. Thus, this study presents the
chromatic reintegration criteria developed in the history of conservation-restoration and aims
to identify the changes that have taken place in the field and the transposition of theoretical
precepts to chromatic reintegration practices.
KEYWORDS
Conservation; Restoration; Reintegration; Terminology; Technologies
Introdução
A reintegração cromática é uma das etapas que tem maior influência no aspecto visual
e na unidade do bem tratado, ou seja, na leitura do objeto cultural, sendo uma das
fases finais possíveis de tratamento executado sobre danos e/ou alterações na
camada pictórica e possivelmente a mais visível. Esta etapa apresenta uma vasta
gama de soluções possíveis, que foram desenvolvidas com o avanço dos critérios e
princípios norteadores da conservação-restauração.
O processo de reintegração cromática pode ser denominado por diferentes termos
como retoque, integração ou compensação e é determinado pelos valores culturais e
sociais do momento em que se passa a restauração e pelo valor e função atribuído
ao bem. Dessa forma, os critérios para intervir se tornam múltiplos e sob constante
mudança devido as novas soluções propostas e tendências em busca da preservação.
Histórico
Sobre o contexto histórico no Brasil, não foram encontradas muitas referências sobre
o início da aplicação e o desenvolvimento das técnicas de reintegração cromática. No
entanto há estudos sobre as práticas de restauração no Brasil que podem indicar
como as intervenções eram realizadas. Há o registro do cargo de Restaurador de
quadros e Conservador da Pinacoteca na Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) e
os alunos com melhor desempenho artístico podiam assumir a função de “ajudante
de conservador da pinacoteca”, logo as atividades relacionadas ao restauro estavam
presentes no contexto oitocentista da academia e os profissionais que atuavam no
campo dentro da AIBA apresentavam formação artística. Posteriormente, como
Escola Nacional de Belas Artes é visto no programa de pintura o conteúdo de
conservação-restauração de pinturas, são localizados manuais europeus de restauro
como Il Restauratore dei Dipinti de Giovanni Secco Suardo. Dessa forma é possível
conjecturar a atuação de pintores-restauradores no Brasil, como é observado no
contexto Europeu (CASTRO, 2013).
A problematização do uso de termos análogos
Outra palavra que se mantem em uso é retoque, menos utilizado que reintegração,
devido seu caráter pejorativo associado a repinturas e as práticas dos pintores-
restauradores até meados do século XX. A palavra retouch em inglês com tradução
literal para retoque, é utilizado em textos técnicos e acadêmicos, no entanto é usado
como sinônimo da palavra reintegração, com o significado de uma intervenção
criteriosa, discernível, respeitando a delimitação da lacuna.
Sendo a palavra reintegração mais usada em Portugal, Itália, França e Espanha. Nos
Estados Unidos e Canada há uma mudança termos como loss compensation e
inpainting usados como sinônimo de reintegração. Helmut Ruhemann, em The
cleaning of paintings (1968), diferencia os termos loss compensation e inpainting, o
primeiro é faz uso da técnica mimética de tratamento da perda, envolvendo o
nivelamento, a adequação das texturas e a aplicação de cor, e o segundo, o ato de
aplicar tinta na lacuna já nivelada (RUHEMANN apud BAILÃO, 2014, p. 21).
O restaurador Edson Motta Junior, entende o termo reintegração cromática como uma
ação que envolve apenas a reintegração da cor, o que nem sempre é o caso. Logo
prefere usar a expressão reintegração da perda, proveniente da expressão em inglês,
loss reintegration, que designaria a reintegração da perda ao todo composicional
(DINIZ, 2016, p.115).
A partir dos estudos de caso será possível observar a aplicação de alguns princípios
da restauração, os diferentes critérios utilizados para cada situação e fundamentação
para a realização da reintegração cromática.
O primeiro caso analisado são as pinturas de Marck Rothko, são seis pinturas datadas
de 1959, que foram criadas para a Universidade de Harvard e ficaram por anos
guardados. As cinco obras foram expostas após um trabalho para solucionar
aparência de seus tons e a coesão do grupo de pinturas (PACHECO; SELVI, 2011,
p.24).
Nesse caso é observado o uso da tecnologia para solucionar uma questão e permitir
a fruição da obra de forma mais próxima do objetivo do artista. Nesse estudo o dano
a alteração gerado era grave e irreversível, logo não poderia ser solucionado com as
opções tradicionais, pois poderiam modificar a aparência da obra e o seu conceito
artístico. Também seria possível realizar a documentação do estado em que a obra
se encontrava e preservar a existência da pintura, no entanto não seria possível obter
a experiência e sensação proposta pelo artista.
Figura 2. Retrato de Bernardo Mascarenhas antes do restauro, em que é possível ver os danos na
camada pictórica. Fonte:PESSÔA, 2017.
O MAM Rio convidou os restauradores Claudio Valério Teixeira e Edson Motta Junior
para participar de um projeto com o objetivo de restaurar um conjunto de obras que
foram afetadas pelo incêndio, dentre elas Composição 1952. O restauro dessa pintura
foi brevemente apresentado durante o congresso Arte Concreta e Vertentes
Construtivas: Teoria, Crítica e História da Arte Técnica - Jornada ABCA em 2018 e um
artigo foi publicado no e-book do evento.
A obra sofreu danos que comprometeu a sua estrutura, suporte e camada pictórica.
Os autores descrevem que houve perda de aproximadamente um terço da tinta e do
suporte, presença de craquelês concheados, tinta em descolamento acentuado,
grande acúmulo de fuligem, sujeira e dano severo no chassi (TEIXEIRA & JÚNIOR,
2018, p.133). A obra apresentava grande fragilidade e uma lacuna de grande extensão
que atingiu área de relevância pictórica (Figura 4).
Figura 4. Pintura Composição 1952 de Lygia Clark, antes do processo de restauro. Fonte:
TEIXEIRA & JÚNIOR, 2018
A equipe de restauro realizou o estudo sobre a obra e sobre sua autoria, identificando
influências e características técnicas que a pintura em delicado estado de
conservação apresentava. Além da pesquisa sobre a obra etapa fundamental para o
desenvolvimento de uma proposta de reintegração, foi encontrada pelo MAM Rio uma
única referência da obra antes dos danos (TEIXEIRA & JÚNIOR, 2018, p.135). Foi
apresentada uma fotografia em preto e branco da obra do período em que foi doada
para o museu pela artista, esta imagem foi utilizada como referência das formas
originais da pintura (Figura 5).
Figura 5: Fotografia encontrada da obra, da época da doação para o MAM. Fonte: TEIXEIRA &
JÚNIOR, 2018
Para a fase de reintegração cromática foram usadas tintas Gamblin® próprias para
restauração, e aplicação da técnica de reintegração pontilhista associadas com
velaturas de aquarela para reduzir a intensidade das cores. Outra questão sobre
aspecto estético é a textura da tela, foi empregado géis de Paraloid B72 nas áreas
lacunares para reduzir a textura lisa e aproximar as áreas de reintegração à superfície
original. A diferença de texturas poderia ocasionar o direcionamento do olhar do
observador para as áreas lacunares, dessa forma foi optado por mimetizar a textura
e utilizar o pontilhismo como uma forma de diferenciar a ação do restaurador ao
visualizar a obra de perto e quando de longe obter uma visualização integral da obra
(TEIXEIRA & JÚNIOR, 2018, p.138).
Essa restauração deve ser estudada com cuidado. A grande perda de área pictórica
e poucas referências para a restauração, gera discussões sobre o limite da
reintegração cromática e a melhor abordagem que associe uma apreciação estética
e a preservação da essência e do conceito artístico da obra.
Conclusão
desde 2015. Doutora em Artes - Preservação do Patrimônio Cultural pela Escola de Belas Artes da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Artes - Conservação Preventiva/Tecnologia da Obra de Arte, pela
Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Possui graduação em Conservação -
Restauração de Bens Culturais Móveis pela Universidade Federal de Minas Gerais. giuliagiovani@gmail.com
3 O princípio da reversibilidade que afirma que qualquer ação de conservação deve ser realizada com materiais
que permitam a remoção da intervenção para o retorno à situação inicial em que o objeto foi encontrado, no entanto
esse princípio é impossível de ser realizado em sua concepção pura. A reversão pode ser mais ampla ou não. A
visão contemporânea de reversibilidade define o conceito como a da capacidade de re-tratamento
(retrabalhabilidade) que significa poder tratar algo que foi previamente realizado com o menor dano possível.
ZANCHETI, Silvio Mendes. A teoria contemporânea da conservação e a arquitetura moderna. Textos para
Discussão: Série 2 - Gestão de Restauro (2014).
4 O termo Gestalt significa forma, estrutura ou configuração e é usado para designar a corrente psicológica que
surgiu no final do séc. XIX, que se fundamenta na ideia de que o todo é mais do que a simples soma das suas
partes (BAILÃO,2011).
5 Outro dos nomes bem conhecidos pelos conservadores restauradores é Cesare Brandi. O historiador em 1963
usou a palavra “integração”, não estando explícito o motivo pelo qual utiliza esse termo e não outro. Citando o
autor [...], todavia, a versão castelhana de 1988 da Teoria do Restauro, largamente difundida em Portugal, e onde
consta o texto de Brandi de 1963, traduz ocasionalmente em vários parágrafos a palavra “integrazione” por
“reintegración” [...] Mais uma vez, ambos os termos são usados como sinónimos na tradução. Porém, na versão
portuguesa de 2006 os vocábulos são traduzidos fielmente ao original sendo utilizada a palavra “integração”.
(BAILÃO,2013, p.56)
6 Esta técnica, habitualmente conhecida como mimética ou ilusionista, consiste na reintegração da cor, da forma e
da textura das zonas em falta com o objectivo de ser invisível para o observador comum. (BAILÃO,2011)
7 Trata-se de um conjunto de pontos de cores puras justapostas, adaptando-se a pinturas antigas e a pinturas
recentes. Consoante a superfície pictórica original ou a própria textura do suporte, o tamanho e a distância dos
pontos, o pontilhismo pode resultar numa reintegração diferenciada ou ilusionista (BAILÃO, 2011)
Referências
PARTRIDGE, Wendy. Retouching Paintings in Europe from the 15th through the 19th
Centuries: Debates, Controversies, and Methods.In: Thirty-first Annual Meeting of the
American Institute for Conservation of Historic & Artistic Works,31,2003,
Arlington.Postprint. Washington, Paintings Specialty Group of the American Institute for
Conservation of Historic & Artistic Works, p.13-22, 2003. Disponível em:
https://www.culturalheritage.org/docs/default-source/periodicals/paintings-specialty-group-
postprints-vol-16-2003.pdf?sfvrsn=5326045e_8. Acesso em: 10 jun. 2021.
SHEETS, Hilarie M. A Return for Rothko’s Harvard Murals. The New York Times, Nova
Iorque, Seção F, p.16, 2014. Disponível em
https://www.nytimes.com/2014/10/26/arts/artsspecial/a-return-for-rothkos-harvard-murals-
.html. Acesso em: 10 jun. 2021.
TEIXEIRA, Claudio Valério; JUNIOR, Edson Motta. Projeto Phoenix: Restauração de uma
pintura de Lygia Clark. Arte Concreta e vertentes construtivas: Teoria, crítica e história
da arte técnica. Belo Horizonte -MG. Editora ABCA, 2018.