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1- Terminologia ou Terminologias?
Para descrever uma indústria lítica é necessário um vocabulário específico que proporcione
uma definição precisa e rigorosa e em conseqüência permita a compreensão dos produtos
estudados. Um vocabulário existe e foi tradicionalmente desenvolvido na Europa. Alguns
dos termos definidos para os produtos das cadeias operatórias são freqüentemente
utilizados no Brasil de maneira direta (por exemplo, lascas de façonagem); em outros casos,
foram criados termos específicos à indústria lítica brasileira (por exemplo, percussão
bipolar). No entanto, não há uma conformidade na utilização dos termos pelos arqueólogos,
em conseqüência, existe uma dificuldade de homogeneização desta terminologia: objetos
diferentes podem ser designados pelo mesmo termo, como por exemplo, o termo "lesma",
adaptado diretamente do francês limace, que muitas vezes é aplicado indiscriminadamente
para definir instrumentos unifaciais.
A questão terminológica, em nosso entendimento, só pode avançar a partir de uma
descrição tecnológica detalhada dos objetos e de suas cadeias operatórias, que por sua vez,
depende de um trabalho minucioso de conhecimento das técnicas e dos métodos
empregados.
Assim, este trabalho tem como objetivo propor uma discussão sobre os problemas criados
pela ausência de uma terminologia comum entre os arqueólogos para a descrição dos
elementos das indústrias líticas brasileiras, realizando assim alguns passos em direção à
composição de um léxico descritivo dos elementos e das ações técnicas que compõe estas
indústrias.
2- Estado da Arte
No Brasil desde os anos 1960 existe uma preocupação em criar um vocabulário adequado
para a analise das indústrias líticas [Laming-Emperaire 1967; Calderon 1969; Prous
1986/1990]. Esta preocupação foi muito bem traduzida por A. Laming-Emperaire [1967]
em seu Guia para o Estudo das indústrias Líticas da América do Sul, editado pelo CEPA
(Centro de Ensino de Pesquisas Arqueológicas). Neste trabalho, foram definidas 170
palavras do vocabulário lítico arqueológico, sendo as mais importantes acompanhadas por
ilustrações.
No entanto, apesar dos termos terem sido estabelecidos de maneira rigorosa, estes foram
empregados pelos arqueólogos, de modo pouco sistemático, como se não tivessem sido
aceitos pela comunidade científica nacional. Embora o livro seja proposto no momento em
que a tipologia era a base do estudo das industrias líticas, observam-se alguns elementos
que anunciam já naquele momento uma preocupação com o que seria mais tarde chamado
de tecnologia.
Mais tarde, no inicio dos anos 1980, com a tecnologia já em voga, certos autores apontam
para a dificuldade de uma visão de conjunto das indústrias, haja vista a imprecisão na
terminologia empregada na descrição das séries estudadas. A. Kern [1981, 1989] manifesta
sua preocupação: o mesmo objeto pode ser descrito por termos diferentes ou ainda, um
mesmo termo se referir a objetos distintos, dificultando assim a precisão necessária para
que arqueólogos de regiões diversas, que se ocupam de um mesmo problema, possam
comparar seus resultados.
T. Miller Jr. [1981], levanta um outro problema relacionado à questão de que certos
instrumentos encontrados arqueologicamente têm classificações que são baseadas em
funções presumidas, mas não verificadas, ou, em analogias gerais que não são apropriadas.
Nota-se que a falta de precisão gerou e gera uma confusão que é refletida na descrição dos
objetos e na utilização dúbia de vocabulários. A leitura tecnológica deve ser seguida de
uma expressão, de uma troca com o outro, para que possamos falar uma mesma língua. A
precisão do vocabulário permite-nos um maior desempenho na analise do material
arqueológico. Sem nenhuma dúvida este vocabulário deve adotar voluntariamente os
termos convencionais, usuais e já consagrados pela arqueologia brasileira, mesmo se estes
não são tão bem adaptados ao objeto que designa. Mesmo se a maioria dos objetos não
cumprem as funções pelas quais são designados. A grande vantagem é que certos termos
estão aceitos pela comunidade cientifica e já totalmente integrados ao vocabulário dos
tecnólogos. No entanto, como foi levantado acima, alguns termos necessitam de uma
revisão, de uma adequação e principalmente de uma definição (ou redefinição) clara.
1- Terminologia ou Terminologias?
Para descrever uma indústria lítica é necessário um vocabulário específico que proporcione
uma definição precisa e rigorosa e em conseqüência permita a compreensão dos produtos
estudados. Um vocabulário existe e foi tradicionalmente desenvolvido na Europa. Alguns
dos termos definidos para os produtos das cadeias operatórias são freqüentemente
utilizados no Brasil de maneira direta (por exemplo, lascas de façonagem); em outros casos,
foram criados termos específicos à indústria lítica brasileira (por exemplo, percussão
bipolar). No entanto, não há uma conformidade na utilização dos termos pelos arqueólogos,
em conseqüência, existe uma dificuldade de homogeneização desta terminologia: objetos
diferentes podem ser designados pelo mesmo termo, como por exemplo, o termo "lesma",
adaptado diretamente do francês limace, que muitas vezes é aplicado indiscriminadamente
para definir instrumentos unifaciais.
A questão terminológica, em nosso entendimento, só pode avançar a partir de uma
descrição tecnológica detalhada dos objetos e de suas cadeias operatórias, que por sua vez,
depende de um trabalho minucioso de conhecimento das técnicas e dos métodos
empregados.
Assim, este trabalho tem como objetivo propor uma discussão sobre os problemas criados
pela ausência de uma terminologia comum entre os arqueólogos para a descrição dos
elementos das indústrias líticas brasileiras, realizando assim alguns passos em direção à
composição de um léxico descritivo dos elementos e das ações técnicas que compõe estas
indústrias.
2- Estado da Arte
No Brasil desde os anos 1960 existe uma preocupação em criar um vocabulário adequado
para a analise das indústrias líticas [Laming-Emperaire 1967; Calderon 1969; Prous
1986/1990]. Esta preocupação foi muito bem traduzida por A. Laming-Emperaire [1967]
em seu Guia para o Estudo das indústrias Líticas da América do Sul, editado pelo CEPA
(Centro de Ensino de Pesquisas Arqueológicas). Neste trabalho, foram definidas 170
palavras do vocabulário lítico arqueológico, sendo as mais importantes acompanhadas por
ilustrações.
No entanto, apesar dos termos terem sido estabelecidos de maneira rigorosa, estes foram
empregados pelos arqueólogos, de modo pouco sistemático, como se não tivessem sido
aceitos pela comunidade científica nacional. Embora o livro seja proposto no momento em
que a tipologia era a base do estudo das industrias líticas, observam-se alguns elementos
que anunciam já naquele momento uma preocupação com o que seria mais tarde chamado
de tecnologia.
Mais tarde, no inicio dos anos 1980, com a tecnologia já em voga, certos autores apontam
para a dificuldade de uma visão de conjunto das indústrias, haja vista a imprecisão na
terminologia empregada na descrição das séries estudadas. A. Kern [1981, 1989] manifesta
sua preocupação: o mesmo objeto pode ser descrito por termos diferentes ou ainda, um
mesmo termo se referir a objetos distintos, dificultando assim a precisão necessária para
que arqueólogos de regiões diversas, que se ocupam de um mesmo problema, possam
comparar seus resultados.
T. Miller Jr. [1981], levanta um outro problema relacionado à questão de que certos
instrumentos encontrados arqueologicamente têm classificações que são baseadas em
funções presumidas, mas não verificadas, ou, em analogias gerais que não são apropriadas.
A falta de sistematização no emprego dos termos, ou ainda, a ausência de definições de
cunho tecnológico criou uma grande dificuldade na expressão da tecnologia lítica. Assim
termos como percutor brando, percussão controlada, talhadores grosseiros, faca, percussão
bipolar, percussão macia ou leve, tipos de retoques, faces inferior/superior ou
interna/externa etc., criados muitas vezes para nomear elementos de uma indústria
especifica, foram utilizados sem nenhuma descrição/definição tecnológica prévia.
Por outro lado, outros termos foram emprestados do vocabulário europeu, onde estes
correspondem a um objeto especifico (ou a uma ação técnica especifica), e foram
empregados no Brasil sem nenhum questionamento ou uma real redefinição adaptativa. Por
exemplo, o termo Biface, que faz referência a um objeto do Paleolítico inferior e médio na
Europa - instrumento de pedra, em forma de amêndoa, façonado sobre as duas faces. A
dimensão varia entre 30 e 5 cm. A espessura, a regularidade de seu contorno e a técnica de
fabricação variam segundo os períodos aos quais pertencem [Dicionário da Pré-história
Leroi-Gourhan 1997] - e que aqui no Brasil se refere a qualquer objeto que em realidade
tenha um “retoque bifacial ou um retoque biface”.
Outro exemplo é o termo lâmina (ou lamínula), que corresponde a um vestígio muito bem
definido na Europa [Dicionário da Pré-história Leroi-Gourhan 1997; Inizan et. al 1995]e
nos Estados Unidos, sendo utilizado aqui para se referir a suportes alongados.
Na realidade, esse não seria um problema se os termos já não estivessem cristalizados nas
publicações internacionais, em conseqüência, um leitor europeu será confundido ao ler uma
publicação brasileira e vice-versa.
Consultando artigos distintos poderíamos nos perguntar, como fez A. Kern [1981], o que
significa, nas diversas publicações, o termo biface ou um talhador? Ou ainda, o que seria
um buril nas industrias líticas brasileiras? Poderíamos ir mais longe e nos interrogar sobre
quais definições daríamos para lesmas, plano-convexos, raspadores, etc., sabendo da
enorme diversidade existente? A questão é que faltam estudos tecnológicos minuciosos que
definam estes elementos não a partir de uma morfologia, mas pela tecnologia presente
neles.
Os tecnólogos liticos brasileiros encontram um problema que é constante quando estudam
as séries líticas, principalmente quando estas provêm de regiões diferentes e muito
distantes: é a questão de decidir quais termos utilizar para descrever as cadeias operatórias e
as ações técnicas que estão ligadas a elas.
Nota-se que a falta de precisão gerou e gera uma confusão que é refletida na descrição dos
objetos e na utilização dúbia de vocabulários. A leitura tecnológica deve ser seguida de
uma expressão, de uma troca com o outro, para que possamos falar uma mesma língua. A
precisão do vocabulário permite-nos um maior desempenho na analise do material
arqueológico. Sem nenhuma dúvida este vocabulário deve adotar voluntariamente os
termos convencionais, usuais e já consagrados pela arqueologia brasileira, mesmo se estes
não são tão bem adaptados ao objeto que designa. Mesmo se a maioria dos objetos não
cumprem as funções pelas quais são designados. A grande vantagem é que certos termos
estão aceitos pela comunidade cientifica e já totalmente integrados ao vocabulário dos
tecnólogos. No entanto, como foi levantado acima, alguns termos necessitam de uma
revisão, de uma adequação e principalmente de uma definição (ou redefinição) clara.
Tem sido cada vez mais freqüente no Brasil, observarmos publicações onde existem
definições meticulosas, ou um léxico, para os termos utilizados na indústria apresentada.
No entanto, torna-se necessário fazermos uma diferenciação entre definições de termos para
um estudo especifico (casos particulares) e definições mais genéricas, que poderiam
resultar em classificações para certos elementos ou ações técnicas. Em conseqüência, os
termos definidos desta última forma poderiam ser aplicados na análise de coleções diversas.
O que ocorre, muitas vezes, é o uso de termos com definição precisa para culturas pré-
históricas européias para nomear objetos assemelhados encontrados no Brasil. Um caso
comum é a alusão a certos suportes de objetos que alguns autores denominam, corretamente
de lascas alongadas, enquanto outros chamam de lâminas. Para o leitor, principalmente
aquele que esta começando sua formação, cria-se uma dificuldade que muito
provavelmente o acompanhará ao longo de seu desenvolvimento como arqueólogo.
Enfim, muitas vezes nos deparamos com a utilização de termos regionais, os quais não são
compreendidos pela comunidade cientifica como um todo.
Vale ressaltar que, mesmo tendo a possibilidade de ser analisado a partir de vários pontos
de vista, o essencial no estudo de um objeto vem da sua performance humana, ou seja, do
surgimento do desejo de realizar um objeto e de suas transformações/evoluções. Segundo
Pelegrin [2005], um objeto é antes de tudo um projeto: a reflexão do lascador corresponde
a uma série de operações cognitivas e sensório-motoras que serão realizadas em várias
etapas envolvendo a representação mental do objeto a ser fabricado, ou seja, o modelo
presente na mente do lascador que reflete a sua cultura e que corresponde a formas ideais e
desejadas – imagens mentais estocadas na mente. Para realizar este trabalho o lascador
coloca em obra o seu savoir-faire, seus conhecimentos (que correspondem ao
conhecimento visível e transmissível) e suas habilidades (que correspondem à competência
adquirida pela experiência pessoal e pela prática).
Este problema reflete bem a falta de conhecimento tecnológico do objeto e de sua cadeia
operatória.
Assim, é claro que nem todas as indústrias pré-históricas brasileiras são simples, mas no
geral, ao que parece, a grande maioria dos conjuntos líticos são pouco elaborados,
principalmente no “Brasil Central”, o que não significa que estes não sejam extremamente
funcionais e que não correspondam corretamente ao objetivo almejado.
Apesar da simplicidade das indústrias líticas do norte de Minas Gerais, algumas peças são
mais específicas e às vezes com uma certa predeterminação nos gestos técnicos.
Enfim, o que gostaríamos de ressaltar é que esta simplicidade dificulta a compreensão dos
conjuntos: a relação entre o instrumento procurado e o suporte é, em geral, tênue. Por
exemplo, a maioria dos unifaciais plano-convexos é realizada sobre lascas de início de
debitagem com mais ou menos córtex.
5 – Reflexões finais
- Na literatura brasileira existem categorias gerais bem definidas, tais como os instrumentos
unifaciais e os bifaciais. Dentro da classe de instrumentos unifaciais, existem os utensílios
plano-convexos, que, em linhas gerais, é um grupo já bem definido. No entanto, existe a
necessidade de estudos tecnológicos sistemáticos visando individualizar os diversos
instrumentos do conjunto. Este tipo de estudo permite uma compreensão das
especificidades e da evolução destes utensílios. A título de exemplo podemos citar os
estudos realizados no norte do estado de Minas Gerais, onde foi possível isolar algumas
cadeias operatórias especificas de certos períodos: instrumentos unifaciais achatados para
os períodos antigos – passagem Pleistoceno/Holoceno e Holoceno antigo; instrumentos
bifaciais robustos para os últimos habitantes do setor – período do contato com os
neobrasileiros [M.J.Rodet 2006].
Finalmente, lembramos que o estudo tecnológico é uma das abordagens metodológicas que
permite a compreensão dos grupos pré-históricos. Estas análises, quando possível, devem
ser acompanhadas de estudos interdisciplinares. A geologia, a geomorfologia assim como a
análise da paisagem e a localização das jazidas líticas que foram utilizadas (ou
potencialmente utilizadas) pelos pré-históricos são alguns dos aspectos que devem
completar as análises das indústrias líticas.
Figura 7 - Exemplos de instrumentos unifaciais: trata-se de instrumentos diferentes tecnologicamente,
mas que podem entrar numa categoria geral denominada unifaciais plano-convexos e que, sem exceção,
são comumente denominados de lesmas.
Bibliografia
Caldéron de La Vara V. - 1969. Nota prévia sobre a arqueologia das regiões central e sudoeste do
Estado da Bahia. Pronapa, resultados preliminares do 2° ano, 1966-1967, Emilio Goeldi, Belém,
Publicações avulsas, 10 : 135-147.
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Pérou. 25 ans d'études technologiques en préhistoire, 11ème Rencontres Internationales
d'Archéologie et d'Histoire d'Antibes, Juan-Les-Pins, 1991 : 264-273.
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Editions du CREP, 4 : 199 p.
Laming-Emperaire A., 1967. Guia para o estudo das indústrias líticas da América do sul. Manuais
de Arqueologia 2, Curitiba, Centro de pesquisas arqueológicas da Universidade Federal do
Paraná, 155 p.
Miller Jr. T. 1981/82. Etnoarqueologia: implicações para o Brasil. Arquivos do Museu de História
Natural da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, v.VI/VII:293-310.
Prous A. – 2004. Apuntes para Análisis de Industrias Líticas. Ortigueira, Fundación Federico
Maciñeira, nº2, 173 p.
Rodet M.J. 2006. Etude Technologique des industries lithiques taillées du nord de Minas
Gerais, Brésil - depuis le passage Pléistocène/Holocène jusqu'au contact - XVIIIème siècle.
Thèse de doctorat d'Université de Paris X, Nanterre, 516p.
Rodet M.J. & Alonso M. 2006. Princípios de reconhecimento de duas técnicas de
debitagem: percussão direta dura e percussão direta macia (tendre). Revista de Arqueologia
SAB, São Paulo, v.17, Ano 2004.