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DOI: 10.18468/estcien.2016v6n2.

p09-16 Artigo de revisão de literatura

A Língua Latina e a precisão conceitual

Thiago Soares de Oliveira1


1 Doutorando e Mestre em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
Especialista em Língua Portuguesa pelo Centro Universitário Barão de Mauá (CUBM) e em Língua Latina e Filologia
Românica pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Licenciado em Letras pela Universidade Castelo Branco
(UCB). Professor do Instituto Federal Fluminense (IFF), Brasil. E-mail: so.thiago@hotmail.com

RESUMO: Este trabalho revisional, ligado ao campo terminológico, objetiva recuperar


uma discussão fundamental em relação ao uso de termos latinos como forma de ma-
nutenção de precisão conceitual em determinados campos do saber como o Direito,
por exemplo. Partindo da pesquisa bibliográfica como metodologia capaz de dar conta
do escopo traçado, constrói-se o embasamento teórico para a análise de vocábulos e
expressões latinos utilizados nas diversas searas do conhecimento especializado, bem
como alguns já internalizados ao uso não técnico. Trata-se, pois, de um material analí-
tico introdutório ao estudo dos vocábulos latinos.
Palavras-chave: Língua Latina; Léxico; Terminologia.

The Latin Language and conceptual precision


ABSTRACT: This revisional work on the terminological field , aims to recover a funda-
mental discussion regarding the use of Latin terms as a form of conceptual precision
maintenance in certain fields of knowledge such as law, for example. From the literatu-
re as a methodology capable of handling the tracing scope, builds the theoretical basis
for the analysis of words and Latin expressions used in various crops of expertise, and
some have internalized the non-technical use. It is therefore an introductory analytical
material to the study of Latin words.
Keywords: Latin Language; Lexicon; Terminology.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS lementos característicos das línguas (BAG-


NO, 2007, 2010; CUNHA; CINTRA, 2012), é
A utilização da Língua Latina para deno- de se esperar que, com o passar do tempo,
tar precisão conceitual em lugar de termos modificações semânticas, bem como altera-
aportuguesados é típica de áreas do saber ções de naturezas outras, sejam natural-
como o Direito, além de outros. Buscando a mente implementadas de modo que não se
precisão de uma língua que não sofre as possa garantir a fixidez de sentido de de-
influências do tempo com tanta intensidade terminados termos e expressões. Ocorre
como as línguas românicas, família em que que, buscando a exatidão de certas concep-
se inclui o Português, o conhecimento es- ções, as áreas especializadas se valem da
pecializado encontra no Latim um nicho Língua Latina para estruturar seus jargões,
fértil de possibilidades. especialmente porque tal idioma, a despei-
Como o dinamismo e a vivacidade são e- to da inestimável importância histórica, lin-

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guística e cultural, sofre menores pressões De forma prática e apropriada a este traba-
temporais, mantendo, assim, um conteúdo lho, entender-se-á sinteticamente como um
semântico menos mutável que as línguas "conjunto de termos, ou vocabulário, de
modernas manejadas hodiernamente. determinada especialidade" (DIAS, 2000, p.
Em que pese a tal consideração sobre a 90), conceito tratado amplamente por Pon-
suposta invariedade de sentido do léxico tes (1997) em trabalho dedicado à termino-
latino, os estudiosos das letras clássicas não logia científica.
apontam essa característica como sinal de De acordo com Pontes (1997), a questão
morte do idioma. Na verdade, a tendência é terminológica está intimamente relaciona-
a de que se considere o Latim como língua da à necessidade de nomear as novidades
viva em razão do constante uso (FORTES, oriundas do avanço das ciências e da tecno-
2010; MELO, 2013; OLIVEIRA, 2015a; VIA- logia. Nesse sentido, "toda atividade huma-
RO, 1999), inclusive na modernidade, moti- na, todo domínio do saber implica um
vo pelo qual este trabalho, por meio de o- grande número de conceitos, por isso é
bras específicas e da análise de vocabulário preciso dominar um conjunto de nomes
supostamente especializado, tenciona re- para conhecer, reconhecer e manipular as
cuperar uma questão de vasta relevância coisas" (PONTES, 1997, p. 48). De fato, é
para a seara terminológica: o uso da Língua notável que as atividades especializadas
Latina como elemento de precisão concei- comportam nomenclaturas peculiares como
tual. Ademais, percebendo que cada área forma de construir um nicho comunicativo
do saber possui seus próprios jargões, o que próprio, utilizado pelos pares não como
facilita a comunicação no meio especializa- meio de exclusão dos demais indivíduos,
do, discute-se a utilização do termo latino mas como maneira de atender as exigências
na manutenção de um significado específico do avanço científico. À guisa de exemplo,
durante um longo período de tempo. podem-se mencionar os vocábulos compo-
Diante disso, com o propósito de rever nentes do arcabouço lexical que tem sido
parte da literatura concernente a esse as- denominado de "juridiquês", referência aos
sunto, este artigo dedica algumas páginas jargões utilizados pelos profissionais das
para o exame de termos cujas filiações justi- diversas vertentes do Direito.
ficam o uso do Latim na composição do lé- A rigor, "toda terminologia possui uma
xico especializado. Esse olhar analítico recai finalidade socioprofissional e serve priorita-
não só sobre os termos jurídicos, mas tam- riamente para exprimir saberes temáticos"
bém sobre outros que são empregados es- (BOULANGER, 1995, p. 1), razão pela qual
pecializadamente por razões de herança "muitos dos termos técnicos não se encon-
histórica, sendo ou não de amplo uso e co- tram nos dicionários de língua corrente"
nhecimento. (PONTES, 1997, p. 48). Isso não significa,
todavia, uma intencionalidade de não com-
2 BREVES REFLEXÕES SOBRE TERMINOLO- partilhamento de tecnicismos, mas indica o
GIA E LÉXICO ESPECIALIZADO grau de especialização e o ambiente de
empregabilidade de determinados vocábu-
Há diversas noções relacionadas à termi- los. É nesse sentido que a questão da ter-
nologia, o que dificulta a sua conceituação. minologia deve ser objeto de reflexão cui-
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dadosa, especialmente porque indivíduos afora as peculiaridades inerentes a cada um
podem não compor certos nichos científicos dos trabalhos, Boulanger (1995), Dias
especializados, mas deles necessitar para a (2000), Lara (2004), Oliveira (2015b) e Pon-
resolução de impasses corriqueiros. tes (1997) percebem de forma similar o pa-
Exemplo disso seria uma hipotética situ- pel do uso terminológico como uma especi-
ação de acesso de um sujeito comum ao ficidade relacionada a uma área do saber.
conteúdo de uma sentença judicial, repleta Vale acrescentar, nesse ponto da tessitura
de termos jurídicos, o que ilustraria bem a bibliográfica, que "um termo [..] é uma pa-
prudência necessária ao tratamento da lavra contextualizada no discurso, tendo,
questão terminológica. De qualquer forma, conseqüentemente, um referente de inter-
mesmo sem o conhecimento de tais termos pretação" (LARA, 2004, p. 92). Assim, não
de utilização supostamente precisa, o indi- há que se dissociar a relação existente entre
víduo comum teria em seu favor o profis- o conceito de terminologia e o uso do léxico
sional especializado. A propósito desse as- especializado, já que, em suma, ambos são
sunto, Oliveira (2015b, p. 15), ao se ocupar praticados de forma interdependente.
da questão do latinismo como terminologia, De mais a mais, é preciso ressaltar que,
após analisar o caso específico da palavra conquanto a terminologia delimite um
campus, ressalta que "o Latim desponta campo especializado, não raro os vocábulos
claramente funcional no meio técnico, a- migram do espaço particularizado para o
brangendo, inclusive, os documentos ofici- uso comum, ordinário. Situações desse tipo
ais", dada a necessidade da distinção entre são percebidas quando são analisados vo-
o léxico primário (não técnico, comum) e o cábulos latinos que parecem não pertencer
léxico terminológico (especializado). a um arcabouço lexical específico, estando
O objeto da publicação de Oliveira mais vinculados a questões históricas do
(2015b), apesar de não estar relacionado que a especialidades propriamente ditas.
diretamente à questão da precisão concei- Segundo Rónai (1980, p. 11), "são fragmen-
tual terminológica, mas ao uso do um lati- tos conservados ao acaso, mas suficientes
nismo específico, deixa o vislumbre de que para convencer-nos da incrível força de
a escolha lexical deve traduzir, com maior condensação e expressão do idioma dos
rigor possível, no âmbito especializado, o romanos".
conceito a ser transmitido, evitando a am- Brevemente recuperados, pois, alguns
biguidade, a contradição e a utilização de tópicos da discussão a respeito do uso da
palavras vazias de sentido prático. A esse Língua Latina para efeitos de manutenção
entendimento coaduna-se o de Lara (2004). de precisão conceitual, passa-se à análise,
Entendedora de que "o conceito é uma uni- com as devidas inserções bibliográficas que
dade abstrata criada a partir de uma com- necessárias se fizerem, tanto de algumas
binação única de características", a autora expressões latinas que se pretendem preci-
percebe o termo "como uma designação sas quanto de outras já internalizadas pelos
que corresponde a um conceito em uma indivíduos ou que migraram para o meio
linguagem de especialidade" (LARA, 2004, não técnico.
p. 92).
Nota-se, nessa linha de raciocínio, que,
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3 ANÁLISE DOS VOCÁBULOS E EXPRESSÕES tir da leitura das obras de Almeida (1992),
LATINOS Cardoso (2003) e Faria (1958):
 Alias: considerado um advérbio na
Entre as várias expressões latinas, algu- Língua Latina, esse termo é utilizado em
mas se destacam por terem se mantido Língua Portuguesa como retificador, nor-
dentro dos limites terminológicos, ou seja, malmente com o sentido de “de outro mo-
são utilizadas em áreas específicas do co- do”;
nhecimento com o intuito de designar ou  Alibi: advérbio latino utilizado na se-
significar uma nomenclatura específica. Ou- ara do Direito, significando "em outro lu-
tras, no entanto, inicialmente próprias de gar", "em outro sentido";
uma área de estudo, passaram ao uso co-  Alter ego: expressão da Psicanálise
mum, corriqueiro, perdendo o caráter pu- composta pelos pronomes alter (outro) e
ramente especializado. Assim, ego (eu), ou seja, "outro eu";
 A posteriori: significa "a partir do
Entende-se que os termos são, antes de que vem depois", já que o advérbio posteri-
mais, unidades lexicais que assumem sig- us significa "posteriormente", "em segui-
nificados específicos quando usadas em
da", "mais tarde";
discurso especializado, significados esses
 A priori: "a princípio", "a partir do
que lhes permitem denominar conceitos
científicos e técnicos. Mais se entende que vem antes", do advérbio latino prius,
que, para que uma unidade denomine um que significa "em primeiro lugar", "antes",
determinado conceito, ela deve ser por- "de preferência";
tadora de um tipo de significado estrutu-  Agnus Dei: expressão religiosa que
ral e/ou referencial que lhe permita essa significa "o Cordeiro de Deus", pela compo-
capacidade denominativa (CORREIA, sição de agnus (substantivo neutro da 2ª
2005, p. 1-2). declinação no nominativo singular) e Dei
(substantivo masculino Deus, da 2ª declina-
Isso significa que, às vezes, embora a es- ção no genitivo singular);
trutura seja mantida, assim como ocorre  Carpe diem: expressão latina atribuí-
com os latinismos, é possível que a referên- da ao período árcade, significando "aprovei-
cia seja desviada para uma capacidade de- te o dia". Trata-se do verbo carpere (no im-
nominativa mais usual e menos especializa- perativo) associado a diem, (dies, nome da
da. Trata-se, na verdade, do próprio com- 5ª declinação no acusativo singular);
portamento da língua, viva e dinâmica, em  Corpus Christi: expressão religiosa
que pese à manutenção de termos designa- que significa "o Corpo de Cristo". Pode ser
tivos estanques nos vários âmbitos do co- explicada por analogia com a expressão ag-
nhecimento tais como o Direito, a Botânica nus Dei, exceto pelo fato de que o substan-
e a Zoologia. Assim, considerando que o tivo Deus, Dei, apesar de pertencer ao
trabalho de Santos (2008) abarca muitas mesmo caso que agnus, declina-se de for-
locuções e elementos latinos, seguem vinte ma particular. De qualquer forma, tem-se
outras expressões e termos não contem- corpus (nominativo singular neutro) e Chris-
plados naquele trabalho, seguidos de sucin- ti (Christus, no genitivo singular);
tas explicações de nível morfológico, a par-
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 Curriculum vitae: "o percurso de vi- do substantivo masculino honor, honoris.
da", "a trajetória de vida". Expressão já u- Algumas universidades atribuem a pessoas
sual composta por curriculum (substantivo reconhecidamente eminentes suas áreas de
neutro da 2ª declinação no nominativo sin- conhecimento o título de Doctor Honoris
gular) e vitae (genitivo singular de vita, no- Causa;
me feminino da 1ª declinação latina);  Fugere urbem: expressão composta
 Data venia: frequentemente empre- pelo verbo fugire e urbs, urbis, substantivo
gada em documentos jurídicos, significa feminino da terceira declinação no acusati-
“com o devido respeito”, "com a devida vo singular, normalmente traduzida como
permissão". Trata-se de uma explicação um "fugir da cidade". Como esse verbo latino
pouco mais complexa, em razão da junção também pode significar "evitar", prefere-se
de um particípio com um nome declinado a construção "evitar a cidade", caso em que
no ablativo, apesar da queda da preposição o uso do acusativo fica mais bem delineado,
cum, que, em Latim, era seguida desse caso. por se tratar, neste caso, de um verbo tran-
Por isso, data (particípio passado feminino sitivo direto. Ressalte-se, no entanto, que
singular de do, dare, que representa o ver- fugire é também equivalente a "fugir de";
bo dar, em Português) e venia (substantivo  In memoriam: traduzido por "em
feminino venia, veniae no ablativo singular, memória de", ou seja, in (preposição latina
que coincide, na 1ª declinação, com o no- que pode reger tanto o acusativo quanto o
minativo e com o vocativo, ambos no singu- ablativo) acompanhado de memoriam
lar). Literalmente, a expressão seria tradu- (substantivo declinado no acusativo singular
zida como "permissão dada, concedida"; da 1ª declinação);
 Exempli gratia (e.g.): trata-se de  In vitro: "no vidro". Caso análogo ao
uma expressão idiomática latina, cujo signi- anterior, à exceção da palavra vitro (de vi-
ficado é "por exemplo"; trum, vitri, que designa substantivo neutro
 Et caetera (etc): significa “e outros”, da 2ª declinação no ablativo singular);
sendo abreviado como "etc.". A expressão é  Ipsis litteris: "pelas mesmas letras".
composta pela conjunção et (e) e o advér- Expressão composta pelo pronome de-
bio caetera (quanto ao resto). Isso justifica monstrativo ipse, ipsa, ispsum no ablativo
o porquê de a gramática normativa reco- plural em concordância com o substantivo
mendar que não se utilize "e" antes dessa feminino da 1ª declinação littera, litterae,
expressão, sendo facultativo, porém o uso também no ablativo plural. Trata-se de lo-
da vírgula. Além disso, reforça-se a necessi- cução latina bastante usual tanto na fala e
dade da utilização do ponto abreviativo, quanto na escrita;
obrigatório após "etc.";  Locus amoenus: é uma característica
 Honoris causa: "por causa da honra", atribuída ao período do Arcadismo e signifi-
"honorariamente". O substantivo causa, ca "lugar ameno". A composição da expres-
quando empregado no ablativo, equivale à são se dá pelo substantivo masculino da 2ª
locução prepositiva "por causa de" e rege o declinação locus, loci no caso nominativo
genitivo, motivo pelo qual honoris encon- singular, seguida do adjetivo de 1ª classe
tra-se no genitivo singular da 3ª declinação correspondente;

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 Persona non grata: conjunto de pa- sentido de que "é inquestionável que o es-
lavras traduzido como "pessoa indesejada". tudo do Latim viabiliza a compreensão de
Essa estrutura frasal latina é bem simples: numerosas indagações linguísticas que se
persona (de persona, personae, substantivo referem ao conhecimento das línguas ro-
feminino da 1ª declinação no nominativo mânicas, podendo fornecer explicações pa-
singular), non (advérbio anteposto ao adje- ra fenômenos aparentemente inexplicáveis
tivo) e grata (de gratus, grata, gratum, que do português". Quanto à precisão conceitu-
significa "agradável", adjetivo que, por ser al, em razão da resistência ao tempo, a Lín-
de 1ª classe, concorda com persona em gê- gua Latina parece bem empregada na deli-
nero, número e caso); mitação de termos específicos.
 Post scriptum (P.S.): expressão utili-
zada ao fim de cartas ou correspondências 4 CONCLUSÃO
quando se quer acrescentar uma nova in-
formação. A preposição post ("depois de") Passando a breves comentários conclusi-
rege o acusativo; a palavra scriptum (de vos, é preciso pontuar, no que se refere à
scriptum, scripti, neutro da 2ª declinação), relação entre a Língua Latina e a precisão
portanto, encontra-se no acusativo singular. conceitual, que o idioma dos romanos en-
Dentre os termos e expressões analisa- contra-se espalhado pelas diversas áreas do
dos, pode-se pontuar que alguns ainda não saber, especializadas ou de uso corriqueiro.
foram recepcionados totalmente pelo uso, Em alguns casos, embora pareça específico,
tais como data venia e exempli gratia, com- o significado do termo latino é facilmente
ponentes do léxico terminológico jurídico; identificado não só pela proximidade gráfi-
outros, todavia, como alibi, a priori e a pos- ca com a Língua Portuguesa, mas também
teriori, já são amplamente empregados tan- porque o uso o consagra no ambiente não
to na oralidade quanto na escrita; expres- técnico.
sões como curriculum vitae, et caetera (etc.) Outro ponto relevante diz respeito ao fa-
e post scriptum (P.S.), por sua vez, são de to de que a Língua Latina principiar o seu
uso corrente, ainda que a origem e o signifi- declínio no século I d. C. (fase clássica), pas-
cado latinos sejam desconhecidos pelos sando a modalidade vulgar pela do roman-
indivíduos, especialmente nestes dois últi- ce até a formação da Língua Portuguesa.
mos. Acrescentem-se a estes as abreviatu- Nesse longo trajeto de transformação, al-
ras latinas A.M. (ante meridiem) e P.M. guns vocábulos latinos permaneceram in-
(post meridiem), mormente utilizadas em tactos no manejo cotidiano dos falantes do
mostradores digitais de relógios norte- Português, enquanto outros sofreram inú-
americanos. Em ambos os casos, a palavra meros cortes linguísticos, resultado em no-
meridiem, substantivo da 5ª declinação la- vas palavras. Das palavras mantidas, muitos
tina, encontra-se no acusativo singular de- foram aproveitadas como itens terminoló-
vido às regências das preposições ante e gicos que, supostamente, estariam menos
post. sujeitos à ação do tempo do que o novo
Diante dessas análises, o posicionamento idioma românico em pleno desenvolvimen-
adotado neste trabalho se coaduna com o to.
entendimento de Melo (2013, p. 61) no É preciso ressaltar também que não só
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Direito, de raízes latinas, vale-se do idioma 1995.
dos romanos para fortalecer conceitual- CARDOSO, Z. de A. Iniciação ao Latim. 5. ed.
mente o seu arcabouço lexical, mas tam- São Paulo: Ática, 2003.
bém a Literatura, as instituições religiosas, CUNHA, C.; CINTRA, F. L. Nova Gramática
etc. Essa variedade de usos prova, de certa do Português Contemporâneo. 5. ed. Rio
forma, que o estágio mais antigo da Língua de Janeiro: Lexicon Editora Digital, 2012.
Portuguesa, provavelmente devido ao pres- CORREIA, M. Terminologia, neologia e nor-
tígio, às qualidades e à baixa possibilidade malização: a terminologia em Portugal e
de transformação, foi escolhido como man- países de língua portuguesa em África.
tenedor de expressões que necessitam de Terminómetro, número especial, p. 1-13,
interpretação precisa. Em tese, outros idi- 2005.
omas do tronco itálico, aparentados do La- DIAS, C. A. Terminologia: conceitos e aplica-
tim, poderiam fazer as vezes de língua anti- ções. Ciência da Informação, Brasília, v. 29,
ga de precisão conceitual, já que são consi- n. 1, p. 90-92, jan./abr. 2000.
derados extintos. Ocorre que nenhum des- FARIA, E. Gramática Superior da Língua La-
ses idiomas são portadores de prestígio cul- tina. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica,
tural e antecessores do Português. 1958.
Por fim, fica o registro de que os vocábu- FORTES, F. da S. A "língua" e os texto: gra-
los analisados poderiam formar o esboço de mática e tradição no ensino de Latim. Ins-
ínfimo inventário da Língua Latina, se fosse trumento, Juiz de Fora, v. 12, n. 1, p. 63-70,
esta considerada morta neste trabalho. Ao jan./jun. 2010
contrário, pelo que se pode perceber, o uso LARA, M. L. G. Diferenças conceituais sobre
constante nas diversas searas do saber, in- termos e definições e implicações na orga-
clusive no meio não técnico, alça o Latim ao nização da linguagem documentária. Ciên-
posto de sobrevivente, mesmo após séculos cia da Informação, Brasília, v. 33, n. 2, p.
de transformação. 91-96, mai./ago 2004.
MELO, P. A. G., O uso de expressões latinas
REFERÊNCIAS como elementos de ornamentação na lin-
guagem publicitária escrita no Português
ALMEIDA, N. M. de. Gramática Latina: cur- Contemporâneo. Interfaces, Guarapuava, v.
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Artigo recebido em 07 de março de 2016.


Avaliado em 23 de junho de 2016.
Aceito em 24 de junho de 2016.
Publicado em 03 de novembro de 2016.

Como citar este artigo (ABNT):


OLIVEIRA, Thiago Soares de. A Língua Latina
e a precisão conceitual. Estação Científica
(UNIFAP), Macapá, v. 6, n. 2, p. 09-16, mai-
o/ago. 2016.

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