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Introdução
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Graduando do curso de Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa, coordenado pelo
Núcleo de Ensino a Distância (NEAD), Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO.
jefersonueliton@hotmail.com
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Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (2019).
Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2011). Graduação em
Letras Português e literaturas de Língua Portuguesa (UNICENTRO). Atualmente, é professora
substituta do Curso de Letras Português e Literatura Portuguesa da Universidade Estadual do Centro-
Oeste (Unicentro). Tem experiência na área de linguística, com ênfase em linguística aplicada,
atuando nos seguintes temas: formação de professores, novos e multiletramentos, TIC e Educação a
distância. E-mail: rgrando@unicentro.br
Este tema tem se tornado muito recorrente nas análises e estudos de
diversos linguistas, que tentam desatrelar e, ao mesmo tempo, mostrar as diferenças
existentes entre o uso e a aplicação desses termos.
É preciso pontuar que a língua não pode nunca ser caracterizada como algo
homogêneo, pois não é. A heterogeneidade da língua explica as diversas variedades
linguísticas existentes, a língua é parte integrante do sujeito, é por meio dela que ele
estabelece seu lugar dentro do grupo, sem língua não existe indivíduo capaz de
manter suas relações, é por meio dela que seu lugar no mundo é definido.
Além de buscar a definição de cada um dos termos já apresentados,
propomo-nos também a analisar sua aplicação em resumos de artigos da área de
linguística disponíveis na biblioteca da Scielo, observando se os termos também
influenciam no ensino de língua materna.
Brevemente, tratamos neste estudo sobre a questão do ensino de língua
portuguesa e a variação linguística, partindo do pressuposto de que cada indivíduo
possui relação direta com a língua que fala, e que embora no Brasil a língua
portuguesa seja nossa língua oficial, existe dentro dela inúmeras variedades que
precisam ser pensadas e levadas em consideração pelo professor na hora de se
ensinar a “norma-padrão”.
Num primeiro momento apresentamos a definição e os conceitos dados aos
termos “Norma Culta” e “Norma-Padrão”, pautando-se em estudiosos e
pesquisadores tais como: Carlos Alberto Faraco, Marcos Bagno, entre outros, além
da apresentação desses conceitos, destinamos uma seção para tratar do ensino de
língua portuguesa e a variação linguística. Em seguida partimos para a
apresentação dos dados coletados durante a busca pelos termos “Norma Culta,
“Norma-Padrão” e “Variação Linguística”.
Os dados coletados foram tabelados de acordo com a presença dos termos
tanto em separado quanto juntos, essa separação foi feita no intuito de facilitar a
percepção da análise. Na tabela encontram-se o código do artigo, o ano de
publicação, o título e o link do mesmo.
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Norma culta x norma-padrão
Essa língua é parte constitutiva desse sujeito, sendo ela uma fração daquilo
que o indivíduo é, ou seja, intrínseca a sua identidade. A língua é, em seu uso, a
manifestação política e cultural de um povo. Ela, no entanto, apresenta diversas
particularidades, uma delas é a que nos dispomos a estudar, a utilização dos termos
“Norma Culta” e “Norma-Padrão”.
O termo norma
Muito se tem discutido nas últimas décadas sobre esses dois conceitos, que
são ao mesmo tempo tão próximos e ainda assim tão distantes um do outro. Esses
termos vêm sendo objeto de estudo de diversos linguistas que se propõem a
desatrelar um enquanto sinônimo ao outro.
De início, faz-se necessário conceituar o termo “norma”, de acordo com
Bagno, é possível encontrar nesse mesmo termo “dois conceitos diferentes, o
sentido de normal e o de normativo: o primeiro diz respeito a língua em seu uso
corrente, ou seja, a utilização que o sujeito faz da língua no seu dia a dia, já o
segundo termo diz respeito a um preceito preestabelecido. (BAGNO, 2003)
Neste sentido, apresentamos uma tabela, adaptada de Bagno (2003),
relacionada à obra “Norma Oculta: Língua e poder na sociedade brasileira”. Importa
destacar que nesse livro, o autor expõe claramente o termo norma, tanto no sentido
de normal quanto o relativo a normativo (BAGNO, 2003, p. 41).
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Figura (1): Conceito de norma segundo Marcos Bagno (2003, p. 41)
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Nos estudos linguísticos, a designação norma é usada para definir um
conjunto de fenômenos linguísticos que são correntes, habituais, normais, em uma
determinada comunidade de fala, entretanto, no funcionamento monitorado da
língua, “a palavra norma é usada com o sentido de preceito, isto é, designa aquilo
que tem caráter normativo, que serve, no interior de um projeto político
uniformizador, para regular explicitamente os comportamentos dos falantes em
determinadas situações”. (FARACO, 2008, p. 74)
Como a amplificação da ideia de que diferenças linguísticas derivam de
diferenças sociais, há de se esperar que ocorra alguma forma de padronização.
Certas normas de comportamento social podem ser fixadas como mais apropriadas
em uma determinada comunidade cultural e o mesmo pode aplicar-se a normas de
comportamento linguístico. O que é necessário entender disso tudo, é que não
existe apenas uma norma e sim várias normas, deste modo cada comunidade de
fala possui sua própria norma linguística, como mostra Labov (1972):
Norma culta
Segundo Bagno (2003, p. 42) “a palavra norma quase que sempre é seguida
por outra palavrinha, algum termo que tenta qualificá-la ou defini-la, sendo culta o
adjetivo mais comum”, ainda segundo ele, “a expressão norma culta é a que circula
livremente na sociedade, por meio dos jornais, internet, etc.”. Neste sentido seria
então fácil dizer que a norma culta é a maneira certa de se falar e escrever, não é?
Pois, bem. Até seria, se não houvesse no entorno desta expressão a mesma
ambiguidade existente ao termo norma.
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Entendendo as palavras de Faraco (2008), Lucchesi (2012), a expressão
norma culta é usada para firmar o conjunto de variedades que constituem a
linguagem usada por sujeitos com amplo acesso a bens economicamente
favorecidos e com alto grau de escolaridade, isto é, com ensino superior completo.
Por tratar-se das variedades que, de fato, marcam a linguagem real dos referidos
sujeitos, a norma culta não deve ser confundida com a chamada norma-padrão.
Afinal, ao contrário da primeira, esta segunda expressão é usada para designar
aquilo que se denomina de norma normativa.
De acordo com Bagno (2003, p. 42), “estaria este termo ‘norma culta’, ligado
ao normal, ao corriqueiro, frequente e habitual, ou este termo refere-se ao aquilo que
deveria ser, o normativo, tido como regra”. O que seria então essa norma culta? E a
norma-padrão? Como definir cada um desses termos? As perguntas apresentadas
acima são até simples de se explicar e, para isso, apropriamo-nos das definições
apresentadas por Marcos Bagno, (2003) e Carlos Alberto Faraco (2008).
Para Bagno (2003), o termo norma-padrão tem sido utilizado por diversos
linguistas para designar um modelo de língua tida como “certa”, ainda de acordo
com o autor esta definição de língua não representaria nenhuma atividade linguística
regular, cabendo em sua definição a de “lei”, “uma regra imposta de cima para
baixo” (BAGNO, 2003, p. 63)
Dizer que há uma padronização da língua é, na visão do autor, “impor um
modelo arbitrário e artificial, forjados sob a ótica de uma única classe social, isolada
a um período e um determinado local” (BAGNO, 2003, p. 65).
Na visão de Faraco:
Entretanto, o autor acrescenta que não existe povo sem cultura, logo, existe a
necessidade de se trabalhar afinando este conceito apresentado acima para o
sentido de culta, ele aponta que é preciso estabelecer um limite e que o termo culta,
reflete sobre aquilo que é cultural, mais da cultura escrita propriamente dita. Deste
modo, “a expressão norma culta deve ser entendida como designando a norma
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linguística praticada em determinadas situações, por aqueles grupos sociais que
estão mais relacionados com a cultura escrita”. (FARACO, 2008, p. 54)
Referindo-se à norma culta, sabemos que essa expressão é usada em grande
escala em diversas perspectivas das ciências da linguagem para referir-se ao
conjunto de variedades ou traços linguísticos que, de fato, tendem a ser usados por
sujeitos situados em esferas sociais mais abastadas economicamente e que, assim,
possuem maior e até mesmo amplo acesso a bens culturais favorecidos
economicamente e residentes em grandes centros urbanos. (FARACO, 2008)
A norma culta não pode ser considerada como modelo a ser seguido por
todos, pois ela indica e denomina a cultura letrada, mas como já visto e mencionado,
não existe grupo social sem organização linguística.
Norma-padrão
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e até o latim mais tarde, estava passando com o decorrer do tempo e dos lugares
em que era falada.
Em nosso país não foi diferente. Estabelecer a norma-padrão também tinha a
intenção de “neutralizar a variação e controlar a mudança” (FARACO, 2002, p. 40),
assim com a necessidade por parte de alguns integrantes letrados da burguesia,
surgiu no séc. XIX a norma-padrão brasileira, visto a intenção de torná-la singular e
homogênea, sem mudanças e variações, traçando um caminho totalmente ao
contrário do esperado.
Ao invés de experimentar a língua assim como era empregada pelos falantes
como padrão, determinou-se que a norma partiria da língua que era usada em textos
de escritores portugueses, sendo esse o idioma considerado apropriado e
verdadeiro para o uso dos brasileiros. Durante esse processo, além da tentativa de
atravancar a mudança da língua, surge mais um erro, considerando a norma
brasileira como a escrita de Portugal. Assim, a burguesia letrada brasileira poderia
se sentir mais perto da realidade europeia em uma tentativa de se nivelar a Portugal.
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De acordo com Antunes (2003), é preciso relevar “a perspectiva reducionista
do estudo da palavra e da frase descontextualizadas”, é preciso contextualizar
relacionando as palavras e seus usos com o cotidiano dos alunos (ANTUNES, 2003,
p.19).
Grande parte da origem do pensamento reducionista da língua às normas
gramaticais, encontra-se naquele velho jeito de se ensinar o português, valendo-se
sempre da gramática normativa e descontextualizada, que não ajuda os estudantes
a compreenderem o fato de que a língua portuguesa, em sua estrutura formal,
apresenta variedades linguísticas que devem ser aprendidas e colocadas em
práticas, mas isso tudo deve partir da contextualização, é preciso ensinar a partir do
cotidiano dos estudantes, daquilo que ele traz para a sala de aula. Acreditamos que
não se pode mais “empurrar” a gramática de forma impositiva, pois com isso, o efeito
é de que os alunos não gostam de estudar português.
É preciso que a escola seja o local onde o educando se prepare e se torne
capaz de ampliar suas percepções sobre a língua, nesse sentido Possenti (1996)
nos apresenta que “o objetivo da escola é, criar meios para que o português padrão
seja aprendido”. (POSSENTI, 1996, p. 17)
Entretanto é preciso que haja um preparo muito grande para se tratar de tal
assunto, haja vista que, o ensino do português padrão pode acabar por fechar, ao
invés de abrir portas. Para que seu real ensino aconteça, o professor precisa partir
da realidade em que seus alunos estão inseridos, para ai sim demonstrar que existe
uma variedade dita de “prestígio” e que em muitos locais essa variedade se
sobressai sobre as outras, sendo importante e necessário que ele a domine.
Para que haja uma mudança de postura, acreditamos que é preciso que o
professor de língua portuguesa mostre ao aluno que não existe alguma classificação
entre boa ou ruim, pois todos os sistemas linguísticos são constituídos com eficácia.
Isso é o que está preconizado nas diretrizes curriculares estaduais do ensino de
língua portuguesa do Estado do Paraná:
Percurso metodológico
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Como resultado da busca no repositório Scielo, foram coletados ao final do
processo um total de onze artigos/resumos que, em sua redação, apresentavam os
termos a que nos dispomos a analisar, tal resultado evidencia que o assunto
abordado tem provocado pouca discussão no campo dos estudos linguísticos (diante
do recorte que fizemos), principalmente no que diz respeito à produção de
conhecimento acerca do tema. Vale destacar que dos onze arquivos encontrados,
seis não apresentavam em seus resumos os termos estudados, entretanto, ao se ler
o trabalho percebemos que os termos se encontravam distribuídos no corpo do
artigo, e para fins de aprofundamento, também foram captados por esta pesquisa.
Podemos observar na tabela abaixo uma sistematização dos resumos
encontrados, os quais trazem em sua redação os termos objetos desta pesquisa.
Catalogamos os artigos com um código a fim de auxiliar a nossa busca e
apresentação dos dados. Utilizamos as siglas NC para designar o termo Norma
Culta, NP para Norma-Padrão, sendo, portanto, NC e NP, respectivamente, Norma
Culta e Norma-Padrão.
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8#NP 2019 Variação linguística e alemão como https://www.scielo.br/scielo.php?script
língua estrangeira: contribuições a partir =sci_arttext&pid=S1982-
da análise de dois livros didáticos 88372019000200331&lang=pt
9#NC e 2019 Norma-padrão, norma culta e hibridismo https://www.scielo.br/scielo.php?script
NP linguístico em traduções de artigos do =sci_arttext&pid=S2175-
New York Times 79682019000300111&lang=pt
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Excerto 2- Nº 2 [...] tais resultados levam à covariação entre pronome e
concordância: seria uma oposição norma culta vs. norma popular, como
advogam, ou uma oposição perto/longe dos grandes centros? (1#NC, 2016,
grifo meu)
Nossa busca mostra que, apesar de os estudos acerca dos termos Norma
Culta e Norma-Padrão não terem sido objeto de produção e pesquisa nos últimos
tempos, essa reallidade está em processo de mudança..
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Analisando os termos utilizados nos artigos coletados, percebemos que o
sentido em que eles são empregados coincidem com as definições já apresentadas
na revisão teórica, evidenciando que ao longo dos anos os termos “Norma Culta” e
Norma-Padrão”, vem sendo utilizados para impor uma série de normas a serem
seguidas, normas essas que pertencem às variedades tidas como de prestigio em
uma sociedade.
Prosseguindo com a análise, os termos “Norma-Padrão” e “Norma Culta”
estão presentes em quatro artigos cada um (2#NP; 5#NP; 6#NP; 8#NP e 1#NC;
4#NC; 7#NC e 11#NC). Já os dois termos juntos, apareceram em apenas três
artigos (3#NCeNP; 9#NCeNP e 10#NCeNP).
Os trabalhos que apresentaram os termos Norma Culta e Norma-Padrão
separados mostram que eles foram utilizados como sinônimos, para definir a
variedade de prestígio, utilizada pela classe de pessoas com maior nível de
formação acadêmica, ou seja, pelos ditos “letrados”.
Já os trabalhos que apresentaram os dois termos no mesmo artigo, buscaram
definir um e outro, quase unanime foi a definição de Norma Culta como sendo a
língua utilizada de modo natural e normal, e o termo norma-padrão para definir o
amontoado/conjunto de normas e preceitos linguísticos, utilizados como padrão em
detrimento das variedades linguísticas das classes menos abastadas. Vejamos os
trechos que evidenciam essa nossa análise:
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representada pela norma-padrão, comumente divulgada em compêndios
gramaticais e manuais de estilo. (9#NP e NC, 2019, grifos meus)
Conclusão
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literários. Entretanto a utilização deste termo, nessa circunstância, não seria
adequada, pois dizer que uma pessoa não sabe utilizar a norma culta, é dizer que
ela não possui cultura, sendo isto inconcebível, uma vez que não existe povo sem
cultura e muito menos, sujeito sem língua.
A Norma-Padrão então seria uma forma de padronização da língua, essa é
definida por um conjunto de normas linguísticas que são responsáveis pelo ato de
“escrever bem”, com concordância e coerência. É inegável que essa escrita mais
robusta, utilizando corretamente as normas gramaticais é necessária, pois em
diversos momentos de nossa vida utilizamos essa linguagem, seja em uma redação
do vestibular ou Enem, seja em um trabalho de conclusão de curso. Pensamos que
essa padronização da língua não pode ser utilizada como parâmetro de avaliação
das variedades de menor prestígio bem como não pode ser tomada como preceito
para que se cometa o preconceito linguístico.
Assim sendo, outra questão importante é a do ensino de língua materna, que
também figura parte da discussão proposta nesta pesquisa. Aqui refletimos sobre a
influência que os termos têm no ensino de língua materna, e como o ensino tem
papel fundamental na mudança de vida dos alunos, sobretudo das escolas públicas,
sobre como os professores podem atuar para desmistificar o pensamento de que
existe um padrão de língua que todos devem seguir. A língua, conforme
apresentado ao longo da pesquisa, é algo heterogêneo e o que existe são formas
diferentes de falar, não esquecendo que a variedade de prestígio deve sim ser
ensinada na escola, visto que o aluno dependerá dela em diversos momentos de
sua vida.
Deste modo, concluímos que a pesquisa na área de linguística é
extremamente necessária e nosso tema apresenta grande relevância, porque ao
propormos a análise do uso dos termos em artigos fixados na Scielo, o estudo
apontou que eles ainda têm sido usados como sinônimos um do outro, em grande
maioria, valendo-se do sentido de norma enquanto regras gramaticais que regem a
língua portuguesa.
Vale destacar que os registros encontrados não foram muitos, isso evidencia
que o tema não tem recebido muita atenção ou não tem sido investigado, e carece
de ser explorado e ampliado para a compreensão dos falantes e dos estudantes de
língua portuguesa.
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Referências
BAGNO, Marcos. A norma oculta, língua & poder na sociedade brasileira. São
Paulo: Parábola Editorial. 2003.
FARACO, Carlos Alberto. Norma Culta Brasileira: desatando alguns nós. São
Paulo: Parábola Editorial, 2008.
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