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Resenha do texto:

KRIEGER, Maria da Graça. Tipologias de dicionários: registros de léxico, princípios e


tecnologias. In: Calidoscópio. Vol. 4, n. 3, p. 141-147, set/dez, 2006.

Resenhado por Arielly Ferreira Berlandi1

O texto de Maria da Graça Krieger, professora titular da Universidade do Vale do


Rio dos Sinos (UNISINOS), “Tipologias de dicionários: registros de léxico, princípios e
tecnologias” faz uma análise geral sobre a lexicografia e o complexo processo de elaboração e
criação de uma obra lexicográfica. Para iniciar o estudo, o texto traz o conceito de
lexicografia, relembrando ser “uma área de saber, cuja identidade está relacionada à produção
de dicionários” (p. 141). Segundo o texto, o principal objetivo do dicionário é relacionar
palavras e sentidos para atender às necessidades linguísticas e informativas de uma
coletividade.

O texto faz um aparato histórico para explicar a necessidade dessas obras. Na


Grécia Antiga, surgiram os glossários que traziam significados de palavras e expressões com
difícil significado. Na Idade Média, por outro lado, o latim passou a ser chamado de vulgar
por se diferenciar do latim clássico, além do uso nas comunidades ocidentais e no Império
Romano. Nesta nova fase do latim, palavras foram modificadas, fazendo-se necessário criar
notas explicativas com os significados dessas palavras. Como exemplo, podemos citar a
palavra “cavalo”, que era conhecida como “equus” no período clássico, passando a ser
chamada de “caballus”. Portanto, a história demonstra que a prática lexicográfica é uma rotina
necessária (consciente ou não) entre as civilizações. Para a autora, fazer um estudo, mesmo
inicial sobre o tema, serve de motivação para novas pesquisas futuras por dois motivos
principais: primeiramente, o dicionário é de extrema importância para as sociedades de
cultura, por conter o léxico de um idioma. Por outro lado, demonstra que o estudo dessa área e
das obras deste tipo ainda caminha a passos pequenos, mostrando a importância de maior
aprofundamento do tema.

1
Graduada em Pedagogia(2009) e em Letras (2016) pela Unifadra, Dracena-SP. Mestranda em Estudos
Linguísticos pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. ariellyberlandi@hotmail.com.
O dicionário tem o propósito de atender às demandas linguísticas de uma
sociedade, principalmente como objeto pedagógico. A importância e responsabilidade de uma
obra deste porte são imensas. Além de conter o registro léxico de uma língua, esses
exemplares são também fonte de consulta para palavras, expressões e termos desconhecidos
ou pouco utilizados e difundidos. As obras lexicográficas trazem informações funcionais e
históricas de componentes linguísticos; é nesse instrumento que há uma normatização e
formalização para legitimar o léxico. Por isso “dicionário goza de uma autoridade que não é
menor nas sociedades de cultura que, inclusive, o entendem como instrumento da ‘verdade
linguística’, logo, inquestionável” (p. 142). Krieger afirma que há uma incompreensão da
sociedade sobre o dicionário, quando colocado como resultado de um saber-fazer pragmático
de apenas compilação de palavras, ou seja, que a obra lexicográfica traz conceitos
consagrados pelo coletivo. Daí a importância do cuidado na elaboração desses. Por ser uma
obra de alta complexidade, são necessárias uma competência específica e a presença de
especialistas e conhecedores do idioma, além de metodologia e organização próprias. Sobre a
confecção de um dicionário, Biderman, 1984, em sua obra “O dicionário padrão da língua”
corrobora com os pontos elencados por Krieger no cuidado da compilação dessas obras:

Os lexicógrafos devem conhecer muito bem a sua língua materna e ter uma ampla
leitura de seu patrimônio literário e cultual de todas as épocas no caso de idioma de
longa tradição cultural como é o caso do português. Devem conhecer igualmente
variantes faladas da língua. E devem saber que vão executar uma tarefa científica e
cultural que se assemelha muito ao labor dos monges na Idade Média, os quais se
aplicavam dedicada e apaixonadamente à cópia de manuscritos e/ou traduções de
textos clássicos e científicos de outras línguas, ritualmente, dia após dia, durante
toda sua vida. O dicionarista precisa ser como esse monge. (BIDERMAN, 1984, p.
29)
Biderman discorre especificamente sobre os dicionários chamados padrão na língua
portuguesa, entretanto conseguimos destacar pontos que são pertinentes aos lexicógrafos de
qualquer tipologia de dicionário como quando comparados aos monges, posição de grande
nobreza na Idade Média. Podemos compreender a grandeza e o grau de complexidade que
demanda a confecção de um dicionário.

No item “Lexicografia: da prática à disciplina linguística”, a autora afirma que a


lexicografia está sendo alinhada no domínio da linguística aplicada. Assim, o ato de incluir
verbetes em um dicionário é resultado de um paradigma teórico baseado na linguística, sendo
necessário também atingir um patamar de cientificidade. Ou seja, produzir uma obra
lexicográfica requer um conhecimento teórico para registrar as unidades léxicas para registro,
trazer os conceitos corretos e informar adequadamente o usuário. Krieger menciona as
diversas áreas da linguagem as quais a lexicografia faz uso como a lexicologia, a semântica e
beneficia-se também de estudos sociolinguísticos e discursivos dentre outras áreas do
conhecimento linguístico.

Em “Da tipologia de dicionários” a autora discorre que mesmo com uma proposta
de confecção objetiva e aprofundamento teórico, visando uma padronização, nota-se que as
obras não são todas iguais e tampouco neutras – há diferenças tipológicas, pois cada um traz
objetivos específicos e outras especificidades, além de públicos-alvo diferenciados. A autora
mostra que não há uma uniformidade na produção de dicionários, já que apresenta variedade
tipológica extensa (dicionário monolíngue, dicionário bilíngue, dicionário geral,
minidicionário, dicionário escolar, entre outros). Outro ponto é que os dicionários também
podem tratar de temáticas especificas, embora com funções distintas. Sobre a tipologia, ainda
é possível perceber que dicionários gerais abrangem a língua na totalidade de expressões
utilizadas por uma sociedade utilizando como critério a frequência de uso, enquanto
dicionários especializados focam no estudo de critérios específicos. Essa é uma das razões
pela qual algumas obras não abarcam, por exemplo, palavras gramaticais como artigos,
conjunções, entre outros.

A professora afirma que “o dicionário é o tesouro da língua” (p.144), assim, uma


obra lexicográfica guarda toda informação coletada, cumpre o papel de memória, devido ao
dinamismo e mudanças do léxico de uma língua, e mantém esse “tesouro” preservado. Os
dicionários clássicos, por sua vez, fazem registro de citações literárias e palavras de “melhor
uso” da língua, trazendo essa normatização e regras do “bem-dizer”. A autora salienta que os
dicionários conhecidos como dicionários de língua, na obra lexicográfica nomeados de
monolíngues, são de caráter qualitativo e não somente quantitativo. Esse modelo de
dicionário é considerado o modelo de excelência, uma vez que, contempla em seu repertório o
conjunto das palavras e expressões e, ainda, contém, diversas informações sobre a gramática,
sentido e usos das palavras. Segundo Krieger “O conjunto de informações que este tipo de
dicionário oferece o tornam um lugar privilegiado de lições sobre a língua” (Krieger, 2003,
p.70-87).

O texto também destaca que, para formar um conjunto léxico de um idioma, são
necessárias, principalmente, três condições: tempo, espaço e registro. Esses itens mostram a
diversidade do léxico, que cumpre a função de nomear os seres, objetos, ações e processos no
mundo fenomenológico, e também aquele percebido pelos homens. O léxico é um objeto de
estudo multifacetado em incessante mudança. A professora classifica o léxico como
inorgânico, descontínuo e idiossincrático, mas aponta que ele é muito sistêmico como atesta a
morfologia derivacional.

No item, “Lexicografia e tecnologias informáticas” a autora faz referência ao uso


das tecnologias informáticas na lexicografia e a importância que essa ferramenta tem na
estruturação dos dicionários. O que anteriormente era focado no registro das fases antigas da
história da língua, nesse novo modelo há uma preocupação em ter como objeto o uso
contemporâneo da língua, sem preconceitos. Com isso, nesse tipo de dicionário o mais
importante não é registrar o “melhor” da língua, mas a língua “real”, aquela que tem
diversidade e do dia a dia – é um novo parâmetro de referência linguística. Krieger faz uma
citação a Welker para elucidar o que são os dicionários eletrônicos: “o termo dicionários
eletrônicos refere-se a dicionários: 1) usados no processamento computacional da linguagem
natural; 2) em CD-ROM; 3) online (acessíveis na internet); 4) portáteis” (2004, p.225). Sobre
o uso do computador na lexicografia contemporânea, Biderman, 1984 aponta que “o advento
do computador constituiu uma verdadeira revolução dentro da ciência da informática e da
lexicografia em particular” (BIDERMAN, 1984, p.17). Ela ainda faz outras considerações
sobre a diferença no surgimento dos computadores em relação à lexicografia:

Hoje os dicionaristas não precisam mais dar o seu sangue para elaborarem um
tesouro lexicográfico porque uma grande parte do trabalho manual, monótono e
estafante, pode ser feito pelo computador. Além disso, os contemporâneos contam
com a vantagem de produzirem uma obra mais completa e de melhor qualidade, pois
economizam sua energia com a parte repetitiva do trabalho, proporcionalmente
muito volumosa no conjunto de tarefas; dessa forma poderão utilizar essa energia
para a seleção do material compilado pela máquina e para a redação do texto final,
que constitui a etapa mais importante de qualquer obra lexicográfica. (BIDERMAN,
1984, p.17)

Como salientado pelas duas autoras, a lexicografia é outra depois da chegada dos
computadores e com eles os novos recursos tecnológicos, o lexicógrafo, hoje, goza dos
melhoramentos que a tecnologia oferece e com ela mudança da preocupação com a língua. A
língua “real” é bastante presente nos dicionários eletrônicos, e até, altamente buscada pelos
usuários.
O último tópico texto “Etimologia e morfologia: a origem e a formação do léxico
nos dicionários” a professora reitera que as metodologias, as estruturas e as finalidades dos
dicionários são diversas e deixa claro que no caso dos dicionários linguísticos o objeto é
sempre o mesmo: o componente léxico. As variações encontram-se nas aproximações, nos
ângulos que cada obra evidencia, entre outros. Dadas essas considerações a autora chama a
atenção para a organização dos verbetes dos dicionários de língua padrão, muitas informações
de cunho gramático e linguístico estão presentes nessas palavras e algumas ainda apresentam
dados etimológicos. Krieger aponta que o étimo das palavras expressa sua origem e a
compreensão de sua base lexical antiga, ela destaca dois sentidos para a definição de étimo:
“(1) informação sobre as bases lexicais que deram origem à palavra que passou a integrar o
vocabulário de um idioma; (2) a verdade sobre esta palavra” (p. 146). A autora destaca, em
relação ao segundo sentido a busca incessante do homem sobre o componente “verdade” no
sentido das palavras. Para elucidar, a professora traz três quadros para discutir a organização,
a etimologia, entre outros em diferentes tipos de dicionários. Ela finaliza seu texto salientando
que as configurações organizacionais dos dicionários são motivadas por fatores como a
finalidade da obra e o usuário visado.

É possível perceber que as obras lexicográficas têm metodologias e finalidades


distintas, mas o que é comum, independentemente do método, é o componente léxico. É
importante observar a organização dos verbetes dos dicionários de língua, uma padronização.
Assim, existe uma preocupação em evidenciar a forma de constituição de cada item do léxico
com os mecanismos da produtividade lexical.

REFERÊNCIAS

BIDERMAN, M.T.C. A ciência da lexicografia. Alfa: Revista Linguística, São Paulo, v.28,
p.1-26, 1984
___________. O dicionário padrão da língua. Alfa: Revista Linguística, São Paulo, v.28, p.27-
43, 1984.
KRIEGER, Maria da Graça. Tipologias de dicionários: registros de léxico, princípios e
tecnologias. In: Calidoscópio. Vol. 4, n. 3, p. 141-147, set/dez, 2006.

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