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Heloísa Liberalli Bellotto


Arquivista, professora doutora da USP e da Maestría en Gestión de Documentos
y Administración de Archivos na Universidad Internacional de Andalucía.
Consultora de arquivos do Projeto Resgate, do Ministério da Cultura do Brasil,
junto ao Arquivo Histórico Ultramarino, de Portugal. Coordenadora, com
Ana Maria Camargo, do Dicionário de Terminologia Arquivística, 1996.

A Terminologia das
Áreas do Saber e do Fazer
O caso da arquivística

A terminologia como meio de expressão e The terminology as a medium of technical


comunicação técnicas. Diferenças entre expression and communication. Differences
palavras, vocábulos, termos e termos between words, vocables, terms and
especializados. A função de um dicionário specialized terms. The function of a
de terminologia. Etapas de um trabalho dictionary of terminology. Stages of a terminological
terminológico e de coleta e definição de termos. work. The phases of gathering and definition of
As qualidades da definição. Vantagens e terms. The qualities of the definition. Advantages
justificativas para um controle terminológico na and justifications for terminological control in the
área dos arquivos. A terminologia arquivística no archival area. The archival terminology in Brazil and
Brasil e a necessidade do diálogo entre os the necessity of dialogue between the theoreticians
teóricos e os práticos. A colaboração estreita and the practisers. The importance of a close
entre instituições e profissionais que pode collaboration between institutions and
resultar no aperfeiçoamento da terminologia professionals to improve on the archival
arquivística. terminology .
Palavras-chave: terminologia arquivística; Keywords: archival terminology; dictionary of
dicionário de terminologia; arquivos . terminology; archives.

A
terminologia é o meio de ex- articulado de signos representados por
pressão e comunicação técni- palavras escritas ou faladas, quando se
cas. Isso vale dizer que a ter- trata de uma comunidade, país ou con-
minologia corresponde, no meio técnico junto de países, que a utilizam tradici-
e científico, à língua, que é o conjunto onalmente como veículo de expressão

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ou comunicação dos seus membros, ou dades-signo capazes de nomear, desig-


das pessoas que, não fazendo parte nar, analisar e transmitir as realidades
deles, a usam para contatarem seus transformadas em conhecimento e, atra-
membros; a terminologia equivale, ain- vés disso, rotuladas unidades de signifi-
da, à linguagem, quando se trata de vo- cados, que são os termos”, querem os
cábulos próprios do entendimento mú- filólogos considerar que as palavras são
tuo de determinado grupo social ou pro- as unidades-signo, de que os termos são
fissional. Assim, temos as línguas por- elas mesmas, quando “rotuladas” com a
tuguesa, alemã, chinesa etc., a lingua- sua identidade particular? A própria ter-
gem dos pescadores, dos caminhonei- minologia teórica encontra dificuldades
ros ou dos socialites, assim como te- de aplicação quando se trata de distin-
mos a terminologia naval, arquivística, guir unidades lexicais de termos, assim
psicanalítica etc. como nomes de termos.1

E
Quando os teóricos localizam a termino- quais são as sutis nuances que
logia como própria, mais que tudo, das diferenciam as palavras dos vo-
áreas técnicas, na verdade não é por cábulos, dos termos e dos ter-
serem técnicas, mas sim por sua mos especializados? Até a terminologia
especificidade, que não pode, sob pena teórica encontra dificuldades de aplica-
de graves danos, conviver com equívo- ção quando se trata de distingui-los. Os
cos, polissemias e dubiedades. Quando dicionários consagrados das diferentes lín-
uma área do saber consegue compor a guas podem ser úteis aos que pretendem
teoria, estabelecer a metodologia e construir os dicionários terminológicos,
operacionalizar as práticas usando – na mesmo que seja para traduzi-los, porque
transmissão dos conceitos e na denomi- esclarecem a distinção, às vezes quase
nação dos objetos e das ações, enfim, imperceptível, entre aquelas expressões.
na sua expressão e comunicação – tão
E é tão flagrante essa realidade que mui-
somente os recursos da língua, do
tos dos especialistas lingüistas alertam
linguajar corrente, sem sombra de des-
para o fato de que é preciso distinguir “a
vios de interpretação, tanto melhor. Ela
ciência do termo e a ciência da denomi-
não possui e nem precisa possuir uma
nação”, chamando-a mesmo de “diferen-
terminologia, muito menos dicionários ou
ciação necessária”. Sendo algo complexo
glossários que a “traduzam”. Assim, não
mesmo para esses profissionais da lexi-
há terminologia para filosofia, história,
cografia e também da lexicologia, filologia
nem mesmo física ou matemática. Seus
e terminologia teórica, o que não dizer da
teóricos, profissionais, professores, pes-
perplexidade com a qual se deparam os
quisadores e seguidores lidam com as
profissionais das áreas do saber e do fa-
palavras. Tão simples quanto isso.
zer, quando aceitam o desafio de montar
Ao definirem a língua como “o conjunto um dicionário terminológico, mesmo que
de regras e um armazenamento de uni- tenham um ponto de partida seguro, como

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o mesmo dicionário, porém em língua es- mento especializado, isto, então, é o ter-
trangeira? E as “traições das traduções”? mo”.3 O termo, no caso, é o “signo espe-
Afinal, quando nos propomos a isso, va- cializado”, como coloca o mesmo autor,
mos trabalhar basicamente com defini- quando define a terminologia como “con-
ções. É aparentemente simples, já que de- junto de signos especializados que é uti-
finição é “a ação de enunciar, de caracte- lizado por uma disciplina do conhecimen-
rizar os atributos essenciais de um ser to (química, botânica, psicanálise, lin-
ou de uma coisa” e nós, sendo profissio-
2
güística) ou por uma atividade específica
nais da área, temos as palavras, os vocá- (agricultura, confecção de moda etc.)”.
bulos, os termos adequados a cada um
Pode-se mesmo dizer que a terminologia,
dos nossos instrumentos e ações... Pare-
isto é, o emprego do termo especializa-
ce fácil. Temos, entretanto, de ter, antes
do, “prevê a designação de processos,
de tudo, o conceito muito claro de cada
operações e objetos técnicos em larga
item com os quais vamos trabalhar (con-
escala para propósitos práticos”. Assim
ceito como a “representação mental ge-
se posiciona a filóloga Aparecida Negri
nérica e abstrata de um objeto”), para
Isquierdo, que ainda reitera que para
chegarmos, na definição, ao uso da pala-
certas áreas do conhecimento há mesmo
vra (“unidade lingüística dotada de signifi-
“a necessidade de uma estrutura
cado que é representada na fala por um
terminológica como guia de leitura para
som ou combinação deles e, na escrita,
a realidade experimental e observável”. 4
por um sinal ou seqüência de sinais gráfi-
Para Luís Fernando Lara, o termo espe-
cos”) ou vocábulos (“unidade do vocabu-
cializado forma-se por impulsos técnicos,
lário de uma língua...”), para explicarmos,
comerciais ou científicos quando se apre-
afinal, o termo (“palavra própria de certo
senta a necessidade de delimitar com
registro de língua, campo do conhecimen-
total precisão os objetos ou quando o
to ou atividade”). Assim, diante da clare-
exigem as teorias, metodologias e pro-
za dessa definição da Academia das Ciên-
cessos. Para ele, em um vocábulo, se
cias de Lisboa, usar a expressão “termo
pelo menos um dos seus significados é
especializado” seria redundante, pois ele
delimitado por uma relação com um co-
já é específico de um determinado cam-
nhecimento especializado, então estamos
po, entretanto os filólogos e lexicógrafos
diante de um termo especializado.5
insistem no uso do “termo especializado”.
Se o emprego da terminologia tem vanta-
Luís Fernando Lara tenta estabelecer a gens tão evidentes, tais como facilitar o
diferença, distinguindo-o de vocábulo: “o entendimento entre os profissionais; au-
termo especializado surge pela necessi- mentar a qualidade técnica dos trabalhos
dade de delimitar com total precisão o nas respectivas áreas e constituir-se ins-
objeto; o vocábulo pode ter muitos signi- trumental útil para a formação e treina-
ficados, quando um deles precisa ser mento, elas acentuam-se diante do uni-
delimitado pela relação com o conheci- verso da informática, no qual os arqui-

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vos atuais e do futuro estão e estarão em relação ao significado real e corren-


inexoravelmente mergulhados. “As pers- te, quanto ao seu uso e aplicação na área
pectivas informáticas exigem-nos norma- específica do conhecimento. Essa
lização documental que há de partir de constatação traz em seu bojo a necessi-
uma homogeneização terminológica que dade de que as equipes de elaboração,
nos ajude a comunicarmo-nos com uma tradução e/ou adaptação de trabalhos de
linguagem semelhante, em casos simila- lexicografia especializada, como é o
res”. O austríaco Eugen Wüster, consi-
6
caso dos dicionários terminológicos, se-
derado o pai da terminologia como disci- jam multidisciplinares. A presença dos
plina autônoma, relativamente à sua filólogos é tão imprescindível quanto a
matriz, a lexicologia, já nos anos de dos profissionais, professores e pesqui-
1930, defendia a sua tese sobre a pa- sadores da área em foco, assim como a
dronização da linguagem para a engenha- dos especialistas das áreas fins. Mesmo
ria eletrônica, visando superar as impre- que o filólogo não esteja permanente-
cisões e a polissemia da linguagem técni- mente na equipe, ele deve ser um cola-
ca e científica. 7 borador assíduo e participativo. O dicio-
nário terminológico é um parâmetro que
A terminologia se conhece por meio de
impede a dispersão de interpretação, ao
glossários ou dicionários de terminologia,
serem propostos conceitos unívocos e,
cujos títulos, de imediato, designam qual
nesse sentido, o dicionarista não pode
a área de que se trata. Um dicionário de
estar sozinho.
terminologia é um instrumento de contro-
le terminológico, cuja função específica
Para Sager, a teoria da ter minologia deve
reside em traduzir os termos técnicos e
se concentrar em tarefas básicas, tais
científicos para uma linguagem sistêmica,
como dar conta dos conjuntos de concei-
a fim de proporcionar uma ligação entre
tos como entidades de estruturas do co-
eles e a língua corrente.
nhecimento, além de dar conta dos con-
Ao se organizar um dicionário juntos de entidades lingüísticas inter-rela-
terminológico é preciso ter em mente “a cionadas e estabelecer ligações entre con-
terminologia como uma atividade orga- ceitos e termos através da definição. 9 Dis-
nizada no reconhecimento de áreas or- tinguimos aí “conceito”, “termo” e “defini-
ganizadas do conhecimento, dividida ou ção”, como já referimos antes. Na reali-
distribuída em entidades semânticas de- dade, são essas questões que estão em
limitadas pelas definições e registradas jogo quando se trata da construção de um
em cada língua por meios essencialmen- dicionário terminológico. A clareza dessas
te lexicais”. 8 Isso implica que estes “mei- distinções deve permear o trabalho da
os lexicais”, as palavras, daquela deter- equipe, contribuindo para a otimização do
minada língua da elaboração daquele di- resultado final. Mas não é só isso. Con-
cionário, sejam objeto de um profundo tam também os conhecimentos da teoria,
conhecimento dos “dicionaristas”, tanto metodologia e prática da área, além dos

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mesmos conhecimentos, quando enunci- do? São questões que só com o decorrer
ados em língua estrangeira. dos trabalhos, com o amadurecimento da
equipe, de muita pesquisa, estudo e de-
Nessa complexidade, faz-se necessária bates poderão ser resolvidas e poder-se-
a aproximação ao “método em termino- á chegar a bom termo.
logia” e aos seus procedimentos, como
As possibilidades de obtenção dos ter-
nos aponta a equipe de Gladis Maria de
mos concentram-se, sucessivamente, nos
Barcellos Almeida: “Etapas para o tra-
dicionários correntes da língua própria do
balho terminológico: 1. coleta ou extra-
país-origem do dicionário a ser elabora-
ção dos termos; 2. validação dos ter-
do; nos glossários, mesmo que parciais,
mos pelos especialistas; 3. elaboração
existentes para a área em foco; nos dici-
das fichas terminológicas; 4. redação da
onários terminológicos de áreas afins e
definição terminológica; 5. edição dos
nas normas nacionais e internacionais,
verbetes”. 1 0
se as há, para a mesma área ou para as

A
afins. Consistem, ainda, na tradução e
primeira etapa, a da coleta, da
adaptação de termos estrangeiros da
extração dos termos, é o dra-
área, assim como no levantamento de
mático ponto de partida: por
denominações de objetos e ações veicu-
onde começar? Por uma das possibilida-
lados aos setores da realidade vincula-
des de cada vez, ou todas ao mesmo tem-
dos com o objeto do dicionário, mesmo
po? Qual a divisão de trabalho da equi-
que não dicionarizados nos dicionários
pe? Qual o papel e o poder de decisão
correntes da língua, pelo menos no sen-
do coordenador? Qual o poder de delibe-
tido em que os profissionais da área em
ração dos colaboradores das áreas
foco o utilizam.
implicadas? Como organizar a distribui-
ção de tarefas, por setores da área ou No momento da elaboração dos verbe-
por etapas do trabalho? Qual o momen- tes, deve ter-se em mente que os termos
to de acercamento dos especialistas, se- são as formas externas dos conceitos e
jam os teóricos, cientistas e profissionais que estes são as unidades de conheci-
da área visada, sejam os filólogos e lexi- mento. Na verbatização do conceito, que,
cógrafos? No princípio, no meio do anda- afinal, vai ser a definição do termo, par-
mento dos trabalhos, no final, antes da te-se obviamente de um referente, acres-
redação definitiva? Até onde vai e quan- cido de um predicado específico e distin-
to pesa a atuação deles? Até que ponto tivo, que leva ao termo. Em outras pala-
suas opiniões e sugestões serão admiti- vras, parte-se da “conjunção que delimi-
das, quando divergentes ou mesmo ta o domínio ou campo semântico a que
contrastantes com as dos membros da cada termo pertence e desemboca-se na
equipe e, sobretudo, quando eles são disjunção com os respectivos traços
profissionais atuantes no dia-a-dia do individualizadores e distintivos”.11 Da cla-
ramo do conhecimento e do fazer visa- reza e objetividade com que se proceda

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à redação das definições e seus comple- elaboradores do dicionário terminológico.


mentos (introdução, remissivas, índices, Muitas vezes, por comparação do sim e do
bibliografia) depende o êxito do dicioná- não, a compreensão torna-se mais fácil,
rio. Não o êxito pelo êxito, mas pela sua como, por exemplo, afirmar-se que “minu-
utilidade, aplicabilidade e permanência. ta não é o original”; quanto ao terceiro, a
Afinal, o propósito de uma definição é circularidade, da qual se queixam muitos
conectar várias realidades conhecidas especialistas,12 é inadmissível, pois não se
para identificar uma nova realidade ou pode enviar o leitor de um conceito a ou-
novos sentidos. Sem um mínimo traço tro, sem defini-los, como seria o caso –
referente a uma realidade conhecida, a dando um exemplo bastante elementar e
definição torna-se incompreensível a inviável, apenas ilustrativo – de se afirmar
quem toma conhecimento dela. A busca que “documento privado é o que se acha
da redação ideal reside em que o refe- no arquivo privado” e, de outro lado, defi-
rente e o predicado sejam dosados de nir-se arquivo privado como o que contém
tal maneira que se equilibrem. O conhe- documento privado; quanto ao quarto item,
cido não pode ser de tal extensão que o da proibição da metáfora, o exemplo é
“engula” o quinhão desconhecido, tornan- flagrante: não se pode dizer, no âmbito do
do o total incompreensível. O mesmo se dicionário terminológico, que os “arquivos
passará no caso contrário, quando a “no- são a memória da humanidade”, mesmo
vidade” domina e o leitor não pode en- que fora do contexto lexográfico esta seja
contrar na sua soma de conhecimentos uma absoluta verdade.
nenhum referente que a torne passível
Assim, é, pois, bastante correta, mas
de ser entendida.
também instigante e desafiadora, a afir-
mação de que um dicionário de termino-
Além dessas, as qualidades de uma defini-
logia arquivística “deve ser preciso o bas-
ção residem ainda em que: 1. ela refira-se
tante para preservar a especificidade do
tão-somente à essência do que se busca
material e das instituições acumuladoras
definir; 2. seja enunciada sempre na for-
de documentos, mantendo a necessária
ma afirmativa; 3. não seja circular; 4. não
flexibilidade para refletir sua natureza
seja metafórica. A excelência da redação
dinâmica”. 13 Nesse sentido, os dicioná-
do verbete em língua vernácula corrente é
rios, ou pelo menos, as suas edições,
essencial. Quanto ao primeiro item, não
devem ser renovadas, refletindo os
se pode admitir, na apresentação do ver-
avanços e as obsolescências da área,
bete, erros de expressão, nem falta de
evidentes no surgimento de novos ter-
clareza, nem redação muito elaborada,
mos e no desaparecimento ou metamor-
prolixa, hermética ou demasiado sucinta;
foses de outros.
quanto ao segundo, é pouco provável que
se pense em definir algo por aquilo que As “teorias da definição”, tal como as
ele não é, mas, freqüentemente, pode ha- apresenta Luís Fernando Lara, estão di-
ver esta tentação por parte dos vididas em: teorias descritivas e teorias

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explicativas ou nominais, considerando- buindo para uma maior nitidez dos seus
se as primeiras como as que se baseiam contornos, de modo a distingui-la das ou-
nos vocábulos existentes na língua cor- tras profissões e áreas do conhecimento.
rente, e as segundas quando se dá a cri-
São as sucessivas necessidades instru-
ação “arbitrária”. 14 As aspas são nossas,
mentais da sociedade que ocasionam o
uma vez que, evidentemente, esta “arbi-
aparecimento de áreas específicas de
trariedade” não pode ser ao bel prazer
conhecimento e ação. O andamento e
dos dicionaristas e sim a partir do dia-a-
desenvolvimento dessas áreas necessa-
dia da execução das tarefas próprias do
riamente se concretizarão, pouco a pou-
“que fazer” da área em foco, coincidindo
co, com uma formação universitária pró-
com a nossa afir mação anterior, sobre
pria, uma legislação própria, uma teoria
os objetos e procedimentos não
e uma metodologia próprias, assim como
dicionarizados.

O
uma terminologia própria. Anteriormen-
s problemas da falta de um ins- te a essa concretização, a nova área vai
trumento terminológico para se constituindo, pegando emprestado das
uma área técnica são evidentes áreas matrizes de onde ela é provenien-
e, para o caso dos arquivos, eles tem sido te ou das áreas com objetos e objetivos
apontados e analisados. 15
A verdade é que semelhantes, a formação profissional, a
a existência do controle terminológico, legislação, a metodologia e, naturalmen-
como já firmamos, além de facilitar o en- te, a terminologia alheia. O exemplo é
tendimento entre os profissionais nacio- mais esclarecedor: a engenharia de trá-
nais e estrangeiros, pode aumentar, pela fego, a enfermagem, a arquivística...
precisão da pesquisa e das denominações,
Uma ciência ou disciplina necessita
a qualidade técnica dos trabalhos, afora
ter como veículo de expressão um
se constituir em instrumental útil para a
léxico comum para conseguir um en-
formação e treinamento de candidatos ou
tendimento correto. É preciso con-
iniciantes na profissão.
tar com termos claros, exatos, que
Vistas essas considerações de caráter ge- respondam a conceitos universais em
ral sobre a terminologia, sua identidade e matéria de arquivos. Entretanto,
suas formas de trabalho, relativamente a estamos muito longe de alcançar esta
qualquer área do conhecimento, do saber situação, já que a dificuldade afeta
e do fazer que dela tenha necessidade, é não somente as simples denomina-
preciso enfocar mais de perto a área do ções – que poderiam se resolver com
trabalho com os arquivos, em suas dife- uma tabela de equivalência ou um
rentes idades e âmbitos de atuação. glossário –, mas, o que é mais gra-
ve, a disparidade e, sobretudo, a
Uma terminologia própria da arquivística é
confusão de conceitos. 16
um dos elementos essenciais para a defi-
nitiva consolidação, não só da profissão do Esta confusão é expressa, tradicional-
arquivista, como da própria área, contri- mente, na própria história do trabalho em

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arquivos, quando ainda era bastante vin- des apontadas por Antonia Heredia,
culado ao trabalho técnico de outras dis- antes mencionadas.
ciplinas e práticas que o marcaram pro-
No caso do Brasil, como vem sendo
fundamente, incluindo-se aí a então “ter-
“construída”, sistematizada e consolida-
minologia emprestada”. Aliás, não só a
da a terminologia arquivística? Ela tem
terminologia, mas também a teoria, a
saído da tradução de dicionários em ou-
metodologia, a prática, quando uma vez
tras línguas e não a partir da realidade
emprestadas das áreas matrizes, muitas
concreta dos termos usados cotidiana-
vezes criam raízes daninhas, difíceis de
mente pelos profissionais da área. A
serem extirpadas.
quase totalidade dos nossos dicionári-
Se o papel dos arquivistas é precisamen- os de terminologia tem origem em simi-
t e o d e “ r e e n c o n t r a r, r e c o n s t i t u i r, lares estrangeiros, sobretudo os ema-
explicitar o implícito e tornar visível a nados do Conselho Internacional de Ar-
prova invisível”, como recentemente afir- quivos, ainda que em sua versão nacio-
mou de forma tão contundente Bruno nal tenham sofrido acréscimos e supres-
Delmas, dos Archives Nationales da Fran- sões. E isso faz a diferença. É que os
ça e professor da École de Chartes, um nossos dicionaristas, além de lutarem
dos mais notáveis pensadores da contra as possíveis distorções entre
arquivística na atualidade, este profissi- objetos/ações e sua correta denomina-
onal realmente está a merecer a consoli- ção, ainda têm de enfrentar os “fantas-
dação da sua profissão e a respeitabili- mas” da tradução.
dade que a sociedade, em geral, ainda Chegar à unificação é bastante com-
lhe deve. 17 No contexto dessa consolida- plexo, porquanto serem as práticas
ção e dessa respeitabilidade, certamen- arquivísticas bastante marcadas pe-
te, tem lugar uma terminologia que lhe las tradições culturais e administra-
seja própria, única e devida e universal- tivas de cada país e é por isso que
mente utilizada por seus pares. às vezes é difícil traduzir termos
arquivísticos de uma para outra lín-
A existência de dicionários de termino-
gua, ao ser freqüente que as mes-
logia arquivística em várias línguas, a
mas palavras não se referem sempre
maior parte sendo traduções ou adap-
a realidades parecidas ou equivalen-
tações dos dicionários emanados do
tes e também porque se tem usado
Conselho Internacional de Arquivos, é
com excessiva freqüência termos es-
fato inconteste em todo o mundo. 18 E
pecíficos de outras disciplinas. 19
presume-se que preenchem aqueles re-
quisitos antes mencionados: entendi- A rota percorrida pelas tentativas de sis-
mento entre os profissionais, qualida- tematização de uma terminologia
de técnica dos trabalhos e instrumento arquivística no Brasil já foi muito bem
de formação e treinamento, embora, descrita na introdução ao Dicionário bra-
provavelmente, enfrentem as dificulda- sileiro de terminologia arquivística . 2 0

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Dela é possível deduzir que temos acom- terminologia do que os arquivistas, tanto
panhado de forma rítmica, sem solução iniciantes como veteranos. Muitas vezes
de continuidade, os esforços internacio- tal fato ocorre até por total desconheci-
nais de modernização da área, a termi- mento, por parte do profissional de ar-
nologia, obviamente, incluída nessa mo- quivo brasileiro, da existência do instru-
dernização. Partimos do glossário de mento terminológico.
1972, conhecido como o Glossário
Dannemann, pelo nome de sua principal Depende das instituições arquivísticas
autora, a arquivista Maria Luiza Stallard públicas, das esferas municipal, esta-
Dannemann, e hoje estamos no Dicio- dual e federal, tanto quanto das organi-
nário brasileiro de 2005, de autoria de zações privadas, nas quais os arquivos
uma equipe coordenada pela arquivista têm tido papel responsável, um maior
Silvia Ninita de Moura Estevão, dentro incentivo ao estudo, discussão e uso
do Arquivo Nacional brasileiro. Nestes prático da terminologia. Todas as van-
33 anos, surgiram alguns outros dicio- tagens daí advindas, que a bibliografia
nários ou subsídios para uma termino- emanada dos estudiosos da lexicogra-
logia nacional, termos estrangeiros tra- fia tão bem nos mostram, hão de se
duzidos, termos que caem, termos que refletir na otimização da função arqui-
entram, termos que mudam de signifi- vística. Creio que a contribuição daque-
cado, novas tecnologias, novas les que labutam cotidianamente nos
metodologias, uma preocupação cres- arquivos organizados e atuantes pode
cente com a cooperação internacional e realmente proporcionar uma interação
com a consolidação da nossa presença entre teoria e prática. De um lado, os
no cenário arquivístico mundial. teóricos, de outro, o profissional do dia-
a-dia que lida automaticamente com as
O aperfeiçoamento da nossa terminolo- denominações ou significados aprendi-
gia tem de se voltar para uma colabora- dos ou atribuídos, sem preocupações
ção mais estreita, freqüente e presente com a sua exatidão ou não. Muitos des-
entre as instituições arquivísticas públi- ses nossos arquivistas gostariam de ser
cas, as privadas, os cursos universitári- ouvidos e de ouvirem. Nós, pesquisado-
os de arquivologia, os professores, pes- res e professores, temos o significado.
quisadores, as associações de classe, no Eles detêm o uso. Talvez a excelência
sentido de uma progressiva e necessária dos dicionários de terminologia deves-
justaposição entre o significado dos ter- se passar pela afirmativa contundente,
mos arquivísticos e o seu uso real (ou o embora tão lacônica, do grande filóso-
não uso, se necessário). Podemos facil- fo austríaco Wittgenstein, da primeira
mente nos dar conta que a área acadê- metade do século XX, que tanto estu-
mica (professores, pesquisadores e es- dou a lógica matemática e que tanto
tudantes) está mais próxima da termino- explorou a natureza da linguagem: “não
logia e da recorrência aos dicionários de pergunte o significado, pergunte o uso”.

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N O T A S
1. ISQUIERDO, Aparecida Negri; ALVES, Ieda Maria. As ciências do léxico : lexicologia, lexi-
cografia, terminologia. Campo Grande / São Paulo: Ed. UFMS / Humanitas, 2007, v. 3, p.
221 e 334.
2. PORTUGAL. Dicionário da língua portuguesa contemporânea . Lisboa: Academia das Ciên-
cias de Lisboa / Verbo, 2001.
3. LARA, Luís Fernando. Termino y cultura: hacia una teoría del vocabulo especializado. In:
ISQUIERDO, Aparecida Negri; ALVES, Ieda Maria, op. cit., p. 341.
4. ISQUIERDO, Aparecida Negri; ALVES, Ieda Maria, op. cit., p. 326.
5. LARA, Luís Fernando, op. cit., p. 361.
6. HEREDIA HERRERA, Antonia. Terminología archivistica. In: HERRERA, Antonia Heredia.
Archivistica : teoría y practica. Sevilla: Diputación Provincial, 1988, p. 166.
7. Apud MACIEL, Ana Maria Becker. Quais os rumos da ter minologia no século XXI? In:
ISQUIERDO, Aparecida Negri; ALVES, Ieda Maria, op. cit.
8. ISQUIERDO, Aparecida Negri; ALVES, Ieda Maria, op. cit., p. 330.
9. SAGER, J. C. Practical course in terminology processing. Amsterdam: John Benjamins, 1990.
10. ALMEIDA, Gladis Maria de Barcellos et al. O método em terminologia: revendo alguns
procedimentos. In: ISQUIERDO, Aparecida Negri; ALVES, Ieda Maria, op. cit., p. 409.
11 . TÁLAMO, Maria de Fátima G. M. A definição semântica para a elaboração de glossários. In:
GRUPO TEMMA. Análise documentária: a análise da síntese. Brasília: IBICT, 1987, p. 87-98.
12. DAHLBERG, Ingetraut. Conceptual definitions for interconcept. International classification ,
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13. DANIELS, Maygene F. Introduction to archival ter minology. In: NATIONAL ARCHIVES AND
RECORDS SERVICE. A modern archives reader : basic readings on archival theory and
practice. Washington: NARS, 1984, p. 336-342.
14. LARA, Luís Fernando, op. cit.
15. COUTURE, Carol; ROUSSEAU, Jean-Yves. Compilation terminologique. In: COUTURE, Carol;
ROUSSEAU, Jean-Yves. Les archives aux XXème. siècle. Montréal: Université de Montréal,
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16. HEREDIA HERRERA, Antonia. Terminología archivistica, op. cit., p. 165.
17. DELMAS, Bruno. La societé sans mémoire : propos dissidents sur la politique des archives
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18. ESTEVÃO, Sílvia Ninita de Moura. Introdução. In: ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Dicioná-
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16.
19. HEREDIA HERRERA, Antonia. Terminología archivistica, op. cit., p. 168.
20. ESTEVÃO, Sílvia Ninita de Moura, op. cit.

pág.56, jan/dez 2007

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