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Número 1
Fevereiro/Março de 2019
ISSN 1981-1659
Expediente
Expediente
Rev. bras. segur. pública vol. 13 n.1 São Paulo fevereiro/março 2019
Apoio
Open Society Foundations e Ford Foundation.
Dossiê
Gilson Macedo Antunes
Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Socio-
logia da Violência, atuando principalmente nos seguintes temas: sociologia do crime e metodologias informacionais. Pós-Doutor
em Sociologia do Crime e da Violência pela UFPE. Atualmente é Professor do Departamento de Sociologia da UFPE.
DOI: 10.31060/rbsp.2019.v13.n1.1034
Resumo
Este estudo se propõe a analisar – com recurso à metodologia qualitativa – algumas implicações da política pública de
segurança Pacto pela Vida (PPV) promovida pelo Governo do Estado de Pernambuco, entre os anos de 2007 e 2016, verifi-
cando como foi construída esta política com a participação social desde a formulação das estratégias até sua execução. O
que nos estimulou a refletir sobre esta temática foi a presença nos espaços de participação da sociedade civil organizada
durante a construção do PPV. Foram considerados os casos do Fórum Pernambucano de Segurança, o Plano Estadual de
Segurança Pública, Câmaras Técnicas e o Conselho Gestor. Neste trabalho, analisamos a forma de interação e negociação
dos atores da sociedade civil organizada com os atores institucionais encarregados pelo desenvolvimento desta política
de segurança e pela sustentabilidade social do plano. Os resultados desta pesquisa foram confrontados com quatro outras
pesquisas de natureza assemelhada realizadas em Recife (Ratton, 2014, 2016); no Rio de Janeiro (Paes, 2010) e, em São
Paulo (Sinhoretto, 2010). Os dados desta pesquisa foram coletados no âmbito de uma pesquisa nacional realizada em três
capitais brasileiras: Recife, Belo Horizonte e São Paulo (Antunes, Sinhoretto, Ratton, 2016).
Palavras -Chave
Participação; Pacto pela Vida; Pernambuco.
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Abstract
On limits and possibilities of civil society participation in public security policy – Pacto Pela Vida
This study proposes to analyze - with the use of the qualitative methodology - some implications of the public policy of se-
curity Pacto Pela Vida (PPV) promoted by the Government of the State of Pernambuco between 2007 and 2016, verifying
how this policy was constructed with the social participation from the formulation of the strategies to their execution. What
Dossiê
stimulated us to reflect on this theme was the presence in the spaces of participation of organized civil society during the
construction of the PPV. The cases of the Pernambuco Security Forum, the State Plan for Public Security, Technical Chambers
and the Management Council were considered. In this work, we analyze the interaction and negotiation of the actors
of organized civil society with the institutional actors in charge of the development of this security policy and the social
sustainability of the plan. The results of this research were confronted with four other similar studies that were carried out
in Recife (Ratton, 2014, 2016); in Rio de Janeiro (Paes, 2010) and in São Paulo (Sinhoretto, 2010). The data of this research
Sobre limites e possibilidades da participação da sociedade civil na política
de segurança pública – Pacto pela Vida
Gilson Macedo Antunes
were collected as part of a national survey carried out in three Brazilian capitals: Recife, Belo Horizonte and São Paulo
(Antunes, Sinhoretto, Ratton, 2016).
Keywords
Participation; Pacto pela Vida; Pernambuco.
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INTRODUÇÃO
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participação de integrantes de movimen- Estado. Posteriormente, autores como To-
tos sociais em uma audiência pública que cqueville passam a opor a ideia de socieda-
debatia o tema.2 Desta forma, constata-se de civil à noção de Estado, de forma que
que a sociedade civil está ausente do Pacto aquela figuraria como um ente regulador
pela Vida, ou melhor, que os grupos que do poder deste (RAMOS, 2005).
deram legitimidade a esta política não fa-
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zem mais parte dela. Neste sentido, per- Avritzer (2012) relaciona este conceito
gunta-se: quais são os limites e possibili- a países da Europa e aos Estados Unidos:
dades da participação social no âmbito do
Pacto pela Vida? Tal conceito surgiu no século XIX, por volta de
1820, como uma dimensão dualista capaz de ex-
Para aprofundar a discussão foi realiza- pressar duas mudanças trazidas pela modernida-
Sobre limites e possibilidades da participação da sociedade civil na política
de segurança pública – Pacto pela Vida
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da uma análise sobre o tema com recurso de ocidental: a diferenciação entre as esferas eco-
à metodologia qualitativa, abrangendo os nômica e familiar com a abolição da escravidão, e
anos de 2007 e 2016, desde a elaboração a diferenciação entre Estado e sociedade causada
do Plano Estadual de Segurança Pública
pela especialização sistêmica do Estado moderno.
(PESP-PE 2007) até o presente momento
[...] Assim, em sua primeira formulação, a socie-
do PPV. Neste intento, foram estudadas as
dade civil é um conceito dualista, que expressa o
formas de interação e negociação dos ato-
res da sociedade civil organizada com os início de um processo de diferenciação entre Es-
atores institucionais encarregados pelo de- tado e sociedade na Europa. (AVRITZER, 2012,
senvolvimento desta política de segurança. p. 73).
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período da “liberalização”, quando o go- -se devido a uma busca pelo aprofunda-
verno ainda autoritário passou a liberar o mento democrático e pode ser entendida
controle sobre algumas regras relativas à na formulação, por exemplo, de conselhos
realização de reuniões públicas. O rápido nas áreas de saúde, educação, planejamen-
processo de urbanização pelo qual passa- to e segurança pública.
va o país, com a consequente organização
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dos pobres na luta por serviços públicos, Assim, no Brasil, a sociedade civil tem
bem como o combate à tecnocracia gover- sua definição delimitada por uma espécie
namental nas áreas da saúde, educação e de não correspondência nem com o Es-
planejamento urbano e a oposição de seto- tado, nem com o mercado. Para este tra-
res liberais e de classe média à ausência de balho, portanto, são considerados como
regras nos processos políticos e civis foram sociedade civil movimentos sociais, orga-
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política seja considerada como participati- Estadual de Segurança Pública, que reu-
va, é necessário que haja quatro elementos: niu gestores, trabalhadores da segurança
1) a previsão de ocorrência de fóruns ou pública, especialistas e a sociedade civil
momentos deliberativos; 2) o incentivo à organizada. Daí, surgiu o I Plano Estadu-
realização de discussões públicas e à reso- al de Segurança Pública de Pernambuco,
lução coletiva de problemas; 3) a congre- que, entre várias medidas, previu a I Con-
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rada e estabilizada em outros âmbitos das políticas temáticos: direitos humanos e repressão
públicas, esses novos formatos institucionais vêm qualificada da violência, prevenção social
adquirindo relevância no âmbito da segurança do crime e da violência e gestão democrá-
pública, principalmente a partir dos anos 2000. tica e controle social da política pública de
A participação torna-se elemento central do novo
segurança. Teve como participantes repre-
sentantes da sociedade civil, dos governos
paradigma que se consolida desde então no cam-
municipal e estadual e de trabalhadores da
po da segurança, da “segurança cidadã”. (SOU-
área de segurança pública, obedecendo à
ZA, 2016, p. 98).
proporção de 50%, 25% e 25%, respecti-
vamente, na distribuição de vagas.
O surgimento das iniciativas participa-
tivas no Brasil possui íntima ligação com a Aspectos metodológicos empreendidos
formação da sociedade civil, sendo a déca- na pesquisa
da de 1980 um período importante para Os resultados apresentados neste arti-
ambos. Como exemplos de instrumentos go dizem respeito à dimensão qualitativa
de participação popular nas políticas pú- da pesquisa de avaliação das articulações,
blicas, têm-se os conselhos, os fóruns e as tensões e correlações entre a política públi-
conferências. Embora criados já na Cons- ca de segurança de Pernambuco, o Pacto
tituição Federal de 1988, esses instrumen- Pela Vida, e o tratamento que foi dado por
tos são ainda pouco utilizados no Brasil. esta política aos assuntos penitenciários e
Em Pernambuco, apenas com a criação de segurança pública neste estado.3 Entre
do Pacto Pela Vida (PPV), em 2007, sob os meses de abril e junho de 2016, foram
a liderança do governador à época, é que a elaborados os roteiros de entrevistas, bem
participação da sociedade civil na seguran- como o planejamento e a realização da
ça pública começou a se delinear. pesquisa de campo.
3 Segurança Pública e encarceramento no Brasil: articulações e tensões entre políticas e práticas. Pensando a segurança pública – 5ª
edição – Ministério da Justiça/SENASP/PNUD, setembro de 2016.
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rados das entrevistas tratam dos atores da de atuação ligada direta ou indiretamente
sociedade civil e as narrativas sobre ex- à segurança pública; 4 operadores do sis-
periências profissionais ligadas ao Pacto tema de justiça criminal (2 defensores, 1
Pela Vida, em seu eixo repressivo ou pre- juíza, 1 promotor), 1 agente penitenciário,
ventivo. Neste sentido, buscou-se captar 2 gestores (um secretário estadual e outro
as diversas percepções destes sujeitos que secretário executivo municipal), 2 policiais
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pudessem dar conta da interconexão entre (uma delegada da polícia civil, e um poli-
as ações da segurança pública e do sistema cial militar) e 5 atores da sociedade civil.
penitenciário, do início do Pacto Pela Vida As entrevistas aconteceram nos locais de
até 2017. Procurou-se compreender, no trabalho dos entrevistados e na universida-
âmbito do PPV, o percurso dos entrevista- de federal.
dos em suas distintas atividades profissio-
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o desenvolvimento e o aprofundamento entre o governo recém-iniciado e diversos
da análise dos dados conjuntamente a um setores da sociedade civil (movimentos
maior embasamento teórico, partindo-se sociais, organizações não governamentais,
da perspectiva da grounded theory, que afir- igrejas, associações de policiais, entre ou-
ma que as teorias devem ser empiricamen- tros), o que teve como principais resulta-
te fundamentadas a partir de fenômenos dos o Plano Estadual de Segurança Pública
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sociais a propósito dos quais as análises até e o Pacto Pela Vida (PPV). Já em seu iní-
então não tenham sido suficientemente ar- cio, o Plano estabeleceu os principais valo-
ticuladas (LAPERRIÈRE, 2008). Assim, res a orientar a construção da política de
ao contrário de pesquisas que vão a campo segurança: articulação entre segurança pú-
para verificar a aplicabilidade (ou não) das blica e direitos humanos; compatibilização
teorias, este estudo procurou, de maneira da repressão qualificada com a prevenção
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no plano preventivo, na busca pela redu- seja, ocorreu em momentos de formulação
ção dos crimes violentos letais intencionais e elaboração, em um plano mais consulti-
(CVLI) no estado. Tais focos eram regiões, vo, e não em momentos de monitoramen-
dentro das áreas integradas, que apresenta- to e avaliação, com características mais de-
vam taxas de homicídio mais elevadas. A liberativas.
identificação das prioridades do PPV nos
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seus primeiros sete anos permitiu consta- O fato de o PPV ter contado com a
tar o seu êxito, expresso pela redução dos participação social no momento de cons-
crimes contra a vida e a consequente re- trução resultou em avaliações positivas dos
dução da taxa de CVLI em Pernambuco. entrevistados, principalmente de represen-
Porém, em 2016 e 2017, a taxa cresceu no tantes de organizações da sociedade civil.
estado, evidenciando sinais de fragilidade. Em seus relatos foi muito comum a com-
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como um momento de grande importân- dobramentos institucionais da vontade
cia para a construção da política (RAT- política do governador refletiu-se no papel
TON, 2015). Contudo, ficou claro que desempenhado pela Secretaria Estadual de
a forma de integração e de diálogo entre Planejamento e Gestão (Seplag) no PPV.
governo e atores da sociedade civil cons- Este papel é apontado como fator funda-
truída no âmbito do PPV estabeleceu uma mental para garantir o sucesso e a susten-
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relação hierárquica e assimétrica entre re- tabilidade do PPV ao longo dos anos, ten-
presentantes da sociedade civil e os atores do sido o governador o centro da gestão
institucionais, de modo que organizações do governo, e a secretaria mencionada, a
sociais foram excluídas dos momentos de responsável por coordenar a execução dos
monitoramento e avaliação do PPV. projetos e das ações prioritárias do gover-
no. Desse modo, a Secretaria de Planeja-
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lativas à interrupção de mecanismos mais O atual secretário é muito técnico, sem qualquer
diretos de diálogo com a sociedade civil diálogo com a sociedade, ele escondeu o que não
organizada (RATTON, 2015). dava certo, a política de monitoramento não dá
resultado, e não houve nenhuma articulação para
Contudo, para os atores da socieda- que o sistema de justiça aconteça. O que prevale-
de civil, a falta de participação social en-
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ce é a lógica do encarceramento e da redução de
fraqueceu o PPV, pois para se estabilizar homicídios a qualquer custo, sem a participação
como política pública, precisaria aprofun- da política de prevenção. (Sociedade Civil).
dar a sua dimensão intersetorial, o que en-
volveria abranger também a sociedade civil Contudo, percebeu-se em diversas fa-
na implementação e avaliação da política, las dos entrevistados que, no desenho da
não somente em sua formulação. Este política de segurança pública, houve um
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so deveria sofrer – pensamento atrelado à ma prisional foram mínimas. Para eles, a
lógica punitivista e à ideia de que justiça sociedade civil participava, mas de manei-
apenas se faz com encarceramento. Com ra crítica e não adesista. No desenho do
isto, percebe-se que são poucas as pessoas PPV, existiu a inserção de valores na po-
da sociedade civil que reivindicam melho- lítica e do diálogo entre sociedade civil e
rias no sistema prisional. Ainda devem ser gestão, mas por falta de monitoramento
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ticipação popular por meio de conselhos o PPV contemplou este novo paradigma
e conferências foram produzidas propostas de segurança cidadã. Contudo, o seu de-
para acompanhar o desenvolvimento das senvolvimento não avançou para além da
ações governamentais relacionadas à segu- produção de documentos oficiais, como o
rança pública, entretanto, tais propostas Plano Estadual de Segurança Pública, ou
não foram realizadas pelo governo. Ou a sua inclusão em reuniões do Conselho
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seja, “as propostas foram para as gavetas” Gestor do PPV.
(Sociedade Civil).
Percebe-se que o PPV atendeu a uma
Na compreensão destes atores, os go- série de itens necessários em um projeto
vernos do PSB não tiveram, no decorrer democrático para incrementar a participa-
de suas gestões, o hábito de ouvir a po- ção da sociedade civil organizada na cons-
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taram a sua adesão e capacidade de reto- minantes, neste caso, não são puramente demo-
mar as discussões sobre estratégias e mo- cráticas nem puramente autoritárias. Podemos,
dos de lidar com os principais problemas portanto, supor a existência de duas culturas po-
no campo da segurança pública, desde líticas e apontar a disputa entre elas no interior do
que os gestores do governo estadual este- sistema político.
jam dispostos a retomar a construção do
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ele foi um programa pensado pela sociedade civil social da atividade policial, você não pode falar
dialogando com o aparato de polícia, dialogando em direitos humanos e segurança pública. Você
com os sistemas de gestão da segurança e ao mes- vai ter política, você vai ter metas, você pode até
mo tempo foi dado um golpe, o golpe, a meu ter horizontes importantes de cumprimento de
ver, um tiro mortal, por que o Pacto deixou de diretrizes, formação, tudo bem, você pode até ter
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ser um diálogo com a sociedade e se tornou eficaz vários elementos, mas a atividade policial precisa
na agenda interna dos atores da polícia, do Judi- ser controlada pela sociedade, a sociedade precisa
ciário, do Ministério Público. (Sociedade Civil). entender o que é segurança pública, precisa co-
brar resultados e a polícia precisa se render a esse
Para uma entrevistada 1, o PPV “sur- controle. E isso eu acho que, ao longo do tempo,
giu com uma participação muito grande o Pacto foi se afastando desse pressuposto e foi se
da sociedade civil institucionalizada”, com
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ser feito pelo governo, sendo necessária, pública. Já para o entrevistado 4, a falta de
muitas vezes, a realização de pedidos de canais de diálogo entre o Estado e a socie-
informação perante o Executivo. A entre- dade civil na implementação do Pacto Pela
vistada afirmou, ainda, que a deficiência Vida prejudicou os defensores de direitos
na transparência da política pública afetou humanos, na medida em que estes, não
o seu trabalho com a sociedade civil. Para possuindo fontes diretas de interpelação
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Discutir segurança com as comunidades fica mais Pela fala dos entrevistados, foi possível
difícil porque o Pacto tomou um rumo diferente perceber que, embora na formulação o
do que foi proposto. A sociedade civil não acredi- Pacto Pela Vida tenha se pautado por um
ta mais na política de segurança. A sociedade civil processo democrático com forte partici-
começa a entender que não tem mais jeito, que pação popular, durante o seu desenvolvi-
não adianta fazer outra política de segurança que
mento, as instituições de implementação
não mostraram uma efetiva internalização
não vai dar certo. [...] Não é só a ausência da par-
de uma normatividade democrática. Neste
ticipação, mas também a falta de legitimidade. A
sentido, a liderança política do governador
política de segurança se enfraquece, ocorrem mais
como marca central do Pacto e a dificulda-
crimes, a sociedade desacredita ainda mais na po- de de diálogo do Secretário à época com a
lítica de segurança. (Sociedade Civil). sociedade civil consistiram em marcas da
falta de compartilhamento da mesma cul-
Para o entrevistado 2, havia discrepân- tura política entre agentes do Estado e a
cia entre a concepção de segurança pública sociedade civil.
da sociedade civil e a concepção do gover-
no. Ele afirmou que o governo gestor do De maneira geral, as análises empre-
Pacto Pela Vida: endidas pelos entrevistados giraram em
torno da percepção de que existe, em Per-
[...] não possui o hábito de ouvir a sociedade civil, nambuco, uma política pública voltada à
há um teatro, mas não há participação política segurança chamada Pacto Pela Vida. Al-
efetiva. Os conselhos estão esvaziados e desvalo- guns setores da sociedade civil, entretanto,
rizados. A sociedade civil quer participar, mas o questionaram a existência desta política,
Estado faz de conta que não há essa demanda por asseverando que, na verdade, trata-se de
participação. (Sociedade Civil). um “programa” ou “agenda”. Tal assertiva
dá-se pela concepção de que, embora a so-
Ele afirmou ainda que não conseguia ciedade civil tenha participado da concep-
ver mudança por parte do governo na no- ção do PPV, não foi dada a ela, por parte
ção e na postura acerca da importância da do governo do estado de Pernambuco, a
participação social na política de segurança oportunidade de participar amplamente
de sua implementação e de seu monitora-
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mento. lítica na área de segurança pública formal e
consistentemente elaborada, sua aplicação
Assim, teria ocorrido uma “traição” do é recorrentemente atrelada à força política
Pacto por parte do poder estatal. Obser- da pessoa do governador no período; ten-
va-se que, no plano formal, foi pensada do sido constatado que, posteriormente,
a segurança pública de forma a contem- nenhum outro gestor deu prioridade ao
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plar as perspectivas preventiva e repressiva, PPV.
sendo tal complementariedade um fator
de destaque. Entretanto, na prática, ob- Destacou-se também a necessidade de
servou-se o privilégio da repressão, tendo maior abertura para a participação da so-
sido deixada de lado, consideravelmente, ciedade civil tanto na formulação quanto
a prevenção. Tal postura fez aumentar em na implementação, no monitoramento e
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