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Universidade de Ribeirão Preto

Unaerp
Licenciatura Plena em Música

NATANAEL DE OLIVEIRA CARDOSO

MATERIAL DIDÁTICO PARA A EDUCAÇÃO MUSICAL:


O JOGO COMO AUXILIAR AO PROCESSO EDUCATIVO

RIBEIRÃO PRETO
2016
Natanael de Oliveira Cardoso

MATERIAL DIDÁTICO PARA A EDUCAÇÃO MUSICAL:


O JOGO COMO AUXILIAR AO PROCESSO EDUCATIVO

Monografia apresentada à Universidade de


Ribeirão Preto UNAERP, como requisito para
obtenção do título de Licenciado em Música.

Orientadora: Prof.ª Me. Érika de Andrade Silva.

Ribeirão Preto
2016
Ficha catalográfica preparada pelo Centro de Processamento Técnico da
Biblioteca Central da UNAERP
- Universidade de Ribeirão Preto -

Cardoso, Natanael de Oliveira, 1994-


C268m Material didático para a Educação Musical: o jogo como auxiliar
ao processo educativo / Natanael de Oliveira Cardoso. - - Ribeirão
Preto, 2016.
49 f.: il. color.

Orientadora: Profª. Me. Érika de Andrade Silva.

Monografia (graduação) - Universidade de Ribeirão Preto,


UNAERP, Licenciatura Plena em Música. Ribeirão Preto, 2016.

1. Material didático musical. 2. Jogos musicais. 3. Educação


musical. I. Título.

CDD 780
NATANAEL DE OLIVEIRA CARDOSO

MATERIAL DIDÁTICO PARA A EDUCAÇÃO MUSICAL: O JOGO


COMO AUXTLIAR AO PROCESSO EDUCATIVO

MonograÍia apresentada à Universidade de


fubeirão Preto, UNAERP, como requisito
para obtençâo do título de Lieenciado em

Música.

Area de Concentração: Licenciatura Plena em Música


Data da Defesa: 01/1212016
Resurrado:
4O,O pfZ) A/rÊ?a/+

BANCA EXAMINADORA

Profa. Me. Erika de Andrade Silva -81l{**0"dnuL,0- f


Univer.sidade de Ribeirão Preto
Orientador

Prof. Dr. Lucas Eduardo da Silva


Universidade de Ribeirão Preto

Profa. Esp. Tereza Crisüna Mode Angelotti


Universidade de Ribeirão Preto
Dedico este trabalho aos meus pais, meus irmãos e aos
amigos que sempre apoiaram e acreditaram em meu
sonho; me ensinando que com fé em Deus, paciência
para esperar e coragem para agir, tudo é possível.

Obrigado!
AGRADECIMENTOS

À Deus, razão da minha existência e do meu viver;


Aos meus pais, Donizete e Marta, pelo apoio e eterno amor e carinho;
Aos meus irmãos, Samuel, Josué, Eliseu, e minha irmã Sara, pelo companheirismo;
Às minhas cunhadas, Késia, Pamela e Priscila, por tornarem minha vida mais especial;
Aos meus sobrinhos, John, Emanuelly e Annelise, pelo carinho e compreensão;
Aos meus familiares que incentivaram a busca pelo meu sonho profissional;
Às companheiras de trabalho, Rita e Suellen, pelos anos de amizade;
Aos amigos graduandos, pela convivência e aprendizado;
Aos docentes do curso de Licenciatura Plena em Música, pelos ensinamentos;
À professora orientadora Érika, por ser exemplo na profissão; pela paciência e orientações;
À professora examinadora Cristina, pelos anos de trabalho vocal e contribuições à pesquisa;
Ao professor examinador Lucas, pelas contribuições à pesquisa;
Ao Colégio Dom Bosco, pela confiança ao possibilitar a realização do estudo;
Ao Coro Experimental UNAERP, pelo aprendizado adquirido;
Ao colega de profissão Éverton, pela confiança e companheirismo;
Aos amigos, pela compreensão e incentivo.
[...] como experiência especificamente humana,
a educação é uma forma de intervenção no mundo.
(Paulo Freire)
RESUMO

O contexto escolar brasileiro está carente de propostas lúdicas, assim, buscou-se a criação e a
aplicação de um material didático atraente, de modo a promover o jogo como auxiliar ao processo
educativo. “Passo e Salto”, construído durante a disciplina de Atividades Lúdicas no curso de
Licenciatura Plena em Música, na Universidade de Ribeirão Preto, caracteriza-se por fazer uso do
solfejo musical, para desenvolver o ouvido interno, relativo e absoluto dos participantes. Dado os
assuntos abordados, o referencial teórico adotado divide-se em três âmbitos, são eles: pedagogia
musical, que traz os textos de Enny Parejo (2010) e Silva (2010), ambos organizados por Mateiro
e Ilari (2010), Fonterrada (2008), e Marangoni e Freire (2016); atividades lúdicas, que utilizam as
obras literárias de Afonso e Abade (2013), Bomtempo (2011) e Dias (2011), obras organizadas por
Kishimoto (2011), que também se faz presente na pesquisa, Lopes (2000), Maluf (2003) e Vygotsky
(1991); e no domínio da metodologia, os autores Laville e Dionne (1999), Freitas (2007) e Gil
(2002). A metodologia se enquadra em três partes: revisão bibliográfica, que constitui a
fundamentação teórica de toda a pesquisa e do material construído; pesquisa descritiva
exploratória, através da descrição do processo de criação do jogo (Passo e Salto), e, pesquisa
aplicada, sendo essa a realização de um estudo longitudinal – através da aplicação do jogo – durante
dois meses, com os alunos do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental, no Colégio Dom Bosco,
Sertãozinho, São Paulo. Em todos os encontros foram analisadas a receptividade dos participantes
para com o material e as dificuldades que os mesmos apresentaram, efetuando adaptações no jogo
quando necessário. Concretizando os resultados esperados, o material construído pode auxiliar
ludicamente no processo da educação musical, possibilitando a promoção de diversos
conhecimentos musicais, como o desenvolvimento do ouvido interno, favorecendo também a
autoestima, o autocontrole e demais aprendizado no âmbito social. Observou-se que houve maior
interesse dos estudantes pelo conteúdo em questão e propriamente na disciplina. O êxito obtido
demonstra a importância da criação de materiais didáticos musicais para melhorar os processos
educativos escolares, sobretudo quando o docente cria algo específico para atender as necessidades
dos estudantes.

Palavras-chave: Material didático musical. Jogos musicais. Educação musical


ABSTRACT

The brazilian school context is lacking in ludic proposals, thus creation and application of an
attractive didactic material was sought, in order to promote the game as an aid to educational
process. “Passo e Salto”, built during discipline of lúdicas activities in course of full graduation in
Music, at the University of Ribeirão Preto, is characterized for making use of the musical solfeggio,
to develop the internal, relative and absolute ear of participants. Given the topics covered,
theoretical framework adopted is divided into three scopes: musical pedagogy, which includes the
texts by Enny Parejo (2010) and Silva (2010), both organized by Mateiro and Ilari (2010),
Fonterrada (2008), and Marangoni and Freire (2016); ludic activities, which uses literary works of
Afonso e Abade (2013), Bomtempo (2011) e Dias (2011), works organized by Kishimoto (2011),
which is also present in the research, Lopes (2000), Maluf (2003) and Vygotsky (1991); and in the
field of methodology, authors Laville and Dionne (1999), Freitas (2007) and Gil (2002). The
methodology it fits into three parts: a bibliographical review, which constitutes theoretical basis of
all research and of the material constructed; research exploratory descriptive, through the
description of process, creation of the game (Passo e Salto), and applied research, being this
realization of a longitudinal study - through application of the game - during two months, with the
students of the 4th and 5th year of Elementary School, at the Dom Bosco College, Sertãozinho,
São Paulo. In all the meetings were analyzed the receptivity of participants to material and
difficulties they presented, making adaptations in the game when necessary. By concretizing the
expected results, the built material can aid ludically in the musical education process, allowing the
promotion of diverse musical knowledge, such as the development of inner ear, also favoring self-
esteem, self-control and other learning in the social, besides entertainment. It was observed that
there was greater interest of the students by content in question and properly in the discipline. The
success obtained demonstrates the importance of creating musical didactic materials to improve
school education processes, especially when the teacher creates something specific to meet the
needs of the students.

Keywords: Musical didactic material. Musical games. Musical education.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Tabuleiro do jogo Passo e Salto .................................................................................. 27


Figura 2 – Dado comum ............................................................................................................... 28
Figura 3 – D6 ................................................................................................................................ 29
Figura 4 – D5 ................................................................................................................................ 29
Figura 5 – D10 .............................................................................................................................. 30
Figura 6 – D8 ................................................................................................................................ 30
Figura 7 – D12 .............................................................................................................................. 31
Figura 8 – Pinos ............................................................................................................................ 32
Figura 9 – Cartas no âmbito musical ............................................................................................ 35
Figura 10 – Cartas no âmbito social ............................................................................................. 36
Figura 11 – Cartas no âmbito da dinâmica do jogo ...................................................................... 36
Figura 12 – Apresentando aos alunos o jogo Passo e Salto ......................................................... 39
Figura 13 – Alunos jogando o jogo Passo e Salto ........................................................................ 40
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 10
2 METODOLOGIA ............................................................................................................. 12
3 O JOGO NO PROCESSO EDUCATIVO ....................................................................... 14
3.1 O LÚDICO INERENTE AO SER HUMANO E NA VIDA EM SOCIEDADE ................ 14
3.2 CONCEITUANDO E DISCUTINDO O JOGO ................................................................. 16
3.2.1 Criatividade ......................................................................................................................... 18
3.2.2 Delimitação de espaço e tempo ........................................................................................... 19
3.2.3 Regras .................................................................................................................................. 20
3.2.4 Sentimentos conflitantes ..................................................................................................... 20
4 O OUVIDO INTERNO MUSICAL E SUAS ESPECIFICIDADES ............................ 22
4.1 OUVIDO INTERNO .......................................................................................................... 22
5 CONSTRUINDO UM JOGO PARA A EDUCAÇÃO MUSICAL ................................ 25
5.1 SINTETIZANDO A DISCUSSÃO ..................................................................................... 25
5.2 CONCEPÇÃO, CONSTRUÇÃO E DESCRIÇÃO DO JOGO PASSO E SALTO ............ 26
6 ESTUDO LONGITUDINAL DO JOGO PASSO E SALTO APLICADO
EM SALA DE AULA.................................................................................................................. 38
6.1 APLICAÇÃO, ADAPTAÇÕES E ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS ............... 38
7 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 45
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 47
REFERÊNCIAS CONSULTADAS ........................................................................................... 49
10

1 INTRODUÇÃO

Sempre demonstrei um grande interesse por jogos, brincadeiras, atividades que


promovessem o prazer e esta curiosidade aumentou ainda mais depois de participar das aulas da
disciplina de Atividades Lúdicas, ministradas no curso de Licenciatura Plena em Música, na
Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), nas quais, através do conhecimento adquirido, pude
ver que há todo um processo, uma base de fundamentos por trás dos jogos e brincadeiras. Logo,
juntando a necessidade de realizar uma intervenção no estágio para a obtenção de resultados mais
satisfatórios e meu interesse na criação e aplicação de jogos, indaguei-me: por que não criar um
material didático, um jogo, que auxilie no aprendizado musical, seja averiguando aquilo que o
jogador já saiba ou aprimorando seu conhecimento?
Durante o estágio curricular, realizado no Colégio Dom Bosco, localizado na cidade de
Sertãozinho, interior de São Paulo, observei que com apenas uma aula de música por semana o
processo de aprendizagem, mais especificamente o desenvolvimento do ouvido interno, mesmo
sendo gradual, era demasiadamente lento, chegando muitas vezes a ficar estático. Esta situação
impulsionou-me a indagar sobre o motivo de isto ocorrer, levando-me à conclusão que acontecia,
provavelmente, pelo fato das atividades específicas para esse aprendizado musical não serem
ministradas pelo docente em questão dinamicamente, de modo a promover o prazer através de
propostas lúdicas, tornando assim esta prática de ensino monótona, fundamentada no método
tradicional de ensino-aprendizagem musical; e, talvez, devido ao pouco período de tempo em que
os alunos eram expostos aos estímulos e pelo distanciamento das ocorrências em que os mesmos
eram realizados. Esta soma de fatores, promovia um aparente desinteresse por parte dos alunos
neste conteúdo em questão.
Buscando amenizar a dificuldade apresentada, esta pesquisa procura promover o jogo como
auxiliar ao processo educativo da Educação Musical, através da construção, aplicação e análise de
um material didático que enfatiza o desenvolvimento do ouvido interno, ouvido relativo e absoluto;
material este construído especificamente para um grupo de alunos, podendo, todavia, ser aplicado
em outros contextos de modo integral ou adaptado, visto a suscetibilidade que o mesmo possui
frente às adaptações.
Em sequência à seção introdutória, a metodologia empregada, fundamentada
majoritariamente nos autores Laville e Dionne (1999) e Gil (2002), além de Freitas (2007), divide
11

o trabalho em três vertentes: revisão bibliográfica, que compõe a fundamentação teórica de toda a
pesquisa, como também do jogo criado; pesquisa descritiva exploratória, a qual descreve o
processo de confecção e construção deste; e pesquisa aplicada, que possibilitou o estudo
longitudinal realizado.
Esta pesquisa, constituída por sete capítulos, aborda na terceira seção o universo lúdico e
suas profundas relações com o homem e a sociedade; apontando o jogo como detentor de
características que o tornam um excelente material para o trabalho escolar. O assunto é discutido
com base nos textos de Afonso e Abade (2013), Bomtempo (2011), Dias (2011), Kishimoto (2011),
Lopes (2000), Maluf (2003) e Vygotsky (1991).
No quarto capítulo, dissertamos conceitualmente o ouvido interno, bem como suas
propriedades e implicações do uso deste termo, discussão que se justifica dado o desenvolvimento
deste ser o principal intento do material construído. Por meio das obras literárias de Fonterrada
(2008), Marangoni e Freire (2016), Enny Parejo (2010) e Silva (2010), sendo as duas últimas
produções organizadas por Mateiro e Ilari (2010), constata-se que o termo “ouvido interno”
designa, na música, a capacidade de ouvir os sons internamente, de criar “imagens” sonoras;
segundo o referencial estudado, a atividade que melhor desenvolve este é o solfejo.
O quinto capítulo se destina à descrição passo-a-passo do processo de criação do jogo
“Passo e Salto”, assim como os fundamentos que compõe sua concepção e construção.
O relato do estudo longitudinal, realizado no espaço escolar através da aplicação do material
construído, bem como as adaptações que se mostraram necessárias frente as dificuldades
apresentadas, além dos resultados que foram observados durante a execução do estudo, constitui o
sexto capítulo.
12

2 METODOLOGIA

A pesquisa divide-se em três partes, sendo elas: revisão bibliográfica; pesquisa descritiva
exploratória; e pesquisa aplicada.
Segundo Laville e Dionne (1999), revisão bibliográfica refere-se ao ato de revisar todas as
obras disponíveis, na tentativa de encontrar os conhecimentos e as pesquisas relacionadas com a
questão-problema do estudo, com o objetivo de selecionar todos as produções possíveis de serem
utilizados na pesquisa a ser realizada. Neste vigente trabalho, o levantamento bibliográfico foi
realizado mediante palavras chaves que resumem em tópicos a questão da pesquisa, sendo essas
respectivamente: “material didático musical”; “jogos musicais”; e “educação musical”.
O presente estudo, possui também um caráter descritivo e ao mesmo tempo exploratório,
que Gil (2002) denomina como um tipo de pesquisa que objetiva descrever as especificidades de
uma população e/ou fenômeno específico, assim como estabelecer relações entre variáveis.
Observa-se esta característica no ato da descrição do jogo “Passo e Salto”, junto com o processo
de criação deste, como também a discriminação minuciosa do estudo realizado. Por outro lado, a
pesquisa busca explorar o jogo e o problema apresentado ao máximo, considerando aspectos
relativos a estes, na forma do levantamento bibliográfico realizado e das entrevistas informais
efetuadas. Por meio deste processo, pretende-se aprimorar as ideias que compõe o jogo construído,
na tentativa de solucionar problemas de atuação prática.
Segundo Laville e Dionne (1999), a pesquisa aplicada se caracteriza pela aplicação de
conhecimentos já acessíveis para a solução de problemas, podendo colaborar para expandir a
compreensão do problema, assim como na sugestão de novas questões a serem averiguadas; como
é possível notar, a pesquisa se enquadra nesta vertente, principalmente através da aplicação do
material didático construído, que por sua vez foi confeccionado com base em fundamentos teóricos,
na procura por sanar um problema no processo de ensino-aprendizagem musical.
De acordo com Freitas (2007), os materiais e equipamentos didáticos são todos e quaisquer
recursos utilizados em um processo educativo, que buscam estimular o discente e promover a
aproximação deste para com o conteúdo.
Para a criação do jogo em questão, primeiramente foi efetuado um levantamento de
referenciais teóricos que constituíssem elementos bases e dessem o suporte teórico-prático
científico, a fim de que o produto final alcançasse o que se esperava do mesmo na idealização e
13

projeto de seu criador. Em seguida, este, construído no decorrer da disciplina de Atividades


Lúdicas, teve seu protótipo apresentado aos colegas graduandos e docente responsável, que
apontaram que o jogo possuía potencial para cumprir com as metas idealizadas.
Sendo já parte integrante deste presente estudo, visto que as observações no espaço escolar,
a construção deste e a elaboração do projeto da pesquisa ocorriam simultaneamente, o material foi
aplicado em um estudo longitudinal no espaço de tempo de dois meses, com alunos do 4º e 5º ano
do Ensino Fundamental, no Colégio Dom Bosco, localizado em Sertãozinho, interior de São Paulo.
Semanalmente, 15min das aulas de música, eram destinadas à aplicação do jogo. Vale ressaltar, que
durante o estudo foram analisadas a receptividade e dificuldades apresentadas pelos alunos frente
ao jogo. Os resultados desta análise foram obtidos por meio de testes musicais, caracterizados pelo
solfejo de intervalos, execução de polifonias vocais e entrevistas informais com os alunos.
Dado as áreas contempladas na pesquisa, o referencial teórico, divide-se em três domínios,
sendo eles: pedagogia musical, composta pelos textos de Enny Parejo (2010) e Silva (2010), ambos
organizados por Mateiro e Ilari (2010), além de Fonterrada (2008), e Marangoni e Freire (2016);
atividades lúdicas, que traz Afonso e Abade (2013), Bomtempo (2011), Dias (2011), Kishimoto
(2011), Lopes (2000), Maluf (2003) e Vygotsky (1991), como referencial; e no âmbito da
metodologia, os autores Laville e Dionne (1999), Freitas (2007) e Gil (2002). É importante destacar
que muitos outros títulos foram consultados, contudo, não se apresentou a necessidade de utiliza-
los.
14

3 O JOGO NO PROCESSO EDUCATIVO

Partindo de uma discussão sobre a importância da dimensão lúdica para o ser humano e
para a vida em sociedade e as relações entre eles, neste capítulo abordaremos o conceito de jogo,
além da descrição de suas características fundamentais, fazendo uma ponte com o uso deste para a
educação, enquanto instrumento educacional, mais especificamente para a Educação Musical.

3.1 O LÚDICO INERENTE AO SER HUMANO E NA VIDA EM SOCIEDADE

De onde vem esta essência lúdica que percorre a nossa vida? Quando o homem se torna
capaz de formular pensamentos? Ainda que aparentemente desconexas, tais perguntas se
complementam em suas respostas. Contudo, a fim de chegarmos ao cerne da questão, torna-se
necessário, compreendê-las separadamente.
Observando as crianças ao nosso redor, vemos que a dimensão lúdica é inerente ao ser
humano desde a sua mais tenra idade. Para ser mais preciso, segundo Dias (2011), assim que lhe é
possível o domínio do pensamento, no ato de “liberar” sua mente a uma infinidade de
representações simbólicas, fluindo, de modo figurado, no mundo da imaginação; ato este, que não
pressupõe ausência de conhecimentos concretos - no sentido literal do termo – como também não
significa ser uma prática isolada, incapaz de produzir aprendizados, visto que é comprovado que o
lúdico possibilita a aquisição de conhecimentos, além da própria construção do pensamento. (Id.,
2011)
Dado isso, pressupõe-se na ação da brincadeira do faz de conta, conhecimentos prévios de
valores, condutas e de ambientes, caracterizados por objetos e/ou ações normalmente realizadas
nestes locais. Afinal, como imaginar um personagem ou determinado lugar, sem partir de algum
ponto referencial? A criança se imagina como um(a) pistoleiro(a) do Velho Oeste ou um(a)
príncipe/princesa em um castelo, por que já havia lhe sido apresentado anteriormente tais
personagens e lugares. De modo que ela se tornou capaz de construir essa realidade, pois segundo
Dias (2011) a percepção da realidade é construída e não capturada a partir de um discurso explícito
ou pensamento linear; ou seja, o ser humano, com seu poder de imaginação, é capaz de “moldar”
as características da realidade conforme seu bel-prazer, sendo capaz de retirar ou agregar novas
especificidades ao conjunto que denomina para o restante da sociedade àquilo que ele imagina.
15

Dias (2011), vê a imaginação em ação como um jogo sensório-motor que se desenvolve


rumo ao jogo simbólico, ampliando as formas de ação e compreensão do mundo, tal como ocorre
o desenvolvimento do homem1. Segundo a autora, é necessário conceder tempo e espaço às
crianças para elas trabalharem a construção do real por meio da execução da fantasia. Este
procedimento é necessário a fim de que elas possam imaginar o mundo e tornem-se capazes de
representa-lo, seja por representações corporais, gráficas, materiais e sonoras.
Não podemos, contudo, desconsiderar que, mesmo sob uma forma lúdica, essas atividades
são realizadas com seriedade pelas crianças. Percebe-se o quanto as mesmas estão imersas nesse
universo, ou seja, no exato momento do brincar, há uma “ruptura” em suas vidas cotidianas e elas
se percebem em outra realidade, onde o sentido de estar ali é definido pelo próprio ato. É importante
destacar que, segundo Dias (2011), a fantasia não se mistura com o real, pois serve ao propósito de
compreender e tomar consciência deste.
Diferente de respostas fisiológicas involuntárias mediante estímulos externos, podemos
dizer que ao penetrarmos neste universo simbólico conscientemente, estamos estabelecendo a
primeira relação direta do nosso Eu com a dimensão lúdica; pois o livre uso desse jogo da
imaginação só ocorre assim que atingimos, em todos os sentidos, a maturidade necessária para tal
(VYGOTSKY, 1991). A partir daí é que vivenciamos o lúdico em sua mais pura essência, primeiro
individualmente, seguido, consequentemente, de uma prática lúdica coletiva
Seria ingenuidade de nossa parte acreditarmos que essa essência pura do universo lúdico,
pertence apenas às crianças, com justificativas como: “elas não estão contaminadas pelo estresse
da vida adulta”, “isto é coisa de criança”, ou até mesmo que “possuem maior capacidade e liberdade
de imaginação porque não têm preocupações”; ainda que segundo Bomtempo (2011), o ápice do
jogo simbólico ocorre entre 2 e 4 anos de idade, e a partir desta faixa etária passa a declinar. Se
desconsiderarmos as responsabilidades assumidas no decorrer da vida e o tempo gasto nessas,
talvez o receio de nos entregarmos à essa dimensão lúdica, se dê pelo medo de sermos rotulados
pela sociedade como uma pessoa louca, ou até mesmo como quem vive “à toa”; em um sentido
exclusivamente pejorativo. Contudo, basta uma reflexão, com base em nossas próprias lembranças,
para constatarmos que no decurso de nossa vida, ocasionalmente, ou porquê não dizer
constantemente, vivenciamos essa natureza lúdica. É imprescindível ressaltar que essa
simbolização, recorrente na infância e passível de uso pelo homem adulto, segundo Dias (2011) e

1
A autora faz alusão à teoria cognitivista de Piaget.
16

Vygotsky (1991), faz com que este situe-se em um universo simbólico, que por sua vez lhe
possibilita a interiorização do mundo através da capacidade hábil em simbolizar e jogar por meio
da imaginação e dos símbolos coletivamente organizados, como a linguagem verbal, a ciência, os
mitos e a religião.
Mesmo com a turbulência decorrente das responsabilidades que assume, o ser humano
ainda é capaz de incluir-se nesta dimensão lúdica acessível a todos. Seja através de um jogo de
baralho, assistir ou jogar uma partida de futebol, ou no ato de jogar um game eletrônico por
exemplo, tanto o jogador quanto o expectador detêm o poder de “mergulhar” ou não na dimensão
lúdica inerente à essas ações; afinal podemos pender mais para a seriedade que se insere em tais
ações, do que ao aspecto prazeroso. Fugindo assim do aspecto lúdico que é ou deveria ser a
principal razão de se executar esses atos.
Sem entrar no mérito de casos extremos - por exemplo sociedades fragilizadas por guerras,
onde consequentemente seus integrantes, mesmo as crianças, veem-se obrigados a contemplar o
mundo com uma seriedade demasiada, chegando ao ponto de abandonar
parcialmente/temporariamente seu espírito lúdico - vemos paralelo e de certo modo imbricado ao
nosso cotidiano o universo do brincar; sendo possível adentrarmos neste onde e quando quisermos.
Logo, a característica lúdica da vida é inerente ao homem em todo o decurso de sua
existência, todavia essa por muitas vezes é limitada por nós mesmos ou por fatores externos, como
a comunidade e sociedade em que estamos inseridos. Este aspecto prazeroso da vida nos permite
estabelecer relações, assim como atestar e aprimorar nossos conhecimentos; além do aprendizado
social decorrente da ação.

3.2 CONCEITUANDO E DISCUTINDO O JOGO

É difícil conceituar a palavra jogo, dado a diversidade de possíveis interpretações inerentes


à cada idioma, como consequência de traduções advindas de outras línguas; além da variedade de
significações a ela atribuída, enquanto fato social. Para cada sociedade em diferentes épocas,
diversos sentidos são imputados a este termo. Segundo Kishimoto (2011), o jogo anteriormente
visto como inútil, em meados do romantismo desponta como algo sério, um instrumento para
educar as crianças. Tais significações foram reanalisadas e redefinidas em diferentes tempos
históricos, sendo por muitas vezes acrescidas de outros aspectos condizentes à inutilidade, à
17

educação das crianças e até mesmo ao trabalho, expressões empregadas por muitos para designar,
ou relacionar ao jogo. Segundo a autora, “no Brasil, termos como jogo, brinquedo e brincadeira
ainda são empregados de forma indistinta, demonstrando um nível baixo de conceituação deste
campo.” (2011, p.19). Vale ressaltar que o artigo mencionado, “O jogo e a educação infantil”,
incorporado ao livro “Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação”, é datado de 1994. Logo, essa
situação, observada na época, pode ter sido alterada no decurso destes vinte e dois anos; fato este
que não entraremos em questão.
Todavia, diante da pergunta “O que é jogo?”, utilizando um conceito que melhor se
enquadra para os fins desta pesquisa, faremos uso das contribuições de Vygotsky (1991) para
conceituar a palavra.
Assim como nos aponta Maluf (2003), é possível contemplarmos que Vygotsky (1991)
conceitua o jogo como algo próximo da arte, evidenciando a necessidade de criação do próprio
mundo da criança, com o intuito de compreendê-lo, ato que também exprime a atividade artística;
segundo a autora o jogo e a brincadeira incitam o raciocínio para o entendimento das estratégias
envolvidas, assim como também permitem que a criança adquira domínio próprio sobre sua
conduta, exigindo autocontrole e autoavaliação de seus limites e capacidades. Essas definições não
apenas conceituam o jogo, como também dizem que se adquire conhecimento através do jogar e
do brincar, visto que, segundo Afonso e Abade (2013), o pensamento e a ação estão diretamente
vinculados à uma dimensão lúdica, pois o brincar (e seu subproduto, o jogo) vai muito além das
brincadeiras infantis, percorrendo também o campo das artes, da filosofia, das ciências em geral,
assim como em todas as atividades. Logo, retomando ao início deste presente capítulo, vemos que
o brincar/lúdico é inerente à sociedade humana como elemento base de sua constituição.

Inicialmente, seus jogos são lembranças e reproduções de situações reais; porém, através
da dinâmica de sua imaginação e do reconhecimento de regras implícitas que dirigem as
atividades reproduzidas em seus jogos, a criança adquire um controle elementar do
pensamento abstrato. (VYGOTSKY, 1991, p.86)

Salvo exceções, todos as obras estudadas que abordam as propriedades do jogo, expõe de
igual modo algumas características. Em uma seleção, que para esta pesquisa melhor designa o jogo
como instrumento educacional, abordaremos brevemente quatro de suas especificidades. São elas:
a criatividade; delimitação de espaço e tempo; regras; e sentimentos conflitantes.
18

3.2.1 Criatividade

Atualmente, vemos o quanto a oferta demasiadamente dinamizada da mídia, contribui para


a repressão da criatividade de nossas crianças, visto que os atuais brinquedos ofertados a esse
público são dotados de tal nível tecnológico que estes praticamente “brincam sozinhos”. Lopes
(2000), corrobora esta constatação ao afirmar que consumindo estes atraentes jogos e brinquedos
eletrônicos que lhes são apresentados, não sobra tempo às crianças para imaginar, criar e inventar;
estas acabam sendo desprovidas da oportunidade de experienciar algumas de suas potencialidades
criativas por ausência de tempo e espaço disponível. Esses fatores vêm impossibilitar a criatividade
como característica essencial ao ato de jogar.
Contudo, seja através de um videogame, ou um simples jogo de damas, nota-se a
necessidade de se utilizar a criatividade no jogo. Através de simulações imaginativas de estratégias,
ou liberdade de criação no jogo de faz de conta, e até mesmo em casos mais complexos o jogo
estimula em seus participantes a capacidade de criação; como em um jogo profissional de futebol,
no qual o jogador utiliza de suas habilidades inventivas para imaginar e imediatamente concretizar
na ação dribles que lhe possibilitem desviar-se da barreira imposta pelo adversário. Continuando
nesta linha de raciocínio, certamente em algum momento iremos nos questionar sobre os jogos de
azar.
Onde reside a criatividade no jogo de azar? A priori, podemos dizer que ela se situa no
próprio ato de criação dos jogos desse tipo – assim como em todos os outros - deslocando-se,
posteriormente, ao ato de efetuar cálculos de probabilidade, criando matrizes numéricas que
segundo a capacidade de especulação de cada um serão sorteadas, ou na criatividade de usar a carta
certa.
É possível concluir que sendo o desenvolvimento da criatividade um objetivo a ser
alcançado pelos educadores, cabe a estes criarem oportunidades que a estimule e aprimore nos
educandos; por exemplo a confecção de jogos. Segundo Lopes (2000), a confecção de jogos,
proporciona à criança as experiências de fracassar, acertar, produzir, criar, reproduzir, planejar,
aumentando assim, sua autoestima. Revelando e favorecendo o reconhecimento de suas
capacidades, que pode usufruir daquilo que está pronto, mas que também é livre e hábil para criar
muitas coisas para si. Logo, para a autora, o docente tem a incumbência de fornecer espaço,
permissão, sem censuras ou críticas, a menos que bem colocadas, para desenvolver esta habilidade
19

na criança. Essa “liberdade de expressão” vale até mesmo na execução das avaliações, que devem
favorecer a capacidade expressiva dos alunos, desde que resolvam aquilo que lhes foi dado como
incumbência.

3.2.2 Delimitação de espaço e tempo

Todo o jogo possui um campo, um local onde este se realiza, seja uma quadra de vôlei, um
campo de futebol, uma mesa de pebolim, um tabuleiro de xadrez, a mesa onde depositamos as
cartas de um baralho de jogo de cartas, o chão demarcado no jogo de amarelinha, e etc.; vemos
nestes exemplos uma delimitação de espaço, a delimitação do campo de jogo.
Nós adultos, salvo exceções, somos conscientes do nosso espaço pessoal, familiar, de
trabalho, e afins. Sabemos até onde o outro pode aproximar-se da nossa “esfera”, sem que a ação
se torne constrangedora, invasiva, chegando ao ponto de ser considerado assédio segundo as regras
que regem a sociedade. Contudo, nas fases iniciais da vida humana tais delimitações ainda não
estão construídas.

A criança não tem cálculo de distância e posicionamento dos objetos no espaço, desse
modo é desastrada, cai muito, derruba as coisas, esbarra em tudo, não consegue manter
seus objetos em ordem e não consegue ordenar fatos em uma sequência lógica dos
acontecimentos. Em geral sua narrativa é confusa e desconexa. (LOPES, 2000, p. 42)

Não podemos desconsiderar que, o jogo possui uma delimitação própria do tempo. Ele rege
o início e o término da atividade. O seu desenvolver, através de ações que levam rumo ao final da
atividade, estabelece uma ordem sequencial dos atos; como também, a organização destes no tempo
cronológico.
Dado isso, percebe-se a importância em trabalhar a delimitação do espaço com as crianças,
interno e externo a elas, visto que este serve para que se situem, de modo a minimizar o risco de
“invadirem” o espaço do outro, ou o inverso; além da própria localização dos fatos no tempo
cronológico e a organização dos pensamentos, assim como o estabelecimento de um discurso
coerente.
20

3.2.3 Regras

É importante ressaltar a relevância do conjunto ou a singularidades de regras no contexto


lúdico, especificamente no jogo. Isto se torna importante, visto que o convívio harmônico de
quaisquer comunidades e/ou sociedades, só se mantém sob regras; leis que mantêm “vivo” o
sistema político em que estão inseridas.
Sem entrar na polêmica e densa discussão sobre os sistemas políticos e as leis que os regem,
percebemos que nossos afazeres, nosso trabalho, o convívio social, enfim, todas as nossas ações,
são determinadas e/ou influenciadas por valores, regras e leis impostas ou construídas pela
sociedade. Segundo Lopes (2000), devemos estabelecer regras à criança, pois diferente do que
muitos pensam esta carece de imposições de limites e regras, visto ser por meio delas que a mesma
estrutura a autoconfiança e a confiança no outro. Logo, cabe ao adulto a orientar e ensinar a
diferenciar o certo e o errado, o que é permitido e o que não é fazer.
Afonso e Abade (2013), apontam que todo jogo possui regras, explícitas ou não, sendo elas
as delimitadoras daquilo que é válido dentro do universo imaginário e efêmero próprio da atividade.
Através de suas regras ele favorece as relações sociais, ao agregar pessoas e promover a
continuidade das relações, o autocontrole dos sentimentos hostis e competitivos, a reflexão e
aprendizagem ao nos colocarmos sobre o ponto de vista do outro e o respeito à alteridade. Além de
seguirem regras e alcançarem exultação, os jogadores estão, durante o período que o ato de
jogar/brincar ocorre, em um constante “faz de conta”, pois o jogar, segundo as autoras, é
imaginação, ou seja, é encenar diversas possibilidades de ser.

Os jogos de regras introduzem a reciprocidade social entre as crianças. O diálogo


favorece o raciocínio, a reflexão e a capacidade de cooperar, e esta, por sua vez, favorece
o desenvolvimento do raciocínio na criança, facilitando a construção de noções como
igualdade e justiça. (AFONSO; ABADE, 2013, p. 50, grifo nosso)

Logo, o jogo, é um catalisador de tais virtudes, desde que, por meio de suas regras, delimite
um contexto, um assunto, um tema, e uma direção, um norte, um objetivo a ser seguido.

3.2.4 Sentimentos conflitantes

Não podemos falar de jogo sem mencionar, também, a dimensão competitiva/cooperativa


21

do mesmo. Sabendo da necessidade de trabalharmos o inverso desse sentimento, a cooperação,


questiona-se: de que modo é possível trabalhar com esses sentimentos? Dentro da proposta desta
pesquisa, colocamos o jogo como mediador para tal fim, onde o processo de execução deste é
acompanhado e orientado o tempo todo por um educador.
Ambas características, competição/cooperação, segundo Afonso e Abade (2013), ainda que
possuem valores opostos, se sobrepõem, ou seja, mesmo em jogos competitivos há a cooperação,
visto que as regras do jogo foram acordadas previamente pelos participantes. Contudo, não se deve
compreender esta como ausência de competitividade e/ou conflitos, porquanto, tomando por base
que ela é conduzida através de regras consensuais, está relacionada à uma disputa entre os
jogadores e não à uma situação de antagonismo, em que o intento é a destruição do outro.
Apresentando algumas experiências, em que foram realizadas intervenções através do uso
de jogos como mediadores em diversos processos educativos, - aplicação acompanhada e orientada
por educadores - em contextos escolares e não escolares, as autoras afirmam que tais experimentos
"[...] ressaltam que os jogos contribuem para a promoção da cooperação e da reciprocidade e
favorecem o desenvolvimento de uma postura ativa e crítica, contextualizando e analisando o
conhecimento transmitido." (2013, p.49)
Conclui-se que, provocando o surgimento destes sentimentos conflitantes, é possível ao
educador identifica-los e trabalhar para que os alunos adquiram o domínio próprio sobre seus
sentimentos, de modo que compreendam até onde é “saudável” a competição; e que a cooperação
é mais importante do que qualquer disputa para a vida em sociedade.
Tendo apresentado o jogo como possível ferramenta de trabalho em sala de aula, passamos
agora à discussão conceitual sobre o ouvido interno, visto que o seu desenvolvimento é o objetivo
principal do jogo “Passo e Salto”.
22

4 O OUVIDO INTERNO MUSICAL E SUAS ESPECIFICIDADES

Neste capítulo, iremos abordar conceitualmente o ouvido interno musical, visto que o
desenvolvimento deste é o objetivo principal do material didático construído nesta pesquisa. Dado
isso, descreveremos seu processo de desenvolvimento através do solfejo musical, atividade
característica do jogo “Passo e Salto”.

4.1 OUVIDO INTERNO

Ao debruçarmos sobre um dos temas adjacentes à esta pesquisa, o ouvido interno, nos
deparamos com um impasse quando nos propomos a conceitua-lo. Estudos mais recentes, como os
de Marangoni e Freire (2016), apontam como equivocado o uso da expressão, “ouvido interno”,
pois este é um termo técnico corretamente empregado ao designar a cóclea - aparelho fisiológico
interno da nossa orelha constituinte do sistema auditivo – que é responsável por transformar os
estímulos acústicos, o som, em impulsos nervosos, que serão processados no cérebro. Contudo,
visto que os pedagogos musicais empregados nesta pesquisa utilizam este termo para designar a
habilidade de escutar os sons internamente, de criar “imagens” sonoras, verdadeiros panoramas
auditivos, em nosso interior, o utilizaremos também, sendo o mais fiel possível à sua essência
conceitual.
Segundo Fonterrada (2008), Edgar Willems (1890-1978), um dos pioneiros da Educação
Musical como proposta pedagógica contemporânea, cria um projeto de ordenação construtiva, que
rege a atividade musical criativa paralelamente à vida e às leis cósmicas que regem o universo,
visando, primordialmente, o estímulo e desenvolvimento funcional do órgão auditivo, ou seja, tem
por objetivo ensinar a ouvir, a escutar atentamente, como também a compreender os estímulos
sonoros. Esta função de compreensão do elemento sonoro, também conhecida como inteligência
auditiva, constitui-se em uma síntese das duas anteriores, nos possibilitando comparar, julgar,
associar, analisar, sintetizar, memorizar e a imaginar criativamente, além de proporcionar a escuta
interior. A autora, assim como Enny Parejo (2010), diz que o termo escuta interior, também
conhecido como ouvido interno, designa a capacidade de cantar ou ouvir internamente. O objetivo
de desenvolvimento da audição interna é proporcionar ao aluno a habilidade de escutar
interiormente a nota, o intervalo musical, a melodia e a harmonia, antes de a executar, seja tocando
23

ou cantando.
Seguindo esta linha de raciocínio, Zoltán Kodály (1882-1967), também pioneiro das
pedagogias musicais ativas, utiliza, tal como Willems, o canto como o agente principal na educação
musical para iniciantes; seguindo o princípio da primazia da melodia na música. Tendo por objetivo
básico alfabetizar musicalmente toda a população de seu país, o compositor, etnomusicólogo, entre
outros títulos, reconhecido no mundo inteiro, emprega em sua metodologia a leitura e escrita
musical, percepção e rítmica; os mecanismos usados para esse fim são: manossolfa – grupo de
sinais manuais que ajudam na construção de relações tonais - sistema silábico para o aprendizado
da leitura rítmica, onde a duração de cada nota é designado por diferentes silabas; solfejo relativo,
sistema de alturas relativas – dó móvel - em que o nome das notas de dó a si, são empregados em
qualquer tonalidade maior e de lá a sol para qualquer tonalidade menor. (FONTERRADA, 2008;
SILVA, 2010)
Dentre esses três componentes vitais do método Kodály, destacamos o uso do solfejo,
ferramenta também presente na proposta de Dalcroze, assim como na de Willems. Segundo
Mariani (2010), o solfejo, ato de cantar notas e intervalos musicais com a ausência ou presença de
um ritmo pré-estabelecido, não apenas desenvolve o ouvido interno, mas promove também a
afinação, a capacidade vocal, bem como a respiração, leitura musical e a interpretação. É
importante ressaltar a existência de dois tipos de solfejo, o que busca desenvolver o ouvido relativo,
anteriormente apresentado, e o solfejo que tem por objetivo o desenvolvimento do ouvido absoluto,
onde o indivíduo canta o nome de cada nota em sua altura real, sem que haja a necessidade de ter
um instrumento como referência sonora, ou simplesmente escuta um som e é capaz de rotular esse
com sua respectiva nomenclatura; tal como no primeiro caso, o indivíduo não necessita de uma
fonte sonora como referência, pois já tem internalizado a frequência de cada nota musical.

É importante lembrar que o foco da aprendizagem não é a identificação do conteúdo


teórico “intervalos”. A intenção principal é provocar a experiência musical onde sejam
desenvolvidas a percepção, internalização, memorização e performance das alturas
pertinentes a uma estrutura musical completa, ou seja, a aprendizagem de uma canção com
ritmo, frases, dinâmica e fluência musical. A aprendizagem parte do processo imitativo
para o intelectual, intermediado pela participação ativa dos alunos. (SILVA, 2010, p. 79)

Com base em todos os benefícios proporcionados pelo contínuo desenvolvimento do ouvido


interno, evidencia-se a importância deste e seu aprimoramento na Educação Musical,
principalmente nas fases iniciais. Sendo assim o professor deve ensinar seu aluno a escutar, a fim
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de que os estímulos sonoros, não apenas passem pela escuta sensorial, mas situe-se na característica
afetiva do ser humano, lhe impondo qualidades, e indo mais além, percorrendo, também, a
dimensão intelectual. Só assim a música fluirá de dentro para fora, tendo seus elementos principais
– ritmo, melodia e harmonia - internalizados pelo aluno, de modo que a música esteja a seu dispor,
possibilitando se expressar por meio dela, além de fazer uso de sua capacidade imitativa e de
criação.
25

5 CONSTRUINDO UM JOGO PARA A EDUCAÇÃO MUSICAL

Esta seção, se destina a descrever a criação de jogos para a Educação Musical. Através de
uma breve revisão, sintetizaremos os pontos cruciais dos assuntos discutidos nos capítulos 3 e 4
deste trabalho. Esta retrospectiva é necessária para compreender a junção entre a teoria e a prática,
inerentes ao processo de construção do jogo; de modo a evitar que este seja tratado como uma
atividade isolada. Em seguida, utilizando como exemplo o jogo “Passo e Salto”, veremos a
descrição deste. Breves reflexões serão apresentadas sobre o processo de criação do mesmo.

5.1 SINTETIZANDO A DISCUSSÃO

Discutimos no terceiro capítulo, conceitualmente, o jogo como ferramenta educacional. No


quarto capítulo, abordamos o ouvido interno e seu desenvolvimento por meio do solfejo musical.
Abaixo, apresentaremos os pontos principais de toda a discussão que percorre ambos os capítulos:
a) O lúdico é uma característica inerente ao homem, desde o instante que este atinge a
maturidade física e intelectual necessária para adentrar no mundo imaginativo, no
jogo simbólico. Consequentemente, se torna parte substancial da civilização;
b) O jogo, subproduto do brincar, tal como este, aproxima-se da arte em sua
característica de criação, indo muito além de brincadeiras infantis, situando-se
também na filosofia, artes, e ciências em geral;
c) Por meio do jogo/lúdico, a criatividade se manifesta no ser humano. Sendo o
desenvolvimento desta - nos alunos - um objetivo a ser alcançado pelos educadores;
d) O jogo possibilita a delimitação do espaço, seja este exterior ou interior ao homem.
Tanto os pais e responsáveis, quanto os educadores devem trabalhar esse elemento
com a criança de modo a protege-la, como também ensinar a considerar o espaço
dos outros, ou até mesmo, no significado mais simplório da palavra, a respeitar os
limites do campo de jogo; permite também a compreensão e organização dos fatos
no tempo cronológico, de modo que a criança seja capaz de ordenar seus
pensamentos;
e) O jogo regrado, permite o entendimento e a compreensão das regras, bem como o
respeito a estas e a constatação de que a sociedade as tem como base estrutural de
26

sua existência;
f) Fomentando a competição e a cooperação, o jogo permite ao educador trabalhar com
essas duas delicadas questões. O surgimento de sentimentos competitivos, ou de
arrogância, e até mesmo a inveja, são como barreiras às virtudes que todo educador
quer promover em seus educandos. Diante da exposição deles, cabe ao educador
estimular e auxiliar seus alunos na busca por um equilíbrio, que lhes possibilite
alcançar a autoconfiança, autodisciplina, domínio próprio, o trabalho em equipe, a
confiança e respeito aos outros.

Associando o jogo com a Educação Musical, veremos a seguir o processo de criação do


jogo “Passo e Salto”, junto a breves reflexões de sua concepção.

5.2 CONCEPÇÃO, CONSTRUÇÃO E DESCRIÇÃO DO JOGO PASSO E SALTO

Imaginado previamente a partir de um conhecimento empírico, o jogo “Passo e Salto” foi,


contudo, elaborado com base em conhecimentos científicos, primordialmente no que diz respeito
ao seu caráter musical. Dito isso, veremos abaixo a descrição do mesmo.

Tema, objetivo, modalidade e público alvo do jogo “Passo e Salto”

Jogo de tabuleiro elaborado para dois ou mais participantes, com idade igual ou superior a 12 anos.
Possui como característica principal o uso do solfejo musical; os integrantes solfejam notas,
intervalos musicais, produzindo pequenas melodias e polifonias vocais. De modo prazeroso os
jogadores desenvolvem o ouvido interno, relativo e absoluto.

Construído para atender, inicialmente, um público em um contexto específico, o jogo


“Passo e Salto” trabalha com o coletivo, podendo participar individualmente ou por equipes. Este,
construído, durante a disciplina de Atividades Lúdicas, no curso de Licenciatura Plena em Música,
caracteriza-se pelo emprego do solfejo, inicialmente relativo, na busca pelo desenvolvimento do
ouvido interno relativo, com a pretensão de chegar ao ouvido absoluto. Esta disposição sequencial,
se justifica com base nas propostas dos dois pedagogos musicais que abordam este assunto,
Willems e Kodály. Sendo o solfejo a atividade que melhor estimula e aprimora a escuta interior,
este foi incorporado ao jogo, tornando-se a força motriz deste.
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A faixa etária do público alvo estipulada, igual ou superior aos 12 anos de idade,
fundamenta-se nas obras estudadas no âmbito lúdico, como Maluf (2003), que aponta o interesse
desse grupo em questão por jogos de tabuleiro; sendo esta a modalidade de jogo do material
construído, como retratado na Figura 1.

Figura 1 – Tabuleiro do jogo Passo e Salto

Fonte: Autor (2016).

Pré-requisitos

Todos os participantes devem possuir conhecimentos das escalas maiores, menores e da escala
cromática e saberem aplica-las no instrumento musical escolhido, de acordo com o nível a ser
jogado; além de saber ler cifras ou armaduras de claves.

Antes de iniciar o jogo, os participantes devem entrar em um consenso se utilizarão a escala


maior ou menor, como também o instrumento utilizado como referência; podendo ser tanto um
instrumento concreto quanto virtual, desde que seja temperado, visto que servirá como ferramenta
de averiguação, ou seja como “ideal” de afinação.
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Buscando possibilitar o uso do material a outras pessoas, em contextos diferentes, o material


foi concebido de modo a atender as mais variadas necessidades dentro desse tema; por exemplo,
ainda que os alunos não saibam ler cifras ou armaduras de claves, o professor pode fazer uso do
jogo para trabalhar esses conteúdos, na ordem em que forem “surgindo” e de acordo com o interesse
dos alunos. O ensino das escalas musicais também é favorecido, pois durante o progresso dos
participantes, de acordo com o nível de conhecimento destes elas vão sendo apresentadas
gradativamente. Confeccionado inteiramente em papel, o jogo é disponibilizado através do livro
Jogos Musicais, elaborado em conjunto com outros colegas na disciplina de Atividades Lúdicas.
Utiliza-se um dado branco, intitulado como comum, na qualidade de critério para mover os
pinos pelo tabuleiro (ver Figura 2).

Figura 2 – Dado comum

Fonte: Autor (2016).

Além deste, há outros poliedros de formas e cores específicas, nomeados a partir da


quantidade de faces que possuem, que caracterizam cada um dos cinco níveis de jogo. São eles:

NÍVEL I
Cubo adaptado – D6 (nome do dado, ver Figura 3)
Utiliza-se as três primeiras notas da escala.
29

Figura 3 – D6

Fonte: Autor (2016).

NÍVEL II
Decaedro adaptado – D5 (ver Figura 4)
Faz uso da escala Pentatônica.
Obs. Diferente dos outros dados, seu nome (D5) não faz alusão à quantidade de faces que possui,
mas sim à escala que utiliza.

Figura 4 – D5

Fonte: Autor (2016).


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NÍVEL III
Decaedro adaptado – D10 (ver Figura 5)
Adota as cinco primeiras notas da escala (pentacorde).

Figura 5 – D10

Fonte: Autor (2016).

NÍVEL IV
Octaedro – D8 (ver Figura 6)
Emprega toda a escala diatônica, acrescida do primeiro grau uma oitava acima.

Figura 6 – D8

Fonte: Autor (2016).


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NÍVEL V
Dois dodecaedros, ambos adaptados (utiliza-se um ou outro) – D12 (ver Figura 7)
Utiliza as doze notas da escala cromática.
Definem também a tonalidade a ser utilizada.

Figura 7 – D12

Fonte: Autor (2016).

Os pinos utilizados – totalizam oito – são diferenciados por cores e figuras musicais mais
usuais (ver Figura 8), como a clave de Sol, clave de Fá, bemol, sustenido, semibreve, mínima,
semínima e colcheia. A inserção desses elementos, enriquecem o jogo, pois o estímulo visual
favorece o surgimento de perguntas a respeito. Possibilitando a abordagem e possível construção
de conhecimento sobre tais elementos.
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Figura 8 – Pinos

Fonte: Autor (2016).

Jogando

Um dos jogadores deverá lançar o D12, a partir do resultado será definido a tonalidade, por
exemplo: caso o resultado seja DÓ todos os intervalos e acordes entoados deverão estar definidos
na tonalidade de DÓ, ou de sua relativa menor, LÁ menor.

O jogo se inicia, lançando a sorte através do dado comum, para definir o primeiro jogador
– aquele que obtiver o número de maior valor – seguindo em sentido horário. Com o nível de
dificuldade já estabelecido, assim como a escala a ser utilizada – maior ou menor – esta deverá ser
executada no instrumento escolhido. Lembrando que a escala é reproduzida de acordo com o nível
de dificuldade, por exemplo no Nível I, utilizando a escala de DÓ, será tocada de DÓ a MI; no
Nível II, toda a escala pentatônica: DÓ, RE, MI, SOL e LA; Nível III, de DÓ a SOL; no Nível IV,
de DÓ a DÓ (uma oitava acima); e no Nível V, todas as doze notas da escala cromática.
Após cada jogada a escala será tocada novamente, promovendo aos alunos a vivência com
esta, pois ainda que não seja a sua vez de jogar, mas, ao simplesmente a ouvir antes de cada jogada,
ou até mesmo quando os outros participantes estão solfejando, o jogador, assim como todos, está
constantemente sendo estimulado, favorecendo em muito o processo de internalização.
Vale destacar que definindo a tonalidade através do lançamento de um dos dodecaedros que
possuem as doze notas, corre-se o risco de obter uma tonalidade que não seja ideal para a voz das
pessoas envolvidas, principalmente para a voz infantil; pois, caso o tom obtido possibilite apenas
parcialmente a execução das notas da escala em vigor, demandaria dos participantes um exímio
ouvido musical, além de uma técnica vocal precisa, que lhes permita saltar uma oitava abaixo ou
acima, de acordo com a necessidade. Dado isso, o professor pode experienciar com os alunos as
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tonalidades que sejam mais adequadas; ou em um nível maior de dificuldade trabalhar utilizando
duas oitavas.

Jogando

O jogador deve lançar o dado referente ao nível que se está jogando e então cantar o primeiro grau
da escala, número 1 no dado, seguido de um “PASSO” ou “SALTO” com a voz para o respectivo
número/grau obtido e por fim voltar para o primeiro grau.

Ainda com base na escala de DÓ maior, se o participante lançou o dado de Nível II (D5) e
obteve o número 3, logo, deverá solfejar a nota Dó - lembrando que se faz uso do DÓ móvel –
seguido de MI, e repousar na nota DÓ novamente; cantando o número/grau e não o nome da nota.
Após cada grau que o jogador entoar deve tocar-se a nota que o jogador ativo está ou deveria estar
cantando, se notado pelos participantes que o mesmo desafinou, esse por sua vez perderá a rodada,
mas caso chegue até o fim da melodia sem desafinar, obterá o direito de lançar o dado comum, para
mover o pino que lhe representa no tabuleiro. Em seguida, outro jogador deve jogar, mantendo um
ciclo até que um dos participantes caia na casa CHEGADA.
Entoando sempre, ao menos inicialmente, os graus e não o nome da nota - Níveis I, II, III e
IV - os participantes trabalham com o ouvido relativo, visto que a tonalidade se altera sempre que
há um “vencedor”. Segue-se a regra de iniciar e terminar a melodia no primeiro grau, a fim de que
os jogadores vivenciam as sensações que ocorrem, sensações de repouso, suspensão e afins.
Obviamente, isto pode ser alterado conforme os alunos avançam e se for do interesse do professor
trabalhar também desta forma, pode, por exemplo iniciar e terminar no III grau, V, enfim, em
quaisquer um dos permitidos. As pequenas melodias que se formam, através dos graus conjuntos e
saltos intervalares, constituem a inspiração para o nome do jogo, “Passo e Salto”.
Há a possibilidade de outras possíveis adaptações, além das já mencionadas. Caso tenha
sido previamente acordado, cada jogador pode lançar o dado duas ou mais vezes, mantendo a
mesma lógica do jogo, acrescido desse(s) novo(s) grau(s), por exemplo: 1, 3, 5, 1 ou 1, 3, 5, 2, 1.
Outra possibilidade, seria o trabalho com as escalas modais.
34

Regras do tabuleiro

Sempre que um dos jogadores cair em uma casa de cor AMARELA, TODOS os jogadores
deverão lançar o dado do nível do jogo atual e solfejar simultaneamente as notas obtidas. De
imediato, deverá ser averiguado se TODOS acertaram na afinação. Caso tenham cantado
corretamente, avançam uma casa.

Cantando simultaneamente diversas melodias, obtemos polifonias vocais, contudo, essas


tanto podem ser “consonantes”, no sentido de formar acordes perfeitos, com tônica, terça e quinta,
quanto cluster, acorde caracterizado pela sobreposição de graus conjuntos – 2ªM e 2ªm – visto que
as notas estão a mercê da utilização dos dados, ou seja, são aleatórias. O jogo propõe, que os
participantes cantem simultaneamente, cada um o grau que obteve. Contudo, o educador é livre
para adaptar segundo suas necessidades, podendo distribuir notas iniciais e finais específicas para
cada aluno ou equipe. Com isso, caso as três, ou mais notas da melodia forem aleatórias, sem
repetições e intervalos que formem arpejos característicos do sistema tonal, jogando no Nível V –
utiliza as doze notas da escala cromática – os participantes possivelmente vivenciarão uma
estrutura musical mais próxima ao serialismo dodecafônico e atonalismo. Segundo Enny Parejo
(2010), o estudo da série harmônica deve constituir tanto a base para a tonalidade quanto para sua
progressão, a atonalidade.
Além disso, no âmbito social, é propiciada a cooperação, pois o trabalho em equipe é que
vai definir o êxito neste momento. Estima-se que os participantes mais habilidosos, respeitem os
outros que não o são. Como, também, se espera que estes últimos não fomentem sentimentos de
rancor, inveja ou ódio sobre seus colegas.
Com base em conhecimentos empíricos, o tabuleiro foi confeccionado de modo que através
de suas regras, faça com que o participante estude mais. Dinamicamente, por meio de frases
imperativas, induz pequenas reflexões, ao fazer o estudante voltar algumas casas atrás para “estudar
mais”. As frases são: “Desenvolva o hábito de estudar. Siga a seta e estude um pouco mais.”; “Você
não está se dedicando aos estudos musicais? Fique uma rodada sem jogar”. Certamente tais
orações, podem levar a profundos estudos, como, se as “represálias” nelas apresentadas são
favoráveis ao aprendizado ou não. Contudo, essa constante dinamização, garante que nem sempre
o jogador com maior aptidão musical, seja o “vencedor”.
Buscando estimular e fomentar a aquisição de conhecimentos musicais e extramusicais,
35

cartas SURPRESA foram adicionadas ao material. Seu uso se dá quando um dos participantes cai
em uma casa BRANCA. O conteúdo das cartas é dividido em três âmbitos: musical, social e
dinâmica do jogo, tal como estão dispostas, respectivamente nas figuras 9, 10 e 11; claramente,
algumas cartas são “híbridas”. Esta separação aqui realizada não é explícita no jogo.

Figura 9 – Cartas no âmbito musical

Lance o D12 (dado do Nível V O termo “grau conjunto”, dentro da música,


e solfeje a nota obtida; designa as notas “vizinhas” à nota que está
Se você cantar corretamente em vigor; tanto para o agudo quanto para o
avance 10 casas; grave.
porém, se você errar, volte 5 casas. Exemplifique esse conceito avançando 1 casa.
Desenvolver o ouvido interno Dê um “salto”
é um processo gradativo. deslocando-se 2 casas
Avance 1 casa. à frente.
Lance o dado de nível imediatamente acima Improvise uma melodia
do nível atual de jogo e solfeje o grau que contenha no mínimo 5 notas.
obtido. Se acertar, avance
Se acertar, avance 5 casas; se errar, volte 3 10 casas.
casas. Obs. Vale repetição de notas, desde que a melodia
não fique estática em uma mesma nota mais que 2
Obs. Esta carta não vale para o Nível V. pulsos seguidos.
Cante de modo ascendente as notas da
Lance o dado de nível imediatamente escala em vigor; por exemplo, Nível I canta
abaixo do nível atual de jogo e solfeje o até a terceira nota e assim por diante.
grau obtido. Se acertar:
Se acertar avance 3 casas; se errar volte 5  Nível I – avança 3 casas
casas.  Nível II – avança 6 casas
 Nível III – avança 9 casas
Obs. Esta carta não vale para o Nível I.  Nível IV – avança 12 casas
 Nível V – avança 15 casas
Lance o dado do nível atual de jogo e cante
a melodia. Em seguida cante a mesma
melodia transposta um tom acima. Se
acertar, avance 6 casas.

Obs. Antes de cantar a melodia transposta,


o jogador pode escutar a escala dessa nova
tonalidade.

Fonte: Autor (2016).


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Figura 10 – Cartas no âmbito social

Tocar e/ou cantar em um grupo


Escolha um jogador.
(banda, coro, duetos etc.)
Lancem o dado atual de jogo e solfejem
requer sincronia e humildade.
simultaneamente a(s) nota(s) obtida(s).
Troque de lugar com o adversário
Se acertarem, avancem 8 casas.
que está atrás de você.

Possuir autoconfiança Escolha o grau/nota que o próximo


não significa ser orgulhoso. adversário deve cantar.
Volte 4 casas. Obs. Vale apenas as notas da escala em vigor.

Fonte: Autor (2016).

Figura 11 – Cartas no âmbito da dinâmica do jogo

Você está indo Você deve


muito bem. estudar mais.
Jogue novamente. Volte 5 casas.

Continue treinando
Volte até a casa de cor roxa
sua percepção.
mais próxima.
Avance 5 casas.

Se você sabe o nome desta diversão


Avance até a casa de cor roxa musical, avance 5 casas;
mais próxima. se, porém, você não sabe, volte 4 casas.
O nome é...

Coloque sua “torrinha” na casa posterior


à do seu adversário mais próximo
que estiver à sua frente

Fonte: Autor (2016).


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Dentre estas, destacamos majoritariamente, a carta com menção ao improviso, pois este é
discutido e incentivado pelos pedagogos musicais, como: Dalcroze, Orff, Willems e Kodály,
segundo nos aponta Fonterrada (2008), assim como outros autores dispostos na obra de Mateiro e
Ilari (2010).
Possibilitando o improviso, trabalhamos com a capacidade de criação do aluno, além de
servir como palco para este expor todo o seu aprendizado, a síntese de tudo o que aprendeu.
As “represálias” e os “benefícios” oriundos das cartas, foram calculados, com base no
contexto do jogo, por exemplo: ao tirar uma carta que lhe indique solfejar a partir do Nível anterior,
ao vigente, o peso da “represália”, em um possível fracasso, deve ser maior do que o acerto, visto
que o participante já enfrentou aquele nível de dificuldade, estando agora um “degrau acima”. Já
quando este tem que realizar algo demasiadamente difícil para o seu nível de aprendizado, de modo
a beirar o impossível, salvo exceções – por exemplo, ao ter que jogar no Nível V - o jogador deve
ser estimulado com bons “benefícios”, de modo que dê o seu melhor na atividade, ainda que todos
saibam que provavelmente não obterá um desempenho satisfatório. Se sobressaindo no intento, na
força de vontade, que por si só gera aprendizado.
Com base em tudo o que foi discutido, chega-se à conclusão que o material, com toda a sua
estrutura e recursos, possui o potencial necessário para cumprir com seu objetivo. Como foi
inicialmente observado por meus colegas, ao lhes apresentar o protótipo do jogo. Dado isso,
descreveremos a seguir o estudo longitudinal realizado nesta pesquisa.
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6 ESTUDO LONGITUDINAL DO JOGO PASSO E SALTO APLICADO EM SALA DE


AULA

Tendo já descrito todo o processo de confecção que fundamenta o jogo “Passo e Salto”, será
relatado neste capítulo o estudo efetuado, durante dois meses no Colégio Dom Bosco, com alunos
do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental. É importante elucidar que, o material foi concebido para
um público com idade igual ou superior aos 12 anos, como anteriormente dito, contudo a aplicação
deste só foi possível, com crianças de 9 a 11 anos, por razões organizacionais e curriculares da
escola em questão, visto que as aulas de Música nesta são ministradas do 1º ao 5º ano. No entanto,
essa incoerência presente na faixa etária dos alunos, que apresentaram o déficit de aprendizado no
âmbito da percepção musical, para com o público alvo do material construído, não foi prejudicial,
visto que o jogo foi concebido com o intento de atender diversos níveis de aprendizado, de modo
que a recomendação de faixa etária, diz respeito ao tipo de jogo e não ao assunto abordado. Dito
isso, vamos à explanação do estudo realizado, com ênfase nas adaptações que se apresentaram
necessárias, além dos resultados obtidos durante a aplicação do material no espaço escolar,

6.1 APLICAÇÃO, ADAPTAÇÕES E ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS

No primeiro encontro desses dois meses de aplicação, foi realizada uma revisão, na maior
parte da aula, através de atividades que estimulam e proporcionam vivência sobre o assunto do
jogo, sendo este a escuta interior. Nestas, era proposto aos alunos primeiramente apreciarem e em
seguida reproduzirem escalas, pentatônicas e diatônicas, de modo ascendente e descendente.
Buscando estimular ainda mais a escuta, os discentes apreciaram os intervalos melódicos, tal como
ocorreria no jogo, e estes deveriam identifica-los, não com a nomenclatura convencional, mas
segundo o jogo; por exemplo, o intervalo melódico de 2ªM ascendente e descendente, é nomeado
como “1-2-1”. Junto a isso, estruturou-se, dividindo as turmas em pequenos grupos, polifonias
vocais, formando acordes de função tônica, subdominante e dominante. Com o tempo restante foi
lhes apresentado o jogo como retratado na Figura 12; suas regras foram vivenciadas por meio de
exemplificações, assim como o modo de jogar através do solfejo. Foram realizadas várias
simulações de possíveis polifonias vocais, que supostamente ocorreriam.
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Figura 12 – Apresentando aos alunos o jogo Passo e Salto

Fonte: Autor (2016).

No segundo encontro, como era de se esperar, os alunos já de início e em todo o decurso da


aula questionavam se utilizaríamos o jogo; lembrando que o uso deste, limitava-se à 15min por
aula, visto que tínhamos outras atividades a serem realizadas, com outras metas a serem cumpridas.
Contudo, na hora de jogar, em cada uma das quatro turmas em que foi realizado o estudo,
majoritariamente nos 5º anos, uma minoria de alunos se manifestaram, não querendo participar da
atividade. Indaguei-os sobre o porquê da recusa e estes não me souberam responder. Tornando a
insistir, alguns destes respondem que se recusavam a jogar porque tinham vergonha de suas vozes;
já outros, porque, segundo eles, caso determinados colegas “vencessem” estes, iriam “aporrinhá-
los” pelo resto do ano. Com um rápido diálogo, consegui convencer alguns a participar. Àqueles
que mesmo assim continuaram se recusando, foi acordado que não teria problema não participarem,
desde que ficassem atentos e em silêncio; a audição destes estaria sendo estimulada da mesma
forma, claro que sem a experiência da reprodução vocal.
Já previsto e construído com este intento, os pinos do jogo, rotulados com figuras musicais
mais usuais, ao serem manuseados pelos participantes, geraram perguntas sobre seu significado,
abrindo margem para uma breve abordagem destes. Alguns já trabalhados anteriormente durante
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as aulas, serviram ao propósito de estimular visualmente os alunos de modo que relembrassem seu
aprendizado; outros, foram usados como estímulo introdutório para a aquisição de novos
aprendizados. Vale ressaltar que as variadas formas geométricas dos dados, acionam a curiosidade
dos alunos, tornando possível uma articulação com a Matemática, no ensino deste conteúdo.
Como o intuito era explorar ao máximo as possibilidades do jogo, iniciamos este no Nível
I. Logo tivemos outro contratempo, pois segundo as regras, cada participante/equipe obtinha uma
única oportunidade de tentativa; para simplificar: acertou? Joga o dado comum. Errou? Passa a
vez. Fica evidente, desde as primeiras jogadas, que este sistema não iria funcionar, pois os alunos
se aborreciam por não estarem conseguindo realizar o que lhes era proposto. Imediatamente revogo
as regras, determinando que cada jogador/equipe, teria cinco oportunidades; nas três primeiras,
escutariam toda a escala daquele nível e tentariam solfejar corretamente, caso, ainda assim, não
conseguissem, eles escutariam na quarta, bem como na quinta e última tentativa, apenas a melodia,
tal como obtiveram através do lançamento dos dados. Tendo corrigido este erro, o jogo fluiu
normalmente, como é possível notar na Figura 13.

Figura 13 – Alunos jogando o jogo Passo e Salto

Fonte: Autor (2016).

Rapidamente, alcançamos o Nível III; posteriormente chegamos a trabalhar com o Nível


IV, mas diante da extrema dificuldade dos alunos para solfejar os intervalos de 4ª, 7ª e 8ª,
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retomamos o trabalho com os níveis anteriores, principalmente com o Nível III, para consolidar
melhor estas escalas. O critério utilizado para o progresso no uso das escalas, está na aplicação
individual do solfejo, em detrimento das polifonias vocais, principalmente por estas serem, em
nível de dificuldade, inversamente proporcional às escalas; pois quanto mais próximas forem as
notas, como ocorrem no Nível I, maior a dificuldade de se executar polifonias. As chances, dentro
do jogo, de cair apenas uníssono ou até mesmo intervalos harmônicos de terças são pequenas; com
um número elevado de participantes, como ocorre na sala de aula, provavelmente haverá a
formação de cluster.
A maior dificuldade apresentada pelos alunos, situa-se, obviamente, na composição das
polifonias vocais. No início, nenhuma das turmas conseguiam executar satisfatoriamente a
atividade, logo outra adaptação se fez necessária. Foi estipulado que de forma ascendente, eles
cantariam toda a escala, durante o percurso cada jogador fixa-se e sustenta a nota obtida. Por
exemplo: três jogadores, jogando o Nível II. O primeiro tira 5 no dado, o segundo 1 e o terceiro 6;
estes devem ouvir a escala, cantar esta e então, imediatamente após, começam a solfejar. O segundo
participante para no primeiro grau da escala e a sustenta, o primeiro e o terceiro continuam cantando
a escala até que cheguem no quinto grau, onde o primeiro irá parar e sustentar a nota; o terceiro
jogador continua até o próximo grau, finalizando a atividade ao sustentar a nota que obteve, o sexto
grau. Comumente, em todas as turmas tivemos problemas com a sustentação das notas, então
acordamos que estas seriam interrompidas por pequenas e breves respirações, de modo que todas
as notas soassem simultaneamente. Neste momento, o grupo como um todo é avaliado.
Evidentemente, ao trabalhar em conjunto, forjando uma cooperação inusitada - visto que o
jogo se situa numa dimensão competitiva, mesmo quando jogado por equipes – os participantes
devem guardar seus rancores e tentarem todos, saírem-se bem. Hipoteticamente, a motivação para
fazerem bem feito a polifonia, baseia-se no próprio jogo, pois ainda que avancem apenas uma casa
no tabuleiro, esta pode ser a chave para que o rumo do jogo seja alterado. Como foi possível notar
no discurso de duas alunas, que incentivavam veemente os outros de sua equipe, de modo exaltado,
dizendo: “Vamos, gente! Se formos para a casa da frente, iremos avançar cinco casas.”; ou seja, o
interesse destas se resumia ao benefício que viriam a obter.
O primeiro mês passou de forma tranquila, sem maiores complicações, sendo já possível
fazer deduções sobre a aplicabilidade do jogo e a receptividade dos participantes para com ele. Aos
poucos, padrões no comportamento dos participantes vão sendo evidenciados; por exemplo, já era
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possível constar que dispersada a euforia inicial, os alunos mais velhos não demonstravam mais
tanto interesse no material, quanto os mais novos. Logo, a quantidade de alunos inadimplentes para
com a execução da atividade era muito grande em comparação ao estado inicial. Procurando uma
forma de estimula-los, pude notar que o uso das cartas SURPRESA, excitava os alunos, visto que
estas promoviam desafios, além de dinamizar o jogo. Diante disso, perguntando diretamente aos
alunos, o que achavam da ideia de modificarmos o tabuleiro de modo a ter mais casas brancas,
todos a acharam excelente, pois só através delas é que se faz uso das cartas. Novamente todos
participavam, salvo um ou outro, que em alguns dias, por algum motivo não queriam. Foi
respeitada a decisão de todos. Posteriormente, estes discentes apontam não gostar de jogos assim,
preferindo games eletrônicos e aplicativos.
A partir do segundo mês, em que os alunos já estavam mais familiarizados com o material,
alguns destes começam a se “rebelar” contra as regras que compõe o jogo. Diante da negação de
quatro alunos em cantar junto às suas equipes, no momento de compor a polifonia, mesmos estes
tendo claro conhecimento das regras e estarem participando do jogo, lhes disse que era a regra do
jogo e que nada podia fazer. Imediatamente uma aluna, entre estes quatro, se manifesta, afirmando:
“Mas se você as fez, você também pode tirar”. A princípio emudecido diante da ousada resposta,
aproveitei o momento para lhe instruir junto à turma, que a sociedade é regida por leis, e que cabe
a nós, enquanto cidadãos obedecer e cobrar também a aplicação dessas; contudo, em contextos
específicos, as regras podem e devem ser quebradas, desde que conheçam profundamente o assunto
e que esta ação seja para um bem maior e não para o próprio benefício.
Imaginando quando e de que forma surgiria, não houve surpresa diante do instinto
competitivo de alguns, impulso este que os levaram a se posicionar contra colegas que ajudavam
outros. Esses rompantes sentimentos de rivalidade, foram gradativamente combatidos, por meio
de exemplificações que aponta a cooperação como o fator principal da vida humana, afinal
dependemos uns dos outros; “ora ajudamos, ora somos ajudados”.
Em todos os encontros, sutilmente, e em momentos oportunos, perguntas eram feitas aos
alunos, a respeito de suas dificuldades, se as adaptações contribuíram para um melhor
aproveitamento do jogo e se eles achavam que estavam melhorando e em quê. Em média, as
respostas dadas apontavam os saltos “1 – 4 – 1”, como mais difícil de serem entoados, justificaram
sua resposta na quantidade de vezes que erraram esta melodia. Segundo eles, o jogo ficou mais
lúdico ao acrescentar casas brancas, fora que a dinâmica em voltar ou avançar casas provoca
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sentimentos de frustação simultaneamente à excitação. Por fim, indagados sobre o aprendizado


adquirido na atividade, a resposta mais objetiva que deram foi estarem aprendendo a cantar melhor,
pois até já sabiam quando cantavam corretamente.
O próprio ato de jogar, efetuava durante os encontros, pequenos testes musicais, observados
e anotados por este presente pesquisador. Foi possível notar um significativo avanço no
aprendizado do assunto abordado pelo jogo em questão, através da evolução apresentada em cada
rodada, pois os jogadores diminuíam cada vez mais o número de tentativas, chegando ao ponto de
muitos passarem a acertar na primeira oportunidade. Atribui-se este rápido progresso à quantidade
demasiada de vezes que os alunos eram estimulados, através das tentativas dos colegas e pela
reprodução da escala no instrumento a cada nova jogada. Sendo assim, em um jogo com apenas
dois participantes, em que antes de cada tentativa é executado a escala, caso este necessite de suas
cinco tentativas disponíveis, obteremos uma quantidade de dez estímulos, que somado com os dez
do outro jogador, totalizam vinte vezes em que ambos são estimulados auditivamente. No contexto
escolar, a atividade era realizada com cinco participantes – duplas, trios, quartetos – logo, nos
deparamos com a possibilidade de haver cinquenta estímulos sonoros em cada rodada. Estima-se
em média, que cada equipe participante leve 30-40seg para lançar o dado, se organizar e solfejar o
intervalo obtido, sendo assim em 5min estes seriam estimulados auditivamente por quinhentas
vezes. Desconsiderando o uso de cartas SURPRESA que ordenam que o jogador solfeje
novamente, que aumentariam significativamente este número já elevado.
Através do jogo, foi possível contemplar características em cada aluno até então
desconhecidas. Alunos que se encontravam em processo de aquisição de comportamentos mais
colaborativos, que ainda não conseguiam ser empáticos, passam a ser prestativos e amigáveis
durante o jogo. Outros que ficavam “à margem” em outras habilidades, como a coordenação motora
necessária para a execução de ritmos, demonstram possuir um exímio ouvido musical, visto
acertarem na primeira tentativa as melodias que lhes eram propostas, além de demonstrarem saber,
através de expressões faciais e corporais, quando os outros participantes erravam. Muito se
aprendeu também no âmbito social, como o respeito ao próximo, a cooperação, autocontrole e
autodisciplina; É importante destacar que os alunos passaram a demonstrar maior interesse pelo
conteúdo e pela disciplina em si, ao demonstrarem maior engajamento.
Diante desses fatos, fica evidente que o jogo (Passo e Salto) cumpriu com todos os objetivos
propostos. Os objetivos são: estimular e desenvolver o ouvido interno; promover aprendizado no
44

âmbito social; propiciar o ensino de outros conteúdos musicais; e tornar seu uso possível à outras
pessoas em outros contextos. Com relação ao último objetivo apresentado, não foi possível atende-
lo plenamente, pois a construção do jogo inteiramente em papel, com o intuito de favorecer sua
aplicação por outros profissionais é válida; no entanto era inviável a distribuição deste aos alunos,
para que fizessem uso em casa, dado a forma e materiais utilizados para a construção.
Lembrando que os textos estudados, apontavam a preferência cada vez mais precoce deste
público por games eletrônicos e aplicativos virtuais, e que já foi sugerido por colegas e professores
do curso de Licenciatura Plena em Música, além dos próprios alunos, pretende-se transformar o
jogo “Passo e Salto” em um aplicativo. Desse modo seria possível executar outras futuras
pesquisas, através da distribuição deste, visto que a vivência e o contato com o jogo,
hipoteticamente, aumentaria; assim como os diversos recursos que a tecnologia nos possibilita,
favoreceria em muito o material, podendo inclusive, instantaneamente: averiguar a afinação,
reproduzir notas, intervalos e escalas musicais, possibilitar a execução de exercícios de
aquecimento vocal2, imprescindíveis para trabalhos como esse; além de outras alterações, por
exemplo no aspecto social.

2
Como a atividade era realizada nos minutos finais das aulas, o aquecimento vocal era realizado anteriormente,
através das outras propostas.
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7 CONCLUSÃO

No decurso deste trabalho, vimos que o ser humano e a sociedade possuem uma relação
direta com a dimensão lúdica. Imergindo neste universo através do jogo simbólico, o homem
constrói a realidade, forma as bases para o desenvolvimento da linguagem e torna-se capaz de
representar o mundo por meio do corpo, como também através de representações gráficas,
materiais e sonoras. Em meio à essa característica lúdica da vida, evidencia-se o jogo. Por meio
deste, o homem consolida conhecimentos no âmbito social, como: autocontrole, autoestima,
autodisciplina, respeito e interação social; e específicos de acordo com o assunto abordado. O uso
deste tipo de recurso didático no espaço escolar, se justifica por suas características, tais como: a
delimitação de tempo e espaço, que permite ao aluno compreender as limitações espaciais, internas
e externas a ele, além de organizar os fatos no tempo cronológico, bem como a ordem sequencial
de seu discurso, dando sentido a este; a criatividade imposta nesses materiais, seja de modo
primitivo no ato da confecção de jogos, possibilita estimular e aprimorar a criatividade dos
participantes; por meio das regras, o educando cria uma relação metafórica com os valores e leis
que ditam o comportamento humano e a sociedade; o jogo, por fim, fomenta nos jogadores
sentimentos conflitantes, como cooperação/competição que trabalhados corretamente favorecem o
conhecimento social. Estes são apenas alguns dos benefícios que o jogo proporciona e que nos foi
possível discutir nesta pesquisa.
Abordamos também, conceitualmente, o ouvido interno e suas especificidades. Constitui a
habilidade de escutar internamente notas, intervalos, progressões harmônicas, tendo ou não uma
rítmica pré-estabelecida; o desenvolvimento deste, é o objetivo principal do jogo construído,
“Passo e Salto”.
Através da descrição detalhada de sua criação, realizada durante a disciplina de Atividades
Lúdicas em Educação Musical, ministrada no curso de Licenciatura Plena em Música, na
Universidade de Ribeirão Preto, além da aplicação do jogo no estudo longitudinal realizado com
alunos do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental do Colégio Dom Bosco, foi possível constatar que
ele cumpre com seu objetivo principal além dos secundários. Os resultados que possibilitaram esta
constatação, foram obtidos, por meio da observação direta de testes musicais, que o próprio jogo
fornece, cantando intervalos e notas, junto a entrevistas informais com os alunos. Vale ressaltar que
a discrepância presente entre a idade recomendada aos participantes do jogo (igual ou acima de 12
46

anos) para com a dos alunos integrantes do estudo longitudinal realizado (9 aos 11 anos),
possibilitou concluir que este fato favoreceu a aplicabilidade do material construído, visto que a
compreensão e entendimento do jogo (Passo e Salto), além do desempenho nele não foram
prejudicados.
Com base em tudo o que foi discutido até o presente momento, a conclusão que nos
transparece é, o jogo pode e deve ser utilizado como auxiliar ao processo educativo. Através de
seus inúmeros benefícios ele enriquece o processo de ensino e aprendizagem musical, deixando
este com um caráter lúdico, sem a severidade austera do ensino tradicional. Contudo, seu uso deve
ser intensamente refletido, o educador deve estar firme em seu intento, tendo estabelecido
claramente os objetivos que o leva a fazer uso de jogos. Durante a execução da atividade, o
professor deve assumir o papel de mediador, para que esta não se perca, ficando restrita apenas no
universo da competição, sem gerar reflexões que podem construir aprendizados. É imprescindível
o profissional entender que esses materiais didáticos não substituem sua atuação, apenas
contribuem para uma aprendizagem mais sólida e lúdica. Com isso, fica evidente que é
extremamente importante que o educador elabore materiais didáticos, se possível junto aos seus
alunos, a fim de obter êxito nos objetivos do processo educativo; principalmente quando se cria
algo específico para atender as necessidades daqueles que o compuseram.
Por fim, a questão que paira e finaliza a pesquisa é: sabendo que os resultados obtidos
através da utilização de jogos podem ser muito satisfatórios – desde que o uso seja consciente – e
que o brincar promove conhecimentos, porque então não ensinar ludicamente?
47

REFERÊNCIAS

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