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R R R P

Capitulo 5

Nacionalismo espanhol contemporéneo

O Estado-nagdo tem sido a principal unidade politica do sistema interna-


cional nos últimos 200 anos, funcionando o Estado como a estrutura do poder
politico e a nação como o seu contetido. Os dois capitulos anteriores visaram
compreender a forma como a relação entre estes dois conceitos se foi desen-
volvendo em Espanha, tendo ficado patente que, logo a partir do século xix, o
grande motor da identidade nacional deste pais foi, precisamente, o Estado.
Com a evolução do Estado-nagao, acaba mesmo por se estabelecer uma relação
simbiética: se, num primeiro momento, o Estado constréi a prépria identidade,
erguendo a sua “comunidade imaginada”, numa segunda fase, passa a ser con-
dicionado e até controlado por essa mesma identidade. Surge, assim, o nacio-
nalismo de Estado, que se fará notar de forma muito especial nos casos em que
aidentidade centrfpeta ou o seu cardcter exclusivo são postos em causa.
Em Espanha, diversas identidades centrifugas contestam a identidade cen-
tripeta dominante. Aqui, a única identidade nacional dotada de soberania (nação
espanhola) acaba por utilizar a maquina de poder politico que o préprio Estado
constitui para afirmar o seu predominio. A Constituigdo de 1978, que fixou o
sistema democrético sucessor da ditadura franquista, optou por um modelo
de Estado que assenta a soberania numa tinica nação (art.º 2 da Constituição).
As outras identidades foram classificadas como “nacionalidades”, na acepção

135
ÓIS
NACIONALISMOS ESPANH

poder
palavra, não lhes tendo sido atribuído qualquer
meramente cultural da amentos polí.
be ra no . De not ar que o legislador constituinte, fruto dos alinh
so
ticos da época, nem equas ciono
u seriamentetsa instituição de um Estado federa)
er unitário de Espanha.
sublinhando explicitamente o caráct
da política esta-
Os sistemas político e eleitoral ditaram a bipartidarização
eita, o PP (depois da queda
tal espanhola, com um grande partido de centro-dir , o
e partido de centro-esquerda
da UCD e da refundação da AP), e um grand
cas de Espanha em cada
PSOE. O domínio das duas maiores formações politi
conjunto, tém
legislatura fica patente pela percentagem de lugares que, em
o de deputa-
ocupado no parlamento. O momento em que o peso, em nimer
var no Grá-
dos, das duas principais forgas foi mais baixo, como se pode obser
fico 3, registou-se na legislatura que teve infcio em 1989, com uns expressivos
de
80.6% do total. J4 o valor mais elevado foi produto das eleigdes legislativas
2008, quando os deputados do PSOE e do PP constituiram 92,3% de todos os
parlamentares eleitos.

GrAFICO 3
Deputados eleitos pelos dois partidos/coligações mais votados
em eleições legislativas espanholas (em percentagem)
:
95

80 12 TEAA
75 '

ST EfEE i E R B R A AAN
e

Ano

f im ttA
N o i lo
capitu anterior,
.
Ll
foram destacadas as principais linh condutoras do

com por tam ent o nti socieal istas


de dad e populares, enquanto grandes partidos estatdl®
espanhola. Ficou patente que ambos, com as devld!f
em rel açã o à ide

adaptações ideológicas e que cada momento exigi® def"";,


deram e preservaram a como pragmatismo no novo sistema, nu
Posi¢io dominante da nação

136
NACIONALISMO ESPANHOL CONTEMPORÂNEO

exercício que acabou por materializar


um processo de democratização do nacio-
nalismo centrípeto espanhol.
Neste contexto, é necessário sublinhar que o governo ocupa, em Espanha,
uma posição central no sistema político. A Constituição, no parágrafo único do
artigo 87º, define que lhe cabe dirigir “a política interna e externa, a Adminis-
tração civil e militar e a defesa do Estado”.(') Recorrendo à simples lógica
dedutiva, pode concluir-se que o poder que deriva de uma Constituição que
estabelece um Estado-nação terá necessariamente de se assumir como garante
da continuidade dessa mesma entidade política o que, neste caso concreto, é
sinónimo de colocar o governo numa posição liderante na defesa de Espanha,
tal como esta está definida pela lei fundamental. Fruto de circunstâncias polí-
ticas e de alinhamentos conceptuais específicos, o principal partido da oposição
pode condicionar de forma muito vincada a acção governamental: o governo
conta sempre com uma margem para actuar muito mais alargada (à luz do citado
artigo 87º da Constituição), mas a liderança conceptual e dialéctica e a inicia-
tiva política não estão pré-estabelecidas.
Num país com vários níveis de administração (estatal, autonómica e muni-
cipal), o governo central também acaba por enfrentar alguma concorrência
interna, o que faz com que ainda sobressaia mais como a face visível e com
poder do Estado-nação. O papel central concedido ao governo de Espanha
acabou por convertê-lo, por inerência, no garante da nação espanhola e no líder
do nacionalismo de Estado. Esta posição não foi enjeitada por nenhum dos
executivos do período democrático: os partidos que ocuparam o governo (como
na esmagadora maioria dos regimes parlamentares, em Espanha, é a partir dos
partidos que se forma o governo) assumiram sempre o cumprimento e a defesa
da Constituição como base do seu exercício do poder. O que acaba por variar
é a forma como se manifesta a defesa da nação espanhola, em função de um
conjunto de pressupostos ideológicos, históricos ou políticos.
Estas variações repercutem-se na dialéctica e nas políticas concretas de
cada governo. Isto foi verificado em relação ao PP e ao PSOE, por exemplo,
na operação militar que expulsou os marroquinos do ilhéu de Perejil (segundo
governo de Aznar) ou no processo de reforma do estatuto de autonomia da
Catalunha (primeiro governo de Rodríguez Zapatero). Em ambos os casos, a
respectiva concepção de Espanha enquanto nação, cuja imagem é politicamente
projectada pelo Estado, terá condicionado e influenciado a actuação governa-
mental. Porém, é possível detectar em cada período de governo do actual regime

———————

(") Tradução do autor. Ver Constitucion Espanola...,p. 17.

137
PANHÓIS
NACIONALISMOS ES

ndên cia com um modelo de exercício da identi


dade
democrático uma correspo
nador comum de pressupostos em relação
, respeitador de um de; nomi
espanhola
ao conceito de nação.
ons tra do pel o pod er pol íti co em relação a Espanha, tal como
O respeito dem a mensagem
itiu que, gradualr.neme,
é definida pela Constituição de 1978, perm os
vida dos cidadãos, deixando para trás
nacionalista espanhola reentrasse na
democráticos. Nos últimos
silêncios da Transição e dos primeiros governos
subvertida pelo equilíbrio de
anos, a lógica de liderança acabou por se ver de
grande protagonista do novo modelo
forças no sistema político espanhol. O
a por ser o Partido Popular
assunção identitária mais do que 0 executivo, acab
segue marcar a agenda em termos
que, mesmo quando estava na oposição, con
de discurso acerca da identidade de Espanha.
o grande partido espa-
Esta inversão veio pôr em sérias dificuldades o outr
conseguido prever
nhol, que, a0 apostar em políticas alternativas, parece não ter
nha podem
as resistências que éstas suscitariam. O PP e a sua concepção de Espa
ria
não representar a maioria absoluta da sociedade, mas representam uma maio
do
dos que participam mais activamente na vida política, como pode ser confirma
pelos resultados eleitorais e pelo entusiasmo e dimensão da sua militância. Por
outro lado, a mensagem acerca da importância da nação espanhola e do seu
carácter exclusivo em termos de direitos políticos é replicada por vários órgãos
de comunicação e acaba por constituir um trunfo de grande relevância.

1. Nacionalismo de Estado

Um dos pontos em que socialistas e populares convergem é na dificuldade


em assumir o próprio nacionalismo. A direita arrisca um pouco mais e tem
vindo a empregar, progressivamente, um modelo de discurso e de acção mais
afirmativos. Esta constatação não se aplica exclusivamente aos agentes politi-
cos. No campo académico e intelectual, parece haver uma maior tendência para
que sejam os mais próximos dos nacionalismos ou das identidades centrífugas
a reconhecer a existência de um nacionalismo espanhol (centrípeto). Neste
caso, está-se perante uma não assunção diferente: em relação ao académico 0¥
ao ;;:ãpm, ao contrário
dos agentes politicos, o mais importante não é a Suº
aui ição como nacionalista ou não nacionalista, mas
sim a sua opinião
em relação à existência, ou não, de um nacionalismo.

vistfd‘:)u.se98 . vízºãap;º&ssºm
9
universitários, investigadores e jornalistas entre”
alham para meios préximos dos nacionalismos basco º

138
NACIONALISMO ESPANHOL CONTEMPORÂNEO

s liga dos s corr


a estaquas ente e osepçque
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que © nacionfllls“_“’ ”?‘“h"l é uma realidade com peso político. Já
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AN anhsol quei vá ealém doglradicali
ocalismo
qu ap od o esp smo
pegaram à existência de um
ção fazer qualquer extra-
de extrema-direita. N'º_ - _pmtende com esta considera vante a indicação de
polação de base quantitativa, mas não delxa de ser rele
“mmmchobservadawlongodx leiture ada andl
do is e de campo
trabalho
que p;uidiu a este texto.
s com a maioria e
poderiam ser destacadas três posições menos alinhadaUria
. Edurne rte, académica
que vão mais ao encontro do modelo proposto
ta em afirmar a existência de um
posicionada no conservadorismo, não hesi -
a reserva gene
nacionalismo espanhol.(2) A explicação dada pela própria para sa
alismo ao falar da defe
ralizada em relação à utilização do conceito de nacion
o de vista
de Espanha prende-se com o facto de o termo ser utilizado, do pont
alismos étnicos. Uriarte assume a
político, sobretudo, para qualificar os nacion
, mas caracteriza-o como sendo
utilização do conceito de nacionalismo espanhol
ce óbvia a remissão para a contra-
político, por oposição ao étnico. Aqui, pare
meiro capítulo, entre nação cívica e
posição, mencionada no princípio do pri
nação étnica.
r de Sociologia na Univer-
No campo socialista, Tmanol Zubero, professo
08 a 2011), reconhece que existe
sidade do País Basco e senador pelo PSE (20
stão mais importante está na sua
um nacionalismo de Estado, mas que a que
smo moderno pode ser compatível
actuação.(?) Considera que um nacionali e do
nacional cultural, mas que boa part
com o reconhecimento da pluralidade
em relação à dimensão plural de Espa-
nacionalismo espanhol é muito reactivo utor do
to pelas listas do PSC e co-a
nha. Já Daniel Fernández, parlamentar elei existéncia de
ensaio A favor de Esparia y del catalanismo, também admite a
com o
ion ali smo esp anh ol ass umi do através do Estado, 2 semelhanga
um nac sifica-0 como
Portugal, mas, no essenc ial, clas
que acontece com Franga ou com ais
do cataldo, salvo casos individu
de direita e conservador.(*) Para este deputa
o PSO E ndo sust enta pos i¢o es naci onalistas espanholas. A esquerda
pontuais, espanhol, mas por
ao de coesdo do território
também contempla uma dimens
aldade dos cidadaos.
via do Estado social, que garante a igu

——n
, 16 de Novembro de 2010.
() Entrevista a Edurne Uriarte. Madrid
16 de Setembro de 2010.
(j) Entrevista a Imanol Zubero. Bilbau, 1.
Madrid, 10 de Fevereiro de 201
() Entreyista a Daniel Fernndez.
NACIONALISMOS ESPANHÓIS

Em relação à questão concreta da existência ou não existência de um Nacig.


nalismo espanhol actuante a partir do Estado, parece 6bvia a sua existéncig ¢
abrangéncia em relação aos dois partidos de poder espanh6is. A defesa dest
posicionamento não é feita a partir de uma perspectiva acritica e pré-definida,
mas à luz da grelha de leitura atrds sugerida. No segundo capitulo, foi apresen-
tada uma proposta de andlise do nacionalismo a partir de trés dimenses espe.
cificas: acção, discurso e autodefinição.
Ao observar a realidade politica de Espanha a partir desta lógica multidi-
mensional, afigura-se como evidente que existe um nacionalismo espanhol que
actua a partir do Estado, mesmo quando os que o implementam negam a sua
existéncia. Também deve ser assinalado que a grande especificidade deste caso
— a presenca de identidades nacionais centrifugas alternativas à identidade
nacional que a Constituigao prevé como tinica fonte de soberania — é uma das
maiores condicionantes à sua actuagdo e à sua afirmagdo. A dimensão da acgio
acaba, assim, por ser a componente mais consensual do nacionalismo espanhol
contemporéneo. Conforme foi pormenorizado, os dois principais partidos asse-
guram, de forma consistente, mais de 80% do total de votos em eleigdes legis-
lativas estatais e são a principal garantia da manutengdo de Espanha, tal e como
é definida pela Constituição de 1978.
Apesar de algumas tentativas de reforma territorial, por parte do PSOE, 13
legislatura 2004-2008, e da alianga pragmatica do PP com nacionalistas catalães
e bascos, na legislatura 1996-2000, os limites impostos pela lei fundªmººfªl
nunca estiveram efectivamente em causa. As maiores diferengas entre so¢i
listas e populares surgem, sobretudo, na dimensão discursiva, uma vez que ™
vertente de autodefinigao nenhum dos dois partidos se assume, directa ou in
rectamente, como nacionalista. O PSOE e o PP, que têm ocupado ininterruP"
tamente o poder desde 1982, desenvolvem politicas nacionalistas ”
a partir do governo ou da oposição.
" o çà a;E:ªçª entre os dois reside no facto de o primeiro o fa:; Ê
nhola e críticas abertas ::; s;:lbt.fl' otk i Z::ç:zm; de
um nacionalismo afirmativo, ES SE AENA EA RLA umacri
aberta a0 que denomina oot W partedo . SNEE remete
para os nacionalismos ¢ i i R mas qmacfiw
entrifugos.(%) Como se verd em seguida, este
s
. Ô A;’s:l:us_e:: “?esspllo_grmns eleitorais com que os dois principais partidos ”m;"z
pmpemnmsaol s eleições legislativas (2004, 2008 e 2011), confirma-s¢ n:: pSOE:
para assumir explicitamente Espanha como
uma nação. No caso

140
NACIONALISMO ESPANHOL CONTEMPORÂNEO

por p:evalºººf nos úl.nmos al.los e, mesmo com o PP na oposição durante duas
Jegislaturas, conseguiu arregimentar uma base de apoio política e social muito
;eleVªl“ª-

2. Prevalência do modelo identitário espanhol de centro-direita

A partir da legislatura que tem início no ano 2000, com as tentativas de


esclarecimento conceptual, à esquerda e à direita (patriotismo constitucional,
10 PP, e Espanha plural, no PSOE), as águas começaram a separar-se até à
ruptura partidária, coincidente com a vitória socialista de 2004. O carác-
ter inesperado do resultado das eleições legislativas desse ano e as circunstân-
em que se registou (na sequência dos atentados de 11 de Março
cias dramáticas
e de acusações mútuas entre os dois partidos da sua utilização para efeitos
eleitorais) ditaram o início do período que ficou conhecido como “a legislatura
deixa-
da crispação”. Entre 2004 e 2008, os dois principais partidos espanh6is
em
ram bem patente que tém visões distintas de Espanha, o que se manifestou
do estatuto
processos tão diversos como as negociagdes com a ETA; a revisdo
52/2007, de 25 de
de autonomia da Catalunha; a lei de memória histérica (Ley
Guerra Civil e da
diciembre), que procura reparar algumas injusticas fruto da
que passou a constar
ditadura; ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo,
do Código Civil (Ley 13/2005, de 1 de Jjulio).
foi a tentativa do
Um dos aspectos mais determinantes para esta ruptura
Zapatero de impulsionar
primeiro governo do PSOE liderado por Rodriguez

(5 das quais para se referir ao


esta expressão surge, no texto do programa de 2004, 6 vezes
e 2011, também como integrante da expres-
“governo da nação”), e apenas 1 vez em 2008 em
populares, surge 8 vezes em 2004, 24 vezes
são “governo da nação”. Em relação aos ama de
PP, 2004, 2008, 2011). O progr
2008 e 3 vezes em 2011 (PSOE, 2004, 2008, 2011; uma
uma vez que o seu contetido revela
2008 não é apenas rico em termos quantitativos,
coesa e com vários séculos de história
defesa aberta de Espanha enquanto nação unida e d.c
ao cardcter livre e à igualdade dos cidad\z’ms}
(PP, 2008: 11 e 33). As várias referéncias
espanhola na presente legislatura” l.ndl(‘:la
Espanha e aos “sérios desafios langados à Nação a primeira
negociações coma ETA que marcaram
uma resposta às reformas territoriais e às PSOE, Merecemos una Espaiia mejor. Programa
legislatura de Rodriguez Zapatero. Ver
Obrero Espaiol, 2004; PSOE. Motivos para creer.
electoral, Madrid, Partido Socialista
do Socialista Obrero Espaiiol, 2008; PSOE, Prog
rama
Programa electoral, Madrid, Parti juntos:
electoral 2011, , Madri d, , li a
PartiParti do : Sociajalist
Obrero Espaiiol,*do 2011; PP, 2004;
Popular, 1P, sLasideds
Avanzamo
Madrid id, Part 3
Programa da : Partidc A
gobierno del Partido Popular, Madrid,
lar, Madrid, Partido Popular, 2008; PP,
¢
Claras: Programa de gobierno del Partido Popu 2011-
Más sociedad,mejor gobierno, Madrid, Partido Popular,
141
NACIONALISMOS ESPANHÓIS

uma série de reformas contrárias à lógica de silêncio em relação à ditadura que


dominava o país desde a democratização. Estas iniciativas colidiram com os
consensos bipartidários que marcaram a política espanhola durante as
Prime;.
ras décadas da democracia. Muitas das novas propostas contrariavam a Matri;
ideolégica do PP e do eleitorado conservador que, na sua quase totalidade
,
assume o apego ao “espanholismo”.(°) Sebastidn Balfour e Alejandro Quiroga
consideram que “a retórica sobre os perigos da desintegração de Espanha res-
ponde mais à estratégia do PP de confrontação com o governo do PSOE do que
a uma verdadeira preocupação em relação ao futuro da na¢do”.(’)
A identidade nacional espanhola assumirá uma posição central neste perí-
odo, com os populares a enveredar por uma estratégia de mobilização de mili-
tantes e de simpatizantes sem precedente na direita democrática. Por exemplo,
na vertente de contestação à política antiterrorista, entre Janeiro de 2005 e
Dezembro de 2007, o PP e diversas organizações que actuam na sua órbita ou
contam com o seu apoio explícito organizaram um total de 15 manifestações
e actos públicos de afirmação, directa ou indirecta, da unidade de Espanha.(*)
Este comportamento condicionou a actuação do governo, que se viu flanqueado,
na vertente centrífuga, pelos nacionalismos basco e catalão, que exigiam pas-
sos políticos concretos nas respectivas regiões (aprovação do novo estatuto na
Catalunha e negociações de paz no País Basco); e na vertente centrípeta pelo
recrudescimento de um nacionalismo espanhol afirmativo que encontrava,
finalmente, argumentação num quadro democrático.
O confronto entre esquerda e direita põe em evidência a ausência de um
discurso nacional estruturado por parte do PSOE na etapa de poder de Rodri-
guez Zapatero, ao mesmo tempo que confirma uma linha discursiva com con-
sistência interna do PP. Em paralelo, começa a ser óbvio que o principal
partido
da oposição dispõe de uma máquina política muito robusta, com uma base
social, militante e eleitoral sem precedentes para quem não ocupa o poder. Em
Novembro de 2008, oito meses depois da segunda derrota consecutiva em
eleições legislativas, o Partido Popular afirmava contar com aproximadamente

(O Ver Eduard Bonet, Santiago Pérez-Nievas e Maria José Hierro, “Espaãia en 125
umas: territorialización del voto e identida d nacional en las elecciones de 2008” in José
Ramon Monterto e Ignacio Lago (eds.), Elecciones Generales 2008, Madrid, Centro &
Investigaciones Sociológicas, 2010, p. 343.
(') Tradução do autor. Ver Sebastian Balfour e Alejandro Quiroga, Espaa reinventada.
Nación e identidad desde la Transición..., p. 222.
() Ver Eduard Bonet, Santiago Pérez-Nievas e Maria José Hierro, “Espafia
en 135
umas: territorialización del voto e identidad nacional en las elecciones
de 2008”..., P 340

142
NACIONALISMO ESPANHOL CONTEMPORÂNEO

” 000 militantes, um número que não s(_)fria grande contestação e que quase
quplicava 05 eflt.zn'ce‘rca de .360.000 filiados de um PSOE que acabara de
revalidar à sua mamm.i relativa no pfirlamento.(") Mais importante, a base
eleitoral continuou muito forte e consistente, com o PP a voltar a subir, em
acima dos 10 milhões de votos, algo inédito, na histéria das eleigoes
3
icas espanholas, para a segunda forga mais votada.
Como é visivel nos Gréficos 4 e 5, desde a reinstituigéo do sistema demo-
crático, 0 PP tem vindo a ganhar peso eleitoral, sendo particularmente relevan-
tes dois momentos desubida acentuada: o do colapso da UCD, que permitiu à
AP ocupar 0 lugar de principal forga do centro-direita, a partir das eleições de
1982; e 0 da consolidagdo da lideranga interna de José Maria Aznar, a partir
das eleigdes de 1993, ano em que finda a série de trés maiorias absolutas do
PSOE de Felipe Gonzdlez (1982, 1986 e 1989).

GrAFICO4
Evolução da AP/PP e do PSOE
em eleicdes legislativas espanholas (em percentagem)

60
50
h
A A . & 2 : N Iy °

30— —g— U o A|
20
0 E g
) —— —— — - —

58885888888 REREE
Ano

®APPP APSOE

Fonte: Elaborado com base nos dados de Ministerio del Interior — Gobierno de Esparia,
2012

A evolução do PP torna-se ainda mais evidente quando comparada com a


do outro grande partido espanhol. Os socialistas, logo nas terceiras eleições
(a mais
legislativas da democracia, obtiveram um resultado muito expressivo
os e
dmpla das maiorias até agora registadas), com 48,11% dos votos express
202 deputados eleitos em 350, como fica patente nos mesmos gréficos.

afiliacion para
(') Ver Cristina de la Hoz, “El PP pone en marcha una campafa de
4Pt 25,000 militantes más”, ABC, 21 de Novembro de 2008, p. 21.
143
NACIONALISMOS ESPANHÓIS

GRAFICO 5
Evolução da AP/PP e do PSOE
(em milhares de votos)
em eleições legislativas espanholas
(S
12000 a ET c
10000 ARy 7
E
8000

4000
2000 E F

i8R BBERRE
g—'m‘vx)hylm—-"m.,,',\o'_’;
besssess
ºr—o«-—m'm

Ano
OAP/PP APSOE

Fonte: Elaborado com base nos dados de Ministerio del Interior — Gobierno de Espaiia,
2012

Contudo, estes niveis não voltariam a repetir-se e as trés últimas vitdrias


do PSOE (1993, 2004 e 2008) são obtidas com os populares já consolidados
como grande partido e a uma distancia de apenas 4,02%, 4.88% e 3,93%. Por
outro lado, as trés tinicas vitérias do PP (1996, 2000 e 2011) arrancam com
uma diferenca muito reduzida para o segundo partido, 1,16%, mas sobem pard
uns muito destacados 10,36% e 15,87%. Nestes dois casos, o resultado também
se materializou em maiorias absolutas (183 e 186 deputados sobre um total
de 350).
Outro factor a ter em conta é o caracter homogéneo da presenga territorial
do PP. J4 foi sublinhado o peso dos resultados obtidos pelo PSOE nas regioes
com identidade centrífuga, nomeadamente a basca e a catalã, para as vitórias

de 2004 e 2008. A contraparte desses resultados &, precisamente, o bom coM


portamento eleitoral que os populares revelam em grande parte das restan'e*
regiões. Na vitória de 1996, o PP vence em 13 comunidades e nas 2 cidades
autónomas, ficando apenas de fora Extremadura, Andaluzia, Catalunha (PSOE)
e Pais Basco (PNV). Em 2000, soma as conquistas regionais de quatro o
ªm;ª; Extremadura. Mesmo nas eleições legislativas de 2004 e de 2008. Pº”
âz; vnó.nas socialistas, o PP continua a ser o partido com mais com!
É dª;:nqu'lâtadus: 12 regiões e as 2 cidades autónomas e 9 regiões º *
$ autónomas, respectivamente. Mais recentemente, na sequência 4™
econ.(Snuca € dos últimos desaires socialistas, o partido :‘le centro-direita com
seguiu passar à acumular um poder sem p ¥ dentes, assegurando © govenlº
autonómico de 11 comunidades e das 2 cidades ªu,[ónomns e tendo Sido *

144
NACIONALISMO ESPANHOL CONTEMPORÂNEO

formação mais votada, nas eleições legislativas de 2011, em 15 comunidades


enms? cidades autónomas.
Toda esta robustez fez do Partido Popular o maior e mais relevante partido
de Espanhã, oscilando, nas últimas duas décadas, entre grandes vitórias e sua-
ves derrotas. 'Pambé.m parece evidente que o crescimento político, social e
eleitoral de um partido com um discurso e um programa de afirmação (ou
ação) identitária espanhola beneficia necessariamente essa mesma iden-
tidade. Por outro lado, este reforço da posição ‘espanholista’ permite que o seu
uma
rincipal garante veja o próprio papel reforçado, no que se assemelha a
relação simbiótica entre o PPe a identidade espanhola.
Até 2004, a iniciativa e a liderança, em termos de identidade espanhola e
das várias questões políticas e territoriais adjacentes, correspondeu claramente
20 governo Ou ao partido que o ocupava em cada momento. Bastará referir que
foi a partir do executivo da UCD que se enquadraram os processos pré-auto-
nómicos basco e cataldo e que foi desde o governo que o PSOE de Felipe
González implementou o modelo politico e territorial emanado da Constituição
de 1978 e disciplinado pelos pactos autonmicos. Esta lógica sofre uma séria
contrariedade a partir da vitéria socialista de 2004, uma vez que o PP não estd
disposto a ceder no que respeita à sua ideia de Espanha e ao seu projecto nacio-
nal. As propostas desarticuladas de Rodriguez Zapatero ndo reúnem qualquer
simpatia entre os populares e entre o eleitorado de centro-direita.

3. Rede de apoios
os
0 programa reformista de Rodriguez Zapatero não se limitava a arranj
m
territoriais ou A mera revisão conceptual da identidade espanhola. També
a
procurou actuar no campo social. As suas tentativas de reforma permitirdo
quase todas estas
oposição conservadora revelar-se firme e determinada em
trouxe de volta,
vertentes, numa quebra clara dos consensos da Transição, o que
a’. A acção
em alguns sectores, a dialéctica de confronto entre as “duas Espanh
a concepção de
governamental e as resisténcias suscitadas deixam patente que
da organização
uma identidade pode não se limitar aos pontos de vista acerca
territorial ou das politicas linguistica e cultural. As diferengas a respeito dos
uma iden-
valores e das politicas que se pretendem como caracterizadoras de
tidade também podem ser muito importantes. Por exemplo, a vontade manifesta
entre pessoas do
de Zapatero em fazer aprovar a legalizagao dos casamentos
mesmo sexo pode ser interpretada como uma vontade de colocar Espanha entre

145
ÓIS
NACIONALISMOS ESPANH

matéria. Por sua vez, este novo


os países com legislação mais avançada nesta ística associável a um
quadro legal poderá ser reconhecido como uma caracter -
ota do com um ace ntu ado conservadorismo de matriz cató
Estado outrora con a por
el de alterar a imagem projectad
é passív
lica. Esta situação, entre outras,
ao catolicismo e a algum conser-
Espanha, que passaria de um país vinculado igualdade de
vadorismo, para um dos país es mais avançados em matéria de
direitos.
enquanto paladino de uma deter-
O maior destaque do PP face ao PSOE,
con cep ção iden titá ria de Espa nha, também vem da solidez dos apoios
min ada -se um conjunto
conta. Entre estes encontra
institucionais e sociais com que l,
ões a grupos de comunicação socia
de organizações que vão de associaç suporte
nhola. Esta autêntica rede de
passando pela Conferência Episcopal Espa
defesa da nação e do Estado-nação
tem sido muito importante para que 2 populagdo.
ral em largos sectores da
espanhóis comecem a surgir como natu
(2004-2011), estes actores da deno-
Durante os últimos sete anos na oposição
is para arregimentar apoios e para
minada sociedade civil foram essencia permiti-
tero. Em certa medida,
condicionar as reformas de Rodriguez Zapa
mobilizado, a0 mesmo tempo que
ram manter o eleitorado conservador o
Sebastidn Balfour e Alejandr
debilitavam as posi¢des do governo socialista.
nte nos vectores moralidade,
Quiroga falam mesmo de uma campanha asse
terrorismo e nação.("º)
populares foi a Igreja Católica
Nas questdes morais, o principal aliado dos
oas do mesmo sexo
¢ 0 seu combate contra a aprovação do casamento entre pess l.
um ataque 2 familia tradiciona
e contra a reforma da lei do aborto, vistos como
l a actuação da Asociacion
No caso do terrorismo e da nagdo, é incontorndve
os anos, foi dominada por
Victimas del Terrorismo (AVT), que, durante véri
a ica o facto de.
sectores assumidamente conservadores. Esta circunstinci expl
festagdes contra o processo
entre 2005 e 2006, terem sido convocadas seis mani
plexo processo
de negociagdes com a ETA.("") Também no quadro do com manifestação,
uma
negocial basco, torna-se imprescindível fazer referência a acçã
a 17 de Março de 2007, em Pam plo na. Esta o política conta
que decorreu
com a atípica circunstância de ter sido convocada pelo próprio rrogoverno &º
lo Nava (UPN)
Comunidade Foral de Navarra, liderado pela Unión del Pueb

: J
lfour e Alejand
() Ver Sebastian Ba.,
*
Quiroga, Esp aii a rei nventada. Nación
tidad desde la Transición..p. 225. ejandro —
Zapatero 2004-. : x
(') Ver Antonio Papell, de la crispo.
ipatero 2004-2008: La legislatura
p. 263.

146
NACIONALISMO ESPANHOL CONTEMPORA|
NEO

aaluraa “marca' do PP na ªu_tonomia, como objectivo de contestar uma hipo-


tética unificação desta ºº““";'dªdº i 1_)3{5 Basco, no contexto de um acordo
qe paz para à região (““; uma das exigéncias histéricas do nacionalismo
padical basco e da ETA).(?)
A contestação ao n.mdelo tjlo PSOE não é feita exclusivamente a partir da
direita e do WnW1m polluc? e social. Durante a governação de Rodríguez
gapatero emergiram novos partidos de centro-esquerda, cujo traço caracteri-
ador foi a oposição aos nacionalismos centrífugos e & política de aliangas dos
socialistas- A primeira formação a surgir foi o Ciudadanos - Partido de la
Cindadanta (C's), partido cuja influência está circunscrita à Catalunha, fundado
em Julho de 2006, com origem em sectores que contestam o nacionalismo
catalão e 85 políticas linguísticas implementadas pelos sucessivos governos
am(,.,ómicas.('ª) O Ciudadanos nasce como um projecto que pretende ser
transversal e ideologicamente não vinculado, assumindo abertamente o seu
anti-nacionalismo. Quando completou um ano de existéncia, no segundo con-
gresso, foi aprovada uma moção, redigida pelo constitucionalista Francesc de
Carreras, que clarificou o ideário do partido, enunciando de forma explícita um
posicionamento de centro-esquerda.(**) Nas primeiras eleições autonómicas
catalãs em que participa, em 2006, obtém 3,03% dos votos e elege 3 deputados
sobre um total de 135. Quatro anos depois, sobe ligeiramente, chegando aos
3,39% e conquistando os mesmos 3 deputados.(")
Em 2007, é fundada a Unión, Progreso y Democracia (UPyD), num pro-
cesso que se assemelha a uma cisão do PSOE. Se no caso do Ciudadanos não
havia um vinculo óbvio com este partido, a principal impulsionadora da UPyD,
aentão eurodeputada Rosa Díez, era uma militante socialista com grande peso
mediático. Fora candidata a secretária-geral contra Rodríguez Zapatero, no
congresso de 2000, conselheira do governo autonómico basco, entre 1991 e
1998, e eurodeputada, entre 1999 e 2007. Progressivamente, afastou-se do

de
() A quarta disposição transitória da Constituição de 1978 prevê a possibilidade
Navarra integrar a comunidade autónoma do País Basco. Esta decisão deverá ser tomada
referendo regional.
pelo órgão foral competente (parlamento de Navarra) e ratificada em
Ver Constitución Espafíola..., p. 37.
aspira a entrar en el Par-
(%) Ver Francesc Bracero, “Ciutadans nace como partido y
lament”, La Vanguardia, 10 de Julho de 2006, p. 23.
te de Ciutadans con
(%) Ver Jaume Bauzà, “Albert Rivera logra salir reelegido presiden
.com/diario/2007/07/02/
una oposición del 40%”, El País, 2 de Julho de 2007, http://elpa.is
catalunya/1183338443 850215.html [25 de Março de 2012].
cions Institucionals — Generalitat de Cata-
(%) Ver Departamentde Governacid i Rela
lunya, s/data

147
NACIONALISMOS ESPANHÓIS

partido de origem, contestando, sobretudo, a política de aproximação aos nacio.


nalismos centrífugos, especialmente no caso do País Basco. As nNegociações de
2006-2007 com a ETA acabam por ditar o seu afastamento definitivo e cimen-
tam a ideia de, em conjunto com outras figuras próximas da esquerda, como o
filósofo Fernando Savater, fundar a UPyD, numa estratégia de capitalização
do descontentamento com o novo rumo do PSOE.
No primeiro congresso, em Setembro de 2007, o partido declarou-se laico
e progressista, numa alusdo implicita ao eleitorado socialista, sublinhando,
sobretudo, as suas divergéncias em relagdo ao modelo de Estado autonómico
e à politica de combate ao terrorismo.(') Nas eleições legislativas de Margo
de 2008, a UPyD obtém 1,16% dos votos, conseguindo entrar no parlamento
espanhol, com a eleição da sua lider pelo circulo de Madrid. Em Novembro de
2011, no acto eleitoral que ditou a derrota do PSOE, atinge um total nacional
de 4,7% e 5 deputados sobre 350.("”)
Tendo em conta que os socialistas perderam cerca de 4.000.000 de votos
entre 2008 e 2011 e que o reforço do PP em número de eleitores e de deputados
foi consideravelmente menor, não é de descartar que tenha havido uma subs-
tancial transferéncia de votos do PSOE para a UPyD. A Fundacién Ciudadania
y Valores numa andlise aos resultados, da autoria do sociélogo José Ignacio
Wert, confirma a forte plausibilidade desta tendéncia.('®)
A imprensa € outro dos setores que desempenham um papel muito rele-
vante nos posicionamentos em torno da identidade nacional. Não é de estra-
nhar a importância atribuida por Benedict Anderson à invenção da imprensº
para o desenvolvimento do nacionalismo. Pode mesmo afirmar-se que &5
fendmeno tem vindo a atualizar-se: o protagonismo dos textos impressos como
mei.o de difusao de linguas vernaculares deu lugar ao dos contetidos trans
mitidos instantaneamente que devem confirmar uma determinada mensage™
por forma a torná-la plausivel e real. O efeito de todas estas manifestações º
concentragdes de rua acima mencionadas também não escapa a esta g™ &
para se fazer sentir à escala nacional, tem de ser difundido pelos meios &
comunicagio.

(") Manuel Altozano, “El partido de Díez y Savater pide la devolución al Estado %º
las competéncias de educacién”, El Pais, 30
1i0/2007/09/30/espan de Setembro de 2007, hm//dp,;s.com/d"'
a/1191103210_850215
htm [25 de Mar gode 2012):
(") Ver Ministerio del Interior
— Gobierno de Espaiia, 2012.
('*) : Ver José i
Ignacio We t, Eleccioi - Análisis inar,
preliminar: Madrid:
A
Fundacién Ciudadania y Valores, 201; ":-;Genemkx e —

148
NACIONALISMO ESPANHOL CONTEMPORÂNEO

Angel Castifieira (2011), director da Cdtedra de Liderazgo y Gobernanza


ica da Escuela Superior de Administracion y Dirección de Empresas
s ADE) da pniversidade .Ran-xon Llull (}.iamelona), atribui especial impor-
ncia aos meios de comunicação de Madrid.(”) A partir da sua posição geo-
grflfi "” (Bamelona)'e ldexmtá_rla (afirma sentir-se catalão), referindo-se à
idade dos meios da camtal espanhola e sem empregar qualquer especi-
ficação ideológica, Castifieira utiliza a metáfora de Madrid como coração de
"” “que palpita cox‘lstantem.enm e irradia ondas de informagdo para
orestodo pais”. Estas ondas informativas, definidas pelos órgãos de comuni-
30 social, constituem
“as grandes mensagens culturais, desportivas, econó-
micas e politicas que 0 resto de Espanha deverd digerir”. Tendo em conta o
considerdvel grau de politizagdo da imprensa espanhola, não serd abusivo con-
cluir que O conteúdo da mensagem poderá variar em função da tendência do
emissor.
Daniel C. Hallin e Paolo Mancini, na obra Comparing Media Systems,
afirmam que, ao longo do período democrático, a afinidade política de grande
parte dos media espanhóis se tornou uma realidade, o que acabou por resultar
em dois blocos claramente definidos.(?”) Por um lado, o grupo PRISA, que
controla o El País e a Cadena Ser, respectivamente o diário pago e a rádio com
maior audiência do país, demonstrou uma sintonia muito considerável com o
PSOE, principalmente na era de Felipe Gonzélez. Já o campo conservador, em
claro crescendo de influéncia desde o final da década de 80 do século xx, tem
sido marcado por uma maior dispersão empresarial, o que lhe permitiu alcan-
çar um público mais vasto.
Considerando os quatro maiores diários generalistas de Madrid, três estão
mais alinhados com as posições do PP: Segundo dados de um estudo elaborado
regularmente pela Oficina de Justificación de la Difusión (OJD), o El Mundo
(Grupo Unidad Editorial) contou, entre Julho de 2010 e Junho de 2011, com
uma circulação média de 266.294 exemplares; o ABC (Grupo Vocento), com
242.154 exemplares; e o La Razón (Grupo Planeta), com 109.166 exemplares.
A soma dos três jornais totaliza 617.614 exemplares de circulação média. Já o
El País registou 369.707 exemplares de circulação média.(*)

(º) Entrevista a Angel Castifieira. Barcelona, 8 de Fevereiro de 2011.


Models
() Ver Daniel C. Hallin e Paolo Mancini, Comparing Media Systems: Three
f Media and Politics, Cambridge, Cambridge University Press, 2004, p. 104.
ww.
() Ver OID, Pégina da Oficina de Justificacion de la Difusión, 2012. http://w
Introl.es/OJD/Portal/home_ojd/_ZmEG1s9_YAYSwV. _g7wLIFQ [25 de Margo de 2012].

149
NACIONALISMOS ESPANHÓIS

No que respeita à televisão, durante os dois governos de Rodríguez Zapa-


tero, ocorreram duas alterações importantes: o desenvolvimento do grupo
empresarial Mediapro, que tinha como face mais visivel a estação La Sey,
(além do diário generalista Público, que, em Fevereiro de 2012, encerrou a
edição em papel); e a transição das transmissões do sistema analógico Para o
sistema de televisão digital terrestre (TDT). No primeiro caso, não parece
abusivo considerar que o grupo Mediapro tentou desempenhar, nesta etapa, o
mesmo papel de aliado que o grupo PRISA desempenhara nos governos de
González, assumindo posições mais próximas do progressismo do novo presi- —
dente do governo do que do pragmatismo do seu antecessor socialista.(?) Já
o grupo PRISA manteve alguma coerência ideológica, mas, em termos práticos, |
distanciou-se do novo poder.(**)
Os dois canais televisivos nacionais privados mais antigos a transmitir em
sinal aberto, a Antena 3 e a Telecinco, estdo integrados em grupos potencial-
mente alinhados com o centro-direita. Esta situagdo poderd ter conduzido o
executivo do PSOE a alterar, na mesma reunido do Conselho de Ministros em
que calendarizou a migragdo definitiva para a TDT, uma licenga anal6gica
nacional já existente para que um canal do grupo PRISA pudesse passar &
emitir em sinal aberto 24 horas por dia (Cuatro) e a abrir concurso para con-
ceder uma nova licenga (La Sexta). A prépria primeira vice-presidente do
governo, Maria Teresa Fernandéz de la Vega, assumia que esta decisão tinha
como objectivo ampliar “o pluralismo na televisão convencional”.(*) Através
do Plan técnico nacional de la televisién digital terrestre, que consta do Real
Decreto 944/2005, e do Reglamento general de prestación del servivio de la
television digital terrestre, Real Decreto 945/2005, ficou entio delimitado ©
n;;‘:)rfzg"'? televisivo espanhol e estabeleceu-se que este deveria estar em
i 12:‘;’:2':““{ :;é ao princípio de Abril de2010.
oferta televisiva all).lel:ent(;rde tm.nmçân AAAA
Ni e .conslde'aravelmente em relação ao modelo anteri™
vmt:riºf
uigdo de mais canais aos players que já actuavam com emissóe

et
i Mi i P, oo
05 medios y el poder politico
y corporativo”, Viento Sur, 05
103 =
(fª) Ver Fernando Jáureg
ui, La decepcién: crénica amarga y secreta de cuatro ãos
de cn;pación..., pp- 319-321.
(*) Tradução do autor, 1
É Ver Charo
:;n nbler t;m22 /(;'t;;;as E
; El Mundo.es, Marco s, “El Gobierno permite
Ã. .
undo 31 de Julho de 2005
9leomunicacion/1122640389 html [25 hW”."““'ºmunwg
de Margo de 2012)-
150
NACIONALISMO ESPANHOL CONTEMPORÂNEO

fld@w e de licengas eoncedld.as exclusivamente para o


novo sistema.(*)
- caso, é incontornável a decisão tomada pelo segundo governo de José
á Aznar, que, a 24 de Noveml:;ie_ 2000 divulgf)u o resultado do concurso
” wW'mºº _lohgadoaojfsrnalABCeaumgrupo
a o ;mwflm{“).&m dos canais La Sext e Cuatro
a , pela
u governo de W. Jjá estava, pois, previamente compensada
, sob o
aa. Ra recomposi S
do panor
ção ama audiovisual beneficiou, sobretudo, o
ireita e, em conseqa uê
sua visão
ncdeia Espan
,ha. Conforme o novo
qwmsfdmmsefo_mmesmbelecendopªdmde
nlmiommenm
u telespectadores e as emissoras, foi possível identificar a importânci
a
crescente de uma mensagem conservadora que, em certas ocasiões, chega a
tocar 0 ultranacionalismo espanhol. Na edição de 22 de Fevereiro de 2010, o
o El País apresentava
uma reportagem sob o sugestivo título de Los ultras
conquistan la TDT. Constatava-se, então, que o espaço de debate político em
17ês dos novos canais da TDT era dominado por programas de “tertúlia”, com
uma tendência claramente conservadora e sem espaço para o mais ínfimo equi-
líbrio ideológico de posigdes.(*’) Este tipo de programas assenta, sobretudo,
10 debate coloquial de ideias que estejam a marcar a actualidade mais imediata,
não se caracterizando propriamente pelo conteúdo informativo, mas sim pela
opinião dos participantes.(?*) O espaço fica mais aberto para a doutrinação e
menos para a função informativa.
Rosario G. Gómez enumera três canais que utilizam ou utilizaram este
modelo de conteúdo com o mesmo pendor ideológico conservador: Intereco-
nomia TV, Libertad Digital (cessou emissões em Julho de 2013) e Veo7 (cessou

(%) Se tivermos em conta a baixa penetração da televisão por subscrição em Espanha,


este salto tecnológico ganha ainda mais relevância. No seu Boletin Mensual de Audiencia
de TVde Março de 2010, a empresa Kantar Media, responsável pela medição de audiências
com recurso a audimetro, considerava que apenas 20,7% do consumo televisivo era feito
através dos sistemas de cabo ou de satélite, sendo os restantes 79,3% feitos através da TDT
edo que restava das transmissões convencionais analógicas.
de
() Ver “El consorcio NET TV, liderado por Prensa Espaiiola, obtiene una licencia
86.
TV Digital Terrestre en abierto”, ABC, 25 de Novembro de 2010, Elp. País,
(%) Ver Rosario G. Gémez, “Los ultras conquistan la TDT”, 22 de Fevereiro
de 2010, hup:/lelpais.com/diafio/ZO10/02/22/sociedad/ 1266793204_850215.html [25 de
Margo de 2012],
(%) Ver Teodoro León Gross e Berbardo Gémez Calderón, “La tertulia en Espaiia:
Periodistico,
medios piiblicos, última frontera de la pluralidad”, Estudios sobre el Mensaje
17(1), 2011, p. 68.

151
ESPANHÓIS
NACIONALISMOS

todos, o desequilíbrio entre os partici-


emissões em Dezembro de 2011). Em vin-
é notó rio, sen do na sua prát ica totalidade pessoas ideologicamente a
pantes onémica confir moy
eita. Po steriormente, & crise ec
culadas a sectores de dir
destes projectos.
inviabilidade de boa parte o medidtico semelhante. O mais
a dis pôs de qu al qu er pa lc
A esquerda nunc do PSOE, o Hoy,
de um pro gra ma tel evi siv o alinhado com as posigdes
préximo
(en cer rad a em De ze mb ro de 2010), estagao produto de
tinha lugar no CN N+
parc eria entr e o cana l inf orm ati vo norte-americano CNN e o grupo PRISA,
uma ncipais temas do dia.(”)
ise e reflexdo ' dos pri
e era sobretudo dedicado à andl
ar sobretudo pelo tom crítico do seu
A tendência progressista fazia-se not ções
Ifaki Gabilondo, em relação às posi
apresentador, o veterano jornalista
dire ita e não pelo esti lo agr ess ivo que marca os programas mais conser-
da
vadores.
ivamente a um ataque cerrado e
As tertúlias dedicaram-se quase exclus
dando por uma linguagem aberta-
permanente ao governo socialista, envere
missa de Rodriguez Zapatero
mente ultramontana e nacionalista, assente na pre
ola e para 0s seus valores tradicionais.
como um perigo para a identidade espanh zde
novos canais televisivos. Alu
Este tipo de actuação não foi exclusivo dos
am jornais electrénicos € P
um violento combate contra o PSOE, florescer
gramas de rádio, com especial destaque para o La Maiiand, programa :
da Cadena COPE, emissora da Conferência Episcopal Espanhola, dirigido por
o
Federico Giménez Losantos. Este apresentador protagonizou à radicalizaçã
conservadora levada ao extremo, ao defender, juntamente com vários jornalis
do,
tas e colunistas, entre os quais o então director do diário El Mun
sta s & 11* de.
Ramírez, a ideia da ligagdo entr e a ETA e os ate nta dos isl ami
ivo desta tese passava por questionar à legi t”
Margo de 2004. O grande object o
seriam frut de
midade dos resultados eleitorais de 14 de Margo de 2004, que

e pol iti caa larg a esc ala com o objectivo de levarº pSOE
::1 z:;‘:.‘:;;mdl&ca
emmmuªªª
Amagnimdedaviolenciaverbaleaem&mãoqa
que ocu pou os car gos de dir ect -’d‘
or-adjpubliunto do A EI País e de"” directormás.dºfmfl
ção do canal de noticias CNN+, insul
la derecha de la caverna , em que est
g R
e ão com centenmas de frases
adas ml
pilA
VPR
() Ver RosarioG. Gó TOT i 0.
- Gómez, “Los ultras conqui dnASºª;;ªl# |
aguiexio, “El oménginelgo/1L280634754_8502o15htm! p25de
®
/el st Marta
http:/e pai s.c om/ dia ri
2 0/2010/08/01/d E
NACIONALISMO ESPANHOL CONTEMPORA
ANEO

: 3 : , jornalistas e historiadores) Já optara, m:


W ao poder (1996),_ por desenvolvert:assrt.:t::ti‘::;‘3;l
Chegª'dª
jsmo-3 Wa ‘vdemm
tSBD flmde conta
acerto de s idea l6gico,(7) ot e
-. MWM
2004 (mal digerida pelo centro-direita
S
emedláucfa) com a expansão do pano
ol nA TDT gflin!m‘ix.nmnet.@otencmram rama audi
uma radicalização do disc 1
nacionalista amm €om recurso à uma agressividade
dialéctica l;:;:
tes. Apesarde haver sectores do principal partido de
“nde este discurso sempre foi bem acolhido, em diver centro-direita
sas ocasiões a actua
,
i de comunicagdo foi muito além das posigdes
oficiais do PP 1322
e, nada disto parece ter sido prejudicial para a
sua imagem, pociendo
considerar-se que 0s populares beneficiaram com o regresso de uma
:;Jensagem
mente espanholista. O ambiente criado acabou por potenciar, pelo con-
raste, a imagem de moderação da lideranca do PP, principalmen
te a partir da
sua segunda legislatura na oposição.

4. Nacionalismo de Estado democritico e centripeto

Um dos elementos estruturais do franquismo consistia na defesa da homo-


geneidade da identidade espanhola, o que se materializava através de restrigdes
¢ proibigdes de demonstragdes de identidades e de nacionalismos centrifu-
gos.(3) Convém recordar que a Guerra Civil, da qual Francisco Franco sai
vitorioso, era atravessada por vários confrontos, sendo um dos mais importan-
e autoritdrio
tes 0 que punha frente-a-frente o ultranacionalismo centralista
e cataldo.(**) Estas
espanhol e as correntes maioritárias dos nacionalismos basco

,
(') Ver José Marfa Izquierdo, Las mil frases mds ferozes de la derecha de la caverna
Madrid, Editorial Aguilar, 2011. pp. 49-52.
(%) Ver Xosé M. Niifiez Seixas, Patriotas y Democralas...
reinventa da. Nación e iden-
: an Balfour e Alejandro Quiroga, Espafia
(*) Ver Sebasti
lidad desde la Transicion..., pp. 76-77 € 239-
nacionalismos
(*) Ver Xosé Manoel Núfiez Seixas, “La nac ión contra sf misma:
Nacionalismo espaiol,
espaiioles durante la Guerra Civil (1936-39)” in Carlos Taibo (ed.),
Madrid, Catarata, 2007, pp. 102-103.

153
NACIONALISMOS ESPANHÓIS

actual
circunstâncias contribuíram para que, durante os primeiros anos do
pelos
regime democrático, o nacionalismo espanhol tenha vivido condicionado
.xCIlS vínculos políticos e conceptuais à ditadura que dirigiu o país entre 1939
e 1975/76.
O perdurar da associação entre nacionalismo espanhol e franquismo poderá
ter sido ainda potenciado pela ausência de uma ruptura formal no processo
evolutivo que conduziu à democracia. Ao ter partido dos quadros mais liberais
do próprio sistema autoritário e não de uma revolução ou de um golpe militar
(como no caso português), a Transição impediu uma separação clara das águas
políticas e colocou sérios entraves à livre renovação daquela que constituíra
uma das bases conceptuais do discurso e da forma como o anterior regime se
definia. Xosé Manoel Niifiez Seixas considera que o nacionalismo espanhol, a
partir de 1975, entra num período de invisibilidade em função de três factores:
quebra de legitimidade por ter sido apropriado pelo franquismo; legitimação
paralela dos nacionalismos centrífugos pela sua oposição à ditadura; e ausência
do anti-fascismo (que protagonizou o fim de outras ditaduras de extrema-
-direita, em 1945) como elemento legitimador.(**)
Apesar dos contratempos e das dificuldades, o nacionalismo espanhol não
se diluiu e acabou por fazer um percurso que, embora lento, lhe permitiu à
plena incorporação no sistema democrático. A discussão, redacção e aprova
ção da Constituição de 1978 terá marcado o inicio do recuo de uma pote""
cial deriva autoritária. A Constituição assume sem hesitações a nação espt
nhola como titular da soberania do Estado, o que faz de Espanha um Estado-
-nagdo sem paliativos, apesar do reconhecimento de elementos de diversidade
interna . També m parece inegável que a sua elaboragdo não terd primado P
::icslãâl;ld;de-do elemento democrático, sendo muito pmvável.que ‘e'c‘::‘

própria ;eúínsicç.º;f)ºnale( s Wit dº do


g ?te]ªª
m) I1:Iza_nha o
como nação do artigo. mfluen
constagt
quean ;lªã:nit
oA e 04 o ão obstante, e porque uma lei fundamªn a defer
der os direitos dospcid ut? ) detemo AA edesu.nª-sº to do
s cidadãos e a determinar e regular o funcionamen”"*
ordenamento politico, a Constituição de 1978 acabou ineir os SEUS objec
por atingir
SRES S
EAA o SA
() Ver Xosé Manoel N onalismo é
——
Sei s' « 'Conservdores e patriotas: el naClO% 5y g,
lúfiezxx."e-m
& a ante ] siglo
la derecha espafiol
nc a
2007, pp. 159-
Catarata, Ver 160. á, in Carlos Taibo (ed.), Nacionalismo : espa
(*) Xacobe Basti
constitu ción ”... , p nz'm'dª Freixedo, “La senda constitucional. La nacion espaõo!

154
NACIONALISMO ESPA
NHOL CONTEMPORÂNE
O

” os. () Ao ;nesn:od:e;n“ª (; x:lacionalismo espanhol obteve


um novo elemento
itimador do se a sua acção que
lhe iti
I:Iªegªdo franquista e entrar numa nova etapa de mzzg::; (:omeçar asuperar
Esta transformação não foi imediata ¢ a sua invisibilidade e os seus silên-
costica dosperTATCCETaM por /U1 anos, Como se pode
governos da UCD e dos primeiros governosconfirmar pela acção polí-
do PSOE, abordada no
início deste capítulo A medida que as identidades centrífugas basca e catal
recuperavam os direitos politicos e culturais, no contexto da descentralizagio
tenitorial que acompanhou a democratização, a verbalização explicitado nacio-
nalismo espanhol que mais se fazia ouvir era a proveniente de grupos de
extrema-direita neo-franquistas.(**) Como se pôde comprovar, à direita, a nor-
malização discursiva começa a ser feita com as lideranças de José María
Aznar
o Partido Popular (1990-2004) e, & esquerda, só surge um modelo explicita-
mente alternativo com a chegada de José Luis Rodríguez Zapatero ao PSOE.
Pela defesa que estes dois partidos, que dominam eleitoralmente o país, fazem
da identidade/nação espanhola, perfeitamente balizada pelo sistema constitu-
cional vigente, não restam dúvidas de que o nacionalismo que as suas acções
conformam é plenamente democratico.(*)
Um dos grandes elementos diferenciadores do actual regime democrático
espanhol em relação a todos os seus antecessores democráticos e ditatoriais é
o seu efectivo carácter descentralizador. Apesar de todas as resistências susci-
tadas pelo fim do centralismo que atribuia à identidade espanhola a exclusivi-
dade dos direitos políticos, a Constituição de 1978 estabeleceu as bases de um
sistema de organização territorial radicalmente diferente do predecessor.(“º)
Se for comparado o enunciado da Ley Orgánica del Estado 1/1967, que
nos seus artigos 2º e 3º sublinha a indivisibilidade do poder do Estado e da
nação espanhola, com a nova lei fundamental democrática, constatar-se-á a

() A propósito deste período de consolidação democrática, não pode deixar de ser


referida a tentativa de golpe militar de 23 de Fevereiro de 1981. Este facto político foi muito
importante por duas razões (inversas): ao mesmo tempo que demonstrou a fragilidade da
jovem democracia, acabou por evidenciar, ao ter sido derrotado, a capacidade de superação
de problemas do novo quadro constitucional, cujo funcionamento nunca foi estruturalmente
Interrompido.
() Ver Xosé M. Nifiez Seixas, Patriotas y Democratas..., pp. 29-3 l_.
() Como se verá abaixo, a luta contra o terrorismo da ETA tem constituído um exem-
o espanhol e o do
Plo claro de confronto entre dois modelos identitarios, o do Estado-nagd
Projeto independentista de um setor do nacionalismo basco. ik
naciones, Barcelona, Editorial
) VºrpeMontserrat Guibernau, La identidad de las
Ariel, 2009, . 75,
155
NACIONALISMOS ESPANHÓIS

constitucional e o modelo que Vigorava


diferença abissal entre o novo quadro
na ditadura.(“) de
No primeiro caso, é patente uma concepção de nacionalismo que, além
ra, como se pode verificar pelo pri-
autoritária, é profundamente centralizado
a nacional é una e indi-
meiro parágrafo do mencionado artigo 2º: “A soberani
equivalente a
visível, não sendo suscetível de delegação ou de cessão”.(*º) O
solubilidade
este artigo, na Constit uição de 1978, vai no mesmo sentido de indis
autonomia das nacio-
da nação espanhola, mas “reconhece e garante o direito à
e entre todas”.(*) Esta
nalidades e regiões que a integram e à solidariedad
centralizador o
diferenga inviabiliza qualquer tentativa de classificar como
nacionalismo espanhol democrético contemporaneo.
onalismo de
Não há qualquer divida em relagdo a existéncia de um naci
e que se mani-
Estado, desenvolvido a partir do centro, com diferentes matizes
dos dois princi-
festa, sobretudo, através da acção do governo e da oposição e
com o objectivo de
pais partidos politicos espanhdis. Porém, esta actuagio
gos, ndo faz de si cen-
manter uma unidade politica, face a elementos centrifu
tralizador, mas sim centripeto. O Diciondrio Houaiss da Lingua Portuguesa
define o adjectivo “centralizador” como “o que centraliza”, o que implica a
eto” é definida como
aplicação da acção de centralizar. Já a expressão “centríp
“o que se aproxima ou tenta aproximar do eixo de rotação”.(*) O nacionalismo
é
espanhol democrático contemporâneo existe e actua a partir do Estado, mas
e
compatível com a forte descentralização do sistema autonómico. Aqui resid
a grande diferença desta interpretação conceptual em relação aos discurso"
políticos espanhol, por um lado, e basco e catalão, por outro: não é cºmlªª'-í"ºl
com a negação do próprio nacionalismo, feita pelos que estão mais próximos
da defesa do Estado-nação espanhol, da mesma forma que não 0 é com º
centralista empregue pelos nacionalistas bascos e catalães para o classificat

()) O regime franquista não dispunh; ituição formal. A smmgaulmªmçãoº.':


exercida pelas denominadas Leis gt s m:::z"“‘”i‘“‘ a
do sistema político e social e os direitos e deveres dos cidadãos. Em plena vfdlglª'nm º
ditadura foram‘apmvadas sete leis deste tipo, sendo a 1/1967 a última. Aoitava
P,oo㪺
aprovada depois da morte de Franco, foi a que permitiu, forma
lmente, entraf nº
de 'h'x;nslçâo
para a democracia, Ver
OM(G :)de%t;: d;; autor. Ver Ley Orgánica del Estadoi 1/1967, de 10 Boleti"
de Ener™
, 9/1967, Cortes Espaiiolas, Madrid.
(::) Tradução do autor. Ver Constitución Espafiola..., p. 1
(*) Ver Diciondrio Houaiss da Lingua
Pormguesa.:j. Pp:lmlm'

156
NACIONALISMO ESPANHOL CONTEMPORÂNEO

Cºnclusãº

Agora, como nos séculos xmx e XX, 0 motor da identidade nacion al espanhola
ontinua à Ser © .E,stado, ou a actuação a partir deste. Obviamente, o quadro
é muito diferente df! de períodos anteriores, sobretudo em função da
maior soãstid_lçãlº dos mf*ºª empregues, dª democracia política, da descen-
* territorial e da integração europeia, o que também explica o enorme
Fºmgonismº que a ºPf)SÍç⺠pode ªdqmnr .0 nacionalismo espanhol mudou
e no período defnocráfwº, conseguiu actualizar-se e demonstrar agilidade, ao
actuar em três dimensões — acção, discurso e autodefinição. Para isso, teve o
contributo de um Estado que, -= de.mocratim—se política e territorialmente,
deixou de ser um bloco monolítico e inquestionável e contribuiu para a própria
democratização do nacionalismo. Com a democracia, surgiram partidos que,
20 disputar o poder e ao demonstrar que tinham um projecto, adquiriam posi-
ções de grande destaque.
O principal desafio do nacionalismo espanhol contemporâneo acaba por
ser a ‘concorréncia interna’ em relação à identidade nacional que preconiza.
Se, no final do século x1x, estes debates ficavam limitados aos meios intelec-
tuais, a identidade nacional €, actualmente, em Espanha, no País Basco e na
Catalunha, um tema recorrente e sobre o qual a cidadania parece estar infor-
mada. No próximo capítulo, procurar-se-á demonstrar que o Estado autonó-
mico, ao contrário do inicialmente previsto, acabou por dinamizar a pluralidade
identitária no território espanhol, fomentando, inclusivamente, o desenvolvi-
mento de novas identidades e provocando uma autêntica revolução territorial
eidentitária em Espanha. O papel dos nacionalismos basco e catalão foi parti-
cularmente activo, funcionando como locomotiva do Estado autonémico (ou
dapluralidade identitdria) e favorecendo uma situação de auténtica concorrén-
cia (conflito) com o nacionalismo centripeto espanhol.

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