Você está na página 1de 44

442 dossier: ortopedia infantil

Patologia ortopédica infantil


em Medicina Familiar
Leonor Prata*

s queixas músculo-esqueléticas são muito fre- cuidados prestados e a qualidade da referenciação a

A quentes na prática clínica do Médico de Famí-


lia.
No estudo efectuado em 1995, pelo Professor Jordão,
consultas especializadas.
Um estudo efectuado em 1998, nos Estados Unidos,
procurou avaliar a competência de um grupo de médi-
cos recém-formados em tópicos relacionados com a
no âmbito da sua tese de doutoramento,1 as doenças
músculo-esqueléticas foram o primeiro motivo de con- medicina músculo-esquelética. Os resultados encon-
sulta no total dos utentes dos dois sexos, representan- trados revelaram uma preparação insuficiente: 82% dos
do 16,3% do total de motivos de consulta; constituíam, médicos avaliados falharam no teste.4 Um outro estu-
ainda, 19% do total de problemas referidos. Dez anos do, de 1990, mostrou que os internos de Pediatria refe-
depois, o Inquérito Nacional de Saúde 2005-2006 en- riam, que de entre todas as áreas da Pediatria, os pro-
controu uma prevalência de 16% de doença reumática blemas músculo-esqueléticos eram aqueles em que se
e de 16% de dor crónica, nas doenças crónicas referi- sentiam menos à vontade e achavam que a formação
das pela população portuguesa.2 durante o internato deveria dar mais relevo a este gru-
Na idade pediátrica, a patologia músculo-esqueléti- po de patologias.3
ca tem, também, um peso importante. Dos dados ob- Um outro estudo, de 2001, avaliou a possibilidade de
tidos em alguns estudos estrangeiros, concluiu-se que melhorar as competências de internos de Pediatria no
6% das visitas a um serviço de Pediatria eram por quei- diagnóstico de problemas do tornozelo e joelho de
xas de dor músculo-esquelética, sendo 30% dos casos crianças e adolescentes, com uma intervenção forma-
resultantes de traumatismos ou lesões de sobreuso.3 tiva diferente das que tinham recebido anteriormente.
Outro estudo referia que aproximadamente um terço Os resultados prévios à formação eram baixos, mas me-
dos problemas médicos das crianças são relacionados lhoraram significativamente após a intervenção. Veri-
com o sistema músculo-esquelético.3 ficou-se, também, que as competências se mantinham
A prestação de cuidados na patologia músculo-es- durante cerca de 9 meses, mas começavam a diminuir
quelética está dispersa por muitas especialidades, in- a partir daí, o que pode indicar a necessidade de actua-
cluíndo Medicina Familiar, Medicina Interna, no caso lização periódica.5
dos adultos, Pediatria, Ortopedia e outras. Nos siste- Embora a patologia ortopédica infantil faça parte
mas de saúde como o nosso, em que a porta de entra- dos objectivos dos estágios específicos integrados no
da habitual para os cuidados de saúde é a Medicina Ge- Internato de Medicina Geral e Familiar, sentimos, por
ral e Familiar, esta está na primeira linha. vezes, que, na prática, é dada pouca relevância à forma-
Face à representatividade deste problema nas crian- ção nesta área, sendo de reflectir sobre a necessidade
ças, é fundamental que reflictamos sobre a qualidade de fazer uma avaliação da situação.
dos cuidados prestados. De facto, sendo o Médico de A referenciação correcta é outro aspecto fundamen-
Família responsável, quer pelo atendimento de crian- tal. De facto, é necessário estabelecer um diagnóstico
ças em situação aguda, por problemas músculo-esque- correcto, na altura certa e referenciá-lo quando reco-
léticos, quer pela vigilância da saúde das crianças, onde mendado. A qualidade de todo este processo traz ób-
se inclui o diagnóstico e orientação deste tipo de pato- vias vantagens para o doente, pois permite o tratamen-
logia, é necessária a reflexão sobre algumas questões: to atempado de situações, que, nalguns casos, quando
a formação que adquirimos nesta área, a qualidade dos não tratadas, podem deixar sequelas importantes para
a vida futura da criança. Do mesmo modo, permite uma
*Editora da RPCG.Assistente Graduada de Medicina Geral e Familiar
utilização racional dos recursos humanos existentes e
U.S.F. Condes da Lousã,A.C.E.S Amadora facilita a acessibilidade dos doentes que necessitam de

Rev Port Clin Geral 2009;25:442-4


dossier: ortopedia infantil 443

observação especializada. A observação do pé é outro componente essencial da


Um estudo efectuado nos Estados Unidos avaliou a avaliação do recém-nascido. Abordam-se algumas de-
qualidade da referenciação para um serviço de Ortope- formidades frequentes e a sua abordagem. Refira-se
dia Pediátrica, com origem nos médicos que faziam que uma parte importante dos problemas do pé pode
atendimento a crianças numa clínica, por confronto ser diagnosticada apenas pelo exame objectivo e que é
com as guidelines da Academia Americana de Pediatria importante distinguir o normal do patológico, para evi-
para referenciação. Tratava-se de médicos de família e tar referenciações desadequadas. O Médico de Família
pediatras e incluíam internos e especialistas. 41,6% das deve, também, estar atento às deformidades que se po-
referências foram consideradas inapropriadas; com dem associar a outros problemas, como a doença dis-
base no diagnóstico final do ortopedista, a percentagem plásica da anca.
de referências inapropriadas subia para 64,7%. Não A gonalgia é uma queixa frequente na criança e no
existia diferença significativa entre médicos de família adolescente. É feita uma breve revisão das principais
e pediatras, no que respeita ao número de referencia- causas de gonalgia e da sua abordagem, sendo de sali-
ções desaquadas. Considerando as patologias, face ao entar que, na maior parte dos casos não existe, no fu-
diagnóstico final do ortopedista, a taxa mais elevada de turo, repercussão funcional significativa. É importante
referenciação desadequada correpondeu às situações não ser demasiado interventivo, nos casos que não ne-
em que não existia patologia (97,6%), seguida das de- cessitam de grandes cuidados (quer em termos de diag-
formidades de rotação (94%), da dor músculo-esque- nóstico, quer de tratamento), mas também não deixar
lética (87,5%) e das deformidades de angulação (85%). sem diagnóstico os problemas importantes. É, ainda,
Os autores concluem, entre outras, que 2 em cada 5 das fundamental, não esquecer que as doenças da anca se
situações referenciadas podiam ter sido adequadamen- podem manifestar por dor no joelho, pelo que esta pos-
te orientadas por médicos de família e pediatras, sem sibilidade deve ser sempre descartada.
necessidade de envio para um serviço especializado.3 Os desvios axiais dos membros inferiores são outro
Assim, pretendemos, com este dossier, contribuir problema comum e que induz muitos pedidos de con-
para a reflexão e melhoria dos conhecimentos nesta sulta por parte dos pais. No entanto, cerca de 20% das
área. Do conjunto de artigos apresentados, salientam- crianças apresentam uma deformidade fisiológica du-
-se alguns conceitos importantes. rante o crescimento, que não necessita de tratamento.
As lesões osteoarticulares de causa traumática são Por outro lado, existem desvios patológicos, que im-
muito frequentes na criança e decorrentes, na maior porta diagnosticar. Genericamente, podemos dizer que
parte dos casos, quer da actividade desportiva, quer os joelhos varos devem estar corrigidos, espontanea-
das suas actividades diárias habituais. Devido às parti- mente, aos 2 anos e os joelhos valgos, aos 8. Os sinais
cularidades do osso da criança, diferente do do adulto de alarme devem ser bem conhecidos, pois o não tra-
e ao facto de ser um organismo em crescimento, as con- tamento destas deformidades pode ter repercussões
sequências e o tratamento podem ser diferentes. Não importantes na idade adulta.
é demais reforçar, nas consultas de Saúde Infantil, o As raquialgias são uma queixa frequente nas crian-
aconselhamento aos pais e às próprias crianças sobre ças e adolescentes e, até há pouco tempo, a sua impor-
a prevenção das lesões traumáticas. tância neste grupo etário era controversa. No entanto,
A doença displásica da anca, uma entidade que afec- como referido neste dossier, estudos recentes sugerem
ta 1 em cada 1.000 crianças, merece um diagnóstico o que são, não só, uma queixa mais comum do que se
mais precoce possível, para evitar as consequências do pensava e que se pode acompanhar de incapacidade
não tratamento atempado da situação. É importante funcional significativa, como a necessidade de uma
conhecer os factores de risco, embora, em muitos casos, abordagem diagnóstica sólida, no sentido de despistar
eles não estejam presentes. Como podemos ler neste patologia subjacente. De facto, ao contrário do adulto,
dossier, quando não tratado, este problema pode evo- as causas orgânicas são frequentes numa criança ou
luir para artrose, sendo responsável por mais de meta- adolescente com raquialgia persistente. A dor persis-
de das artroplastias de substituição da anca na mulher. tente, a dor nocturna, a auto-imposição de limitação de

Rev Port Clin Geral 2009;25:442-4


444 dossier: ortopedia infantil

actividade física, o desconforto crescente, a presença de trics 2004 Mar; 113 (3 Pt 1): e163-7. Disponível em: http://www.pe-
diatrics.org/cgi/content/full/113/3/e163 [acedido em 14/08/2009].
sintomas sistémicos ou de sintomas neurológicos são
4. Freedman KB, Bernstein J. The adequacy of medical school education
alguns dos sinais de alarme.
in musculoskelectical medicine. J Bone Surg Am 1998 Oct; 80 (10):
Boa leitura. 1421-7.
5. Hergenroeder AC, Chorley JN, Laufman L, Fetterhoff AC. Pediatrics re-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS sidents’ performance of ankle and knee examinations after educatio-
1. Jordão JG.A Medicina Geral e Familiar – Caracterização da prática e da nal intenvention. Pediatrics 2001 Apr; 107 (4): e52. Disponível em:
sua influência no ensino pré-graduado. (Dissertação de Doutoramen- http://pediatrics.aappublications.org/cgi/content/full/107/4/e52 [ace-
to). Lisboa: Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; 1995. dido em 16/08/2009].
2. Inquérito Nacional de Saúde 2005-2006. Disponível em: http://
www.insa.pt/sites/INSA/Portugues/Publicações/Outros/Docu- ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
ments/Epidemiologia/INS_05_06.pdf [acedido em 15/08/2009]. Leonor Prata
3. Reeder BM, Lyne ED, Patel DR, Cucos DR. Referral patterns to a pedia- E-mail: leonor.prata@rpcg.apmcg.pt
tric orthopedic clinic: implications for education and practice. Pedia-

capa

JULIO PÊGO
Natural de Lapa-Cartaxo. Cursou Medicina e especializou-
-se em Psiquiatria. A paixão pela arte acompanhou-o des-
de muito jovem, a par do percurso escolar. Expôs aguarelas,
pela primeira vez aos 19 anos de idade, no Coreto do Jardim
da República em Santarém, integrado no «Grupo Bar-4».
Numa fábrica de cerâmica experimentou a roda e fez as pri-
meiras peças em terracota, com a colaboração do escultor
Miguel Calado. Organizou exposições de artes plásticas de
alunos da Escola António Arroio e da Escola Superior de Be-
las Artes no espaço universitário associativo da Faculdade S/Título
de Medicina de Lisboa. Integrou um atelier de Artes Plásti- Óleo s/Tela, 50x70, Ano 2009
cas, durante dois anos, orientado pela Drª Ricardina Sam- Júlio Pêgo
paio, no Centro de Saúde Mental Infantil de Lisboa. Diplo-
mado no curso de Artes Plásticas, durante um ano, patroci- • Menção Honrosa de Escultura. SOPEAM. 2002. Lisboa
nado pela Rotring Portugal, orientado pelo pintor Durand • Prémio Celestino Gomes de Escultura. SOPEAM. 2004.
Caistailbert, da Colômbia. Expõe regularmente pintura des- Lisboa.
de 1986. Fez cinco mostras individuais de pintura e cinco
de escultura. Participou em cerca de meia centena de expo- • Sócio Titular da Sociedade Nacional de Belas Artes.
sições colectivas de artes plásticas. Co-autor do livro: «O Membro da Direcção da Sociedade Portuguesa de Es-
Erotismo na Arte», coordenado pelo Dr. Santinho Martins, critores e Artistas Médicos.
Edição Pfizer. Citado no livro: «Artistas Médicos do Século • Artista Acreditado pela AIAP.UNESCO.
XX», do Prof. Dr. Armando Moreno. Divulgado no Guia
D’Arte, 2009. Tem três esculturas em ferro no Jardim da Or- OBRA PÚBLICA
dem dos Médicos, em Lisboa em regime de «comodato». • Escultura em Ferro Policromado (2004)- Jardim do Hos-
pital de Santa Maria. Lisboa, Alusiva aos 25 anos do Cur-
PRÉMIOS so Médico de Lisboa 1961/86.
• Prémio Pintura Dr. Anastácio Gonçalves, 1997. ACMP. • Representado em colecções nacionais e estrangeiras.
Lisboa • Blogue pessoal: www.psicoarte-psicoarte.blogspot. com

Rev Port Clin Geral 2009;25:442-4


dossier: ortopedia infantil 445

Doença displásica da anca –


conceitos básicos e orientações
em Medicina Geral e Familiar
Francisco Sant´Anna*

RESUMO
O conceito de Luxação Congénita da Anca (LCA) tem vindo gradualmente a ser substituído pelo de Displasia de Desenvolvi-
mento da Anca.
A importância desta evolução respeita sobretudo à noção de doença acetabular e sua capacidade de conter a cabeça femo-
ral em termos físicos. O autor apresentam algumas noções práticas sobre a semiologia desta entidade bem como uma abor-
dagem racional sobre meios complementares de diagnóstico e referenciação à consulta de Ortopedia infantil.

Palavras-chave: Doença Displásica da Anca, diagnóstico, Medicina Geral e Familiar.

INTRODUÇÃO do pré-parto é importante, agravando este aspecto da


doença displásica da anca (DDA) é uma enti- doença.2 Esta é a razão pela qual a doença é mais fre-

A dade definida por displasia ou malformação


do acetábulo, com um espectro variável de
incapacidade de contenção da cabeça do fé-
mur, com semiologia e quadros clínicos variáveis em re-
lação à idade de aparecimento. O diagnóstico pode fa-
quente no sexo feminino (a relaxina materna tem uma
acção mais intensa neste), e explica, também, porque
é que muitas crianças referenciadas à consulta por sus-
peita de DDA já não apresentam qualquer sinal de ins-
tabilidade cerca de 1 ou 2 semanas depois.
zer-se desde a fase neonatal até á idade adulta. A apresentação pélvica, especialmente se associada
A evolução para a artrose da anca ocorre, com fre- a hiperextensão do joelho, é considerada factor de ris-
quência, em relação directa com casos de diagnóstico co (ocorre em 20% dos casos) e atrai a atenção de Neo-
tardio. É uma patologia responsável por mais de meta- natalogistas, Pediatras e Médicos de Família. Pelo mes-
de das artroplastias de substituição da anca no sexo fe- mo mecanismo de conflito de espaço são, também, re-
minino. O conceito antigo de luxação congénita da anca feridos o oligoâmnios e a primeira gestação. O aumen-
evoluiu para o de doença displásica da anca, por ser to de incidência de Torticolis congénito (14% a 20%) e
uma denominação mais abrangente em termos clíni- Metatarsus aductus (1,5% a 10%) em casos de DDA, é
cos, pois nem todas as displasias evoluem para a luxa- explicado pela mesma razão.3
ção.1 O posicionamento post natal em algumas culturas
(Índios Navajos e Europa Central e de Leste), com ex-
ETIOLOGIA tensão dos membros e uso de ligaduras contrariando a
Existem vários factores a considerar na etiologia desta posição normal do recém-nascido em flexão, é indica-
entidade. do como um dos factores predisponentes. De modo in-
A laxidão ligamentar, como factor predisponente verso, a colocação do recém-nascido com os membros
ou agravante para esta situação, tem sido largamente inferiores em posição de abdução, como nas culturas
referida; a influência das hormonas maternas no perío- africanas, em que a criança é transportada no dor-
so/anca da mãe, é considerado como um factor bené-
*Assistente Hospitalar Graduado de Cirurgia Pediátrica
fico.2, 3
Serviço de Ortopedia, Hospital Dona Estefânia, CHLC, Lisboa, Portugal Factores geográficos/étnicos: A raça negra e a asiá-

Rev Port Clin Geral 2009;25:445-9


446 dossier: ortopedia infantil

tica têm uma incidência muito menor de DDA, em tando da linha média) e elevando a articulação coxo-
comparação com a raça branca e com os nativos da femoral, levantando o grande trocanter e palpando a
América. entrada da cabeça do fémur dentro do acetábulo. Tra-
duz a presença de uma luxação da anca, em princípio,
SEMIOLOGIA CLÍNICA redutível. Qualquer uma destas manobras deverá ser
Em geral, existe na população médica algum grau de de- pesquisada em separado e para cada um dos membros
sinformação em relação ao diagnóstico e tratamento isoladamente. É importante perceber que estes sinais
desta patologia. Os sinais clássicos de DDA mais fre- desaparecem mais ou menos rapidamente, sobretudo
quentemente assinalados (Ortolani, Barlow, etc) são, a partir da 2ª ou 3ª semanas de vida e permanecem, ra-
muitas vezes, mal interpretados ou procurados quan- ramente, até ao 6º mês de vida, consoante o tónus mus-
do já não existem.3 cular e a laxidão ligamentar (Figura 1).
Assimetria de pregas (glúteas ou inguinais): é um si-
Recém-nascido nal menor, pois aparece em cerca de 20% de casos nor-
Para a observação, a criança deverá estar em ambien- mais. É, muitas vezes, mal percebido ou avaliado. De
te tranquilo e aquecido, sem fome, sem fralda e mani- um modo prático, devemos considerá-lo como um si-
pulando-a delicadamente. nal importante para nos recordar da existência desta
Sinal de Barlow: O examinador agarra os joelhos da patologia (Figura 2).
criança e, forçando a adução (aproximando da linha Movimentos circulares da articulação desenca-
média) e a deslocação posterior da coxa, tenta provo- deiam, frequentemente, «ruídos» ligamentares do liga-
car a saída da cabeça femoral do acetábulo, que é sen- mento redondo ou da fascia lata, vulgarmente designa-
tida como um movimento mais ou menos amplo. Ao re- dos por «clic» ligamentar e sem significado patológico.
laxar a pressão exercida deverá sentir-se a ressalto de Por definição, o sinal de Ortolani deverá ser sentido ou
reentrada da cabeça no acetábulo. Este sinal significa visto, mas não «ouvido».2
que a anca é instável e luxável. Deverá ser pesquisado
com delicadeza e nunca em DDA em tratamento Lactente
(Figura 1). A partir do 1º mês de vida, a instabilidade da anca do
Sinal de Ortolani: Inverso do anterior, pois o que se RN poderá evoluir para a cura espontânea ou para a lu-
tenta é reduzir a anca luxada, abduzindo a coxa (afas- xação, de uma forma progressiva e com rapidez variá-
vel. Do mesmo modo, a luxação redutível poderá tor-
nar-se irredutível, alterando muita da semiologia vul-
garmente pesquisada. Surge uma limitação da abdução
do membro afectado (Figura 3). Raramente se poderá

Figura 1. Manobras de Barlow e Ortolani Figura 2. Assimetria de pregas

Rev Port Clin Geral 2009;25:445-9


dossier: ortopedia infantil 447

Figura 4. Encurtamento relativo


Figura 3. Limitação da abdução

observar um sinal de Ortolani ou de Barlow e o mais


aparente será o sinal de Galeazzi ou encurtamento do
membro, detectado colocando as ancas flectidas e as-
sinalando a altura diferente dos joelhos. Os casos bila-
terais, como será de esperar, levantam problemas espe-
ciais de diagnóstico, pois a assimetria não é tão aparen-
te (Figuras 4 e 5). Figura 5. Sinal de Galeazzi

Criança andante
Ao contrário daquilo que é vulgarmente assumido, a uma experiência confirmada nesta competência. A sua
DDA não está associada a um atraso do início da mar- precisão diagnóstica pode ser assumida, em particular,
cha. A limitação da abdução torna-se mais óbvia e exis- após as 3 ou 4 semanas de vida, pois os exames preco-
te um encurtamento do membro afectado mais ou me- ces diagnosticam, sobretudo, imaturidades articulares.
nos aparente. Infelizmente, os pais são, muitas vezes, Permite fazer diagnósticos em casos de clínica duvido-
os primeiros a detectá-la, e a radiografia extra longa sa e avaliar a evolução do tratamento em casos confir-
dos membros inferiores é também, frequente e infeliz- mados. A sua utilização universal não está recomenda-
mente, o meio complementar de diagnóstico mais uti- da como forma de rastreio (Figuras 6 e 7).1-3
lizado; isto significa que o diagnóstico surge como um A radiografia (RX) da bacia em incidência antero-
achado radiológico e, também, que a criança foi expos- posterior (AP), com extensão neutra dos membros in-
ta a radiação desnecessária. A marcha torna-se claudi- feriores, pode ser válida, sobretudo, após o aparecimen-
cante, surgindo o sinal de Trendelenburg (em que a ba- to dos núcleos de ossificação femoral, aos 4-6 meses no
cia cai para o lado oposto do membro afectado e a sexo feminino e cerca de 2 meses mais tarde, no sexo
criança se inclina para o lado afectado para compen- masculino. Para nos ajudar na interpretação e avalia-
sar o desequilíbrio). Nos casos bilaterais, é vulgarmen- ção do Rx da bacia em AP existe um conjunto de linhas
te conhecida como «marcha de pato». Estes são acom- auxiliares:
panhados de hiperlordose lombar, mais ou menos mar- Linha de Perkins: vertical no bordo externo do ace-
cada. A marcha em rotação externa também se torna tábulo
mais aparente.2 Linha de Hilgenreiner: horizontal através do centro
da cartilagem triradiada
EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO Estas três linhas intersectam-se definindo quatro
A ecografia das coxo-femorais tornou-se, rapidamen- quadrantes, e o núcleo cefálico deverá estar normal-
te, um meio muito útil para o rastreio da DDA. No en- mente, localizado no quadrante supero interno (anca
tanto, é um exame técnico-dependente, requerendo luxada).

Rev Port Clin Geral 2009;25:445-9


448 dossier: ortopedia infantil

Figura 6. Ecografia normal

Figura 8. DDA direita.


Linha de Hilgenreiner a vermelho; Linhas de Perkins a Azul; Linhas de
Shenton a amarelo.

A noção de uma doença evolutiva com um quadro


clínico difícil e variável, com exames auxiliares de diag-
nóstico nem sempre definitivos ou fiáveis, conduz, mui-
tas vezes, a um diagnóstico tardio com consequências
Figura 7. Ecografia Patológica por vezes dramáticas.1,2
Salienta-se que a maior parte das crianças com DDA
não têm factores de risco e que a maior parte das crian-
Nos casos em que o núcleo cefálico ainda não é visí- ças com factores de risco não têm DDA…
vel, torna-se útil a Linha de Shenton, que é uma linha
curva que segue desde o colo do fémur até ao púbis. ATITUDE DIAGNÓSTICA
Esta linha deve ser harmónica nos casos normais e 1. Colher a história clínica e assinalar os potenciais fac-
«quebrada» nos casos patológicos (Figura 8).1,2 tores de risco (apresentação pélvica, oligoâmnios,
A conjugação dos dois com o quadro clínico poderá factores genéticos e antecedentes familiares, situa-
ser necessária mas a decisão terapêutica dependerá, ções associadas, tais como Torticolis congénito, me-
sempre, do médico responsável pelo tratamento. tatarsus aductus).1,2,3
Cada caso é um caso... 2. Realizar o exame ortopédico, com pesquisa da limi-
tação de abdução das ancas, sinais de Barlow, Orto-
O PAPEL DO MÉDICO DE FAMÍLIA lani e Galeazzi, assimetria de pregas, em todas as
A DDA é uma entidade muito mais frequente do que é crianças recém-nascidas. Repetir a observação em
geralmente percebido pelos técnicos de saúde. As con- todas as consultas até à sua exclusão e referenciar
sequências de um diagnóstico tardio ou mal conduzi- crianças com factores de risco ou anomalias detec-
do poderão ser extremamente graves e difíceis de tra- tadas. Existem casos com displasia diagnosticada em
tar e os processos judiciais, tão frequentes em países idades pediátricas tardias, por exemplo aos 8 ou 12
avançados, não tardarão a chegar à nossa prática. anos.
A DDA deverá estar sempre presente como uma sus- 3. Após as 3 ou 4 semanas de vida, nos casos suspeitos
peita a levantar, até prova em contrário e a sua pesqui- com clínica normal, deverá pedir – se ecografia, para
sa deverá fazer parte do exame objectivo até à sua ex- evitar falsos positivos. Os achados ecográficos são
clusão definitiva. mais precisos até ao aparecimento dos núcleos epi-

Rev Port Clin Geral 2009;25:445-9


dossier: ortopedia infantil 449

fisários dos fémures, cerca dos 4 a 6 meses de vida. de osteotomia do fémur e/ou do ilíaco e, em ultima ins-
4. Após os 4 meses de vida, fazer RX da bacia em AP. tância, de substituição articular por prótese, em idades
5. Investigar marchas anómalas, sobretudo se com as- mais avançadas.
simetrias rotacionais.2 A referenciação à consulta de Ortopedia infantil de-
verá ser feita com carácter urgente, indicando a suspei-
TRATAMENTO ta do diagnóstico. Nas crianças após os 4 meses de ida-
O tratamento destas situações poderá ser relativamen- de deverá ser feito, previamente, Rx da bacia.
te simples ou extremamente complexo, com implica-
ções graves para o futuro da criança e deverá ser orien- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tado por um médico experiente em ambas as vertentes 1. Staheli LT. Practice of Pediatric Orthopedics. Philadelphia: Lippincott,
Williams & Wilkins; 2001.
do tratamento, quer seja cirúrgico ou conservador.
2. Herring JA. Tachdjian’s Pediatric Orthopaedics. 3rd ed. Philadelphia:
O uso de fraldas duplas deve ser desaconselhado, W.B. Saunders; 2002.
pois, além de ineficaz, desenvolve nos pais um falso 3. Morrissey RT,Weinstein SL, editors. Pediatric Orthopedics. Philadelphia:
sentido de «cura» que tende a adiar o tratamento cor- Lippincott, Williams & Wilkins Ed; 2001.
recto.1
O tratamento conservador é aplicável nos casos em Os autores declararam não possuir conflitos de interesses
que a anca pode ser reduzida directamente ou após
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA:
tracção, em regime de internamento e implica o uso de Francisco Sant´Anna
aparelhos de abdução das ancas. Serviço de Ortopedia, Hospital Dona Estefânia
O tratamento cirúrgico poderá ser relativamente Rua Jacinta Marto, 1169 Lisboa, Portugal
simples, em casos de reposicionamento da cabeça do E-mail: fccsantanna@gmail.com
fémur no acetábulo ou envolver processos complexos

ABSTRACT

DEVELOPMENT DISEASE OF THE HIP - BASIC CONCEPTS AND GUIDELINES IN FAMILY MEDICINE
The concept of Congenital Hip Displasia (CHD) has been gradually replaced by the one of Developmental Displasia of the HIP
(DDH). The importance of this evolution mainly concerns the notion of the acetabular disease and its capacity of physically
containing the femural head. The authors present some practical notions concerning the semiology of this entity and also a ra-
tional approach on complementary diagnostic tools and the needs of referral to Paediatric Orthopaedic consultation.

Keywords: Hip Dislocation; Congenital; Diagnosis; Family Medicine.

Rev Port Clin Geral 2009;25:445-9


450 dossier: ortopedia infantil

Gonalgia na criança e
no jovem adolescente
em Medicina Familiar
Monika Furriel Thüsing*

RESUMO
A gonalgia é uma queixa comum na criança e no adolescente e esta é uma razão frequente para os pais levarem os seus filhos
a uma consulta. A prevalência da dor no joelho é considerável, mas só ocasionalmente o joelho apresentará uma lesão que leve
a uma intervenção cirúrgica. Por este motivo, é muito importante perceber que tipo de dor no joelho nos é referida.
É importante saber que há diferenças significativas entre o joelho de uma criança (ou do adolescente) e o joelho de um adulto.
O objectivo deste artigo é fornecer uma linha de abordagem prática na avaliação e no tratamento da dor no joelho da crian-
ça e do adolescente.

Palavras-Chave: Joelho; Dor; Criança; Adolescente; Medicina Familiar

INTRODUÇÃO de um adulto, o que se traduz numa reacção diferente


dor do joelho é uma razão frequente para os dos tecidos ao exercício, ao excesso do mesmo e a um

A pais levarem os seus filhos ao médico. Normal-


mente, o primeiro médico ao qual recorrem é o
médico de família. A gonalgia na criança e no adoles-
eventual traumatismo.
Existe um desequilíbrio entre o crescimento do osso
e o do músculo, sendo o do osso mais rápido, e pondo,
cente é frequente por estes hipersolicitarem os joelhos; assim, as estruturas à volta do osso sob tensão; isto tra-
o resultado é um quadro doloroso, muitas vezes rela- duz-se num aumento da força de tracção nas inserções
cionado com o crescimento. dos tendões e justifica a tendência para aumento das
Como Fairbank diz: «Adolescentes com dores nos lesões por sobreuso e por traumatismos.
joelhos participam em e gostam de actividades despor- Lidar com a dor do joelho no jovem inclui:
tivas mais do que os que não referem dores, no mesmo • aperceber-se da causa do aparecimento da dor (cada
grupo etário. Por isso o factor dominante na etiologia caso é um caso e a quantidade de esforço que pro-
da dor anterior do joelho em adolescentes é o sobreu- voca uma dor numa criança pode não ter as mesmas
so, mais do que a má mecânica.»1 consequências noutra criança);
Hoje em dia, existe uma maior preocupação social • chegar ao diagnóstico correcto;
em relação ao sucesso no desporto. O número de crian- • tentar evitar uma intervenção cirúrgica, prevenindo
ças e de adolescentes que praticam desporto com ele- a cronicidade e agravamento das lesões;
vada intensidade para conquistar o seu próprio sonho • perceber os conflitos entre os pais e o jovem e as ne-
(ou, por vezes, o sonho dos pais e dos treinadores), tem cessidades psicológicas do jovem.
vindo a aumentar. Esta pressão interna e/ou externa Muito importante é, também, ter a noção que as
promove o sobreuso das estruturas osteo-articulares. doenças da anca podem, muitas vezes, causar dor no
O joelho da criança e do adolescente tem diferenças, joelho (Hilton’s Law). John Hilton (anatomista britâni-
no aspecto anatómico e fisiopatológico em relação ao co) descreveu que a inervação do membro inferior com-
porta ramos sensitivos que abarcam ambas as articu-
*Médica Especialista em Ortopedia
lações, anca e joelho; este facto explica que a dor resul-
Serviço de Ortopedia, Hospital Dª Estefânia, Lisboa, Portugal tante de patologia da anca pode ser referida apenas ao

Rev Port Clin Geral 2009;25:450-6


dossier: ortopedia infantil 451

joelho, confundindo, assim, o diagnóstico.


Por isso, é indispensável fazer uma breve anamnese
sobre problemas/dores na anca e, simultaneamente,
examiná-la. .

ANATOMIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE


A articulação do joelho é formada por 3 ossos que arti-
culam entre si (fémur, tíbia e rótula), dois meniscos,
que ficam instalados entre o fêmur e a tíbia, ligamen-
tos que ficam do lado interno e externo do joelho (liga-
mento colateral interno e externo) e ligamentos que se
cruzam dentro do joelho (ligamento cruzado anterior
e posterior). Lesões de qualquer destas estruturas po-
Figura 1. Radiografia em a.p. e perfil de um joelho de um adolescen-
dem causar dor no joelho. te de 13 anos de idade, com as linhas das cartilagens de crescimen-
O joelho da criança e do adolescente tem diferenças to marcadas (arquivo da autora)
nos aspectos anatómico e fisiopatológico em relação ao
joelho de um adulto, que se traduzem numa reacção di-
ferente dos tecidos ao exercício, ao excesso do mesmo possibilidade de a rótula evoluir para uma rótula bi-
e a um eventual traumatismo. ou multipartita);
Em comparação com o adulto, a criança e o adoles- • osso em formação e crescimento (em espessura e
cente têm articulações mais móveis, ossos maleáveis e longitudinal), sendo o osso cortical menos espesso,
cartilagens de crescimento físárias e apofísárias abertas. o que implica que o osso infantil seja menos duro,
Existe um desequilíbrio no balanço entre o cresci- resultando daí fracturas típicas da criança (fractura
mento ósseo versus o crescimento muscular. O osso cres- helicoidal do fémur, por exemplo).
ce mais depressa que o músculo, razão pela qual as es-
truturas à volta do osso ficam sob tensão e há um au- SEMIOLOGIA CLÍNICA
mento da força de tracção nas inserções dos tendões, Na avaliação do joelho existem dados a que se deve dar
o que contribui para a tendência para lesões traumáti- especial atenção:
cas e não traumáticas.
Por esta razão surgem, a longo prazo, as alterações História clínica / Anamnese:
estruturais no aparelho osteoarticular e, também, as • Motivo da consulta
alterações da resposta a um traumatismo agudo ou re- • Início das queixas (início espontâneo, sem trauma-
petitivo. tismo; se houve traumatismo – como aconteceu…)
Muitas lesões no jovem são causadas por sobre-uso; • Tipo de dor (constante, mecânica, em repouso, noc-
a sujeição a forças de tensão/tracção, de compressão, turna, etc.)
de cisalhamento ou compostas pode acabar por afec- • Progressão das queixas
tar as estruturas esqueléticas. • Antecedentes pessoais: doenças prévias, anteceden-
Torna-se, por isso, importante saber as diferenças tes traumáticos
mais evidentes entre as várias estruturas, na criança e • Hábitos desportivos
no adulto, para poder fazer um diagnóstico correcto. As-
sim, na criança encontra-se: Exame objetivo:
• presença de cartilagens de crescimento distal do fé- Devem sempre comparar-se os resultados obtidos no
mur, proximal da tíbia e do peróneo1 joelho lesado com os do joelho oposto.
• maior espessura da cartilagem articular; 1. Observação geral:
• desenvolvimento da rótula a partir de um único nú- • estrutura geral do jovem, peso e altura, pois podem
cleo de crescimento (em caso de mais núcleos, há a ter influência nas condições mecânicas e no braço de

Rev Port Clin Geral 2009;25:450-6


452 dossier: ortopedia infantil

alavanca do membro; la desce lateralmente e vai contra o côndilo externo


• observação da marcha; do fémur;
• desmetrias dos membros inferiores; • retináculo externo laxo: a rótula «sobe» do lado ex-
• deformidades dos membros inferiores (genu valgo terno e sai da tróclea.
ou genu varo);
• encurtamento muscular / tensão nas inserções ten- Menisco
dinosas; Steinmann I/II
• existência de atrofias musculares localizadas; • Fixar o joelho e fazer rotação forçada da perna (I),
• hiperlaxidão ligamentar. com vários graus diferentes de flexão (II);
• Dor medial com rotação externa sugere lesão do me-
2. Observação mais específica do joelho: nisco interno;
• aumento de volume do joelho, temperatura, rubor; • Dor lateral com rotação interna sugere lesão do me-
• derrame intra-articular; nisco externo.
• ponto doloroso à palpação óssea/articular;
• mobilidade activa e passiva do joelho; Apley
• bloqueio articular; • decúbito ventral com o joelho em 90º de flexão, fixa-
• testes meniscais (menisco interno e externo); ção da coxa na marquesa;
• testes ligamentares (ligamento colateral interno e • rotação interna e externa do joelho, uma vez a fazer
externo, ligamento cruzado anterior e posterior); tracção do joelho e outra a fazer compressão do joe-
• testes da rótula. lho contra a marquesa.
Na presença de muitos testes diferentes para exami-
nar as estruturas acima mencionadas, limito-me a fa- Ligamentos colaterais
zer uma escolha pessoal, não querendo minimizar os • Stress em valgo para o ligamento colateral interno
restantes testes. em extensão completa e 20º de flexão (para relaxar a
cápsula posterior e o ligamento cruzado posterior);
Rótula • Stress em varo para o ligamento colateral externo
«Dancing patela» (choque da rótula) em extensão completa e 20º de flexão.
• uma mão espreme o recesso superior e, ao mesmo
tempo, a outra mão pressiona a rótula contra o fé- Ligamentos cruzados:
mur; Lachman
• quando se sente a patela a ‘dançar’, é sinal da exis- • Decúbito dorsal, joelho em 15 a 30º de flexão;
tência de um derrame intra-articular. • uma mão segura o fémur, a outra puxa a tíbia para
anterior;
«Glide test» • 3 Graus de instabilidade descritos:
• segurar com uma mão o pólo superior e com a ou- – até 3mm normal
tra o pólo inferior da rótula; – <5 mm Grau I ou (+)
• fazer deslizar a rótula para lateral sobre o côndilo ex- – 5-10 mm Grau II ou (++)
terno e para medial sobre o côndilo interno; – >10 mm Grau III ou (+++)
• permite comparar o deslizamento lateral com o me- → clinicamente não é fácil distinguir estes graus de ins-
dial, sentir diferenças de tensão entre o retináculo in- tabilidade, sendo mais fácil a diferenciação de instabi-
terno e externo (estruturas capsulo-ligamentares fe- lidade sim/não, com sensação de toque duro ou mole
muro-rotulianas) e sentir o sinal de apreensão no final do exame.
(«medo de luxação da rótula»).
Teste de Pivot
«Tilt-test» • Decúbito dorsal, uma mão imobiliza do lado exter-
• retináculo externo retraído: a faceta externa da rótu- no o fémur, a outra segura a tíbia;

Rev Port Clin Geral 2009;25:450-6


dossier: ortopedia infantil 453

• manter a perna em rotação interna e abdução (‘val- Pensa-se que o aumento das acções mecânicas ou
gus stress’), nesta posição o joelho é trazido da exten- traumatismos sobre uma região com predisposição se-
são para a flexão; rão responsáveis pelo aparecimento da lesão.
• em caso de haver uma rotura do ligamento cruzado
anterior surge uma subluxação da tíbia para anterior. Osteocondroses no joelho:
Doença de Osgood Schlatter
EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO • idade: 11 aos 16, distribuição masculino/ feminino
Imagiologia 1:1
Os exames a pedir são • situada na tuberosidade anterior da tíbia
• radiografia do joelho em dois planos (antero-poste- Doença de Sindling- Johannson-Johansson
rior e perfil); • idade: 10 aos 15, distribuição masculino/ feminino
• radiografia da rótula em perfil; 1:1
• por vezes, radiografia axial da rótula a 30º e a 60º de • situada no pólo inferior da rótula
flexão.
Neste contexto, não se pode esquecer que, numa Princípios terapêuticos:
criança ou num adolescente, depois de um traumatis- • Identificação das causas e sua minimização;
mo articular pode não haver alterações facilmente vi- • Alívio da tensão muscular (palmilhas, joelheira...);
síveis na radiografia, o que não significa que não haja • Alongamentos musculares;
arrancamentos ou pequenas fracturas na zona da car- • Restrição da actividade física por períodos relativa-
tilagem. mente longos (mais de 3 meses, até desaparecimen-
Acessoriamente, em caso de suspeita de outras pa- to total de toda a sintomatologia).
tologias, poderão ser pedidas:
• Ecografia articular Prevenção:
• Tomografia axial computorizada (TAC) • Manter um bom equilíbrio músculo-tendinoso;
• Ressonância magnética nuclear (RMN) • Alívio da tensão muscular (palmilhas, joelheira...);
• Cintigrafia óssea (actividade metabólica óssea) • Tentar descobrir o jovem em risco para poder inter-
Em caso de derrame intraarticular, a punção articu- venir precocemente;
lar pode ser uma mais valia na formulação do diagnós- • Alertar o jovem para a existência desta patologia e es-
tico. O líquido pode ser seroso, serohemático, hemáti- timulá-lo a fazer treinos de forma equilibrada e con-
co, hemático com gotas de gordura e, com essas carac- trolada.
terísticas, indicar um diagnóstico (por exemplo, fractu-
ra osteocondral). Osteocondrite dissecante
A osteocondrite dissecante é uma necrose asséptica lo-
BREVE REVISÃO DE ALGUMAS ALTERAÇÕES QUE calizada, que afecta o osso subcondral com maior fre-
CAUSAM DOR NO JOELHO NA CRIANÇA E NO quência na região lateral do côndilo femural interno,
ADOLESCENTE podendo, também, estar localizada no côndilo lateral
Osteocondroses e, por vezes, na face posterior da rótula.
As osteocondroses constituem um amplo e heterogé- A etiologia exacta não está esclarecida: discutem-se
neo grupo de alterações, caracterizado por transtorno razões traumáticas e factores hereditários. Existe uma
da ossificação encondral das epífises ou apófises. disrupção da vascularização de uma área localizada do
Manifestam-se por dor de carácter mecânico e estão osso subcondral, da qual resulta a necrose focal.
relacionadas com os surtos de crescimento e de altera- A idade do adolescente no início da osteocondrite
ções hormonais. As osteocondroses têm uma origem dissecante tem um valor prognóstico. Segundo D. Wen-
desconhecida. Historicamente, são classificadas como ger2 as crianças que, no início, têm menos de 12 anos,
necroses isquémicas e são conhecidas pelo nome do têm lesões muitas vezes mais pequenas e apresentam
autor que descreveu cada uma das suas localizações. uma maior probabilidade de ter uma resolução espon-

Rev Port Clin Geral 2009;25:450-6


454 dossier: ortopedia infantil

Figura 3. Radiografia em dois planos de um joelho, Osteocondrite


dissecante (arquivo da autora)

Os casos com predisposição podem desenvolver insta-


bilidade crónica, com luxações recidivantes.

Lesão meniscal
Figura 2. Radiografia em perfil de um joelho, alterações da tubero- Em comparação com o adulto, é rara a lesão do menis-
sidade anterior da tíbia (arquivo da autora) co na criança e no adolescente. Quando há uma lesão
do menisco interno, ela é, normalmente, extensa e di-
tânea. Adolescentes com mais de 12 anos de idade e vide-se em lesões do tipo «asa de cesto» ou em «rotu-
aqueles com lesões maiores de dois centímetros têm ras na base», que devem, sempre que possivel, ser su-
um potencial para fazer uma separação parcial ou até turadas (o menisco do jovem tem irrigação sanguínea
mesmo um descolamento do fragmento. na base do menisco; o adulto, por norma, já não tem).
Os sintomas são, em regra: dor inespecífica, poden- A lesão do menisco externo é, na maior parte das ve-
do haver a sensação de um clique ou ressalto, e um au- zes, ligada à presença de um menisco discóide. O me-
mento moderado de volume do joelho. No caso do frag- nisco discóide é um menisco de forma redonda, em vez
mento estar deslocado, existe um corpo livre dentro do de ter a forma de meia lua.
joelho que pode causar o bloqueio do mesmo.
Para obter o diagnóstico é feita a anamnese e, geral- Lesão do ligamento colateral
mente, a radiografia convencional basta, talvez adicio- A lesão do ligamento colateral externo é muito rara; já
nando uma imagem de Frick (imagem AP do joelho em a lesão do ligamento colateral interno é mais comum.
flexão, que permite interpretar a zona intercondiliana). O tratamento é conservador. Esta lesão pode estar re-
O tratamento é, na maior parte dos casos, conserva- lacionada com a lesão do ligamento cruzado anterior e
dor, passando pela diminuição da actividade física; por do menisco interno («unhappy triad»), tendo o joelho
vezes é necessária a descarga do membro afectado com indicação cirúrgica (o ligamento colateral interno con-
duas canadianas. No caso de o fragmento se ter solto, tinua a ser tratado de modo conservador).
o tratamento será cirúrgico.
Lesão do ligamento cruzado anterior
Luxação da rotula Na criança e no adolescente a lesão mais típica por
Neste contexto é preciso distinguir a luxação aguda da stress do ligamento cruzado anterior é a fractura da es-
rótula por um traumatismo adequado, que é uma situa- pinha tibial, que corresponde à inserção distal do liga-
ção mais rara, da luxação rotuliana aguda por predis- mento cruzado anterior. Estas fracturas podem ser tra-
posição, sem traumatismo major ou mesmo sem trau- tadas com gesso se o fragmento estiver reduzido; se não
matismo nenhum. Neste último caso, os jovens não estiver, é necessário fazer uma redução e fixação do
conseguem, geralmente, explicar como aconteceu a lu- fragmento.
xação, referindo que o joelho simplesmente «falhou». No jovem, a lesão do ligamento cruzado anterior iso-

Rev Port Clin Geral 2009;25:450-6


dossier: ortopedia infantil 455

lada e incompleta tem potencial para regenerar. A le- • Medidas diagnósticas ou terapêuticas (iatrogenia);
são completa isolada pode ter tratamento conservador • Feridas perfurantes.
ou cirúrgico. O prognóstico desta lesão na criança é A flora responsável varia com o escalão etário, sen-
pior que no adulto, por um lado pela maior actividade do essencial fazer uma tentativa de isolamento do ger-
física, por outro, pela laxidão ligamentar típica da crian- me em causa antes do início de um tratamento antibió-
ça que, por si, dá uma maior instabilidade ao joelho. Por tico.
esta razão, o tratamento é, cada vez mais, cirúrgico. Na No recém-nascido, o quadro clínico é, por vezes, me-
lesão do ligamento cruzado anterior com lesão de mais nos claro, e o único achado positivo pode ser uma pseu-
estruturas, o tratamento deverá ser cirúrgico. do-paralisia de um membro.
A técnica cirúrgica no adolescente difere da do adul- A osteomielite distal do fémur e proximal da tíbia
to, enquanto as cartilagens de crescimento ainda não também podem causar dor referenciada ao joelho.
estiverem fechadas.
Tumores
Fracturas Quase 40% dos tumores ósseos da criança e do adoles-
A fractura de um osso de uma criança tem característi- cente encontram-se na região do joelho, principalmen-
cas especiais, tanto te no fémur distal e na tíbia proximal, onde estão loca-
• no tipo de fractura, lizadas as cartilagens de crescimento mais activas do
• como no processo de consolidação, corpo.3 Por este motivo, e embora raros e mais frequen-
• no tempo que este leva e temente benignos (osteocondroma, por ex.), é neces-
• nas complicações que podem resultar. sário não esquecer esta possibilidade.
O osso infantil é menos rígido que o osso do adulto,
resultando daí fraturas típicas da criança. As fracturas PROCEDIMENTOS DO MÉDICO DE FAMÍLIA
articulares deverão ser reduzidas anatomicamente e A longo prazo, a maioria dos casos de crianças e ado-
assim ser mantidas por meios incruentos ou cruentos. lescentes que referem dor no joelho não apresentam re-
percussões funcionais. Por este motivo, é importante
Infecções chegar ao diagnóstico correcto, para não haver um so-
Neste contexto, é preciso dar especial atenção às artri- bre-tratamento dos casos que podem ser tratados de
tes sépticas, que são uma situação grave, com alta mor- forma relativamente simples. Por outro lado, também
bilidade. Podem surgir em qualquer idade: 30% dos ca- não devem escapar os doentes com um diagnóstico que
sos ocorrem antes dos 2 anos e 50% antes dos 3 anos. necessita de tratamento mais cauteloso.
Do ponto de vista anatómico, o joelho é a articula- O tratamento após um traumatismo agudo deve in-
ção mais frequentemente atingida depois dos 2 anos; cluir descarga do membro afectado com o uso de 2 ca-
antes dessa idade, nomeadamente no recém-nascido, nadianas, a elevação do membro, crioterapia local, con-
é a anca. O total destas 2 áreas abarca 85% de todas as tenção local e AINE em SOS. Estas medidas devem ser
artrites na criança. respeitadas até à ausência de dor.
A criança apresenta-se com ar «doente», geralmen- No caso de a criança não deixar examinar o joelho
te com febre, sem apetite, irritada e prostrada. A arti- após o traumatismo, deve ser reavaliada em tempo útil
culação do joelho perde os contornos ósseos, demons- (2-3 dias). Em caso de dúvida, deve ser encaminhada
tra um aumento da temperatura local e rubor, derrame para um Ortopedista.
articular e limitação dolorosa da mobilidade. Os casos em que há suspeita de lesão do joelho ou
Existem várias vias pelas quais os agentes infeccio- os casos em que há um quadro álgico significativo de-
sos podem atingir uma articulação: verão ser encaminhados para um serviço de Urgência.
• Via hematogénea (é a mais frequente, em mais de
80 % dos casos); CONCLUSÕES
• Disseminação de uma osteomielite na proximidade; Existem muitas crianças e adolescentes, de todas as
• Infecção periarticular; idades e de ambos os sexos, com dor no joelho de todo

Rev Port Clin Geral 2009;25:450-6


456 dossier: ortopedia infantil

o tipo de intensidade. As causas mais comuns estão re- sioterapia e, também, de limitação da actividade física.
lacionadas com o stress por actividade em excesso e No entanto, outros casos requerem tratamento espe-
com o crescimento, não necessitando de exercícios de cífico ou, até, intervenção cirúrgica. São estes os que é
recuperação específicos extensos nem de intervenção necessário detectar e que deverão ser encaminhados
cirúrgica. para um serviço de Ortopedia.
A função do médico é a de analisar com atenção a
história clinica, examinar o joelho, fazer as radiografi- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
as necessárias (o mínimo possível) e excluir doenças da 1. J. Fairbank JC, Pynsent PB, van Poortvliet JA, Phillips H. Mechanical fac-
tors in the incidence of knee pain in adolescents and young adults. J
anca, estabelecendo um diagnóstico. Na maior parte
Bone Boint Surg Br 1984 Nov; 66 (5): 685-93.
das vezes, basta dar uma explicação ao jovem e aos pais 2. Wenger DR, Rang M. The Art and Practice of Children’s Orthopaedics.
sobre o diagnóstico, as suas causas, o prognóstico e o New York: Raven Press; 1993.
plano terapêutico, de forma a que a criança ou o ado- 3. Hefti F. Kinderorthopädie in der Praxis. Berlin: Springer Verlag; 1997.
lescente possam «crescer» sem queixas e/ou sem se-
quelas. Os autores declararam não possuir conflitos de interesses
Para isso, o médico tem sempre que ter em mente as
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
diferenças existentes na criança e no adolescente (com Monika Furriel Thüsing
as diferenças inerentes no possível diagnóstico), tanto Serviço de Ortopedia, Hospital Dª Estefânia
do fôro ortopédico como traumatológico. Rua Jacinta Marto, 1169 Lisboa, Portugal
Alguns casos necessitam de auxílio por ortóteses, fi- E-mail: monikathuesing@gmx.de

ABSTRACT

KNEE PAIN IN CHILDREN AND ADOLESCENTS IN FAMILY MEDICINE


Often, children and adolescents complain of knee pain, leading parents to take them to a clinical consultation with their family
physician. The frequency of knee pain is considerable but only occasionally does the knee have an injury that needs surgery.
Therefore it is very important to understand what type of knee pain is being referred.
It is also important to know that there are significant differences between the knee of a children (and an adolescent) and
that of an adult.
The goal of this article is to outline a practical approach for the evaluation and treatment of knee pain in children and ado-
lescents.

Keywords: Knee; Pain; Child; Adolescent; Family Medicine

Rev Port Clin Geral 2009;25:450-6


458 dossier: ortopedia infantil

Deformidades do Pé – conceitos
básicos e orientações para
o Médico de Família
Francisco Sant´Anna,* Manuel Cassiano Neves**

RESUMO
O pé da criança constitui uma das principais preocupações dos pais em relação ao futuro da criança. Os autores abordam, de
forma resumida, as principais deformidades do pé da criança, bem como as suas indicações terapêuticas e fornecem indicações
sobre as atitudes a tomar pelo médico de família ou pediatra.

Palavras-Chave: Pé; Criança; Deformidades; Pé Plano; Pé Boto

INTRODUÇÃO VARIABILIDADE NORMAL


esde o nascimento e ao longo da infância, o de- Radiologicamente, existe uma grande variabilidade da

D senvolvimento do pé tem constituído uma fon-


te de preocupação para os pais, pediatras e
generalistas e uma causa comum de consulta em Orto-
anatomia normal do pé. Há vários centros de ossifica-
ção acessórios (ossos: navicular, trigono, vesalianum,
maleolar interno e maleolar externo), que são frequen-
pedia. temente confundidos com fracturas e que também po-
Embriologicamente, o pé desenvolve-se entre as 4 e dem originar queixas dolorosas. O estudo radiográfico
as 8 semanas de gestação e o seu crescimento termina do pé deverá ser efectuado em carga e, por vezes, tam-
antes do resto do corpo. Aos 18 meses de vida já atin- bém em incidência oblíqua. A comparação com o lado
giu cerca de metade do comprimento total, e até ao iní- oposto é obrigatória e essencial, pois permite diferen-
cio da adolescência atinge o seu desenvolvimento com- ciar as alterações do desenvolvimento, habitualmente
pleto. Este facto obriga a substituições frequentes de bilaterais, das situações patológicas.
calçado, para acompanhar o crescimento rápido du-
rante a infância.1 DEFORMIDADES MAIS FREQUENTES
Nas deformidades dos pés há que distinguir as defor-
A ARCADA PLANTAR midades congénitas das deformidades do desenvolvi-
O arco longitudinal do pé, a que habitualmente se cha- mento. Perante um recém-nascido com uma deformi-
ma arcada plantar, desenvolve-se com o crescimento, dade, é necessário perceber se se trata de uma defor-
tornando-se mais evidente a partir dos dois anos, altu- midade postural, habitualmente flexível, ou de uma de-
ra em que começa a desaparecer a gordura do pé do re- formidade patológica, habitualmente rígida, pois o
cém-nascido. O pé plano infantil resulta da combina- prognóstico é totalmente diferente. A deformidade pos-
ção de gordura subcutânea e da laxidão articular, tural tem tendência a regredir espontaneamente, sem
predominantes na infância. Quando a criança apoia o tratamento ou com tratamento mínimo, enquanto uma
pé, a arcada abate sob o peso e a gordura subcutânea, deformidade rígida é uma doença que obriga a trata-
mais abundante na região plantar, apaga a visualização mentos continuados e, eventualmente, a cirurgia.
da arcada.
Deformidades congénitas
*Assistente Hospitalar Graduado em Cirurgia Pediátrica
**Chefe de Serviço de Ortopedia
Metatarsus aductus ou varus. É a deformidade mais
Serviço de Ortopedia, Hospital Dona Estefânia, Lisboa, Portugal frequente do pé, com uma incidência de 1/1.000 nas-

Rev Port Clin Geral 2009;25:458-63


dossier: ortopedia infantil 459

cimentos, sendo mais frequente na rapariga. Existem Pé plano congénito


três tipos: Trata-se de uma deformidade de difícil diagnóstico à
• Metatarsus aductus: é uma deformidade posicional nascença, por ser rara e pouco perceptível, mas que, se
frequente (relacionada com a posição intra-uterina), não tratada, pode ter repercussões importantes na ida-
em que existe uma convexidade do bordo externo do de adulta.
pé, flexível e com evolução benigna para a cura es- O recém-nascido apresenta uma deformidade que se
pontânea, cerca do ano de idade. Está associado a caracteriza pela forma convexa da planta do pé, tipo
doença displásica da anca. mata-borrão, notando-se o desaparecimento da arca-
• Metatarsus varus: é uma deformidade mais rara, rí- da longitudinal interna e palpando-se, em seu lugar,
gida, em que os metatarsos se encontram voltados uma tumefacção dura, que corresponde à cabeça do as-
para dentro. Pode originar problemas com o uso de trágalo (astrágalo vertical) (Figura 1).
calçado e obriga a tratamento com gessos seriados, É a forma mais grave de pé plano patológico e uma
para correcção, seguidos de ortóteses para manu- das mais difíceis de tratar. Está, muitas vezes, associa-
tenção da correcção. da a outras malformações ortopédicas, como a displa-
• Abdução do Halux (SearchingToe): é uma deformi- sia da anca, torticolis ou outras malfomações, nomea-
dade dinâmica, por hiperactividade do músculo ab- damente do aparelho urinário.
dutor do dedo. Evolui para a cura sem necessidade O aspecto radiográfico é típico na incidência de per-
de tratamento. fil, com a verticalização do astrágalo e a cabeça deste
induzindo a convexidade da região plantar. A sua rigi-
Pé boto (equinovaro) dez não permite resultados satisfatórios com o trata-
Esta entidade, mais frequente no sexo masculino, tem mento conservador com gessos e o tratamento cirúrgi-
uma incidência de cerca de 1/1.000 nascimentos. Em co deve ser encarado no primeiro ano de vida.
50% dos casos é bilateral.
Trata-se de uma deformidade complexa, com equi- Calcaneovalgus
nismo do retropé, varismo, supinação e cavum. É, por É uma deformidade posicional, que evolui espontanea-
vezes, confundido com o metarsus varus, mas distin- mente para a cura, podendo estar associada à displasia
gue-se deste pela existência do equinismo por retrac- da anca. Pode ser confundida com o astrágalo vertical
ção do tendão de Aquiles. congénito, diferenciando-se deste pela sua flexibilida-
Existe um componente malformativo ósseo, com hi- de. Não requer tratamento.
poplasia dos ossos do tarso, especialmente do astrága-
lo. Pode estar associado a outros problemas ortopédi- Deformidades do desenvolvimento
cos e a sua gravidade depende não só da deformidade Pé plano infantil
em si, mas, sobretudo, da sua rigidez. Nesta entidade, a diminuição da altura ou abatimento
O facto de ser uma deformidade congénita, de base da arcada plantar provoca um aumento da área de con-
genética, condiciona a sua evolução; caracteriza-se, na tacto do pé com o solo (Figuras 2, 3 e 4).
idade adulta, por um pé de aspecto normal, mas, por
vezes, ligeiramente mais pequeno e por uma atrofia dos
músculos da perna.
O seu tratamento tem evoluído ao longo dos tempos.
Actualmente, o tratamento de eleição consiste na apli-
cação de gessos seriados, associada a tenotomia do ten-
dão de Aquiles, na altura do último gesso, conforme
descrito por Ponseti.3 A taxa de recidiva é elevada, pelo
que é fundamental a utilização de uma ortótese para
dormir, que se mantém até aos 3-5 anos, dependendo
da severidade da deformidade à nascença. Figura 1. Pé Plano congénito

Rev Port Clin Geral 2009;25:458-63


460 dossier: ortopedia infantil

Figura 2. Pé plano laxo infantil Figura 4. Pé plano – podoscópio


Notar o apoio total da planta do pé

Pé plano com retracção do tendão de Aquiles


A retracção do tendão de Aquiles provoca um desvio em
valgo do calcâneo, com alterações do movimento nor-
mal do pé, provocando queixas dolorosas mais ou me-
nos intensas. Na maioria das vezes, as queixas estão di-
rectamente relacionadas com os esforços e são referi-
das aos pés, mas, também, aos músculos das pernas. É
frequentemente confundida com o pé plano flexível,
que, no entanto, não tem esta retracção tendinosa. O
Figura 3. Pé plano laxo infantil tratamento é cirúrgico, cerca dos 6-8 anos de idade.

Pé plano por fusão társica (barra társica)


Trata-se de uma deformidade rígida e dolorosa, que se
Existem dois tipos de pé plano: o fisiológico e o pa- caracteriza por um pé plano, associado a uma espasti-
tológico. O primeiro (pé plano laxo infantil) é uma va- cidade dos músculos peroneais e que, quando assinto-
riante do normal, flexível e benigna.4 Pode ter uma in- mática, pode passar despercebida.
cidência familiar e é muito frequente na primeira infân- Em termos anátomo-patológicos caracteriza-se pela
cia; a sua incidência diminui gradualmente, até cerca presença de uma ponte entre os ossos do pé. Os tipos
de 10 a 15% nos adultos. Está associado a hiperlaxidão mais frequentes são a barra astrágalo-calcaneana e a
ligamentar e não necessita de tratamento. Ao contrário calcâneo-escafoideia e podem ser constituídas por
do que é comum acreditarmos, não beneficia com o uso osso, cartilagem ou apenas por um tecido fibroso.
de calçado correctivo, mas sim com a actividade des- Manifesta-se, habitualmente, no início da adoles-
portiva e o uso de calçado flexível. cência, altura em que se inicia o último surto de cres-
O pé plano patológico é mais rígido, provoca proble- cimento do pé, como um pé plano rígido e doloroso. As
mas e tem uma correcção difícil e complicada, poden- barras ósseas originam sobrecargas nas articulações
do ter várias etiologias. adjacentes, mas podem, por vezes, ser assintomáticas.
O tratamento pode ser mais ou menos complexo,
Pé plano em Z ou pé em serpentina consoante os casos e o resultado nem sempre é satis-
É uma deformidade complexa, rara, com um valgismo fatório, nomeadamente nas barras astrágalo-calcane-
do retropé, uma adução do antepé e abatimento da ar- anas (mais difíceis de ressecar).5
cada plantar. Necessita tratamento complexo no fim
do crescimento, com alongamentos tendinosos e osteo- Pé plano neuromuscular
tomias diversas. É comum nos doentes com paralisia cerebral e é cau-

Rev Port Clin Geral 2009;25:458-63


dossier: ortopedia infantil 461

Figura 5. Pinça de Lagosta


Figura 6. Duplicação de dedo - Polidactilia

sado pelo desequilíbrio muscular e pela espasticidade.


A sua estabilização cirúrgica é requerida especialmen- Sindactilia
te nos doentes com potencial de marcha. É uma malformação frequente, ocorrendo em 1/2.000 ou
2.500 nascimentos, em que há junção de dois ou mais de-
Pé cavo dos. Há vários níveis de sindictalização, podendo ser par-
O aumento da arcada plantar, associado a varismo do cial ou completa. Não causa problemas funcionais, sen-
retropé e dedos em garra são as características princi- do normalmente apenas um defeito estético. Os resulta-
pais desta deformidade. dos da cirurgia nem sempre são satisfatórios, podendo,
Existe uma forma fisiológica, com aumento mode- inclusivamente, ser piores do ponto de vista estético, pelo
rado da arcada plantar, sem défices neurológicos asso- que, na maioria dos casos, o tratamento é desnecessário.
ciados e com incidência familiar. Pode dar origem a
metatarsalgias e calosidades na adolescência, devendo Polidactilia
ser referenciado à consulta de ortopedia quando sinto- A polidactilia (existência de dedos supranumerários)
mático. (Figura 6), é mais frequente no sexo feminino e existem
O pé cavo congénito é raro e corresponde a uma de- numerosas formas, envolvendo não só as falanges, mas,
formidade posicional com correcção espontânea. também, os metatarsos. Pode causar problemas com o
O pé calcaneocavo é mais frequente na poliomieli- uso de calçado. O seu tratamento pode não ser tão sim-
te, no mielomeningocelo e como forma iatrogénica, em ples como se pensa e deve ser bem planeado, sob pena
casos de alongamento excessivo do tendão de Aquiles. de ter resultados insatisfatórios e, por vezes, irrepará-
O pé cavovaro é a forma mais frequente; acompa- veis. A razão do insucesso está ligada ao facto de, por
nha-se de dedos em garra e deve-se a um desequilíbrio vezes, estes doentes serem operados precocemente
muscular de base neurológica ainda que às vezes não (antes do ano de idade), não permitindo ainda uma di-
seja identificada a doença causal. ferenciação cuidada dos tecidos patológicos, o que leva
O tratamento, conservador ou cirúrgico, depende do a recidivas frequentes.
tipo e gravidade da situação.
Microdactilia
DEFORMIDADES DOS DEDOS Podem estar associadas a outros problemas ortopédi-
Pinça de Lagosta (Lobster Claw deformity) cos congénitos (por exemplo, malformação dos mem-
Esta entidade, transmitida de forma autossómica do- bros), pelo que deve ser feito o seu rastreio. O trata-
minante, é, geralmente, bilateral e pode envolver tam- mento desta situação não é necessário.
bém as mãos (Figura 5).
Origina problemas no uso de calçado e o tratamen- Macrodactilia
to deve ser dirigido para o fim do crescimento. Por vezes associada a outras situações, como a neuro-

Rev Port Clin Geral 2009;25:458-63


462 dossier: ortopedia infantil

Figura 7. Macrodactilia Figura 8. Síndrome de Proteus

fibromatose ou acumulação de gordura, exige vigilân- Hipertrofia


cia, pois em caso de crescimento rápido obriga a uma A hipertrofia dos dedos está associada a síndrome de
cirurgia. Por esse motivo as crianças devem ser vigia- Proteus (Figura 8), neurofibromatose ou malformações
das e referenciadas em caso de crescimento anormal. vasculares. Pode envolver um ou mais dedos ou, até,
(Figura 7) todo o pé ou membro. O tratamento é complexo, difí-
cil e pouco satisfatório.
Dedos flectidos
Trata-se de uma entidade frequente na infância, em ATITUDE/PROCEDIMENTOS DO MÉDICO
que há flexão e rotação dos dedos dos pés. O uso de fi- DE FAMÍLIA/PEDIATRA
tas adesivas como tala tem sido recomendado, mas é Como referido anteriormente, o pé infantil e a sua evo-
desnecessário. Evolui, geralmente, para a cura espon- lução constituem um dos principais motivos de preo-
tânea. cupação por parte dos pais e de consulta de Ortopedia.
A anatomia da criança não é a mesma do adulto e
Cavalgamento de dedos este facto nem sempre foi reconhecido. Assim, as con-
Muito frequente nos 2º, 3º e 4º dedos, com evolução be- sultas de ortopedia para «correcção» do pé ou das per-
nigna para a cura. Pode ser bilateral. Tem carácter fa- nas, tão populares nos últimos quarenta anos, tinham,
miliar; pode ser resultado de uma mutação genética. De na verdade, o objectivo de tornar os membros da crian-
uma maneira geral, o cavalgamento do 5º dedo não res- ça iguais aos dos pais, o que viria a acontecer de qual-
ponde às medidas conservadoras, como adesivos ou quer modo, mesmo sem qualquer intervenção terapêu-
ortóteses e necessita, por vezes, de correcção cirúrgica, tica.
por poder causar dificuldades no uso de calçado. A sua Na presença de uma criança com uma deformidade
referenciação deve ser ponderada com os pais, pois só do pé, uma história clínica cuidada, apoiada na histó-
se justifica se existir uma indicação ciúrgica. ria familiar, é fundamental. De facto, a grande maioria
destas situações têm um cariz genético e, como tal, a
Dedo em martelo história familiar pode ajudar a estabelecer o diagnósti-
Os dedos em martelo são causados por deformidade em co e a perceber a gravidade da deformidade – muitas ve-
flexão da interfalângica proximal. O tratamento cirúr- zes bem tolerada na idade adulta.
gico pode estar indicado na adolescência. O exame objectivo é, também, essencial, pois, na
maior parte das situações, permite o diagnóstico, sem
Dedo em garra necessidade de recorrer a exames auxiliares, como os
Estão associados ao pé cavo e problemas neurológicos. radiológicos.
O tratamento faz parte dos procedimentos a efectuar De salientar, ainda, que as deformidades congénitas
na correcção desta patologia. dos pés podem estar associadas a outras malforma-

Rev Port Clin Geral 2009;25:458-63


dossier: ortopedia infantil 463

ções, como a displasia de desenvolvimento da anca, das. O material de que é feito o sapato deve ser poroso
pelo que estas crianças devem ser submetidas a um e permitir a respiração, ter características térmicas e de
rastreio sistematizado de outras malformações. protecção adequadas e permitir liberdade de movi-
Na avaliação da patologia do pé da criança, é neces- mentos.
sário ter presentes os principais sinais de alarme. A Devemos ter a noção de que a marcha se desenvol-
identificação de uma deformidade rígida, que, com a ve e aperfeiçoa com o crescimento até aos 6-7 anos,
manipulação, não assuma a posição anatómica, é sem- idade em que a criança adquire um padrão de marcha
pre indicativa de uma situação patológica, requerendo semelhante ao dos adultos.
uma observação ortopédica imediata. As deformida-
des assimétricas são, também, geralmente patológicas, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
requerendo igualmente uma avaliação ortopédica. 1. Herring J, editor. Tachdjian’s Pediatric Orthopaedics. 4th ed. Phila-
delphia: W.B. Saunders; 2008.
Uma situação benigna, o pé plano, merece aqui uma
2. Staheli LT, editor. Practice of Pediatric Orthopedics. Philadelphia: Lip-
referência, pelas dúvidas que sempre levanta nos pais pincott, Williams & Wilkins; 2001.
e que, por vezes, exigem uma observação ortopédica. 3. Ponseti IV, Campos J. Observations on pathogenesis and treatment of
O pé plano é normal na criança e o desenvolvimento congenital clubfoot. Clin Orthop Relat Res 1972 May; 84: 50-60.
da arcada plantar não depende do uso de calçado cor- 4. Wenger DR, Mauldin D, Speck G, Morgan D, Lieber RL. Corrective shoes
and inserts as treatment for flexible flatfoot in infants and children. J
rectivo; todos os implantes, palmilhas ou reforços são
Bone Joint Surg Am 1989 Jul; 71 (6): 800-10.
inúteis e até, por vezes, prejudiciais. O pé plano deve ser 5. Mubarak SJ, Patel PN, Upasani VV, Moor MA, Wenger DR. Calcaneona-
encarado como um problema apenas se for rígido, do- vicular coalition: treatment by excision and fat graft. J Pediatr Orthop
loroso ou muito pronunciado. Uma arcada plantar mui- 2009 Jul-Aug; 29 (5): 418-26.
to alta constitui, seguramente, um motivo muito maior
de preocupação. Os autores declararam não possuir conflitos de interesses
O calçado da criança deve ser flexível, confortável e
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
nunca demasiado justo. Os sapatos duros devem ser
Francisco Sant´Anna
evitados, pois impedem o movimento normal do pé, Serviço de Ortopedia, Hospital Dona Estefânia
que é essencial para o desenvolvimento da força mus- Rua Jacinta Marto, 1169 Lisboa, Portugal
cular. A sola não deve ser muito escorregadia nem de- E-mail: fccsantanna@gmail.com
masiado aderente, pois é uma fonte frequente de que-

ABSTRACT

JUVENILE FOOT DEFORMITIES


A child's feet are a major source of concern for the parents of children undergoing physical development. In this article, the au-
thors approach the main deformities observed at birth and during development, as well as the therapeutically indications. Ad-
ditionally, guidelines for the treatment of these deformities are presented to the general practitioner or paediatrician.

Keywords: Child; Foot; Foot Deformity; Flatfoot; Clubfoot.

Rev Port Clin Geral 2009;25:458-63


464 dossier: ortopedia infantil

Desvios axiais dos


membros inferiores
M. Cassiano Neves,* João Lameiras Campagnolo**

RESUMO
As deformidades axiais dos membros inferiores constituem um dos principais motivos de consulta na área de Ortopedia Infan-
til. Esta situação deve-se, por um lado, ao facto de haver uma grande percentagem de crianças (cerca de 20%) que apresentam
uma deformidade fisiológica durante o desenvolvimento e, por outro, à «tradição» existente, segundo a qual estes desvios ne-
cessitam de um tratamento, usualmente por calçado ortopédico.
Torna-se, por isso, imperioso destrinçar o fisiológico do patológico, diferenciar as diferentes etiologias e corrigi-las precoce-
mente medicamente e, ainda, determinar quando uma deformidade é passível de correcção espontânea ou quando exige uma
terapêutica cirúrgica.

Palavras-chave: Desenvolvimento; Joelhos Varos; Joelhos Valgus; Recurvato.

INTRODUÇÃO zelos em contacto), das deformações em valgo (os joe-


s deformidades dos membros inferiores no pla- lhos aproximam-se da linha média e as pernas ficam di-

A no frontal são uma das causas mais frequentes


de consulta em Ortopedia, quer a pedido dos
pais, quer dos médicos assistentes.
vergentes, com um exagerado afastamento dos torno-
zelos). Seguidamente, em função da idade da criança,
da gravidade da deformidade, dos antecedentes pesso-
As deformidades axiais à nascença são muito raras e ais e familiares e da existência ou não de patologia sis-
estão, na maioria dos casos, subjacentes a anomalias témica relacionada, tomaremos uma eventual decisão
congénitas dos ossos longos, com graves repercussões terapêutica.
no desenvolvimento do membro. A excepção será a tí- É de salientar que, no final do crescimento, o mor-
bia em «S», que consiste numa deformidade axial da tí- fotipo em varo dos joelhos é mais frequente no homem
bia, com uma curvatura com vértice posterior e inter- (60%) que na mulher (40%), enquanto que o morfoti-
no dando, à nascença, a posição de um «pé talo» mui- po em valgo é mais frequente no sexo feminino.
to acentuado. Esta deformidade é considerada «be-
nigna» porque corrige espontaneamente com o FISIOPATOLOGIA
desenvolvimento, apresentando como única sequela Os mecanismos que conduzem a desvios axiais dos
na idade adulta um encurtamento da perna entre os 2 membros inferiores no plano frontal são diferentes con-
e os 4 cm.1 soante o tipo de deformidade, em valgo ou em varo. De
Na verdade, as modificações do alinhamento dos qualquer modo, e em qualquer dos casos, distinguem-
membros inferiores durante os primeiros seis anos de -se os seguintes mecanismos:
vida são, na sua grande maioria, fisiológicas, pelo que • Fisiológico
apenas uma escassa minoria dos casos necessitam de • Não fisiológico: idiopático
tratamento ortopédico. secundário
Antes do mais, deveremos distinguir as deformações
dos joelhos em varo (joelhos afastados com os torno- • Fisiológico: na sua posição intra-uterina, as crianças
encontram-se com os membros sobrepostos e enro-
*Chefe de Serviço; Responsável da Unidade de Ortopedia. lados um sobre o outro, o que condiciona uma de-
Departamento Cirurgia Pediátrica – Hospital Dona Estefânia
*Assistente Hospitalar. Unidade de Ortopedia, Departamento Cirurgia Pediátrica –
formidade em varo dos membros inferiores, asso-
Hospital Dona Estefânia ciada a uma rotação interna das tíbias e a uma ante-

Rev Port Clin Geral 2009;25:464-70


dossier: ortopedia infantil 465

• Doenças reumatológicas: ex. artrite inflamatória


• Traumatismos: epifisiodeses assimétricas
• Infecções: poliomielite
• Outras causas

B) Geno valgo
Idiopático: é mais frequente em adolescentes; coexis-
te, geralmente, com dor anterior e interna do joelho, as-
sociada a uma marcha com necessidade de um joelho
«contornar» o outro (marcha circundante) e, por vezes,
com instabilidade patelo-femoral.
Trata-se de uma situação habitualmente progressi-
Figura 1. Evolução do eixo mecânico dos membros inferiores va, que não corrige espontaneamente e que requer
durante o crescimento
eventual tratamento cirúrgico.
Secundário: é mais comum dos 3 aos 10 anos e as
versão dos colos do fémur. Nos dois primeiros anos, causas mais frequentemente associadas são:
fruto da acção muscular, estas deformidades vão cor- • Doenças metabólicas: raquitismo
rigindo espontaneamente, ajudadas pelo hiper-cres- • Doenças genéticas: displasias ósseas, Síndroma de
cimento do côndilo femoral interno, o que acontece Down, neurofibromatose, Síndroma de Marfan
cerca dos 2 anos de idade. • Doenças reumatológicas: ex. artrite inflamatória
É, por isso, frequente observar um varismo entre o • Traumatismos: ex. fractura proximal da tíbia*
1º e 2º ano de vida e um valgismo entre o 2º e 6º ano de • Infecções: poliomielite
vida conforme o quadro anexo (Figura 1). É uma situa- • Outras causas: ex. hemofilia
ção geralmente assintomática, simétrica, benigna, de
resolução espontânea, que não precisa de tratamento. SEMIOLOGIA CLÍNICA
• Não fisiológico: resulta de alterações biomecânicas Na avaliação dos desvios de eixo, existem dados que se
mantidas e progressivamente agravadas, que con- devem particularmente evidenciar:
duzem a um desequilíbrio das forças exercidas a ní-
vel do joelho, com sobrecarga, seja do compartimen- História clínica:
to interno (varo), seja do externo (valgo). • Motivo da consulta, história natural das queixas/
/deformidades, início das queixas/deformidades e
A) Geno varo sua progressão.
Idiopático: observam-se casos de geno varo persisten- Refira-se que os desvios de eixo são, habitualmente,
te após o 2º ano de vida, com angulação significativa, assintomáticos, sendo de salientar que as deformida-
mas que corrigem espontaneamente após 1-2 anos de des assimétricas devem ser sempre valorizadas, pois
evolução. Nestes casos as epífises são radiologicamen- traduzem a existência de patologia subjacente. Do mes-
te normais. mo modo, também a progressão de um desvio deve ser
Secundário é mais frequente dos 3 aos 10 anos e com sempre alvo de atenção: um varismo que progride de-
causas semelhantes às do geno valgo secundário, mas pois dos 2 anos não é, com certeza, fisiológico, o mes-
com alterações biomecânicas que afectam preponde- mo se passando com um valgismo que progride depois
rantemente o compartimento interno do joelho. Pode dos 4 anos.
ser causado por:
Doenças de desenvolvimento, das quais a mais fre- * Caso particular do geno valgo pós-traumático: fractura da metáfise proximal da
quente é a Doença de Blount tíbia com ou sem fractura do peróneo ("fractura de Cozen"); neste caso terá um tra-
tamento com gesso cruro-podálico em ligeiro varo do joelho; a máxima deformi-
• Doenças metabólicas: raquitismo dade em geno valgo será evidente depois de um ano e a resolução, espontânea, pode
• Doenças genéticas: displasias ósseas demorar vários anos, sendo controversa a necessidade de cirurgia.2

Rev Port Clin Geral 2009;25:464-70


466 dossier: ortopedia infantil

Normal Geno Varo Geno Valgo

Figura 2. Eixo mecânico Figura 3. Desvios de Eixo (plano frontal)

• Antecedentes pessoais: dieta, doenças prévias, ante- • Rotação externa da tíbia compensada com o geno
cedentes traumáticos valgo
• Antecedentes familiares: factor hereditário (Nota: o geno valgo patológico não corrige com as ró-
tulas ao zénite)
Exame objectivo: A deformidade é avaliada pela distância inter-maleo-
Um exame clínico sucinto informa acerca do morfóti- lar (DIM – o valor normal é inferior a 2 cm), quando os
po da criança: o eixo anatómico de carga do membro joelhos estão em contacto. Pode ser sobre-avaliada em
inferior passa, normalmente, pelas espinhas das tíbias; indivíduos obesos com coxas volumosas, em que os
no caso de um joelho valgo, passa por fora e, num joe- côndilos femorais não se conseguem encostar (nestes
lho varo, por dentro.3 casos, quando uma indicação cirúrgica é ponderada, a
A observação deve ser efectuada com as rótulas ao avaliação deve ser radiológica).5
zénite e uma rotação dos pés para pôr a rótula ao zé-
nite. Factores associados a cada tipo de desvio
Devem, ainda, valorizar-se os seguintes dados: A) Geno varo
• Peso e altura, pois podem agravar as condições me- Habitualmente, crianças com cerca de 2-3 anos e com:
cânicas do eixo de carga • Raquitismo
• Deformidade localizada/generalizada • Doença de Blount: associado ao início precoce da
• Dismetrias dos membros inferiores marcha é a obesidade. Neste caso particular conse-
• Hiperlaxidão ligamentar: geno valgo que aumenta gue-se palpar um «bico» ósseo no lado interno, cor-
em carga respondente à proeminência da metáfise proximal
• Joelhos que «roçam na marcha» → Marcha em «cir- da tíbia.
cundução»
• Gonalgia no compartimento medial e anterior em B) Geno valgo
carga Frequentemente, crianças com cerca de 4-6 anos e com:
• Casos mais graves: luxação da rótula e fracturas os- • Baixa estatura
teo-condrais • Traumatismo prévio
• Avaliação dos desalinhamentos rotacionais dos • História de infecção
membros inferiores: • Doença metabólica
• Aumento da anteversão femoral • Assimetria importante, sugerindo situação patoló-
• Rotação tibial interna (pseudo geno valgo) gica
• Pé plano valgo

Rev Port Clin Geral 2009;25:464-70


dossier: ortopedia infantil 467

imagiológicos:
• RX coxo-femorais AP+P (se o RX extra-longo detec-
tar anomalias da fise femoral proximal)
• RX do punho/mão em AP – lado não dominante, para
determinação da idade óssea
• Outras incidências especiais
• Tomografia axial computorizada (TAC), ressonância
magnética nuclear (RMN)

B) Exames laboratoriais
Perante uma deformidade generalizada, tem indicação
o pedido de exames laboratoriais, em especial o estu-
Figura 4. Eixo mecânico do do metabolismo fosfo-cálcico, para rastreio de uma
doença metabólica que possa estar subjacente (p.e., o
raquitismo); nessas situações, o doente deve, também,
EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO ser referenciado para uma consulta de genética e endo-
A) Imagiologia crinologia.
O diagnóstico de uma deformidade patológica deve ser
imagiológico. CLASSIFICAÇÃO
Os exames a pedir serão: A) Geno varo
• Radiografia (RX) extra-longo em carga dos membros Classificação de Langenskiöld da doença de Blount em
inferiores 6 graus. Trata-se de uma classificação radiográfica que
• RX dos joelhos nos 2 planos (antero posterior (AP) + nos indica o prognóstico. A partir do grau III existem re-
perfil, para definição de eventuais alterações locais) percussões futuras em termos de crescimento,6 pelo
Poderão ser analisados: que esta doença obriga a um tratamento precoce.
• 1. O eixo mecânico (divide o joelho em 2 partes iguais)
• 2. O ângulo femoro-tibial B) Geno valgo: distância intermaleolar normal < 2 cm
• 3. Outras medições: GV LEVE = 2-5 cm
• Ângulo femoral lateral distal (N=94º, valgo=6º) MODERADO= 5-9 cm
• Ângulo proximal medial tibial (N=3º Varo) GRAVE > 9 cm
Acessoriamente, se houver suspeita de outras pato-
logias associadas, poderão ser pedidos outros exames DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Geno valgo/varo
• Fisiológico

Valores normais:
• Ângulo femoro-tibial
N= 6º 8º
– deitado (rótula centrada)
– em carga

• DIM em carga
N <2 cm
– Deitado (rótula centrada)
– Em carga

Figura 5. Valores referência (DIM e ângulo femoro-tibial) Figura 6. Classificação de Langenskiöld da Doença de Blount

Rev Port Clin Geral 2009;25:464-70


468 dossier: ortopedia infantil

• Displasias esqueléticas (condrodisplasia metafisá- • Geno varo não fisiológico: o tratamento é função da
ria, displasia espondilo-epifisária, displasia epifisá- gravidade e/ou da evolução clínica:
ria múltipla, acondroplasia) – Doença de Blount: cirurgia a partir do grau III da
• Doenças metabólicas (osteodistrofia renal, raquitis- doença
mo resistente à vitamina D) • Geno valgo não fisiológico: tratamento em função
• Pós-traumático da gravidade e/ou da evolução clínica:
• Pós-infeccioso – Geno valgo idiopático:
• Displasia fibro-cartilagínea focal – Se sintomático
– Alterações da marcha
Geno varo – Dificuldade na corrida
• Doença de Blount – Gonalgia
– Mau alinhamento patelar
ATITUDE/PROCEDIMENTOS DO MÉDICO – Instabilidade ligamentar
DE FAMÍLIA/PEDIATRA – Preocupação com o aspecto estético
A primeira noção a ter em conta é que as deformidades • Geno valgo secundário: a necessidade de tratamen-
axiais dos membros não se tratam com sapatos correcti- to é frequente
vos, vulgarmente chamados ortopédicos. Há 20 anos atrás,
era comum receitar as ortóteses tipo «talas de sereia» para Tipos de tratamento
correcção destas alterações. Hoje em dia, é difícil conven- A) Conservador
cer uma criança de 8 anos ou uma adolescente a «dormir B) Cirúrgico
de pernas atadas». Por isso, o princípio básico do trata-
mento destas deformidades é a correcção dos factores A) Tratamento Conservador
etiológicos que possam estar subjacentes e, perante a fa- • Isolado
lência da terapêutica conservadora, a cirurgia. – Tratamento dos estados carenciais: ex. défice die-
O geno varo persistente após os 2 anos de idade é tético – raquitismo
uma indicação para o envio à consulta de Ortopedia, – Ortóteses
pois uma deformidade evoluída pode ter repercussões – Fisioterapia
graves na idade adulta. • Associado a tratamento cirúrgico
Quanto ao geno valgo, é uma patologia frequente e – Tratamento de raquitismos não carenciais: altera-
benigna, mas deve ser enviada ao especialista quando ções metabólicas no raquitismo hipofosfatémico
se verifica a presença de: vitamina D resistente (de difícil correcção)
• deformidades múltiplas associadas ao esqueleto – Bifosfonatos (osteogénese imperfeita)
• deformidade progressiva a partir dos 4 anos
• geno valgo grave (mais de 9 cm de distância inter- B) Tratamento Cirúrgico
maleolar) • Hemiepifisiodese temporária: paragem provisória
• geno valgo sintomático do crescimento de um dos lados da cartilagem de
• crianças entre os 6-8 anos com geno valgo sem reso- crescimento (interna ou externa) – cirurgia de mo-
lução espontânea delagem do crescimento ósseo através de grampos
• assimetria ou placas/parafusos7
• Hemiepifisiodese definitiva – paragem definitiva do
PERSPECTIVA DO PLANO TERAPÊUTICO DO crescimento ósseo por brocagem percutânea da car-
CIRURGIÃO ORTOPÉDICO tilagem de crescimento ou cirurgia invasiva
A orientação terapêutica tem indicações em função do • Osteotomia correctiva da deformidade
tipo de geno valgo ou varo:
• Deformidades fisiológicas: não carecem de trata- Discussão em relação às opções cirúrgicas:
mento 1) Localização dos grampos /Placas

Rev Port Clin Geral 2009;25:464-70


dossier: ortopedia infantil 469

Figura 8. Recurvato à direita, por epifisiodese anterior

permanente, com riscos de provocar eventuais disme-


trias (encurtamento do membro operado), sendo difí-
cil decidir qual a altura correcta para a sua realização.
Figura 7. Pré-operatório joelho valgo e pós-operatório após
epifisiodese
5) Indicações para a osteotomia correctiva
Trata-se de um método cirúrgico mais agressivo e, por
Na cirurgia de modelagem do crescimento ósseo pre- isso, com mais riscos, devendo ser realizada, preferen-
tende-se regular a maneira como o osso cresce. Assim, cialmente, no final do crescimento.
os grampos/placas são colocados no lado externo
quando se pretende que o osso cresça mais do lado in- Desvios axiais dos membros inferiores
terno (deformidade em varo) e vice-versa, quando se (plano de perfil)
pretende corrigir um valgo. De perfil, observa-se, por vezes, um geno recurvato (joe-
lho em hiper-extensão). A medida deve ser efectuada
2) Indicações de hemi-epifisiodese temporária com um goniómetro, avaliando o ângulo formado pe-
• Doentes sintomáticos, em crescimento los eixos anatómicos do fémur e da tíbia (referências
• DIM > 5 cm depois dos 8 anos de idade anatómicas: saliência do grande trocanter, do côndilo
• Eixo de carga fora das zonas normais (sobre a face ex- femoral externo e do maléolo externo).
terna da espinha externa da tíbia). A hiper-extensão do joelho é, habitualmente, cons-
titucional, bilateral e simétrica. Apresenta, geralmente,
3) Relação custo-benefício da epifisiodese temporária um máximo de 5 a 10º e é relativamente frequente (até
As vantagens são que se trata de um método reversível, 15% da população). Este facto é explicado por uma la-
pouco invasivo e que permite a correcção de desali- xidão ligamentar constitucional (mais frequente nas
nhamentos sagitais, evitando as osteotomias realiza- raparigas). Nalguns casos patológicos, o geno recurva-
das na fase tardia; to pode ultrapassar os 30°, como ocorre, por exemplo,
As desvantagens são a possível perda da correcção após rotura ligamentar posterior, após poliomielite (ra-
e requerer 2 intervenções cirúrgicas quando se coloca ramente) ou, ainda, após paragem prematura da carti-
materail de osteossíntese. lagem de crescimento na sua porção anterior (epifisi-
odese pós-traumática).
4) Relação custo-benefício da epifisiodese definitiva Em contrapartida, a existência de um flexo (ligeiro
As vantagens são que não se perde correcção e que se défice de extensão) do joelho é muito mais rara (a não
trata de uma cirurgia única; ser em casos patológicos).
As desvantagens são que se trata de uma cirurgia Os casos patológicos (recurvatos de mais que 10º e

Rev Port Clin Geral 2009;25:464-70


470 dossier: ortopedia infantil

flexos) deverão ser referenciados à Ortopedia pois obri- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


gam, na maioria das situações, a uma correcção cirúr- 1. Herring JA, editor. Tachdjian's Pediatric Orthopaedics. 3rd ed. Philadel-
phia: W.B. Saunders; 2002.
gica.
2. Staheli LT. Fundamentals of Pediatric Orthopedics. 3rd ed. Philadelphia:
Lippincott Williams & Wilkins; 2007.
CONCLUSÕES 3. Seabra J. Conceitos básicos de ortopedia infantil. 3ª ed. Coimbra: ASIC;
Os desvios de eixo dos membros inferiores da criança 1997.
são uma situação comum durante o desenvolvimento, 4. Stevens PM, McWilliams B, Mohr A. Gait analysis of stapling for genu
valgum. J Pediatr Orthop 2004 Jan-Feb; 24 (1): 70-4.
em especial nos primeiros anos de vida.
5. Stevens PM, Maguire M, Dales MD, Robins AJ. Physeal stapling for id-
Na maioria dos casos, trata-se de alterações benig-
iopathic genu valgum. J Pediatr Orthop 1999 Sep-Oct; 19(5): 645-9.
nas, correspondendo apenas a desvios do crescimento 6. McCarthy JJ, Kim DH, Eilert RE. Posttraumatic genu valgum: operative
padrão, sem caracter patológico. É o caso dos joelhos versus nonoperative treatment. J Pediatr Orthop 1998 Jul-Ago; 18 (4):
varos, que devem estar corrigidos até aos 2-3 anos e 518-21.
dos joelhos valgus, que se mantêm, por vezes, até aos 7. Lerat JL. Orthopédie, Sémiologie,Traumatologie, base de données pour
l'enseignement. Paris: Collège Français des Orthopédistes et Trauma-
8 anos (devendo fazer-se uma avaliação nas consultas
tologues; 2005.
dos 2 e dos 8 anos). Estas situações fisiológicas têm ten-
dência a corrigir espontâneamente, razão pela qual não Os autores declararam não possuir conflitos de interesses
necessitam de qualquer terapêutica nessa fase. O Mé-
dico de Família e o Pediatra devem estar atentos aos si- ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
nais de alarme, que são fundamentalmente clínicos: Manuel Cassiano Neves
Serviço de Ortopedia
uma deformidade congénita, uma assimetria dos mem-
Hospital Dona Estefânia
bros ou uma deformidade progressiva, fora dos parâ- Rua Jacinta Marto
metros correspondentes à idade, que exigem, sempre, 1169-045 Lisboa
uma avaliação por um especialista. Tel: 213 126 632
E-mail: mcassiano@chlc.min-saude.pt

ABSTRACT

AXIAL DEFORMITY OF THE LOWER LIMBS


Axial deformity of the lower limbs is one of the major causes of referral on a Paediatric Orthopaedic Clinic. This is due to the
high percentage of children (20%) with axial bone deformities in the lower limbs and to the fact that there is a «tradition» ac-
cording to which these children will require the use of a corrective shoe, at a certain time, in order to treat this type of defor-
mity.
It is therefore of the essence to distinguish the physiologic from the pathologic, to differentiate the different aetiologies,
correcting them at an early stage and also to determine when the deformity has a chance of being spontaneously corrected or
if, on the other hand, it requires a surgical correction

Keywords: Development; Varus Knee; Valgus Knee; Recurvatum.

Rev Port Clin Geral 2009;25:464-70


dossier: ortopedia infantil 471

Raquialgias na criança
Paulo Reis,* Jorge Mineiro**

RESUMO
As raquialgias são, na criança e no adolescente, menos frequentes do que no adulto, mas traduzem, com maior frequência, a
existência de patologia subjacente. Longe de constituírem um gasto excessivo de tempo do clínico, a colheita minuciosa da his-
tória clínica e um exame objectivo cuidadoso e sistemático são, indubitavelmente, um dos melhores investimentos do médico
que vê crianças com este tipo de sintoma. Permitem abordar correctamente o doente e a sua doença e a solicitação dos exa-
mes complementares de diagnóstico mais adequados, em face de uma hipótese diagnóstica correctamente equacionada.
Perante uma criança com raquialgias, a atitude depende da idade, da gravidade dos sinais encontrados na observação e da
existência de complicações neurológicas ou outros sinais extra-raquidianos; na sua ausência, é prudente seguir a evolução das
queixas durante algum tempo, antes de submeter o doente a uma investigação frequentemente onerosa, consumidora de tem-
po e com baixa probabilidade de êxito.

Palavras-chave: Criança; Adolescente; Raquialgia.

INTRODUÇÃO tares de diagnóstico (ECD), as etiologias mais comuns


s raquialgias são uma das queixas músculo- e discutem-se alguns aspectos do diagnóstico diferen-

A -esqueléticas mais frequentes na população


geral adulta,1 mas a sua importância é con-
troversa nas crianças e nos jovens. Têm vin-
do a ser publicados trabalhos cujos resultados contra-
riam o conceito, comummente aceite, de que as raqui-
cial e da terapêutica.

ANAMNESE E EXAME OBJECTIVO


História Clínica
A colheita da história clínica e a realização de um EO
algias são pouco frequentes neste grupo etário.2-4 Num cuidadoso são passos essenciais na avaliação de uma
recente trabalho, cerca de 30% de uma coorte de 1.242 criança que aparenta estar doente. Se se tratar de uma
adolescentes entre os 11 e os 17 anos, seguidos prospec- criança muito jovem, a colheita da anamnese tem de ser
tivamente durante 4 anos, referia antecedentes de ra- feita a partir dos elementos fornecidos pelos pais ou
quialgia, com incapacidade significativa em 30% dos adultos que a acompanham, sendo regra obter-se in-
afectados, o que torna esta situação um problema de formações pouco precisas, tais como: irritabilidade, re-
saúde pública a considerar.5 Outro aspecto que distin- cusa em se sentar ou deambular ou o aparecimento de
gue a abordagem deste problema na criança relaciona- uma modificação da postura. Nas crianças mais velhas
-se com a etiologia dos sintomas: no adulto, são, sobre- e nos adolescentes, é frequente conseguir-se obter uma
tudo, os processos degenerativos e os fenómenos psi- melhor caracterização das queixas. Apesar dessas limi-
cológicos que subjazem as queixas, enquanto que, na tações, deve-se, num como noutro grupo, tentar carac-
criança, são frequentes as causas orgânicas.6-8 Estas di- terizar as queixas em relação a:
ferenças justificam, perante uma criança com raquial- a) modo de início;
gia persistente, uma cuidadosa investigação diagnósti- b) localização precisa;
ca.7,9 Revê-se, neste artigo, a metodologia de avaliação c) natureza, intensidade e ritmo da dor;
diagnóstica das raquialgias na criança e no adolescen- d) irradiação da dor;
te, abordando alguns aspectos específicos da anamne- e) duração do quadro clínico;
se e do exame objectivo (EO), os exames complemen- f) factores desencadeantes do início;
*Especialista de Reumatologia em profissão liberal g) manifestações extra-raquidianas coexistentes;
**Especialista de Ortopedia e de Cirurgia da Coluna Vertebral do Hospital CUF h) nível normal de actividade até ao início das queixas
Descobertas, Coordenador da Unidade de Ortopedia e Traumatologia, Director
Clínico do Hospital Cuf Descobertas, Consultor de Cirurgia da Coluna Pediátrica
e modificação do mesmo com o início da sintoma-
do Hospital Dª Estefânia, Professor da FML tologia;

Rev Port Clin Geral 2009;25:471-80


472 dossier: ortopedia infantil

i) despiste de história traumática prévia ao início das


queixas, caracterizando o tipo e intensidade da le-
são e sua relação com os sintomas;
j) coexistência de manifestações sistémicas (febre,
perda de peso e anorexia, por exemplo);
k) factores de alívio identificados;
l) sintomas de envolvimento neurológico (fraqueza
muscular, alterações da sensibilidade, disfunção dos
esfíncteres vesical ou intestinal) e
m) estado geral de saúde e de desenvolvimento psico-
motor1,2,10-12

Exame Objectivo
Figura 1. RMN de hérnia discal L5S1 direita num rapaz de 13 anos
O EO deve incluir uma avaliação geral completa e inci-
dir sobre todo o aparelho músculo-esquelético (não se
limitando apenas ao ráquis); o exame neurológico é, até ao ortostatismo. Perante uma criança com lombal-
igualmente, fundamental.1,2,10 Deve observar-se de to- gias, deve pesquisar-se sempre o sinal de Laségue, mas
dos os ângulos a criança ou o adolescente, em ortosta- é necessário distinguir entre a dor associada à limita-
tismo (com os membros em extensão e os pés unidos), ção da flexão da coxa sobre o tronco (resultante de uma
sentada e durante a mobilização do ráquis, registando- contractura dos músculos isquio-tibiais), da dor com
-se o alinhamento vertebral, as mobilidades e a existên- origem no ráquis, que irradia pelo membro inferior até
cia de espasmo da musculatura paravertebral.10 Com- ao pé (resultante de uma compressão nervosa, por
pleta-se o EO com a observação da pele da linha média exemplo, por uma hérnia discal) (Figura1).2
da face posterior do corpo, já que a existência de alte- O exame neurológico completo constitui, também,
rações a esse nível pode ser um elemento indicador da um elemento obrigatório.
presença de anomalias estruturais congénitas do rá-
quis.1 A identificação de pontos dolorosos pode orien- Atitude clínica e diagnóstica
tar a investigação complementar e pode denunciar, por Perante este sintoma, não podem definir-se atitudes
exemplo, o envolvimento das articulações sacro-ilía- nem abordagens diagnósticas padronizadas, devendo
cas. A exclusão de outras patologias (extra-raquidia- orientar-se as investigações de acordo com os dados
nas), que podem ter expressão clínica indistinguível, obtidos na anamnese e EO.
deve ser sempre feita, nomeadamente em relação ao No entanto, podem, genericamente, distinguir-se
aparelho urinário, tubo digestivo e ao aparelho hepa- dois tipos de situações padrão, que condicionam atitu-
to-bilio-pancreático. Embora menos comum como des diferentes:
causa de raquialgias, a patologia ginecológica pode es- a) a de uma criança com raquialgias flutuantes e de
tar implicada, sobretudo nas adolescentes pré-menar- curta duração (1 a 2 semanas), sem outras manifes-
ca.1,17,18 Também algumas infecções sistémicas (bruce- tações ou incapacidade associadas e
lose, febre Q, gripe, encefalite, por exemplo) podem b) um quadro de raquialgias persistentes (mais de 4 se-
apresentar-se com raquialgias.1 Devem, avaliar-se, tam- manas), em crianças jovens, condicionando incapa-
bém, a morfologia, dimensões e mobilidades dos mem- cidade para as actividades habituais (desporto,
bros superiores e inferiores: a existência de deformida- brincar, frequência da escola) e/ou que se acompa-
des do pé, por exemplo, pode reflectir uma lesão neu- nham de repercussões sistémicas ou de sinais neu-
rológica progressiva. Numa criança muito jovem, a ava- rológicos.19
liação das mobilidades pode fazer-se observando a No primeiro grupo, aquele em que as queixas resol-
criança a realizar actividades normais da sua vida, vem espontaneamente, incluem-se alguns doentes cuja
como, por exemplo a mudança da posição de cócoras dor tem um componente psicogénico.11, 20

Rev Port Clin Geral 2009;25:471-80


dossier: ortopedia infantil 473

máxima direita e esquerda, na avaliação de uma esco-


QUADRO I. Sinais de alerta no contexto de raquialgias
liose.1
na criança
Perante a suspeita de uma lesão menos frequente,
Recusa para deambulação* como uma hérnia discal ou um tumor, é necessária a
Dor vertebral persistente realização de exames mais sofisticados, como a tomo-
Claudicação grafia axial computorizada (TAC), a ressonância mag-
Dor agravada pela actividade física nética (RMN) ou a cintigrafia óssea. Nestas circunstân-
Dor com componente nocturno marcado cias, a atitude mais correcta será referenciar pronta-
Sinais neurológicos de novo mente a criança para um serviço de Ortopedia Pediá-
trica.
*Facilmente confundido com quadro de artrite séptica da anca

Investigação laboratorial
Globalmente, pode considerar-se que, perante uma Na maioria das situações, não é necessário realizar tes-
criança que apresente sintomatologia dolorosa referi- tes laboratoriais para avaliar uma criança com ra-
da ao aparelho locomotor, a ausência de sinais objecti- quia1gias.2,10 Existem, contudo, alguns casos, como a
vos de dor ou de limitação da mobilidade sugere que as suspeita de um processo infeccioso ou inflamatório,
queixas se devem a um problema pouco grave e que é em que se justifica o pedido da velocidade de sedi-
provável a sua resolução espontânea,20 justificando, as- mentação (VS), proteína C reactiva (PCR) e de um he-
sim, a atitude expectante advogada por alguns autores. mograma.
Por outro lado, existem alguns «sinais de alerta», que
obrigam a uma abordagem cuidadosa; o Quadro I re- Etiologias específicas e diagnóstico diferencial
sume as manifestações que devem implicar uma atitu- Existem múltiplas classificações das causas de raquial-
de mais célere e cuidadosa. gias na criança e no adolescente; escolhemos, aqui, a
classificação proposta por Thompson10 (Quadro II), que
Meios Complementares de Diagnóstico resume bem as diversas etiologias.
A realização de testes laboratoriais ou outros ECD está A doença de Scheuermann constitui, provavelmen-
indicada sempre que exista algum dos «sinais de alar- te, a causa mais comum de raquialgias das regiões to-
me» (Quadro I)) ou que as queixas sejam crónicas.2 rácica e toraco-lombar, enquanto a espondilólise ou a
espondilolistese são as causas mais comuns das raqui-
Métodos de Imagem algias lombares e lombo-sagradas. No entanto, peran-
A avaliação por métodos de imagem deve começar pela te uma criança ou adolescente com raquialgias, o mé-
realização de estudo por radiologia convencional de dico deve, por uma questão de rigor metodológico,
toda a coluna, em posição ortostática, em projecções equacionar as diferentes categorias diagnósticas. Em
antero-posterior e de perfil. Esta avaliação deve ser seguida procede-se a uma breve discussão de algumas
complementada pela realização de radiografias em in- entidades nosológicas pertencentes aos pincipais gru-
cidências oblíquas direita e esquerda do segmento afec- pos de causas, referidos no Quadro II.
tado e, no caso de envolvimento da coluna cervical e
lombar, pela realização de radiografias dinâmicas de Patologia do desenvolvimento
perfil, em flexão e extensão, para despiste de uma even- Neste grupo incluem-se a escoliose idiopática e a doen-
tual instabilidade segmentar.10 Este tipo de abordagem ça de Scheuermann.
pode permitir obter o diagnóstico em cerca de 60% dos A escoliose idiopática é a forma mais comum de es-
casos.21 Algumas patologias específicas, como as defor- coliose na criança e é, em regra, uma condição assin-
midades, requerem a realização de radiografias em po- tomática, pelo que a existência de sintomas dolorosos
sições específicas: perfil em ortostatismo e em decúbi- deve levantar a hipótese da coexistência de outras pa-
to dorsal para avaliar a flexibilidade de uma cifose, ou tologias, como uma infecção ou tumor. Consoante a
as radiografias em antero-posterior com flexão lateral idade em que surge a deformidade da coluna, podemos

Rev Port Clin Geral 2009;25:471-80


474 dossier: ortopedia infantil

curvatura esquerda e destes, 33% tinham como causa


QUADRO II. Diagnóstico diferencial das raquialgias na
lesões neurológicas, tumores e doenças neuromuscu-
criança
lares, entre outras.30
Congénita Diastematomielia Perante uma escoliose dolorosa, pelo facto de nas es-
Anomalias da coluna cervical colioses idiopáticas a semiologia ser pouco rica, reco-
Desenvolvimento Escoliose dolorosa menda-se a realização de uma cuidadosa avaliação
Cifose do adolescente (D. Scheuermann) músculo-esquelética e neurológica.2,10,26 A avaliação
Traumática Fractura oculta imagiológica depende dos sintomas referidos e, logica-
Contractura muscular mente, da suspeita diagnóstica que estes suscitem. Para
Espondilolíse ou espondilolistese além da radiologia convencional em incidências extra-
Hérnia discal longas de pé (em dois planos perpendiculares AP e per-
Instabilidade cervical alta fil), deverá pedir-se uma cintigrafia óssea e estudo com
«Slipped vertebral apophysis»
TAC e RMN, sempre que exista suspeita de outra pato-
Infecciosa Discite
logia. No entanto, a hipótese de outro diagnóstico deve
Osteomielite vertebral
ser discutida com o centro de referenciação de Ortope-
Tuberculose
Sistémica Infecções crónicas dia Pediátrica, no sentido de evitar a realização de ECD
Doenças do armazenamento desnecessários.
Osteoporose Juvenil A doença de Scheuermann é a causa mais comum de
Artrite Juvenil Artrite Reumatóide cifose estrutural da coluna torácica e toraco-lombar em
Espondilite anquilosante adolescentes, afectando 20 a 30% da população geral e
Neoplásica Benigno parecendo apresentar uma prevalência major em atle-
(benigno • Osteoma Osteoide tas (halterofilismo, futebol, ginástica).31-35 Corresponde
e maligno) • Osteoblastoma a uma cifose torácica, associada a uma deformação cu-
• Quisto Ósseo Aneurismático neiforme dos corpos vertebrais e a irregularidades dos
• Granuloma Eosinófilo
pratos vertebrais; o diagnóstico baseia-se nos achados
Maligno
em radiograma de perfil do ráquis e os critérios de diag-
• Sarcoma Ewing
nóstico são os propostos por Sorenson.36 Este autor de-
• Osteocarcoma
• Metastático finiu a necessidade de envolvimento de, pelo menos, 3
Psicogénica vértebras adjacentes, com uma angulação de 75° em
cada vértebra, para o estabelecimento do diagnóstico.
Parece apresentar um importante componente genéti-
co, mas mantém-se uma doença de etiologia desco-
considerar três tipos de escoliose idiopática: nhecida, embora recentemente tenha sido identifica-
a) infantil, quando surge até aos 3 anos de idade; da uma deficiente síntese das fibras de colagénio e da
b) juvenil, se ocorre dos 3 anos até à puberdade; matriz intersticial a nível dos pratos vertebrais, contri-
c) do adolescente, quando surge durante ou após a pu- buindo para o seu enfraquecimento. Esta menor resis-
berdade. tência favorece o aparecimento de herniações discais
A topografia das curvaturas é, também, importante intra-ósseas nos corpos vertebrais, condicionando co-
e varia consoante a idade de início da escoliose. Nas es- lapso discal e lesão da parte anterior do corpo da vér-
colioses idiopáticas infantis (que, em 85% dos casos, re- tebra, que provoca uma anomalia do crescimento da
solvem espontaneamente) são mais frequentes as cur- vértebra, com a consequente deformação. Afecta, tipi-
vaturas toraco-lombares esquerdas, enquanto que nas camente, adolescentes do sexo masculino, com uma
escolioses idiopáticas juvenil e do adolescente são as cifose torácica progressiva; a dor é frequente, localizan-
curvaturas torácicas direitas ou duplas curvaturas (to- do-se, sobretudo, no apex da cifose (geralmente entre
rácica direita e lombar esquerda). Refira-se que apenas a sétima e a oitava vértebra dorsal, mas podendo loca-
1,6% de uma série de 1.662 doentes adolescentes tinha lizar-se na coluna lombar, se existir uma cifose muito

Rev Port Clin Geral 2009;25:471-80


dossier: ortopedia infantil 475

grave). As queixas podem agravar-se pelo ortostatismo, das durante actividades desportivas), mas podem veri-
pela posição sentada e pela actividade física e tendem ficar-se na sequência de traumatismos mais graves, não
a desaparecer com o fim do crescimento, a menos que sendo reconhecidas. As localizações preferenciais são
as deformidades residuais sejam muito importantes. as apófises transversas e espinhosas e as apófises arti-
Não há, habitualmente, défices neurológicos associa- culares, sendo, muitas vezes, pouco visíveis nos estu-
dos; no entanto, as forças anormais que se exercem na dos por radiologia convencional. Ocasionalmente, este
coluna lombar inferior resultam num aumento do ris- tipo de lesão pode ocorrer noutras localizações, como
co de desenvolvimento de espondilólise, sobretudo a por exemplo, o sacro.39 Se uma criança refere queixas
nível da quinta vértebra lombar.37,38 O tratamento da persistentes após um traumatismo e a radiologia con-
doença de Scheuermann baseia-se na gravidade da de- vencional é inconclusiva, está indicada a realização de
formação, presença de dor e idade do doente e pode uma cintigrafia óssea: a localização sugerida pela hiper-
passar apenas pela vigilância, pelo recurso a um cole- fixação na cintigrafia será, depois, estudada por TAC. O
te tipo Milwaukee ou, numa minoria de doentes, pela tratamento é geralmente conservador: restrição da acti-
cirurgia. vidade física até ao desaparecimento dos sintomas e um
programa de fisioterapia adequado. É fundamental um
Patologia traumática diagnóstico preciso da localização da fractura, já que,
É comum a referência a um traumatismo antecedendo embora a maior parte cure espontaneamente, as que in-
o início das raquialgias, mas não deve aceitar-se ime- teressam os pedículos podem evoluir para a insta-
diatamente a origem traumática dos sintomas:7 é fun- bi1idade.10
damental caracterizar a natureza e intensidade do me- As lesões musculares são comuns e diagnosticam-se
canismo de lesão proposto e a sua relação temporal a partir da história do início das queixas e da observa-
com o início das queixas. Sabe-se que, em 30% das ção, aliadas a um estudo por radiologia normal. Este
crianças e adolescentes saudáveis surgem raquialgias tipo de lesão é, geralmente, produzido por traumatis-
após o aumento recente da actividade física ou início mo directo ou resulta de uma hiperutilização (por acti-
de um desporto fisicamente exigente.13 No entanto, as vidade desportiva, por exemplo). O tratamento faz-se
raquialgias recorrentes e/ou persistentes, em crianças com repouso, seguido pela retoma das actividades des-
e adolescentes que fazem muito desporto, só podem ser portivas sob uma correcta orientação e com técnicas de
consideradas síndromes de hiperutilização ou lesões treino adequadas.10
musculares depois de se ter excluída a possibilidade de A espondilólise e a espondilolistese constituem le-
patologia grave, já que este tipo de evolução pode ser a sões comummente envolvidas na génese de raquialgi-
primeira manifestação de uma espondilólise juvenil.1 as na criança.37,40-42 Atingem cerca de 4 a 6% da popula-
Foi demonstrada a associação entre o desenvolvimen- ção gera1,1 mas existem grandes variações com a raça
to de alterações degenerativas precoces na coluna lom- e o sexo,43 sendo possível a ocorrência de um padrão fa-
bar e a ocorrência de lesões durante o surto de cresci- miliar.32 A área mais frequentemente envolvida é a tran-
mento na adolescência.16 Este facto justifica a necessi- sição entre a 5ª lombar e a 1ª sagrada.10 São mais co-
dade de caracterizar adequadamente a actividade físi- muns após os 7 anos de idade, sendo maior a prevalên-
ca presente e passada da criança ou adolescente, bem cia durante o surto de crescimento da adolescência.1
como o registo de eventuais traumatismos, como par- Habitualmente, são raquialgias de baixa intensidade,
te da avaliação perante queixas de raquialgias. localizadas na região lombar, atingindo, por vezes, as re-
Neste grupo incluem-se as fracturas ocultas, as le- giões glúteas e as faces posteriores das coxas. Há agra-
sões musculares, a espondilólise e a espondiolistese, as vamento com o exercício e alivío com o repouso e di-
hérnias discais e o «arrancamento» do rebordo dos pra- minuição da carga de esforço, sendo raras queixas ou
tos vertebrais em crescimento («slipped vertebral alterações no exame neurológico. A observação eviden-
apophysis»). cia, frequentemente, uma contractura dos músculos is-
As fracturas ocultas ocorrem, tipicamente, após trau- quio-tibiais, que se traduz numa marcha típica, com a
matismos de baixa energia (de que são exemplo as que- bacia basculada para trás, flexão limitada das coxo-fe-

Rev Port Clin Geral 2009;25:471-80


476 dossier: ortopedia infantil

50% dos jovens, existe referência a um traumatismo


A B
antecedendo o início do quadro. As queixas mais co-
muns são lombo-ciatalgias (2/3 das crianças) e clau-
dicação da marcha (em 1/3 dos casos).26 Tal como no
adulto, a dor agrava com o ortostatismo e alivia com
o repouso, podendo, também, agravar-se com as ma-
nobras de Valsalva e encontrar-se um sinal de Lasè-
gue positivo. Por vezes, a queixa inicial é a incapaci-
dade para a marcha, por impossibilidade de realizar
a extensão do joelho, condicionando uma deforma-
ção em flexão na anca homolateral, o que pode pro-
vocar uma centralização do clínico no membro infe-
rior e, desse modo, atrasar o diagnóstico.1 Outro tipo
de apresentação clínica, que surge em 20% dos ca-
sos, é uma escoliose dolorosa. As alterações da pos-
tura e da marcha são mais comuns do que as altera-
Figura 2. A. Escoliose secundária a espondilolistese de L5S1 ções sensório-motoras, mas cerca de 30 a 40% des-
B. Espondilolistese L5S1 por defeito do pars interarticularis de L5
tes doentes apresentarão diminuição da força.1 O
diagnóstico faz-se pela demonstração da hérnia por
murais, e uma amplitude de passo muito diminuída; TAC, radiculografia ou RMN,11 mas esta última parece
pode, também, identificar-se uma lordose lombar au- ser a que apresenta maior sensibilidade diagnóstica. A
mentada e dor à palpação das apófises espinhosas e terapêutica é semelhante a do adulto, mas existe uma
dos músculos para-vertebrais. Em 25 a 50% dos casos, maior probabilidade de não haver resposta com a tera-
este tipo de lesão associa-se a uma escoliose,44 sendo, pêutica médica.1 A restrição de actividade, o repouso no
também, comum encontrar uma espinha bífida oculta leito e a prescrição de analgésicos devem constituir a
associada.40 O diagnóstico faz-se, habitualmente, com abordagem inicial, colocando-se a indicação cirúrgica
base nos achados em radiologia convencional, em pro- se houver falência destas medidas.
jecção antero-posterior e de perfil em ortostatismo
(sendo esta última particularmente útil), mas a realiza- Patologia inflamatória
ção de projecções oblíquas possibilita uma melhor Neste grupo incluem-se a artrite crónica juvenil e as
identificação do defeito do «pars interarticularis» (Fi- espondiloartropatias.
gura 2). O tratamento (conservador ou cirúrgico) da es- A artrite crónica juvenil pode ter, como forma de
pondilolistese depende, essencialmente, do grau ini- apresentação, uma cervicalgia, mas a localização ex-
cial de deslizamento e da progressão desse mesmo des- clusiva da doença à coluna cervical é uma raridade,
lizamento. pelo que uma história clínica e observação correctas re-
As hérnias discais podem ocorrer, raramente, nas velam o envolvimento de outras áreas articulares. A li-
crianças e nos adolescentes, constituindo apenas 0,4 a mitação da mobilidade cervical pode preceder o apa-
5,9% de todos os doentes com hérnia discal46,49 e 2 a 3% recimento de alterações radiológicas. A avaliação labo-
de todas as intervenções cirúrgicas por esta ratorial poderá ter um papel auxiliar no diagnóstico. O
pato1ogia.1,2,10,11 A sua raridade não deve levar à sua ex- tratamento deve ser orientado por um reumatologista
clusão como causa de raquialgia neste grupo etário. com experiência no seguimento de crianças, mas o fac-
Embora a maioria dos casos surja entre os 12 e os 16 to de existir uma incidência aumentada de escoliose
anos, também podem ocorrer em crianças mais jo- justifica um apoio contínuo do ortopedista.53
vens.50,51 A localização mais frequente das hérnias é nos As espondiloartropatias, e, mais específicamente, a
discos entre L4 e L5 e entre L5 e S1. As manifestações espondilartrite anquilosante, podem surgir, também,
clínicas são semelhantes às do adulto mas, em mais de na criança. Em 8 a 9% dos casos, a doença tem os seus

Rev Port Clin Geral 2009;25:471-80


dossier: ortopedia infantil 477

primeiros sintomas entre os 10 e os 15


A B
anos, havendo um atraso no estabeleci-
mento do diagnóstico. Existe, frequen-
temente, uma história familiar de pso-
ríase, doença inflamatória do intestino
ou episclerite, sendo estes dados rele-
vantes. O EO apresenta, tipicamente,
uma diminuição da expansão e mobili-
dade torácicas. No início do curso da
doença, a avaliação por radiologia con-
vencional é, geralmente, normal, mas
pode haver hiperfixação nas sacro-ilía-
cas na cintigrafia óssea. O tratamento
baseia-se na administração de anti-in-
flamatórios não esteróides e num cor-
recto programa de fisioterapia, para
manutenção da mobilidade. Figura 3. A. Osteomielite da coluna cervical com deformidade cifótica
B. RMN cervical mostra a destruição dos corpos vertebrais
Patologia infecciosa
Neste grupo incluem-se as discites, as osteomielites raquis. A VS está, geralmente, elevada, mas pode não
vertebrais e a tuberculose. existir leucocitose. A avaliação por radiologia conven-
A discite é uma inflamação do disco intervertebral, cional é, habitualmente, normal no início, já que são ne-
habitualmente provocada por uma infecção bacteria- cessárias 2 a 4 semanas para que possam surgir os pri-
na, que ocorre com maior frequência nos doentes mais meiros sinais de estreitamento do disco ou de erosões
jovens (4 a 10 anos) e com uma incidência particular na irregulares dos pratos vertebrais; a esclerose reaccional
coluna lombar. Ao contrário do adulto, na criança o dis- aparece mais tarde. No entanto, se, no adulto, a regra é
co é vascularizado por vasos que provêm dos pratos o colapso discal por destruição do disco, nos mais jo-
vertebrais. A etiologia das infecçöes na criança presu- vens assiste-se, por vezes, a um «refazer» da altura do
me-se, assim, ser a disseminação hematogénica de bac- próprio disco, após a resolução do processo. Está indi-
térias com focalização no disco.54 O agente mais fre- cada a realização de RMN (Figura 3) ou cintigrafia ós-
quente é o Staphylococcus aureus, mas apenas em 20 a sea (sensibilidade 80 a 90%), nas fases precoces de evo-
50% das tentativas é possível o iso1amento do agente lução da doença.2 Em regra, esta situação evolui para a
por biópisa com agulha.55 As manifestações clínicas de- cura, com resolução completa dos sintomas e, numa
pendem da idade da criança: na muito jovem, as disci- fase posterior, com maior ou menor destruição dos dis-
tes lombares podem ser de difícil reconhecimento, por- cos intervertebrais afectados.
que as queixas dolorosas podem ser referidas na anca, Ao contrário do que se verifica nas discites, a osteo-
perna ou no abdómen.6,32 Antes dos 3 anos, a manifes- mielite vertebral tem um pior prognóstico. Apresenta-
tação principal pode ser apenas uma recusa em andar, -se, geralmente, com um quadro séptico mais impor-
mas,após essa idade, a clínica pode ser a de uma doen- tante e, em certas circunstâncias, requer, mesmo, uma
ça sistémica. O adolescente referirá, geralmente, quei- terapêutica cirúrgica. As imagens por radiologia con-
xas mais localizadas de raquialgias, o que facilita e ori- vencional são muito sugestivas: osteólise, deformação
enta o diagnóstico. Por vezes, é possível recolher uma grave e destruição, sendo frequente o colapso vertebral
história de doença febril prévia, com astenia. A obser- e as deformações residuais do segmento afectado (Fi-
vação pode revelar, apenas, uma contractura da mus- gura 4). A terapêutica de eleição desta situação é cirúr-
culatura paravertebral ou uma resistência a todas as gica.
manobras diagnósticas que impliquem mobilização do A tuberculose e outros agentes (quisto hidático, por

Rev Port Clin Geral 2009;25:471-80


478 dossier: ortopedia infantil

xa mais frequente é a dor (geralmente persistente e sem


ritmo característico), associada, ocasionalmente, a si-
nais neurológicos, mas a fraqueza muscular, claudica-
ção da marcha ou alterações esfinctéricas podem cons-
tituir outras formas de apresentação; a associação de
lombalgia e ciatalgia bilateral sugere um tumor intra-
dural. A observação pode evidenciar dor local, espas-
mo muscular, escoliose ou limitação da mobilidade. A
radiologia convencional apresenta, geralmente, altera-
ções: fracturas vertebrais de tipo compressivo, erosões
do arco neural ou do corpo vertebral, calcificações pa-
ravertebrais e alargamento do canal raquidiano. A rea-
lização de TAC, RMN ou outros ECD é, também, neces-
sária para o esclarecimento cabal deste tipo de situação.

Tumores benignos
Figura 4.. Osteomielite vertebral com destruição dos pratos discais Apesar de raras, as neoplasias benignas constituem cer-
e disco intervertebral ca de 70% dos tumores primários da coluna vertebral
nas crianças. Neste grupo, os tumores mais frequentes
são os osteomas osteóides, os osteoblastomas e os quis-
exemplo),56 podem constituir, igualmente, causa de in- tos ósseos aneurismáticos.
fecção no ráquis. A tuberculose envolve típicamente o
disco e a vertebra adjacente, mas pode atingir várias Tumores malignos
vértebras. O processo inicia-se, geralmente, na metade Apesar de muito raros, os tumores malignos da coluna
anterior do corpo da vértebra, junto ao disco, sendo na criança têm, ainda hoje, um prognóstico muito re-
este envolvido posteriormente. O aspecto radiográfico servado, pela gravidade da lesão e pelas particularida-
mais comum é a coexistência de um colapso do disco des da estrutura anatómica onde estão inseridos. Os
com lesão das 2 vértebras adjacentes. A VS está, habi- tumores malignos mais frequentes na coluna da crian-
tualmente, elevada e o teste de Mantoux é positivo. O ça/adolescente são o sarcoma de Ewing e o osteosar-
diagnóstico etiológico só se pode estabelecer pelo iso- coma.
lamento do agente ou pela demonstração de histologia
típica, sendo necessário realizar uma biópsia por agu- OUTRAS PATOLOGIAS
lha. O tratamento faz-se com imobilização da coluna Podem, ainda, surgir raquialgias em crianças e adoles-
vertebral com colete de gesso ou outra ortótese, asso- centes noutras situações, como a fibromialgia,26 ou na
ciada a terapêutica antibacilar tripla. Os abcessos de sequência de cirurgia ortopédica de alongamento de
grandes dimensões devem ser drenados após o início membros inferiores, e noutras, primáriamente raquidi-
da quimioterapia.11 anas ou extraraquidianas. Uma correcta metodologia
de avaliação permitirá distinguir as situações em que
Neoplasias as raquialgias são o problema principal ou, apenas, o
As neoplasias podem localizar-se, quer nos componen- reflexo de outra patologia.
tes ósseos, quer nos elementos neurais. As neoplasias
ósseas da criança são raras, mas ainda mais raras são CONCLUSÃO
as neoplasias de origem em estruturas neurológicas. A As raquialgias são, na criança e no adolescente, menos
sua raridade obriga a manter um alto índice de suspei- comuns do que no adulto, mas traduzem, com maior
ta para ser possível um diagnóstico precoce. As zonas frequência, a existência de patologia subjacente. Lon-
mais envolvidas são a coluna lombar e torácica. A quei- ge de constituírem um gasto excessivo de tempo do clí-

Rev Port Clin Geral 2009;25:471-80


dossier: ortopedia infantil 479

nico, a colheita minuciosa da história clínica e um exa- Orthop Clin North Am 1988 Oct; 19 (4): 689-98.
l6. Kujala UM, Erkintalo MO, Taimela S, Salminen JJ, Kaprio J. Role of acu-
me objectivo cuidadoso e sistemático, são, indubita-
te injury during adolescent growth spurt in development of lumbar spi-
velmente, um dos melhores investimentos do médico
ne abnormalities. Lancet 1994 Oct 8; 344 (8928): 1020.
que vê crianças com este tipo de sintoma. Permitem a 17. Deathe AB. Hematometra as a cause of lumbar radiculopathy: a case
abordagem correcta do doente e da sua doença e a so- report. Spine 1993 Oct 1; 18 (13): 1920-1.
licitação adequada dos ECD, em face de uma hipótese 18. Harrison CS. Hematocolpos as a cause of low back pain: a case report.
diagnóstica correctamente equacionada. Spine 1991 Aug; 16 (8): 985-6.
19. Thompson GH. Back pain in children. J Bone Joint Surg Am 1993 June
Perante uma criança com raquialgias, a atitude de-
1; 75 (6): 928- 38.
pende da idade, da gravidade dos sinais encontrados na 20. Staheli LT. Pain of musculoskeletal origin in children. Curr Opin Rheu-
observação e da existência de complicações neuroló- matol 1992 Oct; 4 (5): 748-52.
gicas ou outros sinais extrarraquidianos; na sua ausên- 21. Turner PG, Green JH, Galasko CS. Back pain in childhood. Spine 1989
cia, é prudente seguir a evolução das queixas durante Aug; 14 (8): 812-4.
algum tempo, antes de submeter o doente a uma inves- 22. Conway JJ. Radionuclide bone scintigraphy in pediatric orthopedics. Pe-
diatr Clin North Am 1986 Dec; 33 (6): 1313-34.
tigação frequentemente onerosa, consumidora de tem-
23. Forristall RM, Marsh HO, Pay NT. Magnetic resonance imaging and con-
po e com baixa probabilidade de êxito. trast CT of the lumbar spine. Comparison of diagnostic methods and
correlation with surgical findings. Spine 1988 Sep; 13 (9): 1049-54.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 24. Packer RJ, Zimmerman RA, Sutton LN, Bilaniuk LT, Bruce DA, Schut L.
1. White JI, Gardner VO, Takeda H. Back pain in the pediatric patient: as- Magnetic resonance imaging of spinal cord disease of childhood. Pe-
sessment and differential diagnosis. Spine: State of the Art Reviews Se- diatrics 1986 Aug; 78 (2): 251-6.
ries 1990, 4 (1): 1-24. 25. Modic M T, Feiglin DH, Pirauno Dw, Boumphrey F, Weinstein MA, Du-
2. Sponseller PD. Back pain in children. Curr Opin Pediatr 1994 Feb; 6 (1): chesneau PM, et al. Vertebral osteomyelitis: assessment using MR. Ra-
99-103. diology 1985 Oct; 157 (1): 157-66.
3. Salminen JJ, Maki P, Oksanen A, Pentti J. Spinal mobility and trunk mus- 26. Balagué F, Nordin M. Back pain in children and teenagers. Baillière’s Clin
cle strenght in 15 year old schoolchildren with and without low-back Rheumatol 1992 Oct; 6(3): 575-93.
pain. Spine 1992 Apr; 17 (4): 405-11. 27. Winter RB. Spinal problems in pediatric orthopaedics. In: Monissy RT,
4. Salminen JJ, Pentti J, Terho P. Low back pain and disability in 14-year- editor. Lovell and Winter’s Pediatric Orthopaedics. 3rd ed. Philadelphia:
old schoolchildren. Acta Paediatr 1992 Dec; 81 (12): 1035-9. J B Lippincott; 1990. p. 6625-702.
5. Olsen TL, Anderson RL, Dearwater SR, Kriska AM, Cauley JA, Aaron DJ, 28. Ks1amcbi A, Thompson GH. Congenital anomalies of the spine. In: Dee
et al. The epidemiology of low back pain in an adolescent population. R, Mango E, Hurst LC, editors. Principles of Orthopaedic Practice. New
Am J Public Health 1992 Apr, 82 (4): 606-8. York: McGraw-Hill; 1989. p. 838-60.
6. Bunnell WP. Back pain in children. Orthop Clin North Am 1982 Jul; 13 29. Rasool MN, Govender S, Naidoo KS, Moodley M. Foot deformities and
(3): 587-604. occult spinal abnormalities in children: a review of 16 cases. J PediatR
7. Hensinger RN. Back pain in children. In: Bradford DS, Hensinger RN, edi- Orthop 1992 Jan; 12 (1): 94-9.
tors. The Pediatric Spine. New York: Thieme-Stratton; 1985. p. 41 - 60. 30. Coonrad RW, Richardson WJ, Oakes WJ. Left thoracic curves can be dif-
8. King HA. Back pain in children. Pediat Clin North America 1984 Oct; ferent. Orthop Trans 1985, 9: 126-7.
31 (5): 1083-95. 31. Commandré FA, Gagnerie G, Zakarian M,Alaoui M, Fourré JM, Bouzayen
9. Turner PG, Green JH, Galasko CS. Back pain in childhood. Spine 1989 A. The child, the spine and sport. J Sports Med and Phys Fitness 1988
Aug; 14 (8): 812-4. Mar; 28 (1): 11-9.
10. Thompson GH. Back pain in children. J Bone Joint Surg Am 1993 June 32. Afshani E, Kuhn JP. Common causes of low back pain in children. Ra-
1; 75 (6): 928- 38. diographics 1991 Mar; 11 (2): 269-91.
11. I. Galasko CS. Back pain in children. In: Jayson Mi, Dixon AI, editors. The 33. Michieli LJ. Overuse injuries in children’s sports: the growth factor. Or-
lumbar spine and back pain. 4th ed. New York: Churchill Livingstone; thop Clin North Am 1983 Apr; 14 (2): 337-60.
1992. p. 603-17. 34. Vautravers P, Martin JC, Lecocq J, Zimmermann A. Sports et lombal-
12. King HA. Evaluating the child with back pain. Pediat Clin North Am 1986 gies. Journal de Traumatologie du Sport 1990; 7 (2): 90-9.
Dec; 33 (6): 1489-93. 35. Swärd L, Hellstrom M, Jacobsson B, Peterson L. Back pain and radiolo-
13. Balagué F, Dutoit G, Waldburger M. Low back pain in school children: gic changes in the thoraco-lumbar spine of athletes. Spine 1990 Feb;
an epidemiological study. Scan J Rehab Med 1988; 20 (4): 175-9. 15 (2): 124-9.
14. Fairbank JC, Pynsent PB, Van Poortvliet JA. Influence of anthropome- 36. Sorensen KH. Scheuermann’s Juvenile Kyphosis; Clinical appearances,
tric factors and joint laxity in the incidence of adolescent back pain. radiography, aetiology and prognosis. Copenhagen: Munksgaard; 1964.
Spine 1984 Jul-Aug; 9 (5): 461-4. 37. Hensinger RN. Spondylolysis and spondylolisthesis in children and ado-
15. Stanitski CL. Management of sports injuries in children and adolescents. lescents. J Bone and Joint Surg Am 1989 Aug; 71 (7): 1098-107.

Rev Port Clin Geral 2009;25:471-80


480 dossier: ortopedia infantil

38. Ogilvie JW, Sherman J. Spondylolysis in Scheuermann’s disease. Spine 49. Varlotta GP. Brot MD, Kelsey JL, Golden AL. Familial predispositon for
1987 Apr; 12 (3): 251-3. herniation of a lumbar disc in patients who are less than twenty-one
39. Grier D, Wardell S, Sarwark J, Poznanski AK. Fatigue fractures of the sa- years old. J Bone Joint Surg Am 1991 Jan; 73: 124-8.
crum in children: two case reports and a review of the literature. Ske- 50. Callahan DJ, Pack LL, Bream RC, Hensinger RN. Intervertebral disc im-
letal Radiol 1993 Oct; 22 (7): 515-8. pingement syndrome in a child. Report of a case and suggested patho-
40. Bell DF, Ehrlich MG, Zaleske DJ. Brace treatment for symptomatic logy. Spine 1986 May; 11 (4): 402-4.
spondylolisthesis. Clin Orthop Relat Res 1988 Nov; 236: 192-8. 51. Mayer HM, Brock M. Percutaneous diskectomy in the treatment of pe-
41. Wiltse LL, Winter RB. Terminology and measurement of spondylolis- diatric lumbar disk disease. Surg Neurol 1988 Apr; 29 (4): 311-4.
thesis. J Bone and Joint Surg Am 1983 Jul; 65 (6): 768-72. 52. Ehni G, Schneider J. Posterior lumbar vertebral rim fracture and as-
42. Ishikawa S, Kumar SJ, Torres BC. Surgical treatment of dysplastic sociated disc protrusion in adolescence. J Neurosurg 1988 Jun; 68 (6):
spondylolisthesis: results after in situ fusion. Spine 1994 Aug 1; 19 (15): 912-6.
1691-6. 53. Ross AC, Edgar MA, Swann M, Ansell BM. Scoliosis in juvenile chronic
43. Crawford AH. Operative treatment of spine fractures in children. Or- arthritis. J Bone Joint Surg Br 1987 Mar; 69 (2): 175-8.
thop Clin North Am 1990 Apr; 21 (2): 325-39. 54. Boston HC Jr, Bianco AJ Jr, Rhodes KH. Disk space infections in children.
44. Burkus JK, Lonstein JE,Winter RB, Denis F. Long-term evaluation of ado- Orthop Clin North Am 1975 Oct; 6 (4): 953-64.
lescents treated operatively for spondylolisthesis: a comparison of in 55. Scoles PV, Quinn TP. Intervertebral discitis in children and adolescents.
situ arthrodesis only with in situ arthrodesis and reduction followed Clin Orthop Relat Res 1982 Jan-Feb; 162: 31-6.
by immobilization in a cast. J Bone and Joint Surg Am 1992 Jun; 74 (5): 56. Hernigou PH, Nabih A, Goutallier D. Hidatidose vertébrale: complica-
693-704. tions, apport de l’imagerie moderne. Rev Rhum Mal Osteoartic 1992
45. Pizzutillo PD, Hummer CD 3rd. Nonoperative treatment for painflul ado- Fev; 59 (2): 131-5.
lescent spondylolysis or spondylolisthesis. J Pediat Orthop 1989 Sep-
Oct; 9 (5): 538-40. Os autores declararam não possuir conflitos de interesses
46. Nelson CL, Janecki CJ, Gildenberg PL, Sava G. Disk protusions in the yo-
ung. Clin Orthop Relat Res 1972; 88: 142-50. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
47. Gumzburg R, Fraser RD, Fraser GA. Lumbar intervertebral disc prolap- Prof. Dr. Jorge Mineiro
se in teenage twins: a case report and review of the litterature. J Bone Tel: 210 025 354
Joint Surg Br 1990 Sep; 72 (5): 914-6. E-mail: jorge.mineiro@hospitalcufdescobertas.pt
48. Yasuma T, Koh S, Okamura T, Yamauchi Y. Histological changes in
aging lumbar intervertebral discs: their role and protrusions and pro-
lapses. J Bone Joint Surg Am 1990 Feb; 72 (2) 220-9.

ABSTRACT

BACK PAIN IN CHILDREN


Back pain is one of the most common musculoskeletal complaints in the adult population. However, its relevance in children
and adolescents is somewhat controversial.A recent article has pointed out a very high incidence of the pathology in this young
age group which in fact brings this condition to the attention of the public health physicians.
In the adult population the main causes of back pain are usually related either to degenerative conditions or to other less
common sources like psychological disturbances and other psychosomatic illnesses. In children the most common etiologies
are definitely organic based and not related to the wear and tear of the anatomic structures or to underlying psychological
pathologies.
In the presence of a child with back pain the algorithm for treatment should be based on the child's presentation, on the
severity of symptoms, neurologic complications or other extra spinal signs. In the absence of these symptoms and signs, pa-
tients should be followed up adequately before initiating investigations that are often time consuming, and expensive, causing
pain and distress with low probability of success.

Keywords: Back Pain; Child; Adolescent.

Rev Port Clin Geral 2009;25:471-80


dossier: ortopedia infantil 481

Noções de Traumatologia
Infantil em Medicina Geral
e Familiar
João Lameiras Campagnolo*

RESUMO
Os conceitos que ditam o diagnóstico e o tratamento das lesões de etiologia traumática na criança (e no adulto) são, frequen-
temente, «diluídos» na enorme massa de informação fornecida durante a formação universitária e pós-graduada dos médicos.
Para poder ultrapassar estas limitações apresenta-se, de forma genérica, a fisiopatologia, a epidemiologia e a semiologia a
valorizar num quadro de traumatologia infantil; também são apresentados alguns princípios terapêuticos para solucionar uma
parte significativa destas situações.

Palavras-chave: Traumatologia; Criança; Medicina Geral e Familiar.

INTRODUÇÃO (EPIDEMIOLOGIA) trico. Com efeito, para além da já referida presença das
s lesões osteoarticulares de causa traumática cartilagens de crescimento (Figuras 2 e 3), existe um

A são muito frequentes nas crianças e são devi-


das, essencialmente, a traumatismos sofridos,
quer durante a sua actividade desportiva,
quer durante as simples «brincadeiras» inerentes à sua
actividade diária; a seguir, e em termos estatísticos, te-
periósteo espesso e resistente, uma relação matriz/osso
elevada (o que condiciona uma maior elasticidade ós-
sea) e um elevado turnover ósseo (que permite uma
maior capacidade de reparação mas, também, um ris-

mos as causas rodoviárias (atropelamentos e acidentes


de viação) que provocam, habitualmente, lesões mui-
to mais graves e de tratamento mais complexo.
Atendendo a que as lesões em causa atingem um or-
ganismo em fase de crescimento, as consequências po-
dem ser agravadas pela afecção das cartilagens de cres-
cimento. Estas cartilagens, situadas nas regiões epifisio-
metafisárias dos ossos longos e responsáveis pelo cres-
cimento em comprimento destes ossos, têm uma
actividade de crescimento que diverge consoante a sua
localização (Figura 1).

FISIOPATOLOGIA
O osso da criança tem particularidades que o distin-
guem do osso do adulto na composição, na fisiologia
e na morfologia.1 Estas particularidades vão condicio-
nar o tipo de lesões encontradas neste escalão pediá-

*Médico Assistente em Ortopedia Figura 1. Cartilagens de crescimento dos ossos longos dos membros,
Serviço de Ortopedia, Hospital Dª Estefânia - CHCL, Lisboa, Portugal com respectiva proporção no crescimento ósseo até à fase adulta.

Rev Port Clin Geral 2009;25:481-6


482 dossier: ortopedia infantil

Figura 2. Esquema histológico da zona da cartilagem de crescimento.

co de agravamento das deformidades provocadas).


No que respeita à distribuição das lesões em função
do escalão etário é necessário relacionar os mecanis-
Figura 3. Zona de fragilidade mecânica da cartilagem de
mos lesionais com as lesões provocadas, entendendo- crescimento (zona hipertrófica).
-se que certo tipo de lesão vai ocorrer, ou porque há
maior probabilidade para que o mecanismo lesional
ocorra (pelo tipo de actividade da criança ou da dos Finalmente, devemos ter presente que as fracturas
que cuidam desta) e/ou porque, naquela fase de cres- nas crianças têm algumas particularidades no que toca
cimento, certa região anatómica é mais susceptível de à sua consolidação:
sofrer uma lesão. Assim, observamos mais frequente- • Rapidez de consolidação (tanto maior quanto mais
mente: nova for a criança);
• no recém-nascido: fractura da clavícula, torcicolo, • Quasi-ausência de algumas complicações observá-
fractura do fémur; veis no adulto, tais como as pseudartroses;
• nos primeiros 2-4 anos de vida: pronação dolorosa, • Risco de hiper-crescimento a nível do foco de frac-
fractura do fémur; tura, que se verifica até aos 18-24 meses pós fractu-
• entre os 5-8 anos: fractura supra-condiliana do úme- ra e que é, geralmente, mais marcado após cirurgia
ro, fractura distal do rádio; de reparação óssea (osteossíntese);
• na infância tardia/adolescência: fracturas dos ossos • Remodelação óssea que corrige defeitos de alinha-
do antebraço (e outros ossos longos), lesões de «so- mento axial (mas não rotacional) das fracturas; esta
bre-uso»/osteocondroses (calcâneo, tuberosidade capacidade de remodelação é tanto mais importan-
anterior da tíbia ou pólo inferior da rótula, navicu- te quanto mais jovem é a criança;
lar, …), lesões das fises em fase de encerramento, • Risco de atraso de crescimento (por vezes irreversí-
para além de lesões com padrão já semelhante ao do vel), simétrico ou assimétrico, consoante o atingi-
adulto. mento das cartilagens de crescimento; há, também,
Naturalmente que são de considerar, ainda, todas as fracturas extra-fisárias que têm repercussão fisária
lesões resultantes de traumatismos graves, como atro- transitória (testemunhada, a posteriori, pela presen-
pelamentos, acidentes de viação ou quedas de grande ça de linhas de Harris metafisárias).
altura.
Também nunca é de mais salientar a síndroma da SEMIOLOGIA CLÍNICA
criança maltratada, para a qual os profissionais de saú- A semiologia é relativamente repetitiva (dor, impotên-
de devem estar particularmente atentos; fracturas múl- cia funcional, deformidade e eventuais sinais inflama-
tiplas, fracturas isoladas de ossos longos, necroses dos tórios locais), mas com duas dificuldades acrescidas à
dedos (ou, nalguns casos, dos genitais) causadas por semiologia do adulto: habitual má colaboração na
corpos estranhos (fios, cabelos) devem ser particular- anamnese e na localização exacta da dor e, por vezes,
mente avaliados, para não deixar passar um caso de existência de dores referidas a outras áreas anatómicas
potencial risco de vida. (por exemplo, joelho versus anca), que podem falsear

Rev Port Clin Geral 2009;25:481-6


dossier: ortopedia infantil 483

ou escamotear o diagnóstico da lesão verdadeira.2,3 Por


vezes, nas crianças mais jovens, o único sinal de uma
lesão do aparelho músculo-esquelético pode ser uma
«pseudo-paralisia» de todo um membro, pelo que o
exame clínico deverá ser particularmente atento.

EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO


Nos casos em que o diagnóstico exclusivamente clíni-
co não é conseguido, pode ser necessário o recurso à ra-
diografia simples da área suspeita (em 2 planos ortogo-
nais e, por vezes, de forma comparativa com o lado con-
trário ao da lesão). Nas crianças mais jovens com lesões
de áreas ainda cartilagíneas a ecografia, efectuada por
profissionais devidamente preparados, pode ser um
Figura 4. Classificação de Salter-Harris das fracturas-epifisiolise.
precioso contributo diagnóstico. Também a cintigrafia
é um importante exame de 2ª linha para detectar algu-
mas lesões sem evidência de repercussão radiológica
(lesões de «sobre-uso» ou de regiões de difícil caracte- a longo prazo e devem ser tratadas de forma relativa-
rização radiológica, tais como a coluna). Finalmente, mente simples, o que não significa abstenção terapêu-
em casos seleccionados, a tomografia axial computo- tica.
rizada ou a ressonância magnética podem ser neces- Por conseguinte, e nestas situações, a instituição de
sárias. várias medidas é necessária, sendo as mais frequentes:
• a descarga do membro afectado (o que, no membro
CLASSIFICAÇÃO inferior, implica o uso de 2 canadianas, para as crian-
As classificações das fracturas e outras lesões osteoar- ças colaborantes, e o repouso no leito para as outras);
ticulares são adequadas a cada osso/articulação afec- • a elevação do membro afectado durante a fase de
tados e são relativamente complexas, pelo que não se edema e dor;
adequam neste contexto; salientam-se, apenas, os di- • a crioterapia local (cerca de 15 minutos, de duas em
ferentes tipos de lesão das fises (cartilagens de cresci- duas horas, durante 2-3 dias);
mento), referindo que os últimos 3 graus são aqueles • a contenção local (contenção elástica, com ligadu-
em que o risco de sequela (dismetria e/ou desalinha- ra, por exemplo, ou contenção rígida, consoante a
mento axial do membro) é muito mais elevado, por gravidade);
afectarem a camada germinativa da cartilagem de cres- • a instituição de uma terapêutica analgésica e/ou
cimento (Figura 4). anti-inflamatória adequada, quando as preceden-
tes medidas forem insuficientes.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O período de instituição destas medidas deve respei-
Na criança e consoante a idade, devem excluir-se os tar a ausência de dor e o tempo mínimo de cicatriza-
quadros de artrite infecciosa ou inflamatória, de epifi- ção/consolidação das estruturas envolvidas, o que im-
siólise femoral proximal (por vezes também de origem plica uma vigilância de no mínimo, duas a três sema-
«macro-traumática»), de doença de Perthes ou de lesão nas. Em caso de dúvida, e em tempo útil (2-3 dias), a
tumoral ou pseudo-tumoral (presença de quisto ósseo, criança deverá ser encaminhada para um Ortopedista.
por exemplo). Um caso particular é o da chamada «pronação dolo-
rosa» encontrada, habitualmente, entre o 1º e o 4º ano
ATITUDE/PROCEDIMENTOS DO MÉDICO DE FAMÍLIA de vida; o mecanismo de génese desta situação é rela-
Na grande maioria dos casos, as lesões osteoarticula- tivamente frequente; trata-se de «um puxão» de um dos
res da criança não apresentam repercussões funcionais membros superiores, ou de uma queda de uma crian-

Rev Port Clin Geral 2009;25:481-6


484 dossier: ortopedia infantil

Figura 5. Aspecto típico de criança com pronação dolorosa, com o


«braço pendente».

Figura 7. Critérios de Ottawa para solicitação (ou não) de radiografia,


após lesão aguda do tornozelo/pé5 – vista da face lateral - externa do
tornozelo - pesquisa de dor a nível do cuboide e do maléolo externo

Figura 6. Esquema de tratamento com hiper-supinação e extensão


do cotovelo

ça quando esta é segurada por alguém, pela mão. A his-


tória de traumatismo é, habitualmente, negada.
A observação revela, geralmente, um membro supe-
rior «pendente» (Figura 5), com limitação funcional evi-
dente (pronação dolorosa e supinação limitada); uma
eventual radiografia não mostra alterações.
Existem várias técnicas de redução1,4 que consistem,
mormente, em forçar a supinação, por vezes após um
breve período de tracção e/ou hiperpronação, verifi-
cando o sucesso da manobra com hiper flexão e exten- Figura 8. : Critérios de Ottawa para solicitação (ou não) de radio-
são do cotovelo em supinação (Figuras 5 e 6), sentin- grafia, após lesão aguda do tornozelo/pé5 – vista da face medial –
do-se habitualmente um «clic» correspondendo à redu- interna do tornozelo – pesquisa de dor a nível do navicular
ção da tacícula radial. (escafoide társico) e do maléolo interno (Imagem Univadis - MSD)
Outra situação a referir, pela sua grande incidência, Segundo os critérios de Ottawa, um estudo radiográfico do tornozelo é
é a dos traumatismos do tornozelo e/ou pé designados, necessário APENAS se houver dor nas zonas sombreadas:
• Últimos 6 cm do bordo posterior do maléolo externo
habitualmente, como «entorses do tornozelo».
• Base do 5º metatarso
Nestes casos, e particularmente nas crianças, há que • Últimos 6 cm do bordo posterior do maléolo interno
ter um especial cuidado no uso fundamentado deste • Região do navicular (escafóide társico) ou
«diagnóstico»; com efeito, e até aos 12-14 anos de ida- • se houver incapacidade de marcha, quer após o acidente, quer
durante a observação pelo Médico
de (consoante o sexo e a maturidade sexual da criança

Rev Port Clin Geral 2009;25:481-6


dossier: ortopedia infantil 485

e, também, consoante o mecanismo lesional do trau- formidades major (com ou sem exposição óssea) ou os
matismo), a cartilagem de crescimento é biomecanica- casos em que há um quadro álgico significativo, mes-
mente mais frágil que os ligamentos presentes nessa re- mo em repouso - deverão ser rapidamente encaminha-
gião anatómica. Por esta razão, podemos estar peran- dos para um serviço de Urgência (com Ortopedista dis-
te uma fractura-epifisiólise (embora muitas vezes «in- ponível, de preferência).
visível» nas radiografias simples) e não perante uma
«simples» entorse… PERSPECTIVA DO PLANO TERAPÊUTICO DO
Alguns países aplicam os «critérios de Ottawa» para CIRURGIÃO ORTOPÉDICO
avaliação da necessidade de requisição de radiografia No escalão pediátrico, as lesões osteoarticulares atin-
nestas situações.5 Nalguns dos nossos hospitais, estes gem, preferencialmente, o osso e a cartilagem de cres-
critérios começam a ser usados nos serviços de Urgên- cimento, sendo raras as lesões ligamentares. Neste con-
cia e podem ser um guia importante na prática quoti- texto, queixas articulares pós-traumáticas sem lesão ra-
diana, por permitirem uma redução do número de exa- diologicamente visível podem ser interpretadas, con-
mes (neste caso inúteis) e pela sua importância no con- soante a clínica, como lesões da cartilagem de
texto médico-legal. crescimento (geralmente do 1° grau, mais benignas),
Assim, pelos critérios de Ottawa, apenas deverão ser com a consequente necessidade de imobilização do
pedidos exames radiográficos do tornozelo quando um segmento afectado.
doente, com dor nesta área após lesão aguda (mecanis- Actualmente, as fracturas dos ossos longos têm tido
mo habitual de torsão do tornozelo), apresenta um ou um aumento relativo das suas indicações cirúrgicas,
mais dos critérios seguintes: fruto de três ordens de factores: alta energia de alguns
Dor à palpação do maléolo externo e/ou interno (úl- acidentes (rodoviários e desportivos), surgimento de
timos 6 cm, nas suas vertentes mais posteriores – ver Fi- técnicas cirúrgicas com muito boa relação «custo-be-
gura 8); nefício» (tal como o encavilhamento elástico dos ossos)
• Dor à palpação do navicular (escafóide társico); e progressiva redução dos tempos de internamen-
• Dor à palpação do cubóide; to/imobilização do doente. No entanto, e apesar deste
• Incapacidade total de carga em ortostatismo; facto, a grande maioria das fracturas consolida rapida-
• Incapacidade para marcha (incapacidade de dar mente e sem sequelas valorizáveis.
mais de 2 passos após o traumatismo); No caso das fracturas com desvios nos planos fron-
• Idade superior a 55 anos (critério fora do âmbito des- tal e sagital (e sem atingimento da cartilagem de cres-
te artigo). cimento), como precedentemente referido, pode não
Quando nenhum destes critérios está presente, po- haver necessidade de redução, desde que o desvio não
der-se-á tranquilizar os pais (será amiúde a parte mais exceda cerca de 10-20° (variável consoante a idade); no
complicada da nossa prática clínica…), explicando que entanto, desvios rotacionais no foco de fractura impli-
a radiografia não será necessária para a decisão terapêu- cam a sua correcta redução e imobilização.
tica (sendo antes deletéria pela radiação implicada des- Finalmente, no que refere às lesões articulares e
necessariamente); o tratamento será igual e passará pe- como princípio básico, todas as fracturas deverão ser
las orientações preconizadas no início deste capítulo. reduzidas anatomicamente e assim mantidas, por
Como não temos forma de distinguir radiologica- meios incruentos ou cruentos. Quando assim não acon-
mente uma entorse sem avulsão óssea de uma fractura- tece e/ou quando a própria lesão destruiu parcial ou
-epifisiólise de tipo I não descoaptada (estes dois diag- totalmente a cartilagem de conjugação, são as seque-
nósticos cobrem a grande maioria das lesões agudas do las destas lesões que colocam os maiores problemas a
tornozelo na criança), o tratamento será idêntico, avi- resolver no campo da traumatologia infantil; serão, en-
sando da necessidade de descarga de 2 a 3 semanas, até tão, necessários diferentes tipos de estratégias cirúrgi-
se obter uma ausência total de dor e de edema local. cas (realinhamentos, alongamentos, desepifisiodeses,
Por fim, os casos de maior gravidade - ou seja aque- encurtamentos contra-laterais…) para minimizar as re-
les que apresentam risco vital, aqueles em que há de- percussões na vida da criança afectada, futuro adulto

Rev Port Clin Geral 2009;25:481-6


486 dossier: ortopedia infantil

integrando a nossa sociedade.


Os autores declararam não possuir conflitos de interesses
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Herring JA. Tachdjian’s Pediatric Orthopaedics. 3rd ed. Philadelphia: ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
W.B. Saunders; 2002. João Lameiras Campagnolo
2. Staheli LT. Fundamentals of Pediatric Orthopedics. 3rd ed. Philadelphia: Serviço de Ortopedia, Hospital Dª Estefânia
Lippincott, Williams & Wilkins; 2003. Rua Jacinta Marto, 1169 Lisboa, Portugal
3. Seabra J. Conceitos básicos de ortopedia infantil. 3ª ed. Coimbra: ASIC; E-mail: campas@iol.pt
2000.
4. Lerat JL. Orthopédie, sémiologie, traumatologie, base de données pour
l'enseignement. Paris: Collège Français des Orthopédistes et Trauma-
tologues; 2005.
5. Stiell IG, Wells G, Laupacis A. Brison R, Verbeek R, Vandemheen K, et al.
Multicentre trial to introduce the Ottawa ankle rules for use of radio-
graphy in acute ankle injuries. Multicentre Ankle Rule Study Group.
BMJ1995 Sep 2; 311 (79005): 594-7.

ABSTRACT

PAEDIATRIC TRAUMATOLOGY NOTIONS IN FAMILY PRACTICE


During pre and post graduation in Medicine, the traumatic aetiology concepts that guide the diagnosis and treatment of le-
sions in children (and adults) are often watered down in the immensity of medical knowledge to which medical students are
subjected.
Despite being frequently confronted with cases of paediatric traumatology, family physicians often feel they are poorly pre-
pared to evaluate and treat these cases.
In order to surpass these limitations, a few notions of physiopathology, epidemiology, semiology - common in a context of
paediatric traumatology - are presented. Some general therapeutic principles that allow to solve a number of these situations
are also discussed.

Keywords: Traumatology; Child; Family Practice; Family Physician.

Rev Port Clin Geral 2009;25:481-6

Você também pode gostar