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PUBLICAÇÃO OFICIAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO ELETRÔNICO

Revista de Direito Eletrônico


Set/Nov de 2004 Ano II, número VI – ISSN 1679-1045

Expediente REVISTA DE DIREITO ELETRÔNICO


EDITORIAL
Coordenador
A Revista de Direito Eletrônico do IBDE, com este número, atinge seu
objetivo, que é o da multidisciplinariedade.
Prof. José Carlos de
É nosso dever agradecer a todos que colaboraram e continuam a
Araújo Almeida Filho
colaborar, enviando seus artigos e prestigiando o Instituto Brasileiro de
Direito Eletrônico – uma associação científica, que visa o aprimoramento
da pesquisa e do Ensino do Direito.
Conselho Editorial
O formato, para este número, se apresenta diferente, com novo visual,
NACIONAL porque além dos textos científicos, estamos trazendo, nas primeiras
páginas, algumas notícias de grande importância para o cenário jurídico
Prof. José Carlos de nacional.
Araújo Almeida Filho – Além destas notícias, estamos reapresentando o I CONGRESSO
INTERNACIONAL DE DIREITO ELETRÔNICO, que será realizado entre
Coordenador e
os dias 08 a 13 de novembro de 2004, na cidade de Petrópolis, Estado do
Presidente – Rio de Rio de Janeiro, na sede da Universidade Católica de Petrópolis.
Não podemos, assim, deixar de gravar nesta edição os agradecimentos a
Janeiro
todos os parceiros desta empreitada pioneira e inovadora do Direito.
Prof. Aldemario Araujo Nosso editorial, que se destina a apresentação de nossa Revista neste
Castro – Brasília - DF segundo ano, agradece o apoio institucional das seguintes entidades
acadêmicas, de classe e congêneres:
Prof. Cláudio Luiz ⇒ Universidade Católica de Petrópolis
Braga Dell´Ortto – Rio
de Janeiro
Profa. Josília Fassbender
Barreto do Nascimento – ⇒ Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
Profa. Georgiana
Portella – Rio de Janeiro
Prof. Renato M. S.
⇒ Instituto dos Advogados Brasileiros
Opice Blum – São Paulo
David Paterman Brasil –
Rio de Janeiro
INTERNACIONAL ⇒ Associação Brasileira de Ensino do Direito

Manuel David Masseno


– Portugal
Verônica E. Melo –
Argentina ⇒ Grupo Acadêmico de Pesquisa em Propriedade
Intelectual
Fernando Gallindo –
Universidad de
Zaragoza - Espanha

Conselho Científico ⇒ Faculdade de Direito da Universidade Católica de


Petrópolis
Aires José Rover –
UFSC
Paulo Ferreira da Cunha
– Portugal

Grupo Permanente de
Avaliação de Estudos e
⇒ Diretório Acadêmico Rui Barbosa da Faculdade de Direito
Pesquisas da Universidade Católica de Petrópolis

José Carlos de Araújo


Almeida Filho (Brasil) -
Cláudio Luiz Braga ⇒ Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial do Rio de
Janeiro
Dell´ortto (Brasil) -
Aires José Rover
(Brasil) - Fernando
Gallindo (Espanha) -
Manuel David Masseno
(Portugal) Túlio Lima
A página do Congresso, onde as inscrições podem ser
Vianna (Brasil) – Renato realizadas, é http://www.ibde.org.br/congresso.
Agradecemos a todos pelas vitórias alcançadas até o
M. S. Oppice Blum
presente momento.
(Brasil)

José Carlos de Araújo Almeida Filho


Presidente do IBDE
I CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO
Membro Honorário
do Instituto ELETRÔNICO
Brasileiro de
Direito Eletrônico
08 A 13 DE NOVEMBRO DE 2004
Profa. Dra. Ada
Pellegrini Grinover –
Titular da USP

Entre em contato
http://www.ibde.org.br
presidente@ibde.org.br

A Revista de Direito
Eletrônico é uma
publicação do
INSTITUTO BRASILEIRO
DE DIREITO
ELETRÔNICO,
disponibilizada na
Internet de forma
gratuita, com o fim de
desenvolver a pesquisa
científica no campo do
Direito.

A Revista de Direito
Eletrônico, assim como
o Instituto Brasileiro de HTTP://WWW.IBDE.ORG.BR/CONGRESSO
Direito Eletrônico, não
possuem cobradores ou
pessoas credenciadas a
falarem em seu nome.
Somente a Diretoria do
Instituto possui poderes
para agir em nome dele.
A REVISTA DE DIREITO
ELETRÔNICO É A
PRIMEIRA DO GÊNERO
SUMÁRIO
NO BRASIL.

POSSUI SEU REGISTRO A INFLUÊNCIA DO POSITIVISMO NA FORMAÇÃO DA


JUNTO AO ISSN SOCIEDADE BRASILEIRA - PAULO RONALDO MAREK
1679-1045
A TRIBUTAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO - LUIZ FERNANDO
BIAZETTI PREFE E FREDERICO FÁBIO MAUAD
ACESSE A PÁGINA DO I
CONGRESSO A UTILIZAÇÃO DE FILTROS COMO SOLUÇÃO PARA
INTERNACIONAL DE COMBATER A PORNOGRAFIA NA INTERNET – A REPERCUSSÃO
DIREITO ELETRÔNICO DA DECISÃO DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O
“COPA” - DEMÓCRITO REINALDO FILHO
http://www.ibde.org.br/congres O TRATAMENTO JURÍDICO DO SOFTWARE NO BRASIL -
so
ALDEMARIO ARAUJO CASTRO
O TELETRABALHO NO DIREITO BRASILEIRO E NO DIREITO
COMPARADO - MANUEL MARTÍN PINO ESTRADA

A RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DE SITE QUE


UTILIZA “FÓRUNS DE DISCUSSÃO” – DECISÃO DA CORTE
ARGENTINA DEMÓCRITO REINALDO FILHO

TÍTULOS DE CRÉDITO ELETRÔNICOS LISTER DE FREITAS


ALBERNAZ.

O DIREITO COMO SISTEMA AUTOPOIÉTICO JOSÉ CARLOS DE


ARAÚJO ALMEIDA FILHO
TEXTO
MULTIDISCIPLINAR A INFLUÊNCIA DO POSITIVISMO NA FORMAÇÃO DA
SOCIEDADE BRASILEIRA
POSITIVISMO PAULO RONALDO MAREK
FILOSÓFICO E
CONSTRUÇÃO DA
SOCIEDADE RESUMO
BRASILEIRA

O desenvolvimento deste trabalho objetivou a obtenção de informações


através de uma pesquisa, da História do Positivismo no Brasil, que
possibilitasse a identificação dos principais positivistas e seus principais
feitos.

No processo de pesquisa buscamos mostrar dados relevantes que influíram e


modificaram a História do Brasil, política e socialmente, que tiveram por base
a motivação do movimento positivista.

Na captação destes dados foi dada ênfase para aqueles que julgamos que
influenciaram na formação da sociedade Brasileira de forma efetiva.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho terá por base a importância do Positivismo de Auguste


Comte na formação da sociedade brasileira seus principais adeptos e seus
feitos.

Trataremos das primeiras manifestações positivistas, da Abolição da


Escravatura passando pela República até Getúlio Vargas. Não deixamos de
tratar de grandes homens como Cândido Mariano Rondon, Lima Barreto,
Euclides da Cunha , Benjamin Constant, Júlio de Castilhos, Teixeira Mendes
entre outros.

Não é pretensão nossa querer expor uma obra tão grandiosa em tão pouco
espaço, no entanto, buscamos da melhor forma possível apresentar este
movimento que fez parte de nossa História e alguns dos homens valorosos
que contribuíram para nossa pátria.
AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES

O positivismo de Auguste Comte, incluindo a religião positivista, tiveram


maior receptividade em países de menor tradição cultural e carentes de
ideologia para seus anseios de desenvolvimento. Esse fenômeno ocorreu na
América do Sul, principalmente no Brasil.

A difusão espontânea do Positivismo no Brasil fez-se através dos escritos de


Auguste Comte, Littré, Laffitte, Robinet, Audiffrent e outros aderentes do
filósofo.

A partir de 1844, passaram as suas obras a repercutir nos estabelecimentos de


ensino secundário e superior, na imprensa e até no Parlamento, agitando os
principais centros intelectuais do país.

Em 1850 Manuel Joaquim Pereira de Sá apresentou tese de doutoramento em


ciências físicas e naturais, na Escola Militar do Rio de Janeiro, juntou-se a
esse trabalho a tese de Joaquim Pedro Manso Sayão sobre corpos flutuantes e
de Manuel Pinto Peixoto sobre os princípios do cálculo diferencial. As
inspirações da filosofia comteana estão presentes em todos estes trabalhos.

Luís Pereira Barreto foi quem deu o passo mais importante (1840 - 1923),
com a obra As três Filosofias, na qual a filosofia positivista era apontada
como capaz de substituir vantajosamente a tutela intelectual exercida no país
pela Igreja Católica. Miguel Lemos (1854 - 1917) e Raimundo Teixeira
Mendes (1855 - 1927) se iniciaram no positivismo através da matemática e
das ciências exatas, quando estudantes na Escola Politécnica.

A Primeira associação positivista criada em primeiro de abril de 1876 tinha


participantes da entidade Oliveira Guimarães, professor de matemática no
Colégio Pedro II; Benjamin Constant (1836 - 1891), professor da Academia
Militar e que se tornaria um dos chefes do movimento militar que derrubou a
monarquia e proclamou a República; Álvaro de Oliveira, Genro de Benjamin
Constant, professor catedrático da Escola Politécnica; Miguel Lemos (1854 -
1917) e Raimundo Teixeira Mendes (1855 - 1927), que se tornariam os líderes
do Apostolado. A entidade receberia o apoio de positivistas que viriam a
adquirir grande nomeada, como Luiz Pereira Barreto (1840 - 1923).

Miguel Lemos, em onze de maio de 1881, assume a presidência da Sociedade


Positivista do Rio de Janeiro. Criou o Centro Positivista Brasileiro, também
denominado Igreja Positivista Brasileira, com os seguintes propósitos: 1º)
Desenvolver o culto; 2º) organizar o ensino da doutrina; 3º) intervir
oportunamente nos negócios públicos.

Entre essas intervenções foi importante a participação dos positivistas no


movimento republicano que culminou com a proclamação da República em
1889. Influíram na Constituição de 1891 e a bandeira brasileira passou a
ostentar o lema comteano "ordem e progresso".

O período da denominada República Velha (1890 - 1930), corresponde à


ascensão do positivismo.

O Liberalismo, ao longo do Império conquistou ampla adesão para a tese de


que o poder provinha da representação, no entanto, os adeptos brasileiros do
comtismo iriam ganhar a elite republicana para a hipótese de que o poder vem
do saber.

O positivismo de Auguste Comte conseguiu convencer parcela substancial da


elite científica e técnica de que a ciência se achava conclusa. Ao longo da
República Velha o positivismo penetra em todos os poros da vida nacional.

A reforma da legislação civil para eliminá-la da dependência da Igreja e a


efetivação de atos tais como o registro dos nascimentos, casamento, enterro
dos mortos e em favor da abolição da escravatura, eram alguns dos pontos do
programa apresentado pelos positivistas.
A ABOLIÇÃO E A REPÚBLICA

Benjamin Constant abolicionista de longa data libertou os escravos que, por


herança, recebera sua senhora e interpelou o General Deodoro sobre a
extinção da escravatura pedindo-lhe que declarasse haver o Clube Militar
adotado, como divisa a abolição.

Isso ocorreu a 25 de outubro de 1887 e atendendo ao pedido de Benjamin


Constant, Deodoro, dirigiu uma petição à Princesa Isabel solicitando-lhe não
mais empregasse o Exército na captura de escravos. Esta largamente
divulgada pelos jornais, produziu os efeitos almejados.

São palavras de Cristiano Ottoni:

"Quando um delegado de polícia dizia aos soldados


amarrem aquêles negros, que não querem trabalhar" -
respondiam: "isso não, que não é missão de soldado,
mas de capitão do mato..." 1

Os representantes da monarquia não tendo mais forças para continuar a


sustentar a escravidão optaram por sua abolição.

Pode-se dizer que Benjamin Constant transformou a revolução em evolução,


pois não destruiu nem conturbou ao contrario poupou à Pátria a perturbação e
a desordem, o derramamento de sangue e a morte dos compatriotas,
transformou a rebelião militar em revolução republicana.

Benjamin Constant, porém, recusou-se a investir-se na chefia do governo,


declarando que o seu plano havia sido o de eliminar a monarquia e entregar o
governo aos civis.

No Governo provisório vários positivistas ocuparam postos importantes, quer


na Constituinte, que na administração, como Santos Werneck, Demétrio
Ribeiro, Campos Salles, Lauro Sodré, Benjamin Constant, dentre outros.

1
ALBUQUERQUE; MEDEIROS. O Regime Presidencial no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1914.
Por sugestão de Teixeira Mendes foi baixado pelo Governo Provisório,
mediante proposta de Demétrio Ribeiro, o Decreto 155 B, de 14 de Janeiro de
1890, fixando os feriados nacionais.

2
COSTA, João Cruz. Contribuição á História das Idéias no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1956.
3
MACHADO DE ASSIS Crônicas. Vol. 23. [s.l.]. W.M. Jackson, [s.d.].

4
DISCURSOS ACADEMICOS. Vol. III, pag. 20.
5
5 VARGAS, Milton. Euclides da Cunha e Poesia. Anais do Terceiro Congresso nacional de Filosofia. São Paulo: Publicação
Instituto Brasileiro de Filosofia, [s.d.]..

6
VERÍSSIMO, Érico O Tempo e o Vento. Diário de Notícias, Porto Alegre, 29 jun. 1960.

7
NEIVA, Artur. Esboço Histórico Sobre Botânica e Zoologia no Brasil. Apud Azevedo, Fernando. A Cultura Brasileira -
Introdução ao Estudo da Cultura no Brasil. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
1943.

8
RIBEIRO, Darcy. A Política Indigenista Brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura - Serviços de Informação
Agrícola, 1962.

9
FERREIRA, Arthur. História Geral do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Globo, 1958.
10
VARGAS, Getúlio. Sessão Fúnebre de Júlio de Castilhos. Teatro são Pedro: Porto Alegre, uma semana após o
falecimento de Júlio de Castilhos, reproduzido na integra, pelo Correio do Povo, Porto Alegre, 29 jun 1960, comemorativo do
primeiro centenário do nascimento de Júlio de Castilhos.


Formado em Direito na Universidade de São Paulo e mestrando em Direito Privado na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
11
Masi, Domenico de. O ócio criativo. Rio de Janeiro – Brasil, 2ª edição, Editora Sextante, 2000.
12
Kugelmass, Joel. Teletrabalho: novas oportunidades para o trabalho flexível., São Paulo – Brasil, Editora Atlas, 1996, p. 17.
13
Lemesle, Raymond-Marin; Marot, Jean-Claude. Le télétravail. Paris: PUF, 1994. (Coleção Que sais-je?)
14
Pinel, Maria de Fátima de Lima. O teletrabalho na era digital. Dissertação de mestrado defendida na Universidade Estadual
do Rio de Janeiro. 1998
15
Nilles, Jack. The telecommunications-transportation trade-off. Options for tomorrow and today, Jala International,
California, 1973.
16
Thibault Aranda, Javier. El teletrabajo, análisis jurídico-laboral. Madri –Espanha, Consejo Económico y Social, 2001.
17
Gbezo, Bernard E. Otro modo de trabajar: la revolución del teletrabajo. In Trabajo, revista da OIT, nº 14, dezembro de 1995.
18
Nilles, Jack M. Fazendo do teletrabalho uma realidade. São Paulo – SP. Editora Futura, , 1997.
19
Op. Cit. p. 3
20
Op. cit, p. 3
21
Jucewitz, Márcio Azambuja. Análise do comprometimento organizacional dos teletrabalhadores da Teleclear
Monitoramento Ecológico Ltda. Monografia apresentada ao Programa de Pós- Graduação da Escola de Administração da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Gestão
Empresarial.
22
Op. cit. p. 5.
23
Silva, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do direito do trabalho, São Paulo – Brasil, Editora Ltr, 1999.
24
Jardim, Carla Carrara da Silva. O teletrabalho e suas atuais modalidades. Dissertação de mestrado apresentada ao
departamento de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo em 2003.
25
Revista Exame, edição 810, ano 38, nº 2, 4 de fevereiro de 2004, p. 16.
No artigo XIX das bases de uma Constituição Federativa para a República
Brasileira propôs o Apostolado Positivista do Brasil:

"XIX - É garantido o livre exercício de todas as


profissões, quer morais, quer intelectuais, quer
industriais."

Este dispositivo foi transplantado para a Constituição Federal de 1891 nos


seguintes termos do §24 do artigo 72:

"§24 - É garantido o livre exercício de qualquer


profissão, moral, intelectual e industrial."

A liberdade de profissões, sem restrição de qualquer natureza foi adotada na


constituição do Rio Grande do Sul, de autoria de Júlio de Castilhos e na do
Espírito Santo, da lavra de Luiz Freire, e foi nesses Estados praticada.

Teixeira Mendes foi o precursor da nossa legislação trabalhista através do


projeto de melhoria das condições do proletariado por ele submetido em 25 de
dezembro de 1889, ao Governo Provisório, por intermédio de Benjamin
Constant.

O projeto de Teixeira Mendes foi precedido de uma explanação sobre o papel


do proletariado e a urgência de incorporá-lo à sociedade onde, na frase de
Comte, apenas se achava acampado. Expunha a teoria positivista do salário e
regulava não só este último, mas ainda as horas de trabalho, os dias de
descanso, os acidentes de trabalho e as pensões a conceder aos operários
chegados à velhice, ou às suas famílias.

Apresentado apenas um ano e sete meses depois da abolição da escravatura no


Brasil, o projeto de Teixeira Mendes é notável por ser o primeiro formulado
sobre o assunto e pelo arrojo de muitas de suas reivindicações.
Segundo o professor João Cruz Costa:

"Para a época e para as condições locais o projeto de


Teixeira Mendes era verdadeiramente
revolucionário."2

Defensor incansável de todas as formas de liberdade, se empenhou o


Apostolado, de corpo e alma, na campanha abolicionista; muito antes de
extinta a monarquia a instituição do regime republicano e uma vez instalado
este, procurou assegurar, em condições exemplares, a separação entre a Igreja
e o Estado, salvaguardando a dignidade e a independência de todos os cultos.
Opôs-se sempre, com inquebrantável energia, a toda modalidade de opressão
dos fortes contra os fracos, e defendeu, com especial solicitude, o proletariado
e a mulher contra os abusos dos poderes públicos ou dos interesses
particulares.

Liberdade religiosa, liberdade de ensino, liberdade de testar, liberdade de


profissões, liberdade de greve, liberdade de imprensa, foram ideais pelos
quais, desde cedo, o Apostolado lutou, mesmo nos momentos mais críticos e
perigosos.

É certo que as hostes republicanas atraíam número crescente de jovens


positivistas confessos, oriundos das Escolas de Direito. Os professores de
matemática e ciências exatas, agrupados nas escolas militares e na
Politécnica, em que se transformou a antiga Real Academia Militar, aderiam
em massa às doutrinas de Comte.

Através de Demétrio Ribeiro, no governo provisório, o Apostolado logrou


encaminhar e ver aprovadas diversas proposições como o desenho da bandeira
nacional, o lema, a forma de saudação nos documentos oficiais. Algumas
proposições de grandes conseqüências como é o caso da separação da Igreja
do Estado.

O positivismo como novo elemento catalisador na cultura brasileira, reside


nas reformas de ensino primário e secundário, bem como na manutenção do
ensino superior.

A mais importante reforma do ensino primário e secundário seria da autoria


de Benjamin Constant, no primeiro governo republicano. O essencial da nova
filosofia educacional consiste na crença de que o real se esgota nas ciências e
que a própria organização social, por seus elementos básicos, a política e a
moral, pode ser estruturada em bases científicas.

Tood ensino - hoje chamado de primeiro e segundo graus - estruturou-se em


torno dessa hipótese.

A adesão ao Positivismo comprova-se pela adesão do professorado de


matemática e ciências ao ideário positivista. Ivan Lins aponta como adeptos
da doutrina os professores daquelas disciplinas na Escola Politécnica, no
Colégio Pedro II, na Escola Militar, na Escola Naval e outras, no Rio de
Janeiro, o mesmo ocorrendo em diversas outras capitais.

Pereira Barreto, ainda sob o Império bate-se contra a discriminação legal a


que se achavam sujeitas as outras religiões que não a oficial. Superando essa
etapa, na República, trata de encontrar os exemplos capazes de facilitar a
atração de emigrantes qualificados. Com esse intuito, comprovou a
possibilidade do cultivo de uvas européias em São Paulo; empenhou-se em
prol da erradicação da febre amarela; tornou-se arauto da propaganda da
extrema fertilidade da terra roxa.

A INFLUÊNCIA NA LITERATURA E NA ACADEMIA DE LETRAS

Não só através dos adeptos, mas também dos seus opositores, teve Comte a
atenção do público brasileiro.

Registrando Machado de Assis, em suas crônicas, não só os usos e costumes,


mas ainda os principais acontecimentos políticos e literários da época, nelas
são freqüentes as alusões ao Positivismo.

Em 25 de novembro de 1894 assim alude Machado a um episódio no


Conselho Municipal:

"Refiro-me à bandeira que apareceu hasteada na sala


das sessões do conselho, em dia de gala, sem se saber
o que era nem quem a tinha ali pôsto. Pelo debate viu-
se que a bandeira era positivista e que um empregado
superior a havia hasteado, depois de consentir a nosso
presidente ..." 3

Lima Barreto passou a freqüentar a Igreja Positivista do Brasil em 1897,


segundo o biógrafo Francisco de Assis Barbosa.

O Positivismo marcou acentuadamente a obra de Lima Barreto, fornecendo-


lhe material para a criação de diversos dos seus tipos. Livros como
Recordações do Escrivão Isaias Caminha e o Triste Fim de Policarpo
Quaresma lembram a passagem de Lima Barreto pelo Positivismo. Segundo
Francisco de Assis Barbosa, o personagem central de um livro inacabado,
Cemitério dos vivos, onde se notam alusões à iniciação na doutrina comtista.

Nos numerosos discursos de recepção proferidos na Academia Brasileira de


Letras são citados Auguste Comte e o Positivismo, claras ou veladas, se
sucediam nos discursos da Academia como: " O século XIX foi um
glorificador do homem das meditações de Comte, ele surgiu santificado na
história" dizia em 21 de julho de 1914 Alcides Maya." 4

Euclides da Cunha teve a influência positivista na sua formação. Em trabalho


apresentado ao Terceiro Congresso Nacional de Filosofia sobre Euclides da
Cunha e a poesia, Milton Vargas tece as seguintes considerações:

"Não é difícil, da leitura de Os Sertões, concluir que,


para Euclides da Cunha, todo o conhecimento é
relativo e restrito aos fenômenos. Assim mantém-se
ele, pelas seiscentas e tantas páginas do seu livro, na
pura descrição fenomenológica e na interpretação
positiva dos fatos narrados... E, entretanto, não é
possível negar que, em sua grande estrutura, Os
Sertões é um livro positivista..."5

Na trilogia O Tempo e o Vento, Érico Veríssimo retrata com fidelidade o que


foi o ambiente positivista do Rio Grande do Sul. Referindo-se ao terceiro
volume de O Tempo e o Vento disse Érico Veríssimo no Diário de Notícias,
de Porto Alegre, de 29 de junho de 1960:

" Estou no momento escrevendo um romance em que


Júlio de Castilhos e o castilhismo são citados e
discutidos a propósito da Constituição do Estado
Novo, do comportamento político de Getúlio Vargas e
de outros acontecimentos de nossa história mais
recente. Júlio de Castilhos me fascina não só como
político mas também e principalmente como figura
humana."6

CÂNDIDO MARIANO RONDON

O Apostolado desde cedo voltou seus olhos para os silvícolas brasileiros,


buscando, por todos os meios, reparar os males que lhes infligiram a
conquista e a colonização. Nasceu, através dos esforços de Mário Barbosa
Carneiro que ocupava o posto de Diretor Geral de Contabilidade do
Ministério da Agricultura o Serviço de Proteção aos Índios, confiado por Nilo
Peçanha e Rodolfo Miranda à energia de Cândido Mariano Rondon, que se
cercou de jovens, em sua quase totalidade de positivistas.

Cândido Mariano Rondon é um dos positivistas que merece especial


referência pela sua contribuição à cultura brasileira.

Segundo o Professor Fernando de Azevedo:

" ... de tal forma cuidou [Rondon] das investigações


científicas que, no julgamento autorizado de Artur
Neiva, seu nome, como propulsor das ciências
naturais no Brasil dos tempos modernos, vem logo
depois de Oswaldo Cruz... o que tanto em botânica
(oito mil números colecionado, muitos pelo próprio
Rondon), como em zoologia (seis mil exemplares),
representam as sessenta e seis publicações da
Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas de
Mato Grosso ao Amazonas, podemos concluir com
Artur Neiva que nenhuma expedição científica
brasileira concorreu com tão alto contigente para o
desenvolvimento da história natural entre nós e
nenhuma exaltou mais no estrangeiro o nome de nossa
pátria."7

Em 1923, o National Geographic Magazine, de Washington publicou o


seguinte artigo sobre Rondon:

"Durante 33 anos o General Rondon trabalhou no


longínquo sertão... Mas, o seu serviço mais
meritório foi, sem dúvida, o que ele realizou, como
Diretor do Serviço de Proteção aos Índios do
Brasil, cargo no qual a sua política de não hostilizar
os índios, nem mesmo em represálias e de usar com
êles de brandura, lhes captou a amizade,
preservando-lhes a civilização e constituindo o que
se pode chamar a maior conservação de aborígenes
realizada em o Nôvo Mundo de nossos dias."

Segundo o professor Darcy Ribeiro Rondon:

" não ficou na formulação dos princípios. Colocou-se


à frente do Serviço de Proteção aos Índios, como seu
diretor, a princípio, de pois como orientador sempre
vigilante... Dezenas de servidores do S.P.I.
ideológicamente preparados e motivados pelo
exemplo de Rondon, provaram, á custa de suas vidas,
que a diretiva Morrer, se preciso fôr, matar, nunca,
não é mera frase."8

A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO

A Abolição e a República foram as duas conquistas de vulto do positivismo,


como doutrina social, no Brasil.

Sem Benjamin Constant e seus discípulos os cadetes filósofos, positivistas a


República não se teria proclamado em 15 de novembro de 1889, nem se teria
mantido, pois foram os adeptos de Comte, civis e militares, os principais
esteios de Floriano.

O Positivismo contribuiu no sentido de renovar a mentalidade brasileira


atavés da educação e da filosofia da história. Essa contribuição efetuou-se não
só por intermédio de duas reformas do nosso ensino, abertamente inspiradas
na doutrina de Comte, mas ainda mediante dezenas de professores de cursos
secundários normais e superiores que eram discípulos entusiastas do filósofo
francês.

É importante a participação dos Positivistas na política brasileira pois nada


menos de onze positivistas forma presidentes ou governadores de Estado.

Foram numerosos os profissionais que tiveram a formação positivista como:


professores, juizes, advogados, médicos, engenheiros e artistas.

Muitas instituições nascidas com a República trazem até hoje, indelével, a


marca de correntes de pensamento Positivista. A Constituição Federal e as
Constituições dos Estados; a separação da igreja relativamente ao Estado com
a mais ampla liberdade religiosa; a liberdade de imprensa, a liberdade de
cátedra, a liberdade de reunião, a liberdade de greve, a condenação de
qualquer discriminação racial, a proteção aos silvícolas, espírito de
solidariedade continental e tantos outros.

A adesão de Júlio de Castilhos à doutrina de Comte data de 1879, quando


cursava a Escola de Direito e lançou o jornal A Evolução.

Para Júlio de Castilhos, segundo Arthur Ferreira Filho em sua história Geral
do Rio Grande do Sul:

"a República era o regime da virtude. Sómente os


puros, os desambiciosos, os impregnados de espírito
público deveriam exercer funções de govêrno. No seu
conceito, a política jamais poderia constituir uma
profissão ou um meio de vida, mas um meio de prestar
serviços à coletividade, mesmo com prejuízo dos
interesses individuais. Aquêle que se servisse da
política para seu bem estar pessoal, ou para aumentar
sua fortuna, seria desde logo indigno de exercê-la."9

Júlio de Castilhos despertava o entusiasmo na mocidade do Rio Grande, é


testemunho expressivo o discurso de Getúlio Vargas, então com vinte anos, a
propósito da morte do Grande chefe político:

"Os seus correligionários devem-lhe a orientação


política. Os seus coetâneos o exemplo de
perseverança na luta por um ideal; a mocidade
deve-lhe o exemplo de pureza e honradez de
caráter." 10

O trabalhismo brasileiro, principal realização política de Getúlio Vargas,


nasceu em parte de raízes positivistas.

Podemos observar que o positivismo no Brasil, de Benjamin Constant até


Getúlio Vargas, exerceu grande influência em vários setores da sociedade.

A influência do Positivista Comteano vai desde a moral até atos práticos,


conforme demonstramos até agora.

O Positivismo no Brasil, neste período, foi patriótico e operativo buscando


desenvolver a cultura sem esquecer das necessidades do proletariado e o bem
estar da nação.

CONCLUSÃO

Foram múltiplos os setores em que o Positivismo exerceu influência, como:


na legislação brasileira, nas reformas de ensino, na administração pública, na
magistratura, na imprensa, na literatura e nas artes em geral.

As conquista do movimento como a Abolição, a República, as leis trabalhistas


visando melhorar a vida do proletariado e de sua família, a proteção aos
índios, liberdade de culto, entre outros transformaram a sociedade.
Os adeptos do Positivismo eram homens de alto valor, quer moral, quer
intelectual, o que levava a serem seguidos e admirados.

É certo que os adeptos do Comtismo estava composto em diversos graus:


positivistas ortodoxos ou praticantes da Religião da humanidade; positivistas
intelectuais e positivistas que só parcialmente aceitavam princípios e
conclusões da filosofia e da política positiva. No entanto, independente do
grau a que se rotule este ou aquele, o certo é que os adeptos realizaram
grandes obras, e foram representantes de muitos dos anseios do povo.

É mister observar a preocupação do Apostolado com o proletariado, sempre


buscando encorporá-los a sociedade com melhores condições financeiras e
formação intelectual.
O movimento Positivista no Brasil foi um dos mais importantes, operou
grandes mudanças sociais e políticas, sempre visando o bem dos brasileiros e
enaltecendo o censo de patriotismo.

BIBLIOGRAFIA

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Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1914.

2 COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva; Discurso Sobre o


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Catecismo Positivista; Os Pensadores. Traduzido por José Arthur Giannotti
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3 COSTA, João Cruz. Contribuição á História das Idéias no Brasil. Rio de


Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1956.

4 DISCURSOS ACADEMICOS. Vol. III, pag. 20.

5 FERREIRA, Arthur. História Geral do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:


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conteúdo e forma do conhecimento. 2. Ed. Canoas: Ulbra, 1997.

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Companhia Editora Nacional, [s.d.].

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Apud Azevedo, Fernando. A Cultura Brasileira - Introdução ao Estudo da
Cultura no Brasil. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do instituto Brasileiro de
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10 PAIM, Antonio. História das Idéias Filosóficas no Brasil. 3 ed. São


Paulo: Convívio, 1984.

11 RIBEIRO, Darcy. A Política Indigenista Brasileira. Rio de Janeiro:


Ministério da Agricultura - Serviços de Informação Agrícola, 1962.

12 VARGAS, Getúlio. Sessão Fúnebre de Júlio de Castilhos. Teatro são


Pedro: Porto Alegre, uma semana após o falecimento de Júlio de Castilhos,
reproduzido na integra, pelo Correio do Povo, Porto Alegre, 29 jun 1960,
comemorativo do primeiro centenário do nascimento de Júlio de Castilhos.

13 VARGAS, Milton. Euclides da Cunha e Poesia. Anais do Terceiro


Congresso nacional de Filosofia. São Paulo: Publicação Instituto Brasileiro de
Filosofia, [s.d.]..

14 VERÍSSIMO, Érico O Tempo e o Vento. Diário de Notícias, Porto


Alegre, 29 jun. 1960.
DIREITO TRIBUTÁRIO E A TRIBUTAÇÃO DO
ENERGIA ELÉTRICA

TEXTO INÉDITO SETOR ELÉTRICO

Luiz Fernando Biazetti Prefeito (1)

Frederico Fábio Mauad (2)

1- Jurista – aluno do programa de pós-graduação em Ciências


da Engenharia Ambiental do Departamento de Hidráulica e Saneamento da
Escola de Engenharia de São Carlos – Universidade de São Paulo – Rua
Dona Ana Prado, nº 127, Vila Prado, em São Carlos, SP, fone (16)
3307.6000 – e-mail: lprefeit@sc.usp.br

2- Professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da


Escola de Engenharia de São Carlos – Universidade de São Paulo.
Professor dos Programas de Pós-Graduação em Hidráulica e Saneamento e
Ciências da Engenharia Ambiental da Escola de Engenharia de São Carlos –
Universidade de São Paulo – Avenida Trabalhador São-Carlense, 400,
Centro, São Carlos, SP, fone (16) 3373.9525 – e-mail: mauadffm@sc.usp.br

1 INTRODUCÃO.

Segundo Veiga da Cunha (1980), A água é, em termos globais,


um recurso abundante, pois existem no mundo 1300 milhões de km2, o que
seria suficiente para cobrir os continentes com uma camada de água de cerca
de nove km de espessura. No entanto, grande parcela dessa riqueza não é
fácil de ser utilizada, pois ou se trata de água salgada, cerca de 97 % do total,
que exigiria a dessalinização mediante tecnologias ainda muito dispendiosas,
ou se concentra sob a forma de gelo nas calotas polares, cujo aproveitamento
pertence ao futuro.

A água é, portanto de vital importância. Tanto que a instrução


normativa do Ministério do Meio Ambiente- MMA 04/2000, artigo 2º, inciso
XXIX, define como uso de recursos hídricos como toda a atividade que altere
as condições qualitativas e quantitativas, bem como o regime das águas
superficiais ou subterrâneas, ou que interfiram em outros tipos de
usos,(Brasil, 2000)

De modo geral, os recursos hídricos são utilizados no saneamento


básico, no consumo humano, em atividades culturais e recreativas,
navegação, mineração, piscicultura, na irrigação da agricultura, pecuária, na
indústria e na geração de energia elétrica, entre outros usos, (Granziera,
2000).

O aproveitamento de recursos hídricos para a geração de energia


elétrica é a principal forma de utilização não consuntiva de água. Foi durante
décadas o uso prioritário de recursos hídricos, a ponto de o Código de Águas,
decreto 24.643, de 10 de julho de 1934, ter sido regulamentado com vistas à
implantação de um sistema elétrico interligado e, conseqüentemente, na
montagem de um parque industrial que tirasse, como de fato tirou, o Brasil da
condição de país agrícola, (Brasil ,1997).

A própria estrutura administrativa brasileira denotava a tendência


de relevar, como prioridade, a geração de energia elétrica, e o órgão
responsável pelas outorgas de direito de uso das águas de domínio federal,
para quaisquer finalidades, a partir da década de 1940, era o Conselho
Nacional de Águas e Energia Elétrica- CNAEE, que posteriormente se
transformou no Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica -
DNAEE, o qual pertencia à estrutura administrativa do Ministério das Minas
e Energia.

Considerando as carências energéticas brasileiras, principalmente


quanto aos combustíveis fósseis, carvão e petróleo, e destacando a
necessidade de fornecimento de energia a um parque industrial crescente,
cuidou-se de explorar o potencial hidráulico, através da construção de
inúmeras usinas hidrelétricas, mediante ação conjunta e ordenada de
investimentos feitos no setor pela Eletrobrás S.A, criada em 1963, que era o
órgão centralizador e executor da política energética governamental a nível
federal, cujo objetivo era de expandir o potencial instalado, no intuito de
atender às exigências em âmbito nacional.

Para melhor atuação da holding Eletrobrás fez-se concessões às


suas subsidiárias, Furnas, Companhia Hidrelétrica do São Francisco - Chesf,
Centrais Elétricas do Sul - Eletrosul, Centrais Elétricas do Norte -
Eletronorte, além de participar acionariamente em concessionárias estaduais
tais como a Companhia Energética de São Paulo – CESP, e a Companhia
Energética de Minas Gerais- CEMIG, entre outras.

O Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, DNAEE,


era responsável, neste ínterim, pela implantação dos serviços e pela política
tarifária, enquanto o Ministério das Minas e Energia, MME, cabia a gestão de
serviços públicos de energia elétrica.

Em 07 de novembro de 1973, pelo Decreto 73.102, foi criado o


Grupo de Coordenação para Operação Interligado (GCOI) que era
responsável pelo planejamento da interligação do sistema elétrico,
objetivando racionalizar a utilização dos recursos comuns do sistema
interligado. Com a função de prever o crescimento da demanda de energia
elétrica, definindo recursos necessários para a expansão, transmissão e
distribuição da geração, foi criado em 1982 o Grupo de Coordenação do
Planejamento do Sistema de Energia Elétrica (GCPS). Ambos os grupos eram
subordinados, administrativa e financeiramente, pela Eletrobrás,(Brasil
,1973).

As crises do petróleo, a primeira em 1976, pela invasão de alguns


paises árabes a Israel e o posterior fechamento do canal de Suez, por onde se
escoa a produção da região e, a segunda em 1979, motivada pela queda do Xá
que administrava o Irã, causaram a desaceleração do crescimento econômico,
aceleração dos índices inflacionários, do desemprego e do desequilíbrio das
contas públicas.

Todos estas questões durante a década de 1980 provocaram


alterações no sistema financeiro internacional. A crise da economia
mexicana, ocorrida em 1982, causou a elevação das taxas de juros, reduziu
prazos de carência e, indiretamente, obrigou o pais a fazer um acordo, em
1983, com o Fundo Monetário Internacional, restringindo a principal fonte de
financiamento do setor elétrico, que, por sua vez, provocou uma redução
drástica de investimentos das empresas estatais na geração de energia
elétrica.

A necessidade de implementação de um novo modelo de


financiamento e de uma revisão institucional no setor elétrico levou o
governo a criar o REVISA, Revisão Institucional do Setor Elétrico, em 1987,
com o objetivo de analisar e reformular a estrutura institucional e buscar
maior participação da iniciativa privada no setor elétrico.

Tendo em vista as dificuldades das concessionárias em obter


recursos, várias legislações foram promulgadas. Dentre elas descatam-se a
Lei 8631, de 04 de março de 1993, que dispõe sobre a fixação dos níveis das
tarifas de energia e extingue o regime de remuneração garantida do setor
elétrico e a Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que regulamentou o artigo
175 da Constituição Federal, permitindo a concessão dos serviços públicos a
particulares.

A Agência Nacional de Energia Elétrica, ANEEL, criada em


1996, pela Lei 9427/96, em substituição ao DNAEE, é uma autarquia
especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Órgão de Estado,
autônomo, regula e fiscaliza as atividades do setor. Em nome da União, a
ANEEL atua também como órgão de concessão. Como parte integrante de
sua missão, a Agência deve assegurar o desenvolvimento equilibrado e
ordenado do segmento de energia elétrica, garantindo a qualidade dos
serviços prestados à sociedade e buscando, na medida do possível, a
mediação entre os interesses dos agentes econômicos e dos consumidores.
Cabe ao órgão regular a tarefa de implementar as diretrizes e a política
energética do poder executivo, (Brasil 1996).
As crises financeiras dos anos setenta e oitenta levaram o
Governo a promover uma abertura dos diversos segmentos da infra-estrutura
ao capital privado, pois houve uma drástica redução da capacidade de
investimento no setor elétrico, devido ao alto endividamento interno e a
falência da estratégia de financiamento adotado pelas empresas estatais. Tais
situações obrigaram o governo federal a iniciar a elaboração de um novo
modelo para o setor elétrico brasileiro.

Foi contratada uma empresa de consultoria inglesa, Coopers &


Lybrand, para projetar um novo modelo para o setor elétrico, que em 1997,
que propôs, dentre outras medidas, a criação do Mercado Atacadista de
Eletricidade (MAE) e de um Operador Nacional do Sistema (ONS).

A implantação do MAE é uma das inovações mais importantes do


processo de reestruturação do setor elétrico. Sua implantação é pressuposto
para o efetivo estabelecimento da competição entre os agentes econômicos.
Instituídos em 1998 e integrado por empresas concessionárias de geração,
distribuição e comercialização de energia elétrica. Em 2000, por meio da
resolução 290, a ANEEL homologou as regras permanentes de
funcionamento do MAE, além de definir as diretrizes para a sua efetivação
gradual. O MAE substituiu o antigo sistema de comando regulatório na
fixação das tarifas e dos termos de contrato de energia elétrica existentes.
Tem a seu encargo a fixação de preço de referência para a energia vendida
através de contratos bilaterais entre empresas geradoras de energia e
distribuidoras. Atualmente o MAE foi substituído pelo Mercado Brasileiro de
Energia, MBE.

O ONS é um órgão autônomo, neutro, sem fins lucrativos, sendo,


contudo, supervisionado pela ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica,
e possuindo como acionistas os consumidores e as empresas de geração,
distribuição e transmissão de energia, tendo como função garantir a entrega
efetiva de energia, controlando os contratos entre empresas geradoras e as
distribuidoras. Substituiu o GCOI,(Brasil 1993).
A criação da ANEEL é o resultado de uma mudança do Estado
brasileiro que, a partir do final dos anos 80, se viu acossado por dificuldades
financeiras que mostraram sua incapacidade de atender às necessidades de
investimentos em segmentos estratégicos, como o de energia elétrica. O que
emergiu desse ambiente adverso foi uma nova forma de enxergar o futuro do
setor elétrico nacional, no qual a missão de realizar investimentos na infra-
estrutura passou a ser responsabilidade de agentes privados.

Trata-se de uma experiência riquíssima e bastante complexa, uma


vez que a ANEEL atua em um campo absolutamente novo no Brasil, o das
agências reguladoras de serviços públicos. Experiências realizadas em outros
países podem até servir de referência para o nosso trabalho.

A reestruturação do setor elétrico brasileiro, iniciado em meados


da década de 1990, deve ser vista dentro de uma perspectiva histórico-
estrutural, envolvendo em uma mesma análise a privatização, e crise do setor
elétrico e a garantia à cidadania. Para entender as reformas ocorridas no
setor, é necessário evidenciar um pouco da trajetória histórica do setor,
vocação hidrelétrica, as opções político-econômicas para a reestruturação em
curso e as respostas dadas pelo governo à crise elétrica brasileira. Assim
devem ser analisadas as questões relativas a privatização ocorrida no setor
elétrico em diversos países, comparando os vários modelos adotados em todo
o mundo com o nacional, o que irá permitir uma análise científica em relação
ao ocorrido no setor elétrico brasileiro.

O que se nota, a priori, é que a crise do setor elétrico foi


deflagrada tanto por fatores estruturais, de ausência ou de baixos
investimentos no setor durante a década de 1990, como pelo processo de
privatização engendrado na mesma década. A privatização também foi
acompanhada de baixa capacidade técnica das agências reguladoras em
realmente regular e fiscalizar as novas concessionárias de energia elétrica,
geração e distribuição. Tal deficiência é evidenciada pelos constantes
aumentos tarifários.
A crise do setor elétrico brasileiro de 2001, além de prejudicar
principalmente os consumidores residenciais de baixa renda, que apresentam
o maior número nas tarifas, ainda reverbera sobre a iminência de escassez de
água. Estudos para o planejamento integrado e sustentável dos recursos
hídricos, de fontes alternativas de energia elétrica e de melhoramentos
tecnológicos para os múltiplos usos de água se fazem urgentes e necessários.
Além disso, é essencial que as políticas governamentais comecem a romper a
tendência de o meio ambiente e/ou os setores mais desfavorecidos da
sociedade civil serem prejudicados em função de um discurso de
desenvolvimento nacional.

Muitos dos males pelos quais a sociedade têm pago, dentre eles, a
crise elétrica de 2001 e a escassez de água já presente em alguns locais do
país, são frutos de um desenvolvimento desenfreado e concentrado do capital,
nacional e externo, e também, das opções político-econômicas reinantes no
Brasil, principalmente, a partir da Segunda Guerra Mundial.

Quando se observa a degradação dos recursos hídricos, vê-se


claramente que os arranjos institucionais, políticos e econômicos ainda não
tem conseguido dar respostas satisfatórias à gestão a ao planejamento
sustentável na busca de uma sociedade com maior eqüidade,(Ripert, 1996).

A Lei 8631/93 marcou o início da reestruturação do setor elétrico,


pois eliminou o regime tarifário vigente, estabelecendo nova legislação em
relação ao setor, podendo se destacar a criação do Produtor Independente de
Energia, como uma nova opção para a geração de energia elétrica.

Posteriormente, o artigo 175 da Constituição Federal foi


regulamentado pela Lei 8987/95 e pelo Decreto 9074/95, fornecendo
mecanismos legais aos distribuidores e geradores e energia elétrica pudessem
disputar o mercado para o suprimento dos grandes centros
consumidores,(Brasil, 1995).
Contudo o processo de privatização do setor começou a ser
implementado antes de o Estado criar meios necessários para a nova
regulamentação do setor. A Agência Nacional de Energia Elétrica somente
teve suas funções regulamentadas pelo Decreto 2335/97, com o objetivo de
reestruturar e regulamentar a geração, transmissão, distribuição e
comercialização de energia.

O Ministério das Minas e Energia e a empresa inglesa Coopers &


Lybrand, partindo de experiências ocorridas em outras nações, considerando
as particularidades do setor elétrico nacional, montar o novo cenário do
mercado energético brasileiro.

A empresa britânica não observou as especificidades da


conjuntura brasileira. O MBE não, em médio prazo, incluiu novos produtos,
como os geridos por fontes térmicas, como nuclear, carvão, óleo e gás. Foi,
também, desprezada a análise das cheias, secas, irrigação, abastecimento de
água potável, navegação e desenvolvimento regional, questões cruciais para o
novo modelo energético nacional.

O governo, aceitando o modelo proposto, dividiu o setor elétrico


em quatro segmentos, cada qual com uma forma distinta de
operacionalização e um agente envolvido. O segmento da geração seria
aberto à concorrência privada; o da transmissão continuaria como monopólio
gerido pelo ONS; o da distribuição também permaneceria como oligopólio
administrado por concessionárias; e o da comercialização seria aberto à
competição comercial.

Os aspectos conjunturais referem-se às conseqüências do


processo de privatização em si. Devido à forma pela qual ela ocorreu,
manteve-se a redução drástica nos investimentos para a geração de energia.
Isso porque a opção do governo ao privatizar as empresas de distribuição ou
de geração foi evitar ao máximo os gastos com investimentos realizados pelas
estatais, a fim de deixá-las mais atrativas para a competição no mercado.

O governo, quando optou por investir muito pouco ou, mesmo,


não investir, enquanto tivesse privatizando as empresas públicas do setor, o
que resultou em um crescente desequilíbrio entre a oferta e a demanda
elétrica. Outra conseqüência dessa orientação política foram os baixos
investimentos na ampliação das redes de transmissão de alta tensão, cujo
objetivo seria uma maior integração nacional e regional da oferta de energia
elétrica, com maior aproveitamento do potencial energético do país. Tanto
um quanto outro incidiram diretamente como causas da crise energética de
2001. Só recentemente, com parte relativamente grande do setor de
distribuição e geração privatizadas, o governo anunciou que investirá,
aproximadamente, dez bilhões de reais do BNDES, em três anos, na geração,
transmissão e distribuição.

A ausência de investimento no setor elétrico durante o processo


de privatização e a não realização de investimentos das novas concessionárias
do setor também colaboraram para a deflagração da crise energética de 2001.
Em um primeiro momento o governo responsabilizou a falta de chuva; só
depois de algum tempo assumiu falhas no planejamento, porém, o período
seco continuou como causa relevante do discurso do governo.

Em 2001, a sociedade brasileira viu-se obrigada a economizar


energia elétrica, algo, até então, totalmente inusitado para qualquer cidadão.
Em momento algum da historia nacional ocorreu tal episódio. Passado esse
período, que ficou conhecido como “apagão”, inúmeras questões estão vindo
à tona.

Segundo informações da Câmara Brasileira de Investidores em


Energia Elétrica, em uma conta enviada aos brasileiros, no valor de R$
100,00 (cem reais), fazendo-se uma média das inúmeras empresas
distribuidoras, bem como das várias legislações estaduais, temos:

18% (dezoito por cento) ficam com os governos dos Estados para
o pagamento do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços, criado
pela Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, em que cada ente
federativo tem a liberdade de escolha da alíquota;
9% (nove por cento) são o total de pagamento do Fundo Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, taxa de fiscalização,
transmissão, Operador Nacional do Sistema, exigidos pelas licitações que
antecederam as privatizações, Plano de Integração Social (PIS), Lei
Complementar 7, de 07 de setembro de 1970, (Contribuição ao Fundo de
Investimento Social (Cofins), Decreto-lei 1940, de 25 de maio de 1982, e
CPMF, Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira, Lei 9.311,
de 24 de outubro de 1996

30% (trinta por cento) para comprar energia de Furnas, CESP,


Eletronorte e CHESF, todas do governo;

4% (quatro por cento) é o subsídio, exigido pela Câmara de


Gestão da Crise de Energia, chamado de Cota de Consumo de Combustível,
para as usinas de geração de energia de carvão mineral e óleo diesel;

1% (um por cento) é pago para a Eletrobrás financiar projetos de


eletrificação, é o Fundo de Reserva Global para Reversão;

11% (onze por cento) vão para quitar a energia produzida em


Itaipu, empresa binacional, brasileira e paraguaia, a US$ 30/ MWh.

Em 2003, o Governo Federal promoveu uma reforma


constitucional para mudar aspectos relativos a cobrança de impostos no
Brasil. A reforma tributária fez com que as alíquotas do PIS e COFINS
fossem elevadas, alterando os índices citados acima. O PIS saltou de 0,65
para 1,65% e, o COFINS de 3 para 7,6%. Isso reduziu a já pequena margem
de lucro das empresas elétricas. Antes da reforma era, em média, de 27%.

Em 2004, após a reforma tributária, 21,5% (vinte e um e meio por


cento) ficam, realmente, com as companhias, que ainda devem suportar os
custos dos salários dos funcionários, manutenção dos equipamentos e
pendengas judiciais.
No caso da Usina Binacional de Itaipu, em 1997, foi assinado um
acordo com o Ministério da Fazenda que permitirá o equacionamento da
dívida da empresa, que em 1996 era de US$ 16,5 bilhões. Reza o acordo que
a partir de 2005 a curva da dívida será decrescente até ser totalmente quitada
em 2023, ano em que o Tratado de Itaipu será revisto.

2. EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

A experiência internacional é importante, pois cada nação procura


nortear sua produção de energia para movimentar seu parque industrial e a
sociedade como um todo, respeitando suas características, tais como
disponibilidade de recursos naturais, extensão territorial, população, relevo e
clima.

Assim, principalmente após as crises do petróleo, os países


procuraram diversificar suas fontes energéticas. A Dinamarca, pobre em
recursos hídricos, com rios de pouco extensão e que não permitem a
produção de energia de base hidráulica, gera parte de suas necessidades
energéticas através da força dos ventos, algo em torno de 12% do total da
energia produzida.

Na Alemanha, região de Schleswig-holstein, a contribuição eólica


é de mais de 16%; na União Européia chega a 10%. A França até tem uma
usina que gera energia pela força das ondas do mar na costa da Bretanha, é a
energia maremotriz.

No Canadá, país rico em recursos naturais e de tamanho


continental, a política energética é o amalgama de numerosos interesses,
refletindo não somente a divisão da jurisdição entre os níveis federal e
estadual, mas também, as diferenças aspirações de cada um destes agentes.

Na constituição canadense não há regras para definir os papéis a


serem desempenhados pelos governos estaduais e o federal na administração
do setor energético. A negociação é sempre necessária.

Os Estados, como detentores de recursos naturais, têm o poder de


limitar a produção e com isso regular a oferta interna do produto no Estado e
o que será exportado. O controle do comércio exterior dos Estados cabe ao
governo federal.

Quanto às iniciativas governamentais na área de organização do


setor elétrico, cada Estado mantém sua proposta de trabalho. Por exemplo,
desde outubro de 1980, Ontário introduziu a elaboração de uma estratégia de
longo prazo com o objetivo de tornar o Estado mais eficiente energeticamente
e menos dependente do petróleo e derivados, já que não possui reservas e tem
de importá-los de Alberta, também no Canadá.

Ontário definiu metas de eficiência de níveis de substituição de


petróleo para os setores residencial, comercial, industrial e transporte. Para
obter isso, definiu programas específicos de energia alternativa a serem
custeados com recursos próprios e do governo federal.

O papel do governo federal canadense é, portanto, além de


investir nos Estados, como em infra-estrutura, mas também a de administrar a
divergência de interesses entre eles.

Por exemplo, é o caso do Estado do Alberta, rico em reservas de


gás natural e petróleo, para quem interessa ver os preços desses insumos subir
para elevar seus lucros e, Ontário, prefere que os custos sejam menores, para
não influenciarem nos preços finais de seus produtos manufaturados.

Já na França, a política energética foi descentralizada pelos trinta


e seis mil municípios, quase cem departamentos e vinte e duas regiões, no
incentivo ao uso racional de recursos energéticos e no desenvolvimento da
produção de energia.

Por um decreto de maio de 1982, foi criada da Agence Francaise


pour la Maîtrise de l´Energie (AFME), que tem o dever de compatibilizar as
políticas nacionais com os programas e interesses locais.

A região de Nord-Pas de Calais, merece destaque. O local é


grande produtor de energia desde o início do século XVIII, primeiro com o
carvão e depois com a eletricidade. É forte consumidor de gás natural.

Em função de sua disponibilidade de energia, a região tem


presença marcante da industria siderúrgica, textil, química, naval e de
material de transporte. A produção de energia é de base hidráulica, sendo que
existe forte investimento em programas de utilização racional de energia,
bem como em prospecção de gás natural e petróleo, além de grandes
incentivos em se buscar meios alternativos de produção de energia, como
eólica, biomassa e estocagem de energia, através de baterias alimentadas por
energia solar.

Ripert & Lagarde, 1996, apontaram como característica


fundamental da descentralização do setor energético francês, os contratos de
plano assinados entre o governo regional, local ou municipal, com empresas
públicas e privadas, além de consumidores residenciais e industriais.

O contrato prevê o estabelecimento de programas a serem


desenvolvidos pelos contratantes, contudo, as contribuições orçamentárias
são paritárias, isto é, metade cada qual, sendo, ainda, necessário que cada
tomada de decisão seja de forma unânime.

A conseqüência desta disposição do setor elétrico da região de


Nord-Pas de Calais foi que houve uma maior diversidade na matriz
energética. A Produção de energia por meio de carvão e de hidroeletricidade
cedeu espaço para a energia eólica, biomassa, solar e geotermia.

Além disso, o uso racional de energia, reduzindo os excessos e


diminuindo os desperdícios, possibilitou que indústrias grandes consumidoras
de energia, como metalúrgicas, instalassem unidades na região. Houve,
portanto, incremento em recolhimento de impostos e, concomitantemente,
geração de empregos.

A simples comparação das análises feitas, permite trocar uma


série de evidências entre a estrutura do sistema elétrico nacional e os
relatados.

Assim, por meio de uma rede política-econômica e pela


influência exógena, o Brasil passou a realizar reformas no setor estratégico da
economia. As reformas são tardias quando comparadas com às ocorridas no
resto do mundo, porém, não menos deletérias.

De uma forma geral, para fazer frente à crise energética o país


procurou desenvolver um programa nuclear, criou o Proalcool, incentivou a
pesquisa e a exploração de petróleo em alto mar e construiu grandes usinas
hidrelétricas, como Itaipú e Tucuruí.

O movimento iniciado na década de 1990, com reformas na


filosofia de investimento do setor público, aqui interessando somente às
ocorridas no sistema elétrico, evidência uma inversão no papel do Estado. A
partir desse momento houve uma forte pressão para privatizar o setor
deixando ao Estado a função de regulador do sistema elétrico, por meio da
Aneel.
3 EMPRÉSTIMOS E INFLAÇÃO

É preciso salientar que, entre 1996 e 2002, a tarifa de energia


elétrica nacional subiu 167%, para o consumidor residencial, enquanto o
índice de preços medidos pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
(FIPE) aumentava 103,19% e o Índice Geral de Preço – Médio (IGP-M)
108,12%. Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, entre janeiro de 1995
e junho de 2003, houve uma elevação das tarifas de energia elétrica da ordem
de 312%, para um aumento inflacionário de 143%. Para os próximos anos a
tendência não é diferente Além de toda a reestruturação do setor elétrico, que
tende a elevar o preço da energia, num primeiro momento, neste ano todas as
distribuidoras terão direito de revisar o nível de suas tarifas. Uma medida
legal, prevista nos contratos de concessão, que tem como objetivo
reposicionar a tarifa em nível compatível com a cobertura dos custos
operacionais e de remuneração adequada de investimentos, garantindo o
equilíbrio financeiro das empresas.

Enquanto isso não ocorre, muitas empresas do setor elétrico estão


enfrentando sérias dificuldades para quitar os empréstimos contraídos junto
ao Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), para que, na época
das concessões, os interessados pudessem adquirir as empresas públicas de
energia elétrica.

Três dos seis grandes consórcios que participaram da privatização


das empresas de energia elétrica solicitaram ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social a renegociação de suas dívidas.
Contudo apenas um desses grupos é considerado inadimplente, a AES.

Para entender a situação, em 1998, a Lightgás, formada pela


empresa Reliant Energy, AES Corporation, Eletricité du France (EDF) e a
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), adquirem a Eletropaulo. Em 2000,
após a saída das demais, a AES compra as ações preferenciais da
distribuidora, financiada pelo BNDES, por US$ 1,2 bilhão, para pagamento
em 2003, e cria a AES Transgás.
Após o descruzamento da parte acionária, a antiga Lightgás,
transforma-se em AES Elpa, detendo as ações ordinárias da Eletropaulo e,
nascendo com uma dívida com o BNDES equivalente a US$ 1,8 bilhão.

Desde janeiro do corrente ano há acúmulo de vencimentos da


AES Elpa, AES Trangás e Eletropaulo, sendo declaradas em default técnico,
em fevereiro de 2003. As garantias de pagamento do BNDES são as ações
ordinárias e preferenciais da Eletropaulo, que corria o risco de ser re-
estatizada a fim de satisfazer o débito.

Contudo, no final de 2003, em 29 de dezembro, a controladora da


Eletropaulo, maior distribuidora de energia da América Latina, a americana
AES, bem como as subsidiárias citadas acima, firmaram um acordo com o
BNDES para solucionar a dívida de R$ 1,2 bilhões de dólares.

Com a avenca, será criada uma nova empresa, a Brasiliana, futura


controladora dos ativos da AES no Brasil, como AES Tiête, Uruguaina e
AES-Sul.

Com isso, a empresa terá onze anos para quitar sua conta com o
BNDES, além de um novo empréstimo, no valor de R$ 700 milhões de reais,
a fim de viabilizar a retomada de investimentos depois da redução da
demanda provocada pelo racionamento de energia em 2001. O sistema de
transmissão deverá abocanhar parcela significativa do dinheiro, já que, só em
2003, houve um incremento de 13% nas reclamações de consumidores
motivada pela baixa confiabilidade da entrega da eletricidade aos cidadãos.

O acordo ainda precisa passar pelo crivo do Banco Central do


Brasil e pela Agência Nacional de Energia Elétrica.

Em 2004, segundo estimativas do próprio BNDES há um passivo


de US$ 20 bilhões, relativos aos empréstimos concedidos as empresas
vencedoras das concessões do setor elétrico.

O BNDES ainda concedeu em abril de 2003 um repasse de R$ 2


bilhões às distribuidores para que essas empresas possam cobrir os rombos
provocados, em seus orçamentos, pelo descasamento da compra da energia
de Itaipu, com pagamento corrigido pela variação cambial, e sua revenda, em
reais, para os consumidores, com prejuízo para toda a sociedade.

Essas mesmas empresas tiveram, no governo anterior, via Medida


Provisória, direito a R$ 558,10 milhões, do Tesouro Nacional, como
pagamento pelo bônus dados aos consumidores durante o racionamento como
forma de premiá-los pelo esforço de reduzir o consumo. Na época, o dinheiro
saiu dos cofres das elétricas
Assim, vemos que há por parte tanto do governo anterior como
do atual, uma política de socialização dos prejuízos, como no início do século
XX, quando toda a sociedade pagava pela falta de lucro da cultura cafeeira.

Há, também, uma grave afronta a legislação vigente. Considera-


se empregador, de acordo com o que dispõe o artigo 2º da Consolidação das
Leis Trabalhistas (CLT) “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo
os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação
pessoal de serviço.”, (Brasil, 2002).

Fica evidenciado que, toda empresa, qualquer que seja seu


tamanho e importância, deve assumir os riscos da atividade a que se destina.

Não é, contudo, o que está ocorrendo. É correto dizer que, todos


os empréstimos concedidos as empresas do setor elétrico, para a privatização,
seguro apagão e variação cambial do dólar, e foram feitas pelo Tesoura
Nacional, via BNDES, ou seja, dinheiro público, originado dos impostos
pagos por toda a sociedade.

Segundo dados da empresa de consultoria Economática, a dívida


total do setor elétrico em 2003 ultrapassava R$ 86 bilhões. Os consecutivos
prejuízos registrados nos últimos anos corroeram o capital investido pelas
companhias, enquanto suas dívidas, boa parte em moeda estrangeira,
avançaram com velocidade.

O endividamento médio das companhias está em torno de 82% do


patrimônio líquido. Contudo, algumas empresas já apresentam patrimônio
inferior às suas dívidas. Caso especifico da Elpa, que tem uma dívida de 6,6
bilhões, e um patrimônio de 354 milhões de reais.

A Espírito Santo Companhia Elétrica Sociedade Anônima


(Escelsa) deve 1000% mais que seu patrimônio e a distribuidora do Rio de
Janeiro, Light, algo em torno de 500%, segundo informações oriundas do
Ministério das Minas e Energia.

A importância da relação entre esses dois fatores, patrimônio e


divida, é que, quanto maior o índice, maior a dificuldade das empresas em
levantar empréstimos com terceiros. Assim, sem condições de acessar o
mercado de crédito e com prejuízo em caixa, as companhias acabam não
conseguindo quitar seus compromissos, ficam inadimplentes e correm o risco
de quebrar.

A situação das elétricas não é nada confortável, levando-se em


conta a queda de faturamento por causa do recuo do consumo, grande carga
tributária e o alto endividamento. A soma dessas variáveis acaba fortalecendo
questionamentos sobre a capacidade das companhias em honrar seus débitos,
principalmente, porque algumas controladoras externas não pretendem mais
injetar dinheiro no Brasil para socorrer suas subsidiárias.

No fundo, o cidadão pagou a conta duas vezes: uma como


contribuinte, quando o BNDES fez empréstimos para companhias nacionais e
estrangeiras adquirirem empresas do setor elétrico brasileiro, dinheiro
público; e a segunda como consumidor, pagando contas em que os reajustes
são superiores aos índices inflacionários.

A reestruturação do setor elétrico, realizada com a finalidade de


retirar o Estado como empreendedor do setor e de transferir para a iniciativa
privada e para o mercado a responsabilidade e os riscos pelos investimentos a
serem realizados, pode ter deixado a desejar.

Até o presente momento a reestruturação do setor elétrico e a


privatização de suas empresas, não trouxeram benefícios para a população e
nem cumpriram o papel que se propuseram inicialmente, que era diminuir o
déficit público e as tarifas aos consumidores, melhorar a eficiência
empresarial, com o intuito de beneficiar a sociedade, além de promover o bem
estar social aos carentes e, por último, mas não menos importante, a proteção
ao meio ambiente.
O processo de privatização do setor começou a ser implementado
antes de o Estado criar meios necessários para a nova regulamentação do
setor. A Agência Nacional de Energia Elétrica somente teve suas funções
regulamentadas pelo Decreto 2335/97, com o objetivo de reestruturar e
regulamentar a geração, transmissão, distribuição e comercialização de
energia.

Tal procedimento causou grandes confusões, já que parte das


companhias elétricas foram privatizadas, antes mesmo de se ter
implementada a agência competente para o setor. Isso, afugentou os
investidores, diminuiu o interesse externo e prejudicou a produção de
energia, além de inviabilizar novas construções de usinas hidrelétricas. É
evidente que os vencedores dos leilões de concessão, somente realizaram
despesas, após conhecerem as regras pelas quais deveriam seguir.

O modelo adotado para promover as privatizações no Brasil, pode


ser discutido, já que há outras possibilidades para tal desiderato como
autorização, permissão, arrendamento ou concessão, ainda que mantida a
responsabilidade estatal, também são chamados de privatização.
O governo, seguindo o que exige o artigo 175 da Constituição
Federal, estabeleceu um preço pelas ações de suas empresas elétricas e os
interessados fizeram suas contrapropostas, na Bolsa de Valores. As ações
foram vendidas por meio de licitação, ou seja, as propostas, neste caso,
indicaram a quantidade e o preço que estavam dispostos a pagar.

Outra forma eficiente de privatizar as companhias estatais, e que


esta sendo muito utilizada em inúmeras nações, é o que se chama
pulverização das ações. O governo vende para os empregados,
administradores, até mesmo a população em geral, um lote de ações com
direito a voto, limitado por quantidade, ou seja, cada indivíduo somente pode
adquirir uma pequena parcela do bolo de ações vendidas.

Este procedimento foi realizado na Inglaterra e em Portugal, entre


outros paises. As empresas do setor elétrico de cada país, não apenas
cresceram em valor de capital, como também, aumentaram suas produções e
ofereceram dividendos aos seus funcionários/empresários, além de seus
próprios salários.

Esse é um modelo de privatização que pode ser sugerido ao país,


doravante, respeitando as peculiaridades e as dificuldades de cada caso, mas
que precisa ser estudado, com profundidade.

Outra questão de deve ser analisada, são os baixos


investimentos que o setor elétrico sofreu ao longo dos anos.
Dos últimos catorze presidentes da República, até Fernando
Henrique Cardoso, apenas dois deram grande impulso à
energia em nosso país: Getúlio Vargas, em seu segundo
governo, 1950 a 1954, e, Juscelino Kubistschek.

Getúlio teve a perspicácia de construir a usina de Paulo Afonso,


no rio São Francisco, a primeira grande obra estatal do setor energético.
Juscelino, por sua vez, iniciou a construção de Furnas, o maior complexo de
energia elétrica do Brasil, e foi o primeiro a planejar uma usina atômica, que
seria próxima ao local em que hoje estão Angra I e II.

Jânio Quadros, sucessor de Kubistschek, ficou tão pouco na


função que não teve tempo, em seu atrapalhado governo de sete meses, para
pensar em energia. João Goulart, que propunha reformas de base na sociedade
brasileira, ficou pelo caminho, o golpe de 31 de março de 1964, o impediu de
prosseguir. Desses, melhor foi o General Humberto Castelo Branco, que
avisado pelo então ministro das Minas e Energia da urgência em produzir
energia elétrica para incrementar a produção industrial nacional, apressou a
criação de fato da Eletrobrás, em 1966, já que havia sido regulamentada em
1963. (Reis, 2000).

Arthur da Costa e Silva iniciou o programa nuclear brasileiro.


Emílio Garrastazu Médici deu seqüência, Ernesto Geisel assinou o protocolo
do acordo atômico Brasil-Alemanha. João Baptista de Oliveira Figueiredo e
José Sarney inauguraram turbinas em Itaipu, em palanques. Fernando Affonso
Collor de Melo, tentou vender a usina de Angra III ao Irã. Itamar Franco, até
o final de seu mandato, não se decidiu em parar ou concluir as obras de Angra
II. Já Fernando Henrique Cardoso disse que a crise de energia vivenciada pela
nação em 2001, o “pegara de surpresa”.(Borenstein, 1997).

Durante décadas, faltou aos governantes brasileiros a visão de que


a energia é um fator de desenvolvimento. É com energia que se produz mais e
melhor, é com energia que se exporta, e dessa exportação vem dinheiro com o
qual se criam condições de melhorias sociais,(Solnik, 2001).

Como no Brasil o grande potencial gerador de energia elétrica é


oriundo de hidrelétricas, a questão brasileira está intimamente ligada aos
recursos hídricos, assim, o bom uso e os avanços tecnológicos para o
aproveitamento hidrelétrico e a gestão sustentável dos recursos hídricos são
essenciais à sustentabilidade ambiental e ao desenvolvimento do país.

4. BIBLIOGRAFIA

BANDAROVSKY, R.; PEIXOTO, J.P. Água, bem econômico e de


domínio público. São Paulo, FUNDAP, 2000

BARTH, F.T. A recente experiência brasileira de gerenciamento de


recursos hídricos. São Paulo, FUNDAP, 1996.

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Federativa do Brasil, 1988. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2002.

BRASIL. Código Tributário Nacional. São Paulo, Ed. Revista dos


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BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas. São Paulo, Ed.


Revista dos Tribunais. 2002

BRASIL. Decreto 24.643, de 10 de julho de 1934, dispõe sobre Código


de Águas. Lex: Coletânea de Legislação e Jurisprudência. São Paulo. 1997.
BRASIL. Instrução normativa do Ministério do Meio Ambiente
04/2000, artigo 2º, inciso XXIX, define como uso de recursos hídricos como toda a
atividade que altere as condições qualitativas e quantitativas. Lex: Coletânea de
Legislação e Jurisprudência. São Paulo.1997.

BRASIL. Lei 9.427/96, que dispõe sobre a criação da Agência Nacional


de Energia Elétrica. Lex: Coletânea de Legislação e Jurisprudência. São Paulo. 1997.

BRASIL. Decreto 73.102 de 07 de novembro de 1973, que dispõe


sobre a criação do Grupo de Coordenação para Operação Interligado (GCOI). Lex:
Coletânea de Legislação e Jurisprudência. São Paulo.1997.

BRASIL. Lei 8.631/93, que dispõe sobre a reestruturação do sistema


elétrico brasileiro. Lex: Coletânea de Legislação e Jurisprudência. São Paulo. 1997.

BRASIL. Lei 8.987/95, que regulamenta o artigo 175 da Constituição


Federal. Lex: Coletânea de Legislação e Jurisprudência. São Paulo. 1997.

BORENSTEIN, C. R. O setor elétrico no Brasil, Porto Alegre, Sagra-


Luzzatto. 1997.

GRAF, F. , Água, bem mais precioso do milênio, São Paulo,


FUNDAP; 2000.

GRANZEIRA, M.H., Direito das águas e meio ambiente. São Paulo,


Ed. Atlas. 2000.

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Elsevier.1996.

SOLNIK, A., A crise de energia elétrica no Brasil. São Paulo,


Senac.2001.
VARGAS, M.C., O gerenciamento integrado dos recursos hídricos
como problema socioambiental. São Paulo. FUNDAP. 1996.

VEIGA DA CUNHA, L.; SANTOS GONÇALVES. A.,ALVES


FIGUEIREDO, V., LINO, M, A gestão da água, Porto, Portugal, Fundação
Calouste Gulbenkian.1980.

9.1. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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Ciência e Tecnologia, Rio Claro, SP, v.03, ISSN 1519-8693. set.2003;

Mauad, F. F., Prefeito, L. F. B. Aspectos Legais da Privatização do Setor


Elétrico Brasileiro, XV Simpósio da Associação Brasileira de Recursos
Hídricos.Curitiba, PR. Anais.nov.2003;

Mauad, F. F., Prefeito, L. F. B. A privatização do setor elétrico brasileiro:


legislação e matizes atuais, IX Simpósio do Curso de Pós-graduação em Ciências da
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Prefeito, L. F. B., Mauad, F. F. O atual modelo do setor elétrico brasileiro,


III Seminário de Recursos Hídricos do Centro Oeste, Goiânia, GO. Anais.
Maio/2004.

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Prefeito, L. F. B., Mauad, F. F. Matizes da Privatização do Setor Elétrico


Brasileiro, ICTR de Florianópolis, SC, aprovado.

Prefeito, L. F. B., Mauad, F. F. Aspectos tributários da privatização do setor


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abril.2004, aguardando aprovação;

Prefeito, L. F. B., Mauad, F. F. A privatização do setor elétrico brasileiro, 1º


Seminário Latino- Americano de Políticas Públicas em Recursos Hídricos, Brasília,
DF, abril/2004,aguardando aprovação.

Prefeito, L. F. B., Mauad, F. F. O setor elétrico nacional pós-privatização,


Revista da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, Porto Alegre, RS,
aguardando aprovação.

Prefeito, L. F. B., Mauad, F. F. O Brasil e o setor elétrico, XX Congresso


Nacional Del água, Mendoza, Argentina, aguardando aprovação.
PEDOFILIA INFANTIL E A UTILIZAÇÃO DE FILTROS COMO SOLUÇÃO PARA
INTERNET
COMBATER A PORNOGRAFIA NA INTERNET – A REPERCUSSÃO
DEVEMOS LUTAR DA DECISÃO DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O
CONTRA A PEDOFILIA, “COPA”
SEMPRE

Demócrito Reinaldo
Filho Juiz de Direito em PE

A melhor solução contra a disseminação de pornografia na


Internet está na edição de leis específicas que proíbam esse tipo de conteúdo
ou encontra-se no uso de ferramentas tecnológicas à disposição dos pais de
crianças? Essa é a questão que atualmente divide opiniões de sociólogos,
educadores, políticos, assistentes sociais, juristas e todo o espectro de
profissionais que, de uma maneira ou de outra, estão envolvidos e se
preocupam com o acesso indiscriminado à pornografia por crianças, facilitado
pelo advento da Internet, que se tornou um canal privilegiado e praticamente
sem controle para a divulgação de material dessa natureza. Mais
recentemente, esse tema foi objeto de discussão entre os juízes da Suprema
Corte dos EUA, por ocasião do julgamento (em sessão do dia 29 de junho
deste ano) de um recurso (1) em torno da constitucionalidade de uma lei
editada pelo Congresso daquele país, o Child Online Protection Act
(conhecida simplesmente pela abreviatura COPA), que se propõe a impedir a
exposição de crianças a material de conteúdo sexual explícito na Internet.
A referida Lei, em síntese, estabeleceu a imposição de pena
(multa até 50 mil dólares e seis meses de prisão) (2) para qualquer operador
de website comercial que coloque conteúdo considerado “prejudicial a
menores”(3), a não ser que comprove que restringiu o acesso a esse tipo de
material por meio da utilização de sistemas de verificação de idade(4), que
pode ser a exigência do número do cartão de crédito do internauta(5), de uma
conta bancária, um código de acesso ou qualquer outro sistema digital(6).
O COPA foi editado como resposta do Congresso ao
julgamento de uma lei anterior, declarada inconstitucional pela Suprema
Corte (7). O Communications Decency Act (CDA) (8), assinada pelo
Presidente Clinton em 1996, foi a primeira tentativa do Congresso americano
de tornar a Internet um ambiente mais seguro para crianças, através da
proibição da disseminação de material “obsceno” e “indecente” (9). A
Suprema Corte julgou que o CDA violava o princípio constitucional da
liberdade de expressão (freedom of speech), uma vez que a vaguidade dos
conceitos de obscenidade e indecência representava uma limitação do
conteúdo do discurso permitido na Internet, forçando os provedores a vetar
uma imensa massa de material de valor educacional, artístico, médico e
literário. Apenas um ano depois desse primeiro julgamento (10), o Congresso
norte-americano editou o COPA, assinada pelo Presidente Bill Clinton em
1998. De modo a não incorrer no mesmo vício de inconstitucionalidade da lei
antecessora, os congressistas tiveram o cuidado de colocar no texto do COPA
o conceito de material “prejudicial a menores”, como sendo aquele (em linhas
gerais) que uma pessoa média possa considerar como apelativo a interesses
prurientes, por descrever um ato sexual ou exibir imagens de órgãos sexuais e
que, considerado como um todo, carece de sério valor literário, artístico,
político ou científico (11).
Mesmo essa nova Lei (o COPA) também foi contestada em
termos de violação à liberdade de expressão do pensamento, ao argumento de
que não foi estreitamente desenhada de modo a atender o interesse público de
proteção às crianças e que existem outros meios menos restritivos de se
alcançar esse objetivo. De acordo com a doutrina constitucional norte-
americana, qualquer restrição ao discurso (entenda-se: à liberdade expressão)
baseada em limitação do conteúdo deve atender a um “relevante interesse
público”(12) e o Governo tem o ônus de provar que não existem outras
alternativas igualmente eficazes (13). A razão lógica é assegurar que o
discurso não seja restringido mais do que o necessário para a realização do
interesse público representado em lei editada pelo Congresso. Uma corte
distrital (14) concedeu uma decisão preliminar, suspendendo a execução do
COPA, por entender que não era estreitamente desenhada para cumprir o
interesse público pretendido e que existem meios alternativos tão eficazes e
menos restritivos de prevenir as crianças de usar a Internet para ter acesso a
material pornográfico, particularmente o uso de programas e tecnologias de
bloqueio e filtragem (os conhecidos softwares de filtros para Internet). Essa
decisão foi mantida por um tribunal de federal apelações (15) e o Governo
dela recorreu para a Suprema Corte.
No julgamento do dia 29 de junho, a Suprema Corte
considerou (por maioria de votos, 5x4) que não dispunha de meios suficientes
para avaliar a eficácia da tecnologia de filtros para programas de navegação
na Internet e determinou que o processo na corte inferior seguisse para
instrução. Falando em nome da maioria dos integrantes da Corte, o Juiz
Anthony M. Kennedy expressou sua opinião de que nos autos não havia
elementos suficientes que refletissem o estado atual do desenvolvimento da
tecnologia de filtros (16). Já haviam se passados cinco anos desde que a corte
distrital colhera os primeiros pareceres e depoimentos de especialistas sobre a
matéria (quando examinou o pedido liminar), daí porque os juízes da Suprema
Corte decidiram ser mais conveniente manter a decisão preliminar e devolver
o caso à instância inferior, onde as partes terão oportunidade de atualizar e
suplementar os seus elementos de prova, de forma a revelar o grau de
desenvolvimento atual da tecnologia de filtros para a Internet (17).
Embora tendo devolvido a questão à instância inferior, para
nova colheita de provas técnicas quanto à atualidade da tecnologia de filtros
para Internet, a Corte Suprema parece já ter deixado assente sua inclinação
pela preferência a esse meio alternativo (técnico) de restrição à pornografia.
Em seu voto condutor, o Justice Kennedy repetiu as conclusões da Corte
distrital no sentido de que essa tecnologia é menos restritiva e mais eficiente
(no que tange à proteção de menores contra material impróprio) do que a
proibição de conteúdo por via legal. Ele explicou que a solução dos filtros
permite que adultos tenham acesso a material pornográfico sem a necessidade
de ter que se identificarem perante um provedor ou operador de website. Os
pais que optarem por ter acesso a material dessa natureza só têm que desligar
os filtros no momento em que eles próprios navegam na Internet. Além disso,
a Lei (o COPA) somente teria possibilidade de penalizar operadores de
websites residentes nos EUA, enquanto os filtros permitem bloquear sites de
pornografia baseados no exterior. Segundo pesquisa lida por ele, 40% do
material pornográfico ou considerado impróprio para crianças provêm de sites
operados do exterior. Anthony Kennedy ressaltou que, mesmo sendo a Lei
aprovada, os administradores de websites pornográficos poderiam mover suas
operações para fora do território dos EUA ou se registrar em provedores de
outros países. Ele destacou ainda dados existentes no processo que
comprovam que os filtros são mais eficazes do que sistemas de verificação de
idade (implantados nas páginas de entrada dos websites), pois estes últimos
estão sujeitos à burla e mesmo alguns menores de idade possuem cartão de
crédito (18). Finalmente, concluiu, os filtros podem ser aplicados a qualquer
forma de comunicação na Internet, incluindo os servidores de e-mail, e não
somente na Web (a World Wide Web), único canal da Internet sobre o qual a
Lei teria efeito.
Os softwares e filtros para a Internet, obviamente, não
representam uma solução perfeita para problema da proteção de crianças
contra pornografia. Eles podem bloquear material que não seja impróprio
como podem falhar em bloquear conteúdo efetivamente pornográfico.
Quaisquer que sejam, no entanto, as deficiências das soluções técnicas de
filtragem, é quase certo que elas venham a prevalecer como opção menos
gravosa à liberdade de expressão. O processo das tentativas de controle da
informação que circulam na rede mundial deixa transparecer que entra em
nova fase. Se a primeira foi marcada pela iniciativa legislativa dos governos,
com a edição de leis repressivas, censurando certos tipos de conteúdo (como
aconteceu com o CDA e com o COPA), a segunda é caracterizada pela
utilização de programas de computadores e dispositivos tecnológicos, os
conhecidos filtros de conteúdo, que permitem bloquear o acesso a certos tipos
de informações indesejadas, pelos próprios destinatários e de forma
voluntária. Limitações legais à liberdade de expressão são presumivelmente
inválidas. Qualquer lei que pretenda suprimir da Internet uma grande
quantidade de conteúdo que os adultos têm o direito constitucional de receber
e divulgar corre o risco de ser tachada de inconstitucional, por ferir o
princípio da liberdade de expressão. Como disse o Juiz Kennedy, “proibições
relativas ao conteúdo, impostas com base em severas penalidades criminais,
têm o constante potencial de ser uma força repressiva nas vidas e
pensamentos de um povo livre” (19).
Seria importante que os nossos próprios legisladores retirassem
as mesmas conclusões dos julgamentos da Suprema Corte norte-americana
Afinal, nossa Carta constitucional também consagra o princípio da liberdade
de expressão (art. 5o., IV, VI, VII, IX e XIV, e art. 220). Na Câmara dos
Deputados tramita uma série de projetos de lei com objetivo similar ao do
CDA e do COPA, buscando a proteção das crianças pela mesma via da
criminalização da transmissão de material obsceno na Internet (20).
A bem da verdade, esses julgamentos parecem já ter ecoado
por aqui. No dia 26 de maio deste ano, ao oferecer parecer ao Projeto de Lei
1070, de 1995, de autoria do Deputado Ildemar Kussler (PSDB/RO), que
dispõe sobre crimes oriundos da divulgação de material pornográfico através
de computadores – ao qual foram apensados todos os outros projetos que
tratam sobre o mesmo tema -, o Deputado José Mendonça Bezerra (PFL/PE),
relator perante a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e
Informática (CCTCI), opinou pela aprovação do projeto com substitutivo em
que sugere apenas a obrigatoriedade da utilização de sistemas de verificação
de idade nos sites destinados ao público adulto (21), excluindo a opção da
criminalização de certos conteúdos. Na justificativa do substitutivo, o relator
reconhece que a tipificação do crime de transmissão de material obsceno é
“regra de difícil aplicação, uma vez que não é consensual a definição do que
seja obscenidade” (22). O relator também reconhece que a proposta original
corria o risco de violar o princípio da liberdade de expressão.
Projetos mais recentes estão até mais atualizados (23), pois
apenas impõem aos fornecedores de sistemas operacionais e de programas de
navegação e aos provedores de Internet a obrigação de colocar, à disposição
dos usuários, programa (software) que permite o controle do acesso de
crianças a endereços de sítios na rede que ofereçam material inadequado à sua
faixa etária. Trata-se, portanto, de política legislativa destinada a incentivar a
disseminação dos filtros de conteúdo para a Internet (24), demonstrando que,
ao contrário do que se pensa, nossos legisladores já estão atentos para a
necessidade de se garantir a proteção das crianças contra material impróprio
na Internet, sem deixar que se sacrifique por completo o valor constitucional
da liberdade de expressão dos adultos. É esse tipo de equilíbrio que a
sociedade espera deles.

Notas:
(1) O caso Ashcroft v. American Civil Liberties Union.
(2) A Lei altera o 47 U.S.C § 231.
(3) A expressão, em inglês, é harmful to minors. A lei considera menor a pessoa com menos
de 17 anos.
(4) A Lei na verdade estabelece uma affirmative defense, ou seja, ela impõe ao acusado o
dever de provar que restringiu o acesso ao conteúdo do site.
(5) A pressuposição dos legisladores é que, por meio da exigência do fornecimento do
número do cartão de crédito, o operador do site tem como verificar se o internauta que
pretende ter acesso é menor de idade.
(6) §231(c)(1).
(7) No julgamento do caso Reno v. American Civil Liberties Union, 521 U. S. 844 (1997).
(8) Que poderia ser traduzida como “Lei da Moralização das Comunicações”, numa tradução
não literal.
(9) A Lei responsabilizava os provedores de acesso à Internet, em cujos sistemas fosse
encontrado material considerado obsceno, com a aplicação de multas de até 250 mil dólares, e
dois anos de prisão.
(10) Que ocorreu em 1997.
(11) Material "harmful to minors" é definido como (no original, em inglês):
“any communication, picture, image, graphic image file, article, recording,
writing, or other matter of any kind that is obscene or that—
(A) the average person, applying contemporary community standards, would find, taking the
material as a whole and with respect to minors, is designed to appeal to, or is designed to
pander to, the prurient interest;
(B) depicts, describes, or represents, in a manner patently offensive with
respect to minors, an actual or simulated sexual act or sexual contact, an
actual or simulated normal or perverted sexual act, or a lewd exhibition of
the genitals or post-pubescent female breast; and
(C) taken as a whole, lacks serious literary, artistic, political, or scientific value for minors.”
§231(e)(6).
(12) A expressão em inglês é compelling governmental interest.
(13) Em um precedente citado no julgamento (o caso United States v. Play-boy Entertainment
Group, Inc., 529 U. S. 803), que também envolvia uma restrição a conteúdo por via legal com o
objetivo de proteger crianças do acesso a material prejudicial, ficou assente na jurisprudência da Corte
Suprema essa orientação, no sentido de que, não tendo o Governo provado que outros meios alternativos
não são tão eficazes, a limitação ao discurso não se compadece com a garantia constitucional da
liberdade de expressão (free speech), enclausurada na 1a. Emenda.
(14) Corte Federal Distrital da Filadélfia (United States District Court for the Eastern District
of Pennsylvania).
(15) Corte de Apelações para o 3o. Circuito (United States Court of Appeals for the Third
Circuit)
(16) Esse problema da não atualização dos registros e informes processuais tem se verificado
quase sempre que uma corte tem que julgar um problema envolvendo a Internet, como disse o
próprio Juiz Kennedy, pois “a rede se desenvolve em passos rápidos”.
(17) Os juízes também ressaltaram que seguindo o processo para instrução regular, a corte
distrital poderá analisar a circunstância adicional de que, nesse espaço de cinco anos, o
Congresso passou duas novas leis que podem ser consideradas como alternativas menos
restritivas ao COPA - uma que proíbe nomes de domínio enganosos (misleading domain
names), pretendendo com isso combater a prática de registro e estabelecimento de sites com
nomes ligeiramente parecidos com sites tradicionais e conhecidos, mas que na verdade
contêm material pornográfico, e outra que cria um domínio de segundo nível (.kids), para o
qual só se aceitam registros de sites de conteúdo adequado ao desenvolvimento de crianças.
(18) Um relatório apresentado por uma Comissão perante o Congresso americano (em
outubro de 2000), e citado pelo Justice Kennedy, atribuiu um percentual de eficácia de 7.4
aos filtros instalados em servidores, 6.5 aos filtros instalados em computadores pessoais, 5.9
aos sistemas digitais de verificação de idade e 5.5 aos sistemas de verificação de cartão de
crédito.
(19) “Content-based prohibitions, enforced by severe criminal penalties, have the constant
potential to be a repressive force in the lives and thoughts of a free people”.
(20) Podem ser citados os seguintes projetos, que tratam sobre o tema:
Projeto de Lei nº 1.654, de 1996, de autoria do Deputado Herculano Anghinetti, que proíbe a
fabricação, importação e comercialização de jogos eletrônicos ou programas com material
obsceno (tem abordagem similar ao da proposição geral de combater a pornografia vedando a
divulgação de material obsceno); Projeto de Lei 3268, de 1997, de autoria do Deputado
Agnelo Queiroz (PcdoB/DF), que proíbe o acesso a sítios e a veiculação de mensagens
eletrônicas ou programas de caráter obsceno; Projeto de Lei 3498, de 1997, do Deputado
Silas Brasileiro (PMDB-MG), que tipifica o crime de veicular material pornográfico pela
Internet; Projeto de Lei 3258, de 1997, do Deputado Osmânio Pereira (PSDB-MG), que
dispõe sobre crimes perpetrados por meio de redes de informação, tipificando a divulgação
pela Internet de material pornográfico, instruções para fabricação de bombas caseiras e textos
que incitam e facilitam o acesso a drogas ilegais. Todos esses projetos foram apensados ao
Projeto de Lei 1070, de 1995, do Deputado Ildemar Kussler (PSDB/RO), que dispõe sobre
crimes oriundos da divulgação de material pornográfico através de computadores.
(21) O art. 2o. do Substitutivo dá nova redação à Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente), acrescentado o art. 79-A, que nos parágrafos 1o. e 2o.
prevêem a obrigatoriedade aos operadores de sites de conteúdo destinado ao público adulto de
adotar sistemas de verificação de idade.
(22) Além disso, o Substitutivo impõe que os sites destinados ao público adulto contenham
aviso a respeito da classificação do seu conteúdo.
(23) Projeto de Lei 2231, de 1999, do Deputado Carlos Elias (PTB/ES), que dispõe sobre o
fornecimento de mecanismos de controle do acesso de crianças e adolescentes a redes de
computadores destinados ao uso do público; Projeto de Lei 4426, de 2001, da Deputada Ana
Corso (PT/RS), que dispõe sobre o fornecimento de mecanismos de controle do acesso de
crianças e adolescentes a redes de computadores destinadas ao uso do público; Projeto de
Lei 1264, de 2003, do Deputado Leonardo Monteiro (PT/MG), que dispõe sobre o
fornecimento de mecanismos de controle do acesso de crianças e adolescentes a redes de
computadores destinadas ao uso do público; Projeto de Lei 2842, de 2003, do Deputado
Takayama (PMDB/PR), que modifica a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, regulando o
acesso de crianças e adolescentes a provedores de informações na Internet.
(24) Diversos programas já disponíveis no mercado (Surfwatch, Cybernanny, Cyberpatrol e
outros) já oferecem essa funcionalidade.
O TRATAMENTO O TRATAMENTO JURÍDICO DO SOFTWARE NO BRASIL
JURÍDICO DO
SOFTWARE NO BRASIL
É UMA QUESTÃO
INQUIETANTE Aldemario Araujo Castro
Procurador da Fazenda Nacional
Professor da Universidade Católica de Brasília
Mestrando em Direito na Universidade Católica de Brasília
Vice-Presidente do IBDE - Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico
Brasília, 16 de agosto de 2004

O software ou programa de computador possui definição legal


no art. 1o da Lei no 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Diz o referido
dispositivo: "é a expressão de um conjunto organizado de instruções em
linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer
natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da
informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados
em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins
determinados". O conceito adotado pelo legislador parece satisfatório (1).
Não encontramos, no universo jurídico, críticas a sua formulação.

O direito brasileiro, em consonância com as principais


definições encontradas no plano internacional, consagra a proteção jurídica ao
software por meio da legislação de direitos autorais, conforme dispõe o art. 2o
da Lei no 9.609 e o art. 7o, parágrafo primeiro da Lei no 9.610, ambas de 19 de
fevereiro de 1998 (2) (3). Convém destacar que a proteção em questão
independe de registro (4) (5).

Se adotarmos, para fins de classificação, o critério da forma de


comercialização ou distribuição serão dois os tipos básicos de softwares (ou
programas de computador): o proprietário e o não-proprietário. O software
proprietário é aquele em que o código-fonte (source code) não é distribuído e
permanece como algo de exclusivo conhecimento de seu criador. Já no
software não-proprietário, por definição, o código-fonte permanece acessível
para todo aquele que se interesse por ele.

Em regra, o programador escreve, em linguagem de


programação de alto nível, inteligível por humanos, instruções ou declarações.
Este conjunto articulado de instruções ou declarações, voltado para um fim
específico, é chamado de código-fonte. O arquivo que contém o código-fonte
não é "entendido" pelo computador. Assim, ele precisa ser compilado (6)
para ser transformado num arquivo com "código do objeto" em linguagem de
máquina. Este tipo de código possui instruções compreensíveis para o
processador do computador, estando pronto para ser executado (7).

Atualmente, o modelo do software proprietário é dominante.


Sistemas operacionais para microcomputadores como o Windows da
Microsoft (8) e o pacote de aplicativos Office, também da Microsoft, são
desenvolvidos e comercializados como softwares proprietários.

Por outro lado, existe um movimento crescente em torno do


desenvolvimento e da disseminação de softwares não-proprietários. A Free
Software Fundation (FSF), sob a liderança de Richard Stallman, persegue,
como um de seus principais objetivos, a criação e o aperfeiçoamento contínuo
de um sistema operacional inteiro, elaborado e compartilhado livremente (o
GNU-Linux). A FSF também foi responsável pela fixação das premissas
básicas (liberdades) do modelo mais aceito de software não-proprietário: o
software livre (9). São elas: (a) executar o programa para qualquer propósito;
(b) estudar o funcionamento do programa e modificá-lo para atender as
necessidades de cada usuário; (c) redistribuir cópias como forma de ajudar
cada usuário na realização de suas atividades (10) e (d) liberar as
modificações realizadas para beneficiar a comunidade dos usuários. Este
modelo apresenta os seguintes benefícios: (a) independência de um
fornecedor único; (b) custos extremamente baixos, notadamente quando
comparado com a adoção de softwares proprietários; (c) segurança (em
relação aos procedimentos realizados pelo computador a partir do software);
(d) possibilidade de adequar o programa às necessidades do usuário e (e)
suporte abundante e com custos reduzidos.

Sob a ótica jurídica, o software proprietário é comercializado


através de contrato de licença de uso. Neste sentido, diz o art. 9o da Lei no
9.609, de 1998: "O uso de programa de computador no País será objeto de
contrato de licença. Parágrafo único. Na hipótese de eventual inexistência do
contrato referido no caput deste artigo, o documento fiscal relativo à aquisição
ou licenciamento de cópia servirá para comprovação da regularidade do seu
uso". Portanto, o usuário de um software proprietário não compra o programa,
não é dono ou proprietário dele. O usuário em questão tão-somente firma um
contrato de utilização daquele programa sob certas condições, previstas na
licença a que aderiu.

O tratamento jurídico do software não-proprietário, no entanto,


não é tão direto quanto o do software proprietário, objeto de comercialização
em massa. É fácil perceber que a legislação foi elaborada de "olhos postos" no
modelo do software proprietário. O ponto de partida das considerações
jurídicas neste particular é justamente o fato de que os programas de
computador (proprietários ou não-proprietários) são protegidos pela legislação
de direitos autorais. Segundo a legislação em vigor, os direitos autorais
possuem uma dimensão patrimonial (11). Assim, inequivocamente o
programa de computador possui um proprietário (12). Nos termos da lei civil,
o proprietário pode, em relação ao bem de sua propriedade, usar, gozar ou
dispor dele (13). A referida disposição (o direito de dispor) pode ser parcial
ou total, condicionada ou incondicionada. Eis aqui o cerne da questão: o
proprietário do programa pode conformar, nos termos que entender
convenientes, a forma de utilização, distribuição ou comercialização do
mesmo. Portanto, o proprietário do programa pode doá-lo ou vendê-lo,
distribui-lo de forma remunerada ou gratuita, liberar ou restringir o acesso ao
código-fonte. Pode mais. Pode preestabelecer condições para uso por terceiros
(14).

Nesta linha de raciocínio, são lícitas licenças extremamente


restritivas, como aquelas utilizadas pelo software proprietário. Também são
perfeitamente lícitas as licenças menos restritivas, como aquelas utilizadas
pelo software não-proprietário, notadamente o software livre. As licenças em
questão funcionam como condicionamentos de uso formulados pelo autor
(proprietário) do programa (proprietário ou não-proprietário) e aceitos pelo
usuário (15). Importa sublinhar que as licenças de software livre, principal
tipo de software não-proprietário, também são restritivas (restrições "do bem",
construtivas, solidárias ou libertárias) (16). Perceba-se, por exemplo, que um
programador não pode incorporar código-fonte de software livre num
programa proprietário (qualquer utilização ou aperfeiçoamento do software
livre necessariamente também precisa ser livre) (17).

O software desempenha um papel singular na atual Sociedade


do Conhecimento. Entre as manifestações da informação como bem
econômico, político e jurídico mais relevante do mundo moderno
seguramente o programa de computador é a mais estratégica (18). Afinal, o
processamento automático das informações relacionadas com as mais diversas
e cruciais atividades humanas, realizado nos sistemas de informática, depende
necessariamente de softwares cada mais complexos. Não é sem razão que
inúmeros atores sociais, entre eles cientistas, juristas, políticos, sociológicos e
jornalistas, apontam a batalha em torno do modelo de distribuição e de
comercialização do software como a mais aguda dos tempos atuais (19). Esta
batalha, em outras palavras, significa uma disputa em torno da forma de
controle ou apropriação daquilo que é o mecanismo mais significativo de
geração e de acumulação de riquezas na sociedade contemporânea: a
informação na forma de software.

Uma importantíssima consideração teórica em torno do papel-


chave do software nas relações mantidas na sociedade atual foi formulada por
Lawrence Lessing. Segundo o conhecido professor norte-americano, o
software condiciona e controla os comportamentos na medida em que
reconhece identidades e define maneiras de agir. Assim, ao elaborar o
programa de computador (o código), o programador, ou quem o remunera,
pode estabelecer e limitar tudo o que pode ser feito e como pode ser feito
(20).

NOTAS:

(1) São estes os sentidos da palavra "software" no Dicionário Aurélio: "1. Em


um sistema computacional, o conjunto dos componentes que não fazem parte
do equipamento físico propriamente dito e que incluem as instruções e
programas (e os dados a eles associados) empregados durante a utilização do
sistema. 2. Qualquer programa ou conjunto de programas de computador. 3.
P. ext. Produto que oferece um conjunto de programas e dados para uso em
computador".

(2) "O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de


computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos
autorais e conexos vigente no País, observado o disposto nesta Lei". (art. 2o,
caput da Lei no 9.609, de 1998)

"Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas


as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis". (art. 7o, parágrafo
primeiro da Lei no 9.610, de 1998)

(3) "Até aqui, a patenteabilidade do software como invenção ou modelo de


utilidade foi apartada, e a solução que se erigiu como a de mais aceitação em
vários países foi a de empregar as normas oriundas do Direito Autoral. (...) No
direito comparado, a proteção do software tem sido alvo de discussão por
décadas. Quase na totalidade das legislações, que se passa a estudar, a
proteção do software se enquadra nos contornos de normas que dão guarida
aos direitos do autor." (PEREIRA, Elizabeth Dias Kanthack. Proteção
Jurídica do Software no Brasil. Curitiba: Juruá Editora, 2001, pp. 67 e 80). A
autora mencionada constata a proteção do software pela via dos direitos
autorais nos seguintes países, entre outros: Estados Unidos, França, Inglaterra,
Itália, Alemanha e Japão.

(4) "A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro". (art.
2o, parágrafo terceiro da Lei no 9.609, de 1998)

(5) A Resolução INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial no 58, de


14 de julho de 1998, estabelece em seu art. 1o, caput que "o registro de
programa de computador poderá ser solicitado ao INPI, para segurança dos
direitos autorais a ele relativos, imediatamente após sua data de criação".

(6) "Um compilador é um programa especial que processa um programa-fonte


para transformá-lo em um programa-objeto, de forma que a máquina
(processador) possa entendê-la. Em outras palavras, o compilador lê e critica
as declarações codificadas em uma linguagem de programação específica e, se
aceitas, as transforma em linguagem de máquina, ou ‘código’, usada pelo
processador (processor) do computador. Como exemplo, um programador
desenvolve declarações de linguagem em uma linguagem como Pascal ou C,
uma linha de cada vez utilizando um editor. O arquivo assim criado contém o
que são chamados de declarações-fonte. O programador então roda o
compilador de linguagem apropriado, especificando o nome do arquivo que
contém as declarações-fonte./As executar (rodar), o compilador
primeiramente faz o parsing, ou seja, decompõe e faz uma análise sintática de
todas as declarações de linguagem, uma após a outra, e, se não houver erro de
sintaxe, ele passa, em um ou mais estágios ou ‘passagens’ sucessivas, constrói
o código de saída, assegurando-se de que as referências entre as declarações
sejam corretamente mantidas no código final. Tradicionalmente, a saída da
compilação é chamada de código-objeto ou, às vezes, de módulo-objeto". O
código-objeto é código de máquina (machine code), ou seja, o código que o
processador consegue interpretar para processar ou ‘executar’ uma instrução
de cada vez." Dicionário de Tecnologia. São Paulo: Editora Futura, 2003, p.
171.

(7) "Quando você adquire ou recebe um sistema operacional ou software de


aplicação, ele geralmente está na forma de código compilado do objeto e o
código-fonte não é incluído". Dicionário de Tecnologia. São Paulo: Editora
Futura, 2003, p. 806.

(8) As principais versões do Windows são as seguintes: 3.1, 95, 98, 2000, NT,
Me e XP.

(9) Temos, ainda, com bastante destaque, no campo não-proprietário, o


software de código aberto (open source). "...não se confundem os conceitos de
software livre e software de código aberto (open source). Embora o software
livre implique necessariamente na abertura do seu código-fonte, tornando-se
efetiva a liberdade de modificá-lo, nem todo o programa de código aberto é
livre. Há exemplos concretos em que, embora o código-fonte esteja disponível
para exame, não se concede ao usuário a liberdade de uso, cópia, modificação
e distribuição". (COSTA, Marcos da; MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.
Primeiras Linhas sobre o Software Livre. Disponível em:
<http://www.internetlegal.com.br/artigos/marcacini2.zip>. Acesso em: 20
mar. 2004)

(10) Com ou sem o pagamento de determinado valor (taxa, preço, etc). Assim,
o software livre não é necessariamente gratuito. Convém destacar que o
negócio do software livre envolve normalmente bens e serviços correlatos a
ele, a exemplo da customização e do suporte técnico. A utilização do software
livre suscita uma série de problemas jurídicos específicos, a exemplo: (a) da
exclusão da garantia; (b) da exclusão da responsabilidade civil do criador; (c)
da ausência de proteção pelo Código de Defesa do Consumidor e (d) da
especificação em editais de licitações promovidas pelo Poder Público.

(11) O art. 2o, parágrafo primeiro da Lei no 9.609, de 1998, estabelece que
"não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos
direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar
a paternidade do programa de computador e o direito do autor de opor-se a
alterações não-autorizadas, quando estas impliquem deformação, mutilação
ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua
honra ou a sua reputação".

(12) O art. 4o, caput da Lei no 9.609, de 1998, estatui que "salvo estipulação
em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de
serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador,
desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo
estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em
que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista,
ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses
vínculos".

(13) "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o


direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou
detenha" (art. 1.228 do Código Civil).

(14) A própria Lei no 9.609, de 1998, prevê expressamente a possibilidade do


autor (proprietário) do programa de computador autorizar a utilização do
mesmo (art. 12, parágrafo primeiro). Neste sentido: "E, embora não o diga
essa lei, é da essência dos direitos patrimoniais a sua disponibilidade, o que
significa que o autor de um software pode renunciar a todos ou a parte dos
direitos que a lei lhe confere./Se é possível renunciar a todos os direitos
patrimoniais, deixando a obra em domínio público, é evidente que se pode
renunciar em parte a eles. Igualmente, pode-se cedê-los em parte, ou autorizar
amplos direitos de uso, mediante condições contratualmente estabelecidas.
Assim, de uma prévia análise panorâmica da GPL, temos que tal modelo de
licença representa uma disposição de direitos autorais, mas não de todos, sob
condições ali estabelecidas. Ora, quem pode o mais, pode o menos. Quem
pode dispor de todos os direitos, pode dispor em parte; quem pode exigir o
integral cumprimento de direitos voltados erga omnes pode por certo fixar
pré-condições para a cessão ou autorização constantes da GPL". (COSTA,
Marcos da; MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Primeiras Linhas sobre o
Software Livre. Disponível em:
<http://www.internetlegal.com.br/artigos/marcacini2.zip>. Acesso em: 20
mar. 2004)

(15) O art. 9o, parágrafo único da Lei no 9.609, de 1998, fixa que "na hipótese
de eventual inexistência do contrato referido no caput deste artigo (de
licença), o documento fiscal relativo à aquisição ou licenciamento de cópia
servirá para comprovação da regularidade do seu uso".

(16) "Para proteger seus direitos, necessitamos fazer restrições que proíbem
que alguém negue esses direitos a você ou que solicite que você renuncie a
eles. Essas restrições se traduzem em determinadas responsabilidades que
você deverá assumir, se for distribuir cópias do software ou modificá-lo./Por
exemplo, se você distribuir cópias de algum desses programas, tanto
gratuitamente como mediante uma taxa, você terá de conceder aos receptores
todos os direitos que você possui. Você terá de garantir que, também eles,
recebam ou possam obter o código-fonte. E você terá a obrigação de exibir a
eles esses termos, para que eles conheçam seus direitos". (Licença Pública
Geral do GNU (GPL) (General Public License). Disponível em:
<http://creativecommons.org/licenses/GPL/2.0/legalcode.pt>. Acesso em: 8
jun. 2004)

(17) "Pirataria com software livre é quando algum programador ou empresa


se apropria do código fonte do programa para incorporá-lo em algum outro
programa que não seja livre. (...) Pirataria de software é pois um conceito
relativo, derivado do modelo de negócio em torno dele". (REZENDE, Pedro
Antonio Dourado de. Programas de computador: a outra face da pirataria.
Disponível em: <http://conjur.uol.com.br/textos/15413>. Acesso em: 19 ago.
2003).
(18) "No âmbito dessa sociedade ("sociedade informacional"), como o próprio
nome indica, o eixo, a estrutura e a base dos poderes econômico, político e
cultural residem, essencialmente, na geração, no controle, no processamento,
na agregação de valor e na velocidade da disseminação da informação técnica
e especializada". (FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia
Globalizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 75).

(19) "Seja o que for que as corporações pensam quando ganham dinheiro - ou
economizam dinheiro - com o GNU/Linux, uma coisa é para mim certa: esta é
a batalha política mais importante que está sendo travada hoje nos campos
tecnológicos, econômicos, sociais, culturais. E pode mesmo significar uma
mudança de subjetividade que vai ter conseqüências decisivas até para o
conceito de civilização que vamos usar no futuro (breve)." (VIANA,
Hermano. Apresentação do Livro Software Livre e Inclusão Digital. São
Paulo: Conrad Livros, 2003, p. 9).

"Somos cada vez mais uma sociedade tecnodependente. O controle da


tecnologia torna-se vital e dita as possibilidades de desenvolvimento e de
inclusão social. As funções e processos principais da era informacional estão
sendo cada vez mais organizados em rede e através da Internet. A morfologia
da redes é uma fonte drástica de reorganização das relações de poder: ‘uma
vez que as redes são múltiplas, os códigos interoperacionais e as conexões
entre redes tornam-se as fontes fundamentais da formação, orientação e
desorientação das sociedades’ (Castells, 1999, p. 499). Aqui temos o vínculo
claro entre o combate à exclusão digital e o movimento do software livre".
(SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Inclusão Digital, Software Livre e
Globalização Contra-Hegemônica. Livro Software Livre e Inclusão Digital.
São Paulo: Conrad Livros, 2003, p. 44).

“O conceito dos 'sistemas abertos' é vital, um conceito que exercita a porção


empreendedora de nossa economia e desafia tanto os sistemas proprietários
quanto os vastos monopólios. E ele está ganhando. Num sistema aberto,
competimos com nossa própria imaginação, e não contra uma chave e uma
fechadura. O resultado é não apenas um maior número de companhias bem-
sucedidas, mas também uma gama maior de alternativas para o consumidor e
um setor comercial cada vez mais ágil, capaz de rápidas mudanças e de um
veloz crescimento. Um sistema aberto de verdade é de domínio público, está
totalmente disponível na condição de uma fundação sobre a qual todos podem
construir” (NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999, p. 51)

(20) "... imagine uma página na Internet. Se você clicar o botão de ‘sim’, será
levado para um caminho. Se clicar o botão ‘não’, será levado para outro. Se
clicar em ‘enviar dados’, os dados que você forneceu serão enviados para
determinado servidor. E só serão enviados se todos os campos estiverem
preenchidos, ou se não houver nenhum erro, e assim por diante. É um tipo de
controle pelo código, implícito, sutil, quase oculto. Os codificadores (e
programadores) escolheram que as coisas deverão ser deste ou daquele modo.
Cada e todo espaço virtual tem um código embutido. (...) Nos bastidores,
contudo, a tecnologia está mexendo a balança novamente. De uns anos para
cá, diversas companhias, incluindo a IBM e Xerox, vêm desenvolvendo
programas e dispositivos reais e virtuais - baseados no code - que permitirão a
um editor especificar termos e condições para a aquisição do trabalho digital e
para controlar como ele poderá ser utilizado." (KAMINSKI, Omar. A
regulamentação da Internet. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1768>. Acesso em: 3 jun.
2004).
A ANÁLISE DO O TELETRABALHO NO DIREITO BRASILEIRO E NO DIREITO
TELETRABALHO COMPARADO
GANHA IMPORTÂNCIA
NO ESTUDO DO DIREITO ∗
ELETRÔNICO Manuel Martín Pino Estrada

Introdução; 1. Origem e definição; 1.1 A origem do teletrabalho; 1.2. Conceito do


teletrabalho; 1.3. Organização; 1.4. Perfil do teletrabalhador; 2. Tipologia; 2.1.
Critério locativo; 2.1.1 Teletrabalho a domicílio; 2.1.2 Teletrabalho em telecentros;
2.1.3 Teletrabalho móvel ou itinerante; 2.2. Critério comunicativo; 2.2.1 Teletrabalho
desconectado; 2.2.2 Teletrabalho conectado; 3. Delimitação jurídica do teletrabalho;
3.1. Natureza jurídica do teletrabalho; 3.2. A subordinação; 3.3. A personalidade; 4.
Vantagens do teletrabalho; 4.1 Para o teletrabalhador; 4.2. Para a empresa; 4.3. Para
a sociedade e o governo; 5. Desvantagens do teletrabalho; 5.1. Para o teletrabalhador;
5.2 Para a empresa; 6. O teletrabalho na globalização. 6.1 O teletrabalho na
globalização e a legislação a ser aplicada. 6.2. O teletrabalho no Direito Comparado;
6.2.1. Em Portugal; 6.2.2. No Chile; 6.2.3. Na Itália. Conclusão.

Introdução

O processo de reestruturação global da economia dado pelo


desenvolvimento científico - tecnológico está levando-nos para as relações no
mundo virtual, dando uma virada nas formas de vida e de trabalho, impondo
um novo ritmo nas atividades humanas. Surge a necessidade de uma
redefinição do tempo e do espaço, tendo como resultado novos processos na
organização e no desenvolvimento do trabalho em si.

Com os meios de comunicação existentes, o empregado não precisa


mais trabalhar na sede principal da empresa, e sim no domicílio dele ou até no
carro, trem, etc, fazendo que as atividades econômicas cada vez mais se
distanciem do modelo de concentração de trabalhadores no mesmo lugar.

No caso da internet, este não é simplesmente um meio, como o


telefone ou sistema de correios eletrônicos, é também um lugar, uma
comunidade virtual onde as pessoas se conhecem, se encontram, se tornam
amigos, iniciam um relacionamento amoroso. No âmbito profissional, os
profissionais fazem contato com clientes onde estes estiverem, formando
equipes de trabalho com outros que se encontram em regiões distantes ou
países diferentes, fazendo e realizando projetos, trocando informações em
tempo real sem a necessidade de que se conheçam pessoalmente, tendo como
resultado um produto útil para a comunidade científica, feito por pessoas
"ausentes". Como vemos aqui, se desenvolvem todo tipo de relações que são
desenvolvidas numa comunidade física, claro está que existem características
únicas, como é o caso da distância física e o anonimato potencial.

Neste contexto, o teletrabalho, por mostrar em sua natureza intrínseca


a flexibilidade do tempo e do espaço, mediante o uso de tecnologias da
informação, possibilita um alcance extraterritorial, neste caso podemos
afirmar que esta forma de trabalho seria a mais conveniente para as exigências
da globalização.

Para o teletrabalho, não importa raça, sexo, deficiência física ou lugar


onde o trabalhador estiver, barreiras muito comuns para o mercado tradicional
de trabalho, podendo ser desenvolvido no campo ou na cidade, atuando deste
jeito, como um fator de inserção de trabalhadores fora dos grandes centros
urbanos, é só fazer a divulgação das tecnologias da informação a lugares que
ainda não foram atingidos por este tipo de infra-estrutura.

O teletrabalho é capaz de produzir tantos empregos altamente


especializados quanto aqueles que demandam menos especialização,
atingindo, portanto uma grande quantidade de trabalhadores, inclusive que
hoje se encontram excluídos do mercado de trabalho.

1. Origem e definição

1.1 A origem do teletrabalho

Para entender o teletrabalho entendo que deve explicar-se como o


trabalho em si modificou-se ao longo do tempo no referente à sua estrutura. A
primeira etapa foi a do trabalho artesanal, onde o trabalho e a vida coincidiam,
existiam muitas oficinas, separadas umas das outras, sem nenhuma interação,
numa oficina se faziam vasos, noutra objeto de metal, etc, elas funcionavam
praticamente como microempresas, o chefe da família era também o da
empresa, os trabalhadores eram os próprios membros da família junto com os
parentes, a criança crescia naquele ambiente, por esta razão a o trabalho e a
vida iam juntos, assim se trabalhava até a venda o produto, o mercado era
pequeno e se usava a troca, ou seja, no mesmo bairro se vivia, se trabalhava,
se rezava na igreja e assim por diante.

Como vemos, a comunidade fundava-se em necessidades bem


elementares, existia uma economia de tipo local, cultivavam-se valores
patriarcais e matriarcais, pouca pessoas tinham um bom nível de
escolarização, existindo um alto grau de analfabetismo. Após milhares de
anos, no século XIX, todo este mundo transforma-se em sociedade industrial,
provocando mudanças muito radicais.

Enquanto antes existiam muitas microempresas ou miniempresas de


natureza artesanal, estas foram absorvidas por gente de muito dinheiro,
surgindo as primeiras fábricas onde o trabalhador torna-se um estranho tanto
na vida como no espaço de trabalho, na maioria dos casos, a figura do
empresário não coincide com a do trabalhador ou a do chefe de família,
nascendo aqui a luta de classes.

Os produtos são mais numerosos e começam a expandir-se ao além


dos bairros tradicionais e até fora do próprio país. A cidade torna-se
“funcional”, o que faz que cada bairro tenha uma função, do mesmo jeito
acontecia na fábrica, onde cada setor realizava um trabalho específico.

Rapidamente a economia se internacionaliza, desaparecendo aquela


auto-suficiente da época feudal, representada pelo trabalho do artesão.

Com o advento da indústria o agricultor é retirado do campo,


pensando-se inclusive que a cultura rural iria sumir de vez.

Com o teletrabalho já se permite a volta do trabalho em casa como


acontecia no artesanato, com a diferença de que, em vez das unidades
produtivas (oficinas) estarem separadas estão unidas com a ajuda da
telemática, devido a que a matéria prima não são mais materiais e sim
imateriais: as informações11.

É difícil precisar com exatidão a origem do teletrabalho. Os primeiros


vestígios dos quais se conhece se encontram em 1857, quando J. Edgard
Thompson, proprietário da estrada de ferro Penn Railroad, nos Estados
Unidos, descobriu que poderia usar o sistema privado de telégrafo da empresa
dele para gerir equipes de trabalho que se encontrarem longe. A organização
seguia o fio do telégrafo e a empresa externamente móvel se transformou num
complexo de operações descentralizadas12. O conceito de trabalho a distância
apareceu pela primeira vez na obra de Norbert Wiener, em 1950, intitulada
The Human Use of Human Being – Cybernetics and Society, citando o
exemplo hipotético de um arquiteto que morava na Europa, supervisionando a
distância mediante o uso de um fac-simile, a construção de um imóvel nos
Estados Unidos13. A outra experiência está na Inglaterra no ano de 1962, onde
foi criado por Stephane Shirley um pequeno negócio chamado Freelance
Programmers, para ser gerido por ela em casa, escrevendo programas de
computador para empresas. Em 1964 a Freelance Programmers tinha se
tornado na F. Internacional, com mais de 4 pessoas trabalhando, e em 1988
era o F. I Group PLC com 1100 teletrabalhadores14.

O termo teletrabalho aparece nos Estados Unidos no início da década


dos setenta, no tempo da crise do petróleo, quando se pensou em reduzir os
deslocamentos das pessoas até o centro de trabalho, levando o trabalho para a
casa usando as novas tecnologias da telecomunicação. Desta forma, se
quebram duas equações tradicionais que estavam vigendo até então: a relação
entre o homem e o seu lugar de trabalho por uma parte, e o trabalho e horário
por outra15. Quando acabou a crise do petróleo, o desenvolvimento do
teletrabalho se detém, aumentando a curiosidade de estudiosos no tema muito
mais do que no empresários, teve que esperar até o início da década dos
noventa para que isto aconteça, graças ao rápido desenvolvimento da
tecnologia informática e das telecomunicações, além de mudanças das
atitudes das empresas, porém com certa resistência dos sindicatos, tema que
veremos no decorrer do presente trabalho16.
1.2 Conceito de teletrabalho

O teletrabalho ainda não constitui uma categoria legal, o que faz


necessária uma definição do que é para saber do que estamos falando.
Pesquisando um pouco encontraremos diversas acepções e termos diversos
como teledeslocamento (telecommuting), trabalho com rede (networking),
trabalho à distância (remote working), trabalho flexível (flexible working) e
trabalho em casa (homeworking). O termo mais usado na Europa é "telework"
e nos Estados Unidos é "telecommuting".

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) o


teletrabalho é qualquer trabalho realizado num lugar onde, longe dos
escritórios ou oficinas centrais, o trabalhador não mantém um contato pessoal
com seus colegas, mas pode comunicar-se com eles por meio das novas
tecnologias17.

A legislação italiana já tem uma definição sobre teletrabalho,


encontra-se na Lei nº 191, de 16 de junho de 1998 sobre a execução deste na
administração pública italiana, definindo-o como “a prestação de trabalho,
realizada por um trabalhador de uma das administrações públicas num lugar
considerado idôneo, localizado fora da empresa, onde a prestação seja
tecnicamente possível, e com o suporte de uma tecnologia da informação e da
comunicação que permita a união com a administração que depender”.

No Chile, a Lei nº 19.759 de 01/12/2001 introduziu modificações no


Código do Trabalho daquele país, definindo o conceito de teletrabaho como
“trabajo a distancia a través del uso de la tecnología de información y
comunicación”, a história desta modificação vem do projeto de lei enviado
pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional em 16 de novembro de 2000
(boletín 136-343) e à indicação enviada pelo Executivo ao Senado em 20 de
março de 2001, nela se pretendia regularizar o teletrabalho. O executivo
definiu o teletrabalho como “aquel que se desarrolla por trabajadores
contratados para prestar sus servicios fuera del lugar de funcionamiento de la
empresa, mediante la utilización de medios tecnológicos, como pueden ser los
informáticos o de telecomunicaciones".

Em Portugal, o atual Código do Trabalho possui na seção IV, artigo


233º a definição de teletrabalho “como prestação laboral realizada com
subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa do empregador e
através do recurso a tecnologias de informação e comunicação”.

Jack Nilles, o fundador do teletrabalho, o define como qualquer forma


de substituição de deslocamentos relacionados com a atividade econômica por
tecnologias da informação, ou a possibilidade de enviar o trabalho ao
trabalhador, no lugar de enviar o trabalhador ao trabalho. Isso faz que o
desenvolvimento da atividade profissional seja realizado sem a presença fisica
do trabalhador na empresa durante parte importante do dia, mas contatados
por um meio de comunicação qualquer18.

Existem muitas definições referentes ao teletrabalho, porém, em todas


elas estão presentes três elementos:

- a localização ou espaço físico localizado fora da empresa onde se realize a


atividade profissional;
- a utilização das novas tecnologias informáticas e da comunicação;
- mudança na organização e realização do trabalho.

Estes elementos são interdependentes um do outro e têm que se dar


simultaneamente para que se fale de teletrabalho.

Etimologicamente "teletrabalho" vem da união das palavras gregas e


latinas "telou" e "tripaliare", que querem dizer "longe" e "trabalhar"
respectivamente.

O teletrabalho e trabalho à distância não são realidades completamente


diferentes. O teletrabalho é sempre trabalho à distância, porém trabalho à
distância abrange outras relações que não são teletrabalho (trabalho a
domicílio, agentes comerciais, etc)

Teletrabalho é usar as técnicas informáticas e não só o computador


isoladamente, se tem que fazer que a informação seja feita e enviada em
tempo real, embora também seria teletrabalho quando o resultado se mande
por transporte convencional, correio ou afim, dadas as barreiras técnicas e
econômicas existentes19.

1.3 Organização

O teletrabalho é especificamente uma maneira de organização e


execução da atividade a ser realizada, porque podemos falar de
teletrabalhador ao taxista, ao bombeiro, etc, considerando que estes recebem
ordens pelo rádio, por esta razão, o aspecto central do teletrabalho é o uso
intensivo das tecnologias da informação. Teletrabalhar é o uso dos meios
tecnológicos para trabalhar de um jeito diferente.

Existem dois níveis do uso das tecnologias:

a) o nível baixo, onde se usam o telefone e os computadores isoladamente,


passando os resultados do trabalho pelo correio convencional ou durante as
visitas semanais na sede ou filiais da empresa.

b) o nível alto, onde se usam os meios mais diversos possíveis, como o


telefone, modem, fax, e-mail e computadores ou terminais conectados de vez
em quando ou permanentemente enviando-se as especificações e o resultados
do trabalho mediante uma rede de telecomunicações.

Tem que discernir o teletrabalho ocasional de um final de noite ou de


um fim de semana onde não se produz uma mudança na forma de organização
ou execução do trabalho. Trata-se de um uso impróprio da tecnologia para
poder defini-lo como teletrabalho e poder analisá-lo desde um ponto de vista
jurídico-trabalhista. Então para evitar problemas, poderia quantificar-se o
tempo que foi usada a tecnologia informática, mas para este caso a negociação
coletiva seria a que determinaria os limites quantitativos de acordo com cada
caso concreto, considerando que alguns autores dizem que só existirá o
teletrabalho quando se trabalhar desta forma por mais da metade da jornada
de trabalho, outros dizem o 20%, ou dois dias por semana, mas, na verdade o
que interessa não é a quantidade, e sim o que representa esse tempo de
trabalho realizado em relação à jornada semanal, mensal ou anual20.

1.4 Perfil do teletrabalhador

Segundo pesquisa realizada no Brasil, cinco são os requisitos


fundamentais para ser um teletrabalhador:

- capacidade de se auto-supervisionar;
- interação social. Os teletrabalhadores deverão ser capazes de ajustar-se ao
fator isolamento, compensando os intervalos sociais;
- capacidade de organização do tempo;
- capacidade de adaptação às novas tecnologias;
- motivação própria e concentração. Alguns empregados têm
dificuldade em serem produtivos quando ninguém os controla assiduamente21.

2. Tipologia

2.1 Critério localivo

2.1.1 Teletrabalho a domicílio

Aquele executado no mesmo domicílio, porém, fazendo uma


diferenciação daquele teletrabalho realizado totalmente em casa para um só
empresário, daquele realizado para vários empresários e onde só se
teletrabalha uma parte do tempo no lar.

No teletrabalho a domicílio é necessário ter um nível bom de


escolaridade e de conhecimento em informática, além de um grau de
profissionalismo, qualificação e treinamento maior que o exigido para a
realização de trabalhos no domicílio convencional.

Normalmente no teletrabalho a domicílio a transmissão de dados não é


feito em tempo real, dificultando o controle do trabalho que é feito, então, por
esta razão que o teletrabalhador a domicílio é avaliado pelo resultado final
que é transmitido. Por isso é que o pagamento por tarefa é mais freqüente, ou
seja, considerando-se só o produzido, e em alguns casos o empregador
determina uma mínima de produção a ser atingido num determinado período
de tempo, podendo ser quinzenal, mensal ou anual.

2.1.2 Teletrabalho em telecentros

Telecentros são lugares de trabalho compartilhados entre empresas,


normalmente por pequenas e com instalações adequadas para esta forma de
trabalho. Estes telecentros se localizam entre o domicílio dos empregados e a
sede principal da empresa.

2.1.3 Teletrabalho móvel ou itinerante

Onde o teletrabalhador tem mobilidade permanente, tendo um


equipamento para estes casos, o que faz que um lugar improvisado como um
táxi, trem, etc, se torne um lugar de trabalho.

2.2 Critério comunicativo

2.2.1 Teletrabalho desconectado

Quando o teletrabalhador não mantém contato direto com o


computador central da empresa. Neste caso, o teletrabalhador envia os
resultados por transporte convencional, correio ou afim depois de ter recebido
as instruções.

2.2.2 Teletrabalho conectado


Totalmente oposto ao desconectado, porém o teletrabalhador não deve
estar necessariamente conectado o tempo todo, existindo uma comunicação
entre o trabalhador e a empresa em tempo real22.

3. Delimitação jurídica do teletrabalho

3.1 Natureza jurídica do teletrabalho

Como parte do mundo do direito, quando surgem novas formas de


trabalho, é tarefa do estudioso do direito do trabalho determinar a natureza
jurídica desta, incluindo-as em alguma das categorias legais existentes, e em
caso de ser impossível, fazer uma reclamação ao legislativo para que
determine seus parâmetros.

Uma análise pode levar-nos ao artigo 2º da CLT: "Considera-se


empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da
atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de
serviços", artigo 3º "Considera-se empregado toda pessoa física que prestar
serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste
mediante salário e o artigo 6º:"não se distingue entre o trabalho realizado no
estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado,
desde que esteja caracterizada a relação de emprego".

Como vemos, as definições citadas supra nos mostram praticamente a


definição do empregado a domicílio, mas como já vimos anteriormente com
acepções e classificações bem claras, esta não abrange totalmente o
teletrabalho, porque o trabalho a domicílio não é propriamente teletrabalho,
nem vice-versa.

Somente a análise das condições concretas de execução da prestação


de serviços iria determinar a natureza jurídica do teletrabalho, porque
dependendo disso, poderia conter aspectos cíveis, comerciais ou trabalhistas,
e claro está que devemos determinar também se estão presentes os requisitos
que configuram a relação de emprego como trabalho prestado por pessoa
física; de forma não eventual; onerosidade; subordinação e personalidade.

No caso do teletrabalho devemos dar mais ênfase aos requisitos de


subordinação e personalidade, pelo fato de estes ficarem desconfigurados com
este novo tipo de trabalho.

3.2 A subordinação

A subordinação do empregado encontra-se como o mais importante


elemento para demonstrar o vínculo jurídico do emprego. Esta idéia é a base
para toda a normatização jurídico-trabalhista, sendo importante desde a
origem do contrato de emprego até a sua extinção.

Este requisito está mencionado no art. 4º da CLT : “Considera-se


como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do
empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial
expressamente consignada”.

Na subordinação, existe uma sujeição do empregado à vontade do


empregador, pelo fato de ter colocado à disposição deste a sua força de
trabalho por meio da contraprestação de salário. Desta situação decorre o
poder diretivo do empregador.

Então, considerando o citado supra, pensa-se muito que, com o


teletrabalhho a subordinação ficaria mitigada, considerando que o empregado
vai ficar longe da empresa, conseguindo mais autonomia e uma suposta
liberdade, mas na verdade não é tão assim, pois, com a utilização dos
instrumentos informáticos, muitos teletrabalhadores estariam sendo mais
dependentes dos empregadores que se estivessem no local da mesma empresa.
Isso deve-se a que o computador, além de ser um instrumento de trabalho do
trabalhador, também seria um instrumento de controle deste, fazendo uso de
seu poder diretivo, “dando voltas” pela rede, colocando o teletrabalhador
numa posição muito subordinada, especialmente se o teletrabalho é
conectado, mesmo com o desconectado poderia existir um controle, claro que
bem menor, mas tudo isso depende do programa a ser usado pelo empresário.
Existem programas que registram e guardam na memória a labor feita no
horário de trabalho, inclusive é possível saber quantas vezes o empregado
tocou no teclado, se entrou nas salas de bate-papo, quantas vezes usou o
telefones, etc.

Devemos considerar também o “ius variandi” do empregador, porque


este pode dar novas instruções e controlar sempre os resultados e o
teletrabalhador tem compromisso de satisfazê-las em determinados lugares,
períodos e condições pré-estabelecidas. Numa sentença do Tribunal Superior
de Justiça de Madri, de 30 de setembro de 1999, o Juiz dá uma semelhança
entre a presença física e a presença virtual.

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 5 de


outubro de 1988 menciona que não deve existir um abuso nem invasão da
intimidade esclarecendo o seguinte:

Art. 5º, Inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a


imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação”.

Inciso XII: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações


telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso,
por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal;”

No artigo 5º, Inciso V, está previsto o direito a indenização pelo dano


material ou material quando acontecer a violação da vida privada, intimidade,
hora e imagem das pessoas.

Art. 5º: “Inciso V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,


além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

Art. 7º: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem a melhoria de sua condição social:

Inciso XXVII: “Proteção em face de automação, na forma da lei.”.

Também é importante mencionar a aplicação no Direito do Trabalho


do princípio da primazia da realidade que com muita propriedade o define
Américo Plá Rodríguez, significa que, no caso de discordância entre no que
ocorre na prática e o que surge de documentos e acordo, se deve dar
preferência ao primeiro, isto é, ao que acontece no terreno dos fatos23.

3.3 A personalidade

A prestação de trabalho, com relação ao empregado é sempre feita por


pessoa física, é por isso que se atribui ao contrato de emprego a característica
“intuito personae”, portanto, se fala de uma forma de obrigação infungível,
personalíssima e intransmissível, não podendo ser realizada por outra pessoa.

Um problema que existe na personalidade é que, em muitos casos o


empregado é auxiliado por terceiras pessoas, mas existe aquele onde a
personalidade está ligada à profissionalidade, tendo em conta que, na medida
de sua especialização, ganham características peculiares no seu exercício
diário.

Um argumento favorável à personalidade no que tange à figura do


empregado, é o fato de que o vínculo empregatício desaparece com a morte
dele.

Considerando o mencionado anteriormente o requisito da


personalidade diz que a atividade deve ser exercida pessoalmente pelo
empregado e que o caráter da obrigação é pessoal, isso tem a ver com o citado
no art. 83 da CLT: “É devido o salário mínimo ao trabalhador em domicílio,
considerado este como o executado na habitação do empregado ou em oficina
de família, por conta de empregador que o remunere”.

O mencionado supra não dá cabimento a uma desconfiguração do


contrato de trabalho feito com um teletrabalhador, pelo fato de trabalhar longe
da empresa, em concordância com o art. 6º analisado anteriormente.

4. Vantagens do teletrabalho

4.1 Para o teletrabalhador

- Evita o deslocamento do trabalhador até a sede da empresa;


- aumento da produtividade, pois está comprovado que o teletrabalhador
precisa de menos tempo para produzir em casa o que produziria no
escritório;

- a quantidade de interrupções e interferências em casa é menor que no


ambiente de um escritório convencional;
- no caso de um trabalhador ser deficiente físico, o que dificultaria seu
deslocamento, o teletrabalho lhe abriria um leque de perspectivas
profissionais e de ofertas de emprego também.

4.2 Para a empresa

- Redução em despesas com imobiliário pela diminuição do espaço no


escritório;
- o teletrabalhador dificilmente estará “ausente”;
- oportunidade para a empresa operar as 24 horas globalmente;
- em caso de catástrofes que não bloqueiem as telecomunicações, as
atividades feitas pelos teletrabalhadores não sofrerão suspensão.

4.3 Para a sociedade e o governo

- Geração de empregos;
- diminuição nos congestionamentos nas grandes cidades;
- redução da poluição ambiental;
- maior quantidade de empregos nas zonas rurais.

5. Desvantagens do teletrabalho

5.1 Para o teletrabalhador

- isolamento social;
- oportunidades de carreira reduzidas;
- maior possibilidade de ser demitido, devido à falta de envolvimento
emocional com o nível hierárquico.
- doenças ligadas ao videoterminal (glaucoma, etc)24

5.2 Para a empresa

- Falta de lealdade dos teletrabalhadores com a empresa;


- falta de legislação;
- objeções feitas pelos sindicatos;
- forte dependência da tecnologia.

6. O teletrabalho na globalização

O teletrabalho na globalização se refere àquela situação onde um


teletrabalhador que tem seu domicílio e trabalha em um determinado país o
faz para uma empresa localizada noutro. Devido ás técnicas da informática e
da telecomunicação, o teletrabalho pode ser considerado por natureza,
transregional, transnacional e transcontinental, quebrando as barreiras
geográficas e até temporais.

Existem exemplos desta forma de prestação que se expande pelo


mundo, como é o caso da edição de livros para bibliotecas e livrarias
francesas que se fazem em países onde se fala Francês, como Marrocos,
Maurício ou Madagascar, para reduzir as despesas em até dois terços; as
reservas de hotel e avião para empresas inglesas e suíças se fazem no sudeste
asiático e o Pacífico. Em todos este países onde se processam grandes
quantidades de informação, e se controla a gestão dos cartões de crédito até a
contabilidade das empresas, de modo que, quando um usuário liga para um
número de prefixo local estará sendo atendido na própria língua dele, mas sem
saber, o está sendo desde o exterior.

Tendo em conta o mencionado supra, e vendo a realidade dos países


em desenvolvimento onde nós nos encontramos, este tipo de teletrabalho seria
a mais conveniente para as grandes empresas.

Existem muitas razões para a ida para este tipo de teletrabalho, um


deles é porque o empresário procura uma maior operatividade da empresa,
aproveitando-se dos fusos horários, fazendo que se acesse aos terminais da
empresa enquanto o pessoal interno estiver descansando, desta forma os
computadores centrais ficariam funcionando dia e noite, ou seja, as 24 horas
por dia, além de criar filiais em outros países sem necessidade de deslocar
trabalhadores.

O teletrabalho neste âmbito permite que as empresas ofereçam mais


emprego, tendo um número maior de empregados a serem incorporados e com
a possibilidade de que trabalhadores com dificuldade de acesso por motivos
geográficos e despesas no transporte, possam conseguir ofertas de trabalho,
provocando uma "exportação de emprego" a países em desenvolvimento,
freando a pressão migratória nos países desenvolvidos e colaborando com a
melhoria dos métodos tecnológicos, da produção e do trabalho, além de
melhorar a formação profissional dos trabalhadores.

No caso dos Estados Unidos, em 23 de janeiro do ano em curso, o


Congresso americano aprovou uma medida, proibindo que a execução de
atividades que o governo federal terceiriza com empresas privadas sejam
transferidas para fora do país. Esta nova regra está sujeita à aprovação do
presidente George Bush, esta tem o intuito de resguardar para os cidadãos
americano alguns empregos gerados pelo governo. O tema está inserido na
campanha para a Presidência da República, pois o senador Jonh Kerry, um
dos candidatos do Partido Democrata, colocou a possibilidade de mudanças
nos impostos para desestimular a exportação de empregos. Outra proposta
dele é exigir que os atendentes de centrais telefônicas de serviços
identifiquem de que país estão falando25.

6.1. O teletrabalho na globalização e a legislação a ser aplicada

Na União Européia existe a Convenção de Roma de 19 de junho de


1980, estabelecendo a liberdade das partes para indicar o direito a ser aplicado
na relação de emprego. Não havendo um acordo explícito no contrato, a lei
aplicável seria em primeiro lugar a "lex loci laboris", ou seja, a lei do país
onde o trabalhador estiver executando a prestação, e quando ele o executar em
vários países, como é o caso do teletrabalhador móvel, a lei seria o do
estabelecimento onde foi contratado.

No Mercosul, as partes terão a possibilidade de escolher o foro para


dirimir os conflitos no âmbito trabalhista, tendo em conta o princípio da
proteção do trabalhador e o art. 19, n. 8, da Constituição da OIT: "Em nenhum
caso poder-se-á considerar que a adoção de uma convenção ou de uma
recomendação pela Conferência ou a ratificação de uma convenção por
qualquer membro, menoscabará qualquer lei, sentença, costume ou acordo
que garanta aos trabalhadores condições mais favoráveis do que as que
figurem na convenção ou na recomendação", prevalecendo neste caso o
princípio da norma mais favorável para o trabalhador. É importante dizer
também que as partes podem acordar que a controvérsia seja dirimida por um
Tribunal Arbitral, sendo que neste caso este Tribunal deverá considerar os
princípios citados.

No Brasil existe o § 2º do art. 651 da CLT: “A competência da Junta


de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos
dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o
empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo o
contrário.
O § 3º do artigo supra diz o seguinte: “Em se tratando de empregador
que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é
assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do
contrato ou no da prestação dos respectivos serviços.

O enunciado 207, que trata dos conflitos de leis trabalhistas no


espaço, aplica o princípio da lex loci executionis: “A relação jurídica
trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviços e não
por aquelas do local da contratação”.

As regras quanto à competência em razão do lugar são disciplinadas


pelo artigo e enunciado citados supra e não pelos artigos 9º da LICC: “Para
qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se
constituírem”, nem pelo artigo 12 da mesma: “É competente a autoridade
judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de
ser cumprida a obrigação”. Isto é, pelo fato de que não existe omissão
referente a esse assunto da CLT, tendo em conta o artigo 769 da mesma: “Nos
casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito
processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as
normas deste Título”.

6.2 O teletrabalho no Direito Comparado

Existe pouquíssima legislação sobre teletrabalho no mundo, neste


artigo mostraremos a de Portugal, Chile e Itália e que são as seguintes:

6.2.1 Em Portugal (Código do trabalho de 1/12/2003)

Secção IV
Teletrabalho

Artigo 233º
Noção
Para efeitos deste Código, considera-se teletrabalho a prestação laboral
realizada com subordinação jurídica, habitualmente, fora da empresa do
empregador, e através do recurso a tecnologias de informação e de
comunicação.

Artigo 234º
Formalidades
1 - Do contrato para prestação subordinada de teletrabalho devem constar as
seguintes indicações:
a) Identificação dos contraentes;
b) Cargo ou funções a desempenhar, com menção expressa do regime de
teletrabalho;
c) Duração do trabalho em regime de teletrabalho;
d) Actividade antes exercida pelo teletrabalhador ou, não estando este
vinculado ao empregador, aquela que exercerá aquando da cessação do
trabalho em regime de teletrabalho, se for esse o caso;
e) Propriedade dos instrumentos de trabalho a utilizar pelo teletrabalhador,
bem como a entidade responsável pela respectiva instalação e manutenção e
pelo pagamento das inerentes despesas de consumo e de utilização;
f) Identificação do estabelecimento ou departamento da empresa ao qual deve
reportar o teletrabalhador;
g) Identificação do superior hierárquico ou de outro interlocutor da empresa
com o qual o teletrabalhador pode contactar no âmbito da respectiva prestação
laboral.
2 - Não se considera sujeito ao regime de teletrabalho o acordo não escrito ou
em que falte a menção referida na alínea b) do número anterior.

Artigo 235.º
Liberdade contratual
1 - O trabalhador pode passar a trabalhar em regime de teletrabalho por
acordo escrito celebrado com o empregador, cuja duração inicial não pode
exceder três anos.
2 - O acordo referido no número anterior pode cessar por decisão de qualquer
das partes durante os primeiros 30 dias da sua execução.
3 - Cessado o acordo, o trabalhador tem direito a retomar a prestação de
trabalho, nos termos previstos no contrato de trabalho ou em instrumento de
regulamentação colectiva de trabalho.
4 - O prazo referido no n.º 1 pode ser modificado por instrumento de
regulamentação colectiva de trabalho.

Artigo 236.º
Igualdade de tratamento
O teletrabalhador tem os mesmos direitos e está adstrito às mesmas
obrigações dos trabalhadores que não exerçam a sua actividade em regime de
teletrabalho tanto no que se refere à formação e promoção profissionais como
às condições de trabalho.

Artigo 237.º
Privacidade
1 - O empregador deve respeitar a privacidade do teletrabalhador e os tempos
de descanso e de repouso da família, bem como proporcionar-lhe boas
condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral.
2 - Sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, as
visitas ao local de trabalho só devem ter por objecto o controlo da actividade
laboral daquele, bem como dos respectivos equipamentos e apenas podem ser
efectuadas entre a 9 e as 19 horas, com a assistência do trabalhador ou de
pessoa por ele designada.

Artigo 238.º
Instrumentos de trabalho
1 - Na ausência de qualquer estipulação contratual, presume-se que os
instrumentos de trabalho utilizados pelo teletrabalhador no manuseamento de
tecnologias de informação e de comunicação constituem propriedade do
empregador, a quem compete a respectiva instalação e manutenção, bem
como o pagamento das inerentes despesas.
2 - O teletrabalhador deve observar as regras de utilização e funcionamento
dos equipamentos e instrumentos de trabalho que lhe forem disponibilizados.
3 - Salvo acordo em contrário, o teletrabalhador não pode dar aos
equipamentos e instrumentos de trabalho que lhe forem confiados pelo
empregador uso diverso do inerente ao cumprimento da sua prestação de
trabalho.

Artigo 239.º
Segurança, higiene e saúde no trabalho
1 - O teletrabalhador é abrangido pelo regime jurídico relativo à segurança,
higiene e saúde no trabalho, bem como pelo regime jurídico dos acidentes de
trabalho e doenças profissionais.
2 - O empregador é responsável pela definição e execução de uma política de
segurança, higiene e saúde que abranja os teletrabalhadores, aos quais devem
ser proporcionados, nomeadamente, exames médicos periódicos e
equipamentos de protecção visual.

Artigo 240.º
Período normal de trabalho
O teletrabalhador está sujeito aos limites máximos do período normal de
trabalho diário e semanal aplicáveis aos trabalhadores que não exercem a sua
actividade em regime de teletrabalho.

Artigo 241.º
Isenção de horário de trabalho
O teletrabalhador pode estar isento de horário de trabalho.

Artigo 242.º
Deveres secundários
1 - O empregador deve proporcionar ao teletrabalhador formação específica
para efeitos de utilização e manuseamento das tecnologias de informação e de
comunicação necessárias ao exercício da respectiva prestação laboral.
2 - O empregador deve proporcionar ao teletrabalhador contactos regulares
com a empresa e demais trabalhadores, a fim de evitar o seu isolamento.
3 - O teletrabalhador deve, em especial, guardar segredo sobre as informações
e as técnicas que lhe tenham sido confiadas pelo empregador.
Artigo 243.º
Participação e representação colectivas

1 - O teletrabalhador é considerado para o cálculo do limiar mínimo exigível


para efeitos de constituição das estruturas representativas dos trabalhadores
previstas neste Código, podendo candidatar-se a essas estruturas.
2 - O teletrabalhador pode participar nas reuniões promovidas no local de
trabalho pelas comissões de trabalhadores ou associações sindicais,
nomeadamente através do emprego das tecnologias de informação e de
comunicação que habitualmente utiliza na prestação da sua actividade laboral.
3 - As comissões de trabalhadores e as associações sindicais podem, com as
necessárias adaptações, exercer, através das tecnologias de informação e de
comunicação habitualmente utilizadas pelo teletrabalhador na prestação da
sua actividade laboral, o respectivo direito de afixação e divulgação de textos,
convocatórias, comunicações ou informações relativos à vida sindical e aos
interesses sócio-profissionais dos trabalhadores.

Artigo 6º

(Lei aplicável ao contrato de trabalho)

1. O contrato de trabalho rege-se pela lei escolhida pelas partes.

2. Na falta de escolha de lei aplicável, o contrato de trabalho é regulado pela


lei do Estado com o qual apresente uma conexão mais estreita.

3. Na determinação da conexão mais estreita, além de outras circunstâncias,


atende-se:

a) À lei do Estado em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta


habitualmente o seu trabalho, mesmo que esteja temporariamente a prestar a
sua actividade noutro Estado;

b) À lei do Estado em que esteja situado o estabelecimento onde o trabalhador


foi contratado, se este não presta habitualmente o seu trabalho no mesmo
Estado.

4. Os critérios enunciados no número anterior podem não ser atendidos


quando, do conjunto de circunstâncias aplicáveis à situação, resulte que o
contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com outro Estado,
caso em que se aplicará a respectiva lei.

5. Sendo aplicável a lei de determinado Estado por força dos critérios


enunciados nos números anteriores, pode ser dada prevalência às disposições
imperativas da lei de outro Estado com o qual a situação apresente uma
conexão estreita se, e na medida em que, de acordo com o direito deste último
Estado essas disposições forem aplicáveis, independentemente da lei
reguladora do contrato.

6. Para efeito do disposto no número anterior deve ter-se em conta a natureza


e o objecto das disposições imperativas, bem como as consequências
resultantes tanto da aplicação como da não aplicação de tais preceitos.

7. A escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato de trabalho não pode ter
como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe garantem as
disposições imperativas deste Código, caso fosse a lei portuguesa a aplicável
nos termos do n.º 2.

Artigo 7º

(Destacamento em território português)

1. O destacamento pressupõe que o trabalhador, contratado por um


empregador estabelecido noutro Estado e enquanto durar o contrato de
trabalho, preste a sua actividade em território português num estabelecimento
do empregador ou em execução de contrato celebrado entre o empregador e o
beneficiário da actividade, ainda que em regime de trabalho temporário.

2. As normas deste Código são aplicáveis, com as adaptações decorrentes do


artigo seguinte, ao destacamento de trabalhadores para prestar trabalho em
território português, efectuado por empresa estabelecida noutro Estado e que
ocorra nas situações contempladas em legislação especial.

Artigo 8º

(Condições de trabalho)

Sem prejuízo de regimes mais favoráveis constantes da lei aplicável à relação


laboral ou previstos no contrato de trabalho e ressalvadas as excepções
constantes de legislação especial, os trabalhadores destacados nos termos do
artigo anterior têm direito às condições de trabalho previstas neste Código e
na regulamentação colectiva de trabalho de eficácia geral vigente em território
nacional respeitantes a:

a) Segurança no emprego;

b) Duração máxima do tempo de trabalho;

c) Férias retribuídas;

d) Retribuição mínima e pagamento de trabalho suplementar;

e) Condições de cedência de trabalhadores por parte de empresas de trabalho


temporário;

f) Condições de cedência ocasional de trabalhadores;

g) Segurança, higiene e saúde no trabalho;

h) Protecção das mulheres grávidas, puérperas ou lactantes;

i) Protecção do trabalho de menores;

j) Igualdade de tratamento e não discriminação.

Artigo 9º
(Destacamento para outros Estados)

O trabalhador contratado por uma empresa estabelecida em Portugal, se


prestar a sua actividade no território de outro Estado, tanto num
estabelecimento do empregador como em execução de contrato celebrado
entre o empregador e o beneficiário da actividade, ainda que em regime de
trabalho temporário, enquanto durar o contrato de trabalho e semprejuízo de
regimes mais favoráveis constantes da lei aplicável à relação laboral ou
previstoscontratualmente, tem direito às condições de trabalho constantes do
artigo anterior.

6.2.2 No Chile

Código do Trabalho – Lei nº 19.759, modificando os artigo 8º e 22 do


código já existente.

Artículo 8.º.- Toda prestación de servicios en los términos señalados en el


artículo anterior, hace presumir la existencia de un contrato de trabajo.

Los servicios prestados por personas que realizan oficios o ejecutan trabajos
directamente al público, o aquellos que se efectúan discontinua o
esporádicamente a domicilio, no dan origen al contrato de trabajo.

Artículo 22.- La duración de la jornada ordinaria de trabajo no excederá de


cuarenta y cinco horas semanales.

Quedarán excluidos de la limitación de jornada de trabajo los trabajadores que


presten servicios a distintos empleadores; los gerentes, administradores,
apoderados con facultades de administración y todos aquellos que trabajen sin
fiscalización superior inmediata; los contratados de acuerdo con este Código
para prestar servicios en su propio hogar o en un lugar libremente elegido por
ellos; los agentes comisionistas y de seguros, vendedores viajantes,
cobradores y demás similares que no ejerzan sus funciones en el local del
establecimiento.
6.2.3 Na Itália

A lei nº 191, de 16 de junho de 1998 sobre a execução deste na administração


pública italiana, definindo-o como “a prestação de trabalho, realizada por um
trabalhador de uma das administrações públicas num lugar considerado
idôneo, localizado fora da empresa, onde a prestação seja tecnicamente
possível, e com o suporte de uma tecnologia da informação e da comunicação
que permita a união com a administração que depender”.

CONCLUSÃO

O tema do teletrabalho no âmbito jurídico é novo no Brasil, mas na


vida prática não, como já vimos, tanto na parte histórica quanto na sua própria
definição, especialmente com a chegada da internet no início da década de
1990, quando começou a perceber-se o impacto que teria em muitas áreas da
vida econômica e também na área trabalhista, tendo influenciado muito na
relação de emprego e nas relações e ambiente de trabalho, começando a surgir
novas formas de trabalhar, de subordinação e até de assédio no meio onde se
trabalha, aqui entraria o poder diretivo do empregador, mas, como ele deveria
agir para não sofrer uma ação penal por danos morais, tendo em conta os
artigos constitucionais já mostrados?, para isso ele deve adotar medidas que
não afetem a intimidade e dignidade dos seus subordinados, pois estas são
protegidas pela Constituição Federativa do Brasil.

Os empregadores atualmente devem começar a mudar um pouco de


mentalidade, pois a tecnologia está vindo com muita força, fazendo que os
trabalhadores fiquem cada vez mais longe da empresa, e esta cada vez
precisando de menos espaço, pois eles não ficam, com o teletrabalho o dia
todo nela, além de que eles realizam as suas atividades sem serem vistos
fisicamente, então, como fiscalizá-los?, alguns poderiam conseguir softwares
específicos para esta fiscalização, mas mesmo assim eles não estão “ao seu
alcance”.
O Brasil, então, deve preparar-se juridicamente para esta “nova
modalidade de trabalho”, como exemplo já temos o Chile, o Código de
Trabalho de Portugal, que coloca regras específicas sobre teletrabalho, a
Itália, que foi a primeira em defini-lo juridicamente, A Argentina possui
comissões de estudo no âmbito do Governo, a Venezuela, onde inclusive
existem estudos e até uma dissertação sobre o tema, o Peru já define em seu
Código Civil o que é e-mail, ferramenta importante do teletrabalhador e a sua
definição de empregado em domicílio é praticamente a definição de
teletrabalho neste âmbito.

BIBLIOGRAFIA

1. Gbezo, Bernard E. Otro modo de trabajar: la revolución del teletrabajo. In


Trabajo, revista da OIT, nº 14, dezembro de 1995.

2. Jardim, Carla Carrara da Silva. O teletrabalho e suas atuais modalidades.


Dissertação de mestrado apresentada ao departamento de Direito do Trabalho
da Universidade de São Paulo em 2003.

3. Jucewitz, Márcio Azambuja. Análise do comprometimento organizacional


dos teletrabalhadores da Teleclear Monitoramento Ecológico Ltda.
Monografia apresentada ao Programa de Pós- Graduação da Escola de
Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito
parcial para a obtenção do título de especialista em Gestão Empresarial.

4. Kugelmass, Joel. Teletrabalho: novas oportunidades para o trabalho


flexível., São Paulo – Brasil, Editora Atlas, 1996, p. 17.

5. Lemesle, Raymond-Marin; Marot, Jean-Claude. Le télétravail. Paris: PUF,


1994. (Coleção Que sais-je?)
6. Masi, Domenico de. O ócio criativo. Rio de Janeiro – Brasil, 2ª edição,
Editora Sextante, 2000.

7. Nilles, Jack M. Fazendo do teletrabalho uma realidade. São Paulo – SP.


Editora Futura, , 1997.

8. Nilles, Jack. The telecommunications-transportation trade-off. Options for


tomorrow and today, Jala International, California, 1973.

9. Pinel, Maria de Fátima de Lima. O teletrabalho na era digital. Dissertação


de mestrado defendida na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. 1998

10. Silva, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do direito do trabalho,


São Paulo – Brasil, Editora Ltr, 1999.

11. Thibault Aranda, Javier. El teletrabajo, análisis jurídico-laboral. Madri –


Espanha, Consejo Económico y Social, 2001.

12. Revista Exame, edição 810, ano 38, nº 2, 4 de fevereiro de 2004, p. 16.
RESPONSABILIDADE E A RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DE SITE QUE
FÓRUNS DE UTILIZA “FÓRUNS DE DISCUSSÃO” – decisão da corte argentina
DISCUSSÃO

ANÁLISE DE UM CASO Demócrito Reinaldo Filho


CONCRETO Juiz de Direito

Uma corte argentina emitiu recentemente importante decisão sobre a


responsabilidade do provedor de conteúdo na Internet (1). Os juízes da “Sala
Primera de la Cámara Civil y Comercial” da província de Jujuy, no dia 30 de
junho deste ano, condenaram o proprietário e a empresa responsável pela
manutenção do site JUJUY.COM a indenizar um casal que se sentiu ofendido
por mensagens postadas no sistema do “livro de visitas” do referido site. A
importância da decisão reside no fato do seu ineditismo em cortes latino-
americanas, que pode influenciar a formação da jurisprudência nos países da
região que adotam o sistema de tradição civilista (Civil Law), de origem
romano-germânica. Nos Estados Unidos, o primeiro precedente sobre
responsabilidade de proprietários de site por mensagens inseridas em “fóruns
de discussão” (o caso Cubby v. Compuserve) é de 1991, produzido por uma
corte distrital de Nova Iorque. De lá pra cá, se tem registro de muitas decisões
em tribunais daquele país sobre o mesmo tema, mas são escassas as notícias a
respeito de decisões semelhantes em países da América Latina. A decisão da
corte Argentina, por essa razão, ganha em importância e, como se disse, pode
ser um referencial a determinar o padrão de responsabilidade dos operadores
de websites.
No caso julgado pelos juízes da província argentina, os autores
reclamaram indenização por dano moral em decorrência de uma mensagem
difamatória, inserida por um usuário anônimo do site, que colocou
informações atribuindo à mulher do casal uma conduta adúltera, criando para
eles uma situação de constrangimento. Os juízes compararam a posição do
mantenedor do site com a do difusor da mídia tradicional. Não sendo o editor
da matéria, ou seja, a pessoa que fez a fixação da mensagem para
conhecimento ao público, o mantenedor do site pode ser responsável na
condição de simples difusor da informação. O Juiz que proferiu o voto
condutor, seguido pelos dois outros integrantes do órgão, explicou que em
regra a responsabilidade do difusor de conteúdos ilícitos depende da prova de
sua conduta, quer participando ativamente da conduta de outra pessoa
(colaborando na formação do conteúdo) ou se omitindo de fazer o que tinha
obrigação de fazer (o que ocorre quando, conhecendo o caráter ilícito do
conteúdo e podendo evitar a difusão, não o faz). Entretanto uma circunstância
pesou na decisão dos juízes: a circunstância de que a área destinada ao fórum
eletrônico de discussão continha um destaque, onde os visitantes eram
advertidos de que suas mensagens poderiam ser retiradas, no caso do
conteúdo “ser inconveniente para outras pessoas que visitem esta seção”(2). O
operador do site, por meio do anúncio dessa política de publicações, teria
assumido para si o controle editorial sobre as informações colocadas por
terceiros (os internautas usuários) no sistema de fórum eletrônico de
discussão. Assumindo uma obrigação de controle, é responsável pelo
conteúdo publicado (ainda que produzido por outrem). Para os juízes, na
medida em que o operador não evitou a divulgação da mensagem difamatória,
incorreu em omissão culposa.
Até aí tudo bem. A decisão seguia a linha de evolução da
jurisprudência em outros países, mais voltada à definição da responsabilidade
por publicação em sistemas eletrônicos fundada na culpa. Os juízes argentinos
foram além. Contraditoriamente, na segunda parte da decisão construíram um
padrão de responsabilidade objetiva para os operadores de site que oferecem
serviço de fórum de discussão. Partiram da concepção que o manejo de um
sistema informático deve ser entendido como atividade perigosa, de potencial
risco para outras pessoas, a exemplo de quem explora o fornecimento de
energia elétrica como atividade empresarial. A atividade de processamento de
informações de forma automatizada, para eles, reúne características similares
aos da produção de energia elétrica (3), “em razão da potencialização do
perigo ínsito em seu emprego”. Invocaram o artigo 1.113 (segunda parte) do
Código Civil Argentino (4) para justificar a responsabilidade objetiva do
operador do site, dispositivo semelhante ao parágrafo único do art. 927 do
nosso Código Civil (5). Ambos estabelecem uma obrigação
independentemente de culpa para os casos em que a atividade causadora do
dano implicar riscos para outrem (6).
Acreditamos que, nessa última parte, ao tentar estabelecer a
responsabilidade objetiva como padrão para os operadores de website
(provedores de conteúdo em páginas web), os juízes argentinos podem ter se
excedido. Pessoalmente, temos dúvida quanto à opção pelo fundamento do
risco em substituição ao da culpa, como critério de responsabilização. A
tentativa de equiparar a informática com a energia elétrica – a primeira seria
uma nova forma de energia - tem adquirido força entre os juristas latinos,
como se sabe. Mas a operação informatizada de processamento de dados não
pode ser considerada, por si só, como uma atividade potencialmente
periculosa, de risco especial, que envolve uma elevada carga de perigo.
Tradicionalmente, a responsabilidade objetiva só tem sido associada a
atividades com esse teor de potencialidade danosa, que criam situações de
grande probabilidade de dano à vida ou à saúde de terceiros (como a produção
de energia elétrica, de explosivos, de material radioativo, o transporte de
combustíveis, entre outras), atividades essas que não podem ser comparadas à
atividade de um controlador de website. Ademais, se se procura traçar uma
analogia com os ambientes de publicação da mídia tradicional, não se pode
apoiar no elemento objetivo como critério único para responsabilização. Em
relação aos meios de mídia clássicos e jornalistas, a responsabilidade não
repousa sobre um conceito de risco ligado à atividade, pois se trata mais
precisamente de uma responsabilidade ligada ao elemento subjetivo, da
identificação de negligência na conduta e trabalho do profissional dos meios
de comunicação.
O operador de um website, como se tem convencionado, atua em
equivalência ao editor da mídia tradicional, uma vez que tem o poder de
decisão sobre o que publicar. É desse seu poder (controle editorial) que resulta
sua responsabilidade pelo conteúdo publicado. Mas, em razão de
peculiaridades técnicas só existentes no meio das redes informáticas, ele pode
construir certas áreas no site onde seu controle editorial praticamente
desaparece, sendo as informações postadas por outras pessoas (visitantes do
site). É o caso justamente dos chamados “fóruns eletrônicos de discussão” (ou
“livros de visitas”), onde os usuários, de moto-próprio, colocam mensagens
de texto que aparecem instantaneamente em área determinada. Sobre o
conteúdo que é assim divulgado, o operador do site em regra não tem um
controle editorial prévio, mas somente a posteriori, quando toma
conhecimento do que foi efetivamente publicado. Por isso, somente pode ser
responsabilizado quando, por qualquer meio, tem conhecimento real do
caráter ilícito ou algum motivo para desvendar a natureza da informação. É a
partir deste momento, em que é informado do caráter danoso da informação
hospedada em seu sistema, que tem a obrigação de tomar todas as medidas
necessárias para prevenir danos ou retirá-la, sob pena de ser considerado um
negligent controller. A sua responsabilidade tem, portanto, fundamento na
culpa, com relevo para o aspecto subjetivo (da atuação do controlador do
site).
Existem, é claro, situações excludentes dessa premissa de inexistência
de responsabilidade do controlador do site por mensagens danosas colocadas
em serviços eletrônicos de mensagens. A primeira consistiria em anunciar que
adota um código de conduta editorial de controle de conteúdos e que mobiliza
esforços para respeitá-lo – situação idêntica à ocorrente no caso julgado pelos
juízes argentinos. Nessa hipótese, ele se torna responsável pelos conteúdos
que circulam em seu site. Ao se atribuir o mesmo controle de um editor, deve
suportar o mesmo standard de responsabilidade. Também é razoável admitir a
responsabilização do controlador quando não se tem possibilidade de
identificar o causador direto do ato danoso – situação da mesma maneira
verificada no caso julgado. Lembramos que o operador do sistema
informático não é um completo alheio e eqüidistante à transmissão
(publicação) da mensagem. Ao contrário: é com o concurso de seu sistema
informático que a comunicação eletrônica é tornada possível. Se não pratica
ou executa o ilícito, nem por isso deixa de fornecer os meios materiais e
físicos (tecnológicos) para a transmissão da mensagem. Embora não seja o
responsável pela publicação da informação danosa, é no seu sistema que esta
é armazenada, o que, de certo modo e em certa extensão, pode relacioná-lo
com ou vinculá-lo ao autor direto do ato. Assim, se não se puder identificar o
autor direto do ato, é razoável a defesa da responsabilidade do operador do
site. O mesmo ocorreria no caso em que o autor do dano não estivesse
submetido à jurisdição da nacionalidade do operador (quando, por exemplo,
residir em outro país). Essa via de responsabilização possibilitaria uma forma
de reparar efetivamente as vítimas contra danos decorrentes de conteúdos
informacionais ilícitos; atenderia a um critério de Justiça e à própria essência
da responsabilidade civil, que busca restabelecer o equilíbrio violado pelo
dano. Sua evolução deve atender a uma necessidade moral, social e jurídica
de garantir a segurança da vítima violada pelo ato lesivo. Uma tal conclusão
não seria destituída de razoabilidade jurídica, pois o Direito não pode tolerar
que ofensas fiquem sem reparação. Essa seria, no entanto, sempre uma
responsabilidade secundária, significando a possibilidade de chamar o
operador à responsabilização como substituto responsável, diante de uma
situação fática que impede alcançá-lo. Não seria nunca uma responsabilidade
solidária, no sentido de o ofendido poder escolher contra quem demandar
(entre o controlador do site e o autor direto do dano).
A definição de um critério de responsabilidade objetiva como padrão
para o operador de website, fundada no risco de sua atividade (como fizeram
os juízes argentinos), significa que ele poderá sempre ser demandado de
forma solidária com o autor direto de um ato danoso decorrente de publicação
de conteúdo ilícito. Parece-nos que a construção de um parâmetro tão rígido
de responsabilização, além de contrariar a evolução da jurisprudência em
outros países, pode trazer um certo chilling effect sobre alguns esquemas
técnicos e áreas de publicação em sites na Internet. Não somente os “fóruns
de discussão” e “quadros de avisos eletrônicos”, mas também o
desenvolvimento de outros esquemas de publicação baseados na participação
colaborativa, a exemplo dos blogs (que tanto serviços têm prestado à
democracia e à divulgação do conhecimento) e listas de discussão, podem ser
afetados se a responsabilidade objetiva do operador (de todo e qualquer tipo)
de sistema informático se tornar o modelo para a responsabilidade extra-
contratual. Um operador de site que toma medidas razoáveis de cautela ao
construir um sistema desses, através do cadastramento dos participantes e a
restrição de acesso por meio de senhas (ou qualquer outro mecanismo de
segurança), procurando evitar possíveis abusos dos usuários, talvez não deva
ser considerado aprioristicamente responsável por tudo o que estes últimos
divulguem.
Essas são questões que, de qualquer sorte,
ainda demorarão muito para encontrar pacificação.
A evolução da jurisprudência nesses temas,
sobretudo nos países menos desenvolvidos, se dá
em passos lentos. Por enquanto, fiquem os
operadores de websites advertidos dos problemas
que podem se defrontar ao disponibilizar serviços
que permitem a publicação direta de informações
pelos visitantes, sem um controle prévio. A
construção de “fóruns ou quadros eletrônicos de
discussão”, pelo menos em relação a eles próprios
(os operadores de sites), é sem dúvida uma
atividade bastante perigosa.

Recife,
08.08.04.

Notas:
(1) Processo Nº B-85235/02, registrado como “Ordinario por danõs y
perjuicios”. Os autores identificados só pelas iniciais S.M. e L.E.M, e os réus
JUJUY DIGITAL, empresa mantenedora do site, e o representante dela, Sr.
Omar Lozano.
(2) O site continha uma legenda onde se lia: “pedimos moderación en las
expresiones vertidas ya que no es nuestra política censurar ningún mensaje,
pero si su contenido es inconveniente para otras personas que visiten esta
sección nos veremos obligados a borrarlos. Muchas Gracias”.
(3) Os juízes recorreram ao ensinamento do jurista Gabriel STIGLITZ, o qual
afirma, citando Frossini, que “la informática o información computarizada es
una nueva forma de energía…Que el tratamiento (computarizado) de la
información, comporta la utilización, para el almacenamiento, procedimiento,
y trasmisión de los datos, de señales electro-magnética, a través de pulsos
eléctricos, electro ópticos, registros magnéticos, etc.”
(4) Artículo 1113 do Código Civil de la Republica de Argentina:
“La obligación del que ha causado un daño se extiende a los daños que
causaren los que están bajo su dependencia, o por las cosas de que se sirve, o
que tiene a su cuidado. (Párrafo agregado por Ley 17.711)En los supuestos de
daños causados con las cosas, el dueño o guardián, para eximirse de
responsabilidad, deberá demostrar que de su parte no hubo culpa; pero si el
daño hubiere sido causado por el riesgo o vicio de la cosa, sólo se eximirá
total o parcialmente de responsabilidad acreditando la culpa de la víctima o de
un tercero por quien no debe responder. Si la cosa hubiese sido usada contra
la voluntad expresa o presunta del dueño o guardián, no será responsable”
(grifo nosso).
(5) Parágrafo único do art. 927 do CC: “Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem”.
(6) O artigo do Código Argentino se refere à responsabilidade objetiva do
proprietário da coisa que causa risco, estabelecendo que só não responderá
pelo dano por esta causado quando prove a culpa da vítima ou de terceiro. Os
doutrinadores argentinos, todavia, apontam esse dispositivo como o
fundamento da responsabilidade por atividade perigosa da empresa.
DESFORMALIZAÇÃO! TÍTULOS DE CRÉDITO ELETRÔNICOS
PALAVRA UTILIZADA
EM VÁRIOS RAMOS DO
DIREITO

Por Lister de Freitas Albernaz.

Professor Universitário das disciplinas Direito Civil, Direito do Consumidor,


Teoria Geral do Estado e Estágio de Prática Jurídica I (Penal).
Professor de extensão em Direito Eletrônico na Universidade Católica de
Goiás – UCG.
Professor Universitário de Informática Jurídica/Direito de Informática na
Faculdade Sul-Americana – FASAM.
Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal de Goiás.
Bacharel em Direito e Ciências da Computação pela Universidade Federal de
Goiás.
Assistente de Gabinete de Desembargador e Técnico Judiciário do Tribunal
de Justiça do Estado de Goiás.
Membro do IBDE – Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico.
Membro do IDEC – Instituto Brasileiro de Direito do Consumidor.

TÍTULOS DE CRÉDITO ELETRÔNICOS

RESUMO
O novo Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406/2002, dedica no seu Título
VIII, nos artigos 887 a 926, a disciplina “Dos Títulos de Crédito”. A
modernização das práticas comerciais, impulsionadas pela figura do crédito,
necessitou a criação de uma forma de validar o título de crédito eletrônico,
adotando-se o princípio da liberdade de criação e emissão de títulos atípicos
ou inominados, resultantes da criatividade da praxe empresarial e com base no
princípio da livre iniciativa, visando a atender às necessidades econômicas e
jurídicas do futuro aprimoradas pelas técnicas de informática, reconhecendo-o
no § 3º, do art. 889, permitindo a sua emissão a partir dos caracteres criados
em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do
emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Civil; Novo Código Civil; Direito de


Empresa; Títulos de Crédito; Direto Eletrônico
ABSTRACT

The new Brazilian Civil Code, Law no. 10.406/2002, dedicates in his Title
VIII, in the goods 887 to 926, the discipline "Of the Titles of Credit". The
modernization of the commercial practices, impelled by the illustration of the
credit, he needed the creation in a way to validate the title of electronic credit,
being adopted the beginning of the creation freedom and emission of titles
atypical or unnamed, resultants of the creativity of the business custom and
with base in the beginning of the free initiative, seeking to assist to the
economical and juridical needs of the future perfected by the computer
science techniques, recognizing it in § 3rd, of the art. 889, allowing his
emission starting from the characters created in computer or equivalent
technical middle and that consist of the issuer's bookkeeping, observed the
minimum requirements foreseen in this article.

WORD-KEY: Civil law; New Civil Code; Right of Company; Titles of


Credit; Electronic law..

TÍTULOS DE CRÉDITO ELETRÔNICOS

Por Lister de Freitas Albernaz.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO E IMPORTÂNCIA DO TEMA - 2. O


TEMA NO NOVO CÓDIGO CIVIL - 3. CONCEITO DOUTRINÁRIO
DOS TÍTULOS DE CRÉDITO - 4. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AOS
TÍTULOS DE CRÉDITO - 5. OS TÍTULOS DE CRÉDITOS
ELETRÔNICOS - 6. A INFORMÁTICA NO PROCESSO DE
INOVAÇÃO - 7. MODERNIZAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS
COMERCIAIS - 8. ASSINATURA ELETRÔNICA COMO REQUISITO
ESSENCIAL NOS TÍTULOS ELETRÔNICOS - 9. INSTITUTO DE
CHAVES PÚBLICAS (ICP-BRASIL) - 10. SISTEMA DE
PAGAMENTOS BRASILEIRO – SPB - 11. EXEMPLO DE UM
TÍTULOS DE CRÉDITO EMITIDO DE FORMA ELETRÔNICA
(DUPLICATA VIRTUAL) - 12. PROJETOS DE LEIS PARA
REGULAMENTAR O COMÉRCIO ELETRÔNICO E A ASSINATURA
DIGITAL - 13. CONCLUSÃO - 14. BIBLIOGRAFIA
1. INTRODUÇÃO E IMPORTÂNCIA DO TEMA
O novo Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406/2002, em vigência desde
11/01/2003, dedica no seu Título VIII, através dos artigos 887 a 926, a
disciplina “Dos Títulos de Crédito”. Tal Título está dividido em quatro
capítulos, a saber: Disposições gerais; Do título ao portador; Do título à
ordem; e, finalmente, Do título nominativo.
Na realidade, o novo Código Civil veio regular “papéis outros” diversos dos
títulos de crédito hoje existentes, e que continuarão a existir com a sua entrada
em vigor. Assim, alguns doutrinadores tratam como uma impropriedade do
novo Código ao intitular o seu Título VIII como “Dos Títulos de Crédito.”
Entretanto, não podemos olvidar que a criação dos títulos de crédito trouxe
novos contornos às práticas comerciais, na medida em que valorizou a figura
do crédito, dando-lhe posição de destaque no fomento das atividades
desenvolvidas pelos comerciantes e os modernos empresários.
A modernização das práticas comerciais, impulsionadas pela figura do
crédito, necessitou ainda de que a obrigação futura em troca de um valor ou
mercadoria atual fosse exteriorizada em um documento – o título de crédito –
com o escopo de incorporá-la e dar garantia ao credor.
A par da multiplicação das atividades comerciais, o título surgiu como um
mecanismo perfeito e eficaz da mobilização da riqueza e da circulação do
crédito, influenciando todos os negócios jurídicos, principalmente os de
natureza econômica.

2. O TEMA NO NOVO CÓDIGO CIVIL


O novo Código Civil define e regula a empresa. Assim, é acertada a extensão
dessa disposição a um dos principais elementos caracterizadores da prática
empresarial no Título VIII, denominado “Dos Títulos de Crédito”.
O novo Código adotou o conceito de Cesare Vivante. O art. 887 dispõe sua
definição:
“Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao
exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente
produz efeitos quando preencha os requisitos da lei.”
Extrai-se desse conceito que o título de crédito é um documento necessário ao
exercício dos direitos nele mencionados; é literal; é autônomo.

3. CONCEITO DOUTRINÁRIO DOS TÍTULOS DE


CRÉDITO
Para o doutrinador FRAN MARTINS, em sua obra “TÍTULOS DE
CRÉDITO”, para ser título de crédito é necessário que a declaração
obrigacional esteja exteriorizada em um documento escrito, corpóreo, em
geral uma coisa móvel (cartularidade). Tal documento é necessário ao
exercício dos direitos nele mencionados. E continua a expôr que a literalidade,
por sua vez, reside no fato de que só vale o que se encontra escrito no título.
Por último, relata que a autonomia do título de crédito determina que cada
pessoa que a ele se vincula assume obrigação autônoma relativa ao título. É
em razão da autonomia do título de crédito que o possuidor de boa-fé não tem
o seu direito restringido em decorrência de negócio subjacente entre os
primitivos possuidores e o devedor.

4. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AOS TÍTULOS DE


CRÉDITO
No direito brasileiro, leis especiais regulam os títulos de crédito, alguns
usados em larga escala, outros sem grande utilização nas práticas comerciais.
Podem ser mencionados: a letra de câmbio; a nota promissória; o cheque; a
duplicata; os títulos de crédito rural (nota promissória rural, duplicata rural,
cédula rural pignoratícia, cédula rural hipotecária, cédula rural pignoratícia e
hipotecária e nota de crédito rural); os títulos de crédito industrial (cédula de
crédito industrial e nota de crédito industrial); as debêntures; o warrant; o
conhecimento de transportes; as ações; os títulos da dívida pública; a letra
imobiliária; e a cédula hipotecária.
O novo Código Civil também definiu títulos de crédito, tendo como objetivo
restringir a sua aplicação aos títulos atípicos ou inominados, ou seja, títulos de
crédito criados pela prática, sem lei específica, mas que se subordinam a
alguns dos princípios reguladores dos títulos típicos ou nominados, conforme
ensinamentos de LUIS EMYGDIO ROSA JÚNIOR.
Assim, o Código adotou o princípio da liberdade de criação e emissão de
títulos atípicos ou inominados, resultantes da criatividade da praxe
empresarial, com base no princípio da livre iniciativa, pedra angular da ordem
econômica (Constituição de 1988, arts. 1º e 170), visando a atender às
necessidades econômicas e jurídicas do futuro, tendo em vista a origem
consuetudinária da atividade mercantil.
Resulta do exposto que continuam vigentes as normas das leis especiais que
regem os títulos de crédito nominados, como, por exemplo, letra de câmbio,
nota promissória, cheque e duplicata. Essas normas devem ser aplicadas
quando dispuserem diversamente das normas do novo Código Civil, por força
do seu art. 903. Salvo disposição diversa de lei especial, regem-se os títulos
de crédito pelo disposto no Código.
Entendemos, ainda, que as normas do CC, de 2002, aplicam-se também:
a) aos títulos de crédito cuja legislação de regência não determine a aplicação
subsidiária da legislação sobre letra de câmbio e nota promissória ou de
qualquer outra lei sobre determinado título;
b) aos títulos nominados, quando a lei de regência for silente sobre
determinada matéria, como, por exemplo, título escritural (art. 889, § 3º).

5. OS TÍTULOS DE CRÉDITOS ELETRÔNICOS


Temos que, a nova disciplina geral dos títulos de crédito é pontuada de
acertos. Dentre os acertos, destacamos aquele que dá título a este trabalho,
vale dizer, o reconhecimento dos TÍTULOS ELETRÔNICOS, norma contida
no parágrafo terceiro do art. 889, por permitir que o título possa ser emitido a
partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e
que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos
previstos neste artigo.
Trata-se de notável inovação que poderá ajudar a resolver os problemas
jurídicos relativos ao título virtual, decorrente da evolução tecnológica, que é
escriturado e reduz a importância do dogma da cartularidade. Assim, o título
virtual está reconhecido no art. 889, § 3º, se posicionando nas Disposições
Gerais sobre títulos de crédito, entendemos que não se pode mais negar
executividade aos títulos eletrônicos, especificamente à duplicata escritural
elaborada de forma eletrônica (duplicata virtual).
A Duplicata é um título de crédito constituído em virtude de uma negociação
mercantil ou prestação de serviços, regido por leis próprias, passível de
circulação, encarnando em si as características fundamentais dos títulos de
crédito, tais sejam, cartularidade, literalidade e autonomia.
A duplicata escritural eletrônica (ou virtual), com efeito, é um título formal,
obedecendo aos requisitos exigidos pelo do art. 2º, §1º, da Lei 5.474/68 (Lei
das Duplicatas).
A duplicata virtual é reconhecida como título de crédito, consubstanciando em
obrigação líquida e certa, desde que os caracteres criados em computador, ou
meio técnico equivalente, constem da escrituração do emitente e o título
observe os requisitos mínimos previstos no art. 889.
Deve-se também relembrar que a Lei nº 9.492/97, (Lei de Protestos) em seu
art. 8º, parágrafo único, admite a recepção de indicações a protestos de
duplicatas mercantis e de prestação de serviços, por meio magnético ou de
gravação eletrônica de dados, sendo de inteira responsabilidade do
apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos tabelionatos a mera
instrumentalização das mesmas.
Em verdade, nos dias de hoje pouco a pouco vai desaparecendo a duplicata
materializada em papel, em cártula, substituída pelo título eletrônico, cuja
executividade vem sendo, no entanto, contestada por parte da doutrina, mas
com legalidade na sua emissão por meios eletrônicos em nosso direito,
dependendo a sua eventual nulidade de aplicação em cada caso concreto, não
podendo se questionada a sua definição.
A norma do art. 889, §3º, do novo Código Civil, vem robustecer o
entendimento de parte da doutrina, à qual nos filiamos juntamente com
FÁBIO ULHÔA COELHO e LUIS EMYGDIO ROSA JÚNIOR, e da
jurisprudência, no sentido de que a duplicata virtual é título executivo, desde
que observados os requisitos essenciais e mínimos previstos no caput do art.
889, diferentemente do boleto bancário por faltar um dos requisitos
essenciais.
Como requisitos essenciais, destaca o Código Civil, no art. 889:
• data de emissão;
• indicação precisa dos direitos que confere;
• assinatura do emitente.

6. A INFORMÁTICA NO PROCESSO DE INOVAÇÃO


É de clara constatação o fato do comércio possuir uma natureza dinâmica, que
busca novas formas de se estabelecer e existir, absorvendo as inovações
surgidas com rapidez e pioneirismo.
A tecnologia da informação trouxe ao comércio mecanismos possibilitadores
de crescimento, aperfeiçoando as formas de pagamento e de obtenção de
crédito para alimentar a implementação do mercado de consumo de massa. A
convergência de métodos produtivos e empresariais ocorreu de maneira eficaz
no segmento bancário.
A informatização dos registros de crédito mercantil é um fato, e esta
convergência digital deu origem ao fenômeno de desmaterialização dos títulos
de crédito. Este movimento teve início na França, onde se procurou minimizar
a necessidade de entrega de documentos nos negócios bancários pela criação,
por exemplo, com a implantação em 1967, e aperfeiçoado em 1973, da lettre
de change-relevé, uma letra de câmbio que não circula materialmente: o
cliente já remete ao banco os seus créditos sob forma de fitas magnéticas,
acompanhadas de um borderô de cobrança, inexistindo a circulação do título.
Posteriormente na Alemanha, visando vantagens operacionais e redução de
custos. Já na década de 70, a França substituiu por completo o papel na
emissão e circulação de títulos representativos de crédito.
O princípio da cartularidade se encontra em declínio, visto que a prática
rotineira do comércio suprimiu sua exigência há tempos.
É claro exemplo da importância dos costumes para a formatação de
regramentos jurídicos, principalmente em matéria de comércio, com seu
caráter cosmopolita e flexível.
Entrentanto, em questão dos Títulos de Crédito, como documentos que são, se
distinguem a matéria, o meio e o conteúdo. Na maioria das vezes o papel é a
matéria utilizada para documentar, mas nada impede que seja uma tela, cera,
pedra, etc. LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES sustenta que:
“...a fita magnética, por exemplo, se constitui num material
plenamente apto a produzir um documento, tão válido e
eficaz quanto o é o papel”.

Hoje, qualquer comerciante possuidor de uma conta corrente bancária está


apto a promover o registro e cobrança de seus créditos de maneira digital.
Esse afastamento do suporte físico em documentos representativos de crédito
veio antes de regulamentação ordinária.
O próprio Código Civil de 2002, em seu art. 212, II, c/c art. 225, prevê a
juridicidade de documentos mecânicos e eletrônicos, ao referir-se a
reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas, aceitando-os
como meio para se fazer prova plena de fatos, se a parte, contra quem forem
exibidos, não lhes impugnar a exatidão. Tais disposições por certo servirão
para acolher e resolver parte dos conflitos instaurados com a multiplicação de
relações que se dão no mundo eletrônico.
E mais, a Lei nº 5.474/68 (Lei das Duplicatas) no art. 13, já emprestava
condição para tal desmaterialização (opinião, cabe a ressalva, não unânime)
sem obstar a execução do título, ao estabelecer o protesto por indicações do
credor. Como evidencia o professor FÁBIO ULHOA COELHO:
“Com a desmaterialização do título de crédito, tornaram-se
as indicações a forma mais comum de protesto. Hoje, a
duplicata, não é documentada em meio papel. O registro dos
elementos que a caracterizam é feito exclusivamente em
meio magnético e assim são enviados ao banco, para fins de
desconto, caução ou cobrança.” (duplicata escritural)

7. MODERNIZAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS


COMERCIAIS
A regulamentação verificada no novo diploma civil nada mais é do que a
constatação deste entendimento, com o alinhamento da norma aos padrões
comerciais praticados hodiernamente.
No art. 889, caput, e § 3º, do Código Civil, de 2002 :
“Art. 889. Deve o título de crédito conter a data de emissão,
a indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura
do emitente.
(...)
§ 3º O título poderá ser emitido a partir dos caracteres
criados em computador ou meio técnico equivalente e que
constem da escrituração do emitente, observados os
requisitos mínimos previstos neste artigo”.

Embora o disposto no art. 889, do novo Código Civil, se refira a títulos de


crédito, de maneira genérica, é na duplicata que presenciamos sua
aplicabilidade mais importante e efetiva, cabendo também à nota promissória.
Assim, a duplicata eletrônica (virtual), como qualquer outro título eletrônico,
recebe previsão legal. Nada muda no processamento da duplicata ou de nota
promissória nas transações cotidianas.
Neste diapasão, podemos auferir que milhares de títulos são gerados todos os
dias em sistemas computacionais em suas mais diferentes formas de
implementação, quer em departamentos contábeis de empresas, quer
instituições financeiras ou, ainda, nos estabelecimentos comerciais em geral, e
cobrados da mesma maneira.
De tal sorte, merece destaque o fato de que, o novo Código Civil (art. 889,
§3º, CC/2002), abrigou, de maneira inédita e contundente, o título de crédito
gerado digitalmente, assim, pacificando a matéria entre os doutrinadores,
cercando de ampla eficácia o conjunto probatório de tal título, com nascente e
ampla utilização de dados tão somente lógicos para a sua formalização.
Acerto inconteste, o dispositivo em tela aprimora as relações comerciais e
abre terreno para a modernização do conjunto normativo comercial, visto que
a disciplina dos títulos de crédito merece revisão.
O Código Comercial de 1850 não se adapta com o atual estado de coisas em
um mundo globalizado, com a criação a partir da Segunda Guerra Mundial do
mercado de consumo de massa, em conjunto com o amplo desenvolvimento,
desde 1990, das ferramentas disponibilizadas pelos vários sistemas
computacionais, com toda a volatilidade de um capital internacional, onde,
ocorrendo atrasos em algum ponto desta rede de informática, diga-se Internet,
afeta-se qualquer um dos mercados conectados a esta rede sem fronteiras.

8. ASSINATURA ELETRÔNICA COMO REQUISITO


ESSENCIAL NOS TÍTULOS ELETRÔNICOS
No que tange a um dos requisitos essenciais do título de crédito, a assinatura é
o requisito que necessita de comentários mais aprofundados. Assim, temos
que a Assinatura Eletrônica é fator indispensável para a eficácia dos
documentos e títulos no mundo eletrônico.
Lembremos que, as assinaturas possuem três funções intrínsecas ao contrato
firmado: (a) declarativa, pela qual se determina quem é o autor da assinatura;
(b) probatória, pela qual se determina a autenticidade do documento e a
vontade nele declarada; e (c) declaratória, pela qual se determina que o
conteúdo expresso no contrato representa a vontade de quem o assinou.
É certo que as assinaturas realizadas “de punho”, manuscritas em papéis,
fornecem condições para o atendimento das 3 (três) funções que elencamos
acima. Mas e quanto à assinatura eletrônica?
Para adquirir força probante, o título de crédito assinado eletronicamente deve
carrear as funções declarativa, declaratória e probatória.
Os títulos de crédito eletrônicos, serão operados através de senhas eletrônicas,
ou por assinaturas digitais (chave pública ou privada), favorecendo a
celeridade das práticas comerciais.
A definição de assinatura digital é dada pelo art. 2º, da Lei Modelo sobre
Assinatura Eletrônicas da Comissão das Nações Unidas para o Direito
Comercial Internacional – Uncitral, versão de 2001:
“Por assinatura eletrônica se entenderão os dados em forma
eletrônica consignados em ma mensagem de dados, ou
incluídos ou logicamente associados ao mesmo, que possam
ser utilizados para identificar que o signatário aprova a
informação reconhecida na mensagem de dados.”

Com o advento da Medida Provisória nº 2.200-2, de 2001, que institui a Infra-


Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, transforma o Instituto
Nacional de Tecnologia da Informação em autarquia, e dá outras
providências, há um consenso que fica garantida a possibilidade da assinatura
eletrônica em nosso direito, que deve ser extendida aos Títulos de Crédito,
pois se procedida a assinatura por meio de criptografia assimétrica, ou de
chave pública, pois o art. 1º, da MP, praticamente esgota a questão:
“Art. 1º Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas
Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a
integridade e a validade jurídica de documentos em forma
eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações
habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a
realização de transações eletrônicas seguras.” (grifo nosso)

Neste sentido, apoiando nas palavras de REGIS QUEIRÓZ, em “DIREITO E


INTERNET – ASPECTOS JURÍDICOS RELEVANTES”, concluo:
“...o uso e o controle da chave privada devem ser de
exclusividade do proprietário, permitindo a individualização
da autoria da assinatura (função declarativa); a autenticidade
da chave privada deve ser passível de verificação, a fim de
ligar o documento ao seu autor (autenticação, ligada à
função declaratória); a assinatura deve estar relacionada ao
documento de tal maneira que seja impossível a
desvinculação ou adulteração do conteúdo do documento,
sem que tal operação seja perceptível, invalidando
automaticamente a assinatura (função probatória). Todos
esses requisitos são preenchidos pela tecnologia da
criptografia de chave pública, que é empregada nas
assinaturas digitais”.

9. INSTITUTO DE CHAVES PÚBLICAS (ICP-


BRASIL)
As assinaturas digitais, conforme exposto no tópico supra, deverão, no Brasil,
serem certificadas pela ICP-Brasil (Instituto de Chaves Públicas) ou por
outros órgãos como a CERTISIGN. As declarações constantes dos
documentos em forma eletrônica produzidos com processo de certificação
presumem-se verdadeiros em relação aos signatários (art. 219, do CC de
2002, ou art. 131, do CC de 1916). Nesse último caso, desde que as partes
contraentes de obrigações os tenham admitido como válidos, (vide art.10, §§
1º e 2º, da MP nº 2.200-2, de 24/08/2001).
A parte final do §2º, faz recomendar que as partes que desejem utilizar
assinaturas digitais assinem um contrato em papel, declarando que, no futuro,
desejam ser legalmente responsáveis por quaisquer documentos assinados por
elas, de acordo com um esquema de assinatura digital e um tamanho de chave
específicos.
O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), autarquia federal
vinculada à Casa Civil da Presidência da República, é a Autoridade
Certificadora Raiz (AC Raiz) da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira
(ICP-Brasil) (vide art. 13, da MP 2.200-2/2001).
O ITI é a primeira autoridade da cadeia de certificação, executora das
Políticas de Certificados e normas técnicas e operacionais aprovadas pelo
Comitê Gestor da ICP-Brasil. Tem por competência emitir, expedir, distribuir,
revogar e gerenciar os certificados das Autoridades Certificadoras (AC de
nível imediatamente subseqüente ao seu) como a CERTISIGN; gerenciar a
lista de certificados emitidos, revogados e vencidos; executar atividades de
fiscalização e auditoria das AC, das Autoridades de Registro - ARI2 e dos
prestadores de serviço habilitados na ICP-Brasil.Compete a ITI estimular e
articular projetos de pesquisa científica e de desenvolvimento tecnológico
voltados à ampliação da cidadania digital.
Neste vetor, o ITI tem como principal linha de ação a popularização da
certificação digital e a inclusão digital, atuando sobre questões como: sistemas
criptográficos, software livre, hardware compatíveis com padrões abertos e
universais, convergência digital de mídias, entre outras.
O avanço tecnológico de nosso tempo é um fator notável para o nascimento
de obrigações no meio virtual. RENATO ÓPICE BLUM ressalta, ainda, que:
“A Assinatura Digital, por chaves públicas, oferece um
elevado nível de segurança, proporcionando uma presunção
muito forte de que o documento onde se encontra foi criado
pela pessoa que é dele titular e, assim, satisfaz o objetivo do
legislador na exigência de assinatura para atribuição de valor
probatório aos documentos escritos”.

Podemos concluir que a assinatura digital provê a autenticidade e integridade


de determinado título de crédito emitido eletronicamente, então concluímos,
por consequência, a validade e eficácia dos titulos eletrônicos, previstos pelos
arts. 887 e 889, do novo Código Civil.
10. SISTEMA DE PAGAMENTOS BRASILEIRO – SPB
O novo Sistema de Pagamentos Brasileiro é outro exemplo de Títulos
Eletrônicos, no caso o cheque eletrônico, será um meio mais seguro e ágil, on-
line, com maior transparência, que as operações hoje realizadas no sistema
financeiro. Com o novo SPB, os clientes poderão transferir seus recursos
entre bancos em questão de minutos, de forma definitiva e irrevogável.
Não bastante, vale ressaltar que é praxe em nosso mundo moderno o uso de
cartões magnéticos, vinculados a estabelecimentos bancários, tanto para seu
uso fornecendo crédito como o débito em contas-correntes, desde que
devidamente acompanhados de uma senha eletrônica a ser oferecida pelo
usuário do cartão para os mais diferentes meios de pagamento de bens e
serviços, como restaurantes, estabelecimentos comerciais, áreas de diversões,
cinemas, etc, sem que se questione a validade do mesmo como substituto da
ordem de pagamento a vista, uns dos Títulos de Crédito mais comuns nos dias
de hoje, o CHEQUE. Em tais casos a representação eletrônica da operação
não é cópia do título, mas base eletrônica de sua existência, análoga ao papel.
De tal sorte, o requisito para a concretização com sucesso desta operação pelo
SPB é a necessidade dos clientes não poderem ter saldo negativo em suas
contas-correntes em nenhum momento, pois as pessoas e empresas que
precisarem fazer pagamentos, saques, aplicações ou empréstimos de grandes
valores (inicialmente, acima de R$ 5 mil), exigem um maior controle sobre a
entrada e saída de recursos, desta feita, o relacionamento do cliente com o
banco deve ser alterado para uma maior observação do saldos em conta de
forma geral para evitar qualquer dissabor na ocorrência de uma não
concretização da transferência por falta de fundos.
O Banco Central do Brasil através da Carta-Circular nº 3.001, de 11/04/2002,
divulga procedimentos relacionados com a obtenção de certificados digitais
para operação no âmbito do Sistema de Pagamentos Brasileiro. Com base no
que determina o art. 3º do Decreto 3.996, de 31/10/2001, os certificados
digitais para o SPB deverão ser obtidos junto a Autoridade Certificadora (AC)
credenciada pela Infra-Estrutura de Chaves Publicas Brasileira (ICP Brasil)
O SPB permitirá a troca de dinheiro em tempo real entre as instituições
financeiras e entre elas e o BC, por meio de uma rede privada. A idéia é evitar
o risco sistêmico, pois as posições dos bancos só são conhecidas durante a
compensação, feita à noite.
O Banco Central quer desestimular o cheque de compensação noturna com a
intenção de fazer com que a maior parte das transações seja feita em tempo
real, diminuindo riscos para o sistema financeiro.
Entrando definitivamente em vigor, esta forma de pagamento deve custar aos
bancos muito mais que uma operação eletrônica, feita com um cartão
magnético, diminuindo riscos para o sistema financeiro. Com isso, a
expectativa é de que os cartões, sejam de débito ou crédito, substituam os
cheques de forma definitiva.

11. EXEMPLO DE UM TÍTULOS DE CRÉDITO


EMITIDO DE FORMA ELETRÔNICA (DUPLICATA
VIRTUAL)
No sentido de ilustrar a abrangência do tema em questão, tomo a liberdade de
demonstrar um exemplo do procedimento a ser adotado para a confecção de
um títulos de crédito totalmente virtual, in casu, uma duplicata
Numa hipótese imaginária vamos supor que: O comerciante “A” venda e
entregue uma mercadoria ao comprador “B”. Assim, “A” saca uma duplicata
virtual contra “B”, gerando nos computadores um registro correspondente à
duplicata mercantil sacada contra “B” (comprador), e após, lança a operação
no Livro de Registro de Duplicatas.
Em seguida o comerciante “A” assina virtualmente, em seu sistema de
informática, o registro eletrônico da duplicata, utilizando para isto de uma
chave chamada “privada”, que é confeccionada e criptografada pela
Autoridade Certificadora. Após, envianda-a por uma intercomunicação
eletrônica de dados (EDI - eletronic data interchange) através da Rede
mundial de computadores (Internet), ao comprador “B” no sentido que ele dê
o seu aceite. O Título está assinado eletronicamente pelo emitente.
Desta feita, “B” receberá, por intermédio do EDI um “recibo” eletrônico da
operação toda, e por intermédio do referido sistema EDI (via Internet) e
também com a utilização dos recursos de autenticação dada por uma
Autoridade Certificadora, seria admissível o endosso e até o aval de tal Título.
Tudo isto se valendo da assinatura digital do comprador “B” devidamente
certificada, tendo como pressuposto ou condição sine qua non que o sistema
é seguro.
Finalmente, toda essa operação, como vemos, deve se dar com a ingerência da
Autoridade Certificadora (AC), que intermediaria todas essas operações,
dando total garantia da validade jurídica da Assinatura digital acostada no
Título de Crédito tanto pelo emitente, pelo sacado, bem como pelo
endossante, ou avalista.

12. PROJETOS DE LEIS PARA REGULAMENTAR O


COMÉRCIO ELETRÔNICO E A ASSINATURA
DIGITAL
Por fim, vale citar que a Comissão Especial da Câmara dos Deputados
aprovou, em 26/09/01, o substitutivo do relator, deputado Júlio Semeghini
(PSDB-SP), que regulamenta o comércio eletrônico e a assinatura digital em
negócios feitos pela Internet. O projeto seguiu para votação no Plenário da
Câmara. Se for aprovado, irá para o Senado e depois à sanção presidencial.
O Projeto de Lei nº 4.906/2001 dispõe sobre a validade jurídica e o valor
probante do documento eletrônico e da assinatura digital, regula a certificação
digital, institui normas para as transações de comércio eletrônico e dá outras
providências.
O Capítulo I do projeto de lei trata dos efeitos jurídicos do documento
eletrônico e da assinatura digital. O art. 3º dispõe que não serão negados
efeitos jurídicos, validade e eficácia ao documento eletrônico, pelo simples
fato de apresentar-se em forma eletrônica. Assim, as declarações constantes
de documento eletrônico presumem-se verdadeiras em relação ao signatário,
nos termos do Código Civil, desde que a assinatura digital seja única e
exclusiva para o documento assinado, passível de verificação pública, gerada
com chave privada cuja titularidade esteja certificada por autoridade
certificadora credenciada e seja mantida sob o exclusivo controle do
signatário, esteja ligada ao documento eletrônico de tal modo que se o
conteúdo deste se alterar, a assinatura digital estará invalidada e não tenha
sido gerada posteriormente à expiração, revogação ou suspensão das chaves
(art. 4º).
A titularidade da chave pública poderá ser provada por todos os meios de
direito, não sendo negado valor probante ao documento eletrônico e sua
assinatura digital, pelo simples fato desta não se basear em chaves certificadas
por uma autoridade certificadora credenciada (art. 5º).
O art. 6º trata que se presume verdadeira, entre os signatários, a data do
documento eletrônico, sendo lícito, porém, a qualquer deles, provar o
contrário por todos os meios de direito e após expirada ou revogada a chave
de algum dos signatários, compete à parte a quem o documento beneficiar a
prova de que a assinatura foi gerada anteriormente à expiração ou revogação.
Entre os signatários, ou em relação a terceiros, considerar-se-á datado o
documento particular na data em que foi registrado, ou da sua apresentação
em repartição pública ou em juízo, ou do ato ou fato que estabeleça, de modo
certo, a anterioridade da formação do documento e respectivas assinaturas.
E mais, aplicam-se ao documento eletrônico as demais disposições legais
relativas à prova documental que não colidam com as normas do título que
trata do Documento Eletrônico e da Assinatura Digital neste projeto de lei.
Caso ocorra a falsidade dos documentos eletrônicos, o art. 8º e 9º dispõe que o
juiz apreciará livremente a fé que deva merecer o documento eletrônico,
quando demonstrado ser possível alterá-lo sem invalidar a assinatura, gerar
uma assinatura eletrônica idêntica à do titular da chave privada, derivar a
chave privada a partir da chave pública, ou pairar razoável dúvida sobre a
segurança do sistema criptográfico utilizado para gerar a assinatura.
E, havendo impugnação de documento eletrônico, incumbe o ônus da prova,
em primeiro lugar à parte que produziu a prova documental, quanto à
autenticidade da chave pública e quanto à segurança do sistema criptográfico
utilizado, ou à parte contrária à que produziu a prova documental, quando
alegar apropriação e uso da chave privada por terceiro, ou revogação ou
suspensão das chaves.
De tal sorte que é imprescindível a aprovação de tão importante projeto de lei
para considerar e regular definitivamente o documento eletrônico assinado
pelo seu autor mediante sistema criptográfico de chave pública, resultante ou
da digitalização de documento físico, bem como a materialização física de
documento eletrônico original, pois o art. 29, do projeto lei corrobora o
entenduimento que para os fins do comércio eletrônico, a fatura, a duplicata e
demais documentos comerciais, quando emitidos eletronicamente, obedecerão
ao disposto na legislação comercial vigente, qual seja, o Novo Código Civil.
Não bastante, o projeto de lei em questão regula as Sanções penais cabíveis
quando no art. 43, equipara ao crime de falsidade de documento particular,
sujeitando-se às penas do art. 298 do Código Penal, a falsificação, no todo ou
em parte, de certificado ou documento eletrônico particular, ou alteração de
certificado ou documento eletrônico particular verdadeiro.

13. CONCLUSÃO
Temos que, se inicia uma nova era das relações civis com o advento do
diploma, que traz novo âmino ao nosso sistema civil-comercial, e renova as
possibilidades de adequação da lei aos interesses humanos.
Os negócios eletrônicos também foram privilegiados com as disposições
exaltando a boa-fé, finalidade social, usos e costumes. Significa dizer que
houve uma preocupação em garantir a manifestação de vontade por qualquer
meio, especialmente no eletrônico, já incorporado à nossa tradição
tecnológica e que pode ser equiparado à contratação via telefone, nas
situações em que efetivamente ocorra a transação "ao vivo", ou seja, em
“tempo real” (Real-Time), configurando-se uma contratação entre presentes,
como preceitua o Livro I, “Das Obrigações”, parte especial.
Não obstante serem positivas as inovações do novo Código Civil e suas
repercussões no campo do Direito da Informática (direito eletrônico), o ideal
seria contar com disposições mais específicas e adequadas ao ambiente
digital, o que evitaria, inclusive, na discussão, muitas vezes isolada, dos mais
de 150 projetos em tramitação no Congresso Nacional.
Talvez fosse interessante o estudo conjunto dessas proposições visando
incorporá-las ao projeto de lei das futuras alterações no novo Código, já em
discussão, ampliando e regulando todas as disposições sobre o tema. Seria
cabível um projeto de emenda na Lei Uniforme de Genebra (1930) para
regulamentar a aplicabilidade da assinatura digital nos títulos de crédito em
geral, como foi efetivada no Japão e em alguns Estados dos EUA.
Também, verifico que seria interessante a adoção, o mais rápido possível, do
projeto de legislação para o comércio eletrônico dada pela UNCITRAL (The
United Nations Commission on International Trade Law - ONU),
devidamente apreciado pela Comissão Especial da Câmara do Deputados e
implementado no Projeto de Lei nº 4.906/2001, que está pronto para a ordem
do dia, com pedido de urgência desde 11/12/2001, reafirmado em 03/09/2002
para tramitar em regime de prioridade.

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APORÉXICO...

José Carlos de Araújo Almeida Filho


O DIREITO ELETRÔNICO
PODE SER Presidente do IBDE, Membro Efetivo do Instituto Brasileiro de Direito
CONSIDERADO
AUTOPOIÉTICO? Processual, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, do Instituto
de Hermenêutica do Brasil e Professor de Direito Processual Civil da
Universidade Católica de Petrópolis

RESUMO
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. O DIREITO COMO SISTEMA
AUTOPOIÉTICO. RIO DE JANEIRO: UGF, 2004.
O presente trabalho tem por objetivo analisar o Direito como Sistema
Autopoiético, diante da visão sociológica de Teubner e Luhmann. Trata-se de
tema novo e de grande relevância para o estudo do Direito, sendo a base da
teoria da autopoiese a Teoria dos Sistemas de Luhmann, vista, agora, sob a
perspectiva de Teubner.
ABSTRACT
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. O DIREITO COMO SISTEMA
AUTOPOIÉTICO. RIO DE JANEIRO: UGF, 2004.
The present work has for objective to analyze the Right as Autopoiesys
System, ahead of the sociological vision of Teubner and Luhmann. That´s a
new subject and to be a great relevance for the study of the Right, being the
base of the theory of autopoiese the Theory of the Systems of Luhmann, sight,
now, under the perspective of Teubner.

INTRODUÇÃO

O estudo do direito como sistema autopoiético, como nos afirma José


Engrácia Antunes , responsável pela tradução da obra de Gunther Teubner,
“dificilmente encontrará um modelo de pesquisa teorético que tenha
granjeado maior repercussão interdisciplinar e haja despertado maior
polémica do que a denominada teoria da autopoiesis.” Segundo o autor, a
teoria percorrer as mais diversas áreas do conhecimento humano.
A fim de definir, pois, o que venha a ser o sistema autopoiético,
Antunes afirma que o mesmo “constitui um sistema auto-referencial no
sentido de que os respectivos elementos são produzidos e reproduzidos pelo
próprio sistema graças a uma sequência de interacção circular e fechada.”
Adotar o direito como sistema autopoiético, através de uma concepção
sociológica de Niklas Luhman, não repele o positivismo jurídico na Teoria
Pura do Direito, de Kelsen, mas pode apontar um corte hermenêutico onde os
sistemas se aproximam e, ainda, onde se repelem.
João Maurício Adeodato apresenta uma comparação entre os sistemas
tradicionais e os modernos, sendo estes últimos destacados por Luhmann:
Teorias pré-modernas ou tradicionais soberania divina
soberania racional
soberania popular

legalismo
Teorias modernas e contemporâneas normativismo
realismo

Boaventura de Sousa Santos aponta a importância desta ruptura de


paradigma, quando afirma:
“A formulação mais ampla e mais bem articulada deste programa de
investigação é a concepção do direito como sistema autopoiético (Luhmann,
1984, 1986, 1988a, 1988b; Teubner (org.), 1988, 1989, 1991, 1992).
“O direito é um desses sub-sistemas, um sistema de comunicações jurídicas
que funciona com o seu próprio código binário: legal/ilegal. O direito só se
regula a si próprio. O direito é um ambiente que rodeia os outros sub-sistemas
sociais tal como este são o meio ambiente do direito. Mas, seja quais forem as
“vibrações” ou “perturbações” que um dado sistema, em consequência da sua
interdependência funcional ou coexistência, possa “causar” noutro sistema,
elas terão irrelevantes se não forem convertidas em respostas ou reacções
autopoiéticas.”
“No que respeita ao direito, esta versão radical de autopoiese jurídica dada por
Luhmann foi, entretanto, relativamente alterada Teubner (1989, 1991).”
E será diante desta vertente radical, de quebra de paradigma, que o presente
trabalho irá se desenvolver.

O DIREITO COMO SISTEMA AUTOPOIÉTICO


DEFININDO AUTOPOIESE

Antes de adentrarmos na análise do Direito como Sistema Autopoiético,


segundo a visão de Teubner, modificando, radicalmente, a posição de Niklas
Luhmann, é necessário conceituar autopoiese .
“AUTOPOIESIS (de Auto: a sí mismo; y Poiesis: en griego, creación,
fabricación, construcción). Literalmente, autopoiesis significa auto-
organización. Concepto que nace en la biologia de la mano de los chilenos
Humberto Maturana y Francisco Varela, y que designa un proceso mediante
el cual un sistema (por ejemplo, una célula, un ser vivo o una organización) se
genera a sí mismo a través de la interacción con su medio. Un sistema
autopoiético es operacionalmente cerrado y determinado estructuralmente.
Característica definitoria de los seres vivos. Una aplicación del concepto, en
la sociología, esta en la teoria de sistemas de Niklas Luhmann.”
Assim, ainda que em fase conceitual, é importante uma pequena análise do
sistema proposto por Luhmann, já que o objeto do presente trabalho é a
análise da obra de Teubner.
E será Teubner a fazer, desde o início de sua obra, O Direito como Sistema
Autopoiético, referência à teoria de Luhmann :
“O Direito retira a sua própria validade dessa auto-referência pura, pela qual
qualquer operação jurídica reenvia para o resultado de operações jurídicas.
Significa isto que a validade do Direito não pode ser importada do exterior do
sistema jurídico, mas apenas obtida a partir do seu interior. Nas palavras de
LUHMANN, “não existe direito fora do direito, pelo que sua relação com o
sistema social, o sistema jurídico, não gera nem inputs nem outputs.”
Analisando a teoria de Luhmann, em breves linhas traçadas por Teubner, se
verifica que a Teoria dos Sistemas é binária e o direito existe por si, ou seja, a
partir do momento em que não gera inputs nem outputs, está ele girando em
torno e por si mesmo.
Assim, se poderá compreender que a Teoria dos Sistemas de Luhmann se
desenvolve para a Teoria da Autopoiese no Direito, ainda que o sistema de
Luhmann seja tratado como binário e nos pareça bem próximo dos sistemas
cibernéticos, quando trata de inputs e outputs.
Em sua obra Sociologia do Direito, Luhmann assevera que “o homem vive
em um mundo constituído sensorialmente, cuja relevância não é
inequivocamente definida através do seu organismo. Desta forma o mundo
apresenta ao homem uma multiplicidade de possíveis experiências e ações,
em contraposição ao seu limitado potencial em termos de percepção,
assimilação de informação, e ação atual e consciente.”
Assusta-nos a idéia de um sistema auto-reprodutivo, ou de um mundo
constituído sensorialmente. E é por esta razão a importância de entendermos o
que se entende por direito positivo. Assim se afirma porque tratamos de giros
hermenêuticos e uma grande preocupação que possa incutir idéias de
alternatividade na aplicação do direito.
DIREITO POSITIVO x POSITIVISMO CIENTÍFICO

Há uma grande confusão quando se trata do positivismo jurídico e do


positivismo filosófico. Em muitos casos, notadamente pela inserção do
positivismo de Augusto Comte no Brasil, trazido por Benjamin Constant, há
uma certa aversão ao termo positivista – que chega a possuir em nosso país
uma igreja.
O Prof. Tércio Sampaio Ferraz Jr. traz bem esta idéia:
“O termo positivismo não é, sabidamente, unívoco. Este designa tanto a
doutrina de Augusto Comte, como também aquelas que se ligam à sua
doutrina ou a ela se assemelham.
...
Daí a luta, na segunda metade do séc. XIX, contra a teleologia nas ciências da
natureza e, mais tarde, com Kelsen na Ciência do Direito; daí o determinismo
e a negação da liberdade da vontade.”
Assim é que não podemos atribuir um aspecto negativo ao direito positivo,
mas entendermos a positivação do direito, nos termos apontados pelo Prof.
Tércio . Por esta razão é importante apontarmos, ainda que de forma sucinta,
alguns períodos históricos do direito, que caminharam ao que entendemos por
Direito Positivo:
Sécs. XVII e XVIII – jusnaturalismo
Fases do Direito Séc. XIX – positivismo comteano
Séc. XIX – legalismo – direito positivo

Para o Prof. Tércio , “positivação e decisão são termos correlatos. Decisão é


termo que tomamos num sentido lato, que ultrapassa os limites da decisão
legislativa, abarcando, também, entre outras, a decisão judiciária, à medida
que esta pode ter também qualidade positivante, quando, por exemplo, decide
sobre regras costumeiras.”
A idéia da positivação jurídica, que se repete hodiernamente, visava à garantia
dos burgueses, no movimento do Séc. XVIII e, posteriormente, se verifica a
Era dos Códigos. E o tema abordado pelo Prof. português Paulo Ferreira da
Cunha é de grande propriedade:
“Para o positivismo jurídico imperante, que acredita que o Direito é o que a
lei manda, e que julga que a lei pode ordenar tudo o que aprouver um ditador,
ou, na melhor das hipóteses, a um governo com uma maioria parlamentar, os
direitos sociais não serão certamente motivo de espanto. Corresponderiam, de
alguma maneira, ao meter na Constituição o programa dos partidos
socialistas, ou, em geral, de esquerda, para glosar uma observação de Ripert,
tal como os direitos, liberdades e garantias seriam meter na Constituição as
idéias dos partidos liberais.”
É certo, assim, que havia uma imutabilidade em termos do Direito Natural,
pelos jusnaturalistas. Uma quebra de paradigma se apresenta com o
positivismo jurídico do Séc. XIX e, agora, nos dizeres de Prof. José Engrácia
Antunes , “a importância assumida pela hipótese autopoética para NIKLAS
LUHMANN foi expressa e repetidamente confessada pelo próprio autor, que,
em sua obra de referência não hesita em augurar para tal teoria o papel de
responsável por uma radical <<alteração de paradigma>> no domínio das
ciências sociais em geral.”
O DIREITO POSITIVO E A QUEBRA DE PARADIGMA

Não nos seria possível entender toda a sistemática desenvolvida por Luhmann
e Teubner, sem a existência do direito positivo. Se por um lado o
jusnaturalismo é exacerbadamente dogmático, não admitindo posição diversa,
a normatividade pode trazer-nos idéias de sistemas autoritários.
O Prof. Tércio Sampaio trata, pois, da idéia da legalidade, como “tentativa de
sanar ambas as deficiências de um ponto de vista novo, sem cair na
ingenuidade empiristica do contratualismo do jusnaturalismo clássico, para
justificar a dominação política e a necessidade de legitimação.”
E, como acrescenta o professor, a normatividade, segundo a idéia legalista,
esgotaria toda a gênese do direito.
Desta forma, os conceitos de direito e política se encontram intimamente
ligados, porque toda força do direito nasce do legislador.
Contudo, nem sempre o direito posto pelo legislador será suficientemente
justo ou correto. A fim de concluir esta primeira parte, transcrevemos dois
textos: um sobre o positivismo clássico, filosófico e imperativo; o outro é um
interessante diálogo entre Sófocles e Péricles.
Segundo o texto positivista, podemos compreender o desapego ao direito
humano e, sem dúvida alguma, choca-nos o positivismo arraigado no texto:
“O “direitodohomismo”
A religião dos direitos do homem trabalha precisamente neste sentido. Tem a
vantagem de se basear em duas abstrações e, por consequência, não ser
responsável perante qualquer realidade.
A noção de direito só tem validade numa determinada sociedade e
cir¬cunstâncias históricas, geográficas e étnicas, pois um direito é
necessaria¬mente estabelecido, ou pelo menos reconhecido, por alguém. A
definição do Robert esclarece a questão: «O que é exigível, o que é permitido
numa colec¬tividade humana». Fora de uma determinada colectividade, a
noção de di¬reito perde o seu sentido. Recordemos que a declaração dos
insignes ante¬passados se chama «Declaração dos direitos do homem e do
cidadão».
A noção de homem também é abstracta. Não há na terra um único homem que
não tenha nascido de determinados pais, não pertença a deter¬minada raça,
clima e cultura. Um aborígene australiano do século XX não e um grego do
século de Péricles.
Oh! Bem se vê a grandeza da ideia segundo a qual os aborígenes da Austrália
e os atenienses do século V têm algo em comum: a natureza huma¬na - nós,
os cristãos, diríamos a semelhança com Deus. Adiantarei mesmo que não se
trata de uma ideia, mas de uma evidência. E também se vê a grandeza de outra
ideia, segundo a qual todos os homens devem ser tratados de uma forma que,
para abreviar, qualificamos de humana. Mas isso é um dever do homem: tratar
os seus semelhantes como eles devem ser tratados. Fazer disto um direito é
pôr a carroça à frente dos bois. Quanto chego diante de um semáforo
vermelho tenho o dever de parar. Seria ridículo dizer que quem chega diante
do seu semáforo verde tem o direito de me ver parar diante do meu semáforo
vermelho.
Mas não esqueçamos que generalizar, isto é, estender ao mundo inteiro, uma
religião universal baseada em abstracções tem evidentes vantagens para o
produtor de alimentos que sejam consumíveis tanto pelos Aleutas como pelos
Bretões. E o mesmo se dirá para o desinformador ávido de difundir as suas
patranhas pelo mundo inteiro.”
Mas desde a Grécia Antiga a norma positivada e extraída de um tirano, não
poderia ser considerada uma lei:
“— Diz-me, Péricles, podes ensinar-me o que é uma lei?
— Naturalmente — respondeu Péricles.
— Ensina-me então, em nome dos deuses — tornou Alcibíades.
Pois ouço elogiarem certos homens por seu respeito às leis e me parece que
sem saber o que seja uma lei jamais se poderia merecer tal encómio.
— Se é isso o que desejas saber, fácil é satisfazer-te, Alcibíades — disse
Péricles —: Chama-se lei toda deliberação em virtude da qual o povo reunido
decreta o que se deve fazer ou não.
— E que ordena ele que se faça, o bem ou o mal?
— O bem, rapaz, por Júpiter! e nunca o mal.
— E quando, em lugar do povo, é, como numa oligarquia, uma reunião de
algumas pessoas que decreta o que se deva fazer, como se chama isso?
— Tudo o que após deliberação ordena o poder que dirige um Estado se
chama lei.
— Mas se um tirano que governa um Estado ordena aos cidadãos fazer tal ou
qual coisa, trata-se ainda de lei?
— Sim, tudo o que ordena um tirano que detém o poder se chama lei.
— Que é então, Péricles, a violência e a ilegalidade? Não é o ato pelo qual o
mais forte, em vez de persuadir o mais fraco, constrange-o a fazer o que lhe
apraz?
— Essa a minha opinião — conveio Péricles.
— Portanto, toda vez que, em lugar de usar da persuasão, um tirano força os
cidadãos por um decreto, será ilegalidade?
— Assim o creio. Errei, pois, dizendo sejam leis as ordens de um tirano que
não emprega a persuasão.
— E quando a minoria não usa da persuasão junto à multidão, mas abusa de
seu poder para forjar decretos, chamaremos a isso violência ou não?
— Tudo o que se exige de alguém sem empregar a persuasão, trate-se ou não
de um decreto, parece-me antes violência que lei.
— E tudo o que, exercendo o poder, impuser a multidão aos riscos sem o
emprego da persuasão será ainda antes violência que lei?
— Bravos! Alcibíades! — exclamou Péricles. — Nós também, na tua idade,
éramos hábeis em semelhantes matérias. Tomávamo-las por tema de
declarações e argumentações, tal como presentemente fazes comigo.”

AUTOPOIESE NO DIREITO – UMA QUEBRA DE PARADIGMA

As linhas que antecederam o presente capítulo se fizeram necessárias a


fim de entendermos a frase contida na página 02, da obra de Teubner :

“O Direito determina-se a ele mesmo por auto-referência, baseando-se na sua


própria positividade.”
É que segundo Luhmann, citado por Teubner, não existe o direito fora do
direito. Segundo as idéias de Luhmann, que, de certa maneira, revolucionaram
toda uma estrutura sociológica do direito, através de sua Teoria dos Sistemas,
ainda que haja o não direito, este será direito.
O sistema de Luhmann é binário e mescla a positividade com a negatividade,
assim, por exemplo:
Direito/Não Direito
+ -

Mas este não direito também é direito, uma vez que ele se auto-referencia.
Teubner afirma que “o Direito retira a sua própria validade dessa auto-
referência pura, pela qual qualquer operação jurídica reenvia para o resultado
de operações jurídicas”.
OS PARADOXOS DA AUTO-REFERÊNCIA

Não nos basta um sistema hierarquizado a fim de poder aplicar o Direito. Se


estamos diante de situações que demandem aplicação dos princípios e os
colocamos em determinados pontos de relevância e importância, nem sempre
a solução será a melhor. Lembremo-nos do texto acerca da discussão entre
Péricles e Sófocles. O que é, pois, este Direito hierarquizado?
Imaginemos, somente para efeitos de entendimento dos paradoxos da auto-
referência, uma situação concreta nos dias de hoje. Em texto lançado no
Jornal do Commercio de 13 de junho de 2004, a Desembargadora Áurea
Pimentel Pereira trata da questão da violência dos jovens e admite que não
mais subsiste a questão da exclusão social, porque estes jovens são de classe
média alta.
A partir de uma sistematização, teremos proteção/impunidade, ou seja, um
positivo e um negativo. Contudo, a proteção dada aos jovens, muitas vezes
concorrerá para uma impunidade. Se a Constituição prevê o direito à vida
como sendo fundamental e, ainda, a proteção ao menor, estamos diante de
situações complexas, porque a norma maior repete-se na norma menor.
Dentro de um sistema hierarquizado e normativo, como proceder diante de
tamanha calamidade, se estamos diante de dois direitos garantidos
constitucionalmente. Não existem influxos externos (outputs), nem internos
(inputs). O que existe é uma crise moral que o Direito não consegue resolver a
não ser diante de uma auto-referência. Para a Desembargadora, a solução é
alterar a norma jurídica e, diante deste ponto, encontraremos novamente
situações que nos levarão a crer que a positividade do Séc. XIX é a única
forma de solucionar as questões havidas dentro da sociedade.
Contudo, a auto-referência poderá criar problemas, ao identificar o que é legal
ou ilegal ou, ainda, ou que é ilegal e legal. Criaríamos um sistema
legal/ilegal/legal. Esta auto-referência poderia acabar por coibir a força da
decisão.
Sem dúvida alguma, é paradoxal o ensaio da Desembargadora Áurea
Pimentel, porque diante de um sistema auto-referencial e de pensamento
cartesiano, poderíamos afirmar, sem qualquer medo de errar, que a crise da
violência é a exclusão social. Contudo, um paradoxo se pode imaginar dentro
deste sistema: se há necessidade de uma inclusão social, onde os parâmetros
de uma vida rica, com viagens etc. são a forma mais correta de se viver, é
certo, ou pelo menos dedutível, que os pais não tenham tempo para seus filhos
e, com isto, se provoca uma exclusão dentro do próprio sistema. Inclui-se, em
sociedade, uma imagem de perfeição e, por outro lado, exclui-se da mesma
sociedade as regras comezinhas de um bem viver familiar e de toda uma idéia
de inclusão social acaba por inserir os jovens na marginalidade.
GERIR O PARADOXO

Teubner identifica três formas de se gerir o paradoxo, contrariando as idéias


acomodadas de que não se deve deixar de lado esta realidade.
São elas:
Des-construção da doutrina jurídica
Elaboração de distinções
Transferência do paradoxo do mundo do pensamento sobre o direito para o
mundo da realidade social do direito (circularidade)

DES-CONSTRUÇÃO DA DOUTRINA JURÍDICA

Teubner afirma que a idéia da des-construção de uma doutrina jurídica nasce


de uma corrente radical americana protagonizada pelo critical legal studies
movement. Tal corrente também é adotada na Inglaterra.
Segundo Teubner , “o seu ponto de partida é a descoberta, no seio da doutrina
do contrato, das contradições entre aspectos formais e substanciais, bem como
entre individualismo e altruísmo; dos aspectos desintegradores e das
instabilidades inerentes a um direito político-finalisticamente
instrumentalizado, próprio do moderno Estado-Providência; ou, enfim, da
verificação da circunstância paradoxal de que cada regra conhece a sua
contra-regra e de que a proposição da doutrina jurídica pode, partindo-se da
própria doutrina, conhecer proposição exactamente oposta.”
Contudo, trata-se de posição tão acirradamente dogmática quanto o próprio
positivismo imutável. E a idéia por Sófocles, em debate entre Antígona e
Créon, traduz a utilização do código jurídico ao próprio código jurídico.
Teubner reproduz o paradoxo:
“Créon: Desafias tão flagrantemente minha lei?
Antígona: Naturalmente! Pois que não foi Zeus quem a promulgou, nem
encontrarás tal lei imposta pela Justiça aos homens. Nunca acreditei que os
teus éditos tivessem força tal que pudessem anular as leis do céu, as quais,
não escritas nem proclamadas, têm uma duração eterna e uma origem para
além do nascimento do homem.”

Depreende-se uma severa discussão entre o jusnaturalismo e o direito posto.


Não se pode atribuir, dentro das antinomias havidas no Direito, como forma
de repelir a uma ou outra norma, em uma total des-construção dele mesmo. O
Direito não admite, assim, esta des-construção ou uma re-construção.
Admitindo as idéias de Luhmann, o sistema é auto-referencial e, assim, se
poderá, à frente, finalmente, compreender o Direito como sistema
autopoiético.
ELABORAR DISTINÇÕES

Não se apresenta de todo correta a idéia de uma criação elaborativa de


distinções, uma vez ser o direito envolto em suas antinomias e, assim, não se
chegaria a conclusões.
Ao citar Hart, Teubner afirma que “embora tal técnica contenha uma clara
referência à teoria dos tipos, acentue-se que existem outras soluções que
perseguem o mesmo objectivo de evitar o paradoxo da auto-referência no
direito.”

Como diria José Engrácia Antunes, ao final de seu artigo publicado na Revista
de Direito da Universidade Católica Portuguesa, resta-nos afirmar – ou
perguntar: “Pouco? Sem dúvida. Mas honestamente não vemos o que possa
existir mais.”
TRANSFERÊNCIA DO PARADOXO DO MUNDO DO PENSAMENTO
SOBRE O DIREITO PARA O MUNDO DA REALIDADE SOCIAL DO
DIREITO (CIRCULARIDADE)
O direito se encontra auto-referenciado, ou seja, existe dependendo de uma
circularidade, notadamente na praxis jurídica. Trata-se de ações, normas,
processos, identidades etc.
Quando analisamos o direito sob este prisma, não podemos deixar de pensar,
notadamente no Brasil, na questão da súmula vinculante que se pretende
instalar.
Se é certo que o sistema processual brasileiro já se encontra provido de uma
súmula impeditiva, a exemplo do art. 557 do CPC, estaremos diante de um
sistema totalmente impeditivo de circularidade. A norma contida no art. 126
do CPC, que se apresenta de grande importância no cenário jurídico, pereceria
diante de uma vinculação a decisões anteriormente proferidas. Inexistência de
circularidade, certamente, implicará em cerceamento do próprio Direito.
É preferível deixar a pergunta, sem pretender responde-la de forma
categórica, posto que o trabalho, sem dúvida alguma, conduzirá à sua própria
resposta.
PARADOXOS REAIS E MORFOGÉNESE ATRAVÉS DE VALORES
PRÓPRIOS

Segundo Teubner é exatamente neste tópico que se pode entender a riqueza da


auto-referência e da autopoiesis. “Trata-se de descobrir lacunas ou ´espaços
em branco‘ no mapa dos fenómenos sociais e jurídicos, através da
identificação das relações circulares internas do direito e da sociedade, bem
como do estudo das respectivas interacções externas”, afirma Teubner .
Novamente é importante trazer à baila o art. 126 do Código de Processo Civil
Brasileiro, a fim de entendermos como o sistema pode ser bem aplicado em
nosso direito. Neste ponto, ao contrário do que muitos possam imaginar, o
Direito Processual é mais aberto que o direito material. E será ele quem irá
aplicar os princípios gerais do direito.
Segundo Teubner diversos já são os métodos e tentativas existentes em nosso
sistema para trabalhar os paradoxos, como a hermenêutica e, na Teoria do
Direito, análise da estrutura auto-referencial das normas jurídicas (Hart e
Ross) e, inversamente, a metodologia do direito e a argumentação jurídica.
Assim, a teoria da autopoiese analisa todos estes fenômenos como meras
ilustrações e oferece uma análise de soluções da prática jurídica para o
problema da indeterminação do direito, conjugando-se os seguintes
elementos:
Auto-referência
Paradoxo
Indeterminação
Estabilidade de valores próprios

A teoria apresenta por Teubner sempre nos conduzirá à idéia da concepção de


Luhmann, acerca de sua Teoria dos Sistemas, onde o que impera é o sistema
binário, ou atribuir positivo e negativo. Desta forma, o sistema jurídico se
constrói a si mesmo, sendo auto-referencial. Contudo, conforme assevera
Teubner , a auto-referencialidade conduz a paradoxos e a chave para a solução
dos paradoxos será exatamente a “desparadoxização dos paradoxos”. A
proposta de Luhmann, pois, é reinterpretar os paradoxos através de ocultação
e neutralização dos mesmos.
Para Teubner não se apresenta esta concepção como sendo a mais coerente,
posto que o que se oculta ou neutraliza, está sempre latente: “a hierarquia das
fontes do direito, cujo cume permanece escondido na penumbra do direito
natural, ou divino, constitui, de resto, um bom símbolo desta latência:
escondida embora por momentos, a auto-referência não deixará jamais de
ameaçar com sua aparição.”

A NOVA AUTO-REFERENCIALIDADE
SISTEMAS FECHADOS, SISTEMAS ABERTOS, SISTEMAS
AUTOPOIÉTICOS

O Direito não pode ser visto como algo imutável e, por esta razão, a partir do
momento em que se admite o sistema autopoiético, se pode conceber uma
interação dos sistemas.
Assim, quanto mais flexível se apresentar o sistema, mais fácil será sua
adaptação. Assim também podemos afirmar que o meio, notadamente o
sistema político, recebe influência direta do direito.
Segundo Teubner , “ a distinção crucial entre sistema e meio envolvente – que
constitui a característica central dos sistemas abertos (o que encontra uma
réplica, no seio destes mesmos, no fenómeno da auto-diferenciação sistémica)
– conduz-no a centrar a atenção sobre conceitos tais como relação input-
output, capacidade de adaptação sistémica ao respectivo meio envolvente,
restabelecimento do equilíbrio sistémico através da intervenção regulatória, e
organização “racional” e finalisticamente orientada. Racionalidade finalística,
intervenção, organização, adaptação, manutenção do equilíbrio sistémico
constituem conceitos-chave de estratégias políticas intervencionistas,
endereçadas a produzir alterações específicas em vários domínios sociais
servindo-se do direito.”
A afirmação acima exposta apresenta de forma clara um sistema aberto, onde
diversas variantes e condições externas influenciarão o direito e nem sempre
da melhor forma. O poder econômico poderia, de certo, interferir no direito. A
este respeito, Luhmann trataria da questão heterárquica, onde os sistemas são
iguais, inexistindo sobreposição entre eles – político, jurídico, econômico etc.
A abertura dos sistemas, sem dúvida alguma, se apresenta suscetível a
interações outras que não as do próprio direito, ao passo em que, apesar de se
entender os sistemas fechados como uma forma ultrapassada, a teoria da
autopoiese passa a ser de grande interesse, valendo-se da auto-organização, ou
seja, sem inputs ou outputs.
A dinâmica do sistema autopoiético, pois, é circular e pressupõe, diante de sua
complexidade e auto-referencialidade, que há possibilidade de modificação
interna e sistêmica.
A idéia, assim, conduz a uma questão de fundo complexa, mas de grande
alcance. Somente em sistemas internos se poderá entender seu funcionamento
e, com isto, a possibilidade de auto-referência para se estabilizar. A questão,
então, em torno do sistema autopoiético, assim como funciona com as células,
é a capacidade auto-reprodutiva através de sua própria referência.

O FENÔMENO DA AUTO-REFERÊNCIA: A “GALÁXIA AUTO”

A idéia de auto-referência não pode ser confundida com a própria idéia de


autopoiesis. Os termos, diante da idéia de um sistema fechado, geralmente se
confundem, mas é necessária uma distinção, porque os próprios descobridores
do sistema biológico da autopoiese – Maturana e Varella – segundo Teubner,
muitas vezes se confundem quanto à precisão conceitual.
Vejamos, pois, as formas auto no sistema:
auto-organização
auto-produção
auto-subsistência
auto-referencialidade
Sistema auto-organizado
O sistema será auto-organizado quando seus elementos possuírem uma
característica tal que lhes permita, espontaneamente, criar e assumir um
determinado estado de ordem.
Sistema auto-produtivo
A auto-produção sistêmica resulta da articulação cíclica dos processos de
auto-organização entre si.
Sistema auto-subsistente
“A auto-subsistência (enquanto preservação da identidade do sistema,
manutenção dos seus limites e fonte energética) deve ser adicionada à auto-
produção, de molde que a autopoiesis de um sistema (no sentido de auto-
reprodução dos elementos sistémicos usado por MATURANA) se torne
possível” .
Há, pois, auto-subsistência quando os elementos interagem de forma cíclica,
mas não se auto-reproduzem.
Sistema auto-referencial

Segundo Teubner, nem mesmo Luhmann conseguiu fazer uma distinção clara
acerca dos sistemas descritos nos parágrafos anteriores. Sem dúvida, se
analisarmos a questão da autopoiese, como forma de auto-circularidade e, por
esta razão, tendente a não permitir inputs ou outputs, toda uma dissociação
dos mais diversos sistemas fica sobremaneira difícil de se entender.
Para Teubner será, exatamente, na auto-referência que se conseguirá um
conceito mais geral e abrangente. E, ainda, o sistema poderá ser auto-
referencial sem que se adote qualquer dos outros sistemas e, ainda, a própria
autopoiese.
Mister analisarmos as Dimensões da Auto-Referência.
DIMENSÕES DA AUTO-REFERÊNCIA
A fim de simplificar a apresentação deste trabalho, que não pretende esgotar o
tema, apresentaremos, segundo as concepções de Teubner, as dimensões da
auto-referência, conforme descritas em sua obra.
AUTO-OBSERVAÇÃO

A partir do momento em que o sistema passa a influenciar suas próprias


operações e não apenas repeti-las, se está diante de um sistema de auto-
observação.
AUTO-DESCRIÇÃO

Ocorrerá exatamente na medida em que o sistema de auto-observação adquirir


continuidade temporal como base da criação de uma ordem sistêmica.
Na auto-descrição o que se produzirá é um efeito secundário, ou seja, não se
está diante de uma produção do direito, mas das operações que dele resultam.
AUTO-ORGANIZAÇÃO
Trata-se da auto-estruturação do sistema. Ou melhor, o sistema tem condições
de se estruturar espontaneamente. Inexiste input, posto que sua organização se
dá internamente.
A partir do momento em que se misturam os sistemas da auto-regulação com
auto-descrição, o sistema passa a ser auto-reflexivo.
AUTO-PRODUÇÃO

Segundo Teubner, “um sistema diz-se auto-produzido quando produz os seus


próprios elementos.”
A idéia de auto-produção, notadamente no campo do direito, faz com que
muitos sociólogos afastem a idéia do sistema autopoiético, porque se
apresenta difícil conceituar um sistema auto-produtivo no direito quando ele
pode sofrer influências das mais diversas, como políticas, econômicas etc.
Desta forma, a se entender o sistema autopoiético e, neste ponto, residem
grandes críticas, a auto-produção e, posteriormente, o sistema como um todo,
receberia influências externas. Contudo, essas influências não repelem a
teoria, mas nela se inclui, pela forma como o direito trata cada um destes
fatores, ou seja, o direito abrange todas as questões que o envolvem e as
influências nada mais são do que repercussão dentro do sistema.
Assim, conjugando-se auto-produção, de todos os componentes do sistema,
auto-manutenção dos ciclos de auto-produção através de uma articulação
hipercíclica e auto-descrição como regulação da auto-reprodução, teremos um
conceito de autopoiesis completo.
O DIREITO COMO SISTEMA AUTOPOIÉTICO?
O DIREITO COMO SISTEMA AUTOPOIÉTICO: ALGUMAS CRÍTICAS
HABITUAIS

Teubner afirma que “o Direito constitui um sistema autopoiético de segundo


grau, autonomizando-se em face da sociedade, enquanto sistema autopoiético
de primeiro grau, graças à constituição auto-referencial dos seus próprios
componentes sistémicos e à articulação de um hiperciclo.”
Contudo, há críticas desde a não aceitação total da teoria como a visão cética
dos próprios criadores do sistema na biologia.
Sem dúvida, desde que se entenda a criação da teoria dentro das ciências
biológicas, no Direito não se poderia aceitar um sistema isento de
interferências externas. A mesma crítica é feita por alguns sociólogos do
Direito.
E a grande crítica que se faz em torno do sistema autopoiético no Direito é em
não admiti-lo como um sistema fechado, mas aberto e, portanto, como dito,
sujeito aos inputs.
O que se pode afirmar é que o Direito, como afirma Teubner ao início de seu
capítulo sobre o Direito como Sistema Autopiético, não restam dúvidas de
que seja assim mesmo. Há uma hipercircularidade, ou seja, o Direito atua
como em hiperciclo.
Desta forma, deixando de lado as diferenças naturais entre a biologia e o
Direito, é indubitável que o Direito pode ser um sistema autopoiético.
A AUTOPOIESIS DO SOCIAL: CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS

Não nos cabendo transcrever os embates entre os defensores da


impossibilidade de se criar um sistema autopoiético, em sua consideração
hierárquica proposta por Maturana, Luhmann afirma que a “autopoiesis
social deve ser concebida como sendo independente da autopoiesis dos
organismos vivos”. Segundo os sociólogos, os sistemas sociais podem ser
considerados sistemas autopoiéticos stricto sensu, já que produzem
espontaneamente uma ordem.
Assim sendo, não há como se admitir o sistema autopoiético no Direito como
concepção alternativa, mas, efetivamente, um sistema como tal, dada a auto-
reprodução e por meio das comunicações entre os indivíduos. A grande
polêmica ficaria com os biólogos, não aceitando a inserção do sistema.
AUTOPOIESIS JURÍDICA: A AUTONOMIA DO DIREITO COMO
REALIDADE GRADATIVA

No que diz respeito ao Direito, pois, sendo certo existir como sistema
autopoiético, assim somente poderemos admitir se se tratar de grau superior.
O sistema jurídico deve estar constituído de seus próprios elementos.
Se não se puder assim admitir, é certo que estaríamos diante de um Big Ben, o
que seria absurdo admitir. Por esta razão, a se adotar e admitir o Direito como
sistema autopoiético, devemos ter em mente que todos os liames do sistema
jurídico estejam presentes e que se articulam entre si.
Para Luhmann, não se pode admitir que um sistema possa ser parte uma coisa
e parte outra. Assim, a autonomia do Direito se constitui de forma gradativa.
Um sistema adquire, pois, auto-referencialidade quando sofre as seguintes
modificações :
maior feedback entre os seus componentes
variabilidade da intensidade da articulação entre os componentes
Constituição de novos componentes dentro da rede de componentes

Dentro de toda sistemática desenvolvida na teoria da autopoiese, o resultado


depende, sempre da linguagem própria do sistema.
Assim, a fim de entendermos melhor o que propôs Luhmann, podemos
admitir seu sistema binário como as hipóteses de legal/ilegal. Como admitir,
por exemplo, em dias de hoje, o chamado poder paralelo do tráfico?
Não seria, pois, um legal/ilegal, dentro de concepções entre
positivo/negativo? O que existe de direito para a sociedade é o não direito
para a favela e, via inversa, o direito da favela será o não direito da sociedade.
Mas se analisarmos sob o enfoque do que venha a ser direito, estamos
tratando, sempre, de direito.
O Direito se autodetermina. Mas é preciso que fique claro que esta
autodeterminação somente se pode conceber dentro de estruturas já
concebidas, onde o sistema jurídico existe, desde os atos a um sistema
processual apto a julgá-los.
A AUTONOMIA DO DIREITO E SEUS ESTÁDIOS

DIREITO SOCIALMENTE DIFUSO


A concepção trazida por Teubner, em verdade, não se apresenta de fácil
assimilação, porquanto não admite ele que a resolução de conflitos possa ser
confundida ou reconduzida ao direito. Assim, o direito socialmente difuso
estaria inserido nas normas.
Quando afirmamos que a idéia de Teubner nos parece de difícil alcance é
porque nem mesmo a transação seria admitida como uma forma jurídica de
resolução de conflitos. À luz do processo civil, notadamente nesta
especialidade, sem dúvida, há uma grande polêmica.
Contudo, admite que se possa falar em direito elementar acaso se torne
imperiosa uma decisão em caso de conflitos ou que estes conflitos sejam
resolvidos na base legal/ilegal (sistema binário de Luhmann).
Para Teubner a solução dos conflitos se apresenta como forma
heteroproduzida, através de fatores externos. Mas, a fim de entender o Direito
como Sistema Autopoiético é necessária a análise de outros elementos e
formas de conceber o direito, por mais que entendamos que o socialmente
difuso não excluiria a idéia de Direito, mesmo diante de solução de conflitos.

DIREITO SEMI-AUTÔNOMO
A fim de bem entender o direito semi-autônomo, a nota de rodapé constante
na obra de Teubner, como tradução do Prof. Dr. José Engrácia Antunes, irá
bem definir o que venha a ser, ou seja, “o coração do sistema jurídico reside
na estrutura resultante da combinação de dois tipos de normas: as normas
primárias de obrigação e as normas secundárias de identificação, modificação
e atribuição. ”
Assim sendo, as normas secundárias constituem apenas um dos círculos auto-
referenciais do sistema jurídico, não se podendo, ainda, falar em direito
autopoiético.
Pode-se destacar uma idéia do que se pretenda ao se fazer uma distinção entre
a doutrina acadêmica e a praxis jurisprudencial e legislativa.
AUTOPOIESIS JURÍDICA
Somente se poderá admitir o direito como sistema autopoiético a partir do
momento em que haja referências operacionais jurídicas endógenas.
Assim, Teubner admite um moderno positivismo, onde a própria sistemática
do common law, do direito anglo-saxão, poderá ser compreendido como
autopoiético, porque gerado dentro do próprio sistema.
A fim de compreendermos o que se pretende afirmar, é prudente esclarecer
que o ato jurídico deve ser constitutivo e não apenas declaratório.
Analisando o quadro apresentado anteriormente, se poderá concluir que o
sistema autopoiético somente será concebido como tal a partir do momento
em que haja uma perfeita interação entre as formas jurídicas e sociais, se auto-
produzindo e sem interações externas.

CONCLUSÕES

Antes de concluirmos o presente trabalho, é importante destacar que esta idéia


da autopoiese não abandona o indivíduo. E se assim se admitisse, estaríamos
distante de um sistema calcado em idéias de sociologia do direito.
Conforme afirmaria Teubner em sua obra, aqui resumida e comentada, pelo
menos em seus três primeiros capítulos, a autopoiese trará ao indivíduo uma
nova realidade.
É importante que repensemos o Direito e que criemos quebras de paradigmas.
As quebras de paradigmas, contudo, serão sempre – pelo menos diante de
uma inovação e vista superficialmente – difíceis de serem assimiladas, ou,
ainda, aceitas.
A idéia da autopoiese implicaria, sob uma visão holística do Direito, em uma
fonte inesgotável de riqueza jurídica, mas não podemos deixar de lado a
certeza de que o próprio sistema no impulsiona à geração de conflitos e, estes,
por sua vez, deverão ser solucionados.
Diante de toda uma construção autopoiética, teremos a certeza, pelo menos
teórica, da impossibilidade de aplicação de uma súmula vinculante em nosso
sistema judicial, como ora se apresenta, diante das reformas do Judiciário. A
autopoiese não admite o sistema estanque, mas em constante modificação.
E que esta modificação provoque, ao menos, pensamentos a fim de
construirmos uma sociedade justa. Esta a idéia de qualquer jurista.

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