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EM LUTA CONTRA: MAS A FAVOR:

O HOMEM — a improvisação;
— o farisaísmo dos
— da cultura em profun-
didade;

LIVRE pseudos sábios;


— as falsas elites;
— o primarismo e o ne-
— da liberdade justa;
— do conhecimento
honesto;
— da filosofia positiva e
gativismo filosófico. concreta.

UM ESFORÇO EM LUTA CONTRA AS TREVAS

ANO I SÃO PAULO — Março de 1965 N.o 2

A luta pela Liberdade


Mostramos, no primeiro número, ao apre- intelectual, a tolice e a ignorância audaciosa
sentarmo-nos ao público que ainda tem algum e auto-suficiente.
brio dentro de si, nesta época de corrupção e Se lutamos contra isso, em favor da dig-
de delinqüência, em que há a ameaça de se nificação do homem, não podemos deixar de
dissolverem todos os princípios mais nobres nos atirarmos decididamente contra tudo o
do ser humano; que seja ou represente o que é a negação da
que a liberdade é o ato humano por exce- liberdade humana: contra tudo que aumente
lência. É uma conquista também nossa, e con- trevas, que obscureça o que já era claro, que
siste na capacidade de guiarmos a nossa von- reimporte o que já havíamos dejectado, apre-
tade assistida pela intelectualidade, tornando- sentando-nos sob novos rótulos a mesma bor-
-se, pelo conhecimento, capaz de escolhermos ra repugnante.
entre futuros contingentes, aquele que dese- Temos que enfrentar os inimigos do ho-
jamos. mem livre e defensores do homem-troço, do
Nada tem de ver liberdade com licencio- homem-parafuso, do homem-engrenagem, do
sidade, nem com desvinculamento total das homem-instrumento. . .
causas. Que se alinhem do nosso lado os que pen-
A liberdade exige independência dos pre- sam como nós. Se formos poucos, o que não
conceitos e dos «clichês mentais», capacidade acreditamos, não faz mal: nós ao menos lu-
de examinar seus atos, ausência de coação taremos pela dignidade humana, e essa luta
exterior que obstaculize a vontade, quando será bastante para justificar-nos. Que riam
justamente orientada pelo intelecto. de nós os comprometidos com a decadência hu-
Lutamos assim contra todos os que dese- mana, com o retorno do homem não mais à
jam nos transformar em máquinas, em coi- animalidade, mas ao mundo mineral. Nós con-
sas, em troços; que nos querem impingir uma tinuaremos lutando pela dignificação do ho-
lavagem do cérebro para que nele apenas per- mem, do homem cada vez mais humano, do
maneçam as palavras de ordem, os chavões ato humano, que é o ato livre, o que o distin-
gastos pela repetição monótona, o simplismo gue dos animais e das coisas.
meios de impressionar, de des-
Como fomos recebidos pertar paixões, de entregar o
homem aos seus anelos mais
Nenhuma surpreza nos cau- Longa e árdua, porque não primitivos.
sou a maneira como fomos podemos esperar que a nossa Houve quem nos achasse
recebidos, porque o fomos co- divulgação se processe com demasiadamente agressivos e
mo esperávamos: com aplau- facilidade, quando todos os quem nos achasse demasiada-
sos dos que ainda têm dignida- meios de circulação estão em- mente brandos. Outros afir-
de, e desejam uma vida supe- perrados e empaturrados de maram que pretendemos voar
rior para os homens, e com a baixa-literatura. Há uma muito alto. Os primeiros são
agressão daqueles que lutam conspiração universal para os temerosos; os segundos os
pelo homem-troço, pelo ho- destruir a cultura e o ideal irritados, e os terceiros, aque-
mem-coisa. Outros silencia- clássico (quando falamos em les que como os sapos nunca
ram, velho processo de que- ideal clássico não falamos em perdoam o vôo das águias.
rer ocultar o que não nos classicismo, que é uma forma Somos como temos de ser.
agrada, como as crianças que, viciosa daquele), que é um Se há leitores que não nos po-
ao fecharem os olhos, julgam ideal de clareza, de honesti- dem acompanhar na exposição
que se ocultam do mundo. dade de intenções, de formas das idéias,, com o tempo hão
Aqui estamos para prosse- simples e diretas, de nenhum de se familiarizar com elas.
guir uma longa caminhada. uso e muito menos abuso dos Se há os que julgam que de-

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Pág. n.o 2 O HOMEM LIVRE São Paulo, março de 1965

Uma coisa desrespeitada no Brasil: A Reputação Alheia


Não é de hoje que é assim. profanação dos caluniadores e peito à reputação alheia. Por-
Vem desde a formação deste infamadores. tanto, cautela com o que pro-
país a falta de respeito quan- Dom Pedro II foi chamado palam, com o que dizem, s
to à reputação alheia. Não há de ladrão. E ladrão foi cha- preciso verificar a procedência
país onde mais facilmente se mado Rui, e muitos outros ho- do que dizem. Se não é pos-
levante uma calúnia, uma in- mens de reputação ilibada. E sível, é melhor pôr em qua-
triga, uma dúvida sobre a ho- por quem? Por verdadeiros rentena a informação. Lem-
norabilidade de uma pessoa, ladrões, os quais gostam de bremo-nos que a infâmia an-
que não seja atingido um ho- assacar a todo mundo o que da à solta. Houve homens pú-
mem, desde logo, sobretudo na verdade são. blicos, no Brasil, como um
se se projeta por algum va- Se uma inteligência surge Borges de Medeiros, que fo-
lor do que em nossa terra. nesta terra, logo todos os res- ram acusados muitas vezes.
Pelo menos não conhecemos sentidos e invejosos erguem- Mas quando morreram, nada
outra região igual. E possível -se para combatê-la, quando deixaram para as suas famí-
que algum pequeno país em não empregam a tática do si- lias, porque, por amor às suas
formação, na África ou, tal- lêncio, tentando anulá-la. Bas- idéias, boas ou más, pouco
vez, aqui, na América Lati- ta, um pobre e medíocre lite- importa, não tiveram tempo
na, tal prática tenha êmulos, rato ou artista fazer qualquer para cuidar de si, mas apenas
que nos ameacem superar. coisa de somenos importância, do que julgavam melhor pa-
Contudo, afirmamos a nossa para todos os seus pares, ou- ra o seu povo...
ignorância sobre o assunto. tros tantos como eles, fazer Brasileiro, por favor, luta
Não os conhecemos. Conhece- coro do elogio desabrido, pela tua liberdade. Não deixa
mos, sim o que se passa entre atrevido e ridículo. Mas, se que as más sugestões viciem
nós. Aqui não há honorablli- realmente tem valor, ei-los a o teu julgamento, acautela-te
dade que resista à indeeorosa atacá-lo, a anulá-lo, a negá- para não tomares parte no
-lo, a inventar que a obra não coro dos que infamam, dos que
é dele, é feita por outros, pa- caluniam, dos que solapam
(Continuação da l.a pág.) reputações dignas de respeito.
gos regiamente para permi-
veríamos ter um tom mais po- tir que alguém lhe aponha o A. M.
lêmico e cáustico, esquecem nome, etc. Se é um homem
que quando se ergue a voz público, logo o acusam de de-
sonestidade. Não é preciso re- Em todas as boas livrarias
se está a ponto de perder a
razão. latar o que se passa, basta «ORIGEM DOS GRANDES
apenas advertir o leitor. Nos- ERROS FILOSÓFICOS»
Queremos, por outro lado, so jornal procede, por ora,
ser como somos. E prossegui- de Mário Ferreira
remos assim. Precisamos de nesta primeira escala de sua dos Santos
ação, por advertir o leitor,
amigos, apenas de amigos.
Nossa vitória será também a mostrar-lhe o que se passa, o Uma obra que nos mostra
que se faz, o que se empre- de onde se originam os
vossa, companheiros, porque
nada mais somos que a vossa ende neste país, para que pos- grandes erros no filosofar.
voz que se propaga, que a samos, a seguir, analisar, Pedidos pelo reembolso pa-
vossa vontade que atua, que mostrar seus erros, sua fal- ra DISTRIBUIDORA DE
a vossa consciência que se sidade, e propor, afinal, a me- LIVROS SAO NICOLAU
afirma, que a vossa esperança lhor solução. LTDA. — Rua Bittencourt
em busca de realização. Em suma, brasileiro bem Rodrigues, 120 e 136 —
intencionado que lê este jor- Tel. 37-6484 — S. Paulo
A Redação nal: cautela com o desres-

Os grandes temas que surgem em torno do problema histórico, do econômico, do


sociológico e do político, que preocupam as mentes modernas, são examinados
proficientemente na coleção
«O PROBLEMA SOCIAL» — 9 vols. encadernados — 2fi edição.
de Mário Ferreira dos Santos — o mais enciclopédico autor brasileiro de todos
os tempos. Compõem a coleção: «Tratado de Economia», em 2 vols., «Filosofia e
História da Cultura», em 3 vols., «Análise de Temas Sociais», em 3 vols., e
«O Problema Social», em 1 vol.
Vendas também pelo crediário, em suaves prestações. Pedidos para a Livraria e
Editora LOGOS Ltda., rua 15 de Novembro, 137 — 8.° andar — Tel. 35-6080.
Pedidos, também, pelos tels.: 33-3892 e 31-0238.
à Praça da Sé, 47 — l.o andar — S/ 12 — SÃO PAULO.

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São Paulo, março de 1965 O HOMEM LIVRE Pág. n.o 3

O auto-elogio, que é o mais


destrutivo possível, consegue
DECADÊNCIA NACIONAL? esvaziar cedo as possibilidades
de criação de muitos escrito-
res. É triste ver o espetáculo,
A simples colocação da in- mente, quando é apenas uma no Brasil, de tantos escrito-
terrogação já indica uma dú- escolha intelectual, dirigida res que julgamos já mortos e,
vida. Fala-se muito, entre nós, pela vontade lógica, no pro- no entanto, com surpreza e
sobre a nossa «decadência». nunciar sons vazios de senti- espanto, sabemos que ainda
Somos um povo que retrocede, do ou descrever formas vazias vivem. Houve quem dissesse
que olha para o passado, que de almas, é cair, é decadência. que as maiores obras brasi-
já começa a recordar o que Neste caso, ainda, estamos em leiras estão nas gavetas. E de
fêz e o que foi. decadência. E assim o dizemos nossa parte podemos dizer que
Realmente, se voltamos os porque há decadência e mui- é verdade. Conhecemos mui-
olhos para os tempos do 2.° tos de seus representantes do- tas obras de autores que nun-
Império, vemos aquelas figu- minam as letras, os postos su- ca iriam pedir a editores a pu-
ras másculas, vemos esse periores da intelectualidade do blicação, temerosos de serem
imenso, grande e desconheci- mundo inteiro. Ressentidos confundidos com alguns se-
do dos brasileiros, que foi o com a vida, angustiados e in- nhores das páginas literárias
Visconde de Mauá, mais com- capazes de vencer sua angús- dos jornais, revistas etc. Há
preendido e respeitado em ou- tia, dominados por seus deses- trabalhos profundos, obras de
tros países do que aqui. Se re- peros mais intelectuais, e ani- investigação, estudos cuidado-
cordarmos o que fomos como mados por uma feminilidade sos de grandes problemas nos-
potência e o que somos hoje, confundida com alma artísti- sos, obras de ficção, que ultra-
realmente nos enchemos de ca, com certo sadismo mani- passam o campo do candida-
amargura e de nostalgia. Não festo na apreciação do doloro- tismo ao; «best-seller» máximo
poderíamos falar de decadên- so, do híbrido, do doentio, do ideal de pseudos-escritores,
cia sem que primeiramente mórbido, do demoníaco, julgam que, para tal, fazem todas
disséssemos o que é, o em que que fazem obra benéfica ao concessões aos leitores medío-
consiste realmente a decadên- homem, quando pintam, retra- cres, para proclamarem, de-
cia. Como esse tema ultrapas- tam, reproduzem, espelham as pois, orgulhosamente, a quan-
sa os limites de uma nota, vol- misérias, as fraquezas, as co- tidade de leitores que tiveram.
tará a ser tratado com me- vardias, as indignidades hu- Que conseguem eles senão a
lhor carinho em próximas pu- manas. mesma gloríola dos grandes
blicações. Mas, precedendo em Não conhecem aquele irmão craques, cujos nomes já nin-
parte ao que em breve será viril da compaixão de que fa- guém mais conhece.
tratado, poderíamos dizer que, lava Nietzsche, aquele sentido
másculo de revolta ante a dor Em todas as eras houve des-
na palavra decadência, está ses caçadores de notoriedade,
encerrado mais de um concei- injusta, ante a injustiça, aque- e eles, realmente, consegui-
to, o que tem levado a algu- la indignação moral que, para ram alguma coisa dentro da
mas confusões bem graves. surgir, exige desde logo alma
estreiteza dos tempos, acompa-
Assim declinar, descer, cair, varonil, espírito elevado, dig- nhados do silêncio posterior
partir para baixo, é decadên- nidade, porque só se indignam dos estudiosos e dos bons lei-
cia quando se procurasse o que moralmente os que têm brio. tores. Mas, hoje, esses ansio-
está em baixo, ou seja, quan- A esse sentimento nem as sos de cartaz, máximo ideal de
do especulamos com a baixa nossas línguas ainda lhe de- medíocres, dominam, pululam,
dos valores. Nesse caso, toda ram um nome. Não o mereceu dirigem editoras, controlam
a nossa época é de decadência, por ser raro. A compaixão co- jornais, revistas, rádios, e
porque especulamos desenfrea- mum, a pena, são fáceis de fa- impõem (o que é pior) a dita-
damente na baixa. Ê contra zer vibrar as cordas emocio- dura do seu mau gosto e da
essa especulação desenfreada nais de qualquer ser humano. sua ignorância. O máximo que
que nos movemos. Declinar nos A outra exige, antes de tudo,
alma digna. E normal sua atingem na literatura é rela-
valores culturais, nos meios de tar os fatos cruéis e inferio-
expressão, de transmitibilidacle quase total ausência. . .
Mas, continuando no exame res da vida, através de re-
de emoções ou de idéias, no
repetir friamente, no rebuscar do que é nosso, que reflete em portagens sem distinção, que
falsas originalidades para en- grande parte o que se veri- eles chamam, depois, de ro-
cobrir a deficiência do conteú- fica em quase todo o mundo, mances, ou escrever versos ce-
do com os continentes de as- cada dia que passa, sentimos rebrais, rebuscados, em que
pecto excitante, no ter como que se guindam aos postos sentimos desde logo o supre-
temas os momentos depres- mais altos os piores. Há uma mo e fatigante esforço do po-
sivos, inferiores do homem, seleção cuidadosa dos valores bre poeta à procura da origi-
para provocar uma compai- mais baixos. nalidade à custa dos maiores
xão intencionalmente procura- Os grupelhos organizados, malabarismos; na pintura
da, deprimindo ainda mais quer na política, corno nas le- aproveitar-se da liberdade
aqueles a quem se dirige, no tras e nas artes em geral, criadora da arte moderna, pa-
empregar as formas mais ca- constróem resistências terrí- ra encobrir sua incapacidade
nhestras para esboçar simples- veis aos valores independentes. de criar, inventando, desde

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Pág. n.° 4 O HOMEM LIVRE São Paulo, março de 1965

(Conclusão da 3.a pág.)


Contradição entre Marxistas
logo, um ismo, que, a priori,
justifica a obra e, na filoso- Quando um deficiente in- rio sobre o assunto. Mas es-
fia, nas ciências sociais, o má- telectual marxista (como o ses cavaleiros (porque cama-
ximo é atingir à filosofia de são muitos, senão quase to- radas não são uns dos outros,
Marx, lê-lo (e não entendê-lo), dos) diz que os antigos (e já que vivem devorando-se
comentá-lo, segundo as últi- aqui quer referir-se de cam- uns aos outros) desconhecem
mas disposições de Moscou, bulhada a idealistas, raciona- tais estudos e, por isso, ar-
explicar tudo, tudo, tudo pelo Hstas, escolásticos, etc.,) não voram-se em novos colombos
materialismo histórico, falar compreendiam que uma coisa do que já foi descoberto, mas
em dialética e não saber apli- é algo móvel, algo que de- confusos, porque o que esta-
cá-la, senão para justificar os vêm, que está em constante va claro passa a ser obscuro
ataques de hoje aos elogiados vir-a-ser, e que, portanto, é nas suas mentes. A contradi-
de ontem, e os elogios de hoje impossível considerar-se tal ção implica a oposição entre
ao atacado de ontem e, na po- coisa estàticamente, como o ente e não ente, presença e
lítica, falar em democracia faziam tais filósofos, diz to- ausência do mesmo no mes-
sem procurar sentir o que há lice e da grande. Em primei- mo sob o mesmo aspecto e si-
de mais profundo nesse con- ro lugar, será que não despon- multaneamente: contrarieda-
ceito, sem procurar estudar a ta no cérebro de tais cava- de é a oposição entre ente e
realidade nacional, que não é lheiros que os antigos também ente, e os contrários podem
aquela dos jornais nem dos percebiam que uma semente ser e são positivos, e podem
literatos falseadores, nem dos se torna arbusto, este em ár- ser simultâneos. Um ser hu-
doutorescos discursos dos po- vore, e que esta se cobre de mano não contradiz a si
líticos. flores e dá frutos etc? Será mesmo porque é hoje adulto,
Desde já fique clara a nos- que os antigos não tinham es- quando antes era jovem. Há
sa atitude ante tais campos. sa acuidade mental (em para- algo que é o mesmo através
Não aspiramos ao cartazinho, lelo com tais gênios moder- dessas mutações. Um estado
nem queremos notoriedade. nos), que não fossem ca- pode substituir o outro, sem
Não exploramos o que há de pazes de verem também, tais contradizê-lo, pois as mudan-
baixo no homem. O homem mutações ? Tais afirmativas ças se dão no mesmo, embora
precisa amar um ideal de su- seriam trágicas se não fos- indiquem estados distintos.
peração, precisa desejar e sem tão ridículas. Perdoem-nos esses senho-
querer realizar o que até lhe Mas o que acontece é o se- res. Mas aconselhamo-lhes que
pode parecer, à sua visão de- guinte: o arbusto não é a estudem melhor a matéria, e
formada pela mediocridade, contradição da semente, nem evitarão, assim, de andarem
impossível. Ei muito fácil, por propagando trevas. Não é ape-
covardia, por displicência, por a árvore a contradição do ar-
busto. São apenas virtualida- nas neste ponto que os mar-
incapacidade, exclamar «que é xistas são deficitários. É em
assim porque sempre foi as- des que se realizam numa es-
sim», ou, então, essas famosas calaridade, segundo uma lei. quase tudo. O déficite de
frases já conhecidas de que «é São momentos distintos, opos- idéias encontra ressonância
preciso viver segundo as con- tos sem dúvida, não contra- em mentes primárias, e não
dições do tempo», como se ditórios. O contraditório c uma é de admirar a propagação de
não fosse o homem um ser ca- oposição entre ente e não en- idéias desse jaez. O que é im-
paz de fazer a história, embo- te, que afirma presença e si- perdoável é a auto-suficiência
ra dela sofra sua influência. multaneamente ausência. Há que os domina, a presunçosa e
15 preciso ver o homem dialè- contradição quando se afir- atrevida atitude tão própria
ticamente como criador e cria- ma simultaneamente, e sob o do ignorante que, ao saber al-
tura, como agente e paciente, mesmo aspecto, a presença e guma coisa, logo julga que já
como atuante e como atuado. a ausência da mesma coisa. sabe tudo...
Aqui as sínteses, quando que- Ora, o arbusto não é a pre- N.
rem reduzir os dois termos sença e a ausência simultâ-
opostos a um só, são, além de nea da semente, nem a árvo-
perigosas, falsas. Um bom te- re quanto ao arbusto. Se a Difunda este jornal, ad-
ma para o futuro: o papel de- semente continha de certo
cisivo das idéias na história modo potencial o arbusto, es- quirindo-o em sua reda-
do homem. Numa época, co- te conserva de certo modo, po- ção e distribuindo pelos
mo a nossa, em que muitos re- tencial epimeteicamente, a se- amigos.
petem, como bons ecos, de que mente, etc. Não são contra-
é apenas a economia que diri- ditórios, porque afirmar o ar- Este é um jornal de cul-
ge a história, esse tema já re- busto não é afirmar a semen- tura. Deve o leitor compre-
ceberá desses ecos um sorriso te na sua atualidade, nem
de superioridade, ou um gesto ender que sua divulgação
afirmar o arbusto atual. Os
de repulsa. Mas voltaremos a antigos já haviam estudado não será facilitada pelos
seu tempo. as mutações e Aristóteles es- meios comuns.
T. A. creveu um livro extraordiná-

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São Paulo, março de 1965 O HOMEM LIVRE Pág. n.» 5

Proletário, Esta Página te Pertence


Um proletariado inculto não poder á alcançar um nível mais elevado
de bem-estar — Sem aumento d a produtividade, não há melhoria
real nos salários — Um proletária do que luta contra si mesmo: o
proletariado do Brasil!
Como não somos políticos, Outra verdade, que é preci- vel não tem reservas, e não
nem temos intenções eleitorei- so que se saiba, é que não há tem assim meios de organizar
ras, nem vocação para líde- povo que consiga consumir a luta pelo seu bem-estar;
res de trabalhadores, nem mais do que produz, a não 5) sendo pobre é mais fa-
demagogos, que apenas dese- ser que receba favores do es- cilmente explorado em suas
jam fundar seus benefícios trangeiro. necessidades, e pagará muito
sobre a miséria alheia, de mo- Como pode ter melhor pa- mais do que deve pelo que
do algum nos poremos a fa- drão de vida a nossa gente precisa.
zer reverências, a tecer elo- se o índice de produtividade é 6) Deste modo os escanda-
gios, a prestar homenagens, a baixo em relação aos povos losamente ricos poderão se
bajular os trabalhadores, lan- mais adiantados do mundo? tornar cada vez mais escanda-
çando mão daquele vocabulá- Não há milagres aqui. Se o losamente ricos;
rio já famoso e daqueles cha- nosso trabalhador quiser me- 7) os homens empreendedo-
vões, que os eternos explora- lhorar de vida tem de deixar res, que querem trabalhar ho-
dores do povo costumam em- de pedir leis a seu favor, mas nestamente na indústria e no
pregar. construir costumes, bem de- comércio, não podendo mobi-
Não nos interessa a polí- fendidos por êle, a seu favor. lizar capitais e ajudar os tra-
tica, porque não temos voca- Quem produz, quem é capaz balhadores a libertarem-se,
ção para coisas sujas. de realizar mais do que qual- têm de permanecer subordina-
O que nos interessa é dizer quer pseudo-trabalhador, tem dos ao capital financeiro, e
certas verdades, doam a quem força moral para ir ao pa- presos ao mercado negro de
doer. trão e exigir seus direitos. moeda, o que é um fator de
Há uma verdade comprova- Mas o patrão, se quiser aten- encarecimento, o maior fator
da, uma verdade prática na der o trabalhador, não pode, que há neste país;
economia e na política. porque outro, que não cum- 8) conseqüentemente, os
Onde há grande miséria, há pre a sua obrigação, apela pa- preços têm de ser altos, sem
ricos escandalosamente ricos. ra a lei, e quer equiparação que tragam benefícios a quem
A grande fortuna, ganha de salário. Tudo isso vem em trabalha como operário nem
por meios escusos, só pode benefício do trabalhador ? ao patrão pequeno e médio,
fundar-se na corrupção, e es- Não. E por que se procede sempre com a corda no pes-
ta exige a ignorância, porque assim ? Procede-se assim, coço e a espada de Dámocles
sem ignorância não há víti- porque, deste modo, a produ- (boa tirada! muito emprega-
mas fáceis, não há defrauda- tividade não aumenta e então da e abusada) sobre a cabe-
dos aos montes. acontecem estas coisas: ça, de modo a não poder unir-
Onde há menor miséria, há 1) não havendo produtivi- -se ao trabalhador para uma
menor número de ricos escan- dade, o Brasil será sempre um luta reivindicatória em bene-
dalosamente ricos. país atrazado, e isto convém fício da maioria;
Para que proliferem os aos senhores do mundo, que 9) um proletariado igno-
<gangsters» sancionados por não querem que um país, que rante receberá os agentes dos
leis é mister ignorância e uma possui quase nove milhões de poderosos, trasvestidos de
falsa elite de intelectuais que quilômetros quadrados de ter- amigos do povo, como líderes
não se interesse pelas coisas ra rica, entre no mercado in- e salvadores e deste modo
do país ou, então, que explo- ternacional como potência; passará a transformar-se em
re politicamente as massas, 2) o trabalhador, não pro- massa eleitoreira para eleger
porque esses amigos dos tra- duzindo o seu salário, nunca precisamente os representan-
balhadores de hoje serão os tem um aumento real, mas tes dos escandalosamente ri-
escandalosamente ricos de apenas em cifras, porque os cos e exploradores.
amanhã. Procurem que os preços sobem numa proporção 10) E o resultado final é
acharão, e que a regra é geral. até maior; isso que está aí.. .
Se há excepções, é capaz de 3) um proletariado pobre é E disso não sai o trabalha-
perceber-se que houve algu- um proletariado ignorante e dor por nenhum dos meios
ma coisa errada por parte do facilmente manejável pelos oferecidos. Não sai por meio
demagogo que não soube politiqueiros de toda espécie, de eleições, porque mesmo que
aproveitar a oportunidade. Al- presa fácil dos demagogos; elegesse homens competentes
gum erro lamentável. . . 4) um proletariado miserá- e honestos, estes estarão to-

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Pag. li.» G O HOMEM LIVRE São Paulo, março de 1985

lhidos pelos interesses criados,


organizados em grupos de
Vamos, amigo trabalhador,
vê se ficas um pouco mais in- Os Jesuítas e Darwin
«gangsters», apoiados pela lei teligente. Só ganharás com
e oficialmente reconhecidos. isso. Em 1959 comemorou-se o
Não sai entregando-se nos NOTA: — O artigo que pu- centenário da publicação da
braços dos revolucionários ca- blicamos no número anterior, obra principal de Charles
nhotos, porque estes não li- houve quem afirmasse que o Darwin «A origem das espé-
bertam ninguém, mas substi- mesmo era demagógico, ape- cies». Em homenagem a essa
tuem algemas por outras mais sar de nossas reiteradas ma- obra, que abriu um novo cam-
duras e terríveis. nifestações contra a demago- po de discussões biológicas e
Então que é preciso fazer? gia. Mas é fácil estabelecer antropológicas, os jesuítas or-
O que se deve fazer é que que não há procedência na ganizaram, na Alemanha, com
a juventude inteligente e ho- acusação. Quem afirmou tal a colaboração de autores je-
nesta, que ainda há e muita, coisa sabe que o termo dema- suítas especializados de todo
em vez de servir aos dois la- gogia vem do grego gogia, o mundo, uma obra de gran-
dos, ingenuamente ou malicio- que significa condução e de- de valor «Das stammesgeschi-
samente, cuide de tornar-se mos, que significa povo, con- chtliche Werden der Organis-
mais capaz de lutar pela ele- dução do povo, ou liderismo men und des Menschen» («Ori-
vação das massas à cultura, popular. Chamavam demago- gem histórica da transforma-
por meio de formas coopera- gos a esses líderes populares ção dos organismos e do ho-
cionais, em que se unirão pe- que, como os de hoje, também mem»). Esta obra teve uma
quenos esforços para reali- acabaram por tornar o ter- edição espanhola, lançada na
zar ações fortes e poderosas. mo demagogia um termo pe- famosa coleção BAC, Biblio-
Em vez de se prestarem ao jorativo, significando a ação teca de Autores Cristianos,
papel de agitadores vulgares política que tende a mover o com o título de «Origem da
e estúpidos, tornem-se mes- povo para atos destrutivos ou Vida e do Homem», que já se
tres de libertação real. Pri- para uma política de destrui- acha à venda entre nós, e que
meiro, aprendendo mais, estu- ção. O demagogo nunca foi deveria ser lida por todos
dando mais, pensando mais criador, nunca estabeleceu aqueles que não estão com-
em servir aos outros do que normas positivas de ação. prometidos pelo sectarismo
em estudar meios de fazer os Sempre explorou o natural
outros servirem a seu favor. filosófico. Há muitas pessoas,
ressentimento das multidões influídas pelo positivismo, pe-
Segundo, buscando aplicar para seu benefício e todos, na
formas simples e reais e não lo voltairismo e pelo materia-
História, terminaram sátra- lismo ingênuo dos séculos
quimeras tolas em benefício pas, vivendo à custa do san-
dos que precisam e só podem XVIII e XIX, que julgam que
gue e da vida daqueles que
contar com a boa vontade as- os apoiaram. Ora, se se ler obras provindas do setor ca-
sistida pela inteligência diri- com atenção o que escrevemos tólico são obras superadas.
gida para fins justos e huma- naquele artigo e neste, não se Ainda não nos mostraram es-
nos. encontrará nenhum laivo de sa superação, porque os exem-
Aprendam a libertar-se pa- demagogia, mas, sim, de um plos de superação que ofere-
ra libertar os outros. incitamento para que homens cem são ludíbrios da inteli-
E quanto a ti, trabalhador, trabalhadores construam uma gência humana, e nada mais.
lembra-te que toda vez que visão construtiva da vida. Ou- Como há um preconceito mui-
diminuires teu ritmo de tra- tros nos acusaram de escre- to geral em certas cama-
balho, toda vez que produzires vermos num tom que o prole- das intelectuais de que a es-
menos, pagarás em dobro o tariado não entende. Enga-
de que precisas, porque o que colástica é o que eles carica-
nam-se. O proletariado é mais turalmente representam, jul-
tu produzes será mais caro, e inteligente do que julgam es-
outro comprará mais caro, gam que «não devem perder
ses críticos, e sabe onde lhe o seu tempo» em ler tais
mas, em compensação, com- dói a pedra no sapato. Ade-
prarás mais caro o que outro obras, mas, sim, e apenas, as
mais, o que escrevemos des- equívocas e pretenciosas ba-
produziu, fazendo o mesmo tina-se, sobretudo, aos que,
que tu. boseiras que falsos sábios e
movidos por intenções hones-
E no meio disso tudo, só um tas poderão orientar o prole- intelectuais confusos produ-
não perde. O intermediário en- tariado para um caminho que zem para gáudio de basba-
carecedor, porque este não se o afaste de seus eternos ex- ques e ignorantes, e que ou-
preocupa que produzas menos, tros, mais atrevidos ainda,
porque pagarão mais. E este ploradores.
proclamam como os novos
continuará gozando a sua oráculos do saber.
«dolce vita», porque este é o Se este jornal corresponde
maior propagandista da «dol- ao que desejava, ajude a
ce vita», porque tendo o en-
dereço dos dois (do que pro- difundi-lo, obtendo leitores O preço deste número
duz e do que consome) fica do mesmo grau que o seu. é de Cr$ 100
com a parte do leão.

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São Paulo, março de 1965 O HOMEM LIVRE Pág. n.» 7

Os sinais, um tema de máxima atualidade


Hoje em dia, em face do seguindo.se os caminhos da Por sua vez, o termo símbo-
desenvolvimento das chama- lógica clássica são eles solu- lo, entre os gregos, era um
das lógicas matemáticas, ló- ciona veis; sinal de reconhecimento. Pri-
gicas simbólicas, etc, e da 7) que no âmbito da lógica mitivamente, ao tomar-se um
proliferação de livros sobre o simbólica, e entre os logísti- objeto, e cortando-o em dois
tema dos sinais e da Lógica, cos em geral, há uma hetero- (como uma moeda), para que
não podemos deixar de con- geneidade de opiniões e que servisse como sinal de amiza-
tribuir, dentro de nossas for- cada um repele o que o outro de ou de reconhecimento, cha-
ças, com algo no intuito de diz, havendo entre seus se- mavam-se de símbolos essas
dissipar tanta treva, tanta guidores controvérsias que ul- partes que, reunidas (symbal-
sombra, tanta confusão que trapassam os limites do ridí- lô), serviriam para reconhe-
se faz aqui, que mais tem culo e raiam os da loucura; cer os portadores e provar as
servido para confundir os já 8) que a maioria revela um relações da amizade anterior-
confusos, e ameaça precipitar atrevimento tolo e caricaturi- mente estabelecida, como se
naquela aqueles que ainda za o que foi feito, quando não fazia em relação aos hóspe-
não foram arrastados para es- maliciosamente deforma o que des, para que, no futuro, fôs-
se abismo. se realizou, com inequívoca ser reconhecidos por tais si-
Sabemos que a incumbên- manifestação de má fé; nais, etc. Deste sentido geral,
cia que assumimos é vasta e 9) que são considerados co- partiu para outros mais espe-
difícil. E sabemos que as- mo «sumidades», rematados cíficos, sobretudo como ima-
sim é, porque teremos de tolos pretenciosos; gem sensível, para representar
traduzir para uma linguagem 10) que, enfim, se queremos uma realidade supra-sensível.
acessível a todos o que é aco- lutar por algo que leve avan- Neste sentido, o báculo dos
bertado por sombrias expres- te os estudos lógicos, precisa- reis, báculo do pastor, como
sões que ocultam, na verda- mos saber percorrer com sin- pastor dos homens, o circulo
de, não algo realmente pro- ceridade e honestidade os ca- como imagem sensível que
fundo, mas apenas um pân- minhos que foram traçados aponta à realidade supra-sen-
tano de águas sombrias. pelos grandes gregos e pelos sível do infinito, etc. Neste
Assumiremos, portanto, uma escolásticos, sob pena de es- sentido foi usado por séculos
série de compromissos, que tarmos rejeitando um patri- e séculos pelas religiões, e por
passamos a enumerar: mônio cultural que não per- todos os homens do mundo oci-
1) que o conceito de sinal, tence a nenhum setor, mas, dental. Neste sentido, fala-se
como é comumente aceito por sim, à humanidade. no simbolismo das religiões,
tais autores, além de confuso Seguiremos este caminho, do direito, da política, etc.
é falso; como dissemos, dentro dos li- Mas era preciso mostrar-se
2) que a lógica matemáti- mites de nossas forças, mas moderno. Era preciso criar
ca, quanto às suas contribui- com o intuito de contribuir- uma novidade. Estamos na
ções verdadeiras, estas já es- mos, não para aumentar tre- época do homem de negócios,
tão contidas na Lógica clás- vas, mas para dissipá-las. criador de novidades, que lan-
sica, as outras são por sua vez ça com novos rótulos e novas
falsas; O Ql:E É SÍMBOLO? denominações, velhos conteú-
3) que a problemática apre- dos. Então surgiram os «ino-
sentada é produto de defi- Como este termo, entre vadores», como o sr. Ogden, o
ciência e não de proficiência; muitos logísticos (quase to- sr. Charles Sanders Peirce, o
4) que a quase totalidade dos) tornou-se sinônimo de sr. Charles W. Morris, o sr.
dos chamados lógicos moder- sinal, vamos examiná-lo, para Richards, o sr. Russell e ou-
nos, que seguem o que fre- demonstrar que há total im- tras «sumidades» modernas, e
qüentemente se chama logís- procedência nessa sinonímia, resolveram que símbolo = si-
tica, pensam que a lógica que mais atende a intuitos nal. São sinônimos pionto,
clássica ^é apenas a Lógica confusionistas do que de es- igualzinhos. Acabe-se com es-
Formal, e quase nada enten- clarecimento. sa coisa de se querer que sím-
dem da Lógica Predicamental, A palavra símbolo vem. co- bolo seja uma espécie de si-
Ia Lógica Material e da Ló- mo todos sabem, do grego nal. É sinal apenas, e nada
gica Demonstrativa, nem das symbolon, que por sua vez mais. E avançou-se deste mo-
mais altas investigações da provém do verbo symballein, do um passo à frente no co-
boa Dialética; formado de syn e bailo. Bai- nhecimento. Assim a raposa,
5) que essa lógica, em vez lo significa atirar, lançar e como símbolo da astúcia, é a
de desenvolver mentalmente o assim, neste sentido, os em- mesma coisa que qualquer ou-
homem, tende a mecanizá-lo; pregaram os gregos; e syn, tro sinal, como a luz verde,
6) que há uma série de quer dizer junto, ao mesmo no trânsito. Ora, compreen-
problemas lógicos, que ela não tempo, e é representado pelo dendo-se que no símbolo há
é apta a resolver, enquanto nosso com. uma participação formal com

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Pág. n.° 8 C HOMEM LIVRE São Paulo, março de 1965
o simbolizado, o simbolo ofe- cie uma mente (estrutura psí- te que sinal teria de ser estu-
rece uma analogia com o sim- quico-somática do homem), e dado no âmbito da categoria
bolizado, como muito bem o essa mente, como é fácil com- da relação e, portanto, sujeito
demonstrou Mário Ferreira preender, é algo que o dis- a ter as propriedades que tem
dos Santos em seu «Tratado tingue, especificamente, dos a relação, já que as proprie-
de Simbólica». Assim o enten- outros animais, porque o ho- dades do gênero são também
deram as religiões. As máxi- mem é um ser capaz de jul- propriedades da espécie.
mas pitagórias, que se refe- gar, raciocinar, apreciar valo- Assim o sinal une, por meio
rem a analogias não intrínse- res, buscar os nexos das coi- de algo, uma coisa significa-
cas, mas extrínsecas, são ale- sas, captar possibilidades de da ao cognoscente.
gorias, que é uma espécie de possibilidades, traçar rumos Mesmo quem não conheça
símbolo. Assim entenderam as para a sua práxis, etc. E isso bem as regras da divisão e
religiões de todos os tempos, chama-se racionalidade. é, da disjunção, logo perceberá
e em todos os países, em to- pois, um animal racional (al- que um sinal ou é dado pela
dos os ciclos culturais. Mas os guns irracionalistas poderão natureza (sinal natural), ou
geniais criadores da logística estremecer de repugnância é escolhido pelo homem (arbi-
resolveram acabar com isso. ante esta afirmação, e outros, trário). S possível ainda ser
Símbolo = sinal, e nada mais. que não acreditam na inteli- dado pela natureza e arbitra-
Não é espécie, não; não tem gência humana, por experiên- riamente ter um aspecto sig-
nenhuma diferença específica, cia própria, são capazes de nalativo dado pelo homem
é igual ao gênero. sorrir. Mas, sorrir senhores, (que é o caso do símbolo, co-
Mas que bestial progresso, não o fazem os animais. Es- rno ainda veremos).
como exclamaria um lisboeta! tes apenas fazem esgares,
Mas senhores, o símbolo é não são capazes de sorrir, Então, temos: sinal natural
um intermédio entre o sinal pensem bem nisto, e, pronto, arbitrário ou convencional.
natural e o sinal convencio- desaparecerá o sorriso).
nal. Tratemos, pois, deste pon- Essa situação do homem Natural é o sinal instituído
to. (lamentável para alguns) le- pela natureza, como a fuma-
va-o a ter pensamentos, e co- ça, que é sinal do fogo.
VISÃO PROPEDÊUTICA DO mo vive com seus semelhan- Arbitrário ou convencional
QUE Ê SINAL tes, tem de comunicá-los para é o estabelecido pela vontade
que estes o entendam. E terá (arbitrária) de um ser inte-
Os estudos sígnicos não fo- que usar algum meio para fa- ligente, que convenciona que
ram iniciados pelos que atual- zê-lo, e este meio é o que se signifique isto ou aquilo.
mente tratam dos mesmos, chama sinal, o que assinala, o O sinal natural ou é imagem
pois já os gregos haviam se que aponta ao que pretende (no lat. imago, no grego ei-
dedicado a eles, e os escolás- comunicar. Deste modo, e konos, de onde ícono, empre-
ticos desenvolveram obras ex- aqui parece haver total acei- gado pelos modernos estudio-
traordinárias sobre o tema, tação, sinal é algo que aponta sos da matéria), ou não é
totalmente desconhecidas des- a outro que êle. Mas neste imagem.
ses novos colombos retarda- sentido, sinal estaria sendo É imagem quando repre-
dos. E faziam-no com mais tomado em latíssimo sentido. senta outro por semelhança;
proficiência e segurança, por- E é simples, porque esse quando não representa desse
que, munidos de melhor mens apontar a outro que êle é uma modo, não é imagem.
philosophica, e de maior dis- relação que implica outro ter- A imagem pode ser instru-
ciplina mental, eram capazes mo, o haver algo que o en- mental ou formal. O primeiro
de dar à matéria uma segu- tenda. Deste modo, sinal é al- sinal é o que, mediante prévia
rança que permitia a sua ho- go que aponta a outro e o notícia de si mesmo, represen-
mogênea aplicação, e não a torna pelo menos cognoscível ta outro que êle;
confusão que ora se observa a outro. O sinal está, pois, em formal o que, sem prévia
em que uns, açulados pelas lugar de outro, que é o assi- notícia de si mesmo, repre-
idéias confusas, acusam os nalado, que êle aponta, indica. senta imediatamente outro
outros de confusão, tornando- Portanto, o sinal requer: a) que êle. A estátua é uma ima-
-se o campo dos estudos so- alguma coisa significante (si- gem, e é um sinal instrumen-
bre os sinais, modernamente, nal); b) a coisa significada tal.
o mesmo saco de gatos que (assinalado); c) o nexo entre O gemido é sinal natural
criaram na estética, e sobre êle e a coisa significada (a es- instrumental da dor; o sinal
o tema dos valores, que deu pécie desse nexo é que esta- verde do trânsito um sinal
ensanchas a tanto literato ma- belece a espécie de sinal, se- instrumental arbitrário. O
logrado vir distilar sua pro- nhores logísticos); d) o sujei- conceito formal é um sinal
funda ciência nesse campo, to cognoscente, ou seja algo formal (forma intencional),
onde os mais fantásticos pal- apto a compreender o que pois sem prévia notícia de si
piteiros deram os mais fan- aponta o sinal, pois um sinal mesmo representa outro que
tásticos palpites. que não tenha essa relação si mesmo.
Ora, o ser humano é um não é sinal para nada. Assim a palavra é um ter-
ente composto de um corpo e Deste modo, se vê facilmen- mo oral, uma voz, um som

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São Paulo, março de 1965 O HOMEM LIVRE Pág. n.° 3
ou não, articulado ou não, que
significa alguma coisa. Tem PRÓXIMAS EDIÇÕES DA EDITORA
uma universalidade de signifi-
cação, pois aponta para um MATESE
conceito. Este, por sua vez,
também sinal, tem uma uni- A Editora MATESE lançará em breve as se-
versalidade de representação, guintes obras:
pois significa a forma inten- «Dos Sinais» — de João de São Tomás, tradução, no-
cional. Até aí um nominalista, tas e comentários de Mário Ferreira dos Santos.
que tenha alguma firmeza Eis uma obra clássica sobre um tema atual, que
mental, pode chegar. O resto foi tomado com clareza e precisão por esse fa-
vem depois, e já exige mais, moso autor (De Signum secundum se), em con-
como veremos. traposição à maneira confusa e bárbara como é
Partindo-se destes conceitos tratado em nossos dias.
simples, podem-se esclarecer
outros muito comuns: símbo- «Do Primeiro Princípio» (De primo principio) de Duns
lo, como vimos, é um interme- Scot, com notas, comentários e um prefácio so-
diário entre o sinal natural e bre a obra e o pensamento do famoso Doctor
o convencional; o indício (in- Subtilis, por Mário Ferreira dos Santos.
dex para alguns modernos), «Sobre a Verdade» — Textos de Tomás de Aquino,
chamado pelos antigos vesti- sobre o aspecto mais genérico desta matéria, de
gium, é um sinal instrumental. tanta atualidade, quando é comum, entre os que
Esta rápida explanação, desconhecem os estudos já realizados sobre tal
contudo, tem apenas uma in- tema, afirmarem, com ares de superioridade, que
tenção: dar as noções gerais não há verdade, ou que interrogam «que é a ver-
para que se possa discutir a dade?», como se se tratasse de tema sobre o
teoria dos sinais, e nos permi- qual nada se pode responder. A tradução, as no-
ta fazer, nos próximos núme- tas e comentários desta obra são de autoria de
ros, algumas análises sobre o Mário Ferreira dos Santos.
que se tem escrito moderna- «Diálogos de Platão» em 12 vols. Traduzidos e co-
mente pelos colombos retarda- mentados por Mário Ferreira dos Santos.
dos de nossa época. Mostrare- Estas obras são algumas que constituem a
mos que essas novas descober- biblioteca Filosófica Matese», sob a direção de
tas da pólvora são apenas ve- Mário Ferreira dos Santos.
lhos conhecimentos indevida- Em breve anunciaremos seus próximos lança-
mente esquecidos, mas que mentos.
têm um aspeto negativo: defi-
cientes e confusos, num terre-
do fim do século XIX e prin-
no onde havia clareza e pro- AS NOSSAS ELITES cípios deste com a que existe
ficiente. O leitor não perderá
por esperar. hoje, nesta segunda metade do
Realmente, um dos temas séc. XX. A disparidade espan-
N. T. que mais preocupam, ou pelo ta, e sentimos uma distância
menos deveriam preocupar o que nos preocupa. O problema
brasileiro que se sente respon- das nossas elites é um tema
Se nos apoia, apoie os sável pelos destinos do país. que deve ser colocado na me-
que nos apoiam, anuncian- é o que se refere às nossa:! sa e sobre êle realizarem-se
do em nossas colunas, per- elites intelectuais. Sente-se, grandes debates. Estamos
mitindo que esta folha pos- realmente numa decadência
normalmente, que há uma
sa chegar às mãos do queda, se acaso comparamos o pasmosa, onde apenas raras
maior número e possa au- que somos hoje com o que já excepções ainda se impõem
xiliar os que desejam lu- fomos, se se faz um paralelo para afirmar que nem tudo es-
tar contra as trevas. da intelectualidade brasileira tá perdido?

CURSO DE ORATÓRIA E ARTE DE PENSAR


de MARIO FERREIRA DOS SANTOS
1) Curso de Oratória e Retórica 4) Métodos Lógicos e Dialécticos 1.° vol.
2) Técnica do Discurso Moderno 5) 2." vol.
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15 16
Pág. n.° 10 O HOMEM LIVRE São Paulo, março de 1965

Mentiras Históricas
Damos, nesta secção, uma série de mentiras históricas, que são esgrimidas pelos que
'desejam comprometer o passado, segundo os interesses escusos que defendem, de modo a
atirar a responsabilidade histórica de certos fatos a entidades escolhidas, que desejam malsi-
Jiar, infamar, denegrir.
Vejamos alguns desses fatos, e a verdade correspondente:
A MENTIRA A VERDADE

Diz-se que os mestres de Salamanca afirma- Colombo não pretendia descobrir a América,
ram que Colombo era um visionário. No mas um novo caminho para as Índias, e
entanto, esse visionário descobriu a Amé- este êle não achou. O que êle achou, foi
rica. o que era possível de achar para os que
examinaram as suas pretensões: novas
terras, não o caminho das Índias.
O clero espanhol combateu Colombo e tudo Não é verdade. O maior defensor de Colom-
fêz para que êle não pudesse realizar a bo foi o cardeal primaz de Espanha, nes-
sua empresa. O que Colombo representa- sa época Mendonza, que tudo envidou pa-
va era alguma coisa que não interessava ra que o rei e a rainha auxiliassem Co-
ao clero espanhol. lombo. O confessor da rainha, que era o
padre Perez, influiu decisivamente no
auxilio que lhe foi prestado.
Os jesuítas foram os criadores da Inquisição, Não é verdade! A inquisição foi instaurada
deram-lhe força e perseguiram por meio antes de nascer a avó de Loyola, e foi
dela os seus inimigos. estimulada pelos príncipes. Por sua vez
os jesuítas foram das maiores vítimas
da Inquisição, inclusive Loyola, que es-
teve preso por quase 9 anos.
Galileu foi combatido pelo clero, porque suas Não é verdade. Os mestres de Galileu foram
idéias vinham a pôr em risco as concep- os jesuítas, e o defenderam sempre. Suas
ções religiosas. idéias já eram expostas por homens de
saber da Companhia de Jesus, que como
se deve saber, sempre na primeira plana
do conhecimento, têm os seus represen-
tantes.

Iniciamos hoje, com alguns apanhados. Mas são apenas alguns, porque em torno de
Colombo e de Galileu há ainda muito que dizer, como há em relação a Paracelso, Giordano
Bruno, Inquisição, Jesuítas etc. Também iremos compendiar mentiras filosóficas; ou sejam,
postulados atribuídos a autores que nunca os defenderam. E provaremos com citações de
textos e daremos provas para confundir aqueles que gostam de mentir, e mentir para em-
baucar a boa fé dos inadvertidos.
Continuaremos com as mentiras históricas e iniciaremos em breve as filosóficas.

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4) Ontologia e Cosmologia Ética Fundamental
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6) O Homem perante o Infinito 12» " " 2.o vol.
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São Paulo, março de 1965 O HOMEM LIVRE Pág. n.« 11

A vez do camarada Kruchev ... e outros virão,


e cairão também
Em seu «Análise de Temas cil e confuso, que exige medi- ses amigos, que livremente en-
Sociais», na 2." edição, Mário tação, Comentar ou prever o tregam a preços baixíssimos,
Ferreira dos Santos previa a que ainda poderá acontecer o que industrialmente produ-
queda do sr. Kruschev antes não é fácil. Contudo, há ele- zem de melhor qualidade que
do fim de 1964. A ascensão mentos bastantes para admi- o russo. Kruschev é acusado
dos tecnocratas, com o apoio tir como fortemente prováveis de manter imensos estoques
dos acadêmicos da famosa Aca- algumas possibilidades que de produtos soviéticos, cal-
demia de Ciências da URSS, podem ser posteriormente exa- culados em bilhões de dólares,
era prevista para breve, o que minadas. de péssima qualidade, que os
acaba de acontecer com a as- O camarada Kruschev, que russos se negam a adquirir.
cenção ao poder dos camara- ontem era gênio, é hoje «um Imaginem que os russos se
das Brezchnev e Kossagine, intrigante carente de inteli- negam a adquirir tais produ-
dois «tecnocratas». gência, propenso a conclusões tos! De que qualidade, então,
Brezchnev é um tipo ura- precipitadas e a ações divor- devem ser ?
nita, portanto violento, e de ciadas da realidade, jactan- Mas tudo isso não é novo.
uma inteligência tardia, en- cioso e falador, autoritário e Leiam os famosos relatórios
quanto Kossagine, pelas suas incapaz de levar em conta as de Lenine, de Stálin, de Ma-
condições caracterológicas, é realizações da ciência e as ex- lenkov, do mesmo Kruschev.
mais calculista. Se o primeiro periências práticas», como o Todos se queixavam, amarga-
não fizer renunciar desde lo- classificou o «Pravda», órgão mente, da má qualidade dos
go o segundo, este fará o pri- oficial do governo soviético. produtos industriais, da in-
meiro renunciar. Mas os dois Nas últimas palavras, está o competência dos «técnicos»,
prepararam o terreno de um sinal do ressentimento dos etc. O ressentimento destes
terceiro, que irá herdar tudo «teocratas» e «acadêmicos»,
isso. vem de longa data. Agora,
que representam a intelligen- atira-se a culpa sobre Krus-
A doença do camarada Ni- tzia soviética. A Rússia ainda
kita Kruchev contaminou os chev. . . Mas era êle que es-
não se refez da conduta ca-
camaradas Adjubei, Satyukov, tastrófica da sua agricultura tava na direção das fábricas,
Kharlamov, Troyanovski e os e da sua indústria, e apesar era êle que empunhava a en-
outros, cuja lista será grande, dos seus milhões de quilôme- xada e dirigia o arado, o tra-
imensa. Contudo, o que é de tros quadrados de terra, viu- tor? Era êle que administra-
preocupar é que perdemos, -se forçada a importar 750 va as empresas? Tornou-se,
nestes últimos meses, três es- milhões de dólares de alimen- agora, a «cabeça de turco», o
teios da paz: Kennedy, João tos, e receber a cooperação es- bode expiatório dos erros co-
XXIII e Kruschev. Penetra- pontânea da exportação de metidos. A lista cresce. . . mas
mos, agora, num período difí- produtos industriais dos paí- outros virão. . .
Na Filosofia só há uma
autoridade: a demonstra- Se quer lutar contra as trevas, acompanha-nos.
ção. Nós precisamos de companheiros audazes e
Basta de filodoxia, de fi- persistentes.
losofia de meras asserções, Se quer que sejamos um povo de vergonha na
invadida espüriamente por cara, acompanhe-nos.
estetas malogrados ou du- Nós precisamos de homens dignos e respei-
vidosos. táveis.
Basta de palpiteiros no
filosofar. A mente humana Se quer que se multipliquem entre nós os homens
já atingiu um grau capaz livres, acompanhe-nos.
de demonstrar o que afir- Nós precisamos de homens que amem a li-
ma, e de revelar o erro berdade.
palmar em que se fundam Se quer que a vontade humana seja livre, acom-
os negativistas. panhe-nos.
As doutrinas negativis- Nós precisamos de homens de vontade de
tas baseam-se em erros ferro, que desprezem o perigo.
elementares de lógica, por
isso combatem a Lógica. Se quer arrancar o nosso povo da confusão de
Fundam.se em erros ele- idéias, das falsas verdades, dos exploradores da sua
mentares de ontologia, por fraqueza, acompanhe-nos.
isso combatem a Ontologia Nós queremos ao nosso lado homens de brio,
e a Metafísica. e que amem a sua pátria e a sua gente.

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CARLOS MARIANO DA SILVA. DE GUARULHOS, ACHOU UM MILHÃO DE


CRUZEIROS, E O DEVOLVEU AO DONO!
Reproduzimos da imprensa Carlos Mariano da Silva, resi- prego, teve como dado infor-
local esta notícia: dente à travessa Particular mativo essa equívoca declara-
«O sr. Milton Lourel de Li- da rua Guarulhos n.° 200-A, ção que constava da sua fi-
ma, comerciante em Guaru- naquela cidade, e entregador cha: «Esteve, tempos atrás,
Ihos, informou que o jovem do «Estado», o procurou na envolvido num caso de jóias...»
madrugada do dia 25, para e, como era natural, fora bar-
entregar-lhe um pacote com rado no emprego. Sabendo do
NOSSA MANCHETE
cerca de 1 milhão de cruzei- que se passava, um dos que
Também este jornal tem ros, que o missivista, na vés- compõem o corpo redatorial
manchete. Só que alguns pera, havia, sem perceber, dei- deste jornal, levou à firma um
irão nos desculpar pelo fa. xado cair no jardim de sua recorte do jornal que relatava
to de tornarmos manchete residência, à rua Dom Pedro o caso. Felizmente, graças a
o que os jornais em gerai II, 376, naquela localidade. isso, conseguimos-lhe um lu-
não costumam fazê-lo, e O sr. Milton de Lima afirma gar de «fiel» nessa importan-
dar relevo de noticia ao ainda que tratará para que o te firma, cargo que esse ho-
que julgam que «não é no- nome do rapaz fique consigna- mem livre e digno ocupa hoje
tícia». Como não noticia- do nos anais da Delegacia, em
futura folha corrida de seus com plena satisfação de seus
mos, nem pretendemos fa- empregadores.
zer, o que representa os antecedentes.»
momentos vacilantes do Será que nos anais da De- Leitor amigo, mande-nos re-
ser humano, suas fraque- legacia ficou realmente con- cortes de notícias como estas.
zas, suas deficiências e signado o fato ? Ou será que Não é fácil achá-las nos jor-
suas claudicações, passa- algum dia futuro, quando al- nais, mas às vezes, num can-
mos, nesta secção, a noti- guém quiser saber alguma in- tinho de página, lá num lu-
ciar apenas o que repre- formação sobre esse jovem, gar perdido, é possível encon-
senta momentos altos, ins- algum «zeloso» funcionário
não dê a seguinte informação trá-las. Nós agradeceremos
tantes em que o ser huma- tudo que fizer neste sentido.
no outra vez tange os pa- equívoca: «Esse rapaz andou
alguns anos atrás envolvido Ajude-nos a mostrar ao Bra-
drões de dignidade, aque-
les em que homens livres num caso de um milhão de sil, que, nesta terra, também
são capazes de empregar cruzeiros. . .; é o que sabe- acontecem coisas dignas e
um ato de decência e de mos sobre êle, e nada mais». respeitosas, e que nossa gente
honestidade, numa época E não se admirem do que di- não é apenas aquela malta de
em que qualquer malandro zemos. Há anos atrás um mo- bandidos, de indecentes e me-
enche a boca de orgulho torista de praça achou uma díocres, que povoam as pági-
para relatar as suas tram- maleta, que continha jóias, e a
entregou ao dono. Tempos de- nas de maior relevo dos jor-
polinagens, e é aplaudido
por multidões de estúpidos pois, desejando obter um em- nais.
que julgam que a astúcia
e a malícia são exemplos
de superioridade mental. OBRAS DE MARIO FERREIRA DOS SANTOS
Portanto, aqui, só dare-
mos manchetes que nos or- O mais enciclopédico autor brasileiro de todos
gulhem e não aquelas que os tempos!
nos deprimam. Que nos Cerca de 300 edições e reedições, em 12 anos.
perdoem os que gostam do
contrário. Na verdade, nos- Todas as obras deste autor acham-se à venda, à
so jornal não é feito para
tais pessoas. Praça da Sé, 47 - l.« andar, s/ 12 - Tel.: 33-3892.

O HOMEM LIVRE — Um esforço contra as trevas CORPO REDATORIAL


Redação e Administração: Ro Chee Hsiung
Praça da Sé, 47 — 1.° andar — S/ 12 — Tels.: 33-3892 Mário Sproviero
Azael Polastro
e 35-6080 — São Paulo — Capital Nicolau Bruno
Diretor responsável: Y. L. SANTOS Nelson Neíussi
Raimundo Peralles Ayres
Os artigos assinados são de Colaboração especial de
responsabilidade dos seus autores. Mário Ferreira dos Santos

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15 16
São Paulo, março de 1985 O HOMEM LIVRE Pág. n.° 13

POLÍTICA conduta, para que esta não temente, com os interesses co-
afronte ao que convém aos ou- letivos.
tros. Tudo isso sabemos e sa- E se isso não fôr verdade,
0 POR QUE DESTA SECCÍ0 bemos também que tudo isso,
mais ou menos, dizem saber
respondam a esta pergunta:
onde estão os verdadeiramen-
os políticos. Contudo, o que, te grandes pensadores da hu-
No programa deste jornal manidade que andaram fazen-
havia sido estabelecido um na verdade sabemos é o que
se dá na prática, que é visce- do política?
princípio programático: não Se algum grande o foi, o
se trataria de política, porque ralmente o inverso do que se
diz, já que os políticos têm si- foi apenas num instante de
não gostamos de tratar de coi- desfalecimento, ou num rom-
sas sujas. do mais um entrave ao bom
entendimento entre os inte- pante de idealismo em que
Depois, considerando os tre- julgou que a política era o
mendos estragos que os polí- resses dos particulares e os
da coletividade: uns provoca- caminho seguro para fazer o
ticos realizam num país, e co- bem de seu semelhante. E por
rno entre nós sua ação nefasta dores de questões que não pre-
cisavam surgir, e uns criado- outro lado responda-se, tam-
é das mais terríveis, fomos bém, a esta pergunta: os
forçados a tratar dela, como res de crises das mais nefas-
tas aos interesses de todos, maiores bemfeitores da Hu-
iremos fazer nesta página. Se- manidade, os que maior soma
remos obrigados, tapando o menos deles, políticos, quase
sempre. de bens criaram para os ho-
nariz, e vencendo os engulhos mens, não foram precisamente
que nos provoca, tratar dessa O que se tem visto, e a boa
caracterologia pode mostrar, não políticos?
coisa suja e torpe que se cha- Estas duas perguntas de-
ma política, o maior entrave é que, na maioria das vezes,
buscam a política aqueles fa- vem fazer meditar quem pro-
para o progresso humano. cura saber o que na verdade
Mas o faremos, não para fa- lhos de prestígio pessoal, que
sofrem de qualquer deficiên- é a política, e porque não po-
.zer política, porque despreza- demos nos alinhar ao lado dos
mos os cargos públicos, mas cia quanto ao seu valor na-
tural, e que buscam nas ati- que lhe prestam homenagens,
apenas para denunciar a sua e porque teremos, inevitavel-
deletéria ação, seus efeitos re- tudes e nos cargos do políti-
co, o que lhes dê um prestígio mente, de, nesta meia página,
pugnantes, para tentarmos buscar tratar de algum aspe-
despertar em alguns, pelo me- que, por si sós, não são capa-
zes de gozar e, na prática, to geral, tecendo-lhe as críti-
nos, um melhor faro e uma cas que se impõem, e pondo a
sensibilidade mais acurada, vão mostrar que sabem muito
bem como conciliar os seus nu o que, na verdade, é essa
para que sintam o cheiro nau- arte de enganar os povos e de
seabundo que ela exala, que interesses pessoais com o car-
go que ocupam, sem se preo- conquistar o poder, e conser-
nem todas as narinas são ca- vá-lo à custa seja do que fôr.
pazes de sentir. cuparem muito, senão aparen-
Pois bem, quem tiver nari- lições aos que conhecem a
nas de tom cheirar, que chei-
re. . .
OS NETINHOS DA FILOSOFIA matéria melhor que eles. Vem
descobrir coisas já velhas e
Quando alguém é avó conhe- descobertas, e, pior, já pos-
POLÍTICA O QUE DEVERIA tas na lata de lixo, que eles
SER, MAS O QUE NA ce uma das mais deliciosas ex-
periências. É a dos netinhos vão remexer e apresentar co-
REALIDADE É mo novidades estupendas. São
que lhe dão conselhos, ou que
Sem dúvida, sabemos nós o pretendem explicar-lhe coi- os netinhos da filosofia mo-
que deveria ser a política, co- sas que êle conhece de sobe- derna. . .
mo muitos políticos também No futuro, iremos mostrar
jo. «Vovô não ande na chuva,
dizem que sabem o que é. Sa- as suas inúmeras ingenuida-
que faz mal...» ou «ah! isso des. Mas há uma diferença: é
bemos que para conduzir os é assim, vovô. Vou ensinar ao
polloi, os muitos na polis, na que a ingenuidade infantil é
cidade, é mister uma certa senhor como é. . .» A ingenui- deliciosa, e a desses bárbaros,
habilidade para harmonizar dade infantil comove, traz casados, vacinados, é simples-
os interesses individuais com consigo uma beleza que provo- mente ridícula. Mas, assim
os coletivos, que inevitavel- ca emoções estéticas até. como os netinhos causam as-
mente colidem. Sabemos que Mas tudo isso, que é cheio sombro aos de sua idade,
o ser humano, em sua parte de beleza na criança, é cheio também esses adultos assom-
.social, não é tão grandemente de ridículo quando vemos pro- bram como Vascos da Gama,
desenvolvido que, no choque ceder assim adultos. Ê o es- descobridores de um novo
dos interesses entre o que é petáculo que oferecem esses mundo para outros de mente
de sua conveniência e o que é cavalheiros do Circulo de Vie- infantil de nossa época, que
da coletividade, não sacrifi- na e tios sub-circulos que pro- desconhecem, o que já se fêz
que o indivíduo o que é da co- liferam entre nós, desses lo- sobre a matéria.
letividade em benefício do que gísticos que não conhecem a Iremos apresentar em nos-
lhe é pessoal. Sabemos que há Lógica, e que, como outras sos números pérolas dos neti-
necessidade de regular a sua crianças, vêm dar conselhos e nhos da filosofia.

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Pág. n.° 14 O HOMEM LIVRE São Paulo, março de 1965
dirá com suas propriedades
Neo-Positivismo e Classificação específicas, nem com as ge-
néricas, por mais neo-positi-
Acidente é o que acontece do enquanto líquido. Ora, o vista e logístico que seja.
com a substância individual, líquido está para a água nu- Êle saberá que esta gota dá-
mas a propriedade, é o que ma relação de gênero para es- gua, enquanto água, tem tais
acontece com o gênero e com pécie. As propriedades, que propriedades; enquanto líqui-
as espécies, decorrentes destes são dadas ao líquido, devem do, tais outras propriedades,
acidentalmente, mas fundados também ser propriedades da enquanto mineralóide, tais
nas suas qüididades. água, já que a água é um lí- outras.
Para examinar o pensamen- quido, mas com uma diferen- E dirá que, por ser minera-
to de alguns cientistas, esta- ça específica. As propriedades lóide, tem estas propriedades;
beleçamos alguns comentá- da água são as propriedades porque é líquido, tem aquelas;
rios: do líquido, e mais as que são porque é água, tem estas ou-
qualquer cientista, na Quí- da sua especificidade. Qual- tras; e porque é esta gota
mica, por exemplo, sabe que a quer cientista, neste caso, sa- aqui, tem ainda estas.
água tem certas propriedades, be, se há um líquido neste pla- Êle não fará confusões nor-
como também as tem o líqui- neta, deve ter êle tais proprie- malmente. Agora se lhe Vie-
dades e as enumerará. rem dizer que tudo isso era
Êle saberá distinguir, na como os antigos lógicos clas-
ESTA Ê A NOSSA LUTA: água, as propriedades do seu sificavam, então desaba um
denunciaremos a moeda estado líquido e as que não temporal de mil demônios, e
falsa intelectual, a menti- são, e se a água deixar de êle passa a citar Bertrand
ser líquida, terá as proprie- Russell, Wittgenstein, Broad,
ra cheia de ouropéis, a fal-
sa cultura travestida de dades do sólido ou do gazoso Cassirer, Moore etc, para di-
pompas; etc. zer que nada disso tem fun-
Êle saberá, ainda, distin- damento.
contra o charlatanismo guir os acidentes desta gota
diplomado dos fariseus in- Mas, depois, no laboratório,
d'água aqui, que é esverdeada, continuará classificando como
I telectuais; mais grossa que aquela, que
contra a desesperança os antigos lógicos aconselha-
se acha à borda desta mesa, vam, embora usando outros
infundada, a confusão pro-
enquanto aquela está suspen- termos, e estando convencido
positada e impelida pela sa numa folha de árvore, etc.
má intenção; que descobriu uma nova Amé-
contra as falsas razões Êle distinguira os acidentes rica das classificações. ..
sem fundamento; contra dessa gota e não os confun- Nicolau Bruno
os argumentos sem de- CSREBROS RETARDADOS zão), outros aos medicamen.
monstração; — UM PROBLEMA tos modernos, outros à ausên-
contra o domínio dos MODERNO cia de práticas mentais salu-
meios de publicidade por Psicólogos, pedagogos, psi- tares, outros à automatização
grupos, que representam quiatras, etc. responsáveis, da nossa vida, etc. Não va-
interesses inconfessáveis; que sentem ter um papel em mos, aqui, tentar discutir a
contra a valorização da relação à humanida.de, um de- matéria já, mas abrir a sua
astúcia, da malícia, do ver para os seus semelhantes, problemática, e solicitar a co-
mórbido, da especulação preocupam-se hoje, mais do operação dos nossos leitores
sobre os baixos valores; que nunca, com o processo para o assunto, dada a sua
contra a ignorância atre. progressivo do retardamento gravidade e extensão. Segun-
vida e auto-suficiente; mental que se observa de mo- do certos cálculos, se assim
contra a demagogia e as do tremendo na juventude prosseguir essa progressão,
falsas reivindicações so- moderna. Exames feitos sobre dentro de 30 a 50 anos forma-
ciais, que não representam os trabalhos intelectuais dos remos uma humanidade de
nenhuma elevação huma- jovens do século passado, com- imbecis, já que o número dos
na; parados com os que realizam débeis mentais cresce assusta-
contra as expressões un- hoje os nossos jovens, vêm doramente, com a progTessão
tuosas de falsa piedade na comprovar um índice crescen- não menor dos idiotas.
exposição do que é digno te de retardamento mental. Gostaríamos que nossas co-
para o homem; Os jovens do passado davam lunas não só abrigassem ma-
contra a tentativa de uma média intelectual supe- téria sobre o assunto, a pro-
impor, definitivamente, as rior. Não é de admirar que blemática que implica, bem
trevas sobre os homens! testes para crianças do pas.sa- como soluções oferecidas. Se-
Os que sentirem que a do não sejam respondidos no gundo o material recebido,
nossa luta também é a de- mesmo grau por alunos de daremos uma ordem à publi-
les, que marchem, juntos cursos superiores. Por que tal cação da matéria, pois nosso
conosco e juntos conosco degenerescência se dá? intuito é contribuir para que
combatam no mesmo cam- A essa interrogação há tal índice desça, e que não nos
po de batalha! muitas respostas. Uns acusam abismemos num oceano de es-
a pedagogia (e têm muita ra- tupidez.

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São Paulo, março de 19G5 O HOMEM LIVRE Pág. n.« 1S

O problema e seu... Se quer lutar também


contra as trevas, se julgar
que nosso modo de proce-
Todos os que se preocupam mas que se encontram para der é justo, que espera fa-
com os problemas éticos da cooperarem por alguma coisa zer?
atualidade não podem deixar de melhor. Talvez nisto, ape-
de assinalar um aspecto bem nas nisto, esteja todo nosso Nós aguardamos o seu
desagradável, embora sufici- amor ao próximo. Contudo, já pronunciamento.
entemente significativo da nos- é bastante para nos dignifi-
sa época, que se reduz à fra- car.
se: «Esse problema é seu...»
Há nessa expressão uma to-
mada de atitude muito signi-
ficativa: ela indica uma ten-
Afirmações Ingênuas de Logísticos
dência ao desligamento afeti- Outro dia, um desses filosofastros importados, ou me-
vo e ético que se processa en- ro paraquedista caído aqui em nós, que recebe o bafejo de
tre os indivíduos componen- uma platéia de outros tantos tolos iguais, teve a petu-
tes de um todo social. Como lância de afirmar, numa palestra, que os escolásticos e
humanos, o problema de um Aristóteles não haviam jamais estudado os juízos relacio-
nosso semelhante é nosso nais. Não acreditaríamos nessa afirmação, se o que es-
também, porque nada do que creve estas linhas não tivesse ouvido a conferência, aliás
é humano nos pode ser alheio. ura amontoado de incongruências e obscuridades, que re-
Essa proclamação é a toma- velam que o seu realizador falava do que não havia enten-
da de consciência de uma so. dido claramente.
lidariedade que deve existir Para responder a tal «filosofastro», vamos apenas in-
entre os homens. Nós não so- dicar-lhe um rumo. Abra um bom compêndio de Lógica
mos aves nem animais de ra- e procure os predicamentos. Lá encontrará as categorias
pina, somos homens e, huma- de Aristóteles, e entre elas a relação. Terá, então, oportu-
namente devemos compreen- nidade de ver que a relação, como as outras categorias,
der e viver, também, os pro- tem espécies. Também aprenderá que há possibilidades
blemas de nossos semelhantes. de formular juízos correspondentes às espécies das catego-
Dizem que isso é pieguice. rias, das praedicabilia, das antepraedicabilia, das postprae-
Não é. É mais fácil ficar in- cíicabilia etc. E então verificará que é possível fazer juí-
diferente, cuidar dos próprios zos, por exemplo_ de conveniência (referente à substância),-
problemas apenas, viver a de igualdade (referente à quantidade) de semelhança (re-
sua vida sem se interessar pe- ferente à qualidade) de localização (referente ao situs)
la dos outros. Qualquer ani- etc. E como todos esses são relações, há possibilidade de
mal pode fazer isso, qualquer tantos juízos de relação quanto às espécies e sub-espécies
rato pode proceder assim. de relação. Desse modo, esse filosofastro aprenderia al-
Não um homem livre, um ho- guma coisa. E evitaria de dizer tais tolices que extasiam
mem que ama a sua própria um auditório de outros tolos-mirim.
dignidade, um homem que se Mas, alguém ao meu lado me faz uma observação.
Diz-se que grandes logísticos também afirmaram tais
coloca, não como um animal
coisas, e que o tal filosofastro apenas reproduz o que os
entre animais, como uma coi- outros dizem.
sa entre coisas, mas como Sim, sabemos que é assim, respondemos. Mas tais
uma pessoa entre pessoas. autoridades são outros tantos filosofastros que contribuem,
Nosso verdadeiro gesto hu- também, para aumentar as trevas no mundo, como se não
mano só pode ser este: bastassem as excessivas que já há.
O teu problema, de certo Urna perguntinha para finalizar: será que tais cava-
modo, também é meu. Deixa- lheiros julgam que Aristóteles e os escolásticos jamais te-
-me ajudar-te na proporção nham julgado possivel construir juízos como este: «A Suí-
das minhas forças. Não que- ça acha-se ao norte da Itália» ?
Será só ingenuidade ?
ro com isso diminuir-te nem
desmerecer-te. Quero ser teu JONAS
semelhante. E é só quando
posso compreender teus pro- Todos os livros anunciados neste jornal são vendidos
blemas é que sou teu seme- pelo sistema de reembolso.
Pedidos para:
lhante, e sou o teu próximo. DISTRIBUIDORA DE LIVROS
Não quero distanciar-me de SÃO NICOLAU LTDA.
ti, de modo que nos tornemos Rua Eittencourt Rodrigues, 120 a 136 — Tel. 37-6484
dois desconhecidos, que um SÃO PAULO
abismo separou, mas duas al-

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Pág. n.o 1G O HOMEM LIVKE São Paulo, março de 1965
Mário Ferreira dos San-
tos, achamo-la oportuna para
Notas e Comentários aqueles que, ante a sua imen-
sa fertilidade enciclopédica,
querem justificar a esterilida-
A RAPOSA E A MACIEIRA não era capaz de produzir ma- de que os domina.
çãs perfeitíssimas. Olhando Mário Ferreira dos Santos
Eis uma das belas fábulas para as da minha espécie, e é, na literatura brasileira, o
■de Mário Ferreira dos Santos, vendo as maçãs que dão, re- mais enciclopédico e fértil es-
cujo título demos acima: solvi, desde que não posso critor que já existiu em sua
«Certa ocasião, seguia por realizar a perfeição, não dar história. É natural que as ma-
rum campo uma raposa esfai- maçãs.. . cieiras estéreis busquem justi-
mada. Tudo lhe havia corri- A raposa a princípio ficou ficar a sua esterilidade em fa-
do mal naquele dia. perplexa. Mas, astuciosa co- ce de tanta proficiência. Mas
— Serei capaz de comer mo é, desconfiada, perguntou. há muitos que também têm a
•qualquer coisa, até arbustos. — Será que é só por isso, inteligência da raposa e sa-
Mas vamos ver o que é pos- macieira, ou porque és esté- bem perceber o que realmente
sível encontrar. ril?.. . Não estarás buscando se oculta atrás dos que o
Finalmente, encontrou ao um pretexto para ocultar aos acusam de ser produtivo, co-
longe uma macieira: olhos dos outros a verdade da mo se, além disso, não hou-
— Louvado seja Mercúrio, tua esterilidade? Não confio vesse tantos exemplos, na his-
•cleus dos ladrões. Aí está uma muito nessas renúncias... Já tória da literatura humana,
coisa que nunca comi, mas que tive parentes que usaram de homens tão férteis, e até
serei capaz de tragar com a pretextos como tais para jus- mais do que êle.
fome que tenho. Sim, senho- tificar a sua insuficiência, co- Salústio
res, uma macieira.. . mo aquela raposa que perdeu
E ao chegar perto, com de- a cauda. E muitos, que são Já está à venda a
cepção, ao verificar que não incapazes de criar, afirmam 2.a edição de
tinha frutos, exclamou com que não criam porque são in- «DICIONÁRIO DE
:ira. capazes de fazer a perfeição. FILOSOFIA E CIÊNCIAS
— Raios me partam! Nem Deste modo, não só justificam CULTURAIS»
tens maçãs, ó peste. a sua esterilidade, como lan- em 4 volumes encadernados
A macieira numa voz solene çam a desconfiança sobre os DE
e sentenciosa respondeu: que realizam alguma coisa. O Mário Ferreira dos Santos
— Não tenho maçãs.. . que desejas é atirar a pecha Uma obra da
— Ahl não?! — que fazes de deficiência às macieiras,
aí? Já é época de dar maçãs... tuas irmãs, que produzem fru- Editora Matese
Que diabo te aconteceu? tos ..., porque és incapaz de À vista, com desconto, e
— Resolvi não produzir ma- produzir algum. pelo sistema de crediário, à
çãs. Não és tão inteligente que Praça da Sé, 47 — l.o and.
— Ah! sim, e por que? possas enganar uma raposa.» — 8/ 12 — Tel.: 33-3892.
— Cheguei à conclusão que Ao lermos esta página de

DO BREVIARIO DO DO BREVIARIO DO
HOMEM LIVRE RATO
(continuação)
O ar das montanhas revigora os pulmões. O ar dos esgotos é o mais agradável. Nada
Ê preciso ascender às alturas. como remexer as imundícies.
O homem pode construir a sua personalida- Nada como deixar à solta os seus instintos,
de, animado pelo anelo do amor, com a viver a vida como ela é, sem tentar mo-
vontade assistida pela razão. dificá-la. Um queijo é o paraíso. . .
Não somos guiados exclusivamente por leis Somos apenas o resultado de um jogo de
mecânicas. Somos uma vida capaz de al- forças, de reações a estímulos exteriores
cançar a liberdade, e traçar destinos pa- e interiores, cuja liberdade é apenas uma
ra si mesma. quimera.

O alimento da alma é a vitória, vitória so- A alma não existe; o que há é o estômago.
bre si mesmo. Empanturrem-nos. Esta é a nossa glória
e a nossa beatitude.
As.sim fala o Homem Livre. Assim fala o Rato.
Foi composto e impresso na Gráfica e Editora Minox à Av. Conceição, 645

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