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X SEMANA DE HISTÓRIA POLÍTICA

Minorias Étnicas, de Gênero e Religiosas


VI SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA
Política, Cultura e Sociedade

ISSN 2175-831X

2015

ANAIS 2014
Programa de Pós-Graduação em História da UERJ
ISSN 2175-831X

X SEMANA DE HISTÓRIA POLÍTICA


Minorias étnicas, de gênero e religiosas

VI SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA:


POLÍTICA, CULTURA E SOCIEDADE

ANAIS

!
Rio de Janeiro
2015
EM TEMPOS DA PAX: A REGIÃO PLATINA E A PRESENÇA DO BRASIL

Pedro Gustavo Aubert1

RESUMO: O presente trabalho busca analisar como a política formulada por Paulino
Soares de Souza (visconde do Uruguai) no Ministério dos Negócios Estrangeiros a fim
de derrubar Rosas na Confederação Argentina não se esgotou com o fim da chamada
Guerra Grande (1851-1852). Houve o início de uma nova estratégia política no Prata a
partir disso. O Império se tornou uma presença militar e financeira na região.
Percebemos na retórica utilizada por Uruguai a perspectiva de uma supremacia regional.

Palavras-Chave: Tratado, Navegação, Intervenção.

ABSTRACT: This study aims to analyze how the policy formulated by Paulino Soares
de Souza (Viscount of Uruguay) at the Ministry of Foreign Affairs in order to
overthrow Rosas in the Argentine Confederation was not finished by the end of the
called great war (1851-1852). There was the beginning of a newpolitical strategy in the
River Plate thereafter. The Empire became a military and financial presence in the
region. The ideas expressed by the viscount demonstrates the prospect of a Brazilian
regional supremacy.

Keywords Treaty, Navigation, Intervention.

Após a guerra grande que levou à derrubada de Juán Manoel de Rosas na


Confederação Argentina, instaurou-se um período de paz armada na região. O Império
impusera, por meio de uma ameaça militar ao novo governo da República Oriental do
Uruguai, a aceitação uma série de tratados desvantajosos para o Estado vizinho. Eram
os tratados de 12 de outubro de 1851 (aliança, limites, comércio e navegação, e
extradição e subsídios) que foram reconhecidos no Tratado de 15 de maio de 1852
celebrado pelo governo eleito de Juán de Giró. O Brasil tornou-se uma presença militar
no Rio da Prata. Com a ascensão do chamado gabinete da Conciliação, Paulino Soares
de Souza, formulador da política que saiu vencedora do conflito armado, deixou o
Ministério dos Negócios Estrangeiros (1853). Poucos meses depois, foi nomeado
conselheiro de Estado ordinário e alocado junto à Seção de Justiça e Negócios
Estrangeiros do Conselho de Estado. As seções2 do referido órgão eram geralmente
provocadas por um Aviso Ministerial que indicava o relator da consulta. Tal informação
é relevante para a reflexão acerca da influência que o ex-ministro passou, então, a
exercer, pois seus sucessores na mencionada pasta ministerial constantemente o
designavam relator, especialmente para consultar sua opinião acerca dos negócios

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platinos. Ou seja, no processo de tomada de decisões por parte do governo imperial, sua
opinião possuía relevo.
Mesmo fora do governo, mantinha contato constante com diversos diplomatas e
políticos platinos. Em carta ao ministro oriental, Manuel Herrera y Obes datada de 6 de
março de 1854 criticava a política do gabinete presidido pelo Visconde de Paraná em
relação ao Prata. “Não sei se só a política que acaba de adotar o Governo Imperial
poderá contribuir para salvá-lo. É difícil calcular sobre bases tão movediças como
aquelas que ele apresenta”3. Soares de Souza considerava que mediante uma política
enérgica “francamente apoiada em força, muito pode o Brasil concorrer para a
reorganização e consolidação da República, a qual sempre se pode fazer por meio de
paz e tranquilidade duradoura”4. Para ele, a paz no Estado Oriental seria possível
somente se ali se organizasse um partido forte, que apoiando-se no Brasil e tendo
também o apoio do Império “poderiam fazer muito”5. Porém, questionava se era
realmente possível erguer ali tal força política em meio à “confusão e desordem” da
administração de Giró6. A 4 de julho de 1854 Herrera y Obes respondia concordando
com a opinião do ex-ministro e que esperava uma atitude mais direta do Brasil7.
Em 20 de novembro de 1854 foi relator de uma consulta da Seção dos Negócios
Estrangeiros acerca de uma proposta uruguaia de reforma dos tratados de 1851 (por ele
elaborados). Em linhas gerais, era proposta a abolição de qualquer tarifa sobre produtos
dos dois países, concessão da navegação da Lagoa Mirim ao Estado Oriental, além de
pedir novo subsídio. Segundo Paulino, os tratados de 1851 impuseram ao Brasil
obrigações pelo que dizia respeito à independência do Estado Oriental. Porém, não
estava tal matéria em discussão naquele momento. Em sua visão, o Brasil não se
obrigou mas se comprometeu a prestar eficaz apoio para fortificar a nacionalidade
oriental por meio da paz interior e dos hábitos constitucionais. Se tivesse se obrigado
teria de dirigir diretamente os negócios internos. O fato de ter retirado os subsídios
durante a administração de Giró não implicava um abandono da aliança por parte do
Brasil. O governo imperial não estava obrigado a sustentar o oriental enquanto durasse
sua penúria financeira. Mesmo considerando que não havia obrigação por parte do
Brasil, ponderava que o Brasil mandara uma força militar para apoiar o governo de
Flores pois se abandonasse à própria sorte “perderia grande parte das vantagens da
posição adquirida pelo Brasil no Rio da Prata”8, correndo o risco de o Estado Oriental
aliar-se com a Confederação Argentina ou com a França, o que seria nocivo à influência
que pretendia que o Brasil ali exercesse. Segundo o parecer, o subsídio reclamado

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alimentava o mal ao invés de curar, sendo que somente um vultuoso empréstimo
poderia dar ao governo oriental condições de arcar com suas dívidas. Assim, recomenda
um minucioso exame para averiguar se tal medida poderia efetivamente solucionar os
problemas antes de recusar a ajuda. Havendo dificuldades de obter da república o
pagamento do empréstimo o Brasil poderia estipular a título de indenização o emprego
de meios coercitivos como a ocupação de porções do território oriental até a completa
satisfação das dívidas. Caetano Maria Lopes Gama apresentou voto separada afirmando
que, desde 1851, votava contra a política instituída pelo ex-ministro no Rio da Prata9.
Em 1855 Paulino foi agraciado com o título de Visconde de Uruguai. Quando o
chamado gabinete da Conciliação o enviou para a Europa, mesmo à distância e tratando
de uma outra questão, era constantemente consultado acerca dos negócios platinos. Em
correspondência reservada ao Visconde de Abaeté, então ministro dos Negócios
Estrangeiros, datada de 30 de junho de 1855, afirmava que conversara com o ministro
francês a respeito do rio da Prata. Sua preocupação era a de afastar concorrências à
influência brasileira na região. “Não mostrou o menor ciúme da nossa influência no Rio
da Prata”. Segundo o visconde, seu interlocutor lhe dissera “pouco importava à França
que o Brasil conquistasse, incorporasse Montevidéu, o Paraguai, Buenos Aires, e tudo o
que quisesse”10.
Em correspondência particular a Paranhos datada de 4 de outubro de 1855,
Paulino tecia grandes reflexões acerca da política imperial na bacia platina. Afirmava
cabalmente que expressaria seu pensamento porque o então ministro dos Negócios
Estrangeiros assim havia solicitado. “A nossa posição me parece muito má. Se perderá
nossa influência na República Oriental se ali rebentar a guerra civil, ou se essa
República se lançar nas raias de Buenos Aires”. Considerava que o governo imperial
deveria adotar uma política mais ativa e enérgica na Banda Oriental. “Que visto dar-mos
lhe subsídio e forças, deveríamos exercer uma tutela mais direta nos seus negócios
internos, especialmente financeiros”11.
Considerava que o fato do gabinete ter enviado um representante a bordo de uma
embarcação de guerra ao Paraguai “veio complicar mais as cousas”. O mais prudente
segundo tal correspondência seria manter a influência na República Oriental e evitar
novos conflitos. “Tenho um medo extremo de nos ver envolvidos em lutas cujo termo
não se pode prever, ligados a poderes sem proceder, sem estabilidade, sem lealdade,
sem futuro e sem recursos, cujos pactos não passam de folhas de papel”. Considerando
as dificuldades em tratar com Urquiza e a intransigência do Paraguai no que dizia

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respeito aos limites e à navegação fluvial emitia a seguinte proposição: “cada vez me
convenço mais de que no Estado Oriental está a chave da nossa política no Rio da Prata.
Enquanto nele dominarmos estamos tranquilos nada receio”. Por fim, fazia um apelo a
Paranhos de que mantivesse segredo acerca das suas opiniões a respeito da política que
o gabinete da conciliação seguia: “É uma carta de amizade e não quero que vejam elas
nas Câmaras, principalmente ao Visconde de Abaeté que tão leal e generosamente me
auxiliou no Senado em 1851, 52 e 53 e a quem serei sempre eternamente grato”12.
Após a Guerra Grande, o Império passou a ter uma estação naval no Prata,
chefiada pelo Almirante Tamandaré, além de tropas estacionadas no Estado Oriental. A
leitura dos Relatórios Ministeriais e pareceres do Conselho de Estado nesse período
mostram, conforme mencionamos, como o Governo Imperial era constantemente
chamado para intervir militarmente na República Oriental afim de manter ali governos
aliados. Juntamente com isso, iniciou-se o acirramento de tensões com o Paraguai no
tocante aos limites e navegação fluvial. Em linhas gerais, o Paraguai recusava-se a fazer
um acordo de navegação fluvial com o Brasil sem regular os limites conforme o Tratado
de 1777 defendido pelo Governo Paraguaio. O impasse levou o governo paraguaio, em
1853, a expulsar o representante diplomático brasileiro, Filipe Pereira Leal. No ano
seguinte, a fim de obter satisfações da república e regular as questões pendentes, o
governo brasileiro enviou uma missão diplomática chefiada por Pedro Ferreira de
Oliveira, sendo essa acompanhada de uma força naval13. Tal missão obteve a satisfação
pela expulsão do diplomata com vinte salvas de canhão dadas à bandeira imperial e a
nomeação de um plenipotenciário paraguaio para negociar na corte a questão da
navegação fluvial, adiando a solução dos limites14. Em 1855 foi estabelecido no Rio de
Janeiro um ajuste com o Paraguai sobre a navegação fluvial. Todavia, o estabelecimento
de regulamentos proibitivos para a passagem de navios brasileiros por seu território
praticamente levou os dois países à guerra em 1856 15. Nesse período foram enviadas
duas missões diplomáticas com o intuito de solucionar pacificamente a questão, sendo
uma a cargo de José Maria do Amaral e outra de José Maria da Silva Paranhos. Amaral
encontrava-se creditado na cidade de Paraná, então sede da Confederação Argentina.
Partiu para Assunção levando em suas instruções 5 pontos cardeais das reclamações do
governo imperial: a política dos regulamentos era considerada vexatória e ofensiva;
deveria reclamar contra as longas escalas às quais ficavam sujeitas as embarcações;
contra a obrigatoriedade de contratar práticos paraguaios; contra a carga de
emolumentos exigidos; contra a soberania exclusiva que o Paraguai evocava por meio

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dos regulamentos à parte do rio compreendida entre o Apa e o Forte Olimpo, reclamada
pelo Império16. O governo paraguaio mantinha-se intransigente quanto às reclamações
brasileiras. Ante tal impasse, as negociações foram interrompidas em 17 de maio de
185717. Todavia, o Governo Imperial estava empenhado em ver suas reclamações
atendidas. Assim, foi nomeada uma nova missão ao Paraguai chefiada pelo ex-minstro
dos Negócios Estrangeiros, José Maria da Silva Paranhos. Em suas instruções, o
ministro, Visconde de Maranguape mandava observar os regulamentos fluviais de
outros países para que servissem de exemplo e Paranhos deveria consignar ao governo
paraguaio que o Império não exigiria “nada que não estivesse disposto a conceder para a
navegação dos rios do Brasil”. O Paraguai questionava o governo imperial acerca da
movimentação de tropas que fazia. Em seu relatório, Maranguape afirma que tal
movimento era feito em função dos preparativos bélicos que se faziam no Paraguai.
“Sem desejar esse conflito, sem tê-lo provocado, o governo imperial excederia os
limites da prudência e da moderação se não se preparasse para ele” 18. Segundo
Maranguape, a missão de Paranhos a Assunção era o último recurso pacífico do governo
imperial antes de lançar mão de meios coercitivos. Durante sua viagem, fez ajustes
sobre a navegação fluvial com a República Oriental do Uruguai e com a Confederação
Argentina afim de obter apoio ao pleito brasileiro. Francisco Solano Lopez foi nomeado
como Plenipotenciário para tratar com o diplomata brasileiro. A missão logrou êxito,
não rebentando a guerra naquele momento. O Império obteve uma reforma nos
regulamentos. Foi revogada a obrigatoriedade dos práticos, passaram a haver duas
paradas ao invés de três, foram abolidas as cobranças de emolumentos e foi reduzido o
rol de documentos exigidos. Afora isso, ao invés de dois, passaram a ser três navios de
guerra brasileiros poderiam passar pelo território paraguaio sem qualquer restrição
quanto à sua carga e armamento19.
Em correspondência a Paranhos datada de 3 de setembro de 1856, Amaral relata
o medo de Andrés Lamas de que a República Oriental caísse em protetorado da França,
mas que não se importaria com isso caso o Brasil nada fizesse para impedir. Afirma que
tivera conferência verbal com o General Oribe que relatara que Lamas esperava o
retorno do visconde do Uruguai para que esse assumisse o gabinete, pois o de Paraná
seria dissolvido. Nessa ocasião teria lugar um plano do visconde de política para o Rio
da Prata com o qual Lamas estava de acordo20. Em resposta datada de 16 de setembro
de 1856, afirmava que Lamas não deveria nutrir esperanças na queda do gabinete nem
mesmo nas opiniões do visconde.

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Importante atentar para as datas dessas cartas. A de Uruguai citada
anteriormente com críticas ao gabinete é de 4 de outubro e a de Amaral a Paranhos de 4
de setembro. Levando em consideração o tempo que levavam para ir de um lugar ao
outro e que o visconde do Uruguai estava em Paris, o pedido de opinião acerca da
política platina ao qual respondia, poderia muito bem ter sido feito em decorrência da
correspondência de Amaral a Paranhos acerca das vistas do ex-ministro.
Desde que saiu do ministério, Paulino emitia pareceres na Seção dos Negócios
Estrangeiros do Conselho de Estado, criticava o gabinete em suas correspondências, era
consultado pelos ministros e mantinha estreita ligação com a política platina.
Considerando esses fatores, aliados ao fato de que, em 1854, os saquaremas derrubaram
no Senado um dos principais projetos do gabinete que era a reforma da Lei de 3 de
dezembro de 1841. Juntamente com isso, o fato de a Carta de Poder com a qual o
Visconde do Uruguai foi nomeado lhe conferia plenos poderes para negociar limites
com a França e coma Inglaterra, verificamos indícios que essa nomeação não
necessariamente estava ligada ao apreço que Paraná tinha por suas habilidades
diplomáticas. Afinal, era conveniente ao ministério manter distante um ex-ministro
crítico ao gabinete e que mantinha tamanha influência na marcha política.
Os relatórios ministeriais da época dão uma visão clara do acirramento das
tensões. Um dado relevante a ser investigado mais detidamente é que em uma das cartas
de Amaral para seu irmão ele afirma cabalmente: “O chefe disse-me que o visconde de
Uruguai vota pela guerra com o Paraguai e desaprova a missão especial que vai à
Assunção”21. Várias hipóteses surgem quando comparamos com a carta a Paranhos
acima citada: Amaral poderia estar hiperbolizando, ou o Visconde considerava que a
situação brasileira no Prata havia se alterado a tal ponto que nem mesmo o domínio
sobre o Estado Oriental estava garantido. No parecer citado na nota 19, o Visconde do
Uruguai defende que seja reforçada militarmente a região próxima à fronteira com o
Paraguai22.
Em outra carta datada de 6 de janeiro de 1858 Amaral comentava o
descontentamento do visconde do Uruguai em relação aos rumos que a política pra a
região platina foi tomando. “O que é verdade é que ele nos deixou orgulhosos,
triunfantes e dominantes em Caseros; e que hoje estamos humilhados, medrosos e quase
suplicantes nestas regiões”23.
Em 1857 Uruguai foi nomeado plenipotenciário para negociar com Andrés
Lamas uma revisão dos Tratados de 1851. Conclui o Tratado e o mesmo não foi

2273
ratificado pelo Poder Legislativo da República Oriental. Antes ainda de ser nomeado
para tal função diplomática já emitira em 1854 e 1857 pareceres na Seção dos Negócios
Estrangeiros do Conselho de Estado acerca dos constantes pedidos de revisão dos
tratados que a Legação Oriental fazia ao governo imperial. Dois anos depois foi
novamente nomeado plenipotenciário para negociar com a Confederação Argentina e
com o Estado Oriental o Tratado Definitivo de Paz previsto pela Convenção de 1828.
Novamente não houve ratificação. Vemos já desde 1857 uma mudança na conjuntura
política. Se em 1851 podia ameaçar com a guerra e invasão de territórios a
inobservância de Tratados, em 1857 já não havia força para tanto. Em 24 de fevereiro
de 1864, Uruguai emitiu Parecer na Seção dos Negócios Estrangeiros solicitado por
Aviso do ministro Francisco Xavier de Pais Barreto (gabinete de 15 de janeiro do
mesmo ano presidido por Zacarias de Góes e Vasconcelos) acerca do Tratado Definitivo
de Paz. O visconde não poupou críticas aos seus sucessores afirmando que acumulavam
“elementos que ameaçam tornar-nos à posição da qual tanto a custo saímos em 1851,
em época mais propícia, porque imperiosa necessidade alheia deu-nos então alianças,
com que não podemos mais contar hoje”24.
Os protocolos dessas negociações de Tratados citadas acima foram publicados
juntamente com o Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros de 1858. Em
correspondência ao então ministro dos Negócios Estrangeiros, Visconde de
Maranguape, datada de 5 de novembro de 1857 afirmava que a demora na remessa dos
protocolos “Proveio essa demora principalmente de que foi necessário suprimir algumas
partes da discussão havida, e dispô-las por modo devido daqueles pelo qual tivera
lugar”25. Tal afirmação do então plenipotenciário brasileiro ganha uma maior relevância
quando consultamos os referidos protocolos. As três primeiras conferências com Lamas
foram extensas e eivadas de divergências. Na quarta conferência que tivera lugar em 20
de julho de 1857, figura no protocolo um discurso de feições intimatórias por parte de
Uruguai: “no caso em que a presente negociação não tivesse efeito, o governo imperial
empregaria todos os meios ao seu alcance para fazer valer o seu direito” 26. Conforme
vimos, foram suprimidos dos protocolos diversos trechos da discussão que de fato teve
lugar. Não podemos sem acesso aos documentos manuscritos das conferências saber o
que de fato ocorreu. Porém, é de grande relevância o fato de que na publicação dos
referidos protocolos, após o trecho em que aparecer a afirmação citada, as
desinteligências se tornam bem mais suaves e o Plenipotenciário da República Oriental
abandona o tom incisivo de suas reclamações.

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Nesse período, também teve lugar a expedição de Thomas Jefferson Page (1855)
da US Navy que encontrou uma série de embaraços em sua passagem pelo Paraguai. A
despeito de ter contado com autorização do Império para navegar para além do porto de
Albuquerque em Mato Grosso, não conseguiu ali chegar devido ao fato de o governo
paraguio não ter autorizado o trânsito de sua embarcação. Ademais, nos anos entre a
derrubada de Rosas e a Guerra do Paraguai, o Brasil investiu na construção de colônias
militares perto de seus pontos fronteiriços como a de Itapura e em melhoramentos do
Exército e da Armada. Torna-se primordial analisar a relação da configuração
geopolítica platina criada em 1852 com o estopim da guerra. Faz-se necessário
investigar como os diversos atores da política platina, incluindo aqui Estados Unidos,
França e Grá-Bretanha se posicionaram nesse novo status quo. Para o Brasil, conforme
a correspondência que o visconde do Uruguai mandava de Paris, era primordial não ter
esses outros países como adversários da política brasileira no Rio da Prata. Um dado de
grande relevância é o simbolismo por detrás da ruptura do governo uruguaio de
Atanásio Aguirre com o Império do Brasil em 1864, já quando a guerra com o Paraguai
estava prestes a rebentar. Tal rompimento teve como marca a queima em praça pública
dos Tratados de 1851. Essa postura do presidente foi decisiva para que o Brasil passasse
a reconhecer Venâncio Flores como legítimo governante, apoiando-o militarmente
contra Aguirre. De 1851 até a primeira metade da década de 1860, o Estado Oriental
havia solicitado diversos empréstimos e subsídios ao Brasil, que sempre ressalvando
que o fazia por liberalidade e compaixão e não por ser a isso obrigado, atendia a tais
pedidos. Em 1864, segundo o Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, a
dívida uruguaia com o Brasil era tamanha que levaria mais de um século para ser paga
caso houvesse uma pacificação interna naquela república.

1
Doutorando em História Social. Universidade de São Paulo Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (FAPESP) Orientadora: Profª.Drª. Monica Duarte Dantas. Email:
pedroaubert@yahoo.com.br .
2
O primeiro Conselho de Estado foi criado ainda no Reino do Brasil sob o nome de Conselho dos
Procuradores Gerais das Províncias do Brasil. Com a Constituição de 1824 foi recriado como Conselho
de Estado. Composto por dez membros vitalícios nomeados pelo Imperador, sua audiência era obrigatória
para que o monarca fizesse uso do Poder Moderador. Com a reforma da Constituição na década de 1830
foi extinto. Após a maioridade, foi novamente instituído, porém, por lei infraconstitucional, a Lei nº234
de 23 de novembro de 1841. Por não se tratar do mesmo Conselho da Constituição sua audiência era
facultativa e não obrigatória. Sua composição era de 12 membros ordinários e 12 extraordinários,
nomeados também pelo Imperador. O Regulamento nº 124 de 5 de fevereiro de 1842 dividiu o Conselho
em quatro Seções: Império, Fazenda, Guerra e Marinha; Justiça e Estrangeiros. Compunham-se as Seções
de três conselheiros, sendo suas reuniões presididas pelo ministro responsável pela pasta correspondente
que não tinha direito a voto. A reunião de todas as Seções sob a presidência do Imperador era chamada de
Conselho de Estado Pleno. O Imperador poderia convocar o Conselho Pleno quando lhe conviesse: seja

2275
para discutir mais amplamente um Parecer de alguma Seção, seja para consultar sobre assuntos urgentes
da política. AUBERT, Pedro Gustavo. Entre as Idéias e a Ação: o Visconde do Uruguai, o Direito e a
Política na Consolidação do Estado Nacional. Dissertação de Mestrado. São Paulo, FFLCH/USP, 2011,
p.p.33-34.
3
Biblioteca Nacional, Coleção Tobias Monteiro. 63,04,001 nº 036.
4
Biblioteca Nacional, Coleção Tobias Monteiro. 63,04,001 nº 036.
5
Biblioteca Nacional, Coleção Tobias Monteiro. 63,04,001 nº 036.
6
Biblioteca Nacional, Coleção Tobias Monteiro. 63,04,001 nº 036. O Blanco Giró sagrou-se vencedor no
pleito presidencial em que o Brasil apoiara a candidatura colorada de Cézar Diaz. Em 1852, mediante
ameaça militar brasileira de apoiar uma rebelião chefiada por Diaz que iria depor Giró, os Tratados de
1851 com o Brasil foram reconhecidos e postos em execução. Finda a missão de Honório Hermeto
Carneiro Leão, e ascendendo esse à Presidência do Conselho de Ministros, o governo blanco enfrentou
forte instabilidade política. Os colorados exigiam maior participação no governo. O presidente asilou-se
na Legação francesa e posteriormente na Legação brasileira, reclamando apoio militar brasileiro contra os
insurretos. Foi estabelecido um governo provisório sob a chefia de Fructuoso Rivera, Venancio Flores e o
general Lavalleja. O Brasil colocou em marcha da fronteira do Rio Grande do Sul para Montevidéu um
efetivo de 4 mil homens “para “assegurar a sua existência, os direitos de todos os seus habitantes, a paz e
a tranquilidade pública e o estabelecimento de um governo regular”. Venancio Flores foi eleito pela Poder
Legislativo para completar o mandato de Giró. O Brasil enviou um Plenipotenciário à República Oriental
a fim de reconhecer o novo governo. Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1853, p.p. XVII-
XXX.
7
BR RJIHGB 77 ACP Visconde do Uruguai DL09,13.
8
REZEK, José Francisco. Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros. Volume 4 1854-1857. Brasília:
Câmara dos Deputados/ Ministério das Relações Esteriores, 1981, p. 350.
9
REZEK, José Francisco. Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros. Volume 4 1854-1857. Brasília:
Câmara dos Deputados/ Ministério das Relações Esteriores, 1981, p.p. 334-357.
10
BR RJIHGB 77 ACP Visconde do Uruguai DL 01,18.09.
11
BR RJIHGB 77 ACP Visconde do Uruguai DL 02,23.
12
BR RJIHGB 77 ACP Visconde do Uruguai DL 02,23.
13
Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1853, p. XLII.
14
Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1853, p. XLVIII.
15
O Império do Brasil havia aberto o porto de Albuquerque em Mato Grosso à todas as bandeiras. Os
regulamentos obrigavam as embarcações a levarem a bordo um prático paraguaio que receberia em
Assunção e nos postos militares da conceição, foz do Apa e Olimpo. Todas as embarcações deveriam
obrigatoriamente realizar paradas em Assunção e nos postos militares do Serro Ocidental e do Forte
Olimpo. Em cada um dos pontos deveriam ser obedecidas uma série de formalidades. A primeira parada
era em Assunção. O capitão deveria ir à presença da autoridade militar paraguaia a apresentar o
passaporte do navio, o rol de equipagem, o manifesto da carga e a lista dos passageiros. Cada passageiro
independente da nacionalidade deveria exibir individualmente seus passaportes. O agente consular do
Brasil em Assunção deveria vistar todos esses documentos para que fossem tidos por válidos. No Serro
Ocidental os mesmos documentos deveriam ser apresentados à autoridade paraguaia, seriam recolhidos
emolumentos pelos vistos. Essas mesmas formalidades eram também exigidas no Forte Olimpo, com a
única diferença de que ali não eram cobrados emolumentos. Ao descer o Rio, esses documentos todos
deveriam trazer o visto do cônsul do Paraguai em Mato Grosso. O comandante do Forte Olimpo quando
da descida do Rio Paraguai perceberia emolumentos para visar e assinar a lista de passageiros. Afora isso,
as embarcações estavam sujeitas a multas e mesmo à apreensão caso não cumprissem as formalidades
exigidas pelos regulamentos. Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1856, p.p. 34-37.
16
Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1857, p.p. 30-31.
17
Em carta datada de 6 de janeiro de 1858, José Maria do Amaral relata ao seu irmão Angelo Thomás do
Amaral um episódio que se passara durante sua missão. Dado o impasse, fez subir para Mato Grosso um
navio em o prático paraguaio, desafiando Lopez que não abriu fogo contra a embarcação. “É que eu, na
véspera, tinha-lhe dito em tom muito decisivo: ‘A primeira bala que eu amanhã lhe lançar em terra, em
resposta às suas, será um ovo dentro do qual virá a revolução, que há de libertar os paraguaios’”.
Cadernos do CHDD Ano 6, nº11. Brasília, FUNAG, 2008, p.118.
18
Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1857, p.37.
19
Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1857, p.p. 38-41. Em fevereiro de 1857 as Seções
Reunidas dos Negócios Estrangeiros e da Fazenda foram consultadas acerca dos regulamentos fluviais da
República do Paraguai. O Visconde do Uruguai foi designado como relator. Em seu parecer se vale das
doutrinas de Direito das Gentes de Weathon e Kent, então em voga nos Estados Unidos para embasar a

2276
opinião de que o Paraguai não poderia fechar o trânsito fluvial ao Brasil. Mais ainda, afirma que era
questão de tempo para que o Brasil fosse obrigado a abrir o Amazonas para os Estados Unidos e que
sendo assim, não haveria razão para abrir a navegação amazônica e continuar privado da navegação
platina. Em 1854 emitiu um parecer acerca da navegação amazônica no qual criticava os autores que
passava então a defender, por considera-los como agentes do expansionismo territorial norte-americano.
O que fica evidenciada é que das duas uma: ou Uruguai mudara de ideia, uma vez que a seu ver os
gabinetes que o sucederam cometiam vários erros na condução dos negócios externos, ou então, temos
aqui mais uma expressão de seu pragmatismo: criticava esses juristas quando era conveniente, e por outro
lado os utilizava quando poderia auferir dividendos políticos com isso. REZEK, José Francisco.
Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros. Volume 4 1854-1857. Brasília: Câmara dos Deputados/
Ministério das Relações Esteriores, 1981, p.p. 490-514.
20
Cadernos do CHDD Ano 6, nº11. Brasília, FUNAG, 2008, p.313.
21
Cadernos do CHDD Ano 6, nº11. Brasília, FUNAG, 2008, p.98.
22
Nesse intento, houve uma mobilização dos ministérios da Guerra e da Marinha para a criação de
colônias militares próximo à referida região.
23
Cadernos do CHDD Ano 6, nº11. Brasília, FUNAG, 2008, p.118.
24
BRASIL, Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros. O Conselho de Estado e a Política Externa
do Império: Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros: 1863-1867. Brasília: FUNAG, 2007, p.p. 86-
87.
25
Biblioteca Nacional, Coleção Tobias Monteiro, Doc. Nº 2.278.
26
Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1857, Anexo G, p.61.

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