Você está na página 1de 24

Contos Gauchescos

Simões Lopes Neto


Características dos Contos Gauchescos:
linguajar e os costumes típicos da campanha
gaúcha do século XIX, através de um estilo oral e vivo que são
retratados com fidelidade (verossimilhança).
Linguagem, ambiente e tipo regionais caráter universal
Blau Nunes Moço da cidade
Velho: 88 anos (teria nascido Jovem
por volta de 1820), experiente,
honesto, leal, é o depositário
das virtudes do gaúcho típico.
Viajado: vaqueano (espécie de Desconhece a região
guia campeiro).
Narrador dos dezenove contos: Interlocutor que jamais
fala interfere: escuta / escreve
Apresentação

Patrício, apresento-te Blau, o vaqueano.


- Eu tenho cruzado o nosso Estado em caprichoso ziguezague.(…)
E por circunstâncias de caráter pessoal sucedeu que foi meu
constante guia e segundo o benquisto tapejara Blau Nunes,
desempenado arcabouço de oitenta e oito anos, todos os dentes, vista
aguda e ouvido fino (...).
Genuíno tipo – crioulo – rio-grandense (hoje tão modificado), era
Blau o guasca sadio, a um tempo leal, e ingênuo, impulsivo na alegria e
na temeridade, precavido, perspicaz, sóbrio e infatigável;
e dotado de uma memória de rara nitidez, brilhando
através de imaginosa e encantadora loquacidade, servida
e floreada pelo vivo e pitoresco dialeto gauchesco.
1. Trezentas onças

Blau Nunes – narrador e protagonista

Tema – Honestidade

Blau perde uma guaiaca com trezentas onças de ouro e pensa


em se matar (receio de ser visto como um ladrão).
O cusco lambe sua mão (amizade)
O zaino relinchou (liberdade)
A natureza o demove da idéia
Um grilo cantou (esperança)
Deus estava no luzimento da estrelas

Ao assumir a responsabilidade por seu erro, ele é premiado com


a resolução do problema (tropeiros).
2. O Negro Bonifácio
Blau Nunes – narrador e testemunha
Tema – violência paixão e sangue
Bonifácio – malvado, valente, vaidoso, desordeiro...
Tudinha – morena linda, alta, delgada, alegre, desinibida, olhos
fascinantes... Desperta desejo (trazia mais de quatro pelo beiço);
curiosidade (...como uma morena, tão linda, entregou-se a um
negro, tão feio?...); comentário machista (Estancieiras ou peonas,
é tudo a mesma cousa... tudo é bicho caborteiro...; a mais
santinha tem mais malícia que um sorro velho!...). Apesar do
título, o conto centra-se na figura de Tudinha,
cuja presença e comportamento determinam o
rumo das ações e a tragédia.
Vi então o que é uma mulher rabiosa...: não há maneia
nem buçal que sujeite: é pior que homem!...
A Tudinha já não chorava, não; entre o Nadico, morto, e
a velha Fermina estrebuchando, a morocha mais linda que tenho visto,
saltou em cima do Bonifácio, tirou-lhe da mão sem força o facão e
vazou os olhos do negro, retalhou-lhe a cara, de ponta e de corte... e por
fim, espumando e rindo-se, desatinada - bonita, sempre! - ajoelhou-se
ao lado do corpo e pegando o facão como quem finca uma estaca,
tateou no negro sobre a bexiga, pra baixo um pouco - vancê
compreende?... - e uma, duas, dez, vinte, cinquenta vezes cravou o ferro
afiado, como quem espicaça uma cruzeira
numa toca... como quem quer estraçalhar
uma ousa nojenta... como quem quer
reduzir a miangos uma prenda que foi
querida e na hora é odiada!...
3. No Manantial
Blau Nunes – narrador e testemunha

Tema – amor e sangue

Maria Altina
Mariano (pai)
Furriel André (noivo) amor puro rosa
Chicão (pretendente) amor bruto morte
Blau Nunes (apaixonado) chora no final
4. Deve um queijo!...

Blau – narrador

Tema – conto anedótico

O velho Lessa, gaúcho bom


e tranquilo, dá uma lição em
um castelhano fanfarrão.
5. O Boi Velho
Cuê-pucha!… é bicho mau, o
homem!
Blau Nunes – narrador e testemunha

Tema – ingratidão criança X homem

Homem (“bicho mau”) X Boi (bicho bom)

Cabiúna e Dourado – os bois mansos que levam as crianças na


carreta para o banho. Eles mesmos se colocam na canga.
Dourado morre. Cabiúna fica velho e os donos mandam matá-lo.
Cabiúna acha que está sendo punido, se coloca na canga e
morre ( E ajoelhou...e caiu... e morreu... ).
Uma das crianças quer alimentar o boi, como antigamente os
donos faziam.
6. Chasque do Imperador
Blau Nunes – narrador, protagonista e testemunha.

Tema – conto anedótico

Blau Nunes aparece aqui como cabo do exército nacional,


servindo de guia e mensageiro a D. Pedro II e a Caxias, por
ocasião da vinda do imperador ao Rio Grande do Sul em 1865.
Como homem de confiança, próximo ao imperador, Blau narra
alguns fatos do cotidiano do monarca no trato com as pessoas
rudes da nossa terra.
7. Os Cabelos da China
Blau Nunes – narrador e personagem
Tema – honra e amor
Guerra dos Farrapos (1835-1845)
Blau Nunes
Juca Picumã – pai da Rosa
Ficava perto dos tições, curtindo a fumaça quente.
Final: atira tições na carreta (“ninho de amores”).

Rosa

Capitão Comandante
Farrapo X Legalista
Rev. Farroupilha
8. Melancia – Coco Verde
Blau – narrador distanciado (ouviu contar)
Tema – amor proibido com final feliz
Aspectos humorísticos – descrição do Ilhéu, cenas do
casamento...
Talapa
Provoca confusão (“Melancia”)
no casamento,
Reduzo colaborando para a
união do casal Casamento
apaixonado arranjado

Na polvadeira da estrada Costinha Ilhéu


O teu amor vem da guerra:... (“Coco Verde”) (“mui comedor de
Melancia desbotada!... verduras (...) nem se
avexava de aparecer
Coco Verde está na terra!...
de carretinha, diante
da moça!”)
9. Contrabandista
Blau Nunes – narrador e testemunha
Tema – contrabando
Caracterização de Jango Jorge e a
história do contrabando no RS
Dois momentos
Drama resultante da trágica morte
do protagonista
Final – chegada da comitiva de Jango Jorge, trazendo seu corpo
crivado de balas. Sob o poncho do contrabandista se viu:
Era o vestido branco da filha, os sapatos brancos, o véu branco,
as flores de laranjeira...
Tudo numa plastada de sangue... tudo manchado de vermelho,
toda a alvura daquelas cousas bonitas como que bordada de
colorado, num padrão esquisito, de feitios estrambólicos... como
flores de cardo solferim esmagadas a casco de bagual!...
Então rompeu o choro na casa toda.
10. Jogo do Osso
Blau Nunes – narrador e testemunha
Tema – paixão e sangue
Chico Ruivo (com azar) e Osoro (com sorte) jogam a taba,
sendo que o primeiro perde tudo na aposta com seu oponente.
Então aposta sua china, Lalica, perdendo também. A china
provoca Chico até que este, revoltado, comete duplo assassinato:
atravessa ambos com seu facão, “espetando-os no mesmo ferro,
matando-os da mesma morte, fazendo os dois sangues correrem
juntos num só derrame...”
Lalica X
A taba

aposta
Chico Ruivo Osoro
O Chico Ruivo teve um estremeção e deu um urro
entupido, arrancou do facão e atirou o braço pra
diante, numa cegueira de raiva, que só enxerga
bem o que quer matar...
E vai, como pegou o Osoro pela esquerda, do lado, meio por detrás,
por debaixo da paleta, o facão saiu no rumo certo e foi bandear a Lalica
meio de lado, sobre a esquerda da frente. Vancê compr’ende? Do
mesmo talho varou os dois corações, espetou-os no mesmo ferro,
matou-os da mesma morte, fazendo os dois sangues, num de cada
peito, correrem juntos num só derrame... que foi lastrando pelo chão
duro, de cupim socado, lastrando... até os
dois corpos baterem na parede, sempre
abraçados, talvez mais abraçados, e
depois tombarem por cima do balcão,
onde estava encostado o tocador, que
parou um rasgado bonito e ficou olhando
fixe para aquela parelha de dançarinos
morrentes e farristas ainda!...
11. Duelo de Farrapos
Rabo de saia é sempre precipício pros homens...

Blau Nunes – narrador e testemunha Bento Gonçalves


X
Tema – honra Onofre Pires

Blau, que aparece como ordenança de Bento Gonçalves,


acompanha uma intriga entre o General e o Coronel Onofre Pires
durante a Revolução Farroupilha. A desavença teria sido
provocada por uma emissária de um caudilho uruguaio (Oribe ou
Rivera), resultando em um duelo de morte entre os líderes
farrapos, com a vitória de Bento Gonçalves. Blau não sabe ao
certo o motivo da briga, mas dá a entender que tudo começou
com a passagem da tal mulher pelo acampamento farroupilha.
12. Penar de Velhos

Blau Nunes – narrador


Tema – sofrimento / remorso
Blau revela ter conhecido o Binga Cruz, filho único de
um casal de estancieiros que, na época do acontecido,
teria cerca de 12 anos. Binga resolveu laçar um avestruz e, para isto,
pegou escondido o cavalo de seu pai, cansando-o tanto que o animal
morreu. O pai quis castigar o filho na presença da peonada, mas o
menino fugiu dali para nunca mais voltar. Os pais fizeram o possível
para localizar Binga, mas sem sucesso. Penaram até morrer de
desgosto.

O velho ficou buzina!... Quem foi, quem não foi...; afinal o próprio
Binga, meio de orelha murcha mas decidido, relatou a criançada, tintim
por tintim. Aí o velho andou mal… ali no mais, à vista da peonada, quis
sovar o filho…
13. Juca Guerra
Qual o mais valente? o tal
Blau Nunes – narrador fulano, da beira da praia, ou este
da beira... da morte certa?
Tema – coragem

Blau comenta uma notícia de jornal que tratava de um ato de


heroísmo na praia e, a partir daí, rememora um episódio ocorrido
com Juca Guerra, um homem que sintetiza todas as virtudes de
um gaúcho. Durante um aparte de touros chucros no campo, um
moço chamado Tandão Lopes (provavelmente pai do autor) foi
salvo de um ataque de touro por Juca Guerra. Montado em seu
cavalo, Juca atirara-se contra o touro, evitando que o touro
atingisse o companheiro indefeso. Porém seu
cavalo feriu-se e teve de ser sacrificado.
14. Artigos de Fé do Gaúcho
Aqui não temos um conto, mas uma série de 21 provérbios populares
com características regionais. Referem-se a cavalos, mulheres e homens.
Note-se no final a presença do interlocutor que anota tudo. Leia alguns
exemplos:
1º. Não cries guaxo: mas cria perto do teu olhar o potrilho pro teu andar.
8º. Fala ao teu cavalo como se fosse a gente.
11º. Mulher, arma e cavalo do andar, nada de emprestar.
12º. Mulher, de bom gênio; faca, de bom corte; cavalo de boa boca; onça, de
bom peso.
13º. Mulher sardenta e cavalo passarinheiro... alerta, companheiro!...
16º. Cavalo de olho de porco, cachorro calado e homem de fala fina… sempre
de relancina...
17º. Não te apotres, que domadores não faltam...
21º. Quando falares com homem, olha-lhe para os olhos, quando falares com
mulher, olha-lhe para a boca... e saberás como te haver...
................................................................................................................................
Que foi?
Ah! quebrou-se a ponta do lápis?
Amanhã vancê escreve o resto: olhe que dá para encher um par de tarcas!...
15. O Mate do João Cardoso
Blau – narrador

Tema – conto anedótico sobre a espera de algo que nunca chega

Consta que as pessoas costumavam passar pelo rancho de João


Cardoso para saber das novidades. Eram então convidados a
tomar um mate. A espera era tanta, que os convidados iam
embora sem tomar um mate sequer... Assim, mate do João
Cardoso é sinônimo de algo que demora muito ou nunca chega.

Curiosidade: João Cardoso parece ter


mesmo vivido em Jaguarão, na primeira
metade do século XIX.
16. Correr eguada
Não há nada como tomar
mate e correr eguada!

Blau – narrador
Tema – passado perdido

No tempo em que não havia divisas, os animais não


tinham dono certo, os gaúchos perseguiam os cavalos e
praticavam violências que eram aceitas naturalmente.
Chegavam a matar milhares de cavalos
por necessidade ou pura diversão.
17. O Anjo da Vitória
Blau Nunes – narrador e protagonista

Tema – infância de Blau Nunes transformação precoce


do menino em homem: ...vi que estava sozinho, abandonado,
gaudério e gaúcho, sem ninguém pra me cuidar!...

Guerra da Cisplatina (1825-28) / Batalha do Passo do Rosário


(1827)

Blau Nunes (+10 anos)


Padrinho
Hilarião (ordenança)
Gen. José de Abreu (“Anjo da Vitória”)
Debret, Embarque das tropas para Montevidéu
Andar lado a lado.
18. Batendo orelha!
Blau Nunes – narrador

São narradas simultaneamente as histórias coincidentes de um


homem e de um cavalo, como uma espécie de alegoria sobre a
condição humana. Suas vidas paralelas correm parecidas, até se
encontrarem: ambos vão para um regimento de cavalaria.
Quando não servem mais, são descartados. Um deu pra beber;
outro deu pra empacar. Um apanhou da polícia; outro apanhou do
carroceiro (os dois apanham até morrer).

Reflexão moral: O engraçado é que há gente que se julga muito


superior aos reiúnos; e sabe lá quanto reiúno inveja a sorte da
gente...
19. O “Menininho” do Presépio
Blau Nunes – narrador e testemunha
Tema – conto de Natal (milagre)
Nhã Velinda, uma moça “boa como uma santa” e “linda como
uma princesa” , fora obrigada a casar com um “sujeito sem eira
nem beira”, um velho “mal encarado” e “meio corcunda”. O
cadete Vieira, filho de um estancieiro, era apaixonado por ela.
No dia de Natal, durante os preparativos, os dois se encontram
no escuro por um momento e trocam um beijo. Mais tarde,
durante a adoração do presépio pelos convidados, o marido
ataca Nhã Velinda com um facão, mas, no mesmo instante, rola
do presépio o Menino Jesus, como que se interpondo entre ela e
a arma, evitando o assassinato. Tempos depois, o marido morre
em uma “bochinchada” e o Vieira e Nhã Velinda se casam.

Você também pode gostar