Você está na página 1de 14

(',-r)"·

l n
_.I ;

t-)U ~ •..... ,,'

cdJ@@CQ5~
ISSN 001 J -5258

I dados - Revista de Ciencías Sociais (ISSN 0011-5258)


quadrímestra! do Instituto Universitário
é uma publicação
de Pesquisas do Rio de Janeiro,
órgão de estudos e pesquisas em Ciências Sociais da Sociedade Brasileira de
8~
Instrução,

Diretor
Cândido
fundada em 1902, mantenedora,

Mendes
também, da Escola Técnica de
Comércio Cândido Mendes, da Faculdade de Ciência, Poltticas e Econômi-
cas do Rio de Janeiro e da Faculdade de Direito Cândido Mendes.

Editores Associados
Alexandre de S. C, Barros
I..
f,
t-
i'
REVISTA-DE
aÊNClAS SOCIAIS
BditoIU
Cesar Guimarães ~
l~ Uma publicação do INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS
Elisa Pereira Reis DO RIO DE JANEIRO
Amaury de Souza i·
Charles Pessanha, Secretária ~I
Maria Alice Smva Ramos HISTÓRIA ORAL'E HISTÓRIA DE VIDA
(. ~
j Os Usos da História Oral e da Aspásia Camargo 5
ji
História de Vida:
Conselho Editorial F
Alexandre de ~ ,. n_~.".
'.!:'~~r..,.de Souza. Cândido Mendes, Carlos A_ ! Trabalhando com Elites
Hasenbalg, Cesar Guimarães, Charles Pessanha, Edmundo Campos Coelho; Políticas
BIi Dinil, Elisa Pereira Reis, GuilJermo O'Donnell, José Murilo de Carva- ~
Interpretando a. Vidas de Norman K, Denzin 29
lho, Licia VaUadares, luiz Antonio Machado da SUva,luiz Wemeck Vianna,
Maria Regina Soares de Lima, Mario Brockmann Machado, Neuma Aguiar,
~~ Pessoas Comuns:
OIavo Brasil de Lima Junior, Renato
Schwartzman
Boschi, Sérgio Abranches,
e Wanderley Guilherme dos Santos,
Simon
~~!' Sartre, tleidegger e Faulkner

Conselho Consulti.-o
~Ll Qr Encontrando
Descobrindo
Teso, me Sidney W, Mintz 45

Antonio Octávio antra, Aspásia A1cântara de Camargo, Bolívar Lamounler,


Carlos Estevam Martins, Celso LaCer, Eduardo Diatay B, de Menezes, Fábio
~F\~! Reflexões sobre o Quefazer Esther Iglesias 59
Wanded~y Reis, Fernando Henrique 'Cardoso, Francisco Weffort,
Trindade, Luiz Gonzaga de Souza Lima, Maria do Cumo Campello de Souza,
Hélgio
~ I S;i da História Oral no Mundo

~~-~I
Rural
Otávio'Guilhenme Velho, Roberto Da Malta, Roque de Barros Laraía, Ruth
Correa Leite Cardoso, Si! via Marcelo Maranlli!o e Wümar Faria, Cultura e Ideologia Eunice R. Durharn 71
Os conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta e exclusiva res- . ~@~
I~
LIVROS
ponsabilidade de seus autores.

Redação Assinaturas - Brasil e Exterior


'"
c..J ;
Partidos Poltticos
a Experiência Federal e
Brasileiros;

.' dados -
Iuperj
Revista de Ciências Sociais

Rua da Matriz, 82
Editora Campus Ltda,
Rua Barão de ltapagipe
rei.. (021) 284 8443
S5 Rio Comprido
\ j"
li
'I
Regional:
1945- 1964, de Olave Brasil
22260 BotaCogo 20261 Rio de Janeiro, Brasil 1 de lima Junior
Rio de Janeiro. Bra<i1 "'-AA'''CO telegcáfico:CAMPUSRIO ti Uma Resenha e uma Resposta Gláucio Ary Dillon Soares 93

Resposta a Gláucio Soares Olavo Brasil de Lima Junior 105

. , (English íanguage table of contents on page 1(1)

dados - Rf!ViSta de Ciências Sociais é publicada com o apoio do Conselho


dado, -R;;;s;;;7W~,~''',t.~.;'';.s, Rio de Janeiro, Vol. 27, n'? I. 1984. pp. I a 116

Nacional de Desenvolvm;ento Qentífico e Tecnológlco (CNPq) e da Finan-


ciadora de Estudos e Projetos (Finep), 1
I. EDITORA C~AJ~ ..!;-)
i
1
NOME PROF.°~ ~ ~~ .
'~:_/
t, COD ..C 10 _PASTA ~ II ---- olC])6
, "Wp- W=' 45 " . (X., 5~
I
"Ii '"

,
iF ENCONTRANDO TASQ ME DESCOBI<INDO'

,j Sidney W. Mintz
t
:t Para situar a elaboração de histórias sociedade cuja cultura procurava-se descre-
I de vida dentro dos objetivos da Etnologia é ver com a minúcia exigida pela ciência. A
1 preciso, antes de mais nada, dedicar alguma impaciência dos sucessores de Boas (e rnes-
! atenção à própria Etnologia: sua história mo de alguns de seus cpigonos) deveu-se,
,1 enquanto disciplina e seus rumos atuais. em grande parte, â relutância daquele em
N Antes de fazê-lo, porém, é preciso que se passar progressivamente do registro infini-
i diga que a palavra, aqui, está sendo usada to de detalhes para afirmativas gerais de
não em seu sentido americano mas no fran- princípios relativos ao comportamento hu-
I cês. O equivalente americano seria prova- mano.
L
1 velmente "etnograâa", termo que, em ou-
tros lugares, tem muito pouco significado
específico.
Mais ainda, Boas acreditava que a .
obrigação da Antropologia era a de prover
uma tal descrição particularmente para
t
:t
O objetivo da Etnografia, em termos aqueles grupamentos humanos sujeitos a in-
gerais, foi definido por antropólogos pio- tensas pressões de todo tipo por parte de

I~
I'

,
neiros como Bronislaw Malinowski e W. H. sociedades industriais amplas e agressivas,
R. Rivers; eu, entretanto, começaria me re- como a Alemanha e os Estados Unidos, que
ferindo a Franz Boas (1858-1942), a quem Boas conhecia melhor. Pode-se então dizer
muitos consideram como fundador da An- que Boas desejava restringir o campo da
I tropologia científica nos Estados Unidos. Antropologia - ou ao menos o da Antro-
iI Como poucos contemporâneos e ainda me- .'pologia de sua época - Aquilo que se pode-
ii
i
nos predecessores, Boas acreditava que a ci- ria chamar de sociedades "primitivas". (pa-
. ência da Antropologia só se poderia firmar ra sermos justos, no entanto, é preciso in-
através do trabalho de campo: contato pes- sistir no fato de que Boas nunca atribuiu a
l:tl .;.'

.~.~:
.
soal prolongado e íntimo com membros tia esta categoria a mais leve conotação pejo-
.,

·1:1' A tradução do original em inglês é de autoria de Mario Grynszpan.


:'1
:1 dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, VaI. 27, n~ I. 1984, pp. 45 a 58.
":..:;.

:1 I •.
".~

:1 il 4S
;I~
,li!
!lL....-_ _._..__ ._ ~. __ ._ -~ ."".._".~
. ~.,"""'_
, ,.. n dto eLE
dade de reunir uma suficiente variedade de "Por mais de uma década os antropólogos Benedict nunca escreveu uma história
rativa - e algumas vezes, até, parecia afir-
registros mdlvíduaís, são de limitado valor têm concordado com o valor da história de
mar selem tais sociedades, a seu ver, moral- de vida, embora seu método de pesquisa
para o propósito particular para o qual es- vida. Alguns disseram ser da um ínstrurncn-
mente superiores.) to essencial para o estudo de uma cultura.
fosse baseado em contatos com pequeno
tiro sendo coletadas, Elas são mais valiosas
Finalmente, Boas estava interessado enquanto material para um estudo da per- Muitas histórias de vida foram coletadas - número de informantes. Sua pesquisa li-
em desenvolver descrições da cultura estu- versão da verdade produzida pelo jogo da muitas mais foram publicadas, Muito pou- dou, na maior parte, Com problemas cultu-
memória com o passado. O resto 'não é CO, contudo, tem sido feito, mesmo com rais para os quais uma detalhada ctnografia
dada em termos representativos ou norma-
mais do que um relato de costumes coleta- aquelas que estão publícadas,e o. pesqui-
tívos, Ao dizer isso, não atribuo a ele qual- local era irrelevanle, em cont raste com
do da maneira usual.',l sadores de campo que as coletaram, em
quer desejo de homogeneízar ou fundir evi- suas monografias tópicas, utilizaram ape-
Boas. Sua argumentação em favor d a histó-
dências de diferenças entre membros de Embora não seja meu interesse esten- nas fragmentos sobre casamento, cerimô- ria de vida ligava-se à firme crença de que a
uma única sociedade. Sem dúvida, ele sabia der a importância desta citação com espe- 'alas ou modo de vida, obtidos em histórias Antropologia não se poderia desvincular
de vida. A natureza desse material de histó- das Ciências Humanas, e que seria mesmo
que' a gama de variações de todos os tipos culações adicionais, parece evidente que
ria de vida fez com que isso fosse pratica- através destas que a Antropologia aprende-
numa mesma sociedade - filo importa Boas demonstrava constrangimento - se- mente inevítével uma vez que - penso eu.
quão "simples" fosse - poderia ser' bem não clara h.ostilidade - diante de generali- e qualquer um que tenha lido virias dessas
ria a aproveitar ao máximo o método de
ampla. Mas seria justo dizer que, da posíção dades baseadas em declarações de infor- autobiografias, publicadas ou não, concor- história de vida.
privilegiada da Antropologia que estava mantes únicos, e que achava totalmente dará comigo - oitenta a noventa e cinco Mas mesmo um fervoroso "boasiano "
por cento da maioria delas são puros rela- como Alexander Lesser, 'embora nunca uti-
criando, ele não estava interessado em indi- questionável a recuperação de "trajetórias
tos etnogrãücos da cultura. Trata-se de um
víduos. Ocasionalmente ele nos dá mostras de vida" através de investigação intensiva, lizasse o método de história de vida, aca-
meio lento e repetitivo de se obter pura et-
de seu desínteresses- e mesmo de sua des- nogratia e, se for apenas nisso que elas po- bou insistindo nos atributos individuais de
Diante do que foi dito, não teria sen-
crença - em informações empregadas para dem' ser empregadas, qualquer pesquisador certos informantes em suas reconstruções
tido examinar as relações pessoais de Boas
clarlficar a posição cultui:al de um Üldiví- de campo sabe como obter tais dados de hísiórícas." A geração seguin te - os aiunos
com alguns de seus melhores informantes; forma mais econômica. O valor singular
duo ao inVés de clarificar a cultura em si dos alunos de Boas - avançou a técnica em
pode-se mesmo supor que ele ficaria abor- da. histórias de vida está naquelas frações
mesma, Um bom exemplo dessa perspec- alguns aspectos. Há, por exemplo, as vinhe-
recido com os relatos reunidos num livro do material que mostram as repercussões
tiva, e particularmente relevante a esse res- I
que as e.xperiêDCias de vida de um homem tas sensíveis de Conldin e Sturtevant am-
como ln lhe Company of Mon, 3 por exem-
peito, vem de sua crítica aos desenvolvímen- bos alunos de Kroeber; 7 as narrativas de
~ii plo, onde alguns de seus "descendentes" I - compartilhadas ou idíosincrãticas - têm
:j' tos na Antropología, publicada após a sua
fazem um culto tanto aos seus informantes I sobre ele, enquanto ser humano moldado guerra de índios americanos publicadas por
morte. Embora aponte para a utilidade das naquele ambiente. Tal informação pode e, é lógico, a primeira das histó-
:I~,

:I'
histórias de vida ao indicarem como com-
favoritos quanto às relações que esses in-
formantes mantinham com eles. Talvez se-
T' , testar uma cultura ao mostrar sua interfe-
rência na vida de seus portadores; pode-
Kroeber;"
rias de vida antropológicas, escrita por Paul
~i
.•. portamentos íncomuns ou desviantes numa mos ver num caso individual, nas palavras
Radin, discípulo do próprio Boas.? Mesmo
ja suficiente dizer que este aspecto da An-
'liJj cultura acarretaram mudanças políticas, re- tropologia de Boas permanece, de alguma de Bradley, 'o que é, vendo que assim sendo de algum interesse, não nos podere-

'l~
l!!!
ligiosas ou econômicas, sua visão geral so-
bre tais estudos é crítica. Ele fala das "pe-
ças que' â' memória nos prega" e assevera
que os riscos são "muito importantes para
forma, obscuro.
Apesar da resistência de Boas à histó-
ria de vida, alguns de seus mais eminentes
aconteceu e deve ter aconrccidn'."

Ruth Benedict, "Anthropology


mos deter naquele que poderia ser chama-

and lhe Hurnauíties",Amer;can Ant"ropologirr, n, 50, 1948,


d que possamos aceitar autobiografias como
dados factuais conâãvets":'
seguidores defenderam o método, notada-
mente Ruth Benedict." Em sua fala presi- 6
p.592,

Alexanner Lesser, "Cultural Significance of lhe Ghost Dance", American A nthropologist, n. J),

:1 "Autobiografias, em vista das restrições


dencial na American Anthropological As- ! 1933, pp. 108-115.
que acabemos de mencionar e da dificul- sociation, Benedict dizia: 11.,
J.f. I ~~):
Harold C. Conklin, "MaIing. a Hanunoo Girl frorn lhe Philippínes ", ín Joseph B. Casagrande , {n
lhe Company of Man, op. ctt., pp. 101·1\8. WiIliam C. Sturtevam, UA Seminole Medicinc Ma,
ker",in Joseph B. Casagrande,ln lhe Compony of Ma«, op, cit., pp. 505.532.
Franz Boas,"Recent An~po!ogy", Sdencç, n, 98, 1943, p, 335,
Alfred L. Kroeber, "Ethnology of the Grcs Ventre", American Museum of Natural History, An.
" Idem, /btdl!/II, ,' thropological Papen 1,1908, pp. 196·221.
;'1; 3 Joseph B. Casagrande, ln lhe Company of Man, Nova York, Harper, 1960. ,,~~:',
Paul Radín, "Personal Remíníscences of a Winnebago Indian", 100"",1 of Am<,rican Folklore,
i,
,1 4 Sídn~y W.. Mln~, "Rulh Benedlct", in Sydel Síberman, Totems and Teachers, Nova York, cs- ,
lum bía u~",,,~.1981.PP_142-1".~'
1 ~t n. XXV1, 1913, pp. 29J·318. Paul Radin,17.e Autobiography of a Willllebago lndtan, Universí-
ty ofCalífomia, Publications in American Archaelogy and Etlmology, n, 16, 1920.

!~ 46 il. 47

~ Jj.~•••••••••• -----------~------
q.

~!. Desde que isso foi escrito, o ponto de que pretendem procurar; algumas vezeso,
II!i do o "método boasiano de história de vida". listas sociais ao contínuo
nólogós pelos primitivos,
interesse dos et-
Isso porque se vista de Lesser tomou-se bem mais popular demonstração da falta de alguma relação
Seria mais produtivo se nos voltásse-
:d um estudo deve ser essencialmente descri- e a esfera de interesse da Antropologia am- esperada pode ser o primeiro passo para a
mos para a própria etnografia e para a no-
i tivo, e se aborda apenas aquelas questões
pliou-se bastante. O campo de investigação descoberta de alguma outra, de alguma li-
ção de uma categoria de povos - não-oci- que, sugere enquanto uma investigação
dentais, primitivos, pré-Ietrados, ou o que com fins descritivos, o que justifica que se
dos antropólogos tem, principalmente a gação não antecipada entre fatos, eventos
seja - como sendo o domínio da Antropo- estude apenas condições primitivas e não partir do fim da Segunda Guerra Mundial, ou fenômenos de outros tipos. Embora o
logia. As razões para uma tal limitação da também modernas? 'O relativismo cultural. interpenetrado com o' de Outros cientistas desenvolvimento do argumento com mais
a importância do contexto social ou cul- sociais, e tomaram-se comuns os estudos profundidade possa nos desviar de nossos
Antropologia são válidas e bem conhecidas:
tural, já foram' completamente reconheci-
nenhuma outra ciência estudou tais povos antropológicos de sociedades modernas. objetivos, uma breve descrição de exemplos
dos', tais críticos podem dizer. 'Nós con-
e, assim sendo, seus modos de vida são pra- cordamos com vocês e estam os contentes Mas a tendência para a coleta de informa- pode ser útil. Eles foram escolhidos delibe-
ticamente desconhecidos; eles estavam sob em lhes dar crédito por terem tornado ela- ção sobre tudo é ainda marcadamente ano radamente, da informação reunida no tra-
terríveis pressões das SOciedades mais pode- , Ia para nós a enorme variação na confor- tropológica e, às vezes, a procura de cober- balho de campo que precedeu a elaboração
mação das 'instituições li do comportamen- tura total pode resultar em descobertas da história de vida que é o assunto do pre-
rosas, sendo que muitos deles estavam sen-
to social, mas, tendo' isso em mente, por
•.••
i do exterminados, mudando rapidamente muito superficiais. Uma vez que o presente sente artigo.
qlle não voltar agorà para os problemas da
ou arnbas as coisas. Logo, o estudo meticu- civilização contemporânea' e tomar provei-
trabalho é dirigido, principalmente, para a Iniciou-se um trabalho de campo so-
loso desses povos poderia representar uma toso' esse ponto de vista?' É além disso, se a "escolha" de um informante para com ele bre a instituição do compadrio numa comu-
:I~
~r imensa contribuíção ao conhecimento da aplicação de conhecimento para a solução reconstituír uma história de vida e para a nidade porto-riquenha, em vista da enorme
de problemas deve ser constantemente adequação dessa escolha à missão etnológi- recorrência com que os informantes refe-
diversidade social e cultural humana, de
:I! uma forma que nenhum outro estudo po-
adiada até que se tenha segurança dos da-
ca, não podemos discutir muito a Etnologia riam-se aos seus compadres. e da interação
dos por meio de métodos descritivos, por
'I" deria fazer, ao mesmo 'tempo que expandi- que não, ao menos, Iid;1I analiticamente (Etnografía) em termos gerais; algumas social relativamente intensa entre estes pa-
'j
ria e enriqueceria nossas concepções acer- com a civilização moderna, onde as possi- poucas palavras sobre as metas de um Ira- rentes rituais. Foi surpreendente descobrir
!j(~.
ca de nossa humanidade comum. bilidades de' aplicação não estão tão lon- balho de campo particular, no entanto •.se- que todas as associações deste tipo na co-
Mas uma tal visão. embora inteira- gínquas, e uma vez que os dados que esta- rão adequadas. . munidade davam-se entre pessoas da mes-
11.' remos considerando estão intimamente re-
mente justificada quando Boas a anunciou O empreendimento etnográfico deve ma classe, excluindo totalmente aquelas
lacionados com nossa vida e nosso tempo T'
há mais de meio século, tem certas deficiên- "Nós geralmente respondemos reaflrman- voltar-se para algum objetivo relacional; de posição de classe superior. Em outras
cias que foram apontadas tanto por seus do nosso tema básico: uma ciência da so- não se deve coletar os dados pelos dados in- palavras, o compadrio era coeficiente de al-
';1;
alunos quanto por alunos de seus alunos. ciedade, se dev~ ser construfda, deve basear- gum tipo de pertencimento a uma classe.
definidamente (embora muitos pesquisado-
se em dados extraídos de toda e 'qualquer
!Ii: Ao expressar sua impaciência na crença do res de campo tenham demonstrado espan- À medida que isso se tomou evidente, foi
sociedade da 'qual haja ou possa haver re-
li dado pelo dado e na flrme limitação da An-
gistro, se ela pretender refletir a verdadeira tosa paciência em definir os limites de um possível enfocar mais claramente aquelas
;1f.l;·
tropologia às assim chamadas sociedades extensão dos fatos e alcançar generaliza- tal exercício), nem transformar o trabalho duas abstrações instítucionau, classe e com-
"primitivas", Alexander Lesser, quase meio ções de larga aplícação e validade. Mas, decampo num registro de impressões vago padrio, e utilizar dados acumulados sobre o
li·tI' século atrás, advertiu seus colegas de que a
Antropologia deveria orientar-se para pro-
embora estejamos convencidos da correção
de nosso ponto de vista, confesso 'que não
e sem objetivo. A locução "voltar-se para
algum objetivo relaciona!" soa mais preten-
comportamento real para melhorar a com-
preensão da composição social da cornu-
i i" vejo como poderemos convencer os outros
blemas, assim como to·fitar-se mais abran- siosa e enigmática do que deveria, e requer nídade.!'
enquanto permanecermos, aparentemente,
gente se quisesse sobreviver. Sobre a dispo- um grupo de pesquisadores com uma cu- uma breve explicação. Fatos dificilmente O trabalho de campo sobre a loteria
sição para estudar o que quer que fosse di- riosidade intindável sobre tudo o que se re- existem sem relações, Embora os tipos de ilegal (Úl bolita) foi empreendido em fun-
11 visado, ao invés de selecionar e atacar alguns lacione com o homem 'e sua história, mas
relação revelados pela pesquisa de campo, ção da discussão quase incessante sobre
relutando continuamente em estabelecer
problemas mais importantes, Lesser escre- geralmente, não sejam aparentes quando apostas, números vencedores, números
nossas investigàções em 'termos de proble-
veu profeticamente: aquela se inicia, muitos pesquisadores têm "feios" e "bonitos", somas ganhas e no que
mas decisivos, que possam fazer avançar a
t;iôncia d<l sociedade toda vez que um mi- em mente conexões ou vínculos específicos seriam empregadas, acesso a números ven-
"Achó t!.Uê Sé tltltl.l\ :I.t:tl.bult a tslillêllclAtI- I\Uelfii\} I'\jtb.~t) ti! um.á.pesqulta seja con-
da parte da desaprovação de outros cien- eluído."!"
;1:)
li) 11
Alexander Lesser, "Probíerns vs, Subject Matte! as Dírectíves of Research", American Anthro- Sidney W. Mintz e Eric Wolf, "An Analysis of Ritual Co-Parenthood (Compadrazgo}", Southwes-
·tl pologist, n. 41,1939, pp, 575-576. tem Joumai af Anthropology, n. Vl. 1950. pp. 341-368,

II as I:, 49

j~.I.*"
..: ,._,'---, ,0'_, ,,' sfÍI.'··:'.' ---------
cederes-e assim por diante. Logo tomou-se vem ser feitas· a outro alguém, Seria tão er- quem encontrei em Barrio Jauca, e a que se Seria apropriado que nos deI ivésse-
óbvio: 'que as pessoas nessa comunidade rôneo supor que os informantes são indife- mostrou mais cooperativa (e mais inteligen- mos também um pOIlCO sobre as conseqüén.
nuncacompravam a loteria legal, o que es- rentemente iguais enquanto fontes de in- te, ao que me parece) diante da minha ex- cias do estabelecimento de uma relação
timulava perguntas sobre as razões de uma formação, quaoto supor que um informan- plicação acerca de por que desejava viver e pessoal próxima com Taso. Para alguns CfI··
t
preferência ta:o uniforme. Uma vez mais, o te pode ser adequado para qualquer infor- estudar no Barrio, Isso foi na primavera de ticos, esta amizade teria impossibilitado a
coeficiente do comportamento nas apostas mação necessária para se descrever a cultu- 1948; eu me mudei para Jauca alguns dias realização de uma história de vida convin-
patecia ser o do pertencirnento a uma clas- ra de uma comunidade. depois e fiquei até agosto de 1949. Escrevi cente.Brandes, por exemplo. cita Nadcl
se, e os informantes deram.razões numero- Embora aparentemente ninguém te- minha dissertação de doutorado depois de que pede a nós, antropólogos, que capitali-
sas (e surpreendentemente racionais) para nha pensado em colher informação nas his- retomar ao continente, tendo sido a mesma zemos o assim chamado princípio do "es-
suas preferênéias.12 Taisínformações eram tórias de vida disponíveis - talvez centenas aceita na primavera de 1951. A dissertação, tranharnento" ao lidar com informantes.
tão práticas que permitiam que conselhos - a respeito da maneira pela qual tais in- um estudo da comunidade na qual Taso vi· Brandes acrescenta:
concretos fossem dados ao Governo para divíduos foram escolhidos pelos antropólo- via, não 'foi publicada até 1956, em face de
"Mintz., como Se consubstanciasse inadver-
que iniciasse uma loteria legal suplementar gos, três razõessão recorrentes, Em primei- problemas logísticos sobre como integrar
tidamente este ponto de vista, admite que
exatamente na linha da loteria ilegal. Es- ro lugar, a maioria dos antropólogos dirá, cinco dissertações (e ainda mais) num úni- seu informante autobiografico, Don Taso ,
tes, porém. somente .seríam seguidos mais provavelmente, que o informante escolhido. co volume;14. foram porém publicados, no de quem tornou-se amigo próximo. 'deve
de 25 anos depois! era particularmente competente. dentre to- período intermediário, artigos sobre o Bar- ter sempre Se mantido em guarda para te n-
. . Mas a questão destes exemplos é que dos os membros da comunidade conheci- rio Jauca e po rções da tese sob outra for- tar proteger a imagem que' eu pudesse ler
dele'. O estranhamento consiste. precisa.
a coleta 'aleatória "de dados pode ser substi- dos pelo antropólogo, em descrever verbal- ma."
mente, na incxisténcia de profundo envol-
tuída por uma investigação dírigída tão lo- mente seus arredores, sua cultura e a si Considero importante, agora, não vimento emocional do informante em rua
go relações sejam ·discernidas, não importa mesmo. Segundo, a pessoa escolhida teve, apenas mencionar o fato de que tive mais relação com o eutrevistador; esta situação,
o quão obscuramente (ou, neste caso, o possivelmente, contato anterior com ele- de um ano de intenso trabalho de campo teoricamente. possibilita ao informante
quão erroneamentel); e perceber que tais mentos externos e pode, até mesmo. ter na comunidade antes de me ter voltado pa· que confidencie sua história de vida 3D eu-
trevistador de forma livre e sem obstacu-
relações. na 'realidade. não existem. pode trabalhado corno informante para antropó- ra a reconstituição de uma história de vida,
(os emocionais.":"
"'., ser tão eselarecedor quanto. descobrir que logos em outras ocasiões; isso pode não ser mas também que tive a oportunidade de lá
existem. Tal linha de argumentação implica mencionado tão prontamente. E, em tercei- voltar repetidamente nos anos subseqüen- Brandes acentua, contudo, que "C .)
que seja provido algwn contexto para uma ro, parece haver alguma simpatia mútua - tes, aprofundando e assegurando minha muitas autobiografias não seriam tão reve-
discussão da etnografia uma vez que, geral- alguma "química", por assim dizer - que amizade com meu informante. Quatro anos ladoras das vidas dos indivíduos envolvidos
mente, se pensa (e, de fato, pode algumas teria aproximado e mantido juntos o etnô- separaram o fim do meu primeiro período se não fosse pela intensa amizade entre in-
vezes' ser ocaso) que a coleta de informa- grafo e seu informante. Esta enumeração no campo do início do processo de traba- formante e entrevistador, e a confiança
ção se processa 'de forma continuamente abrevia e simplifica as circunstâncias, ê ló- lho com a história de vida. Não acredito evocada por esta relação".17 Bem, ao que

-)
II.
.~
aleatória através do período da investigação
. de campo_
Alguma atenção deve ser dedicada
gico, e talvez não deva ser tomada tão se-
riamente. Mas em vista do propósito deste
ensaio, pode ser apropriado enumerar tais
que muitas outras tenham tido o mesmo
pano de fundo.
me consta, não se pode ter as duas coisas.
Eu não "admiti inadvertidamente" que
i'I
acerca da história de vida neste quadro da argumentos a fim de que DOS possamos ma- 14
t ver para uma discussão de Taso e de como Julian H. Steward et 01., The People af Puerto Rico. op. cit.
etnografia. É necessário que se esclareça
15
que, se alguém quer fazer perguntas em vez ele se tomou sujeito de seu próprio IivJO. Sidney W. Mintz e Eric WOlf, "An Analysis .. .", op, cito Sidney W. Mintz, "The Role of Forced
de. meramente, observar o Comportamento Como o livro deixa claro logo de lní- Labour in Nineteenth-Century Puerto Rico", Caribbean Historicol Review, n. 2. 1951. pp. 134.
141. Sidney W. Mintz, "The Culture-History of a Puerto Rícan Sugar-Cane Plantation, 1876.
'1'1'
,

i ~'
I~
OU conversas dos outros, tais perguntas de-. cio,ll Taso foi uma das primeiras pessoas a
1949", Hispanic Americen Histoncal Review, n, 33,1953, pp. 224-25l. Sidney W. Míntz, "The
Folk-Urban Continuum and lhe Rural Protetarian Community", American Journal ot SocioloJ[)'.
n. 59, 1953, pp. 136-143. Sidney W. Mintz, "00 Redfieldand Foster", American Anthropolo-
Ht,:~I, 11 9ldl\IlVW,. MItlU. lIeMtãlll~IJlfllh! Suboulture of A llufill SUlIU PllII\tnHon Prnllllllflat",ln Jullan gisr, n, 56,1954, pp, 87-92.
lLStewardetaI .• The People of Puerto Rico, Urbana, Uníversity of Illincis Press, 1956, pp. 314- 16
Stanley Brandes, "Ethnographic Bibliographics in American Anthropology", Central Issues in
~l 411. Anthropology , n. 1,1979, p. 6.
L> Sidney W. Miou, Worker in lhe Gane. New Haven, Vale University Press, 1960, pp. 2-4. 17
Idem. ibidem.

111
so 5I

I
",.b~à:
"

<,
'Táso era meu amigo; tal fato é tomado co- Em sua introdução para o livro In the um fazendeiro marroquino cuja forma de da. t, portanto, uma objeção ~ tudo que a
mo um dado do próprio estudo. O pressu- Company af Man, Casagrande enumera al- apresentação é a de diálogos ininterruptos posição do "estranharnento" parece susteu-
posto do "estranhamento" é o de que rela- gumas relações que. considera análogas à do entre os dois. Para Dwyer, este é o único tar. Em seu lugar, Dwyer deseja fazer prc-
ções sem afeto conduzem a maior honesti- antropólogo e seu informante, declarando meio razoável para se tentar escapar do valecer uma relação de igualdade. Partindo
dade 'do que relações afetívas. Por trás dis- ter esta "muitos dos atributos de [. , .) es- pressuposto da assimetria entre o elemento da suposição de que as relações entre pai-
so há, a meu ver, a suposição de que qual- tudante e professor, empregado e patrão, externo poderoso (Sujeito) c o outro inde- ses pobres e ricos são assimétricas e homó-
quer movimento de igualdade entre infor- amigos ou parentes (. , ,) psiquiatra e paci- feso (Objeto). De forma convincente, Iogas às relações entre antropólogo e infor-
mante e etnôgrafo não tem sentido. Certa- ente" ,19 Não se trata, porém, de uma lista Dwyer expõe os termos da relação os quais, mante, Dwyer argumenta que apenas pela
mente, se partirmos da crença de que o et- com qualquer utilidade; as relações de al- acredita, influenciarão inevitavelmente as reprodução fiel dos diálogos entre os dois
'. nógrafo está' para o informante assim como guém com seu patrão, com seus parentes e
com seu psiquiatra só podem ser postas na
descobertas supostamente científicas que
dela resultam. Numa bela passagem crítica
é que se pode alcançar qualquer aproxima-
ção com a verdade. É isso que Moroccnn
o psicanalista está para o analisando, então
.0 nível de estranhamento deve ser alto. mesma categoria se esta categoria for bem ele escreve: Dialogues se propõe a fazer, retirando ao
1; Um outro crítico segue raciocínio ampla (e amplamente sem sentido). De fa-
"Embora em situações anteriores tenha-
antropólogo sua falsa armadura de objeti-
semelhante, Numa resenha antiga, Casagran- to, a perspectiva do "estranhemento" ex- mos sido levados a uma interpretação con-
vidade, de desligamento cultural e positi-
:11 cluiria, certamente, os parentes e amigos -
de destaca o fato de que Taso nunca foi pa- templativa da realidade e da ação numa- vismo e, dessa forma, questionando util-

"I11 go para ser informante:


"(. _ .) a relação baseava-se em estima e
e talvez fosse mais próxima dá relação en- ,
tre psiquiatra e paciente.
nas, que se negava a reconhecer
prio comprometimento,
desafia a.' concepções
seu pró-
o mundo de hoje
de um Eu inde-pen-
mente toda a empresa de uma Antropolo-
gia "científica",
De qualquer forma, como o livro de
1, consideração mútua, É novamente irônico
Taso esclarece, ele e eu nos tomamos ami-
dente do Outro e questiona visões que
Ao fazer da vulnerabilidade do antro-
pólogo pane do produto, Dwyer oferece
que esta mesma relação tenha servido para rom pem o vínculo entre ação individual e
tomar Taso matéria mais pobre para uma gos' bem antes de ser aventado o projeto seu contexto social, Isso porque trata -se de uma eloqüente resposta ao antigo positivis-
1~1 autobiografía. Como o pr6p.do Mintz nota,
'( __ ,):'Contlldo, ele deve ler sempre se
de história de vida; e foi precisamente em
virtude 'de uma importante mudança na vi-
um mundo dominado por sistemas ideoló-
gicos que reclamam universalidade e gover-
mo de sua disciplina, Mesmo assim, seu Ir3'
balho termina com uma nota mais hesitan-
mantido em guarda para tentar proteger a nado por forças e instituições econômicas
I 'da de 1'380, que não fui capaz de prever, te:
imagem que eu pudesse ter dele.' Numa re- que interligam regiões geograficamente dis-
! lação -marcada pela reciprocidade, não se- que fui levado a propor - seria melhor di- tantes em redes firmemente conectadas;
·-0 'registro' do trabalho de campo í. .)
! ria tal necessidade reciprocada tambérnpe- zer que fui provocado a propor - que Ira- um mu ndo onde alianças pol úícas. claras
! 10 antropôíogof"?" balhãssemos de novo juntos, Foi devido à ou encobertas, trabalham no sentido de
sugere uma alternativa ( ... ) mas e~13 ul-
ternativa, de forma alguma, deve ser 10·
I A resposta, logícamente, é sim, Tal nossa amizade que pude surpreender-me
com sua conversão. Foi poI causa de sua in-
transformar HS nações menores em provin-
cias ou subestados das mais poderosas; on-
mada como definitiva ou como modelo
(...)t uma metáfora cujo interesse repou-
II
reciprocidade opera em geral - mas nem
sempre - nas relações entre pais e filhos,
maridos e esposas c em outras díades. Reci-
teligência, sua sociabilidade, sua amabilida-
de e seu desejo de ajudar que ele me tomou
de diferenças entre grupos humanos e as
variedades em seu interior são remodeladas
dentro de um sistema de hierarquia e do-
sa na capacidade de realçar várias meras:
ccnduz ir a integridade do Outro: estimular
um exame crítico da Antropologia e do su-
li! procidade nunca assegura a verdade; mas seu amigo. Foi porque éramos amigos que minação,"
cesso ou fracasso desse "registro' no alcan-
11 também não significa que apenas mentiras me' atrevi a propor que, uma vez mais, tra-
Não encontro nada aqui de que possa ce de seus objetivos: e demonstrar a neces-
são trocadas, A grande insistência quanto à balhasse comigo. Porque éramos amigos, discordar. A. objeção de Dwyer àquilo que sidade de novas formas de um projeto Oci-

'j utilidade de não se criar amizades numa si-


tuação desse tipo - como se isso fosse um
principio primeiro e inviolãvel - surpreen-
deu-me quando a li pela primeira vez e ain-
da hoje mlnha reação a mesma,
acredito, ele concordou.
Um dos exames mais cuidadosos e
perspicazes sobre a relação antropólogo-
informante foi feito pelo antropólogo Ke-
vin Dwyer,lO autor da história de vida de
-.;,
chama de "interpretação contemplativa da
realidade humana" é, de fato, uma objeção
à visão do antropólogo enquanto lente ob-
jetiva, não envolvida e, de alguma forma,
dental que reconheça seu aspecto compro-
metido e sua inerente vulnerabilidadc:'"

Nessa fraseologia, parece-me, Dwycr


toma claro que, para o antropólogo, há
é
desaculturada, através da qual o Outro (ou- duas espécies de vulnerabilidade em jogu;

li te l<1~Oph B. CAl.88{J1\\1~1 "Roviow of WQrkat ín tlte ÇIlllO''t Ameriç,," Anrhropqlarlst, n.63,


tra cultura, outra pessoa) pode ser explica-
do, descrito e analisado de forma inaltera-
uma relacionada com os reclamos de sua
disciplina, e outra com o seu envolvimento

~I
i Ii,m~!
I 19 Joseph B, Casagrande,/Il lhe Company o[ Man, op, cito, p, xi. =-: 11
Idem, pp, 273 ·274.

'~I
:':;"':'"
lO Kevin Dwyer, Moroccan Dialogu~, Baltimore, Jolm~ Ropldns UriiwEStty Pr~,1982. Z!
Idem, p. 286.

52
1:1:,
"
53

,I\)'\'j
I1 i .;.;j. .•.
-1 ~4!
dendo ser domado e capturado, em algum Clusivo (intitulado deliberadamentc "Hístô- do caminho é essencial, mas se o questiona-
pessoal com a pesquisa. NII'o nos surpreen-
ponto, para sempre,'?" ria dentro da História"), fiz um paralelo en- mente degenera para uma autoconsciência
de que Dwyer, em seu post-scriptum de
Que tais ficções existam, isso não se tre a narração deTaso e' aquilo que ocorreu antropológica na qual o objeto de investiga-
apenas uma página)~3 se interrogue acerca
pode negar. Elas, porém, não são abasteci- em Porto Rico. É certo que eu nunca em- ção é esquecido e apenas os métodos pas-
de se não 'deveria ter escrito todo o livro
das, com o mesmo entusiasmo por todos preenderia um tal projeto se não tivesse sam a Importar, pode-se terminar comun-
em forma jocosa.
Como uma crítica cuidadosa aos po- aqueles que registram histórias de vida, che- conhecido Taso e se não fôssemos amigos. gando consigo mesmo, O que tomou poss í-

sítívistas, Moroccan Dialogues levanta um gando mesmo, alguns destes, a reconhecer Mas o objetivo de nosso trabalho conjunto vel a continuação de meu trabalho com Ta-

Ii debate
po, muitas
como
vital. Deixa porém,
perguntas
reconhece
ao mesmo tem-
no ar, sem resposta,
seu autor. Ao responder
sua existência,
fictícias.
tomando-as, assim, menos
Do livro de Taso, Dwyer escreve:
"Mintz admite clxplicitamente que 'criar
era, tornando
ocorrera
o que ocorreu
mais claro
a Taso, tomar
e visível o que
mais claro e visível
com pessoas como Taso, E
so - apesar do meu conhecimento

e 'dos perigos que nossa


de nossa
desigualdade, dos muitos riscos de distorção
amizade pudesse
àqueles trabalhos de história de vida que, autobiogtafia' levanta importantes proble- penso que estava consciente de pelo menos representar para a verdade objetiva - foi
I mas, e nâo reduz o diálogo à aparência de alguns dos muitos riscos de distorção envol- 'minha convicção de que sua vida. e aquilo

I:i
em vez de assumirem uma aparência de ob-
'I monólogo, como faz Lewis. Não obstante, vidos em nossos procedimentos. Mesmo as- que sintetiza. deveria estar dispon ivel a ou-
jetividade perfeita, procuram 'alcançar a
mesmo reconhecendo que teve que subme-
verdade pela intimidade, a crítica de Dwyer sim, o projeto parecia válido. E isso é algo tros para que pudessem estudar e refletir
ter o manuscrito final a urna severa edito-
toma uma forma diferente. Trata-se de fie- ração a fun de que pudesse 'ser lido como que Dwyer, talvez, com a sua preocupação sobre ela.
ções, escreve: autobiografia'," Mintz deixa de apontar a de imparcialidade absoluta do método, dei- Qualquer 'empresa desse tipo parece
importância que seu ato concede ao manus- xa de apontar. evocar, inevitavelmente, questões sobre o
:lj "(. . .) a opinião de que através de longa côto ... n15
Certamente teria sido possível fazer o típico ou representativo. Como tentei dei-:
familiaridade e afinidade Eu e Outro trans-
.r
:I
I cendem suas diferenças e alcançam uma
comunicaçio um-com o outrolívre de dis-
Mas a
essa citação
passagem da qual Dwyer extrai
diz:
livro de Taso das quinhentas páginas origí-
nais de entrevistas, na ordem em que foram
xar claro em meus comentários
Taso não é, a meu ver (e nem ao seu pró-
ao livro,

;I torções; que o Eu e o Outro terminam por


tomar-se mutuamente transparentes e que "Eu enfatizo a ,dificuldade •. os riscos
gravadas, sem interrupção
Não tenho meios
ou comentário,
para saber se aquela ver-
prio, acredito), representativo
co, de trabalhadores,
de Porto Ri-
ou mesmo da classe
,I suas diferenças, em VIl'Z de criarem conti- de todo esse procedimento (eliminar

.q nuamente nOVO significado e novas formas


de compreensão, requerem apenas a tarefa
6 rearranjar os materiais das entrevistas em

ordem, cronológÍc'al, e o leitor atento verá


por que. A seqüência exata da narração de
são seria igualmente reveladora
de Barrio Jauca e dos efeitos
da história
da ocupação
trabalhadora rural de Pano
que "representatividade
Rico
" significa
- se o
é "mé-
técnica de tradução) isso tem corolãrios americana. Fazer o livro como fiz foi mio dia". Taso se destaca de seus semelhantes
~i
, I
que silo sintomãtícos da cejeição de uma
perspectiva dialógica; i) que a dialética da
Taso revelaria algumas pistas sobre o seu
caráter, mas essa seqüência não poderia ser
nha própria decisão. Eu admiti e aceitei,
então, a responsabilidade por qualquer de-
por sua inteligência e articulação
dinárias. Contudo,
extraor-
eu insistiria em que Ta-
'j'l pergunta e resposta .não é um componente inteiramente preservada se o manuscrito
d flnal fosse feito para ser lido como auto- formação que daí resultasse) como aceito so é representativo de seu tempo, de seu lu-
q intrínseco de signifioado; ela apenas adqui-
lf re significado e pode ser c'etirada e descar- biografia. Acredito. que se possa aprender também a responsabilidade por qualquer gar e de seu povo, precisamente porque sua
iI tada. quando o autor revela a sígníücãncia muito sobre Taso, lendo suas palavras co- perda de "objetividade" que supostamente narrativa pessoal, enriquecida por sua pers-

'li
,.'
escondida do 0u40,; é' 2) que a comunica-
ção pode ser retirada de sua o'rdem e se-
qüência, que segmentos podem ser reccm-
mo estilí>. Entretanto, também quero dei-
xar claro o que este liVIOnão é, bem como
aquilo que é.""
resultaria de minha amizade com Taso,
Se devemos supor que, por definição.
picácia
de uma comunidade.
incornurn, incorpora a experiência
uma região e um pa ís,
sendo que cada uma delas em n íveis de re a-
'i'~ binados e reordenados, e alguns eliminados, Trata-se, é claro, de urna história de
a Antropologia é "cria" da opressão colo-

I .,
I
sem perda vital de sig1ilfic~do. Estas ficções
promovem urna cisão na qual o Eu e o Ou-
vida, e não de um diálogo. Trata-se, o que é
nial, então, projetos
so empreendemos
como os que eu e Ta-
inevitável-
esconderão
lidade e de abstração
fazer a resenha
algo diferentes,
do livro logo que apareceu.
Ao

tro são apenas provísorianrente diferentes, mais importante, de uma hi~ória revelada
:/i mente mais do que revelarão aquela optes- Geertz compreendeu instantaneamente o
.,;n urna visão que coloca o Outro como po- através da experiência. Num capítulo con-
sA'0. Mas se alguém estiver preparado para a sentido no qual Taso é t ipico. embora eu
I f... possibilidade de que a Antropologia tome insista no livro que ele não o é:
2J
Idem, pp. 287-288. I',,';:', parte na documentação daquilo' que o Oci-
34 dente fez a outras sociedades, dar, assim, "Min12 (. , .I usou a história de vida de um
Idem, I'p. 276-277.
':\i,
;11 15 SidneyW. Miiitz, WórkerlJI the CáIM, op. dt., {I. 8. ~i~~'~"
"voz" a pessoas como Taso - mesmo se, único trabalhador de Cana porre- riquenho
(. .. ) não para fazer uma análise psicológi-
I~I por nossos erros, deformamos ou distorce-
15 Kevin Dwyer,MóroccQlJ Dialogues, op. cit., p, 211. i:~~ mos aquela voz - é melhor do que mantê-
ca, mas para reCOnstitU\1
dentro da história'. um quadro humano
urna 'história

27 Sidney W. Mintz, lI'or/rer inthe Cane, op. cit., pp. 7 -8. :~


.. Ias mudas. Questionar um projeto ao longo dentro do qual ,<~ vê o padrão de mudança
'.~'

5S
'Iill'
:I

'I:
S4 I
,
I:'"
,

1.1 • , ,
UlIil ,álD&llii&tl&&& _ .
-uma troca que a maioria dos trabalhado- balho estava pronto em 1956 - finda a co-
social e cultural num bamo de plantation Muitas perguntas sobre Taso me fo-
res, em qualquer lugar, faria, caso Ihes fos- leta. c sendo feitas a transcrição, a tradução
costeira durante este século, No relato ram feitas nestes últimos anos; sendo ele o
amalgo de Don Taso sobre o trabalho to-
das as. noites no campo quando 'era uma
que é - uma .pessoa e não outra -, isto po-
se dada a oportunidade. Mais importante.
porém, é que o corte da cana na costa sul
e a editoração que pareciam interminavcis
- lembro-me Que ele me disse a primeira
J
deria ter afetado a visão que nos dá? Não
criança - apenas uma criança" com nove de Porto Rico havia se tornado, durante os coisa que me provocou um sentimento de
ou dez anos de idade, processo que resul- há_ uma resposta' fácil para esta pergunta. anos da ocupação dos EUA, uma tarefa
tou numa hérnia, está refletida a rápida ex- Indagaram-me se não importava o fato de culpa. "Sinto falta de você", ele disse, "sin-
pansão do cultivo do açúcar à medida
desempenhada principalmente por traba- to falta de nosso trabalho juntos. Agora
Taso não ser um cortador de cana - o epíto-
que as eficientes cerporações americanas .me do trabalho na cana - e talvez uma breve lhadores sazonais migrantes, geralmente que a casa pequena atrás da nossa está va-
tomaram. o lugar da Merenda espanhola pessoas que desciam das montanhas para a zia. eu me lembro do nosso trabalho." Aí
decadente. Em sua atividade política agi-
discussão desta questão possa avançar par-
estação da colheita (zafra) de fins de dezem- está a desigualdade, a assirnetria que apare-
tada, sem recompensas pessoais, e mesmo cialmente a resposta a outras deste mesmo
bro a junho, e retomavam depois para suas ce na relação entre ao tropólogo e info r-
assim ousadamente ínconformtsta, primei- tipo: e .se. o narrador fosse uma mulher?
respectivas aldeias. É claro que uma tal pes- mantc , em contraste com a desigualdade. a
ro no Partido Socialista e depois no Popu- uma criança? um capataz? um negro? um
lar, reflete-se a 'revolução social do 'New imigrante'? menos inteligente? e assim por soa teria oferecido um quadro diferente da assirnetria que existe entre a colônia e a
DeaI' porto-nquenho .ainda em prossegui- transformação da indústria açucareira por- metrópole. E. de fato. continuava livre para
diante. Em' termos de homens-hora por ano
mento. E em sua conversão ao protestan- to-ríquenha e de sua força de trabalho.
tismo, surpreendente e também ínconfor-
na tndüstría do açúcar, o corte da cana vem pensar com meus amigos - para ensinar.
correspondendo a uma percentagem cada Mas, provavelmente, não estaria naquela. pensar e escrever para viver. Depois que o
mista. reflete-se seu alto sentimento de so-
Iidão, ausência de sentido e ambição não vez menor; mesmo há 50 .anos, a pro- força de trabalho como criança ou jovem, livro de Taso ficou pronto eu poderia con-
preencbida que caracterizam a exlstêncie, porção já era, provavelmente, de menos de em primeiro Iugar. E assim, a questão do tí- tinuar observando. pensando. lendo ou va-
do proletário rural que perdeu suas origens pico e do representativo. neste caso e em diando. Meu 3JTÚgo. totalmente meu igual,
vinte por cento, Mas cortar cana é o único
camponesas. Taso, diz Mintz, não é 'mé- outros, não pode ser resolvida supondo que
tipo de trabalho associado à indústria do continuava trabalhando com suas mãos, um
dio' em nada - 'nem um homem médio, -alguma outra pessoa teria servido melhor
nem um porto-riquenho médio, nem um açúcar que é familiar aos leigos, ao «ontrã- trabalho terrivelmente árduo, longo e mal-
médio trabalhador de cana porto-riquenho rio de semear, por exemplo, ou f .iltivar, ou da mesma maneira. remunerado.
de classe bajx3'_ Não obstante, 'os eventos fertllizar, cavar valas, amontoar a r.ma cor- É lógico que tudo isso deixa sem res- Ele me escolheu. Trabalhando com
na vida de Taso corriam paralelos às mu-
tada, cuidar do gado, dirigir trato' )5 ou va- posta a pergunta de como eu "escolhi" Ta- ele, eu descobri mais sobre mim mesmo. Se
danças ocorridas em tomo dele e, assim, so para recompor uma história de vida. A
oferecem um reflexo fiel dessas mudanças . gões de cana, colocar trilhos, ete. Taso tra- alguém quiser imaginar que em nossa ami-
balhou em quase todas as tarefas do campo resposta é mais simples do que parece: eu zade havia. além de tudo isso. alguma "quí-
(... )'. O trabalho de Mintz representa um
esforço em transformar a máxima de Zola, na índústría da cana, como ele mesmo con- não "escolhi" Taso, ele me "escolheu", Ele mica" de almas irmãs, sou inclinado a con-
de que o caráter é a cultura vista através de ta. No período em que o conheci, Taso era poderia ter me recusado no primeiro dia cordar com isso. Agora. 35 anos depois de
um temperamento, numa ferramenta cien-
um membro em horário integral de uma em que nos encontramos; mas, em vez dis-
tífica para o estudo dó carapesínato em ge-
ter encontrado Taso pela primeira vez, a
SO, colaborou comigo. Ele poderia ter se química ainda funciona.
ral .. UlIJ tunna de estrada de ferro. Este emprego
recusado em inúmeras ocasiões dai por di-
a

lhe garantia oportunidades de trabalho du-

i"
. Através da história pessoal de Taso
podemos compreender, de forma inteira-
rante todo o ano e a chance de trabalhar
com a mesma turma continuamente, além
,.
ante, mas nunca o fez. E quando eu o visi-
tei pela primeira vez depois que nosso tra- (Recebido para publicação em dezembro de I98J)
r mente distinta, a experiência coletiva de de outros benefícios não disponíveis ou
I:
um povo conquistado. O que ocorreu com não tão consistentemente disponíveis para
ABSTRACT
Taso também ocorreu, em termos mais amo trabalhadores sazonais (cortadores de cana, ':;...
. ~'.
plos, com sua sociedade. Seu dOIJlé revelar cavadores de valas etc.). Embora o salãrío- Finding Toso. Discovenng Myse/{

suas experiências como estilo incorporadas hora fosse bem inferior àquele que um bom
cortador de cana poderia ganhar com um
J~~:
~~::" The author presents a critical analysis of The history of Taso and its social represen-
à história de sua sociedade, e também a ín- '.:
..•.:: lhe originsand methodological implications of ali tativeness open the way for a wider debate con-
corporam, esforço extra, era um trabalho estável - original study of hís, worker in the Cane, based ceming lhe object. lhe mcthod. and the scopc of
on the tire history of Taso Zayas, a Puerto Rican Anthropology as wetl as lhe lirnits of its possiblc
rural worker. This was the first lime Ihat lhe me- objectivity. For this reason, the paper begins by
thod was used for the study not of primitive so- evaluating lhe role of the inforrnaru in definíng
li! -Oiíl'ord Geertz, "Studies in Peasant tife", in B. Siegel, ed., Biennial Review of Anthropology, cíeties but of a society at lhe períphery of the
'U 1961, pp. 12-13. Weslern capitalist world.
lhe anthropologicaí method , following the discus-
sion between Franz Bo as and bis disciples .
. .

L'.I'
56 57
't~·~
11 fi:
181

t:

Você também pode gostar