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23/03/2024, 13:57 O dizer e o fazer na pesquisa sobre WOP

Revista Psicologia Organizações e Trabalho Serviços Personalizados


versão on-line ISSN 1984-6657
artigo
Rev. Psicol., Órgão. Trab. vol.16 no.4 Brasília dez. 2016
Inglês (pdf)
http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2016.4.12575
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MourãoI II
Luciana ; Antônio Virgílio Bittencourt Bastos ; Robertval Link permanente
III
Passos de Oliveira

I
Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, RJ, Brasil
II
Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil
III
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Santo Antônio de Jesus, BA, Brasil

Endereço para correspondência

ABSTRATO

As pesquisas em Psicologia do Trabalho e das Organizações - WOP - tendem a investigar seus fenômenos a partir
do que é dito, seja por meio de pesquisas ou entrevistas. Até que ponto percebemos a complexidade dos
construtos da área baseados exclusivamente no Dizer? O que explica tal predominância? Tais questões nortearam
este ensaio teórico, que se baseia na análise das características da produção científica sobre alguns temas clássicos
do comportamento organizacional. Concluímos que o predomínio da compreensão dos fenômenos a partir dos
relatos dos sujeitos se deve tanto às características ontológicas do seu objeto quanto às considerações
operacionais na condução da pesquisa. Seria oportuno, contudo, explorar mais de perto a permeabilidade
operacional do objeto e considerar mudanças epistemológicas que fortaleçam os resultados obtidos a partir de
análises baseadas em diferentes perspectivas. Como exemplo, são mencionados estudos de caso, bem como
estudos que combinam entrevistas e observações.

Palavras-chave: epistemologia; ontologia; Psicologia do Trabalho e Organizacional.

RESUMO

As pesquisas em Psicologia Organizacional e do Trabalho -POT tendem a apreender suas preferências a partir do
que está aqui, seja por meio de pesquisas ou de entrevistas. Até que ponto, exclusivamente a partir da fala damos
conta da complexidade dos construtores da área? O que explica tal predomínio? Tais questões orientaram o
presente ensaio teórico que se fundamenta na análise das características da produção científica de alguns temas

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clássicos em Comportamento Organizacional. Conclui-se que o predomínio da compreensão dos específicos a partir
de relatos dos assuntos deve-se tanto às características ontológicas do seu objeto de estudo, quanto às razões
operacionais na condução das pesquisas. Contudo, seria oportuno explorar mais atentamente a permeabilidade
operativa do objeto e considerar variações epistemológicas que fortalecem os resultados obtidos com análises em
diferentes perspectivas. Como exemplo são referências aos estudos de caso, e estudos que reúnem entrevistas e
observações.

Palavras-chave: epistemologia; ontologia; Psicologia das Organizações e do Trabalho.

RESUMO

As investigações em Psicologia Organizacional e do Trabalho -POT tendem a captar seus fenômenos a partir do que
é dito, por meio de pesquisas ou entrevistas. Até que ponto, apenas a partir da conversa, podemos gerenciar a
complexidade das construções da área? Como se explica tal predomio? Essas perguntas guiaram este ensaio
teórico, baseado em uma análise das características da produção científica de alguns temas clássicos de
comportamento organizacional. Conclui-se que o domínio da compreensão dos fenômenos em POT, a partir dos
relatos dos assuntos, se deve tanto às características ontológicas do objeto de estudo da Psicologia, como às
razões operacionais na condução das investigações. No entanto, seria conveniente explorar mais em torno da
permeabilidade do funcionamento do objeto e considerar as mudanças epistemológicas que fortalecem os
resultados obtidos da análise sob diferentes perspectivas. São mencionados, como exemplos, os estudos de casos
e os estudos que coletam entrevistas e observações.

Palavras-chave: epistemologia; ontologia; Psicologia das Organizações e do Trabalho.

O amplo domínio dos fenómenos que moldam a vida dos indivíduos e dos grupos no trabalho e nos contextos
organizacionais oferece uma ampla e diversificada gama de objetos de investigação. Estes fenómenos dizem
respeito a níveis distintos de análise, que vão do contexto intraindividual ao sociocultural (Puente-Palacios, Porto, &
Martins, 2016), e envolvem processos complexos, cuja determinação de causalidade representa um desafio.
Recortar esses fenômenos, nomeá-los, conceitualizá-los e, principalmente, definir como serão acessados, descritos,
medidos ou avaliados representa um passo básico em qualquer processo de pesquisa científica. Partimos da
premissa de que as decisões metodológicas envolvidas em um estudo estão subordinadas ao problema de pesquisa
e, consequentemente, aos conceitos utilizados para definir os fenômenos.

Os fenômenos psicológicos são tradicionalmente acessíveis por: (a) ouvir pessoas falarem sobre (descrever, relatar,
falar, narrar) aspectos de sua vida pessoal e privada, inacessíveis, mas através de seu dizer, ou aspectos do mundo
externo conforme percebido ou significado por a pessoa; e (b) observar as pessoas nas suas reações mais
espontâneas ou automáticas (expressões faciais, por exemplo) e no seu Fazer em resposta ao contexto
(comportamentos, interações etc.). Acessar os fenômenos da Psicologia do Trabalho e das Organizações -WOP
através do Dizer ou do Fazer faria parte, portanto, de decisões teóricas e metodológicas na concepção e
desenvolvimento de um estudo.

A questão central discutida neste ensaio teórico pode ser formulada da seguinte forma: Até que ponto os estudos
que acessam os fenômenos exclusivamente a partir do Dizer dão conta da complexidade dos construtos pelos quais
somos desafiados a compreender e mudar? Esta questão suscita reflexões ontológicas (natureza do nosso objeto),
epistemológicas (fundamentos da nossa prática científica) e metodológicas (como acessar os nossos objetos de
estudo).

A tese que defendemos neste ensaio teórico é que a natureza de alguns fenômenos em Psicologia exige uma
abordagem que integre o Dizer e o Fazer. Para tanto, partimos de duas premissas, que são: (a) na pesquisa
científica, os procedimentos metodológicos representam formas de abordagem e enfoque do problema ou
fenômeno definido como objeto de estudo (Cohen & Nagel, 1934); e (b) Dizer e praticar são aspectos que não
necessariamente se sobrepõem nem se opõem; são complementares para compreender a realidade (Magnani,
1986).

Assim, não propomos uma dicotomia na pesquisa sobre WOP em termos de Dizer versus Fazer. Assumimos a
premissa adicional de que a palavra também é uma forma de Fazer (Austin, 1990/1962). No entanto, existem
evidências de que, para muitos fenômenos da WOP, o fato de nos restringirmos à investigação do Dito nos impede
de incorporar elementos fundamentais para a adequada apreensão dos fenômenos, a ponto de ignorar seus
possíveis significados nas relações cotidianas de trabalho.

Esta característica está documentada na literatura: a investigação científica em WOP centra-se quase sempre na
apreensão do que as pessoas dizem, seja através de abordagens quantitativas ou qualitativas (Aguinis, Pierce,
Bosco, & Muslin, 2009). Apesar de importantes reflexões metodológicas em pesquisas na área (Aguinis &
Vandenberg, 2014; Hoon, 2013; King, Hebl, Morgan, & Ahmad, 2012), a hegemonia do relatório quase implica que
abandonemos o Fazer, e principalmente a relação entre Dizer e Fazer quando se estudam fenômenos individuais

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e/ou coletivos no mundo do trabalho. Assim, a investigação em WOP parece estar exclusivamente focada na
apreensão do fenómeno através da comunicação, com ênfase limitada na observação (Aguinis et al., 2009).

Alguns exemplos ilustram o que afirmamos. Nos estudos sobre desempenho no trabalho, esse fenômeno
geralmente é considerado a partir do que o sujeito informa (autoavaliação) ou do que outro sujeito (colega,
superior ou clientes) diz (heteroavaliação). Nos estudos sobre o comprometimento organizacional, embora os
gestores se afastem principalmente dos comportamentos para avaliar os seus colaboradores, a investigação centra-
se em grande parte nas escalas em que o trabalhador “declara” o seu compromisso. O mesmo poderia ser afirmado
para estudos comportamentais de cidadania organizacional. Apesar do nome “comportamento”, estes limitam-se ao
que as pessoas dizem que fazem.

Assim, embora os fenómenos no WOP abranjam não apenas o que a pessoa diz que faz, mas também o que ela
realmente faz, a nossa investigação geralmente centra-se apenas no que ela diz. No primeiro nível, a pessoa
abraça crenças que norteiam o seu Fazer. No segundo, ele atua no mundo e transforma a si mesmo e ao seu
entorno. Refletir sobre a articulação entre o Dizer e o Fazer operacional é um aspecto crítico para alguns construtos
centrais da WOP.

Assim, cabe questionar quais fatores justificam a tendência hegemônica em nossa área de pesquisa - nas
abordagens quantitativa ou qualitativa - de permanecer limitada ao Dizer como estratégia de acesso aos
fenômenos da WOP? O que explica a pouca ênfase na busca de estratégias metodológicas que integrem o Dizer e o
Fazer? Que implicações isso acarreta para a natureza do conhecimento produzido? O Dito é consistente com o
Fazer ou não?

Para apresentar nossas reflexões sobre as complexas questões levantadas, o texto foi organizado em três partes. A
primeira discute o Dizer e o Fazer no campo das ciências humanas e sociais e as perspectivas filosóficas e
epistemológicas sobre essas formas de olhar os fenômenos. A segunda parte tem como foco o Dizer e o Fazer na
pesquisa WOP, mostrando como os principais fenômenos da área têm sido estudados, considerando uma
perspectiva ontológica na pesquisa em Psicologia. Nessa parte, partimos de um levantamento empírico das
características das pesquisas em Comportamento Organizacional publicadas no Brasil nos últimos anos. A terceira e
última parte apresenta os desafios epistemológicos com que a área se confronta e a sua relação com a forma como
acedemos aos fenómenos na investigação em WOP.

Dizer e Fazer nas ciências humanas e sociais


O Dizer e o Fazer são fonte de reflexão nas ciências humanas e sociais em geral e na Filosofia em particular. Sob
diferentes perspectivas, filósofos da linguagem como Ludwig Wittgenstein (1889-1951), John Langshaw Austin
(1911-1960) e John Rogers Searle (1932- ) apresentam contribuições relevantes sobre o tema. Cabe destacar que,
apesar de convergirem em muitos aspectos, Wittgenstein e Austin desenvolveram seu pensamento de forma
independente e que Searle deu continuidade aos estudos de Austin. Tendo em vista o objetivo deste ensaio,
apresentamos algumas ideias centrais desses autores, à medida que eles desconstroem a ideia de antagonismo
entre o Dizer e o Fazer, considerando que o Dizer é por si só um Fazer.

Wittgenstein (1975/1953) introduz uma distinção importante entre dizer e mostrar. Segundo ele, as proposições
lógicas não transmitem conteúdos descritivos e, portanto, nada podem dizer sobre o mundo, apesar de mostrarem
algo sobre ele. O autor defende que há limites para a linguagem e que alguns temas, como o místico, a ética e a
estética, só podem ser mostrados, mas não ditos porque estão fora do alcance da nossa linguagem. Wittgenstein
considerou que, mesmo para aquilo que pode ser tratado através da linguagem, os significados não são
homogêneos, pois o significado das palavras está ligado ao que o falante ou ouvinte faz com aquela expressão.
Outra reflexão importante que Wittgenstein apresenta é que descrever ou representar os fatos não é
necessariamente a função primária da linguagem, pois incorre no erro de fazer de um determinado jogo de
linguagem um paradigma para todos os outros.

Austin (1990/1962), por sua vez, criou a teoria dos atos de fala, cuja proposta inicial distingue entre enunciados
constatativos (descrever ou relatar um estado de coisas) e performativos (quando enunciados, realizam um Fazer e
não se submetem ao critério de verificabilidade). O autor focou nos enunciados performativos, que combinam fala
e fazer, e nas condições para que esses enunciados aconteçam ( condições de felicidade ). Esses enunciados
geralmente são expressos na primeira pessoa do singular do indicativo, na forma afirmativa e na voz ativa, mas
Austin mostra diversas possibilidades de um enunciado performático sem obedecer a essas condições gramaticais.
O autor concluiu posteriormente que todos os enunciados são performativos.

Searle (1969) continua com a teoria dos atos de fala de Austin, considerando que enunciar uma frase envolve um
ato proposital, relacionado ao conteúdo comunicado, bem como um ato ilocucionário, relacionado ao ato realizado
na linguagem. A separação entre esses atos permite a separação dos atos de fala em diretos/primários ou
indiretos/secundários. O autor cria cinco categorias distintas de atos de fala, que denomina: (a) representativas,
que evidenciam a crença do locutor sobre a veracidade de uma proposta; (b) diretivas, que têm como objetivo
obrigar alguém a fazer algo; (c) comissivos, que explicitam um futuro fazer do falante; (d) expressivos, que
expressam sentimentos; e (e) declarativas, que produzem uma situação nova e externa.

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As reflexões apresentadas pelos filósofos da linguagem convergem para a compreensão de que a palavra é por si
só um ato. E, de facto, nos diferentes contextos de vida, incluindo o trabalho e as organizações, quando falamos,
quando expressamos o que pensamos, quando usamos a nossa voz, estamos agindo e transformando a realidade.
Num estudo, porém, quando apenas ouvimos o que as pessoas pensam ou sentem sobre um fenómeno, estamos a
captar esse fenómeno na complexidade da sua estrutura no contexto do trabalho?

Burrell e Morgan (1979), num trabalho seminal sobre paradigmas sociológicos da investigação organizacional,
caracterizam quatro paradigmas fundamentais e mutuamente exclusivos que se baseiam em diferentes conjuntos
de premissas metateóricas sobre a natureza das ciências sociais e da própria sociedade. Estes paradigmas são
apresentados numa matriz organizada baseada em dois eixos, que são: (a) um conceito de sociedade, que opõe
uma sociologia da mudança radical a uma sociologia da regulação; e (b) o conceito de ciência social, que opõe uma
abordagem subjetiva a uma abordagem objetiva. A combinação desses eixos dá origem a quatro paradigmas, que
são: o funcionalista (Regulação/Objetivo), o humanístico radical (Mudança/Subjetivo), o estruturalista radical
(Mudança/Subjetivo) e o interpretativo (Regulação/Subjetivo). Cada um desses paradigmas traz argumentos
próprios e, consequentemente, produz análises distintas e opostas da vida social.

Esta diversidade paradigmática está presente não só nos estudos organizacionais, mas em todas as ciências
sociais, e manifesta-se em diferentes estratégias para medir os seus fenómenos com base no Dizer e no Fazer. Por
um lado, existe um conceito de que a ciência é um processo humano complexo que envolve um compromisso de
experimentar o mundo como ele é, independentemente de noções pré-concebidas ou hipóteses sobre a sua
natureza (Ray, 2011). Por outro lado, existe o conceito que distingue dois tipos de dados: dados do próprio mundo
e dados do mundo representado, constituídos através de processos de comunicação (Bauer, Gaskell, & Allum,
2000; Berger & Luckmann, 1979).

Qualquer método está associado a situações, problemas de pesquisa e contextos que contribuem para indicar ou
contraindicar seu uso. As observações, por exemplo, permitem ao pesquisador descrever situações existentes,
utilizando os cinco sentidos para fornecer uma fotografia escrita da situação em análise (Erlandson, Harris, Skipper,
& Allen, 1993). Portanto, esse tipo de método também envolve representação. Por um lado, observações com rigor
científico podem permitir uma compreensão holística dos fenómenos em estudo. Por outro lado, as limitações do
método recomendam a sua utilização em combinação com outras estratégias de recolha de dados, como
entrevistas, análises documentais e inquéritos (DeWalt & DeWalt, 2011). Além disso, a análise dos dados de
observação sem feedback aos sujeitos (utilizando algum método de comunicação) para uma maior compreensão do
que foi observado, pode produzir resultados pouco significativos ou interpretados de forma inadequada.

Assim, as observações oferecem o benefício de fornecer aos investigadores formas de captar a expressão não
verbal dos sentimentos (Schmuck, 1997), sem o mesmo tipo de imprecisões que os relatos verbais (Kawulich,
2005); ao mesmo tempo, a observação está sujeita a um conjunto de possíveis preconceitos que podem resultar
da sua utilização, nomeadamente relacionados com estereótipos e preconceitos sociais, tão frequentemente
abordados nos estudos de cognição social. Além disso, a observação pode refletir acontecimentos de um momento
específico (que podem ser considerados frequentes) e também não permite a verificação de atitudes, pois está
focada no comportamento. Nesse sentido, a observação de comportamentos sem o relato dos indivíduos pode levar
a uma pesquisa em que as motivações e os significados do Fazer sejam ignorados. Além disso, à medida que o ser
humano faz as observações, as características pessoais do pesquisador (gênero, origem étnica, classe social,
abordagem teórica etc.) podem afetar sua percepção, análise e interpretação dos fatos (Kawulich, 2005).

No outro extremo da observação, os dados são coletados por comunicação. A palavra é uma forma de
representação que antecede o desenho e a escrita (Queiroz, 1992). A representação consiste em experiências
individuais e este conceito dá ênfase ao que é dito (Magnani, 1986). Por um lado, os métodos de recolha através
da comunicação permitem uma representação do mundo e uma construção de sentido. Por outro lado, porém, o
relatório também está sujeito à autocensura, à autopromoção (Queiroz, 1992), à desejabilidade social (Suryani,
Tair, & Villieux, 2015) e a outras fontes de preconceito que limitam a apreensão do fenômeno pesquisado. . Fazer
investigação em ciências sociais implica obviamente aceitar as limitações do mundo representado e considerar que
uma experiência não pode ser totalmente transferida para mais ninguém: o que se transmite não é a experiência
tal como é vivida, mas o seu significado (Ricoeur, 1976). A experiência vivida permanece privada, mas o seu
sentido e significado podem tornar-se públicos através da mediação da linguagem.

No mesmo sentido, Geertz (1989) considera que os dados são por si só uma construção do pesquisador das
construções de outras pessoas, referindo-se, portanto, a algo construído/algo modelado . O autor não considera
que isso torne os dados falsos, mas analisa que eles são como se fossem uma versão, entre muitas, da realidade
observada, versão que deveria ser cruzada com outras versões elaboradas dentro da linguagem científica.

Assim, tanto um tipo de método quanto outro são afetados por aspectos subjetivos, pois não há observações ou
relatos que possam ser considerados neutros. Portanto, a polaridade entre Dizer e Fazer não está diretamente
associada à polaridade subjetivista/objetivista na ciência, ao se adotar que a apreensão de qualquer fenômeno
envolve algum nível de construção por parte do pesquisador. Essa construção se revela ao delimitar e conceituar
seu objeto de estudo e, consequentemente, ao escolher as formas de acessá-lo, descrevê-lo, analisá-lo e explicá-
lo. Esta decisão metodológica é o cerne do que será discutido a seguir.

Dizendo e Fazendo na Pesquisa em WOP


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Nas pesquisas em WOP observa-se um uso quase exclusivo de relatórios, seja na literatura estrangeira ou na
literatura brasileira. Na análise de conteúdo de Aguinis et al. (2009), com base nos 193 artigos publicados nos dez
primeiros volumes da revista Organizational Research Methods (ORM), abrangendo o período de 1998 a 2007,
evidenciou-se que predominam os inquéritos, principalmente na versão eletrônica. Seja em estudos quantitativos
ou qualitativos, os autores encontraram predomínio de coleta de dados baseada em relatórios, com poucos estudos
decorrentes de observações no ambiente de trabalho.

Uma análise de 694 estudos brasileiros sobre Comportamento Organizacional, publicados em 15 periódicos de
Psicologia e Administração entre 1996 e 2013, aponta 47% de estudos quantitativos, 39% qualitativos e 14%
estudos de métodos mistos, enquanto apenas 12,4% incluíram a observação como forma para acessar os
fenômenos. Essa preponderância do Dizer como forma de acesso aos fenômenos em pesquisa em WOP desperta
reflexões sobre as causas dessa preferência. Esta hegemonia deve-se provavelmente a diferentes razões, que vão
desde aspectos ontológicos da Psicologia até questões pragmáticas de investigação em organizações de trabalho.

Do ponto de vista ontológico, deve-se levar em conta que parte importante da Psicologia está basicamente voltada
para fenômenos disposicionais (relacionados ao universo singular de cada pessoa, envolvendo pensamentos,
percepções, ideias, crenças, valores, atitudes, emoções e sentimentos) ou usa construções disposicionais para
compreender comportamentos ou ações em um contexto. A própria etimologia da palavra refere-se a isso, pois
Psicologia deriva de psique (alma) e logos (razão ou conhecimento), sendo caracterizada como a ciência do
significado interno (Canguilhem, 1973). Obviamente não ignoramos que a Psicologia é plural e tem sido entendida
como ciência biológica, da mente, do comportamento animal e humano. Contudo, o destaque aos fenômenos
disposicionais pode contribuir para explicar o motivo da ênfase no Dizer, considerado como comportamento verbal
e como forma de compreender os significados que as pessoas constroem.

Do ponto de vista da práxis investigativa, há também motivos que justificam a primazia da coleta de dados
baseada no Dizer. Três tipos de dificuldades podem estar associados ao uso da observação, algumas das quais
estão especificamente focadas no ambiente das organizações de trabalho. A primeira dificuldade é o acesso às
organizações. Em alguns temas, nos quais a observação seria possível e recomendável, esta opção é difícil para o
pesquisador, devido ao fato de muitas organizações não autorizarem a entrada de pesquisadores para observação
direta. Além disso, a presença de um observador pode afetar o desempenho na situação natural, o que pode ser
ainda mais complexo numa situação de trabalho com metas e produtos esperados.

Outra dificuldade refere-se à limitação dos métodos de observação em levantamentos de grande escala. O tempo
gasto em observação tende a ser muito maior do que aquele gasto na aplicação de questionários ou na realização
de entrevistas. Na pesquisa por observação, o tempo molda o tamanho da amostra, que geralmente é insuficiente
(Berlin, Glasser, & Ellenberg, 2008). É difícil para os investigadores estarem disponíveis tantas horas quanto uma
amostra de observação em grande escala requer, até porque não só o período de observação, mas também a
análise das observações exige tempo. O desafio em termos do número de horas investidas em observação é ainda
maior nos casos em que o desenho da investigação envolve várias organizações. Os curtos períodos de observação
são particularmente preocupantes para fenómenos que demoram a manifestar-se ou cujos efeitos ocorrem a médio
e longo prazo. Nesses casos, esses efeitos podem ser subestimados ou até mesmo despercebidos.

Por fim, uma terceira dificuldade refere-se à reprodutibilidade dos estudos observacionais, devido à subjetividade
do processo, e principalmente às condições e ao ambiente específicos (Berlin et al., 2008). A indicação de que as
observações sejam feitas por mais de um observador para maior confiabilidade do processo de observação
(Batista, 1977; Landis & Koch, 1977) amplia ainda mais o investimento exigido dos pesquisadores nesse tipo de
coleta. Nesse sentido, a escolha deste método é mais complexa e difícil de implementar.

Portanto, concluímos que a concepção da Psicologia como área eminentemente voltada para a escuta, associada às
dificuldades operacionais para desenvolver pesquisas por observação, leva a esse cenário de hegemonia dos relatos
em detrimento do Fazer operacional, e a um número também reduzido de estudos que combinam Dizer e Fazer.
Portanto, faz-se necessária uma discussão sobre os temas estudados no WOP: até que ponto as pesquisas
baseadas exclusivamente em relatos são suficientes para a compreensão dos fenômenos da área?

Para identificar se a forma de acesso aos fenômenos – seja por meio da comunicação ou da observação – está de
alguma forma relacionada ao tema da pesquisa, foi feito um recorte dos 15 temas mais investigados (573
publicações) em comportamento organizacional. Os resultados mostram que a escolha do método de coleta de
dados varia de acordo com o tema da pesquisa. Os construtos sofrimento no trabalho, prazer no trabalho e
interações em equipe apresentam os maiores percentuais de coleta de dados por meio de observação (23,7%,
20,8% e 20%, respectivamente). Na outra ponta, pesquisas sobre comprometimento, estresse ocupacional e
suporte organizacional apresentam percentuais menores de dados coletados por meio de observação (1,3%, 4,2%
e 4,5%, respectivamente), conforme mostra a Tabela 1 .

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Se for analisada a natureza de cada um desses temas e a possível coerência com a forma como o fenômeno é
acessado - centrado no Dizer ou no Fazer - não são identificadas explicações baseadas na ontologia do objeto de
pesquisa. Temas essencialmente intrínsecos (como prazer e sofrimento no trabalho) são mais investigados através
do Doing do que temas cuja característica se baseia em comportamentos (como cidadania organizacional ou
desempenho). Como esse mapeamento levou em consideração apenas estudos de comportamento organizacional,
temas como a clínica da atividade e a ergonomia, mais tradicionais nas pesquisas que envolvem o Dizer e o Fazer,
não foram abordados.

Nas pesquisas em ergonomia, as formas de acesso ao fenômeno tendem a ser mais amplas, visando passar
metodologicamente da aparência do fenômeno à sua essência (Ferreira, Almeida, & Guimarães, 2013). Para
responder a esta premissa, a análise ergonômica da atividade considera diferentes ferramentas alternativas, tais
como: análise documental, entrevistas, observações livres e sistemáticas, medição físico-ambiental (inspeção
ergonômica), mapas ou diagramas corporais, escalas psicométricas e análises de conteúdo ( Ferreira et al., 2013).
Nesse sentido, a área de atuação ergonomia pode ser considerada uma exceção nas pesquisas em WOP, pois
acessa os fenômenos por meio do Dizer e do Fazer, estabelecendo a observação como principal técnica para
apreensão da realidade do trabalho (Ferreira, 2015).

Apesar de algumas exceções como o campo da ergonomia, no entanto, o foco no Dizer é predominante na maioria
das pesquisas em WOP, seja na literatura brasileira ou internacional. Numa revisão da literatura sobre bem-estar
no trabalho, Sonnentag (2015) alerta para o facto de a maioria dos estudos ter sido construída com base em
medidas de autorrelato. O autor considera que a utilização deste método pode inflar as relações empíricas entre as
medidas previstas e os resultados. Sonnentag argumenta que estudos futuros se beneficiariam do uso de outros
tipos de medidas, incluindo dados objetivos e dados de observação (ambos focados no Fazer), bem como relatórios
de outras fontes (usando heteroavaliação, mas neste caso mantendo o Dito como forma de acessar o fenômeno).
Segundo o autor, o uso exclusivo de medidas de autorrelato obscurece os mecanismos subjacentes à dinâmica do
bem-estar e precisa ser reconsiderado, especialmente no que diz respeito às medidas de desempenho.

Em temas como desempenho e comportamentos de cidadania organizacional, quando o fenômeno também é


acessado por meio de relatórios, os estudos acabam sendo investigações de comportamentos pretendidos ou
percebidos. Pela natureza destes temas, essencialmente centrados no Fazer, levanta-se a questão até que ponto os
comportamentos reais podem ser capturados. Talvez fosse até aconselhável que os nomes destas escalas
incluíssem as palavras percepção/intenção - dependendo do caso - para alertar para o facto de os resultados se
referirem a percepções e/ou intenções, que podem diferir fortemente dos comportamentos.

Na outra ponta, estão temas cuja natureza indica estudos baseados em autorrelato. A inserção no trabalho é um
exemplo, pois a avaliação da intenção de permanecer na empresa é um construto para o qual a observação não

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parece ser a melhor forma de apreensão do fenômeno. Nesse caso, a avaliação compreende o comportamento
pretendido e não o comportamento real, estando relacionada com a ligação que a pessoa estabelece com a
organização e com a leitura que essa pessoa faz das suas possibilidades de carreira dentro e fora da atual
organização de trabalho (Lee, Burch, & Mitchell, 2014). Os estudos sobre o comprometimento com o trabalho e
com a organização também acarretam uma demanda por informações que dificilmente prescindem do Dizer, visto
que envolvem afetos e atitudes e que os comportamentos decorrentes do comprometimento já caracterizam seus
consequentes comportamentos de cidadania organizacional ou de desempenho em trabalhar.

Em diversos temas, as características das atividades no WOP exigem que os estudos considerem o Dizer e o Fazer
em conjunto como forma de acesso aos fenômenos. Estudos sobre aprendizagem são um exemplo. A
aprendizagem é um processo psicológico que se refere a mudanças no comportamento do indivíduo, que não
resultam apenas do amadurecimento, mas também da interação com o contexto (Abbad & Borges-Andrade, 2014).
Portanto, o aprender prevê uma mudança que deverá se refletir no Fazer. Mas observar o Fazer sem incluir o relato
das pessoas também pode levar a interpretações equivocadas da aprendizagem, pois a natureza desse construto é
cognitiva. Paradoxalmente, apenas 10,1% dos estudos brasileiros incluem a observação como forma de acesso ao
fenômeno. O mesmo parece acontecer em pesquisas estrangeiras, já que uma revisão recente da literatura sobre o
tema não relata estudos baseados em observação (Noe, Clarke, & Klein, 2014).

Num estudo de Katz, McCarty-Gillespie e Magrane (2003), no campo da aprendizagem, foram investigadas as
competências dos médicos residentes para ensinar estudantes em contexto ambulatorial. O estudo utilizou um
roteiro sistemático de observação direta e os resultados mostraram que, embora o feedback tenha sido
frequentemente mencionado como uma preocupação, o feedback foi fornecido em apenas 41% das reuniões. Esse
resultado evidencia que o que é dito nem sempre é coerente com o que é feito.

Um conjunto de implicações deriva, portanto, desta ênfase limitada no Fazer no sentido da realização de ações.
Pesquisas baseadas em relatórios (entrevistas, questionários, grupos focais, escalas) também focam no “Fazer”, é
claro, quando consideramos a palavra como uma forma de Fazer (Austin, 1990/1962; Searle, 1969, 1979;
Wittgenstein, 1975/ 1953). No WOP, porém, focamos mais no Dizer e menos no Fazer em termos operacionais.
Nesse sentido, acreditamos que a hegemonia do relato nas pesquisas da área afeta nosso conhecimento sobre os
fenômenos e seu processo de construção histórica. Portanto, os investigadores do WOP são desafiados a
reconsiderar as suas opções de recolha de dados à luz da natureza dos seus objectos de investigação, conforme
discutido a seguir.

Formas de acesso aos fenômenos da WOP e aos desafios que a área enfrenta
Os estudos em WOP produziram uma ampla gama de conceitos e teorias, sem garantir uniformidade na sua
utilização. Isso resultou na construção de microteorias (Borges-Andrade & Zanelli, 2014). Esta falta de unicidade
leva a múltiplas perspectivas teóricas e adaptações por parte dos investigadores, distanciando os conceitos da sua
origem teórica (Oswick, Fleming, & Hanlon, 2011), a partir da utilização de uma série de paradigmas
epistemológicos que culminam numa falta de sentido ontológico. compliance em estudos organizacionais (Coelho-
Junior, Meneses, Almeida, & Bernardo, 2015).

A fragmentação, sobreposição e confusão conceitual acarretam a necessidade de maiores investimentos na


discussão dos conceitos e formas de acesso aos fenômenos (ver Corradi, Marcon, Loiola, Kanan, & Vieira, 2016 e
Rodrigues & Carvalho-Freitas, 2016). A aparente falta de reflexão teórica no processo de escolha dos
procedimentos de coleta de dados na área (com primazia absoluta da pesquisa por meio de comunicação) - pode
representar um obstáculo para o aprimoramento de nossa pesquisa. Um conjunto de questões que não discutimos
aqui, como a apreensão dos fenômenos como processos ou como algo estático por exemplo (ver Gondim,
Bendassolli, Coelho Jr., & Pereira, 2016), resultaria em um quadro semelhante ao que foi desenhado neste ensaio.
Essas reflexões são importantes porque podem nos ajudar a compreender melhor os fenômenos com os quais
trabalhamos.

É fato que os conceitos utilizados no WOP muitas vezes derivam da linguagem cotidiana e acarretam significados
para os quais o pesquisador nem sempre está atento. “A prática de definir operacionalmente os termos da
linguagem cotidiana ainda é difundida na Psicologia, embora não tenha conseguido evitar confusões conceituais no
discurso psicológico” (Harzem, 1986, p. 48). Num campo que se baseia basicamente em relatos verbais (Aguinis et
al., 2009), isto pode afetar fortemente os resultados e a validade dos estudos científicos.

Como mencionado anteriormente, os estudos do dilema na experiência do WOP refletem problemas mais gerais no
uso de construtos atitudinais ou outros que se referem a eventos internos para explicar os comportamentos dos
indivíduos. Nesse sentido, seria importante não incluir as intenções comportamentais no conceito de atitude,
adotando, por exemplo, a definição de Ajzen e Fishbein (1980), que concebem a atitude como uma orientação
afetiva em relação a um objeto e propõem as intenções como elos intermediários entre a atitude e o
comportamento observável.

Embora, por um lado, exista um conjunto considerável de ameaças à validade dos estudos observacionais; por
outro, estudos recentes mostram como melhorar o desenho, a execução e a análise das observações, como em
estudos de intervenção em grande escala, por exemplo (Madigan et al., 2014). As recomendações para este tipo de
pesquisa podem ser úteis para o WOP quando a medição do Fazer contribui para a compreensão dos fenômenos.

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A observação sistemática de determinados fenómenos do mundo do trabalho também pode ser útil para prever a
repetição ao longo do tempo. Muitos estudos que se concentram no comportamento futuro pretendido com base no
autorrelato talvez pudessem ser substituídos e/ou complementados por estudos focados no Fazer. A distribuição de
Poisson poderia ser adotada em relação a fenômenos observados sistematicamente (probabilidade de uma variável
aleatória discreta que expressa a probabilidade de uma série de eventos acontecerem em um determinado período
de tempo se esses eventos acontecerem independentemente de quando ocorreu o último evento - Mantell, 1966).
Esta distribuição poderia representar um modelo probabilístico adequado para estudar muitos fenómenos
observáveis ​no mundo organizacional, como a probabilidade de acidentes de trabalho ou absentismo numa
determinada unidade de tempo. Além disso, deve-se levar em conta que os avanços tecnológicos permitiram
melhorias no processo de observação, aprofundando a coleta de dados por meio de gravação de vídeo (Belei,
Gimeniz-Paschoal, Nascimento, & Matsumoto, 2008).

Portanto, um dos desafios que o campo de pesquisa em WOP enfrenta é evitar o automatismo na escolha da forma
como os fenômenos serão acessados. Cada pesquisador precisa incorporar em suas práticas reflexões sobre as
dimensões ontológicas e epistemológicas envolvidas nessa escolha. Um maior refinamento das variáveis ​incitará ao
seu fortalecimento epistemológico, incluindo a problematização conceitual (Coelho-Junior et al., 2015).

Tanto no WOP como nas ciências sociais em geral, na literatura brasileira e estrangeira, há um predomínio
inequívoco de pesquisas que adotam o Dizer - principalmente baseado em autorrelatos - como forma de acessar
fenômenos individuais e até coletivos. Embora, em alguns temas, a natureza do problema de pesquisa deva
nortear os estudos que também incluem o Fazer, na prática, isso não se verifica, seja pela pouca atenção dos
pesquisadores aos aspectos ontológicos e epistemológicos, seja pelas dificuldades com métodos e ferramentas
acessar os fenômenos de maneiras distintas e complementares.

A homogeneidade das formas de acesso aos fenômenos no WOP torna difícil identificar até que ponto os resultados
seriam diferentes se os estudos abordassem também o Fazer com maior frequência. A maior atenção dos
investigadores ao Fazer no contexto do trabalho levaria provavelmente a resultados muito diferentes em vários
domínios de investigação. O mesmo se pode esperar de uma utilização mais intensiva de abordagens que
considerem simultaneamente o Dizer e o Fazer, elaborando análises e reflexões mais complexas e mais condizentes
com a natureza do fenômeno investigado.

Os estudos sobre WOP não demonstram atenção à distinção que Wittgenstein (1975/1953) fez entre dizer e
mostrar. As discussões apresentadas neste ensaio teórico dão a impressão de que os limites para a linguagem
apontados por Wittgenstein são desconsiderados nas pesquisas nesta área, que parecem considerar que todos os
fenômenos estão ao alcance de nossa linguagem. É necessária uma reflexão sobre até que ponto, em certos casos,
transgredimos as regras impostas às propostas significativas, produzindo contradições nas nossas conclusões e
teorias. Devemos também considerar até que ponto somos capazes, nas nossas análises de conteúdo, de
considerar os significados heterogéneos das palavras e os diferentes paradigmas dos intervenientes no processo de
investigação.

Diante da diversidade paradigmática descrita por Burrel e Morgan (1979), dois caminhos possíveis podem ser
destacados: (a) a pesquisa funcional deve intensificar os desenhos que envolvem um ou poucos casos, reduzindo a
presença de estudos transversais com grandes amostras: esta mudança levaria à apreensão do caso com base em
múltiplas estratégias, incluindo observações do Fazer dos atores organizacionais; e (b) a pesquisa interpretativa
poderia ir além das análises de conteúdo, discursiva ou narrativa - em que o Dizer é considerado em sua
característica 'constativa' e não em sua característica performativa , na linha de Austin (1990/1962); ou Dizer
principalmente como ato expressivo , conforme Searle (1969). O aprimoramento de perspectivas etnográficas
envolvendo entrevistas e observação pode ser um caminho frutífero.

Ao indicarmos tais cursos, não presumimos que um tipo de método ou forma de acesso aos construtos seja melhor
que o outro. Sinalizamos principalmente a necessidade de os investigadores em WOP tomarem consciência das
questões ontológicas envolvidas na definição dos conceitos e implicações na forma de aceder aos fenómenos em
análise. O debate sobre essas questões pode contribuir para o amadurecimento da área, especialmente se forem
identificados temas no WOP que exijam com maior urgência a combinação do Dizer e do Fazer, possivelmente
envolvendo uma triangulação de métodos (Flick, 2009).

Neste artigo foram apresentadas algumas reflexões sobre os debates em WOP, mas muitas outras ainda precisam
ser consideradas quando está em jogo a escolha das formas de acesso aos fenômenos nesta área de pesquisa.
Deve-se levar em conta que os problemas cercam a tradição dominante de assumir o Dizer (variáveis ​subjetivas)
como antecedente do Fazer (variáveis ​comportamentais). Que teoria da “mente” está subjacente à forma
dominante como estas dimensões são analisadas no WOP? Quais as implicações das decisões sobre as formas de
acesso aos fenômenos e o sentido das relações buscadas e estabelecidas entre os construtos em análise? O Dizer e
o Fazer são coerentes nas pesquisas da área? Por que não utilizamos mais estudos de caso em WOP com vista a
melhor descrever o fenómeno, melhor delimitá-lo e, nesse sentido, obter melhores condições para avaliar a forma
mais adequada de acesso aos fenómenos da área?

Na medida em que novas pesquisas sejam desenvolvidas em que o Fazer seja considerado como unidade de
análise, outras reflexões poderão ser desenvolvidas sobre a ligação entre os conceitos de WOP e a forma de
apreensão dos fenômenos. E apesar das limitações e desafios que envolve a escolha do Fazer como unidade de
análise, espera-se que a pesquisa em WOP encontre alternativas às atuais formas de produção de conhecimento,
caminhando para uma maior consistência teórica, ontológica e epistemológica no campo.

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Por fim, deve-se levar em conta que “a decisão e o Fazer são fins, mas não atos finitos, ou seja, sua realização,
embora reversível, deixa uma história” (Munck, Munck, & Borim-de-Souza, 2011, p. 150, tradução dos autores).
Nesse sentido, os estudos em WOP podem investigar não apenas a combinação do Dizer e do Fazer em si, mas
também as consequências do Fazer em termos de outros Fazer e atitudes que se originam no Fazer social.

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Endereço para correspondência:


Luciana Mourão
Universidade Salgado de Oliveira, Campus Niterói
Rua Marechal Deodoro, 217, Centro
Niterói, RJ, Brasil, 24030-060
E-mail: mourao.luciana@gmail.com

Recebido em: 04/07/2016


Primeira decisão editorial em: 08/08/2016
Versão final em: 12/09/2016
Aceito em: 12/09/2016

Universidade Federal de Santa Catarina


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Departamento de Psicologia
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