Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/universidade.html 1/10
29/05/2020 A idéia de Universidade e as idéias das classes médias
tempos mais felizes a sueca Ellen Key dizia com sutileza: "Cultura é o que
nos resta depois de termos esquecido tudo quanto aprendemos." E, deste
modo, somos riquíssimos de saber e mendigos de cultura. Hoje em dia
Herbert George Wells pode dizer: We are entered in a race between
education and catastrophe. (Entramos numa corrida entre educação e
catástrofe) Aí está a questão da Universidade.
Quem é o culpado? Evidentemente, é inadmissível simplificar
uma discussão de tal envergadura. Acusa-se o Estado por ter-se
intrometido, e acusa-se o Estado por não se intrometer. Acusam-se os
professores por mergulharem nos ensinos profissionais e descuidarem-se
da ciência desinteressada, e acusam-se os professores por mergulharem
na ciência pura sem saberem ensinar. Aqui, queixam-se de as
universidades não fornecerem elites, de que a nação tem necessidade; ali,
queixam-se de que as universidades fornecem elites demais, um
proletariado intelectual. Abundam os remédios propostos. Desejam salvar
as universidades pela separação entre as instituições puramente
científicas e os institutos de ensino, o que agravaria o problema em vez de
o resolver: a ciência seria, assim, afastada da vida, e o ensino entregue à
rotina. Falham, igualmente, as tentativas mais bem pensadas de curar a
doença infundindo uma nova crença ou uma velha fé: teremos os mesmos
estudantes, os mesmos bacharéis, os mesmos doutores que antes, e as
suas boas crenças não resolverão a doença da Universidade. Porque não
cabe à Universidade formar crentes nem sequer sugerir convicções, mas
dar ao estudante capacidade para escolher a sua convicção. Já abundam
os homens cegamente convictos, muito "práticos", "úteis" para os serviços
do Estado, da Igreja, dos partidos e das empresas comerciais. Pode ser
que todas essas instituições lamentem, em breve, a abundância de
homens convictos e a falta de homens livres. Então, acusar-se-á
amargamente o utilitarismo das universidades modernas. O utilitarismo é o
inimigo mortal da Universidade.
Mas o que quer dizer prático, útil? A resposta não é tão
simples. Por felicidade os poderosos deste mundo introduziram um novo
ponto de vista, ao qual julgo que devemos algumas perspectivas novas.
Para a mentalidade média do nosso tempo a utilidade das
ciências é determinada segundo as aplicações práticas: a física e a
química, que nos forneceram a luz elétrica e os gases asfixiantes, são as
ciências úteis; a história e a filosofia, que não nos fornecem nada, são
ciências "inúteis". Apelo desta sentença para a sabedoria de certos
homens práticos, que disso entendem muito bem. Certos regimes, ditos
totalitários, acharam indispensável regular pela força o estudo das
ciências, cujas conseqüências práticas poderiam abalar estes regimes.
Ora, que vemos nós, com surpresa? Estes regimes não se ocupam,
www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/universidade.html 2/10
29/05/2020 A idéia de Universidade e as idéias das classes médias
www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/universidade.html 3/10
29/05/2020 A idéia de Universidade e as idéias das classes médias
www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/universidade.html 4/10
29/05/2020 A idéia de Universidade e as idéias das classes médias
ulteriores parecem-lhes ridículos. E são eles que, pela sua situação social,
determinam o nível geral. E esse nível é a morte da Universidade.
Queixam-se de que as universidades já não fornecem elites.
Sim, mas em compensação fornecem verdadeiras massas, porque as
ciências modernas e suas investigações têm menos necessidade de
cérebros que de batalhões de estudantes; e para isto eles satisfazem. A
inteligência que é precisa para estudar uma profissão, mesmo acadêmica,
não é tão grande como os leigos imaginam. Há vários séculos um sábio
inglês, o cônego dr. Copleston, fellow do Ariel College, em Oxford,
predizia: Ainda que a ciência seja favorecida por essas concentrações de
inteligência a seu serviço, os homens que se encerram nas
especializações têm a inteligência em regresso. (Citado pelo cardeal
Newman, The idea of a university, p. 72). É o regredir de uma elite à
condição de massa ornada de títulos acadêmicos.
É preciso que se digam, aqui, algumas verdades muito
impopulares e muito desagradáveis. Existe Inteligência e existem
"intelectuais". Intelectuais são os médicos, os advogados, os funcionários
superiores de toda espécie, os especialistas científicos de toda sorte. Mas
deve-se dizer que somente uma parte desses "intelectuais" pertence à
Inteligência, que é, por seu lado, o resto dos "clercs", da elite de outrora.
Sejamos sinceros: podemos ser bom médico, bom advogado, bom
professor, e ter o espírito preso aos limites da profissão; e sabemos que o
grau acadêmico nem sequer é sempre a garantia de boas qualidades
profissionais. Mas ele confere sempre uma autoridade social. José Ortega
y Gasset caracterizou essa nova espécie de intelectuais, violentamente,
mas sinceramente: Nuevo bárbaro, retrasado com respecto a su época,
arcaico y primitivo en comparación con la terrible actualidad de sus
problemas. Este nuevo bárbaro es principalmente el profesional más sabio
que nunca, pero más inculto también – el ingeniero, el médico, el abogado,
el científico. (Misión de la Universidad, Obras, p. 1289).
O fato central da nossa época é a violência generalizada a
todos os setores da vida pública, a violência que pretende substituir o
espírito no seu papel guiador das massas. Dessas massas que os
pensadores políticos muitas vezes confundem com o proletariado
econômico. Sim, mas o espírito proletário, o espírito da reação violenta
contra certas condições econômicas e sociais, não está exclusivamente
ligado às massas obreiras; participam dele todas as "massas", como
fenômenos sociológicos, e a massa dos intelectuais também. É o fato
central da nossa época: as classes médias, mesmo antes de serem
proletarizadas, mesmo justamente para evitar a ameaça da proletarização,
transformam-se em massas proletárias. E esta proletarização interior é um
fenômeno da educação. Chama-se "classes médias" o problema central da
www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/universidade.html 5/10
29/05/2020 A idéia de Universidade e as idéias das classes médias
www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/universidade.html 6/10
29/05/2020 A idéia de Universidade e as idéias das classes médias
www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/universidade.html 7/10
29/05/2020 A idéia de Universidade e as idéias das classes médias
www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/universidade.html 8/10
29/05/2020 A idéia de Universidade e as idéias das classes médias
www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/universidade.html 9/10
29/05/2020 A idéia de Universidade e as idéias das classes médias
* Otto Maria Carpeaux nasceu na Áustria em 1900 e veio para o Brasil por instância e esforço pessoal de Pio
XII. Naturalizou-se brasileiro em janeiro de 1944, tendo se destacado como crítico e ensaísta de literatura
brasileira e universal. Erudito de sólida formação humanística, Carpeaux trabalhou no Correio da Manhã, foi
diretor da Biblioteca da Faculdade Nacional de Filosofia e da Fundação Getúlio Vargas. Faleceu em 3 de
fevereiro de 1978.
contato biblioteca discussões digressões ensaios omar khayyam contos textos poemas conexões ao
cubo
www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/universidade.html 10/10