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Nascida para ser quebrada

Livro 2

Série A Reivindicação do Alfa

Por Addison Cain


Staff

Envio: Área 51 Traduções


Tradução: Louvaen Duenda
Revisão: Sariah Stonewiser
Leitura Final e Formatação: Louvaen Duenda
É É SEMPRE BOM LEMBRAR QUE...

Esta tradução foi realizada por fãs sem qualquer propósito lucrativo e apenas com
o intuito da leitura de livros que não têm qualquer previsão de lançamento no Brasil.

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Sinopse

O mundo está aos meus pés, mas não quero nada além dela. Nenhum preço é alto

demais para tê-la, para fazê-la ceder.

Minha companheira, minha Claire.

Não há como desfazer o vínculo do casal, não importa o quanto ela resista. Diz-se

que a maternidade domará a infeliz Ômega. Quanto antes melhor.

Ela me perdoará, sorrirá para mim, aprenderá a me amar à medida que nosso filho

crescer em seu corpo, mesmo que esteja insatisfeita com o engano necessário para

garantir a concepção.

Ela será a mãe e companheira perfeita.

E eu serei seu governante.


Nota da Revisão

O texto a seguir foi revisado de acordo conforme as novas Regras Ortográficas,

entretanto, com o intuito de deixar a leitura mais leve e fluida, a revisão pode

sofrer alterações e apresentar linguagem informal em vários momentos,

especialmente nos diálogos, para que estes se aproximem da nossa comunicação

comum no dia a dia.

Alguns termos, gírias, expressões podem ser encontrados bem como objetos que

não estão em conformidade com a Gramática Normativa.

Boa leitura!
Capítulo 1

No momento em que ela encontrou a casa dele, Claire mal conseguia rastejar.

Arranhou o portal, com os dedos dormentes, e caiu no chão. Quando a porta se abriu e

olhos semicerrados apareceram no escuro, se tivesse capacidade, Claire teria rido.

Nunca um homem pareceu mais chocado.

Ela estava imunda; cabelos pegajosos molhados de neve e suor, membros muito

arranhados pela queda. Em torno de sua garganta, um hematoma em formato de uma

mão circulava como um colar triste. Isso não era nada comparado ao estado dos pés

dela quando ele tentou ajudá-la a se levantar. Rasgada e sangrando, havia mais pele
desgastada do que sã. Corday levantou-a do chão, com o corpo congelado colado ao

dele, e trancou a porta.

— Claire! — Ele esfregou vigorosamente as mãos para cima e para baixo nas costas

trêmulas da mulher. — Eu tenho você.

Foi uma coisa boa que ele fez pois assim que a porta trancou, seus olhos rolaram

para trás, Claire inconsciente. Corday levou-a às pressas para o chuveiro, ligou o

aquecedor e ficou com ela sob o jato de água. Seus lábios estavam azuis, o que não era

de admirar, considerando que as temperaturas naquele nível do Domo haviam chegado

a quase zero. O Beta tirou o vestido arruinado e lavou cada filete de sangue de sua

amiga, encontrando mais hematomas, mais feridas, mais motivos para odiar Shepherd.

A gaze em seu ombro ele deixou para o final, grato por pelo menos algo ter sido

cuidado. Mas pela forma como estava saturado, ficou preocupado com o que era podia

estar sob o curativo. Retirando-o, Corday amaldiçoou para ver o que a fera tinha feito

com ela. As marcas de reivindicação de Shepherd; o tecido vermelho e distorcido –

mesmo depois do que pareciam semanas de cura, seu ombro uma bagunça.

O monstro a mutilou.

A água ficou tão fria quanto o sangue de Corday. Ele a puxou para fora, secou-a o

melhor que pôde e colocou Claire no calor de sua cama. Lá ela estava deitada, nua e

gravemente machucada, um pouco de cor voltando às suas bochechas encovadas. Um

de cada vez, ele descobriu membros, cuidando de restos, enfaixando feridas, fazendo o
melhor que podia para preservar a modéstia dela. Isso não significava que ele não os

viu, os hematomas marcantes manchando a parte interna das coxas.

Ela parecia quase tão mal quanto as Ômegas que a Resistência resgatou...

Isso o assustou. Nenhuma daquelas mulheres estava prosperando. Mesmo seguras,

elas deterioraram-se – quase não falavam, quase não comiam. Mais delas morreram e,

embora os Executores não conseguissem identificar a causa, a Brigadeiro Dane tinha

certeza de que, com tudo o que sofreram – os filhos e companheiros que lhes foram

tirados –, elas simplesmente perderam a vontade de viver.

Claire tinha que ser diferente.

Braço esquerdo, braço direito, ambos os cotovelos sangraram lentamente. Pomada

e curativos eram o melhor que Corday podia oferecer. Mas não havia nada que ele

pudesse fazer pela garganta dela; os hematomas manchados de marrom-amarelado não

eram recentes. Os ferimentos da Ômega ficaram muito mais complicados nas pernas –

ambas as rótulas estavam grotescas; um corte profundo o suficiente para exigir pontos.

Ele fez o melhor que pôde com suturas em forma de borboleta, fechando a lacuna da

carne rasgada, alinhando a pele para que pudesse ter uma chance de se curar. Suas

articulações iriam inchar - isso era inevitável - e ele hesitou em colocá-las com gelo, pois

ela já estava tremendo e ainda fria ao toque.

— Você vai ficar bem, Claire. — Ele prometeu. — Você está segura comigo.
Claire abriu os olhos vermelhos; olhou para o Beta cujo rosto ela podia ler como um

livro. Ele estava com medo por ela. — Não dói.

— Shhh. — Ele se inclinou, sorrindo ao vê-la acordada. Acariciando o cabelo

molhado e emaranhado de seu rosto, ele disse: —Descanse sua garganta.

Ela obedeceu e Corday trabalhou rapidamente para terminar, desinfetando cada

abrasão na parte externa das coxas, joelhos e canelas. Seus pés eram uma questão

diferente. Havia pouco que ele pudesse fazer, e ela dificilmente conseguiria andar nos

dias que viriam. Ele identificou os detritos, notando como ela não se movia ou se

contorcia mesmo quando uma nova onda de sangue seguia um grande pedaço de vidro,

uma vez que ele era retirado. Ele envolveu os pés dela com força e fez uma oração aos

três deuses para que as feridas abertas não infeccionassem.

Assim que pareceu que ela estava dormindo, ele se levantou.

A mão de Claire disparou, seus dedos machucados agarrando a manga dele. —

Não vá!

— Você precisa de remédio. — Corday acalmou, entrelaçando os dedos com os

dela.

Claire segurou com mais força, desarticulada e com medo. — Não me deixe

sozinha.
Jogando uma pilha de ataduras no chão, Corday fez o que desejou. Ele deslizou sob

as cobertas ao lado dela, oferecendo calor corporal e um lugar seguro para descansar.

Claire deixou-o segurá-la, deitando a cabeça em seu ombro, imóvel.

Com vergonha de perguntar, além de patética, ela sussurrou: — Você vai ronronar

para mim?

Tal coisa era um ato de intimidade entre amantes e familiares, mas não houve

hesitação no Beta. Corday respirou fundo e começou a vibração estrondosa

imediatamente. O som era um pouco estranho – o ato era algo com o qual ele não estava

acostumado – e embora não tivesse a riqueza de um ronronar de Alfa, era infinitamente

reconfortante naquele momento.

— Muito legal. — Exausta, Claire suspirou. — Por favor, não pare.

Corday enxugou uma lágrima que escorreu de sua bochecha. — Eu não vou, Claire.

Na voz de uma coisa quebrada, Claire começou a sentir mais do que um mal-estar

sufocante sem fim; ela sentiu nojo... de si mesma. — Eu odeio esse nome.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

Aconchegada perto do amigo, como crianças sussurrando segredos, Claire

acordou. Embora seu corpo doesse, ela estava quente, cercada por um aroma de
segurança e grata pelo sorriso infantil que Corday ofereceu depois de separar os cílios

pegajosos.

Cauteloso e gentil, ele alisou o cabelo emaranhado dela. — Você parece muito

melhor.

Eles estavam tão perto que ela podia ver a barba por fazer em seu rosto, sentir seu

hálito.

Ele parecia tão real.

Chupando o lábio inferior cortado em sua boca, Claire sentiu uma pontada. Provar

a crosta deixada quando aquela mulher, Svana, lhe bateu por se recusar a espalhar,

tornou o pesadelo real novamente. Era como se Svana estivesse na sala com ela, como se

as mãos da Alfa permanecessem em volta de sua garganta.

Claire lutou para respirar.

Corday superou seu terror crescente. — Você está bem, Claire. Vou mantê-la

segura.

Não foi um sonho, foi real. Claire passou a entender que quanto mais Corday

falava, mais ele a tocava, mais ela sentia o sol no rosto.

Como ela chegou lá?

Ela estava separada de Shepherd, sentindo muito desconforto físico, nua, e Corday

a acolheu, apesar de ela tê-lo drogado e mentido para ele.


Ela teve que se lembrar em voz alta; ela teve que se forçar a lembrar. — Eu pulei do

terraço dos fundos da Cidadela... caí na neve.

— E correu até aqui. — Corday terminou por ela.

Ela tinha, antes mesmo que o ar retornasse aos seus pulmões, correu e fugiu. —

Corri o mais rápido que pude... direto para a sua porta. — Com a voz embargada, um

tremor feroz, Claire soluçou: — Sinto muito, Corday.

Vendo seu pânico, ele tentou acalmá-la. — Não há nada para se desculpar.

— Eu droguei você. — Ela sussurrou. — Eu menti. E agora ele vai te encontrar. Ele

vai te machucar.

— Ele não vai. — Corday tornou-se sério e severo. — Você pode confiar em mim.

Não há necessidade de mentir para mim novamente. Não posso ajudá-la se você mentir.

— Se eu tivesse levado você até as Ômegas, ele teria te matado, assim como matou

Lilian e as outras. — Claire olhou para a fronha levemente coberta de sangue. — Ele me

puniu... estou grávida.

Corday já sabia. Ele sentiu o cheiro quase no instante em que Claire esteve em seus

braços. Só havia uma maneira de tal coisa acontecer. Shepherd forçou outro ciclo de cio.

Havia muito pouco que ele pudesse dizer, pouco que pudesse fazer, mas uma coisa

Corday poderia oferecer a ela. Ele olhou nos olhos dela e perguntou: — Você quer

continuar assim?
Que pergunta... Claire teve que pensar, reconheceu que ela estava agarrada ao Beta

a ponto de ter feito seu ombro doer. Afrouxando seu aperto, ela mediu o pouco de

humano que ainda era, e sabia que ainda não queria um filho. Mais ainda, ela se

permitiu tolamente desenvolver um apego ao monstro que enchia seu ventre, um

monstro que a estava usando como uma égua reprodutora – uma fera cuja amante

tentou matá-la.

Claire apertou a mão na pequena vida que crescia dentro dela. Ela poderia se livrar

do problema; o aborto era uma prática comum, provavelmente acessível até agora. Ela

poderia ter Shepherd arrancado dela.

Depois de respirar estremecendo, ela admitiu sua terrível verdade: — Eu não sinto

nada, você sabe. Por dentro... não sinto absolutamente nada.

Ele deu espaço a ela, oferecendo um sorriso torto. — Eu sei que pode parecer que o

mundo acabou para você, Claire, mas está livre agora. Você é uma sobrevivente.

Ela não pôde deixar de sorrir tristemente para um homem que nunca entenderia.

— Sobrevivente? Que tipo de futuro você vê para mim? Fui unida a um monstro para

ser seu brinquedo, drogada em um ciclo de calor não natural, impregnada contra minha

vontade para que eu me tornasse devotada, e então forçada a ouvir o Alfa, que deveria

ser meu companheiro, foder sua amante - uma fêmea Alfa muito assustadora que

colocou as mãos em volta da minha garganta, que enfiou os dedos dentro de mim bem

na frente dele.
Ele não conseguiu evitar uma careta. — Shhh. Isso pode ser consertado.

— Está tudo bem para nós dois admitirmos que não haverá um final feliz para

mim. — Claire sentou-se, segurando o lençol contra o peito, vazio. — Não tenho futuro,

mas ainda posso lutar por elas.

Afastando os cabelos, querendo puxá-la para mais perto, Corday conteve o desejo

de abraçar a mulher de olhos tristes. — Se você sair por aquela porta e tentar enfrentar

Shepherd, você não vencerá.

— Eu não vou vencer... mas vou agir. — Um objetivo, algo em que se agarrar,

endureceu sua voz. Claire zombou. — Vou fazer tudo o que puder para fazer barulho. E

se eles me pegarem, vou garantir que me matem.

— Por favor, me escute. — Corday tornou-se urgente, com medo de assustá-la caso

dissesse a coisa errada. — Vamos conversar sobre isso. A melhor coisa que você pode

fazer agora é ficar mais forte.

— Eu pretendo. — Ela assentiu, sabendo que ele entendeu mal. — Shepard me

disse uma vez que não há nada de bom no povo de Thólos. Ele estava errado. Esta

ocupação despiu nossas pretensões; nos deixou nus para nossa natureza. Você não vê?

Integridade, bondade - existe aqui... — Claire fechou os olhos, aninhando-se mais perto

mais uma vez. — Você, Corday, é um bom homem.

Ele não hesitou em puxá-la para cima. — E você é uma boa mulher.
Descansando a bochecha em seu ombro, ela suspirou. Ela poderia ter sido uma boa

mulher um dia, mas a verdade é que ela não era mais uma pessoa. Ela era uma sombra.

— Quero que saiba que enquanto você estava fora, descobrimos os distribuidores

dos supressores de calor falsificados. As Ômegas foram resgatadas. Elas estão se

recuperando e protegidas. As drogas foram destruídas; cada homem pagou por seus

crimes.

Houve uma vibração no peito de Claire, um momento de sensação de que ela se

despedaçou antes que pudesse infectá-la. — Obrigada, Corday.

— Você faz parte disso, sabia? — A ansiedade juvenil, o desejo de ver Claire

satisfeita, contagiaram seu sorriso. — Sua determinação - você lutou por elas. Elas têm

que agradecer a você por sua liberdade.

— Eu não fiz nada além de ser estuprada e chorar por isso.

— Você está errada. — Corday segurou seu rosto e fez com que ela olhasse nos

olhos dele. — Você enfrentou o maior monstro de todos. Você já escapou dele duas

vezes. Você é forte, Claire.

Mas ela não era. — Não... você não entende. O vínculo do casal, a gravidez...

comecei a cuidar dele, a precisar dele. — Dizer isso em voz alta fez sua boca ficar com

gosto de vômito. — Eu fui fraca.

Corday sabia que nada disso era culpa dela. — Dadas as circunstâncias, o que

aconteceu foi natural.


— Eu não sei o que foi... mas foi. Parei de ver um monstro e queria a atenção do

homem. E depois que ele convenceu meu afeto, fez disso a piada mais doentia do

mundo. Eu deveria estar grata, eu acho. Ouvi-lo com ela... isso destruiu o vínculo do

casal. Ele não pode me controlar agora.

A total falta de emoção na voz de Claire perturbou Corday. O que quer que

Shepherd tenha feito, danificou a Ômega, e uma parte dele se perguntou se cada

expressão que ela fazia era apenas porque deveria se lembrar de coisas como respirar e

piscar.

Alheia à apreensão do seu amigo, Claire continuou. — Entendo agora. Essa

violação não era para ganhar poder. Somos seus fantoches, ficando a mercê com um

estalar de dedos. Dançamos no palco dele. Shepherd e seus seguidores, estão nos

punindo por ...— Ela zombou baixinho. — por ignorância cega. Por permitirmos o que

foi feito a eles.

— Você está livre dele, de suas mentiras e de sua maldade, Claire. Lembre-se disso.

— O Domo está rachado. Está nevando lá fora. Não é geada, é neve de verdade.

Não estamos livres dele, não quando deixamos isso acontecer. Deixamos tudo isso

acontecer.

— Podemos recuperar Thólos.

A respiração de Claire engatou. — Não enquanto ele estiver vivo.


-*-*-*-*-*-*-*-*-*-

— Sua Ômega escapou por um portão de drenagem quebrado. O sangue no local

mostra a direção em que ela fugiu e que seu rumo não foi afetado por pernas

quebradas. A trilha foi perdida quando ela deslizou abaixo do nível médio e saiu sobre

o lodo acumulado.

— Quanto sangue? — Shepherd exigiu, folheando o relatório em sua mão em busca

de qualquer coisa relevante.

— Considerando a distância que ela caiu, mínima. Hemorragia interna pode ser um

problema.

Seu implacável olhar metálico refletiu a luz. Impaciente, Shepherd rosnou: — Ela

não come há quase uma semana. Ela não terá conseguido percorrer uma grande

distância, desnutrida, descalça e sangrando.

— Ela estava sofrendo de enjoo matinal?

Shepherd virou-se para sua mesa, sua atenção voltando para o relatório. — Greve

de fome.

Jules, não surpreso com tal afirmação, permaneceu em branco. — Quando ela

retornar, quais são suas expectativas em relação à senhorita O'Donnell?

Extremamente irado, Shepherd sibilou: — Retomar seu dever como minha

companheira.
Apenas danos psicológicos levariam uma Ômega grávida e unida a uma greve de

fome e a pular de um prédio enlouquecida. Jules ficou contundente. — E se isso não for

possível? A quem você pretende servir como Alfa substituto para cuidar dela até que

ela entregue seu herdeiro?

Com os músculos tensos, Shepherd avisou: — Você presume muito, Jules. Ela será

devolvida e seu comportamento corrigido.

Jules era o segundo em comando por um bom motivo: ele era astuto e estava

disposto a agir. Empregando franqueza, ele afirmou: — Sem contato físico, a Ômega

aceitará de bom grado, ela poderá abortar.

Shepherd não deveria ser contrariado por homem ou mulher. Sua ordem final foi

emitida. — Você está dispensado.

Percebendo que a situação estava além de sua avaliação original, Jules fez uma

saudação e saiu da sala.

Shepherd foi para sua mesa, sozinho. Memorizando os relatórios que piscavam em

sua tela COM, de vez em quando ele olhava para trás, esperando ver Claire andando de

um lado para o outro. Mas ela não estava lá. Ela se foi... Ele sabia em seus ossos que sua

companheira havia procurado o homem nobre que lhe ofereceu ajuda. O Beta iria

acolhê-la, cuidar dela, confortá-la, tocá-la. A simples ideia de que outro pudesse segurá-

la... agir como um substituto... o enfureceu.

Rangendo os dentes, Shepherd praguejou. O Beta morreria gritando.


Shepherd não ronronou, rosnou, acariciou, seguiu todos os instintos para despertá-

la de seu estupor? Ele até tentou explicar. Ele! O Alfa, o mais forte que nunca foi

questionado, tentou argumentar com uma Ômega. Mas ela nem sequer piscou.

Ela havia escapado muito de seu alcance.

Era sua vocação permanecer, ser devotada, amá-lo, obedecer. Ele não tinha

atendido às necessidades dela? Ele não lhe dera belos vestidos e a melhor comida? Ele

não passou horas simplesmente acariciando a garota até que ela estivesse

completamente satisfeita? Qual era uma situação desagradável comparada a isso?

Ele não salvou a vida dela de várias maneiras?

Engravidá-la garantia sua sobrevivência, justificava sua manutenção para seus

seguidores. Ninguém poderia questionar a segurança de seu bebê. Mais importante

ainda, dava-lhe propósito e distração. Shepherd não poderia dizer-lhe com mais

palavras – ela não era uma delas, permanecia demasiada determinada no seu ideal de

bondade para compreender grandeza da sua vocação. Além disso, o raciocínio por trás

de suas ações era desnecessário para ela saber. Shepherd sabia que se Claire percebesse

a verdadeira natureza do que estava por vir, ela ficaria ainda mais preocupada. Ela

choraria por seus patéticos cidadãos em vez de dar toda a sua atenção a ele. A traição

direta era melhor: mantinha-o no controle do destino dela. Mas ela era teimosa, tão

obstinada com suas tolas noções românticas.


O punho de Shepherd bateu contra a mesa. Ele rugiu e virou tudo de cabeça para

baixo até que papéis voaram e sua tela COM quebrou no chão frio.

A chegada inesperada de Svana foi irritantemente problemática. Ela não apenas

ficou descontente com o que encontrou, mas Svana teria arrancado os lindos olhos de

Claire se Shepherd não tivesse pacificado sua amante depois que ela viu o que ele

manteve escondido. Você não argumenta com Alfas provocados, você mostra ação. Se

ele não a tivesse fodido em voz alta, transmitindo seu favor para garantir que a fêmea

territorial não considerasse a Ômega uma ameaça, Claire teria sido assassinada no

primeiro momento em que ele a deixasse sozinha. Ele havia feito o que era necessário,

pelas duas mulheres.

Era o preço para manter Claire.

No entanto, ele a havia perdido de qualquer maneira, mesmo antes de ela fugir.

Observando-a escapar mentalmente, sua onda de raiva, sua fúria total... foi a mesma

raiva que o queimou quando ele saiu de Undercroft para assassinar o primeiro-ministro

Callas... apenas para encontrar o líder de Thólos - o homem que sentenciou sua mãe de

Undercroft - ricamente impregnado com o cheiro do sexo de Svana.

Shepherd respirou fundo, momentaneamente atordoado enquanto processava o

que não poderia ser – até entender o que Svana havia feito.

O discurso que ele preparou para seu maior inimigo, aquele aperfeiçoado noite

após noite enjaulado no subsolo, foi esquecido. O que deveria ter sido uma morte
rápida, o corpo a ser exposto, terminou com sangue escorrendo do teto, as entranhas do

primeiro-ministro Callas espalhadas pelo chão.

E então veio uma dor muito mais horrível do que qualquer agonia que suas marcas

Da'rin pudessem produzir. Sua amante havia se contaminado, contaminado

propositalmente seu corpo ao acasalar-se com o inimigo.

Shepherd confrontou Svana, a mulher que ele amou desde o primeiro momento em

que se conheceram no escuro, a criatura etérea que foi toda a sua vida, que segurava sua

alma em suas lindas mãos. A mulher que o libertou, deu-lhe poder para ganhar o

controle de Undercroft – a mesma mulher por quem ele matou e sofreu.

Desde sua primeira experiência sexual, Shepherd só se deitava com o estro

ocasional de Ômegas que sua amada havia proporcionado para ele - para que

pudessem satisfazer o desejo animal de se relacionarem como deveriam. Para os seres

inferiores, os pares Alfa/Alfa eram difíceis, pois não havia vínculo entre pares, e era da

sua natureza desafiar o domínio. Mas os dois estavam além de tal comportamento

sórdido. Ou assim ele pensou. Ele nunca vacilou... nem uma vez.

Ela fez.

Ela havia fodido o primeiro-ministro, jogado o que eles tinham de lado por algum

estratagema distorcido, como o ponto crucial final não discutido em seu plano.

Enquanto Shepherd a ouvia falar sobre o assunto, enquanto ela pintava de forma

convincente um grande cenário, ele não conseguiu questionar o que ela nunca havia
mencionado. Svana planejou sua sedução o tempo todo. Embora ela segurasse

Shepherd e falasse de seu amor, ele estava em sintonia com ela; ele podia sentir o cheiro

do que havia de errado no cheiro dela. O que foi feito foi ainda pior do que ele

inicialmente acreditara; Svana forçou quimicamente uma ovulação improvável. Ela

queria ter o filho de seu inimigo... fazer com que a linhagem de um traidor continuasse -

um homem que não estava infectado com Da'rin, que nasceu com linhagem superior -

um homem que poderia até ser o portador do suposto anticorpo ao Contágio Vermelho

em suas veias.

Não como Shepherd, que não sabia qual dos inúmeros prisioneiros que estupraram

sua mãe era o pai dele. Seu sangue não foi promovido através de gerações com acesso à

ciência secreta e a vacinas contra doenças. Em vez disso, ele foi desfigurado por Da'rin

que queimou ao sol e sempre o marcaria como um rejeitado.

Ela não havia expressado isso, mas Shepherd interpretou a verdade. Svana o

achava deficiente da maneira mais primitiva.

Todos esses anos, a fidelidade de Shepherd foi unilateral. Svana não hesitou em

admitir que tinha outros amantes. Afinal, eles não eram Alfas? Não era direito deles?

Ela acariciava seu peito e sorria perfeitamente, lembrando-lhe que o que eles

compartilhavam estava além do físico. Eles compartilhavam um grande destino, um

eterno vínculo espiritual de amor.


Destruído, Shepherd cumpriu seu dever para com seus seguidores leais, para com

a mãe morta de quem ele mal se lembrava. Thólos caiu, todos desempenhando seu

papel com perfeição; no entanto, ele estava menos a favor disso. O mundo mudou, ele

alcançou a grandeza, mas o que sobrou? Nada. Um grande buraco negro onde a luz se

apagou. Ele estava incompleto.

Mas então ele sentiu o cheiro de algo imaculado escondido sob o cheiro pungente

de decomposição. Como um presente dos deuses, Claire foi entregue; virtude

improvável nascida da sujeira de Thólos. Um lótus. Claire, com suas convicções e sua

tímida bravura, caminhou até um homem como ele - esperou teimosamente por horas,

um cordeiro entre os lobos - para implorar por ajuda do próprio vilão que infligia

sofrimento aos amigos que ela salvaria.

Uma respiração dela e ele a teria tomado, com calor ou não. Os Deuses

simplificaram sua culminação espiritual ao entregá-la em cio.

Enquanto ele acariciava aquela coisa estranha e obstinada, Shepherd descobriu que

ela se contorcia tão maravilhosamente, tão perfeitamente confortável envolvendo seu

pênis, que ele teve que garantir que ela nunca pudesse sair. Como Svana havia

afirmado que sua devoção estava além do físico, seu amor era divino, Shepherd sentiu-

se perfeitamente justificado em tomar Claire, em criar uma companheira corpórea – um

apego que só beneficiaria a indisciplinada Ômega. Ele se uniu para manter Claire para

si, sua recompensa pelo serviço prestado ao bem maior da humanidade renascida. A
pureza da pequena de olhos verdes agora era dele, e sua proximidade o socorria. Em

Claire, Shepherd recuperou a peça que faltava, a necessidade cobiçosa de possuir algo

inocente, alcançado.

No entanto, agora sua companheira havia partido com seu filho na barriga,

vagando por uma cidade que estava destinada à peste.

A Ômega nunca voltaria para ele de bom grado, não enquanto o vínculo do casal

estivesse tão danificado. Shepherd teria que recuperar Claire à força.

Ele quase podia ouvir o eco das palavras dela no ar: não me dê motivos para te

odiar mais.

O que passou pela mente da Ômega que ele encontrou inconsciente no chão do

banheiro? Ele antecipou a raiva, mas encontrou algo prejudicado muito além de seu

raciocínio. Sua união com Svana deixou Claire indiferente e vazia – deixou o cordão tão

fraturado que tudo que Shepherd conseguia sentir dela era um eco de desolação.

Não era uma sensação que ele gostasse.

Nenhuma quantidade de atenção ou espaço fez diferença. Olhos vidrados olhavam

para ele com julgamento e ódio, não importando como ele cuidasse dela, a tocasse ou

ronronasse. Todas as suas comidas favoritas foram preparadas, vestidos novos

colocados na gaveta... ela nem percebeu.


Claire O'Donnell pertencia a ele. Shepherd iria encontrá-la, arrastá-la de volta... e

forçá-la a alimentá-la se fosse necessário. Ele a faria adorá-lo como deveria. Porque ela

era dele, só dele, e ele não compartilhava suas coisas. Nunca.

Ele até impediu o compartilhamento do corpo dela com sua amante. Isso não era

alguma coisa?

-*-*-*-*-*-*-*-*-*-

Corday correu para cumprir sua missão para a Resistência, ansioso para retornar

para Claire. Não era porque ele não confiava nela para ficar onde estava, era porque ele

não confiava nela de jeito nenhum. A expressão nos olhos dela quando o senador

Kantor chegou para protegê-la não passava de cálculo. Não havia nada de seu antigo

medo ou nervosismo, sua reação ficou entorpecida enquanto ela avaliava o Alfa.

O senador também percebeu a mudança nela, e Kantor reagiu com cautela e

cortesia. Eles trocaram gentilezas, Corday preparou café e depois saiu para se encontrar

com a Brigadeiro Dane. Os deveres de Corday o mantiveram afastado até o anoitecer, e

o Executor estava totalmente despreparado para a visão que encontrou quando voltou

para casa.

Claire estava dormindo, enrolada no sofá ao lado do senador Kantor, que

ronronava corajosamente no escuro.


Uma pontada de algo indesejável fez Corday franzir a testa. — Ela pediu para você

fazer isso?

— Não. Eu sabia o que a faria dormir. — Respondeu o senador Kantor em tom

abafado. — Rebecca também lutava para adormecer. Aprendi muito cuidando de minha

esposa nos anos em que os deuses me abençoaram com minha Ômega.

Era tabu falar de companheiros falecidos; Corday ficou surpreso ao ouvir o Alfa

mencionar Rebecca - especialmente considerando as tristes circunstâncias de seu

assassinato há muito tempo pelo adversário político de Kantor. Foi uma sensação e fez

com que o senador Bergie, vários de seus funcionários e até mesmo o filho de Bergie

fossem encarcerados em Undercroft.

Sem saber o que dizer em resposta, Corday acendeu algumas velas e arrastou uma

cadeira da cozinha, com o rosto sombrio enquanto olhava para a garota adormecida. —

Como ela estava hoje?

— Melhor depois que ela comeu - menos catatônica, mais consciente. O senador

Kantor estudou a coisa desperdiçada. — A reação física da senhorita O'Donnell depois

de se separar do par será complicada. O vínculo do casal e a gravidez a deixarão

doente.

Corday tinha fé que as coisas poderiam melhorar. — Ela me disse que o vínculo

estava quebrado. Quanto à gravidez, eu cuidarei dela.

O senador Kantor balançou a cabeça. — Não funciona assim, filho.


Olhando para o Alfa, Corday rangeu os dentes. — Veremos.

— Agora que você voltou, nós três precisamos conversar. — O senador Kantor

sentou-se mais ereto, alisando a manga. — Primeiro, jante; depois nós dois

explicaremos.

Era perturbador receber ordens em sua própria casa, mas Corday assentiu e foi

para a cozinha. Uma refeição simples foi preparada. Havia algumas frutas frescas para

Claire, uma maçã que ele trocou por um punhado de baterias.

Quando tudo estava pronto, Corday pegou cuidadosamente a mão flácida de

Claire, acariciando seus dedos até que seus olhos verdes e turvos se abriram. Era óbvio

que ela estava confusa. Por um momento se afastou da proximidade dele, pronta para

correr. Então tudo começou. O rico estrondo de um ronronar de Alfa fez Claire passar

de assustada a furiosa.

O olhar que ela lançou ao senador Kantor teria sido engraçado se seu cheiro não

tivesse ficado tão rançoso de medo. — Você pode parar agora.

O velho concedeu.

Durante o jantar, os homens escolheram o silêncio. Claire não. — Existe outra

recompensa?

Corday não iria mentir para ela. — Sim.

Ela forçou outra mordida salgada. — E?


— Quando observamos a Cidadela, havia uma fila de cidadãos arrastando

mulheres da sua descrição.

Claire se encolheu. — Isso é nojento…

— Pelo que pude ver, os Seguidores os estavam deixando ir, mas os cidadãos estão

morrendo de fome. — Esta era a oportunidade de Corday explicar por que o senador

Kantor estava realmente ali. — A recompensa pela sua cabeça poderia manter uma

família alimentada por um ano. Temos que mantê-la escondida.

O antigo Alfa abordou a questão maior. — E não apenas de Thólos.

Claire inclinou a cabeça. — O que você quer dizer?

— Preciso que você entenda que o que é dito não pode sair desta sala.

Ele a insultou. — Eu nunca contei nada a Shepherd. Nunca. — Disse ela.

— A dissensão pode ser nosso maior inimigo. — Bagunçando os cabelos grisalhos,

com os cotovelos apoiados nos joelhos, Kantor suspirou. — Muitos do nosso povo

acreditam que a unificação sob o governo dos Seguidores satisfaria Shepherd. O fato é

que estes cidadãos são numerosos e estão se tornando mais leais ao regime do ditador

do que poderíamos ter imaginado. As nossas próprias fileiras, até mesmo alguns dos

nossos irmãos e irmãs em armas, foram tentados para o outro lado. Uma vez abrigados,

eles não podem ser fundamentados. Sua aparição dentro da Resistência pode oferecer

uma tentação muito grande para qualquer um que esteja na linha. Corday e eu

acreditamos que eles competirão para devolvê-la.


— Nós nunca deixaríamos isso acontecer, Claire. — Corday interrompeu,

desesperado para explicar assim que viu a expressão no rosto dela. — Nunca. Você

entende?

O senador Kantor se atreveu a apertar a mão dela. — Precisamos que nossas tropas

estejam concentradas. Precisamos encontrar o Contágio. Para fazer isso, você deve

permanecer escondida. Ninguém pode saber que você está aqui.

Claire ficou em silêncio, processando tal informação. Quando ela finalmente falou,

suas palavras não foram gentis. — Você parece ser um homem sábio, senador Kantor,

mas não consegue ver que o tempo e mais sofrimento irão corroer aqueles que são leais

a você, não importa o que aconteça? Minha gravidez é a chave para o seu sucesso.

Enquanto eu estiver correndo solta em Thólos com seu bebê como refém, ele não

infectará a população - não correrá o risco de me infectar. Agora é sua chance de atacar.

Use-me e rebele-se imediatamente.

— Eu discordo... o tratamento que Shepherd dispensou a você foi terrível,

negligente da maneira mais grave. — Solene, o senador Kantor negou. — Se agirmos

prematuramente, ele poderá liberar o Contágio. Não posso arriscar milhões de vidas, a

sua vida, em um talvez. Sinto muito, Claire. Até que a localização do Contágio

Vermelho seja descoberta, a Resistência não fará nenhum movimento.

A linha da boca de Claire ficou nítida. Sentando-se mais ereta, ela olhou para os

dois como se fossem simplórios. — Não é o Contágio que nos mantém sob seu poder. É
a nossa própria covardia. Todos os dias nosso povo não faz nada; o bastardo está

provando que sua visão sobre nosso comportamento está correta. A Cúpula está

rachada. Você não vê que o tempo vai matar muito antes que qualquer vírus o faça?

Temos que recuperar nossa cidade ou morreremos tentando.

O senador Kantor colocou a mão no ombro do Ômega. — Os cidadãos de Thólos

não são soldados; eles estão assustados e não têm compreensão do combate. Você deve

entender; muitos estão vendo suas famílias sofrerem, seus filhos estão morrendo.

Claire balançou a cabeça e engoliu a explosão. — Ninguém nesta cidade é mais

civil, não há neutro. Ou você está com Shepherd ou está contra ele.

— Não é tão simples assim, Claire.

Ela olhou para o senador Kantor, perdida. — Não é?

Um suspiro profundo precedeu a explicação do senador Kantor. — Você ainda é

jovem e aprenderá com o tempo que as coisas nem sempre são o que parecem.

Claire inclinou a cabeça, sua imagem anteriormente brilhante de um senador tão

conceituado distorcida pela triste impotência de tal homem. — Shepherd uma vez me

disse a mesma coisa... Você apenas repetiu as palavras de um louco.

O senador Kantor ofereceu um sorriso conciliatório, com um olhar de pena

desarmante. — Estou pedindo que você confie em mim.

Corday entendeu o que a irritava; até os ossos, ele sentiu o mesmo. — Progredimos

todos os dias, Claire. Juro para você.


Claire olhou para seu amigo e percebeu que ele tinha fé no Alfa encarregado de

liderar a rebelião.

— Eu entendo. — E ela fez. Ela entendeu que quanto mais esperassem, mais

pessoas morreriam – que o mundo era um pesadelo onde os homens e mulheres que

uma vez juraram defender a lei poderiam devolvê-la a um déspota por comida que

duraria apenas um certo tempo.

Ela entendeu perfeitamente.

Ela machucou; todos machucaram. E isso tinha que acabar.

Depois que o senador Kantor saiu, Corday pegou a mão dela e a levou de volta ao

sofá para descansar. Quando a teve só para si, Corday sorriu e tirou um presente do

bolso.

— Eu tenho algo para animá-la. — O Executor, com covinhas no rosto, ergueu o

que estava preso entre os dedos. — Há algumas semanas fui à sua residência. Tudo

estava bastante destruído, mas encontrei isto escondido sob o forro da sua caixa de

joias.

Ele deslizou uma faixa de ouro em seu dedo.

O ouro estava quente, mas a reação de Claire foi totalmente fria. — Esta era a

aliança de casamento da minha mãe.

Quando criança, ela odiava ver isso, ainda com raiva porque a mãe a abandonou,

jovem demais para aceitar o que tinha acontecido. Claire tinha esquecido que ela tinha
guardado. Agora cabia, assim como cabia a decepção de sua mãe com a vida. Erguendo

a mão para ver aquela coisa sombria, ela viu a correlação com o ímpeto de sua mãe –

um lindo e brilhante lembrete de que sempre se pode escolher.

— Obrigada, Corday.

Ele pegou a mão dela novamente, acariciou seus dedos e prometeu: — Quero que

você saiba que entendo o que sente, mas ele está certo. Se a vida do senador não

estivesse gravemente ameaçada, não sei se confiaria mesmo ele com você.

Claire não tinha certeza do que dizer. — Por que nenhum de vocês me perguntou

sobre Shepherd?

Corday começou a ronronar, aproximando-se para colocar um braço em volta do

ombro dela. — Considerando que você escapou uma vez, qualquer coisa que ele

permitiu que ouvisse pode ter sido plantada para enganar a Resistência caso você se

libertasse novamente. Odeio dizer isso, mas cada movimento que aquele monstro faz

é… brilhante.

Ninguém estava do seu lado e, embora ela tentasse esconder o olhar de mágoa, isso

não importava. Corday viu.

Ela escolheu contar as coisas a ele de qualquer maneira; ela precisava que ele a

ouvisse. — Ele nasceu em Undercroft, sua mãe foi encarcerada pelo primeiro-ministro

Callas. O nome de sua amante é Svana.


O Beta ouviu, as palavras de Claire confirmando a que o Brigadeiro Dane havia

conjecturado. Isso explicaria como Shepherd foi encarcerado extraoficialmente, mas a

ideia de uma mulher ser jogada naquele inferno... que seu próprio governo tivesse feito

tal coisa, simplesmente não poderia ser. Poderia?

Claire continuou, os olhos distantes enquanto ela tagarelava. — Svana tem um

sotaque que nunca ouvi antes, como se ela não fosse daqui.

— Há mil quilômetros de neve em todas as direções fora deste Domo, Claire.

Forasteiros não podem entrar.

— Assim como as mulheres não podem ser jogadas em Undercroft e cidades

inteiras não podem cair da noite para o dia? — Para Claire, parecia haver mais...

verdades sombrias sobre eles que precisavam ser reconhecidas. Encontrando os olhos

do seu amigo, ela confessou: — Não acho que o primeiro-ministro Callas fosse um bom

homem... Receio que a opinião dura de Shepherd sobre nós possa não estar errada.

O braço de Corday apertou-a ao redor dela. — Você está dizendo que concorda

com ele?

— Não. — Ela respondeu rapidamente. — Não. O mal não pode mudar o mal.

Talvez sua motivação subjacente já tenha sido baseada em princípios; eu sei que ele

pensa que é, mas não é.

— Isso mesmo, Claire. — Reafirmou Corday, preocupado em vê-la tão perdida. —

Shepherd e seu exército estão delirando.


Com a bochecha apoiada em seu ombro, ela concordou: — Não estamos todos um

pouco hoje em dia...?

Capítulo 2

Claire não era uma mulher violenta. Ela não sabia lutar. Ela não era fisicamente

forte.

Mas não era indefesa. Claire era rápida e inteligente. Ela só precisava encontrar

uma maneira de usar essas características para promover sua agenda. Enganar Corday

novamente não lhe agradava; mas a sua lealdade e as suas intenções estavam ligadas à

liderança do senador Kantor.


Talvez o plano do Senador funcionasse... talvez os rebeldes conseguissem descobrir

a localização do Contágio. Então o que? Reuniria as pessoas durante uma série de anos

difíceis enquanto o Domo continuava a rachar e mais neve caía? Claire não iria esperar

para descobrir.

Fingindo complacência, sorrindo quando deveria, Claire fez o papel de uma

Ômega submissa e concordou fervorosamente quando Corday pediu sua promessa de

ficar dentro de casa. Admitindo que estava com medo de ser devolvida, que confiava

nele para protegê-la, foram necessários apenas dois dias de bom comportamento antes

que ele finalmente saísse para cumprir suas obrigações.

Apesar da dor que cada passo custava, uma vez sozinha, ela começou a andar e

planejar.

O próprio monstro lhe disse que ela falhou porque acreditava na bondade em uma

cidade onde não havia nenhuma. Ele estava errado. Claire sabia que ela havia falhado

porque não se esforçou o suficiente, não pensou grande o suficiente; porque, no final,

ela esperava que alguém a salvasse.

Uma Ômega.

Que irônico que o campeão que as mulheres escolheram tenha sido Shepherd!

Rindo baixinho, enjoada, Claire apertou o crânio.


Nona, as outras Ômegas – Corday nunca as mencionou. Foram as outras Ômegas,

aquelas que ele libertou, que começaram a conversar aqui e ali. Ele estava tentando

apoiá-la, mostrar que havia esperança, mas nunca mencionou as amigas dela.

Claire sabia por quê; Corday temia que a tentação de ir até elas minasse sua

promessa de permanecer onde estava. Ele estava certo.

Assim como ameaçou, Shepherd escondeu aquelas mulheres no único lugar onde

nenhum estranho poderia chegar: Undercroft. Claire estava certa até os ossos.

Entrar não seria fácil. Uma vez lá dentro, sua busca se tornaria impossível, a menos

que... Claire pudesse encorajar as Ômegas a se unirem e lutarem.

Ninguém iria salvá-las – elas teriam que se salvar. Tudo que Claire podia fazer era

dar-lhes uma chance.

De certa forma, Shepherd pode até ter feito um favor a Claire. Ele teria atendido às

necessidades básicas de Ômega, desejando-as saudáveis o suficiente para seus homens.

Depois de tantas semanas com comida, as mulheres estariam mais fortes, e Claire tinha

a sensação de que, como a fome não mais atrapalhava seu julgamento, elas também

ficariam muito zangadas.

A raiva era o único sentimento que Claire parecia entender na maioria dos dias. A

raiva era um grande motivador.

Virando-se para andar na outra direção, seu cotovelo bateu na estante de Corday,

derrubando uma bagunça no chão.


Curvando-se para limpar, Claire congelou.

Um cubo de dados do Executor…

Informações sobre Shepherd poderiam estar lá. Talvez até o nome de Svana

estivesse guardado em um arquivo do Executor.

Claire conectou-o ao COMscreen de Corday e digitou o nome 'Shepherd'.

Nada.

'Svana'.

Nada.

Este recurso era valioso demais para ser ignorado; devia haver algo ali que ela

pudesse usar. Claire só precisava pensar. Ela precisava desacelerar sua conversa mental,

respirar. Um suor frio veio quando seu dedo bateu na tela, soletrando o nome do único

criminoso que Claire conhecia. O COM brilhou, lindos olhos chocolate olhando para

ela.

Claire conhecia o rosto sorridente e desdenhoso nas credenciais daquela mulher,

em todos os ângulos. Mesmo que já tivessem se passado anos, Claire ainda sabia como

ela cheirava, como era sua risada. Inclinando-se mais perto da tela, a Ômega quase

sorriu.

A hora seguinte foi gasta absorvendo cada detalhe que o cubo de dados continha

sobre uma criminosa reincidente. Maryanne Cauley acumulou um grande recorde;

agressão, furto, roubo, incêndio criminoso... seu arquivo era enorme. Pelo que parece, a
impressionante infratora da lei passou de fugitiva arrogante do trabalho agrícola para...

nada. O arquivo dela simplesmente parou: nenhum registro de mais encarceramento,

nenhum endereço, nenhuma data de morte. Ela tinha simplesmente desaparecido.

Se Claire não soubesse o que tinha sido feito com a mãe de Shepherd, não teria

parecido uma coisa muito... perturbadora, coincidência.

Ela não sabia o que a levou a fazer isso, mas seus dedos digitaram um último

nome: 'Claire O'Donnell'.

Demorou apenas um momento para perceber a falha em seu registro de cidadania.

Se Maryanne Cauley ainda vivesse, Claire sabia onde ela estava.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

Corday voltou e encontrou seu apartamento frio e vazio, sem vida onde deveria

estar uma pequena Ômega descansando no sofá. Corday odiou deixá-la, mas ela jurou

tão fielmente, admitindo que mal conseguia andar, que ele acreditou.

Claire o enganou. Claire não confiava nele. Claire o havia deixado... de novo.

Havia uma nota:

Prezado Corday,

Não posso viver uma mentira e ficar escondida. Não do jeito que as coisas estão agora.

Quero que saiba que não importa o que aconteça, eu escolhi – plenamente consciente das

consequências.
Amor,

Claire.

Ela havia assinado 'amor', mas não houve desculpas. Ele sabia onde estava e a

posição era dolorosa e profundamente perturbadora. Conhecendo sua obsessão com a

situação da Ômega, Corday dobrou a carta e enfiou-a no bolso. Fechando o zíper da

jaqueta, ele saiu direto para as calçadas e lutou pela neve até onde a Brigadeiro Dane

abrigava secretamente o líder da Resistência.

Batendo na porta, Corday recusou-se a desistir até que a mulher atendesse.

Dane olhou furiosa. — Você não deveria estar aqui.

Corday não esperou por um convite, empurrando sua oficial superior para o lado

enquanto rosnava: — Como diabos, eu não deveria.

— Você perdeu a cabeça? — A porta foi trancada rapidamente, o ar frio invasor foi

bloqueado. — Aparecer aqui em plena luz do dia coloca todos nós em perigo.

Olhando para o soldado, Corday aprofundou a carranca. — Está nevando lá fora,

não há ninguém na rua e meus rastros já estão sendo cobertos. Onde está o senador

Kantor?

— Estou aqui. — Uma voz soou na sala dos fundos da residência.

Ignorando o rosnado da brigadeiro Dane, Corday tirou o bilhete do bolso e se

aproximou. — Ela se foi.


O senador Kantor largou seu COMscreen e leu o bilhete. Uma breve leitura e o

velho Alfa balançou a cabeça. — Sinto muito, Corday. Não é como se pudéssemos tê-la

trancado.

— Claire vai fazer uma loucura! — Praticamente arrancando os cabelos, Corday

rosnou: — Temos que detê-la.

O senador Kantor balançou a cabeça, os olhos cansados, vermelhos e tristes. — Não

podemos arriscar nos expor em uma caçada humana. Nós dois sabemos que ela

reconheceu que não poderíamos ajudá-la. Você entende isso, garoto?

— Ela vai se matar!

Falando em voz baixa, o Alfa tentou transmitir bom senso e uma medida de calma

muito necessária. — A Ômega está grávida, ela está unida e mentalmente desligada. Ela

não tem muito tempo e ela sabe disso.

Esfregando a testa como se pudesse enxugar a frustração, Corday perguntou: — O

que você está dizendo?

— Estou dizendo que Claire está lutando contra o que deve ser um pesadelo dentro

dela. Seu cronograma é curto e ela está fazendo sua escolha.

— Eu te disse. O vínculo do casal foi quebrado.

O senador Kantor abandonou o tom paternal em favor de um tom muito mais

autoritário. — Ela está danificada. Sua determinação é a única coisa que a mantém

unida. Se você tentar prendê-la ou impedi-la, ela desmoronará. E isso só a abriria à


influência dele novamente. Talvez seja melhor deixá-la fazer isso; o que ela precisa fazer

enquanto ainda pode fazer.

— Nós dois sabemos que ela vai tentar tirar aquelas Ômegas de Undercroft. —

Sibilou Corday. — Seria necessário um exército e ela é apenas uma garota.

O senador Kantor entendeu perfeitamente o que estava em jogo. — Ela tem uma

vantagem, é uma refém, e você não sabe onde ela está. Nada pode ser feito. Acredite ou

não, minha aposta é nela.

— Ele vai matá-la.

— Leia a carta novamente. — O senador Kantor devolveu a página amassada. —

Ninguém pode compreender as consequências como ela. Ela é uma mulher adulta que

fez sua escolha, assim como pedimos a nossos irmãos e irmãs de armas que façam todos

os dias.

— Isso é uma maldita loucura! — Corday saiu furioso da sala, com o bilhete

esmagado em suas mãos. — Eu vou encontrá-la. Vou trazê-la para casa.

Passando por uma brigadeiro Dane carrancuda, Corday foi pego.

Com o braço em seu aperto, o rosto de Dane estava vermelho e seu silvo

desagradável. — Você não fará tal coisa. Volte para sua casa. Acalme-se antes de

comprometer toda a Resistência com sua estupidez impulsiva. Pense, pelo menos uma

vez. Seja o que for que Claire tenha planejado, distraí-la ou ser morto não ajudará

ninguém.
Corday foi fortemente tentado à violência. — Você não conhece Claire.

— Eu não, mas eu conheço você. E sei quando você está errado.

-*-*-*-*-*-*-*-

O tempo estava uma merda. Uma bênção e uma maldição, pois parecia que Thólos

estava se escondendo da tempestade desconhecida. Nenhuma alma andou pelas ruas

para incomodá-la e, embora a neve que caía tornasse o caminho difícil, a caminhada a

deixou encharcada até os ossos e tremendo violentamente.

Em todos os anos desde que Claire andou pela última vez pelo calçadão de nível

médio, ela havia esquecido muita coisa. As habitações apertadas ainda eram verdes

como aipo, mas ela levou algum tempo para lembrar qual janela havia abrigado uma

floreira cheia de papoulas vermelhas.

Não havia salpicos de cor agora... nem flores. Em breve, até as árvores murchas não

passariam de gravetos. Tudo o que havia era aquele verde muito alegre espreitando da

geada, das janelas quebradas e do lixo.

Três andares acima, terceiro domicílio à direita.

Ficando cara a cara com uma porta que já foi familiar, Claire balançou a maçaneta e

a encontrou trancada. Passando a unha pela moldura, ela sentiu uma protuberância na

fenda: uma chave reserva escondida exatamente como estava quando ela era menina.
O interior estava escuro. Ninguém estava em casa.

No lugar da mulher que ela procurava havia lixo; fios, filtros, purificadores de ar,

canos e máquinas de zumbido empilhados por toda a sala. A pega egoísta os roubou da

infraestrutura do Domo e, ao fazer isso, enfraqueceu todos os demais.

Era indescritível, irritante e, o pior de tudo, depois de ler seu arquivo, Claire não

ficou nem um pouco surpresa.

Com a boca azeda, Claire tirou as roupas molhadas, pendurou-as para pingar na

cozinha e serviu-se de algo seco. Já era noite quando ela finalmente ouviu o barulho de

uma chave na fechadura.

Uma beleza alta entrou na sala fria, esfregando as mãos enluvadas. A mulher levou

apenas um segundo para ver Claire descansando no sofá. — Você não deveria estar

aqui.

— Você sempre foi uma idiota. Você sabe disso, certo? — Claire rosnou de volta.

— Essa é uma grande palavra vinda de você, garotinha. — Inclinando a cabeça

para o lado, o cabelo loiro se movendo como uma cachoeira atrás dela, a Alfa mudou

seu rosnado para um ronronar provocativo. — Você tem alguma ideia de quanto você

vale?

— Não fique muito animada. Ele não vai te pagar... Shepherd enforcou o último

lote que me trouxe, Maryanne. — Claire olhou para aquela que já foi a garota mais
inteligente que ela conhecia e viu uma estranha. — O fato é que ele se ofende com o fato

de alguém esperar pagamento pela devolução do que é dele.

Com os ombros tensos, Maryanne se aproximou, observando cada canto da sala. —

Alguém viu você entrar?

— Não.

— Isso significa que pelo menos três pessoas fizeram isso.

Claire soltou um suspiro. — Meu rosto estava coberto e tenho certeza que você

pode sentir que não sou nada especial agora.

Com os lábios carnudos sorrindo, Maryanne levantou um punhado de cabelo de

Claire para cheirar. — Verdadeiro…

Claire pegou a mão de Maryanne, a mão daquela que tinha sido sua melhor amiga

de infância, e segurou-a. Com os olhos grandes implorando, ela sussurrou: — Preciso

de sua ajuda.

— Não.

— Por quê?

Maryanne soltou os dedos e saiu andando. — Você não tem ideia do que esses

caras podem fazer com você, Claire. Faça o que fizer, apenas encontre um lugar para se

esconder e espere... mas não me arraste para isso.

— Na verdade, eu sei do que eles são capazes. — Claire cuspiu nas costas de

Maryanne. — Estou grávida do filho de Shepherd.


— Foda-me! — Maryanne girou horrorizada, olhando para a barriga da diminuta

Ômega.

— Eu não faria isso, lembra-se? — Brincou Claire, tentando imitar as travessuras de

quando jovens. — Você ficou em cima de mim durante a escola. É por isso que não

somos mais amigas.

— Cale a boca, vadia. — Maryanne riu, incapaz de suprimir um sorriso de lobo. —

Você desejava. Era Patrick Keck que eu queria foder... e eu fiz. Muitas vezes.

— Então você desapareceu. Você era minha melhor amiga e nunca se despediu. —

E isso doeu muito. Mais ainda, porque Claire sabia que Maryanne tinha sido capaz de

muito mais do que o caos que ela havia realizado. — Eu li seu arquivo. É verdade que

você invadiu os Arquivos?

— Várias vezes... só fui pega uma vez. Varrer merda de porco por um ano valeu a

pena. Você não tem ideia de quanto algumas pessoas pagam por algo tão mundano

quanto livros proibidos e esfarrapados.

— Como é que entrou?

Maryanne lambeu os dentes e fez um gesto amplo para si mesma. — Essa garota

tem habilidades.

Claire ficou séria. — E eu preciso delas.

A mulher se aproximou, passando os dedos pelos cabelos pretos e emaranhados de

Claire, arrulhando: — Você não pode me pagar, docinho.


— Eu sei. É por isso que odeio fazer isso. — Claire pareceu por um momento como

se fosse perder a coragem, mas respirou fundo e começou. — As Ômegas estão

trancados em Undercroft. Preciso libertá-las e você vai me ajudar ou direi a Shepherd

que você colocou a mão em mim. Ele vai te fazer em pedaços, porque eu não estou

carregando apenas seu filho... estamos unidos.

Maryanne virou Alfa completa. — EU NÃO VOU FAZER ISSO!

— Você irá.

A loira caminhou em direção à janela, verificando pela vigésima vez se havia

algum sinal de problema. — Maldita seja você, Claire. Maldita seja você e suas besteiras

humanitárias inúteis. Você sempre foi uma boazinha quando éramos crianças; era

nojento naquela época e é ainda mais patético agora.

— Mas eu nunca fui uma tarefa simples. — Claire pegou o braço de Maryanne, com

uma expressão de desespero. — Sinto muito, mas preciso de você. Preciso das

habilidades que você tem e que me faltam. Se fizer isso por mim, nunca mais vou

incomodá-la.

Um olhar mortal veio com a pergunta. — Por que não pergunta ao seu

companheiro?

— Foi ele quem as trancou. — Claire colocou o cabelo atrás da orelha e se manteve

firme. — Assim como você, ele é cego para o que é certo e errado.
Maryanne amaldiçoou. Ela ficou furiosa por horas, tentando dissuadir Claire de tal

loucura, mas o resultado foi inevitável. Maryanne Cauley não tinha escolha e sabia

disso.

Elas brigaram veementemente pelo plano. Não havia tempo para reconhecimento,

a dupla cega para o que poderia ou não estar esperando. Diversão era uma coisa, mas o

que Claire pretendia era insanidade. Mas isso poderia ser feito, Claire sabia disso em

seus ossos. Ela poderia fazer funcionar. Ela tinha que fazer isso, porque se não desse

tudo de si, arriscasse tudo, nada mudaria.

No final, foi um tiro no escuro, na melhor das hipóteses... suicídio, na pior. Mas

Claire, ao que parecia, tinha procurado a mulher certa.

Maryanne Cauley conhecia Undercroft – ela conhecia as entradas, conhecia os

segredos – e embora se recusasse a falar sobre o motivo, era óbvio que, uma vez,

Maryanne Cauley havia sido descartada naquele lugar escuro.

A mãe de Shepherd não foi a única mulher jogada no inferno.

Ao amanhecer, Claire estava exausta, mas determinada. Maryanne praguejou e

puxou Claire para a cama quando a Ômega não parava de bocejar. Uma vez debaixo

das cobertas, foi simples cair nos velhos padrões; Maryanne trançando o cabelo de

Claire como fazia quando elas eram pequenas.


Esperando que a resposta não fosse tão decepcionante quanto ela esperava, Claire

suspirou: — A maneira como você fala sobre Undercroft, a expressão em seus olhos

toda vez que digo o nome Shepherd... Você o conhece.

— Todo mundo o conhece.

Não, foi muito mais profundo do que isso. Claire rolou para olhar a amiga nos

olhos. — Não minta para mim, Maryanne. Ele assusta você. Ele assusta você porque

você o conhece. De alguma forma, você já esteve envolvida com aquele monstro. Você

ainda está?

Maryanne tentou ser irreverente. — Envolvida? Eu deveria estar fazendo a mesma

pergunta. Afinal, seu romance provavelmente vai me matar.

— Eu não estou acasalada com Shepherd por escolha. — Claire não se permitia

piscar ou gaguejar. — Entrei em cio inesperadamente na frente dele. Ele forçou o

vínculo do casal.

Maryanne teve a decência de parecer abalada. — Não leve a mal, Claire, mas este é

Shepherd. Ele é um homem poderoso. Parece um pouco estranho que ele se ligasse a

uma mulher que não conhecia... quero dizer, ele é um senhor da guerra. As pessoas

provavelmente dão à ele Ômegas para o Natal.

As palavras de Svana ecoaram na cabeça de Claire. ' Faz algum tempo que não

compartilhamos uma Ômega aquecida.'


— Eles fazem... eu não sei por que ele se uniu a mim, e a única vez que perguntei,

ele deu apenas palavras vazias e inúteis. — Seus olhos verdes ficaram mais duros, assim

como a exigência de Claire por respostas. — Minha pergunta, Maryanne. Como você o

conhece?

Franzindo os lábios, Maryanne confessou: — Eu, hum, precisei de amigos uma vez.

— Eu era sua amiga. Eu teria sido, se você não tivesse fugido... e.. — Claire

suspirou, conhecendo Maryanne bem o suficiente para ver que ela não era exatamente

inocente. — fez as coisas que você fez até ser jogada em Undercroft.

Maryanne bufou. — Antes de eu encontrar uma saída.

— Por Shepard.

— Meus serviços em troca da minha vida. — A garota que nunca se sentiu culpada

por uma única transgressão que cometeu em sua vida olhou para sua velha amiga com

um pesar incomum. — Fui eu quem recuperou os códigos de acesso ao Setor Judiciário

e à Cidadela.

Com as sobrancelhas franzidas, Claire sibilou: — Como você pôde?

— Eu não sabia dos planos deles para Thólos. Juro.

Claire não queria ouvir isso. — O que você achou que ele faria quando fosse

libertado?

— Ele já estava livre...— Maryanne sussurrou. — Como você acha que eu saí?

As sobrancelhas de Claire se ergueram. — O que?


Maryanne bufou diante da ingenuidade da pequena mulher. — Desculpe, vadia,

mas estamos ferrados há muito tempo.

— Você sabe onde ele guarda o vírus?

Sorrindo, Maryanne compartilhou uma dura verdade. — Se eu fizesse isso, você

realmente acha que eu estaria aqui, armazenando e me preparando para o fim do

mundo? Ouça-me, Claire, eles não sabem sobre este lugar. Eu apaguei dos registros

quase uma década antes. Fui jogada escada abaixo. Tenho comida suficiente,

purificadores de ar suficientes para passar quase um ano. Você não precisa seguir com

seu plano de merda. Você pode ficar aqui comigo. Se o pior acontecer, tudo o que

teríamos o que fazer é esperar até que o vírus faça o seu trabalho.

Claire balançou a cabeça. — O Domo está rachado, Maryanne. Você morreria

congelada enquanto o ecossistema falhasse. É como se ele tivesse planejado para

pessoas como você. Todos nós vamos morrer; todos nós vamos morrer se nada for feito.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

Ambas estavam ansiosas, cansadas... assim como todos em Thólos. Não havia

sentido em mais discussões. Em vez disso, Claire e Maryanne iniciaram preparativos

apressados. As coisas precisavam ser construídas para o esquema de Claire e a


tecnologia aprendida. As explicações de Maryanne, a maneira como ela conseguia fazer

algo perigoso do nada, lembravam a Claire o quão fora de seu ambiente ela estava.

Bombas rudimentares, como substituir painéis de acesso básicos - Maryanne a

estava ensinando em vez de apenas fazê-las ela mesma, lembrando a Claire sem

palavras que a associação delas terminaria em breve e que a desajeitada Ômega ficaria

sozinha.

Quando todas as ferramentas estavam prontas, Claire tomou banho, esfregando

qualquer vestígio do cheiro de Corday. Maryanne estava naquele banheiro passando

batom como se estivessem planejando um passeio, não um ataque contra os tiranos que

controlavam a cidade. Piscando para o espelho, Maryanne congelou, boquiaberta ao ver

o corpo nu da Ômega.

O Alfa tocou sem perguntar. — O que é tudo isso?

Claire não precisou olhar para baixo para saber o que Maryanne achava tão

perturbador. — O preço da minha liberdade.

Dedos cuidadosos traçaram a marca amarelada da mão na garganta de Claire. — E

seu pescoço?

Um barulho incoerente, um discurso debochado ficou preso na boca de Claire. —

Não é nada.
Maryanne segurou seu queixo e virou o rosto de Claire para encontrar seus

grandes olhos castanhos. Ela sorriu, provocando. — Seus pés estão nojentos. Você está

sangrando no meu chão.

E a dor foi uma bênção, a distração perfeita. — Shepherd não me permitiu ter

sapatos. Tive que correr pelas ruas descalça.

— Isso dói?

— Sim. Mas isso não me incomoda e não vai me atrasar.

Maryanne se agachou para ver por que o sangue fresco escorria pela canela de sua

velha amiga. — Seu joelho precisa de pontos.

— Nada que eu possa fazer sobre isso agora.

— Sente-se, eu farei isso.

Era muito estranho ter Maryanne Cauley cuidando dela; quando crianças era

sempre o contrário. Observando a mulher adulta puxar uma agulha e um fio metálico

pela pele, sentindo o beliscão e a queimação, o mundo parecia muito estranho. — O que

aconteceu com sua mãe? — Claire perguntou.

— Quem sabe? — Maryanne murmurou enquanto dava outro ponto apertado. —

Provavelmente teve uma overdose anos atrás.

Claire apenas cantarolou, distraída. — Meu pai morreu há quatro anos. Acidente

de trânsito.

— Seu pai sempre foi muito legal.


Claire teve que concordar. — Sim... estou feliz que ele não esteja aqui para ver isso.

Maryanne esfregou os lábios como se quisesse dizer alguma coisa, mas pensou

melhor. Em vez disso, ela se levantou e reuniu roupas apropriadas para a missão e

empurrou o horrível traje preto dos Seguidores do Shepherd para Claire.

A Ômega não hesitou, apenas se vestiu silenciosamente enquanto Maryanne vestia

seu corpo flexível em um uniforme combinando.

— Você sabe, Claire, — Maryanne estava falando sério, amarrando o cabelo para

colocá-lo sob um boné. — no subsolo existe todo um outro mundo. Aqueles que seguem

Shepherd são além de perigosos.

— Seja o que for, não importa.

A voz de Maryanne ficou monótona. — O que estou tentando dizer é que, com

vínculo de casal ou não, eles têm uma agenda. Shepherd pode simplesmente matar

você.

Claire não tinha ilusões a esse respeito. — Estou contando com isso.

— Eu poderia nos poupar de todo esse problema e matar você agora mesmo. —

Ofereceu o Alfa.

— Isso é muito gentil da sua parte. — Claire brincou, ficando na ponta dos pés para

dar um beijo nos lábios de rubi de sua amiga. — Mas eu já estarei morta para você

depois desta noite. Dê-me o que preciso e você terá minha palavra.
Maryanne colocou uma arma carregada no bolso de Claire. — Promessas,

promessas...

— E, Maryanne. — Claire acrescentou, forçando um sorriso brincalhão. — Você

parece uma vagabunda com essa roupa.

Capítulo 3

— Esta é a entrada para o Purgatório. — Maryanne apontou para o mapa na tela

entre elas. Seguindo os túneis sinuosos que ficavam logo abaixo das trilhas de concreto

das Terras Inferiores, ela disse: — Este andar é para administração e separado do
verdadeiro Undercroft. Se suas Ômegas estiverem sendo mantidas neste buraco de

merda, Shepherd não as esconderia abaixo de aqui. Não se ele quisesse mantê-las vivas.

Claire olhou para a tela COM. Ver seu povo trancado como gado trouxe uma onda

de tristeza insuportável. As Ômegas dormiam dez em cada cela, segregadas por idade,

e eram menos de cinquenta e seis que haviam sido levadas. Três foram enforcadas por

Shepherd, o restante que Claire presumiu ter morrido ou se unido e fugido. Eram quase

quarenta, e uma delas estava em cio, isolada e... a menina só tinha dezesseis anos.

Em seu coração, Claire estava apavorada que Shepherd pudesse ter permitido que

seus homens injetassem nas Ômegas as mesmas drogas que ele usou nela... aliviada ao

descobrir que ainda não havia se rebaixado tanto.

— Olhar para elas assim não vai mudar nada, docinho. — Maryanne arrulhou,

agachada ao seu lado.

— Até você deve ver o quão doentio isso é.— Franzindo a testa, Claire desviou o

olhar da COMscreen para que sua amiga pudesse olhar nos olhos dela. — Não me

decepcione.

— Vou fazer você entrar. Depois vou embora.

Claire assentiu. — Para o seu próprio bem, sugiro que você corra rápido.

De acordo com o acordo, Maryanne explorou o sistema e invadiu os controles de

nível superior da prisão. Entregando a tecnologia, ela deu a Claire o domínio irregular

dos sistemas de segurança do Purgatório.


— Você precisa saber, pequena, nem todos os rejeitados foram libertados quando

Shepherd deu seu golpe. Há caminhos lá nos quais você não quer tropeçar. Se você se

perder... deixe Shepherd encontrá-la. — Com essas palavras finais e assustadoras,

Maryanne deu um beijo rápido em Claire e desapareceu.

Claire teve que dar o próximo passo sozinha. Segurando um dispositivo construído

com fita adesiva e alguns circuitos roubados, rezando para sua Deusa para que o plano

funcionasse, ela apertou o botão.

Explosões dispersas ocorreram, todas as quatro bombas artesanais que Maryanne

distribuiu funcionando perfeitamente. Bem na hora, Claire começou a fase dois. Como

sua amiga havia prometido, os Seguidores na tela correram em direção à perturbação

com uma precisão alarmante. Quando os soldados foram separados e estavam em

corredores ou elevadores, ela prendia os homens com substituições atualizadas dos

sistemas que eles teriam de contrariar em cada terminal.

A um fio de cabelo da tela, Claire assumiu o controle do sistema de comunicações

internas da prisão. — Ômegas, as portas de suas celas estão destrancadas. Qualquer

uma que prefira a liberdade à escravidão de Shepherd, reivindique-a. Os guardas estão

espalhados, presos, mas não posso mantê-los por muito tempo. Unam-se, eu as levarei

para fora. Não esqueça que sua irmã está presa no quarto no final do corredor. —

Veneno escorria da voz de Claire. — Não imagino que Shanice tenha sonhado que sua

primeira vez seria montada por um soldado com três vezes a idade dela.
Em seu pequeno monitor, sete mulheres, incluindo Nona, se levantaram e saíram

correndo de suas celas. Mais pessoas ficaram para assistir, com medo, mas se

recuperando. Ao longo de alguns segundos, os números começaram a crescer, as

mulheres largando as celas e correndo para se juntar às irmãs. Mas a atenção de Claire

estava em outro lugar; um bando de Seguidores já havia anulado o controle e se

libertado.

Sem a habilidade de manipular o sistema com a mesma sutileza de Maryanne,

Claire gritou: — Quatro Seguidores conseguiram sobreviver. Vocês têm que se

defender! Se quiserem sair, devem revidar!

À primeira vista de um Alfa indesejado, as Ômegas caíram sobre ele como

gafanhotos. Mais Seguidores tentaram agarrar as mulheres, apenas para descobrir

Ômegas supostamente fracas atacando em matilhas. Mesmo o homem mais forte não

poderia resistir a quarenta mulheres enfurecidas. Tiros foram disparados, duas irmãs de

Claire caíram - mas todos os quatro soldados de Shepherd foram destruídos enquanto o

grupo avançava. No momento em que desceram para a sala onde a Ômega de estro

estava sendo iniciada, a matilha havia entrado em frenesi.

O macho no cio foi arrancado, dilacerado por dentes e garras.

Elas pegaram sua irmã e seguiram todas as direções que Claire gritou nos alto-

falantes. Em menos de cinco minutos, as mulheres começaram a inundar as mesmas

passagens que os Rejeitados haviam utilizado no dia em que se libertaram.


Depois que passaram pelas últimas portas, Claire saiu da escuridão e as chamou.

Nona a alcançou primeiro. Acima do som dos gritos, Claire gritou instruções

apressadas no ouvido da mulher. Um aceno de compreensão e Nona pegou o

COMscreen de Claire.

Claire apertou o último botão do gatilho.

Flashes ofuscantes precederam a fumaça verde-acinzentada - ela encheu a estrada

de acesso da prisão a ponto de Claire não poder mais ver Nona, não sentir seu cheiro e

não ter a chance de se despedir.

O barulho dos pneus e dos caminhões lotados de Seguidores de Shepherd

derrapam e pararam do lado de fora da calçada. Em instantes, soldados armados

criaram um perímetro; a única saída plausível bloqueada.

Não havia como voltar atrás. Este era o fim.

Claire reconheceu o Beta de olhos azuis liderando os homens, observou-o

semicerrar os olhos quando a fumaça se abriu apenas o suficiente para mostrar quem

ousou desferir um golpe no novo regime de Thólos. Com uma arma apontada para a

têmpora, Claire avançou até ser exposta aos homens de Shepherd.

Com os olhos penetrantes, Jules ordenou: — Abaixe a arma, senhorita O'Donnell.

Vê-los tão próximos, tão organizados; os Seguidores eram exatamente como

Maryanne descreveu: assassinos; pesadelos impiedosos e ambulantes - e ela era apenas

uma mulher enfrentando homens muito mais poderosos.


Erguendo o queixo, desafiadora, Claire gritou durante a briga: — Cada Ômega

aqui vai embora, ou eu puxo o gatilho e mato o filho de Shepherd.

Ignorando a fumaça acumulada, Jules marchou até a borda da barricada. — E até

onde você acha que elas chegarão?

O Beta esperava uma resposta; Claire não deu nenhuma. Tudo o que ela fez foi

olhar de volta para aquela tristeza perturbadora.

Quando longos minutos de silêncio continuaram, quando a fêmea não fez mais

nenhum movimento, Jules finalmente pareceu entender.

Claire sorriu.

— Agora que penso nisso, — A arma ainda apontada para seu crânio, Claire

respirou fundo. — colocar as mulheres em Undercroft foi na verdade uma excelente

ideia. Acho que ficaremos... sem os visitantes debochados e os estupros programados, é

claro.

— Você realmente acha que um punhado de mulheres será capaz de manter a

prisão longe de nós?

— Sim.

Um olhar estranho passou pelos olhos do homem. Ele parecia prestes a falar, mas

foi silenciado pelo som de passos pesados que se aproximavam das sombras.

O pesadelo estava chegando.


Ela o sentiu antes de vê-lo. Seus olhos nunca deixaram Jules, mas foi necessário

todo o autocontrole de Claire para não voltar para o manto de fumaça e arruinar seu

plano quando Shepherd surgiu em sua periferia.

— Pequena. — A voz de Shepherd era suave e sedutora, fluindo exatamente como

o vapor em suas costas. — Aponte a arma para mim.

Ele era tão grande. Mesmo com uns bons quinze passos entre eles, Claire teve a

impressão de que tudo o que ele precisava fazer era estender a mão para arrastá-la de

volta ao inferno.

Embora ela estivesse com medo de olhar em sua direção, embora mantivesse sua

atenção ancorada no azul vibrante do olhar de Jules, as palavras de Claire eram para

Shepherd. — Se eu achasse possuir a habilidade de mirar e ter certeza de que uma bala

atravessaria o seu crânio, não hesitaria em atirar em você. Mas já lhe disse antes, não

sou estúpida. Apontada para onde está, eu não preciso me preocupar em errar.

Shepherd deu um passo à frente; Claire enrijeceu.

Mostrando os dentes, ela se forçou a olhar para ele. — Sua abordagem está

tornando muito tentador puxar o gatilho. Se eu morrer, seu filho morre comigo. Pare.

Mexa-se.

Com a atenção voltada para ele, Shepherd fez uma pausa, guiando a conversa

como se estivessem conversando à tarde. — É bom ver que você não se machucou

devido à queda. Vejo que tem comido.


— Eu não caí, eu pulei. — Claire ergueu o queixo mais alto, expondo os hematomas

em sua garganta pálida para que todos os Seguidores vissem.

Somente com grande esforço Shepherd conseguiu falar de maneira nivelada. —

Você deixou claro seu ponto de vista. Admito até que estou impressionado com seu

pequeno golpe. Mas agora acabou.

— Eu não dou a mínima para o que você pensa!

Um latido abafado veio do Alfa, sua boca curvada em um rosnado. — Eu sei que

você está com raiva...

Sua voz ficou baixa e áspera enquanto ela sibilava com os dentes cerrados: — A

raiva nem sequer começa a descrever como estou. Fui contaminada, manipulada, traída

e quebrada. Já passei do ponto da raiva.

— Tudo o que foi feito foi necessário. — Rebateu Shepherd, dando outro passo

intimidante para mais perto.

— Você pode ter me tido por um momento, mas sua mulher abriu meus olhos para

o que você realmente é.— Feroz, os lábios de Claire se curvaram em ameaça. — Eu

deveria estar agradecendo a você, Shepherd. Sua horrível lição de insurreição foi uma

inspiração. Você me ensinou que mesmo o mais fraco pode se levantar contra a tirania

com o incentivo certo. Bem, estou me levantando contra você e a perversão de seus

ideais.

Ela ficou ali por tempo suficiente.


Tremendo tanto que ela tinha certeza de que cada homem ali poderia ver seu

medo, pronta para fazer o que fazia de melhor, Claire deu um passo para trás na

fumaça.

Shepherd respondeu, lutando para controlar sua raiva. — Não me faça ir buscá-la,

pequena. Você pode se machucar, e eu preferiria que não fosse o caso.

— O que são alguns ossos quebrados e um ou dois possíveis tiros? — Ela

pressionou a mão livre contra o coração, o rosto de Claire era a imagem da angústia. —

Eles não importariam. Não sinto nada. Absolutamente nada.

Mesmo Shepherd não podia negar a verdade que ecoava no vínculo rompido; era

como se ela nem estivesse lá — o fragmento maior de seu espírito simplesmente havia

desaparecido. Mas ela estava mais naquele momento do que quando passava cada hora

em um estupor subterrâneo.

Ela iria se recuperar.

Olhando profundamente para aqueles olhos cheios de dor, Shepherd falou com

uma voz de certeza, de autoridade. — Seu lugar é comigo. Você retornará para seu

companheiro.

— Você não é companheiro para mim. — Claire cuspiu no chão entre eles. —

Estarei ao lado do meu povo nos meus termos! Se Thólos sofrer, seu filho e eu

sofreremos com isso.


Shepherd iria alcançá-la, ela sabia disso. Claire girou, o cabelo preto brilhando

enquanto disparava na fumaça. Shepherd era muito rápido para um homem de seu

tamanho, e Claire podia sentir ele e seus seguidores se aproximando dela. Mas, no

escuro, braços finos estenderam-se para ela.

O abraço de um velho amigo foi seguido por uma súbita perda de gravidade.

Maryanne Cauley voltou, um cabo os impulsionando bem acima das Terras

Inferiores antes que o gigante furioso ou seus homens tivessem sequer visto para onde

Claire tinha ido.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

A quantidade de protocolos de segurança que foram substituídos durante a fuga

das Ômegas foi extraordinária. Todas as imagens de vigilância foram apagadas, muitas

das portas mecanizadas manipuladas para prender seus soldados ainda estavam

funcionando mal. Os terrenos do Purgatório foram transformados em um labirinto que

os Seguidores mais habilidosos de Shepherd levaram mais de uma hora para penetrar,

apenas para descobrir que não havia nem mesmo uma Ômega dentro.

As fêmeas desapareceram como se fossem teletransportadas pela fumaça.


Sete Seguidores mortos, vinte e quatro presos e um homem mal respirando. O

plano de Claire tinha sido extremamente bem coordenado ou ela era dotada de pura

sorte.

Enganosamente complacente, Shepherd voltou-se para seu segundo em comando.

— Explique-me, Jules, como uma mulher Ômega que pinta quadros para histórias

infantis conseguiu essa façanha com apenas quatro dias para planejar?

— Não posso. Ainda não, senhor. — O Beta ficou em posição de sentido, sério e

severo. — Rastreamos as Ômegas até o acesso ao esgoto e sabemos que elas foram para

o norte, mas o cheiro...

— Foi perdido no lixo que elas esfregaram em si mesmas. — Concluiu Shepherd,

sabendo exatamente o que fariam. Seu lábio se curvou. — E elas estão armadas com

armas tiradas de nossos homens caídos.

— Armas que eles não sabem usar. — Ofereceu Jules.

— Essas mulheres ficaram violentas e mataram cinco Alfas com as próprias mãos.

Tenho quase certeza de que aprenderão a disparar rifles de assalto em pouco tempo. —

Uma sensação estranha tomou conta das entranhas de Shepherd, a sensação

rapidamente ignorada em favor da satisfação de cerrar os punhos até as juntas

estalarem.
— Temos perfis e fotografias de todos as Ômegas sobreviventes conhecidas. As

chances de um ser vista são exponencialmente maiores com tantas. Elas serão

encontradas.

— A situação com Claire tem precedência sobre a recuperação das Ômegas. Sua

rota de fuga era divergente. Ela deve estar se movendo por Thólos enquanto

conversamos. Designe nossos melhores rastreadores, e quando ela for encontrada,

ninguém se aproximará além de mim.

Jules sabia que a mulher estava falando sério sobre acabar com sua vida; essa foi a

única razão pela qual ele não desarmou a mulher trêmula à primeira vista. —

Encurralá-la não terminaria bem. Seu estado mental estava desequilibrado. A senhorita

O'Donnell é um perigo para si mesma até que seu desespero diminua.

Shepherd lançou um olhar perigoso para seu tenente. — Onde você quer chegar?

Olhos azuis intensos estavam estáticos em um rosto desprovido de emoção. — Sua

aparência transformou o medo dela em raiva; seu dedo apertou o gatilho. Eu tinha um

certo relacionamento com ela; você não.

O leve alargamento das narinas de Shepherd e a inspiração não foram nada

comparados ao rosnado que manchou sua resposta. — Todo o plano dela dependia de

nos distrair com o estratagema. Ela não puxou o gatilho, ela correu.

Jules não hesitou. — Seu sucesso lhe dará confiança e poderá levá-la a se expor a

perigos desnecessários para cumprir sua agenda. Devo criar uma situação que ela
gostaria de resolver? Poderíamos atraí-la em nossos termos. Senhorita O'Donnell

poderia potencialmente ser capturada antes que qualquer trauma se acumulasse.

Shepherd considerou momentaneamente a sugestão antes de balançar a cabeça

negativamente. — Ela é muito inteligente para isso.

— Onde você acha que ela atacará em seguida?

— Eu não acho que ela atacará. Nenhuma de suas bombas matou um Seguidor; ela

poderia ter executado todos os nossos camaradas presos lá dentro. As baixas foram

reduzidas ao mínimo. Pelo que sabemos, ela nunca disparou a pistola ou apontou para

qualquer um, menos para ela mesma. Não importa o show que ela faça, Claire

O'Donnell é uma pacifista. Seu ideal seria inspirar, assim como ela ameaçou.

— Se ela se expor ao público, eles a trarão. — Garantiu o Beta.

— Sua fé na escória desta cidade é muito mais perigosa para ela do que qualquer

arma. Se soubessem de nosso vínculo, o povo de Thólos não a entregaria em casa. Eles a

despedaçariam.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

Enroladas como gatinhos na cama de Maryanne, Claire dormia com uma das mãos

sobre a barriga e uma expressão preocupada. Maryanne observou seu sono agitado,
mais uma vez certa de que havia enlouquecido por ter voltado para arrastar a tola

obstinada embora.

Depois de testemunhar o confronto com Shepherd, observando enquanto o enorme

assassino falava o mais baixo que podia, embora estivesse claramente furioso,

Maryanne não conseguia entender. Quando ela foi forçada a trabalhar para ele, ela o viu

em sua forma mais feroz, e isso não era nada comparado ao comportamento cauteloso

que ele exibia para sua companheira.

O homem era assustador pra caralho. Mas só por um momento, Maryanne

percebeu. Ele estava desesperado.

Os laços de casal eram coisas estranhas, uma condição que Maryanne escolhera

evitar propositalmente até o dia de sua morte. Quem iria querer abrir mão de sua

liberdade e ficar ligado a outra pessoa para sempre? A própria ideia era repulsiva. Sexo

era sexo - e Maryanne adorava sexo - mas a vontade de forjar um vínculo, de se

vincular... não, obrigada!

Como uma mulher Alfa, as opções de quem você poderia foder variavam muito, e

o medo de engravidar era basicamente inexistente. A única maneira de ovular exigia o

uso de injeções de hormônio ou de um Ômega masculino no cio para inspirar tal

evento. Maryanne não gostava de caras magricelas, o que era bom, já que a

probabilidade de encontrar um Ômega homem era bastante sombria. Ela preferia os

meninos Beta, embora uma menina de vez em quando também fosse divertida.
Nascer como Alfa foi uma bênção. Ela era mais forte, agressiva, rápida e capaz de

se mover na sociedade em uma posição que pessoas como Claire cobiçavam. A pequena

coisa em seus braços sempre se ressentiu de sua dinâmica, mesmo quando eram

pequenas. Maryanne não podia culpá-la. Assim que o cheiro de Claire começou a

encher a sala com doçura, em vez de apenas cheiro de criança, o mundo começou a

tratá-la como se ela fosse feita de vidro. Essa foi metade da razão pela qual Maryanne a

arrastou para atividades mais... interessantes.

As travessuras da infância foram boas para Claire.

Ou eram, até Claire começar a esconder o que ela era sob a máscara experiente de

uma Beta – as pílulas, sabonete especial. Era triste ver alguém se esforçar tanto para ser

outra coisa.

Considerando a alternativa de ficar presa em um estupor acalorado, sem nenhuma

proteção real, se o Alfa fosse contra a vontade da Ômega, era compreensível.

Afinal, veja o que aconteceu com a mãe de Claire – o modelo do lado negativo. Não

foi nenhuma surpresa que Claire nunca tivesse abraçado sua verdadeira natureza.

Olhando para ela agora, Maryanne se perguntou se a mulher de cabelos escuros sabia a

finalidade absoluta de seu vínculo com Shepherd, e até onde ele iria para recapturar sua

companheira.

Ou ele simplesmente a mataria... ele provavelmente a mataria depois desta noite,

pelo menos.
Sorrindo estupidamente, Maryanne pensou nas provocações de Claire e na

veemência ardente praticamente subindo como chamas do gigante. Maryanne teria

pago um bom dinheiro para assistir aquele programa. Se ela não estivesse tão ansiosa

que Shepherd iria arrancar a parede da lateral de sua toca e vir buscar de volta sua

companheira muito desequilibrada, ela provavelmente teria rido de quão perfeitamente

Claire o possuía. Ela libertou seus prisioneiros, ficou sozinha contra os Seguidores, até

ameaçou se matar e provavelmente teria feito isso... simplesmente para dar às Ômegas

mais tempo para seguirem com a segunda metade do plano.

Mas Claire sempre foi uma tola teimosa e sentimental.

Uma pequena idiota que estava agarrada a ela durante o sono com um rosto tão

cheio de tristeza que Maryanne quase não a reconheceu. Claire era dez tipos de

bagunça. Era mais do que arranhões e hematomas, ou o estado grosseiro de seus pés;

era algo em sua maquiagem. A fêmea Ômega parecia uma marionete sem algumas

cordas – nem um pouco a garota espirituosa que foi quando eram crianças. Uma

pequena parte de Maryanne queria perguntar o que havia acontecido. A parte maior e

mais razoável estava determinada a lavar as mãos desse problema o mais rápido

possível. O que quer que estivesse acontecendo entre Claire e Shepherd, o que quer que

tivesse levado Claire a provocar um homem de seu tamanho e letalidade, Maryanne

não queria ser arrastada para isso.

Contaminada, manipulada, traída e quebrada…


Bem, isso aconteceu com todo mundo. Aparentemente era apenas a vez de Claire.

Enfiando os dedos no cabelo desgrenhado e cheio de fuligem, Maryanne começou a

pentear os nós.

Claire chegou mais perto, um gemido preso em sua garganta. — Shepherd…

E essa foi a última razão pela qual Maryanne não seria capaz de mantê-la. Tudo

remontava àquele vínculo de casal. Claire poderia estar lutando contra isso, poderia ser

alimentada pela raiva e pela dor, mas eventualmente iria vacilar e quebrar. Era

inevitável, um laço de almas ou algo assim. Enquanto ela estivesse correndo solta,

Shepherd iria caçá-la, estaria fixado em uma violência, e Maryanne não seria pisoteada

quando nada mudaria o resultado. Ela não devia nada a Claire; na verdade, do jeito que

parecia agora, Claire devia a ela.

Maryanne fechou os olhos e amaldiçoou Shepherd até o inferno.

Quando acordou, não houve necessidade de tomar uma decisão complicada em

relação ao seu inquilino; Claire fez isso para ela. A pequena Ômega de cabelos pretos

havia sumido.

-*-*-*-*-*-*-

Foi estranho andar por Thólos.

Claire poderia muito bem estar caminhando pelo Apocalipse. Tudo o que ela viu

foi muito pior do que o pesadelo em que a matilha raivosa a perseguia pelas ruas. Nada
parecia vivo; nenhuma loja estava aberta, nenhum restaurante oferecia comida. Os

edifícios estavam em ruínas, com vidros quebrados e escombros espalhados. Até corpos

foram deixados nas ruas para congelar.

À medida que seu passeio continuava, o calor da cama de Maryanne se dissipou

como se Claire nunca tivesse conhecido o conforto. Ela vagou, confusa... desejando

poder deixar de ver tudo isso. Em menos de um ano, a cidade tornou-se um terreno

baldio, outro mundo que envenenou tudo o que tocou com geada, gelo e perdas.

O plano de Shepherd foi um sucesso. Thólos estava se destruindo e tudo o que o

homem precisava fazer era sentar e observar.

Uma lufada de ar deixou seus pulmões e Claire parou de andar. Encostada à

parede estava uma criança morta — azulada, congelada —, um garotinho de não mais

de nove anos.

Ajoelhando-se sobre o cadáver rígido, Claire estendeu a mão e afastou o cabelo

emaranhado, perguntando-se como Shepherd poderia pensar que a morte desta criança

iria satisfazer o seu plano. Que grande lição a sociedade aprenderia com uma vida

perdida da qual nenhuma alma se lembraria?

Caindo ao lado do garoto, imitando a postura do corpo, Claire tentou encontrar

uma razão para tudo isso. A tragédia em Thólos não era novidade; desde a ocupação,

crianças órfãs morriam o tempo todo.

Mais crianças ficavam órfãs todos os dias.


Esta era a nova norma.

E quem os acolhia? Para onde eles deveriam ir?

O povo falhou. Claire nem tinha certeza se poderia justificar, não depois de ver

isso. Inclinando a cabeça para o lado, ela apoiou o rosto no cabelo do menino morto e

olhou para frente. Não houve prazer em sua liberdade ou em sua visão do céu... nem

mesmo houve uma sensação de vitória por seu sucesso em libertar as Ômegas.

Mesmo na companhia de Maryanne ela apenas desempenhou o papel, falsificou a

emoção por instinto.

Fechando os olhos, soltou um suspiro, bagunçando o cabelo castanho e duro sob os

lábios. Não fazia mais sentido ser Claire; em vez disso, ela não seria nada, tão vazia

quanto Thólos se permitira tornar-se.

Foi o som de um soluço que a acordou, e por um momento ela pensou que fosse do

garoto com quem ela dormia. Acordando abruptamente, seus olhos turvos correram ao

redor e não encontraram nada – apenas o mesmo beco vazio e as mesmas pilhas de lixo

gelado. A única diferença de antes era a escuridão, algo a que seus olhos se

acostumaram rapidamente depois de tanto tempo no subsolo.

Alheia ao frio congelante, Claire se levantou, ignorando o estalo dos joelhos

rígidos. Seu travesseiro, o cadáver esquecido, estava tão rígido quanto antes, a criança

olhando para frente, para o mesmo futuro que o dela... para o nada.
Claire o reivindicou e, com mais força do que sentia, levantou o garoto nas costas,

mesmo que os membros do cadáver não fossem fáceis de controlar.

Nenhuma alma a perturbou enquanto ela caminhava com seu prêmio macabro

pelas ruas do inferno.

Capítulo 4
Corday olhou para as Ômegas recém-libertadas, observando silenciosamente

enquanto elas montavam um espaço para morar com pilhas de lixo. A Central de

Incineração de nível médio já não produzia composto para os níveis agrícolas – desde

que os cidadãos começaram a despejar o seu lixo nas ruas. Agora, montes de lama

apodrecida protegiam um enclave de mulheres assustadas. Cada respiração fedia a

comida podre, mofo e coisas que era melhor não serem descritas.

Uma coisa que não cheirava era a jovem Ômega ainda se contorcendo no estro, a

garota gemendo e implorando por alívio.

Corday reconhecidamente não era uma especialista em ciclos de calor Ômega, mas

o que quer que tivesse sido feito com ela, sua resposta aos soluços não poderia ter sido

normal.

Ele manteve distância. As outras Ômegas também lhe deram um lugar respeitoso,

o grupo se amontoou para se aquecer, mastigando as rações que ele havia fornecido.

Uma velha, Nona, bateu à sua porta. Foi Claire, disse ela, quem a orientou a

encontrá-lo. Foi Claire quem prometeu que a Resistência alimentaria e forneceria às

Ômegas libertadas.

Foi o nome Claire que o fez vir correndo.

Ele havia levado suprimentos sem a permissão de sua comandante. A Brigadeiro

Dane iria matá-lo, e ele iria dizer-lhe diretamente na cara para ir se foder. Ele não

decepcionaria Claire.
Quando chegou na noite anterior, as Ômegas foram... hostis. Elas estavam

imundos, fedendo tanto quanto o monte de lixo onde escolheram se abrigar.

Nona o avisou que as mulheres eram perigosas, que estavam armadas e poderiam

atirar em qualquer homem que visse. Ela até o avisou para não segui-la de volta depois

que ela conseguisse os suprimentos.

Corday não aceitou nada disso. Ele precisava ver Claire.

Mas Claire não estava lá. Mesmo horas depois de as mulheres terem se instalado, a

libertadora não mostrou o rosto. A noite se arrastou, a manhã chegou, a tarde, Corday

rígido por estar encostado em uma parede viscosa.

Claire foi capturada? O tirano a matou?

Nona gentilmente disse a ele que o plano de Claire exigia que ela chegasse por um

caminho diferente; que a mulher provavelmente estava esperando o anoitecer antes de

se mudar; que ela sempre foi excessivamente cautelosa quando estava longe da

segurança do grupo.

Corday zombou. A Claire que ele conhecia era imprudente. Ela também estava

gravemente ferida.

Repetidamente, Nona o lembrou que se Claire tivesse sido levada, os homens de

Shepherd já teriam vindo buscá-las.

Claire O'Donnell estava lá fora.


E então ele esperou além do ponto de exaustão, exasperação e medo total. A noite

caiu. A princípio, Corday pensou que seus olhos estavam pregando peças nele. Um

animal corcunda de duas cabeças cambaleou pela escura rampa de lixo da fábrica.

Olhos leitosos olhavam através dele; eles nunca piscaram – assim como a boca sob

aqueles olhos mortos se abriu em uma expressão fixa de desesperança.

Era o rosto de um cadáver.

Escondido abaixo dele estava um semblante muito mais querido, os olhos da

mulher que lutava estavam meio cobertos por uma cortina de emaranhados negros.

— Claire!

Corday correu em direção à Ômega e seu fardo, desvendando os membros

congelados de um cadáver que não queria libertar seu hospedeiro.

Claire não parecia feliz em vê-lo. Na verdade, ela não parecia nem um pouco ela

mesma. — Encontrei esse garoto sozinho em um beco, Corday... esquecido.

Assim que a criança morta estava deitada em segurança no chão, Corday puxou-a

contra o peito. O calor de seu rosto contra o dela, a barba por fazer arranhando, ele

respirou: — Nona veio atrás de mim. Eu sei o que você fez.

Depois das atrocidades que Claire viu na cidade, o ataque ao Undercroft...

enfrentando Shepherd, parecia ter acontecido em outra vida. — A cidade se tornou um

lugar horrível. Eu vi coisas... O que está acontecendo conosco?


A conversa existencial sobre a condição humana poderia acontecer mais tarde.

Puxando-a para o fogo das Ômegas, Corday insistiu: — Você está congelando, Claire.

Sente-se.

Nona correu ao ver a amiga pela primeira vez, a mulher mais velha se jogando em

volta dela. — Sua mãe ficaria orgulhosa. Você sabe disso, minha menina?

Claire não queria elogios, ela só queria desabar.

Não houve timidez, Corday ignorou as mulheres que assistiam e puxou Claire para

baixo para descansar entre suas coxas. Braços e pernas envolveram o corpo trêmulo da

garota, ele encostou o peito nas costas dela e ronronou.

As Ômegas ficaram abertamente confusas com o estado de seu herói. Onde estava a

libertadora confiante que enfrentou um exército? Por que ela estava deixando um

macho Beta segurá-la em um abraço íntimo?

Por que ela não estava falando?

Nona alisou o cabelo da testa de Claire, observou sua jovem amiga fechar os olhos

e esperou até que a respiração de Claire se estabilizasse durante o sono. Só então ela

cheirou.

Cuidadosa para não acordar a amiga, Nona murmurou as palavras: — Ela cheira

grávida.

Corday assentiu e sussurrou: — Ela está.


Não deveria ter sido possível – não quando o último ciclo de Claire chegou no dia

em que ela entrou na Cidadela.

Pressionando a boca de lábios finos numa carranca, o coração de Nona se partiu. —

Shepherd fez isso com Claire. Isso é...

Corday a interrompeu. — Eu sei. — Ele apertou ainda mais. — Mas ela não estará

sozinha.

A severidade de Nona diminuiu, ela até sorriu para o menino. — Você se importa

com ela.

Corday fazia. — Jure para mim que não vai deixá-la ir embora quando eu partir.

Jure que vai mantê-la segura.

O inevitável era imparável. — Ela está grávida e unida, Corday. Mesmo que você

cuide dela constantemente, ela não poderá ficar por muito tempo.

Olhando nos olhos de Nona, Corday mastigava cada palavra. — Shepherd

danificou o vínculo do casal. Isso não tem importância agora.

Mais velha e sábia, Nona falou o mais gentilmente que pôde. — Isso não é

possível... o que ele machucou foi Claire.

— Então você vai deixá-la voltar para Shepherd? — Corday seria condenado

primeiro.

— Você não é uma Ômega. Você não pode entender a finalidade de um vínculo de

casal. — Nona começou a alisar o cabelo de Claire, olhando para a amiga com pena. —
A única maneira de Claire ser livre é com a morte de Shepherd ou a dela. Garanto que

ela sabe disso, não importa o que diga.

— Mas... — Corday escolheu a negação. — Claire me disse...

Sua amiga sempre teve um altruísmo equivocado. — Ela iria querer que você

tivesse fé. — Em voz baixa, Nona confessou: — Sei que não devo lhe dar falsas

esperanças. Mas saiba de uma coisa: enquanto estiver grávida, ela será preciosa para

Shepherd. Isso a deixa segura.

Corday puxou o lenço em volta do pescoço de Claire. Contusões desagradáveis

estavam à mostra. — Você chamaria isso de algo tratado como precioso?

Nona percebeu as marcas, com lágrimas nos olhos. As palavras eram difíceis. — É

mais do que apenas o vínculo do casal. Todos aqui sabem que ela está acasalada com

Shepherd. Eles não confiarão nela. Eles a expulsarão.

Corday olhou para o grupo de mulheres que lançava olhares furtivos em sua

direção. — Claire salvou suas vidas.

— Escute-me, garoto. — Nona insistiu, sussurrando fervorosamente. — Isso não

significa que todas as Ômegas nesta sala merecessem. Bastaria apenas uma para nos

derrubar novamente.

As Ômegas não aprenderam? — As mulheres que a denunciaram da última vez

foram enforcadas por Shepherd. Eu mesmo assisti às execuções.


— Você e eu sabemos que o medo leva as pessoas a fazerem coisas muito

estúpidas.

— Então ela vem para casa comigo.

Nona, com o rosto cheio de compaixão, concordou: — Talvez seja melhor.

Olhando para a mulher adormecida em seus braços, Corday sentiu-se abalado...

porque sabia o que havia de errado com seu plano. — Mas ela não vai ficar a menos que

eu a prenda.

Nona assentiu. — Acho que você está começando a entender. Continue

ronronando. Isso vai acalmar vocês dois.

-*-*-*-*-**-*-*-*-*-*

Peças de quebra-cabeça eram sua especialidade; Jules entendia a operação finita

que motivava as pessoas, ele perdia apenas para Shepherd nessa habilidade específica.

Ele também era a única pessoa que teve acesso a Claire nos últimos meses. Ele sabia

como ela cheirava, mesmo grávida. Ele conhecia a voz dela e imediatamente a

considerou uma chocadeira.

Ela foi quase doce em sua agenda equivocada, e Jules compreendeu exatamente o

que atraiu Shepherd com tanta força. Claire era um enigma, tudo embrulhado em uma

pequena reverência moral.


Claire era tudo o que Shepherd acreditava falsamente que Svana era.

Seu comandante nunca viveu entre a civilização Dome, não como Jules viveu antes

de ser preso. A criação de Shepherd no subsolo — sobrevivendo ao extremo da

sociedade de Undercroft — preparou o homem para prosperar em circunstâncias

extremas. Por mais brilhante que Shepherd fosse, sua falta de empatia ao lidar com

pessoas convencionais era óbvia. No entanto, ele era um líder incrível, atraía os homens

para o seu padrão, podia ver o mundo de uma forma que outros não conseguiam.

Ele libertou os excluídos... mesmo antes da violação.

Um homem havia afastado o pesadelo para o subsolo. Shepherd organizou uma

população selvagem; dado propósito aos escravos, esperança. No entanto, como todos

os prisioneiros, se Shepherd quisesse alguma coisa, ele ordenava; e Deus o ajude se você

o decepcionasse.

Shepherd permaneceu incapaz de entender as hesitações de Claire.

Mesmo com toda a agressividade do Alfa, não havia ninguém no mundo que Jules

admirasse mais. Seu respeito resistiu até mesmo à falha de seu superior – o universo de

Shepherd começava e terminava com Svana.

O fato dos dois Alfas serem amantes não era segredo. Até Jules testemunhou o

entusiasmo de Svana por Shepherd durante anos. Ele conhecia a história de como ela o

atraiu para o subsolo, se aproximou de Shepherd como se fosse um anjo com seus

códigos de acesso e comida rara. Na época, ambos eram jovens; talvez eles tivessem
seduzido um ao outro – duas criaturas selvagens e malvadas escravizadas pelo sistema.

Mas onde Shepherd nasceu no inferno, Svana veio do céu.

Ele praticamente adorou aos pés dela. Ele se tornou uma missão para ela; construiu

para ela um exército.

Ela afirmou ser especial, escolhida…

O pior de tudo é que era verdade. Tudo isso.

Ela possuía algo que nenhum dinheiro poderia comprar; uma linhagem valiosa.

Svana era a chave para a liberdade, para um novo mundo, para uma terra onde

ninguém os desprezaria por Da'rin – onde ninguém sibilaria a palavra “pária”. Com a

ajuda dela, todos seriam heróis, redentores, salvadores.

Todos eles renasceriam.

Svana não nasceu em Thólos Dome. Em vez disso, ela foi presenteada ao povo de

Thólos...

Nada disso era de conhecimento público, é claro. Muito poucos sabiam que Svana

tinha chegado num transporte há duas décadas como parte de um comércio Interdome

de fêmeas viáveis. Menos ainda sabiam quem realmente era aquela criança em farrapos.

Seus pais adotivos não sabiam; e pela investigação de Jules, mesmo o primeiro-ministro

Callas não tinha conhecimento de tal informação. O segredo pertencia a Shepherd e aos

seguidores escolhidos do homem que jurou conduzi-los à liberdade.


Svana era astuta sozinha; ela usou sua posição para desenvolver acesso a tudo...

segredos, dinheiro, favores - até mesmo o adolescente apaixonado Shepherd.

Era uma fantasia da qual ela havia superado. Shepherd, por outro lado,

desconhecia totalmente o fato de que sua amada havia seguido em frente. Ela sabia o

que estava fazendo, alimentando o respeito dele por ela, nutrindo sua devoção. Parecia

patético se você não tivesse visto o que os dois poderiam realizar juntos.

Isso Jules odiava. Ela era necessária para o plano. Shepherd, todos os Seguidores,

precisavam dela.

Mas ela também precisava deles. Sem o exército de Shepherd não havia forma de a

mulher recuperar o seu direito de primogenitura. Svana foi a única descendente

sobrevivente da família governante de Greth Dome; uma monarquia que foi deposta e

eliminada. Os insurgentes mataram os pais dela e pensaram tolamente em estender

misericórdia a uma menina considerada jovem demais para se lembrar.

Svana pode ter sido pequena quando sua vida sob o comando de Thólos começou,

mas ela foi treinada para corromper desde o nascimento. Mas, assim como seus pais, ela

se considerava irrepreensível.

O caso com o Premier Callas... Quer o Alfa admitisse ou não, Shepherd foi forçado

a encarar um vislumbre do que ela realmente era.

Em resposta, Shepherd agiu contra sua amada; ele pegou uma companheira

Ômega. Um fato que Jules sabia que Svana não ficaria satisfeita depois de descoberto.
Não foi essa a razão pela qual Shepherd manteve a Ômega obsessivamente escondida?

Nenhuma alma era permitida perto dela, e até mesmo Jules foi expulso por olhar

apenas uma vez... até recentemente.

O Beta não sabia o que havia levado Shepherd a tirar moedas de seu quarto por

dias; ele não perguntou. Em vez disso, ficou preso lidando com um governante irado

que possuía muito menos paciência, e uma Ômega grávida que parecia de coração

partido cada vez que ele trazia para ela outra das malditas bandejas.

Por razões desconhecidas, Shepherd reduziu Claire a uma posição de criadora, não

de companheira. Jules aceitou e cumpriu seu dever. Passou-se menos de uma semana

antes que o tenente abrisse a porta e encontrasse a Srta. O'Donnell no chão, alterada e

presa em uma sala com um odor que Jules havia sentido nos aposentos de seu líder

antes - o aroma apimentado da Alfa Svana. A Ômega que deveria estar aninhada estava

o mais longe possível da cama, então ainda parecia um cadáver. Foi a única razão pela

qual ele falou quando ela perguntou seu nome.

Olhando mais de perto, foi impossível para Jules não perceber o lábio cortado e a

descoloração no pescoço da Srta. O'Donnell. Ainda mais, ele reconheceu a expressão

nos olhos dela quando Shepherd se aproximou do lado de fora de Undercroft; cada

nuance de sua expressão Jules leu com precisão. A Ômega estava arrasada - não apenas

com medo - emocionalmente paralisada e claramente suicida, independentemente da

negação de Shepherd sobre o assunto.


E foi aí que o problema permaneceu. Jules presumiu que a suposição óbvia estava

correta. Shepherd havia acasalado com sua consorte de longa data... e ele estava ciente

de seu hábito de compartilhar Ômegas aquecidas.

Claire reagiu mal ao que quer que a visita da fêmea Alfa tenha inspirado.

A situação era irreparável no tempo previsto. A negação de Shepherd e a natureza

vingativa de Svana causaram o estrago. Se o que Jules suspeitava fosse verdade, a Srta.

O'Donnell agora tinha bons motivos para odiar o homem, além do medo inicial de sua

situação e da incompreensão de seus verdadeiros planos. Ainda mais, as atuais

exigências de Shepherd para que a Srta. O'Donnell fosse devolvida para retomar sua

posição como sua companheira tornaram a situação muito mais complicada.

Seria quase mais conveniente se a pequena Ômega simplesmente morresse, toda a

situação sendo nada além de problemática. Mas ela carregava o que seria o herdeiro de

Shepherd.

Claire era importante agora.

-*-*-*-*-*-*-*-*-*-
O chão era duro embaixo dela, o chão inflexível deixava seu quadril dolorido. Mas

havia o cheiro de segurança... um Beta bem conhecido. Eles estavam embrulhados

juntos, cobertos por seu casaco como um casulo.

Ela abriu um olho, encontrando Corday já a observando, sua expressão controlada

demais para ser lida.

Claire admitiu culpa. — Eu sabia que você ajudaria Nona se ela usasse meu nome.

Corday colocou os lábios na testa dela; ele a abraçou com mais força. — Ela me

contou o que você fez. Você apontou uma arma para sua cabeça, Claire.

Ela tinha feito isso... e estava com muito medo. — Eu fiz.

Ele poderia jogar o jogo beligerante tão bem quanto ela. Ainda segurando-a, ele

moveu o rosto até que seus narizes se tocassem. — Claire, por favor.

Claire olhou para o lado e distraidamente mordeu o lábio. — Não sinto muito por

libertar essas mulheres.

— Eu não quero que você fique! — Urgente, Corday sussurrou para que as espiãs

não ouvissem. — O que eu quero é que confie em mim. Você não precisa lutar sozinha.

Mas ela o fez... tanto Corday quanto o senador Kantor explicaram sua posição. —

Não vou atacar Shepherd ou seu exército de porcos. As Ômegas estão livres, está feito.

— Eu não acredito em você.

Ainda cansada, Claire suspirou. — Dou-lhe minha palavra de que não atacarei

Shepherd. Tal coisa seria inútil.


— Olhe para mim. — Insistiu Corday, com o rosto sombrio e determinado. — Jure.

Ela sustentou seu olhar. — Eu juro que não vou atacá-los.

O Beta parecia satisfeito. — Quanto tempo faz que você não come?

— Eu comi na sua casa.

Frustrado, ele a apertou. — Isso foi há três dias, e você vomitou depois.

— Eu tinha coisas mais importantes com que me preocupar do que comida.

— Claire, você não é sobre-humana.

Não. Ela nem sequer se sentia humana normal. Ela se sentia quase formada e

disforme. — Eu vou comer.

Uma contração curvou os lábios de Corday. — Bom. — Ele a sentou, esfregando

seu pescoço quando seus ossos quebraram. — E enquanto você está comendo, vou

perguntar que outros planos malucos planejou. Você não precisa esconder segredos de

mim, Claire. Deixe-me ajudá-la.

Eles tinham uma audiência; vários pares de olhos observando sua troca baixa e

murmurada. Corday foi saquear as caixas que trouxera. Com um pedaço de fruta fresca

e um pacote de suplemento rico em proteínas em mãos, ele voltou para ela.

Outros se aproximaram de Claire.

Alguns até cheiraram a Ômega de cabelos negros, recuando rapidamente como se

ela pudesse contaminá-los assim que o boato fosse confirmado.

Se Claire percebeu, ela não reagiu.


Corday percebeu que Nona estava certa. Não importa o que ela tivesse feito por

elas, Claire não seria tolerada pelo bando por muito tempo. — Venha para casa comigo,

Claire.

Claire olhou para o homem que lhe oferecia uma maçã como se ele tivesse

enlouquecido. — Eu não posso colocar você nessa posição. Não.

— Então virei aqui todos os dias até você mudar de ideia. —O Beta pegou seus

dedos frios e insistiu: — Quero cuidar de você. Quando você recuperar o juízo, vou

levá-la para casa.

Claire murmurou, olhando para o fogo: — Quando chegar a hora, estarei ansiosa

para voltar para casa.

Foi Nona quem ficou sentada em silêncio durante a conversa, quem tocou o braço

de Claire em compreensão.

Era hora de Corday partir. Claire se levantou, puxou-o para um abraço,

dispensando o homem enquanto brincava: — Da próxima vez que você visitar, traga

um café decente.

Ele riu.

De repente séria, ela agarrou o tecido do casaco dele. — E se você for tolo o

suficiente para ser pego, eu atacarei a Cidadela para tirá-lo de lá.

A risada de Corday desapareceu. — Isso não é engraçado.

— Eu não estava brincando.


Frustrado, passando a mão pelos cabelos, Corday argumentou: — Você libertou as

Ômegas. Você moveu montanhas. É hora de você descansar.

Claire concordou. — Nona não permitiria mais nada. Agora, saia daqui, Beta.

Meninos não são permitidos.

Corday não queria ir, mas deu-lhe espaço, jurando que voltaria.

Sem o Beta, Nona colocou o braço em volta da jovem amiga, a velha murmurando:

— Ele não entende.

A Ômega quebrada sussurrou: — Ele não precisa saber.

-*-*-*-*-*-*-*-*-*-

Havia apenas quatro na sala: Corday, a brigadeiro Dane, o senador Kantor e um

estranho.

— Há um novo membro que veio se juntar à Resistência. — A típica exaustão que

envelhecia o senador Kantor desde a queda do Domo desapareceu. O Alfa satisfeito

gesticulou para a bela mulher ao seu lado. — Fizemos contato com minha sobrinha...

Esta é Leslie Kantor.

Sorrindo suavemente com o alívio sincero de seu tio, a morena fêmea Alfa estendeu

a mão em uma apresentação formal. — É um prazer conhecê-lo, Corday.


Houve um brilho nos olhos do homem mais velho, uma faísca há muito perdida

retornando quando Corday sorriu e pegou a mão dela. — É raro recebermos boas

notícias. Bem-vinda.

Pequena em suas camadas, agasalhada, Leslie ofereceu: — E espero ter mais para

apoiá-lo. Antes da invasão de Shepherd, o primeiro-ministro Callas era meu noivo.

Nossas circunstâncias ainda não tinham sido anunciadas. — Ela acenou com a mão

irreverente. — Essas coisas têm que passar pelos canais apropriados, ser aprovadas pelo

Senado, e assim por diante. Nesse ínterim, Callas providenciou para que eu tivesse

acesso a tudo... Como foi feito em segredo, os homens de Shepherd não sabem que

posso me infiltrar sua rede de comunicações.

A boca de Corday ficou boquiaberta. — Puta merda...

— Sim, filho. — O senador Kantor riu. — Puta merda.

Isto mudou tudo, deu à Resistência uma oportunidade real. — Você sabe onde ele

escondeu o Contágio?

Leslie balançou a cabeça. — Não. A língua em que eles se comunicam é difícil de

entender. Mas isso não significa que não possamos decifrá-la. Só preciso de tempo.

Mas isso ainda foi um grande progresso. O sigilo do encontro começou a fazer

sentido, ninguém poderia saber o segredo de Leslie Kantor. Ela teria que ser escondida,

a informação restrita. Corday disse isso. — Ninguém pode saber sobre ela. Se Shepherd

soubesse, seria fácil revogar seu acesso.


— Concordo. — O Senador Kantor tinha as próximas ordens de Corday. — Se a

mantivéssemos aqui, muitas pessoas a veriam. Não podemos permitir que sejam

levantadas questões. Estou confiando minha sobrinha a você, Corday.

A honra concedida ao Executor de baixa classificação veio em um momento muito

ruim, porém não havia como recusar uma missão tão importante. Claire precisava dele,

mas toda a população precisava da informação que Leslie pudesse descobrir. Corday

compartilhou suas novidades. — Você deveria saber, senhor, as Ômegas foram

libertadas. Hoje conquistamos duas vitórias contra Shepherd.

O senador sorriu genuinamente. — Eu te disse que minha aposta era em Claire.

— Você fez.

E foi isso.

-*-*-*-*-*-*-*-

Jules franziu a testa, algo raro, e ouviu a vigilância por áudio do patético quartel-

general da Resistência de Thólos. A caçada por Claire foi interrompida quando chegou

a notícia de que uma certa fêmea Alfa havia se apresentado na porta da Resistência.

Svana – Leslie Kantor – teve um papel diferente a desempenhar na queda de

Thólos. Ela tinha uma missão específica que não tinha nada a ver com bancar a rebelde.
E se ela sempre soube onde eles estavam, por que não passar essa informação para

Shepherd?

Jules sabia exatamente o que a vadia estava fazendo.

Svana estava caçando Claire. É claro que ela saberia que o Ômega havia escapado.

Foi a razão pela qual ele seguiu a fêmea Alfa desde que a companheira de Shepherd

desapareceu.

E agora ela os levaria direto para a Resistência.

A mulher foi realmente tola ao pensar que esse ato passaria despercebido.

Shepherd poderia ter elogiado sua amada, mas Jules não achou sua astúcia inteligente.

Ah, ela era útil e poderosa, e só por essa razão, Jules não havia arquitetado um acidente

para ela anos atrás.

Mas ela era um problema.

Não importa o plano ou as promessas, a mulher era egoísta.

Jules não confiava nela e estava ansioso para provar que ela precisava ser

controlada. Foi por isso que ele escolheu segui-los, para fazer uma visita preventiva ao

domicílio listado de um tal Executor Corday.

Não foi difícil invadir o prédio. Bastou a aquisição de um rebelde aterrorizado e

alguns minutos de tortura para descobrir a localização da casa do Executor Corday, e

algumas distrações bem posicionadas para o duvidoso casal que atravessava a cidade.
Enquanto o Executor e Svana ainda vagavam pelas perigosas ruas da cidade, Jules abriu

a porta do triste apartamento.

Aquela primeira lufada de ar… e o Beta congelou. O quarto estava saturado com o

cheiro da Srta. O'Donnell — o sofá, a cama, ele até encontrou o vestido ensanguentado

dela enfiado no cesto do banheiro.

Svana não poderia ter pretendido isso, mas ela entregou Jules diretamente ao Beta

que acolheu a companheira de Shepherd.

Mesmo que a Ômega não estivesse no domicílio, o Executor Corday tinha acesso a

ela. A recuperação da senhorita O'Donnell era iminente.

Bugs foram colocados, a equipe de vigilância escolhida a dedo pelo segundo em

comando de Shepherd, situado nas proximidades. O trabalho seria feito rapidamente.

Restava apenas reportar-se pessoalmente a Shepherd e explicar a complicada situação.

Capítulo 5

Entrando na toca de Shepherd, Jules sentiu o cheiro da extrema agitação de seu

comandante. — Eu descobri o rastro de sua companheira.

A exigência de Shepherd por uma resposta foi imediata. — Onde?


O Beta detalhou seu relatório, entregando a Shepherd um dossiê sobre um jovem

homem. — Desde o desaparecimento da senhorita O'Donnell, por precaução, mandei

seguir Svana. Hoje, Leslie Kantor escolheu entrar em contato com a Resistência -

inadvertidamente ela nos levou direto à porta deles. Enquanto ela estava lá, um Beta

chamado Executor Samuel Corday foi encarregado de sua proteção. Eu pessoalmente

fui à residência do Beta para grampear o local antes que ele pudesse retornar com Svana

como sua pupila.

— A senhorita O'Donnell não estava no local. Seu cheiro, no entanto, permeia a

residência. Também encontrei o vestido rasgado que ela usava quando pulou do

telhado. O Executor Corday é o Beta com quem ela encontrou refúgio antes de seu

ataque a Undercroft; acredito que ele sabe onde ela está. Ao rastreá-lo através da grade,

ele nos levará direto a sua Ômega.

Olhando por cima da fotografia do homem bonito, Shepherd deixou o peso de seu

olhar percorrer seu segundo em comando. — Você pode confirmar que Svana abordou

os líderes rebeldes por conta própria?

— Sim. — E essa era a questão maior, na opinião de Jules. — A sobrinha do

senador Kantor ofereceu seus códigos para ajudar a Resistência.

A postura rígida dos ombros de Shepherd, a pulsação do perigo no ar, avisaram-no

que o Alfa não estava satisfeito com a notícia. — Ela fez?


— Svana está agindo de forma autônoma para seus próprios propósitos. — Jules,

com o queixo erguido, ignorou a rejeição silenciosa do seu líder aos delitos infundados

de Svana e resumiu o restante do relatório. — Ela terá reconhecido o cheiro de Claire no

momento em que entrou na residência do Executor Corday.

— Isso não importa. Claire será recuperada imediatamente. — Shepherd sempre

sabia quando Jules tinha algo mais que queria dizer, era pela astúcia de seu olhar

endurecido e pelas linhas desconfortáveis ao redor de sua boca. De pé, com os braços

enormes cruzados sobre o peito, a postura de Shepherd deixava claro que era melhor

que seu subordinado fosse direto ao ponto. — Fale.

Jules explicou no mesmo tom monótono e constante que demonstrava sinceridade

aguda. — Além da ameaça de Svana, Claire O'Donnell está disposta a se matar, irmão.

De fome... uma bala na cabeça... ela encontrará um jeito se quiser.

O único passo mais perto colocou Shepherd à distância para decapitar Jules com

pouco mais que um movimento do pulso. Com os olhos arregalados, Shepherd

ameaçou: — Você pretende me dizer o que ela fará ou não? Você presume muito

ultimamente. Tenho certeza de que fui claro antes.

O Beta era leal; era seu dever falar. — Você é responsável pelo estado atual de

Claire O'Donnell. Sua infidelidade aberta alterou o que você criou quando escolheu

formar um vínculo de casal. Esse tipo de ódio não desaparecerá simplesmente porque

você a arrastou de volta.


A fera emergiu. Um braço cheio de músculos o atingiu, jogando o homem menor

contra a parede. Segurando Jules pela garganta, Shepherd rugiu: — Você não sabe do

que fala!

Ofegante, com as botas bem acima do chão, Jules grunhiu apesar do aperto do

gigante: — Você permitiu que Svana o manipulasse para desonrar sua companheira

grávida. Você é responsável pelo que a quebrou e deve reconhecer as consequências do

que sancionou. Eu não posso devolvê-la como ela era.

Jules foi atirado para o outro lado da sala. Antes que ele pudesse quebrar os ossos

do homem, os punhos do gigante rugidor atacaram a parede. Enormes pedaços de

concreto se quebraram, os nós dos dedos rasgaram e o sangue jorrou, mas a explosão de

Shepherd não exerceu tanta raiva.

Quando o provocado e ofegante monstro se virou para encarar o Beta, com os olhos

cheios de assassinato, ele encontrou Jules de pé, leal e imóvel como sempre. Shepherd

cutucou Jules com força no peito. — Eu deveria matar você.

Antes de responder, Jules enxugou um fio de sangue da boca. — Por falar a

verdade, irmão?

Shepherd revirou os ombros, rosnando em defesa. — Eu fiz o que tinha que ser

feito e mandei minha companheira sair da sala para que ela não tivesse que assistir

enquanto eu pacificava Svana.


O Beta descreveu os fatos. — Ao escolher pacificar sua ex-amante, você destruiu

qualquer potencial para a senhorita O'Donnell ser sua companheira do jeito que você

parece desejar que ela seja.

— E você acha que, dado o fato de já ter tido uma esposa Ômega, sua opinião tem

valor? — O rosto de Shepherd estava vermelho, seu pulso trovejando na protuberância

de seu pescoço.

Jules ofereceu uma alternativa. — A única maneira de você ganhar influência sobre

o Ômega é dar a ela o que ela quer.

Um minuto se passou, um minuto em que Shepherd teve que lutar contra todos os

instintos que lhe diziam para esmagar o Beta por interrogá-lo. — Explique.

— O perfil dela é o de uma mártir. Se você se oferecer para deixar as Ômegas e seus

aliados em paz, você terá uma moeda de troca - influência sobre a Srta. O'Donnell que

pode exercer para obter conformidade e o comportamento que preferir. Se abordado

corretamente, espero que ela concorde em retornar por vontade própria em troca da

vida dos outros. O suicídio não será mais um problema, dando-lhe tempo para

progredir na gravidez, o que pode amenizar o ódio dela por você.

Shepherd detestava o que estava ouvindo, mas havia sabedoria nas palavras de seu

auxiliar. — Há mais?

Pela primeira vez, entonação, amargura, flexionaram o discurso de Jules. — Eu não

tive apenas uma esposa. Também tive dois filhos.


Houve uma pitada de remorso na retirada de Shepherd. Ignorando os nós dos

dedos sangrando, o Alfa vestiu o casaco e saiu da sala. — Eu liderarei pessoalmente a

vigilância do Beta.

Jules comunicou pelo rádio um subordinado para limpar a bagunça e consertar a

parede, como sempre, três passos à frente.

-*-*-*-*-*-*-*-

Conforme ordenado, Corday acompanhou Leslie Kantor até seu apartamento. A

jornada não foi simples. Na verdade, parecia que cada calçada que eles tentaram

percorrer continha alguma obstrução ou presença de Seguidor que exigia que a dupla

escolhesse outro caminho.

Demorou horas voltando apenas para dar alguns passos à frente. Não ajudou o fato

de Leslie Kantor não ter ideia de como se defender sozinha. A mulher, embora

encantadora, não tinha nada a ver com as ruas.

Corday mal podia acreditar que tivesse sobrevivido tanto tempo.

Ele não expressou sua opinião, mas ela podia senti-la. Quando eles finalmente

estavam seguros em seu apartamento, ela admitiu: — Estou protegida desde a queda da

cidade. A casa da minha família abriga um quarto de pânico secreto que foi abastecido

com comida e água suficientes para que eu não tivesse necessidade de sair.
Se ao menos todos tivessem tido tal luxo. Avaliando a mulher, Corday perguntou:

— Você ficou sozinha em seu bunker?

Com os olhos baixos, Leslie assentiu.

— Isso deve ter sido difícil.

— Eu não sabia que meu pai tinha sido enforcado fora da Cidadela. Não sabia que

minha mãe tinha sido enforcada ao lado dele.— Lágrimas caíram livremente por suas

bochechas altas. — Nunca vou me perdoar por não tentar encontrá-los... deveria ter

procurado meu tio antes.

Conduzindo-a até seu sofá gasto para que a mulher que chorava se recompusesse,

Corday disse: — Seus pais gostariam que você ficasse segura.

Esfregando os olhos, Leslie suspirou. — Farei tudo o que puder para ajudar a

Resistência. Shepherd deve ser detido.

Um sorriso foi oferecido em concordância. — E vamos detê-lo, mas não podemos

fazer nada até descobrirmos a localização do Contágio. Essa deve ser a sua prioridade.

— Eu farei o meu melhor.

— Podemos começar esta noite.

— Claro. Deixe-me limpar primeiro. — Leslie olhou para o casaco fino que tinha

ficado sujo com a travessia, para o cachecol, para as luvas, e começou a tirar as camadas.

— O cheiro de sua companheira me leva a acreditar que você terá algumas roupas

limpas que possa emprestar.


Corday levantou-se e foi até a cozinha. — Eu não tenho uma companheira.

Leslie sorriu, coquete e feminina. — Eu apenas presumi... O cheiro de Ômega está

em seu casaco... e nesta sala. Mas posso ver que é um assunto delicado. Esqueça que eu

disse alguma coisa.

— Não, está tudo bem. — Reunindo comida para que pudessem comer e ir direto

para o trabalho, Corday disse: — Claire só dorme aqui às vezes.

Leslie mordeu o lábio, os olhos brilhando. — E ela dorme com o seu casaco?

O encanto funcionou, Corday achou graça. — E às vezes no meu casaco, sim.

— Eu considerei você um carinhoso. — Leslie esticou o braço no encosto do sofá,

olhando por cima do ombro e brincando como se fossem amigas. — Ela é uma mulher

de sorte por ter a atenção de um homem que luta pelo que ama.

Com um sorriso indiferente, Corday balançou a cabeça. — Não é assim. Ela não

poderia, mesmo se quisesse... ou mesmo se eu quisesse. Minha amiga está ligada a um

estranho, alguém que a maltratava. Qualquer tipo de relacionamento físico está fora de

questão por enquanto.

— Par ligado? — A mulher ficou inexpressiva, o cálculo frio deslizando para sua

expressão. — Isso é impensável.

Corday deu de ombros, desculpando-se. — Então você vê; não é o que você

imagina.
Leslie balançou a cabeça, contemplando algo monumental. — Não pode ser que

este estranho tenha se unido a ela.

Corday trouxe as rações e sentou-se ao lado do convidado. — Eu gostaria que não

fosse. Ela é uma garota maravilhosa de quem gosto muito... embora ela seja tão irritante

quanto doce.

O sorriso de Leslie voltou, sua postura mais uma vez brincalhona. — Como ela é,

sua Ômega?

Corday deu uma risada pequena e cáustica. — Teimosa; determinada a ser uma

Resistência de uma só mulher.

Dando tapinhas em sua coxa, Leslie avisou: — Uma mulher não pode ficar sozinha

contra o poder de Shepherd.

— Odeio admitir, mas ela se saiu muito bem até agora. Ela realizou mais do que

nós.

Leslie aproximou-se, fascinada. — Como ela enfrentou Shepherd?

Havia pouco que Corday pudesse dizer. — Simplesmente sendo Claire.

A beleza ao seu lado estava insatisfeita. — Seja cauteloso com ela, Corday. Não se

permita alimentar sentimentos. Se ela estiver unida, como você diz, então ela nunca

poderia se comprometer com você.

— Sim, bem... ela também não está exatamente comprometida com seu

companheiro. Ele tornou isso bastante fácil ao permitir que alguma mulher psicopata
perturbasse o vínculo do casal. — Corday zombou da ironia. — Bem, agora parece que

ele acordou a fera. O monstro Alfa e sua amante desencadearam uma tempestade.

A voz de Leslie ficou mais baixa. — O que você está falando?

— Claire libertou as prisioneiras Ômega de Shepherd de Undercroft há duas noites.

— Corday sorriu, orgulhoso até os ossos. — Estou começando a achar que o bastardo

não tem chance.

— E a mulher? Amante de Shepherd?

Corday lançou um olhar para seu convidado, franzindo a testa profundamente. —

Eu não disse que era Shepherd.

Leslie piscou, a imagem da ingenuidade. — Não com tantas palavras...

— Tudo o que sei é que a mulher se comportou como uma agressora sexual

comum. — Alcançando sua COMscreen, Corday cerrou os dentes e rosnou. — Parece-

me que Shepherd e a cadela Alfa são uma combinação perfeita - ou talvez o inferno seja

mais apropriado.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

Mesmo com a gola aberta da jaqueta de couro que Claire havia roubado de

Maryanne, era como se o frio a cortasse constantemente.

Frio era a única coisa que ela conseguia sentir.


As Ômegas estavam começando a se mexer, o som arrastado dos movimentos

acalmava. Claire ficou feliz em observar o grupo se adaptando à liberdade, mesmo que

fosse em um lixão fedorento, mesmo que ela não fosse uma parte bem-vinda disso. As

mulheres mantiveram uma distância verbal respeitosa, fizeram poucas perguntas e

foram tão reconfortantes quanto puderam.

Isso não impediu os olhares perturbados, no entanto. Para eles, ela estava

contaminada.

E não poderiam estar mais corretos.

Não era surpreendente que a cautela viesse do conhecimento de que ela havia sido

reivindicada pelo maior monstro de todos.

Havia apenas uma ali que ficava ao lado de Claire.

— Eles descobriram quem você realmente é, Nona?

A velha franziu a testa. — Acho que não. Mesmo que tivessem, tinham pouco

interesse em mim. Os interrogatórios eram apenas sobre você.

— Isso parece bastante inútil. — Pelo que parece, os Seguidores compilaram um

arquivo repleto de informações aleatórias e imprecisas. A maioria dessas mulheres mal

a conhecia e provavelmente teria dito qualquer coisa que achasse que Shepherd queria

ouvir. Olhando fixamente para o fogo, Claire murmurou: — Você precisa ter certeza de

que Corday não descubra.


— Não é exatamente como se ele pudesse me colocar na prisão, querida. — A

mulher sussurrou, puxando Claire para descansar a cabeça em seu colo.

— Mas quando a cidade estiver livre...

— Temos outras coisas com que nos preocupar agora.

Clara suspirou. — Eu me pergunto o que aconteceu com as outras, as Ômegas que

estavam ligados? — Elas ficavam trancados no subsolo como ela estava? Estavam

assustados? — Nunca vi mais ninguém. Não sei onde estão. Não posso ajudá-las.

— Shepherd me disse que todos haviam se acomodado em seu novo lugar. Você

era a única com dificuldades. — Era um assunto que perturbava Nona tanto quanto

perturbava Claire. — Você sabia que ele veio falar comigo há pouco mais de uma

semana? Seu companheiro alegou que você estava retraída e exigiu que eu lhe dissesse

como acabar com sua depressão.

Ao ouvir tal coisa, Claire ficou verde, dobrando-se para vomitar. Esse foi o fim de

qualquer menção a Shepherd.

Nona estava um pouco confortável, mas Claire se sentia à deriva – isolada até

mesmo na companhia de sua espécie. Isso a levou a se levantar, a limpar a boca e a

deixar o santuário das Ômegas sem dizer mais nada.

Embora fosse óbvio que ela queria, a velha não fez nada para impedi-la.

Assim como nos últimos dois dias, do amanhecer ao anoitecer, Claire vagou por

Thólos como um fantasma.


Suas ausências quase não eram comentadas, mas Nona estava sempre lá com uma

porção de comida que ela pressionava para que Claire comesse. Depois que sua amiga

de cabelos escuros se aquecia perto do fogo, ela falava bobagens; faria Claire se

comunicar, até que a exausta Ômega se esquecesse de continuar respondendo.

Por duas noites seguidas, Corday não conseguiu retornar.

Se Claire percebeu, se ficou aliviada ou triste, ela não disse nada.

Nona nem tinha certeza se sua amiga tinha noção da passagem do tempo.

Claire estava muito além de si mesma, muito desapegada. Mas quando ela

caminhava, a cidade parecia se abrir para ela – todos os caminhos levavam a alguma

nova paisagem terrível. Os edifícios estavam vazios porque os mortos estavam

empilhados na rua. Marcas de violência estavam por toda parte, bandos itinerantes de

saqueadores ainda saqueando como se houvesse um tesouro a ser encontrado na

decadência.

Essa era a realidade – realidade exposta.

Meio consciente, Claire quase descobriu que sua perambulação a levara direto para

a Cidadela.

As manchas pretas de Seguidores à distância a tiraram de seu estupor. Ela recuou

com tanta velocidade que escorregou em um pedaço de gelo invisível. Com o coração

na garganta, Claire caiu na sarjeta, correndo cegamente até ziguezaguear pela primeira

porta aberta em seu caminho.


Demorou quase uma hora para sair do pânico, olhar ao redor para os destroços da

casa de um estranho e reconhecer por que cada corrente de ar gelado enchia a sala com

sussurros.

Era papel curvando-se ao vento. Prateleiras derrubadas, livros caídos espalhados

pelo chão.

Sob sua mão estavam as palavras:

Quem não conhece os males da guerra não pode apreciar os seus benefícios.

Enojada, Claire fechou o livro gasto e encontrou A Arte da Guerra, de Sun Tzu.

Ela teve vontade de jogá-lo, de rasgar até a última página da lombada, mas em vez

disso seus olhos foram atraídos de volta para as páginas com orelhas. Esparramada

sobre uma pilha de coisas saqueadas de alguma alma morta, ela leu até ficar escuro

demais para continuar. Então dormiu, passando mais uma noite livre de Shepherd,

completamente perdida e quebrada por dentro.

Quando a manhã chegou e ela acordou rígida, Claire levantou-se de sua toca

improvisada e saiu pela porta como se nunca tivesse estado lá. Só quando voltou ao

refúgio das Ômegas é que ela percebeu que seus dedos ainda seguravam a obra-prima

de Sun Tzu a ponto de ficarem brancos.

Ela estava olhando para aquilo como se lhe devesse uma explicação por estar ali.

Nona se aproximou para ver. — O que é isso?


Com os olhos no livro, a criança abandonada de olhos verdes murmurou: — Sun

Tzu disse para parecer fraca quando você é forte, e forte quando você está fraca. —

Claire começou a tirar as roupas. — Vá buscar o COMscreen. Preciso que você me faça

parecer forte.

-*-*-*-*-*-*-

Em um prédio em frente ao apartamento genérico em que o Executor Corday

morava, estava um Alfa fervendo - um Alfa prestes a explodir. Shepherd se orgulhava

de sua firmeza, foco e dedicação ao propósito, mas naquele momento, depois de

bombardeios, acusações e indignidades, ele não estava no seu melhor. Onde o vínculo

do par se conectou, Shepherd sentiu uma pulsação estranha. A força que queimou e

roubou seu foco condenou sua raiva. A sensação denunciou suas ações com frequência

nos últimos meses, trazendo consigo um grande desconforto. Foi um desconforto que

ele suportou, sabendo que o resultado final tornava necessárias ações às vezes

repreensíveis para sua companheira.

Ele podia tolerar a dor do vínculo assim como tolerava a dor de uma infecção tão

extensa por Da'rin. Tolerar ser desafiado por um subordinado, mesmo que fosse um

homem que ele respeitasse, não era tão fácil.


Ninguém o questionava. Ele governou Undercroft, derrubou o governo repugnante

do Domo e controlou toda uma população fantoche. Seus Seguidores reconheceram e se

curvaram a tal grandeza, e nenhum Beta insignificante tinha o direito de ditar o que era

melhor... como se quisesse compartilhar sabedoria... como se dissesse que o que ele

exigia era impossível!

As insinuações de Jules se repetiam nos pensamentos de Shepherd, o Alfa

dissecando cada palavra, encontrando as falhas no argumento do outro homem...

determinado a provar que estava certo e que Jules estava enganado.

Shepherd teria sua Claire em seus termos. Tudo seria como a natureza pretendia,

dane-se a ideia de Jules sobre as consequências.

Mas havia uma mensagem mais profunda entre as palavras, uma lista astuta de

alegações pelas quais Jules teria que ser corrigido.

'Infidelidade...'

'Você permitiu que Svana o manipulasse para desonrar sua companheira

grávida…'

Tudo isto implicava uma violação do código; castigo. Jules inferiu que Shepherd

era corruptível e que Svana mexia os pauzinhos. A ousadia de seu segundo em

comando era indescritível.

Mesmo ciente de sua ira latente, o Beta de olhos azuis permaneceu vigilante ao seu

lado.
Reprimindo a raiva amarga, não querendo ser visto como menos do que

perfeitamente calmo, Shepherd continuou sua vigilância e manteve seus rosnados ao

mínimo. Jules seria punido por seu fracasso assim que Claire voltasse. Como Alfa – o

criador do vínculo – Shepherd provaria ao Beta menor que sua Ômega cairia sem

negociação ou suborno inúteis. Essa era a ordem natural das coisas.

Claire seria encontrada e se submeteria. Com o tempo, ela o amaria.

Mas o vínculo sussurrou que ela queria morrer, que ela encontraria um caminho

em breve. E essa possibilidade era a pequena semente de mostarda da dúvida que

quebrava sua obstinação.

Em retrospectiva, Shepherd reconheceu que deveria tê-la mimado depois do acesso

de raiva de Claire semanas atrás. Mas ele queria que sua companheira visse por que ela

sofreu o colapso. Ela tinha que admitir que o desejava, responder à sua presença, que as

coisas tinham melhorado. Shepherd lhe deu espaço para considerar uma visão tão

importante – deixou-a sentir a perda do companheiro que ela precisava – para que ela

soubesse sem questionar quais eram seus sentimentos verdadeiros e naturais.

Então ela se comportaria e o adoraria.

Até mesmo Shepherd teve que admitir que sua tentativa de condicionar, sua

rejeição à presença dela, deve ter feito seu acasalamento com Svana parecer deliberado

– outro castigo.
Os sentimentos dentro de Claire, uma vez que começou, a degradação, não poderia

ter sido pior.

A melhoria não veio com o tempo. Sua terrível desolação não diminuiu com a

liberdade ou o sucesso; Shepherd podia senti-lo fluindo dela como um veneno

borbulhante sem fim. Claire já havia passado do ponto do desespero. Foi algo que ele

testemunhou inúmeras vezes em Undercroft: uma cessação do espírito. Mas a Ômega

havia falado; seus olhos estavam cheios de fogo quando ela o enfrentou nas ruas, uma

melhoria marcante em relação à figura vazia que subsistia de ar em seu covil.

E foi o Beta sorrindo para Svana que a despertou. Corday foi para onde Claire

correu, sua comida ela aceitou. Ele era o homem que Claire preferia a ele.

Shepherd deliberou sobre tal ultraje, frustrado ainda mais ao ver Svana bancando a

bela dama - tocando Corday, cortejando-o gentilmente, ao mesmo tempo em que

procurava informações de maneira menos sutil.

Que jogo Svana estava jogando?

Svana tinha muitos pontos fortes, mas a fêmea Alfa tinha uma tendência a perder

as minúcias. Foi por essa razão que Shepherd tinha certeza de que ela não tinha ideia de

que ele estava observando, que o apartamento do Executor já havia sido grampeado...

que os Seguidores estavam ouvindo sua pretensa rainha.

À medida que a conversa entre Corday e Svana continuava, era impossível não

perceber a rigidez de seu segundo em comando. Jules achava tudo aquilo desagradável.
Svana não tinha motivos para se envolver, para distrair. Seu único dever era

manter o Contágio escondido e liberá-lo assim que o êxodo começasse. Se ela fosse

capturada ou morta nesta manobra, o final da sua grande insurreição, da sua grande

vingança, fracassaria.

Pior ainda, a cada minuto que Corday ficava preso cuidando de Leslie Kantor, ele

não lhes informava a localização de Claire.

Sua interferência foi uma decepção.

O descontentamento inicial de Svana por manter uma companheira foi abordado,

tratado e resolvido. Shepherd pagou o preço por Claire – um preço muito mais alto do

que ele esperava – arruinando a crescente afeição da Ômega. Ele até fodeu Svana na

mesma cama que dividia com Claire, observando a fêmea Alfa ficar excitada com o

cheiro de sua companheira, algo que Shepherd odiava permitir.

Sem fôlego, Svana afirmou que seu acasalamento foi o mais glorioso até então,

satisfeita quando o orgasmo de Shepherd foi finalmente alcançado. Como sempre, ele

garantiu que seu nó permanecesse do lado de fora da boceta dela; Svana não estava

disposta a permitir que eles fossem ligados a uma posição que os deixasse vulneráveis –

uma regra sexual de longa data entre eles.

Grunhindo enquanto jorrava, ele ofereceu a resposta que a mulher procurava: —

Gloriosa, de fato, amada.


Shepherd saiu e deitou-se ao lado dela enquanto ela acariciava seu peito largo.

Com uma voz sedosa, Svana ronronou sua absolvição: — Eu te perdoo.

As palavras pareciam injustas. A própria Svana não fornicara e tentava atrair seu

corpo Alfa para uma gravidez altamente improvável com seu inimigo? Não eram as

suas próprias palavras a idealização de que o amor deles estava além da carne... uma

coisa de espírito e destino?

Shepherd a fodeu mais duas vezes, uma vez quase imediatamente, simplesmente

para evitar que Svana falasse sobre o assunto, e novamente para garantir que a

esgotasse. Não houve mais conversa de travesseiro. No final, não houve nenhuma

exigência sobre Claire. Como se a Ômega escondida não tivesse importância, Svana

simplesmente se vestiu e saiu. Tudo o que restou foi o perfume feminino Alfa saturando

o ar de sua toca, misturando-se estranhamente com o cheiro mais doce de Ômega.

Não, não foi só isso que restou. A Ômega que apenas alguns dias antes começara a

responder, que pela primeira vez estava ansiosa para finalmente estar perto dele, estava

caída no chão do banheiro – tudo entre eles deixado em destroços – todo o seu esforço

desmantelado e arruinado.

Ele não tinha visto Svana desde então e agora era forçado a ouvir suas sutis

manipulações enquanto ela se sentava ao lado da odiada Beta.

— Acabei de presumir... que o cheiro de Ômega está no seu casaco.


Shepherd rosnou tão violentamente com a presunção que Jules ordenou que os

outros Seguidores saíssem da sala.

Não é assim. Ela não poderia, mesmo se quisesse... ou mesmo se eu quisesse.

Shepherd agarrou a mesa, a madeira começando a ceder.

Claire queria ter relações sexuais com aquele homem?

Minha amiga estava ligada a um estranho, alguém que a maltratava. Qualquer tipo de

relacionamento físico está fora de questão por enquanto.

E se não pudesse piorar, como num passe de mágica, piorou. A reação de Svana às

palavras de Corday foi autêntica. Shepherd viu seu rosto através do feed, a beleza de

sua exótica estrutura óssea perdeu a máscara de Leslie Kantor. Svana se mostrou.

Em par? Isso é impensável.

Esse desgosto era genuíno.

Indignado, Shepherd foi forçado a concluir que Svana acreditava que ele mantinha

uma mulher trancada a sete chaves em seus aposentos que não era sua posse legítima.

O estupro estava abaixo dele, como Svana bem sabia, considerando a triste história de

sua mãe, e Shepherd nunca quebrou seu código, nunca!

Vibrando com total indignação, Shepherd sentiu a energia aumentar, atingir o

auge, anos de raiva ameaçando vazar como um uivo baixo e interminável de raiva.

Apenas uma coisa interrompeu a explosão, uma frase que o levou além da explosão e

direto ao choque estagnado.


O pouco que sei é que a mulher se comportou como uma agressora sexual comum.

O sangue latejava em seu crânio. Essa era a interpretação de Claire sobre Svana?

Dele? Ela o chamou de estuprador uma vez, e ele a levou quando ela estava relutante...

mas ela era sua companheira. Claire ficou disposta quando soube que ele reservava um

tempo para agradá-la; a Ômega saboreou seu acasalamento quando se permitiu

aproveitá-lo. Mesmo na primeira vez, ele não a tocou sem o consentimento dela. A

única vez que a puniu fisicamente, ele não a machucou. Depois que ela chorou tão

pateticamente depois, ele não conseguiu fazer isso de novo; mesmo que fosse seu

direito como Alfa corrigir o mau comportamento dela e estabelecer o domínio. Nunca

tinha sido estupro. Sua hesitação se deveu apenas ao mal-entendido de sua posição

como Ômega e ao medo de seu Alfa desconhecido. Depois do tempo que passaram

juntos, ela estava se recuperando... ele derreteu meticulosamente aquele gelo.

Ele não desonraria Claire, nem Svana. Sua amada nunca tocou em Claire, ele

mesmo garantiu isso!

Mas ele encontrou Svana sufocando sua companheira... a Ômega foi empurrado

para trás na cama, com o lábio cortado e sangrando.

Uma sensação nova, uma espécie de enjoo intenso, roubou-lhe o fôlego. A

perspectiva mudou. Svana entrou em seu quarto e atacou uma Ômega grávida

claramente sob sua proteção... mas ela não a teria agredido sexualmente. Era contra

tudo o que eles defendiam.


Mas Claire estava muito assustada; foi o que atraiu você na Cidadela para até sua

companheira.

Não! Tal coisa era impossível. Sua amante nunca se degradaria dessa forma. Talvez

isso tenha sido baseado na sugestão de Svana de que Claire se juntasse a eles em

intimidade – a mesma declaração que deu início abruptamente à decadência do vínculo.

Shepherd não perdeu nenhuma nuance da reação de Claire a essas palavras; sentira sua

repugnância, seu desgosto pulsar através do vínculo entre eles.

Ela olhou para ele como se ele fosse um monstro.

Consumido em separar os fatores opostos, determinado demais a manter o status

quo, Shepherd não considerou a intenção mais básica da troca. Como ele não viu?

Svana atacou a Ômega tão perfeitamente... pronunciou cada palavra para vergonha e

degradação. Pensando nisso agora, o palavreado de Svana parecia tão indigno dela, tão

calculadamente terrível.

Quanto mais Shepherd considerava, mais ele odiava: odiava Jules por ousar fazer

menos do que lhe foi ordenado. Ele odiava o belo Executor Corday que teve a audácia

de sentir carinho por sua Ômega – um homem que falava como se conhecesse Claire

intimamente. Corday não poderia conhecê-la. Um Beta básico nunca poderia ter o

vínculo que expunha a alma e a perfeição de Claire com seu companheiro Alfa.

Shepherd a conhecia. Cada respiração que ela dava, a música de seu zumbido, sua

pureza, sua luz. Isso era só dele.


O ódio se expandiu e, mesmo por um breve segundo, ele odiou Svana por

efetivamente levar Claire embora. O sentimento fugaz de algo diferente de reverência

por sua amante o confundiu. Mecanicamente, Shepherd olhou para a única pessoa na

sala, como se o homem pudesse ter a resposta.

Tudo estava escrito na expressão plana do homem menor. Nenhuma palavra dita

surpreendia Jules.

Plácido apesar da tempestade lá dentro, Shepherd levantou-se. — Assim que o

Executor estiver dormindo, puxe Svana. Desejo uma reunião privada.

— Sim, senhor.

Os olhos de Shepherd se estreitaram. — O quê? Nenhuma opinião injustificada?

Não houve hesitação ou medo de um recurso iminente. Jules falou abertamente. —

Eu apenas declarei fatos. Não compartilhei com você minha opinião.

— Com certeza, Jules, FALE!

A ponta afiada do olhar morto do homem era mais do que suficiente. — Escolha

um substituto Alfa para a Srta. O'Donnell.

Levantando-se da cadeira, todas as ondas de provocação, a violência que Shepherd

vinha restringindo, fluíram em uma frase simples. — Eu mataria qualquer um que

ousasse tocá-la.

Jules rebateu, inabalável: — Então, ninguém.


Capítulo 6

As outras Ômegas provavelmente pensaram que ela estava louca, e talvez ela

estivesse. Neste ponto, isso não importava mais. Claire sabia que seu tempo estava

quase acabando, que o grupo estava começando a se irritar com sua presença, que seu

comportamento era uma ameaça para elas.

Claire entendeu exatamente o que estava acontecendo; essa era a razão pela qual

era tão importante que ela se apressasse.


Com as lojas da cidade despojadas de objetos de valor, não foi difícil encontrar os

— não essenciais— úteis para sua estratégia. Com Shepherd no poder, as telas COM e

as redes estavam fora do alcance de Claire, mas, assim como o livro em seu bolso de

trás, o papel tinha poder.

Um folheto impresso com sua imagem em relevo olhava para ela; reproduzido

repetidas vezes até que não foi encontrado mais papel.

Nona foi corajosa o suficiente para se juntar a ela. Para encontrar as máquinas e

fazer as cópias… Através da loucura, a velha não saiu do seu lado, nem uma vez. Sua

amiga até ajudou Claire a criar o que a arruinaria aos olhos do mundo.

O senador Kantor alertou Claire sobre as consequências caso alguém descobrisse

quem ela era para Shepherd – sobre o resultado potencial caso a Resistência colocasse as

mãos sobre ela. A conversa ficou gravada em sua memória e a arrebatou repetidas

vezes durante as horas silenciosas em que andou pela cidade.

Não havia nenhum grande herói que representasse o que um dia fora Claire

O'Donnell; até mesmo seu próprio povo a considerava útil apenas como mercadoria.

Que assim seja. Se fosse isso que ela deveria ser, ela faria todos comerem. Ela se

venderia, escolheria como manipular o produto, antes de perder o fôlego.

Claire não era uma líder de homens nem uma grande oradora. Ela era uma Ômega

que gostava de pintar quadros para crianças, que antes acreditava ter um futuro

promissor. Agora ela sabia que nunca haveria um companheiro amoroso ou filhos
sorridentes. Distorcida e arruinada, ela era apenas uma estatística sem rosto numa

cidade cheia de pesadelos e indiferença. Bem, não mais. Ela não tinha mais nada e nada

a esconder. Então Claire criou a voz que ela havia perdido, a última Resistência que ela

conseguiu controlar – algo horrível de sua fraqueza que poderia dar força aos outros.

Nona capturou perfeitamente a brutalidade da imagem.

Embora o panfleto fosse preto e branco, algo naqueles olhos grandes e fascinantes

brilhava enquanto a garota do panfleto olhava para frente. Foi a profunda expressão de

dor, os rastros de lágrimas, o desafio, tudo equilibrado com a expressão de sua boca e o

corte óbvio em seu lábio inferior. Claire olhava para o espectador por cima do ombro,

exibindo a violência de sua marca de reivindicação - a coisa grotesca ainda machucada

como uma flor podre. Seu queixo estava levantado, o cabelo preto puxado para trás, de

modo que o dano em sua garganta ficasse exposto. Ela estava absolutamente nua, a

plenitude de um seio acima das costelas finas, o mamilo apenas coberto pelo braço que

segurava seu cabelo. O mundo a veria como ela era; cativante e lindamente trágica.

Foi a sua caligrafia, a escrita feminina a sua declaração final a Thólos:

Eu sou Claire O'Donnell.

Eu sou sua mãe, sou sua irmã, sou sua filha.

Olhe para mim.

Eu sou o que vocês fizeram a si mesmos.

Eu estava ligada a Shepherd contra minha vontade. Eu carrego seu filho.


Eu lutei de volta.

Eu lutei por vocês.

Cada Thólosen que não faz nada está do lado do mal. Não há desculpas. Enfrentem os abusos

perpetrados nas ruas, enfrentem o estupro e a violência.

Não feche os olhos novamente.

Não me faça ficar sozinha.

Claire fugiu do armazém assim que a escuridão lhe deu cobertura, correndo com

sua própria sombra como uma coisa selvagem. Para um corpo estranhamente apático,

ela voava pelas ruas, com maços de papel presos ao peito.

Foram necessárias todas as horas escuras da noite, várias viagens de ida e volta

para reunir mais pilhas de papel que Nona entregou a ela. Os panfletos foram colocados

no topo dos edifícios para serem soprados pelo vento gelado como lixo pelas ruas, para

chover continuamente nas áreas comuns onde em apenas algumas horas os cidadãos se

reuniriam.

Seu retrato era como um vírus, quase imperceptível ao infectar o sistema de

Shepherd, sua imagem se espalhando como folhas.

Quando seu corpo cedeu e sua visão começou a ficar turva, Claire deixou cair a

última braçada de panfletos da ponte mais alta que conseguiu alcançar. Feito isso, ela

rastejou como um animal ferido até o prédio mais próximo. Num canto escuro, ela

desabou, sem saber onde estava e indiferente.


-*-*-*-*-*-*-*-*-

Era bastante simples para um homem com a habilidade de Jules entrar no

apartamento do Executor adormecido. Svana foi recolhida e, pelo monitor nas mãos de

Shepherd, ficou claro que a aparência de Jules foi um tanto surpreendente para ela.

Quando ele torceu o dedo, ela saiu da sala com seu habitual ar de superioridade, a

cabeça erguida como a realeza que era.

Shepherd a deixou esperando, entrando no domicílio de Corday, achando-o típico,

pequeno e cheio das armadilhas da vida urbana. O Beta estava dormindo em sua cama,

roncando alto o suficiente para tornar simples a garantia contínua de seu sono, o

Executor completamente inconsciente de que o próprio terror de Thólos deslizava pela

escuridão como um demônio para ficar sobre ele.

O cheiro de Claire era rico no quarto. Até, para extremo antagonismo de Shepherd,

levantando-se dos lençóis. Observando o belo Beta, com os lábios entreabertos no sono,

o predador acordou; a fera lambeu os beiços, pronto para rasgar a garganta de sua

presa. Mas o gigante precisava do jovem e ingênuo Executor vivo por tempo suficiente

para que o tolo pudesse levá-lo até Claire. Uma vez cumprida a missão, ele
pessoalmente rasgaria Corday membro por membro, saboreando cada grito. Olhando

para o Beta, Shepherd já podia imaginar o prazer tátil... sentir o calor do sangue

escorrendo por seus dedos.

Afastando-se antes que pudesse ceder à tentação de executar tal punição antes do

tempo devido, Shepherd se forçou a ignorar os outros vestígios de Claire na cama; os

longos cabelos escuros no travesseiro e manchas de sangue nos lençóis.

No banheiro, Shepherd encontrou o vestido que ela usou quando Claire se recusou

a comer, rasgado e estragado, manchado por ferimentos acumulados em uma queda

altamente perigosa – uma queda que poderia facilmente tê-la matado.

Shepherd não sabia quanto tempo ficou naquele espaço escuro e desordenado,

segurando aquele vestido, querendo rasgar o tecido tanto quanto queria levá-lo consigo.

Mas nenhum sinal da sua visita poderia ficar para trás. Colocando-o de volta no

recipiente de roupa suja, ele notou o cesto de lixo cheio de embrulhos e papel branco de

bandagens usadas, bolas de algodão encharcadas de sangue; todos os sinais de que o

Beta havia cuidado de seus ferimentos.

Isso o fez querer apertar o pescoço do homem até sentir suas vértebras se

romperem.

O próprio ar do apartamento era ofensivo.

O cheiro de Corday já havia perfumado sua fêmea uma vez, era claramente suas

roupas suadas que ela usava quando as Ômegas a denunciaram. Pior era o odor do
almíscar de Svana, separando a doçura de Claire em um lembrete grosseiro do que

havia sido criado em seu corpo. Então, quando todas as suas semanas de esforço

dedicado para extrair sua Ômega foram estragadas por uma ação tão rudimentar

quanto o sexo.

Através de sua inspeção, sua ira só cresceu, e Shepherd sabia que precisava partir

antes que o fedor de sua indignação escapasse de seu casaco cuidadosamente abotoado

e de gola alta. Desaparecendo como um fantasma, ele finalmente se moveu para

confrontar sua amante, encontrando-a inconsciente de sua entrada no apartamento

escuro escolhido para seu encontro privado.

Fechando a porta para enfrentar o assunto de sua raiva, Shepherd dirigiu-se a ela

com uma expressão vazia. — Saudações, Svana.

Svana ronronou por cima do ombro, sua voz cheia da riqueza de sua história

compartilhada. — Devo lembrá-lo, Shepherd, que você não me convoca e me deixa

esperando.

Ignorando a falta de sutileza na reprimenda, Shepherd se aproximou. — Como

você está linda esta noite.

Ela sorriu, seus lábios curvando-se como um gato lambendo leite. — Não sou linda

todas as noites?

O calor da mão dele chegou ao ombro dela. — O Executor Corday é uma aquisição

feliz. Exatamente quando você se infiltrou na Resistência?


— Meu amor? — As mãos de Svana já estavam deslizando para segurar seu

pescoço, para pressionar a pequena quantidade de carne quente exposta para que nada

pudesse ficar entre eles. — Você não está satisfeito com a facilidade com que eles

confiam em mim? Posso controlá-los... enganá-los.

A sensação do corpo dela sob as palmas de Shepherd era familiar. — Nada além de

nós mesmos poderia impedir nosso sucesso.

Imediatamente, a qualidade suave e sedutora dos olhos azuis de Svana tornou-se

penetrante e estreita. — Não é típico de você fazer tal referência, especialmente a mim

mesmo.

Shepherd sibilou. — Sua aparição não discutida em meio à Resistência não foi

sancionada.

Imediatamente, Svana saiu do conforto de seu toque. — Eu não sou uma criança

para ser corrigida, Shepherd. Lembre-se com quem você está falando.

Observar Svana no escuro, o brilho do luar sobre a perfeição de seu rosto, não lhe

trazia paz. Em vez disso, ele se viu cada vez mais irritado por ainda não ter havido

nenhuma menção direta a Claire. Ela achava que ele não sabia? Que ela esconderia dele

o conhecimento, propositalmente, novamente... que ela iria presumir não admitir suas

ações... isso não caiu bem em seu íntimo. — Equívoco não combina com você. Vamos

falar claramente sobre o assunto e acabar com isso.


A maneira como ela estava, com a cidade iluminando sua silhueta, o tom sedoso de

sua voz, tudo isso era para seduzir. — Será que você está descontente comigo?

Suas mãos grandes foram até as lapelas de seu casaco pesado, apertando-o com

força enquanto ele falava. — Os Seguidores ouviram cada palavra de sua conversa com

Corday, e nada relevante para nossa missão foi sequer perseguido. O que você busca

realizar neste jogo? Você corre o risco de expor sua identidade e propósito para

perseguir o cheiro de minha companheira.

— Companheira. — Ela cuspiu a palavra, revoltada. — Quando ouvi falar do seu

brinquedo, imaginei que fosse uma fantasia passageira para preencher as horas que

poderia passar comigo. Descobri-la grávida foi bastante surpreendente, mas mal posso

acreditar no que aquele idiota lá embaixo descreveu. Vocês se uniram. Com algo tão

abaixo de você!

— Você teve muitos amantes para satisfazer seu corpo. Eu escolhi ter apenas uma.

Eu não poderia legitimamente manter Claire sem vínculo. Aceitá-la como minha

companheira a mantém em meu poder e em linha com o plano dos Deuses. —

Respirando com raiva, Shepherd deu um passo mais perto. — Além disso, você deve

tomar cuidado para onde apontaria o dedo. Você tentou produzir um herdeiro com o

primeiro-ministro Callas!

Era raro Svana demonstrar surpresa, mas isso se insinuava nos cantos de sua

expressão.
Shepherd não esperou que ela falasse. — Você realmente acreditou que eu não

sabia de sua tentativa de concepção? Senti o cheiro do efeito das drogas em seu corpo.

Isso também não passou despercebido aos meus Seguidores.

— Era necessário, Shepherd. — Ela argumentou imediatamente, fechando as mãos

na camisa dele. — Seus genes abrigam um tesouro que não pode ser perdido:

imunidades, Resistência a doenças. Por que deveria ter sido desperdiçado? Que melhor

vingança do que ter um dia o filho do primeiro-ministro Callas liderando nosso povo?

Shepherd estendeu a mão para passar os dedos pelos cabelos de Svana, observando

o cabelo castanho deslizar através de seu toque. — Você teria preferido carregar a

descendência do homem responsável pela corrupção de Thólos. Ele jogou minha mãe

em Undercroft. Eu nunca criaria um filho daquele monstro como se fosse meu. O que

saísse de você nunca governaria.

O rosto de Svana se contorceu em desgosto. — Então você semeou uma fraca por

despeito? Sinto-me honrada e desapontada por você ter agido assim por ciúme

mesquinho, meu amor.

Sua grande raiva ficou atrás de uma expressão alarmantemente plácida. —Não foi

sua explicação que nosso amor transcendia o físico? Meu desejo por uma companheira

corpóreo não deveria significar nada para você.

A mulher circulou Shepherd no escuro, calculando seu próximo movimento. Algo

pareceu registrar-se e os olhos de Svana tornaram-se calorosamente sedutores; ela


lambeu o lábio inferior. — Não é tarde demais se você deseja me reproduzir. Pense na

grandeza de nosso poder combinado. As drogas necessárias poderiam ser encontradas e

poderíamos começar imediatamente.

— Mesmo tão gloriosa como você é, as chances de uma fêmea Alfa conceber com

esperma de macho Alfa são muito pequenas - e levar a termo ainda mais. — Colocando

as grandes mãos sobre os ombros dela, Shepherd descreveu o que era imutável. —

Claire gerará meus descendentes e servirá como minha companheira, e você governará

ao meu lado quando Thólos estiver em ruínas e meu exército libertar Greth Dome

daqueles que usurparam a reivindicação de sua família ao trono.

— A Ômega é inadequada. Uma criatura imunda desta cidade é indigna de tal

honra!

Shepherd sibilou, agitado porque ela iria questioná-lo ainda mais sobre o assunto.

— Claire estava intocada, seu corpo puro e receptivo. Eu fui o primeiro. Esse é apenas

um exemplo de como Thólos não a contaminou.

Svana riu, zombando. — Uma Ômega da idade dela... Não, querido, tal coisa não é

possível. Você foi enganado.

— Através do vínculo ela não pode esconder nada de mim. — De onde vinha a

cadência perfeita das palavras, ele não sabia. Ele também não perdeu a pequena

mudança na expressão de Svana quando disse: — Tenho fé absoluta no antigo celibato

de Claire e em sua atual fidelidade.


— Fidelidade. Entendo... você questiona meu comportamento. — Svana

compreendeu o seu significado mais profundo. Compondo o rosto com uma expressão

de dor, ela perguntou: — Você está tentando me machucar?

— Não, querida. — Shepherd inclinou a testa para a dela, trabalhando para

acalmar a torrente de raiva antes que ela o levasse embora.

O corpo dela se suavizou contra o dele, conformando-se com sua força, buscando

apaziguar. — Se você deseja manter um animal de estimação, espero que você o

compartilhe comigo.

O conceito revirou seu estômago, parecia incrivelmente errado. — Tenho certeza,

dada a sua apresentação, que ela não estaria disposta a acasalar com você se pedisse. É

impossível.

O bufo zombeteiro de Svana precedeu: — Não demoraria muito para a Ômega

aprender seu lugar... ela está abaixo de mim. Ela pode ter lutado contra meu toque

inicial, mas você é seu Alfa; a opinião dela pouco importa. Ela nada mais é do que um

recipiente físico para suas necessidades.

— Toque inicial? —Foi como a faísca de um incêndio florestal, a acusação de

Corday, agressor sexual, destruindo o último vestígio de calma de Shepherd. Custou-

lhe uma parte de sua alma acusar: — Você tentou tocá-la sexualmente e ela resistiu. Foi

por isso que você bateu nela...


Svana parecia imperturbável, encolhendo os ombros. — Ela se recusou a espalhar

para que eu pudesse provar... eu apenas queria confirmar o cheiro de sua gravidez - o

que fiz.

Uma onda de violência quase superou seu controle. Ele tremeu, sentiu a adaga do

elo torcer-se horrivelmente em seu peito. A fêmea Alfa se atreveu a tocar sua

companheira de forma inadequada! Svana machucou Claire simplesmente por ser

defensiva e sexualmente obediente apenas a ele. Shepherd piscou, lutando para não

estender a mão e quebrar o osso. — Isso é inaceitável, Svana! Além do seu ataque

desnecessário a uma mulher fraca e grávida, tal comportamento é tão contra a sua

natureza que eu questiono se você se perdeu. Como você consideraria o que fez como

apropriado?

Seus olhos se estreitaram, ela mostrou os dentes. — Você fica com ela para transar

com ela. O que é seu sempre foi meu.

— Eu a reivindiquei como companheira! — Foi quase um rugido, mas tão suave

que pareceu estranho que as janelas tremessem com uma força invisível.

— E então, sem questionar, me fodeu bem na frente dela, provando que ela não é

nada além de uma substituição lamentável. Porque eu sou aquela que você adora. A

magrela Ômega é apenas uma diversão que você acredita ser mais importante do que

ela, porque você tolamente se uniu em par em um momento de fraqueza. — Um

ronronar veio do peito de Svana. — Agora entendo que negligenciei você. A situação
será corrigida e de agora em diante cuidarei de suas necessidades físicas. Não há

necessidade de haver animosidade entre nós.

Shepherd piscou, a mandíbula cerrada enquanto olhava para baixo. Sua amante

estendeu a mão para abaixar o zíper, seus dedos elegantes puxando o comprimento

flácido do pênis de Shepherd. Svana começou a acariciar. Foi a raiva que fez seu sangue

bombear e o fez enrijecer em seu aperto, a fúria que provocou o rosnado baixo de um

animal enquanto ele se agarrava à sensação para escapar da insuportável compreensão

do que sua amante tinha feito.

Esfregando o polegar em círculos suaves sobre a ponta de seu pênis, ela arrulhou e

o encarou com um olhar faminto. Apanhada no aperto, da maneira como Svana sabia

exatamente como obter uma resposta, Shepherd rasgou os fechos de suas calças, já

esfregando a mão em desespero para redirecionar tanto erro para algo certo.

O apartamento em que estavam estava em ruínas, o colchão manchado onde ele a

pressionava era tão nojento quanto a corrente podre em seu peito. Agarrando seu

cajado em punho, ele encontrou os olhos dela, alinhados com a fenda de abertura da

boceta Alfa, e empurrou com força implacável.

A sensação imediata de vitória que ele viu nos olhos brilhantes dela foi terrível.

Agarrando as pernas dela e voltando sua atenção para olhar pela janela escura sobre a

cidade que ele havia conquistado, ele bateu forte e rápido, assim como havia feito no

ninho de Claire para salvar a vida da Ômega.


Assim como antes, Shepherd encontrava menos satisfação em transar com uma

mulher que não possuía a estrutura menor e a boceta mais apertada que o ordenharia

quando ela gozasse, que extrairia sua essência até que cada gota fosse saboreada. Não

havia nenhuma voz musical suspirando seu nome como se fosse o som mais lindo do

mundo. As fêmeas alfa não respondiam dessa forma; elas foram construídas para

acasalar com Ômegas, para serem dominantes... elas dificilmente se auto lubrificavam.

Shepherd não sentia nenhuma conexão, nenhuma profundidade mental, apenas

sexo agressivo e raivoso... e isso o estava consumindo. Svana estava tendo um bom

desempenho, fazendo seus gritos e trinados, espalhando-se para mostrar a beleza de

seu corpo. Não foi suficiente. Sua fúria abjeta não diminuiu, apenas distorceu, deixou-o

em ruínas, e Shepherd começou a sentir o inquietante erro crescer a cada investida.

Ele fez o impensável e virou Svana, para montar sua amante por trás, para não ter

mais que olhar para ela. Ela engasgou, inclinou os quadris com a força dele e pareceu

apreciar o manuseio brusco. Para manter a cabeça para frente, Shepherd agarrou seu

cabelo, percebendo imediatamente como estava errado. Não era preto sedoso, mas de

um marrom mais grosseiro, e seu grunhido não provocou nenhuma onda de umidade

que banhasse seu pênis e perfumasse lindamente o ar.

A mulher que ele montava não era sua companheira.

Mesmo com os olhos fechados, mesmo pensando em outra pessoa, tudo o que ele

conseguia ver era Svana... alterada, aparentemente contaminada pelo que ela havia
feito, pelo que ele sabia e não conseguia esquecer. Assim que ela gozou, puxando o

clitóris com pequenos movimentos dos dedos, Shepherd não conseguiu continuar por

mais um momento. Puxando para fora, ele guardou seu pau já amolecido.

Girando, ela ficou boquiaberta para ele. — Querido... tudo será como antes. Venha,

deixe-me acalmá-lo. Eu sei do que você precisa.

Ela já estava alcançando seu zíper novamente, inclinando-se da cama para levá-lo

em sua boca.

Afastando a mão dela, ele continuou a arrumar a roupa. — Não, Svana. —

Shepherd sentiu uma película impura em sua pele, por todos os lugares onde as mãos

de Svana haviam passado impuras sobre ele. — Foi errado eu te levar agora. Sua

avaliação estava correta, ultrapassamos a fisicalidade e não contaminarei nossos corpos

tentando acasalar com você novamente. As coisas mudaram, nós dois devemos aceitar

isso.

Sua voz falhou. — Você não pode preferir outra a mim. — Svana estava diante

dele, exigindo que ele enxergasse a razão. — Especialmente uma mulher que desafia

você; que prefere o lindo Beta lá embaixo.

Shepherd baixou o queixo até o peito, o sulco profundo entre as sobrancelhas era

sinistro. — Claire não é esclarecida e não entende meu propósito. O próprio fato de ela

abominar o que fiz ao seu povo demonstra seu valor.


— Sou eu quem te ama. — Implorou a bela. — Você não vê que ela te odeia? Fugiu

de você... A Ômega nunca poderia amar um homem marcado de Undercroft. Você a

enoja.

A dor aguda do vínculo esfarrapado de Shepherd concordou. — Mas ela ainda é

minha, carrega meu herdeiro e está sob minha proteção. — Ele cresceu, quebrando

ossos enquanto se posicionava. — Você não vai tocá-la novamente, Svana. Você me

entendeu?

— Você virá chorar até mim quando tudo que criou imprudentemente desmoronar.

— Svana assentiu, olhando para frente como se pudesse ver o futuro. — E eu te amo

tanto que vou te dar o conforto que você não merece.

Shepherd não poderia tolerar outro momento de tal rancor. Depois do que ele tinha

ouvido antes, a mentira saindo de seus lábios, era dolorosamente óbvio que Svana

nunca pretendera deixá-lo cumprir o que lhe era devido. Ela esperava que ele se

livrasse da Ômega. Nada do que ele fez a satisfez - e como o monstro que Claire

acreditava que ele era, ele ficou de lado e deixou Svana rebaixar sua companheira... até

mesmo participou de boa vontade.

Apertando os olhos fechados, ele ouviu as palavras de Jules ecoarem pelo que

parecia ser a centésima vez: Você permitiu que Svana o manipulasse para desonrar sua

companheira grávida.
Shepherd aceitou as demandas de sua amante, embora a revelação o tivesse

deixado pasmo. Ele até adorava Svana, apesar de sua maldade com o primeiro-ministro

Callas. O mesmo respeito não foi exercido em sua direção, as expectativas dela eram

contraditórias, imaturas.

Cada palavra que Svana dissera quando se enfrentaram pelo primeiro-ministro

Callas foi cuidadosamente escolhida para se libertar da culpa, para justificar as suas

próprias ações. Agora ele entendia: ela nunca esperou que ele buscasse satisfação sexual

com outra pessoa.

Sua amante o considerava um dado adquirido, tornando sua devoção comum.

Havia algo muito cortante na revelação. Afinal, as ações dela levaram à resposta

dele: suas necessidades aparentemente eram consideradas menos importantes que as

dela.

Svana nunca se preocupou verdadeiramente com os sentimentos de Shepherd

sobre o assunto, e agora ela estava diante dele e mentia abertamente.

Com a fé abalada, Shepherd assentiu tristemente. O que uma vez foi a adolescente

que subiu em cima dele ao seu primeiro impulso e acasalou, jurando ser dele para

sempre, não era a mulher para quem ele descobriu que não conseguia olhar.

Shepherd saiu em um silêncio enojado.

De volta ao seu quarto, ele tomou banho com água tão quente que sua pele

queimou, sentiu o desconforto se purificar, mas ainda sentiu a mancha do que tinha
feito – encontrou o recuo do vínculo, a dor violenta, uma penitência bem-vinda por ter

acasalado de certa forma, degradava a todos eles. Familiarizado com o sofrimento,

apreciava isso como algo que lhe era devido, assim como fazia cada vez que machucava

Claire propositalmente para o bem dela.

Uma batida veio à porta. Um de seus tenentes entrou para lhe entregar algo muito

mais perturbador do que qualquer outra coisa que ele havia enfrentado nas últimas

vinte e quatro horas cansativas.

Shepherd segurava um pedaço de papel miserável na mão, incapaz de desviar o

olhar.

Mesmo com a tristeza consumidora na expressão de Claire, mesmo com a

inclinação arrogante de seu queixo e o julgamento em seus olhos, ela era linda. Mas

foram as marcas em seu pescoço, o lábio cortado... feridas criadas quando Svana forçou

Claire a se espalhar, que prenderam a atenção de Shepherd.

Olhe para mim. Eu sou o que vocês fizeram a si mesmos.

— Senhor. — Começou o Seguidor. — Estes estão soprando por toda Thólos.

Relatórios dizem que eles foram descobertos espalhados em seis locais até agora. Eles já

foram vistos pelos cidadãos fazendo fila para receber rações.

A raiva não resolvida de Shepherd, as longas horas de raiva venenosa,

desapareceram ao perceber o que suas ações poderiam significar. Seus olhos prateados
percorreram toda a página, absorvendo cada curva de um corpo que era apenas para

seus olhos... leu as palavras dela... e não conseguia desviar o olhar da dor complicada.

Ele não queria nada mais no mundo do que abraçá-la, tocar aquela pele nua, fazer

qualquer coisa necessária para remover aquela expressão do rosto dela.

Eu fui ligada a Shepherd contra minha vontade. Eu carrego seu filho.

A sua mensagem para o mundo, a expressão exposta do seu espírito – foi a rebelião

final. A morte estava vindo para ela, e ela alimentaria a cidade na tentativa de mostrar a

eles toda a verdade sobre o que eles haviam se tornado. A tola e corajosa pequena

Ômega.

Não me faça ficar sozinha.

Não haveria santuário para Claire depois disso. Ela não viveria o suficiente para

conhecer a dor do Contágio Vermelho. Thólos iria matá-la; despedaçá-la como cães

brigando por um osso se ele não a alcançasse primeiro.

Saber que o Beta Corday esteve com Svana e sob vigilância durante toda a noite

significava que o homem não poderia saber que a Ômega tinha feito isso. Se o Executor

se importasse com ela, mesmo que um pouco, ele também saberia exatamente o que

aquele panfleto significava. Apostando que assim que Corday visse a imagem, ele

correria impulsivamente direto para Claire, Shepherd pegou seu casaco e organizou

uma equipe para garantir que o Beta tropeçasse naquele mesmo panfleto no segundo

em que saísse pela porta.


O Alfa dirigiu-se aos seus soldados, resoluto e indomável, com uma mente tão

imóvel como um rio congelado. — Uma equipe deve manter contato visual com Svana.

Caso ela tente interferir ou deixar o domicílio do Executor, autorizo a interceptação e

detenção.

— Sim, senhor.

Nenhum homem o questionou.

-*-*-*-*-*-*-*-*-*-

Como uma mulher poderia causar tamanho caos? Corday ficou furioso, olhando

para baixo com uma carranca para a imagem sugestiva. A princípio ele viu apenas lixo

no chão; a maior parte molhada da lama, e então viu olhos familiares.

Nua, ela olhava para ele da página, desfigurada e danificada, mas muito orgulhosa.

Depois havia a mensagem dela... a maldita mensagem dela! O que diabos ela estava

pensando?

Ao se aproximar dela, Corday passou por pessoas na rua que tinham seus próprios

exemplares, sussurrando o nome 'Claire' entre si.

Corday moveu-se tão cautelosamente quanto pôde pela cidade até que os atalhos

de nível médio se espalharam diante dele. O panfleto esmagado em sua mão, passado
de chateado, ele encontrou a Usina de Processamento fechada, desolada e sem vida,

exatamente como as Ômegas pretendiam que fosse. Mas um olhar atento poderia ver a

sentinela com um dos rifles automáticos adquiridos pelas Ômegas, guardando a

escotilha do paraquedas. O caminho foi aberto e ele entrou, correndo pelo espaço para

encontrar Claire e colocar algum juízo nela.

— Corday fez contato com as Ômegas. Nenhuma visão de O'Donnell.

Shepherd e uma equipe de vinte pessoas já haviam cercado a casa inteligente que

Claire havia encontrado para sua matilha. Havia pouca visão lá dentro. Mesmo assim,

do poleiro invisível de Shepherd no prédio em frente, ele e Jules podiam ver as fêmeas

meditando no espaço escuro... mas assim como o Executor Beta examinando a sala, eles

não viram nenhum sinal dos cabelos negros de Claire entre o rebanho.
Capítulo 7

Nona estava esperando o jovem Executor e avançou para cumprimentá-lo. —

Quando você não voltou, fiquei preocupado que tivesse sido morto. Claire me garantiu

que não, disse que podia sentir que você ainda estava vivo.

Não houve oportunidade de escapar com Leslie exigindo tanto do seu tempo.

Durante três dias ele trabalhou na tradução da linguagem escrita dos Seguidores. A

cada hora eles aprendiam mais, mas à custa do tempo, precisava estar com Claire. Se ele

estivesse aqui, poderia ter impedido a loucura de Claire. — Você sabe o que ela fez?

Assentindo, Nona deu um sorriso cansado. — Eu sei.

Corday ergueu o panfleto amassado. — Como você pôde permitir isso, Nona?
— Não há como parar aquela garota agora. — Nona agarrou seu braço, tentando

fazer com que o garoto visse o que estava bem diante dele. — Não há como parar o que

está por vir.

Corday inclinou a cabeça e teve que concordar. — Você está certa. Claire

desencadeou uma tempestade de problemas com essa merda.

— Corday...

Ele não queria discutir com uma velha. Corday queria discutir com Claire. — Pelo

menos me diga que ela está aqui.

— Ela está com o menino.

Corday estreitou os olhos, os dentes cerrados. — Que menino?

— Seu garoto morto.

— Oh…

— Ela o enterrou na pilha de compostagem lá atrás. — Quando Corday se afastou,

Nona agarrou seu braço novamente, parando o Beta para que ela pudesse falar o que

queria. — Claire acabou de voltar. Ela está cansada; não espere muito.

Não interessado em perder mais tempo, Corday segurou a língua, marchando

através das Ômegas que não estavam nada felizes por ele ter aparecido novamente.

Uma porta reforçada abriu, a luz do sol invadiu e lá estava ela, a cabeça baixa sobre

uma pilha de terra recém-revolvida.


-*-*-*-*-*-*-*-

O ângulo do prédio a escondia de vista, forçando Shepherd a sair de seu poleiro e

se mover como uma sombra sobre o telhado. E então lá estava ela, imóvel como uma

estátua, a menos de nove metros de distância, olhando para um pequeno monte de terra

coberta de neve. Cativado, Shepherd soltou um suspiro, observando o Beta se

aproximar dela.

Foi como se ela não tivesse registrado Corday — não até que o Executor enfiou o

panfleto debaixo de seu nariz. — O que é isso?

A Ômega tirou o cabelo do rosto, esfregando o crânio como se estivesse doendo. —

Uma foto minha nua.

— Você acha isso engraçado? — Corday retrucou, esforçando-se para não levantar

a voz. — Você percebe o que fez, Claire? Todo mundo saberá. Não haverá segurança no

anonimato, NUNCA MAIS!

Ela não precisaria do anonimato, mas precisava que Corday se mudasse. — Você

está pisando no meu garoto.


Após uma rápida expiração, Corday desceu do monte, puxando-a para ele. Ele

abraçou com muita força, sua voz embargada. — Sua mensagem... vai lhe custar

qualquer tipo de vida. Você será perseguida até o dia de sua morte.

A Ômega se afastou, fungou e enxugou as lágrimas com a palma da mão. — Eu sei

o que fiz. Sei que você não consegue entender que nossas agendas não se alinham, mas

mal posso esperar que a Resistência pare de se arrastar. Não existe herói, Corday. Não

existe salvador. Thólos se tornou inferno e não posso nem atribuir a culpa por isso aos

pés de Shepherd. O que aconteceu aqui, nós fizemos a nós mesmos. Ou os cidadãos

veem o que a complacência diante do mal lhes custou, ou todos eles vão morrer.

Corday pressionou as mãos no rosto para controlar a frustração. — Você está

tentando inspirar uma revolução? Você me prometeu que não atacaria os homens de

Shepherd.

Claire pegou as mãos dele, puxando-as para baixo para que ele pudesse olhar para

ela. Ela parecia a morte; exausta, com marcas escuras sob os olhos. — Não é um ataque

a Shepherd. É um ataque à consciência. É um ataque ao povo de Thólos.

Por que ela não conseguia entender? — Eles vão te odiar...

— Eu não ligo. — Claire deu um passo para trás, seu temperamento explodindo. —

Eu disse que não havia mais nada para mim. Você ainda não entendeu? Isso é tudo que

posso dar, então deixe-me dar e parar de ser tão egoísta!


Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha dela, dizendo: — A sobrevivência

não é egoísta. Cidadãos que odeiam o bastardo simplesmente matarão você por esporte.

Isso é suicídio.

A voz de Claire era monótona e firme enquanto ela afirmava o óbvio. — Eu sei.

— Você perdeu a cabeça?

Ela lambeu os lábios rachados. — Olhe para mim, Corday. Estou ficando sem

fôlego, vomito tudo que como; o sono não me dá paz... já estou morrendo.

— Você não está morrendo, você está se matando! — O Beta gritou, agarrando seus

ombros como se pudesse incutir nela o bom senso. — Se você apenas descansasse... Se

você voltasse para casa comigo, eu poderia cuidar de você.

— Não.

— Além de Nona, as Ômegas dificilmente toleram sua presença aqui. É apenas

uma questão de tempo até que você seja expulsa. — Por que ela não perceberia que ele

poderia apreciá-la? — Por que você não ouve a razão?

— EU ESCOLHO COMO PASSAR MINHA VIDA! NÃO VOCÊ, NÃO O

SHEPHERD, NÃO O SENADOR KANTOR, NÃO A PORRA DO POVO DE THÓLOS.

VOCÊ ME OUVIU, BETA?

Ele nunca a tinha visto com tanto fogo nos olhos. — Você está chateada.

Jogando as mãos para o alto, Claire concordou: — Claro que estou chateada! Tudo

que eu quero fazer é gritar. Saber que tudo que posso oferecer a Thólos é uma foto nua
em um panfleto me faz me odiar. Como VOCÊ OUSA repreender o fato de que pelo

menos estou tentando fazer algo enquanto ainda posso? Sua preciosa Resistência não

faz nada!

— Claire. — Ele estendeu a mão para segurá-la, acalmando o que a fazia tremer e

chorar. — Por favor…

— Eu não posso ser o que você quer que eu seja. — Ela soluçou contra o peito dele.

— Eu mal consigo ser eu mesmo.

— Sinto muito. — Sussurrou Corday, com o coração partido ao vê-la tão triste. —

Não chore. Vou ronronar para você e você pode descansar. Ok? Eu não deveria ter

gritado.

Sua vibração baixa oferecida começou, Claire chorando como uma criança em seus

braços. Seus braços o envolveram, suas desculpas quebradas perdidas na miséria.

Resmungando bobagens, Corday acariciou seus cabelos. — Entraremos,

comeremos e você não ficará doente... Eu ficarei para que você possa dormir.

Ele teve que carregá-la e ela deixou, agarrando-se ao seu pescoço como se ele fosse

desaparecer de outra forma.

À distância, Shepherd lutou contra todos os instintos que lhe diziam para correr e

tirá-la do homem que confortava o que era dele. Ele mal percebeu a mão de Jules

segurando seu antebraço, o lembrete silencioso para ficar quieto e avaliar as


consequências. Porque agora estava claro que seu segundo em comando estava certo.

Mesmo que ele a arrastasse de volta, ela não sobreviveria neste estado.

Claire havia perdido a vontade de viver.

-*-*-*-*-*-*-*-

Ao longo do dia, Shepherd observou suas ações dentro da planta fedorenta.

Corday estava correto em sua avaliação. As Ômegas a evitaram e Claire parecia

totalmente despreocupada enquanto se mantinha em seu canto, distanciando-se

propositalmente. Todos, exceto a velha, ativavam a catalisadora de sua liberdade.

Visualizando uma longa fila de mulheres se balançando, seus cadáveres enforcados

em exposição para qualquer uma que negasse sua companheira, Shepherd mediu cada

olhar cauteloso que elas dirigiam para Claire, até mesmo odiando as mulheres que

gentilmente ignoravam a sofredora garota de cabelos escuros.

Todas eram indignas dela, cada uma delas; assim como esta cidade de mentiras e

maldade.

O Beta cuidou dela, a fez comer e segurou o cabelo dela vinte minutos depois,

quando tudo voltou. Ele a alimentou novamente, pressionou a coisinha para beber

água, o tempo todo segurando-a no colo, peito contra peito, as pernas dela enroladas
em seu torso, como se ela fosse uma criança ou sua amante. A segunda porção pareceu

continuar no estômago e em minutos Claire estava morta para o mundo, roncando em

seu ombro.

Era impossível ouvir a conversa entre Nona French e o Executor, especialmente

com os lábios do homem pressionados contra o cabelo de Claire. Por fim, o Beta deitou-

se e a velha puxou o longo casaco do homem por cima do par.

A escuridão chegou, Claire gritou enquanto dormia. Quando os olhos horrorizados

de Corday ergueram-se para encontrar a expressão simpática de Nona, Shepherd se

concentrou no movimento da boca do Executor e observou seus lábios formarem as

palavras.

— Ela acabou de chamar por Shepherd.

A expressão absolutamente desanimada no rosto do odiado Executor fez uma

curva nos lábios do próprio Shepherd. O Beta poderia ser quem a segurava, mas mesmo

danificado como o vínculo estava, a mente de sua Ômega estava cheia de pensamentos

sobre seu legítimo companheiro. Um sinal dos deuses, um lembrete para todos eles de

que Claire era dele.

-*-*-*-*-*-*-*

Claire acordou menos abatida. — Estou me sentindo melhor. Obrigada.


Em uma voz tão baixa que nenhum membro dos Seguidores espiões conseguiu

ouvir, Corday pressionou os lábios em seu ouvido e sussurrou: — Claire, isso vai acabar

em breve, temos acesso às comunicações deles agora. Então espere. Espere até poder

matá-lo. Juro que o farei.

Fazendo o possível para fingir que não estava doente, Claire assentiu e beijou sua

bochecha. — Tenho muita fé em você, Corday. Você é uma maravilha.

— E você estará livre.

— Eu estarei. — Ela reconheceu, os olhos suaves.

Dedos finos retiraram cuidadosamente a aliança de casamento de sua mãe. Sob o

cobertor improvisado, ela pegou a mão de Corday e colocou a faixa em seu dedo

mindinho.

— O que você está fazendo?

— Eu quero que você guarde isso para mim. — Claire sorriu ao dar seu token. —

Um lembrete, para que você não esqueça que estou torcendo por você.

Ela o estava deixando inquieto. — Eu não posso ficar com isso.

— Só estou emprestando. — Ela corrigiu, apertando a mão dele. — Você deve me

devolver quando Thólos estiver livre.

Ele a abraçou e sentiu seu coração disparar. — Claire. Eu também tenho fé em você.

— Você é meu herói, você sabe.


Corday queria beijá-la, estava muito tentado a enfiar os dedos em seus cabelos e

puxar seus lábios para os dele. Mas não era isso que eles eram; não era isso que ela

poderia ser...

Pelo menos ainda não.

— Agora. — Claire quebrou o momento, tímida. — Você precisa sair daqui antes

do sol nascer. Se eu não sentir que você está seguro, vou me preocupar.

Já se desembaraçando, ela se soltou de seu abraço. Corday não foi autorizado a

ficar ali, Claire instou-o a partir antes que a luz pudesse tornar sua jornada perigosa.

Era óbvio que ele não queria ir, mas ela parecia muito melhor, com os olhos mais vivos

e um sorriso nos lábios quando falava.

O Beta recuou. No segundo em que se afastou o suficiente da calçada para não

ouvi-la, Claire se dobrou e silenciosamente perdeu o estômago no gelo perto da rampa.

Corday não a ouviu vomitar, nem viu sequer um indício dos Seguidores que o

cercaram tão perfeitamente quando ele saiu de sua vista. Ele abriu o colarinho para

aquecer o pescoço e saiu com as mãos enterradas nos bolsos - sorrindo.

Shepherd deixou Corday nas mãos da equipe de Jules, sua atenção em sua Ômega

doente e na mudança que ocorreu em Claire no instante em que o menino se foi. O

sorriso falso desapareceu, e ela se afastou do grupo e de suas fogueiras para sentar-se

em solidão, como se estivesse invisivelmente atraída para mais perto do lugar onde

Shepherd se escondia no escuro.


Ele quase poderia estender a mão e tocá-la.

Uma vez confortável, a mulher tirou um livro gasto do bolso e recostou-se para ler.

Shepherd levantou uma sobrancelha. Sua fêmea estava lendo um livro que ele sabia de

cor, A Arte da Guerra. Era estranhamente cativante o homem imaginar futuras

conversas sobre o texto.

Qual era a passagem favorita dela?

Claire leu enquanto a maioria das mulheres ainda dormia; ela leu o mesmo livro

que lia todos os dias desde que o encontrou e deixou seus olhos se deterem em citações

memorizadas. Às vezes imaginava que era como ler um pedaço da alma de Shepherd.

Ela podia ver a mentalidade dele no livro, suas táticas, e procurou em vão entender –

fixada a tal ponto que não percebeu que Nona se mexeu.

A velha preparou café instantâneo, preparando uma porção para Claire.

— Que sabedoria você tem para mim hoje? — Perguntou Nona, colocando uma

xícara fumegante de líquido nas mãos da jovem.

Claire jogou o livro no chão como sempre fazia quando terminava de lê-lo,

tratando-o mal. — De acordo com Sun Tzu, grandes resultados podem ser alcançados

com pequenas forças... Mas escolho interpretar isso como: irritar um monte de mulheres

é uma péssima ideia.

A velha Ômega riu baixinho, os olhos dançando enquanto observava Claire tomar

um gole de café e fazer uma careta.


Nona acariciou o cabelo escuro de Claire e brincou: — Você sempre amou seus

cappuccinos, mas temo que isso seja o melhor que posso fazer.

Olhando para a bebida aguada de merda, Claire tentou brincar. — Tenho muitos

motivos para odiar Shepherd, mas o motivo número um é que não tomo uma xícara de

café decente desde que fui expulsa de casa... o idiota.

Sua amiga deu uma risada suave.

Claire tomou outro gole da água marrom fumegante. Com Nona ao seu lado, ela

ficou sentada em uma quietude miserável, os olhos injetados ficando cada vez mais

resolutos. Ela não sabia o que estava causando isso, mas seu tédio estava começando a

desaparecer. O que o estava substituindo era extremamente doloroso.

Ela havia mudado... uma indiferença esmagadora em guerra com uma sensação

insuportável de perda.

Ela deveria estar se sentindo vitoriosa – ela não o fazia. Ela deveria ter sentido

orgulho; mas tinha esquecido até mesmo de conhecer tal sensação.

Nona estava falando alguma bobagem sobre o nascer do sol que se aproximava,

Claire bebendo roboticamente a bebida sem gosto. Quando a infusão terminou, a xícara

foi posta de lado.

Já era tempo.

Claire se levantou e simplesmente foi embora, deixando a amiga sem se despedir.


Ela veria o céu por si mesma, observaria o nascer do sol sozinha. Mas isso não a

comoveria. O céu havia perdido sua magia.

A velha a observou partir, viu o cabelo escuro desaparecer... e sabia que Claire

havia feito sua escolha.

Lá fora estava frio, mais frio a cada dia. Claire passou os braços em volta do corpo e

saiu cambaleando do refúgio de Ômegas. Não houve nenhuma direção em sua marcha

mortal, mas de alguma forma ela se viu no limite da reserva de água de Thólos. A parte

superior estava coberta de gelo, coberta de branco, tão vazia e incolor quanto ela havia

se tornado por dentro. Mas se apertasse os olhos, poderia ver através dele um mundo

de água, onde tudo estava limpo.

Colocando uma mecha solta de cabelo atrás da orelha, ela estremeceu e esperou

que o céu pesado de nuvens do lado de fora do Domo brilhasse. Assim que ficou com

um tom rosado, Claire sentiu que se ela permitisse qualquer prazer em tal momento, a

dor iria vazar. A única maneira de continuar era não sentir nada para sempre. Então ela

deu um passo à frente, depois outro, e sozinha, na primeira luz sombria da manhã,

Claire caminhou no gelo.

Não havia dúvida de hesitação; seu trabalho estava feito. Ela havia completado sua

missão, dando tudo que podia. Ela havia conseguido sua libertação da prisão. O ar

fresco em seu rosto, o cheiro inconfundível de frio, começou a acalmar onde as lágrimas

salgadas queimavam suas bochechas.


Aqueles primeiros passos e o gelo já começaram a sussurrar reclamações. Os

próximos dez passos foram recebidos com um silêncio enganoso. Claire escolheu

preencher o silêncio com a habitual oração Ômega sussurrada ao vento:

— Amada Deusa das Ômegas, grande Mãe que nutre e protege,

Agradeço pela vida que você me concedeu.

Só quando ela estava perto do centro do reservatório é que o som que ela esperava

chegou – a ameaça esmagadora de rachaduras e morte iminente.

— Eu sou a sua imagem. Eu sou o seu deleite. Pois você me mantém sob seus

cuidados. Cuide do mundo...

— Não se mexa, pequenina.

O primeiro pensamento ao ouvir o som daquela voz de comando foi que ela

deveria saber que ele estaria ali. O diabo teria que testemunhar seus momentos finais.

Não poderia haver outra maneira.

Seu foco deixou o horizonte e desceu em direção aos pés, até o padrão fraturado

que florescia sob as botas roubadas. Claire respirou fundo lentamente, sentiu seu peito

esticar e olhou por cima do ombro. — A cidade é um show de terror e não me resta

mais nada. Você venceu, Shepherd.

— Você entendeu mal de propósito. — A grosseria urgente de sua voz era

insistente... nervosa. — Svana teria matado você se eu não...


Claire sentiu sua boca formar um pequeno sorriso para o homem atrás dela. — Pelo

menos eu sei o que fez você ser do jeito que é. Não foi apenas sua vida em Undercroft.

Foi ela.

Shepherd estendeu a mão, os olhos arregalados e sem piscar. — Era a única

maneira que eu poderia apaziguá-la e manter você.

Um olhar de pena – e era pena o que ela sentia – entristeceu o rosto de Claire. —

Você conta essa mentira quase como se realmente acreditasse nela. A escolha que você

fez não foi a única maneira; foi a maneira que você escolheu. Você escolheu fazer aquela

coisa horrível... fazer muitas coisas horríveis... por ela.

Os lábios de Shepherd tremeram, ele parecia confuso. Quando ele falou em

seguida, parecia que as palavras lhe eram estranhas: — Se eu pedisse desculpas, isso

faria alguma diferença?

— Não.

— Então vou oferecer algo em vez disso. — Ele estendeu a mão ainda mais. — Se

você voltar para mim, eu lhe darei o que quer. Deixarei as Ômegas em paz e cuidarei

para que eles fiquem sozinhas. Você tem minha palavra.

Claire cantarolou, sua atenção voltando para o gelo quebrando sob seus pés.

Ele tentou novamente, determinado. — Svana não será permitida perto de você;

nem jamais irá tocá-la dessa maneira novamente.

Claire o ignorou.
Exasperado, ele disse: — Vou até permitir que você veja o seu céu.

Ela murmurou as palavras, falou-as como se a própria ideia não significasse mais

nada, — Meu céu...

— Eu cuidarei de você.

A água caiu de seus olhos e escorreu por suas bochechas. Sua voz estava tão triste.

— Quase parece que você está falando sério... que engraçado.

Foi necessário muito esforço para Shepherd administrar o último incentivo. —

Pouparei o Beta, Executor Corday, cuja morte será muito lenta e dolorosa.

Esse foi o ponto de inflexão. A qualidade nebulosa de seus olhos verdes se aguçou

e seus lábios macios formaram uma linha firme. Ela ouviu atentamente.

— Estou oferecendo a você a vida de quarenta e duas pessoas, pequena. —

Shepherd empregou uma voz de razão, seu ronronar retumbante para mostrar

sinceridade.

Claire olhou para a palma da mão virada para cima, para a grandeza dela, as linhas

e os calos. Ela pensou em Corday, em sua promessa de libertar a cidade... em tudo o

que havia sido sussurrado entre eles no escuro. Ela pensou na criança pela qual sentia

total indiferença e colocou a mão na barriga.

— Isso mesmo, pequenina, pense no nosso bebê.

Ela nunca permitiria que o malvado Shepherd ou aquela mulher horrível tivessem

o seu filho, mas ela poderia ganhar tempo para Corday. Se ele falhasse, ela mataria a si
mesma e à vida que crescia dentro dela antes que pudesse nascer; ela poderia fazer isso,

e faria. A curva suave de seu passo, o pequeno movimento necessário para encarar o

gigante fez o gelo rachar ainda mais, mas ainda assim ela permaneceu acima do que

deveria ter sido seu túmulo aquático.

Shepherd sabia que ela diria sim, que se sujeitaria a ele para salvar todas as vidas

que mencionou. Claire já podia sentir isso através de um link que não deveria estar ali;

uma farpa ardente batendo onde seus pulmões lutavam para se expandir. Sua

respiração engatou dolorosamente e ela apertou o couro da jaqueta sobre o coração. —

Há mais uma vida que eu quero.

— Quem?

Apesar da invasão do verme arranhador, Claire zombou do Alfa. — Só direi se

você me der sua palavra inequívoca de que essa pessoa nunca sofrerá nenhum dano.

— E se eu fizer isso, você retornará para mim e viverá plenamente como minha

companheira? — Era o que ele queria, ele podia ver, senti-la só um pouquinho mais

através do link, e ele não impediu o mal malicioso e ganancioso que alimentava seu

sorriso.

Ela sentiu o prazer dele, olhou nos olhos vorazes e viu cada grama de sua euforia

desesperada. — Sim.

Shepherd assentiu e torceu os dedos. — Você tem minha palavra.

— Maryanne Cauley.
Houve um lampejo de percepção, um minúsculo estreitamento dos olhos. O Alfa

assentiu em compreensão – a traidora escorregadia... Maryanne Cauley, uma

prisioneira que uma vez jurou lealdade a ele em troca de refúgio seguro em Undercroft,

foi quem ajudou Claire a libertar seus Ômegas.

Claire deu um passo em direção ao rebaixamento total, amaldiçoando os deuses

quando a marcha para Shepherd não quebrou o gelo e a sugou. O peso de seus dedos

frios ela colocou nos dele, não retribuindo o sorriso quando a mão do diabo engoliu a

dela. Shepherd tocou seu rosto, e ela instintivamente se afastou quando o calor da

palma da mão dele tocou sua bochecha.

Seu grande polegar enxugou a linha de lágrimas, ele sabia que ela estava sofrendo

pelo peso do vínculo cada vez mais intenso abrindo caminho através de sua resistência.

Intenso, superexcitado, ele estendeu a mão para ela, não querendo esperar mais um

momento para levá-la para casa. Claire continuou a lutar contra a reivindicação,

apertando seu coração, lutando para manter a sensação de nada sem fim que a levou ao

gelo. Ela não queria mais ser Claire, o esquecimento havia se tornado sua armadura. Se

não houvesse Claire, não haveria dor. O nada era o seu orgulho... então ela lembrou que

não tinha orgulho. Ela havia perdido o controle o dia todo em que começou a cuidar do

homem que a embalava nos braços.

Como se conhecesse seus pensamentos, ele a agarrou um pouco mais forte contra o

peito e se regozijou. — Quarenta e três vidas, Claire.


Os olhos dela se fecharam ao ouvir seu nome, a angústia indesejada pela lembrança

da única outra vez em que ele o pronunciou arruinou-a. Ela perdeu a guerra - Claire

sentiu algo: a dor e a tristeza que ela não conseguiu sentir naquele dia, e tudo

desmoronou.

-*-*-*-*-*-*-*-

Sua retirada foi organizada com precisão militar. Shepherd segurou seu prêmio

recuperado, ronronando alto em triunfo arrogante enquanto a carregava pelos

corredores subterrâneos em direção ao seu covil.

Parecia um desperdício de barulho. O ronronar não acalmou Claire; ela estava além

do conforto enquanto o verme dentro dela inchava, cada respiração doía, corrompia e

odiava.

O som da fechadura, a finalidade do momento, tudo isso passou por ela enquanto

ela lutava arduamente para não demonstrar o que estava sentindo - para não dar a ele o

prazer de reconhecer que tinha o poder de machucá-la novamente. Mas ele não parava

de tocar, ele até arrancou os dedos dela de onde ela segurava o peito para que ele

pudesse esfregar o calor da palma da mão que estava claramente dolorida.

Shepherd encorajou o colapso porque sabia o que estava destruindo suas

entranhas. — Vamos começar de novo. — Ele sussurrou, suas mãos enormes puxando
as camadas com as quais ela estava vestida, tirando suas roupas assim como ele tirou

sua liberdade. — Minha companheira.

Os olhos verdes se abriram, cheios de indignação, cheios de toda a veemência que

ela deveria ter gritado com ele duas semanas antes. — Companheira?

COMPANHEIRA? Você é menos que nada para mim! Um monstro enganador que eu

abomino. Você é depravado; você me dá nojo! O que você fez foi imperdoável. EU TE

ODEIO!

Mesmo enquanto ela gritava, mesmo quando ela batia contra ele, ele acariciava, ele

se calava.

Claire gritou, o fluxo de vileza ricocheteando nas paredes cinzentas, até que os

gritos se transformaram em grandes soluços de partir a alma. Ela chorou tanto que mal

conseguia respirar. Ela implorou que ele a matasse, amaldiçoou-o até o inferno por tê-la

tentado no gelo, e só encontrou na suavidade do colchão sob suas costas a resposta aos

seus apelos. Aquelas grandes mãos estavam por toda parte, traçando os arranhões, os

pontos em seu joelho, explorando cada hematoma, até que Shepherd começou sua

inspeção com um longo movimento possessivo das pontas dos dedos ao longo do

contorno de suas marcas ainda curadas.

Parecia não haver fim para a agonia da corda cancerosa dentro dela, que se torcia

como um jacaré indignado, arrancando seus órgãos. Ela estava com os olhos bem

fechados, tentando afastar tudo, até que lábios nus chegaram ao seu peito, ao mesmo
lugar que havia sido tão corrompido. Claire começou a revidar, gritando como uma

alma penada. Não houve como parar sua penetração, ou o gemido gutural que lhe

escapou ao sentir o calor apertado dela agarrando seu pênis. Shepherd sugou seus seios,

passou os dentes levemente por seu pescoço, tentou beijar sua boca entre lamber as

lágrimas e conter seus movimentos.

Os sons da besta, o ruído suave que emanava dos seus lamentos de coração

partido, eram os de um homem sedento a quem finalmente foi dada água. Cada golpe

de seu canal de veludo apertado enquanto ele empurrava seu pênis o elevava mais

perto daquele paraíso inatingível; para a liberdade. Ela era dele novamente, presa e

amarrada, e ele a tomaria de qualquer maneira que pudesse, mesmo que ela o odiasse,

mesmo que ela fosse apenas uma escrava do vínculo. Porque ele precisava dela.

Ele rosnou tão baixo e profundo que a fez vibrar e escorrer, a fez gritar de ódio

horrorizado, e ele gemeu em sua boca ao sentir o cheiro escorregadio. Tomando o que

precisava, ele a montou suavemente, abrindo bem as pernas para ver a espessura que se

projetava de sua virilha penetrando nela repetidamente. Rolando os quadris e

brincando com seu nó, ele roubou o que exigia e a onda explodiu através de sua

resistência até que Claire alcançou um clímax desconfortável e devastador que a fez

arquear e engasgar.
Ele a empurrou com força contra a cama, deu um nó tão profundo quanto pôde, e

compartilhou sua conclusão, enchendo-a de calor, com sua própria essência, respirando

com dificuldade em seu ouvido enquanto gemia as palavras: — Eu te amo, pequena.

Isso não diminuiu sua dor, apenas a cortou mais profundamente.

Claire lamentou enquanto Shepherd a segurava durante tudo; ainda emocionado,

ainda tenso, jurando que nunca a deixaria ir.

Capítulo 8

Shepherd a machucou em seu fervor, em sua necessidade de vê-la acasalada

enquanto o vínculo se reformava... para garantir que ela não pudesse escapar dele.

Havia um pouco de sangue entre suas pernas, pois ela estava seca e agressivamente

resistente quando ele empurrou pela primeira vez. Até a boca de Claire estava inchada

por causa dos beijos indesejados; novos hematomas estavam se formando em torno de

seus pulsos e entre as coxas.


Shepherd saboreou cada um dos arranhões que marcavam sua própria carne, seu

lembrete de que ela era dele novamente - cada ferimento era um troféu e uma prova do

que havia entre eles.

Ela lutou bem, mas Claire se acalmou com o passar das horas, embora não

completamente. O fio em seu peito estava desgastado; isso doeu nela; então Shepherd a

segurou com força e manteve o calor da palma da mão onde as unhas dela tentavam

arranhar sua pele. As lágrimas haviam cessado e, em vez disso, estava em transe,

lutando contra o sono, mas claramente exausta.

O ronronar nunca cessava e, embora ela lhe desse as costas, Shepherd acariciava e

acalmava, permitindo seu pequeno desafio. Ela precisava de nutrição e hidratação, mas

ele reteve sua imensa insatisfação com o estado de seu corpo para permitir-lhe algum

descanso depois de sua luta – para deixá-la pensar que poderia descansar em seus

termos por um momento.

Não querendo deixá-la, ele enviou um pedido de suprimentos médicos e escondeu

Claire de vista. Segurando-a com força, permitiu que Jules colocasse o que era

necessário na mesinha ao lado da cama. Quando a porta foi trancada, ele a encontrou

ainda se recusando a olhar para ele. Não importava.

Shepherd viu a reação dela à comida, teve certeza de que ela não aguentaria nada

por mais chateada que estivesse, e pegou seu braço. Quando a agulha perfurou uma

veia, ela permaneceu sem resistência. Fluidos intravenosos foram administrados.


Enquanto o soro era esvaziado, ele a banhou com toalhas macias, cada ferimento

tratado e enfaixado, os pontos grunhidos, e os pés dela, uma coisa que deixava a fera

abertamente irritada, foram embrulhados em tiras macias de pano.

Quando o processo terminou, ele a pegou novamente nos braços.

— Eu construirei para você um novo mundo, pequena - um reino digno de você e

de nosso filho. — Ele sussurrou seus ideais distorcidos, passando os dedos pelos

emaranhados dela. Shepherd falava continuamente, articulando tudo o que ele

realizaria, como seria uma lenda, como faria isso por ela.

Na compreensão vaga de Claire, Shepherd nunca tinha falado tanto e dito tão

pouco.

Deitada de bruços, de costas para ele, ela se viu ouvindo os devaneios de um louco

até não aguentar nem mais um instante. Virando-se, interrompendo o jogo dele com o

cabelo, ela argumentou com o mesmo desafio apaixonado, a mesma bondade

equivocada que ainda não havia desaparecido, não importa o que tivesse acontecido

com o resto dela. — Não me use como desculpa para as coisas horríveis que você faz.

Não participarei disso!

Ele sorriu, sorrindo sombriamente para suas queixas roucas. Moldada à mão no

formato de sua barriga, Shepherd deu um tapinha no local onde seu filho crescia. — O

próprio fato de eu ter você de volta prova o lado de Deus comigo.


Claire havia chorado até secar, seu peito estava podre. — Você me pegou porque

preferi salvar a vida de quarenta e três pessoas do que me matar.

— Shhh. — Seu silêncio foi roçado em seu peito. Ele beijou onde o vínculo deles

prosperava. — Tudo está se recuperando e sua tristeza desaparecerá com o tempo.

Não estava curando, estava cicatrizando.

Havia um brilho em seus olhos, confiança. — Vamos começar de novo.

Curvando os lábios, Claire expôs seus pecados. — Você forçou um vínculo de casal,

me drogou e me engravidou, fodeu sua louca amante Alfa em meu ninho...— Ela não

terminou. Em vez disso, sua dor aumentou novamente e Claire descobriu que seus

olhos poderiam de fato vazar mais lágrimas. — Eu reconheço, Shepherd, que estou aqui

apenas para ser seu brinquedo. Sou uma escrava, uma coisa mantida. Eu me vendi por

eles.

Era previsível, a tempestade de fúria em seus olhos. O que foi surpreendente foi a

pequena pitada de arrependimento. Onde ele estava esfregando o peito dela, sua mão

se moveu para um seio e começou a rolar e beliscar o mamilo até que o rosa suave

escureceu e o botão se alongou sob seus dedos.

É claro que ele iria transar com ela novamente, não importa o quão desagradável

Claire achasse a ideia. Esse sempre foi o recurso dele para a sua boca esperta. Essa era a

resposta dele sempre que ela se mostrava resistente ou infeliz.


Deitada imóvel, muito cansada depois de horas de luta para fazer barulho, ela

permaneceu mole... pronta para acabar logo com isso.

O outro mamilo recebeu o mesmo tratamento; o tempo todo Shepherd a observava

com aquele olhar calculista. Um polegar traçou seus lábios e mergulhou um pouco entre

eles para brincar com a língua. O rosnado foi feito, o aroma de sua mancha perfumava o

ar, e sua mão livre começou a brincar com sua boceta.

Shepherd pressionou o peito contra o dela, rosnou baixo e profundo mais uma vez,

observando com muito cuidado.

Ela fechou os olhos e optou por ignorá-lo.

Com os dedos cobertos pelo fluido escorregadio, ele começou a falar. — Em

Undercroft, tive minha mãe por tão pouco tempo que mal consigo me lembrar de seu

rosto. Ela morreu devido ao uso severo de muitos homens. — Um dedo escorregadio

deslizou para seu ânus enrugado e Claire se assustou. Shepherd lentamente adicionou

pressão contra seu reto, sua respiração prendendo-se com a cãibra desconfortável

daquele lugar sendo esticado. Olhos arregalados mostravam sua angústia; Claire se

abaixou para agarrar o pulso do membro agressor, sua reclamação perdida em torno do

polegar ainda provocando sua língua.

Quando ela se acalmou, percebendo que ele não estava se movendo, não

penetrando mais, Claire o observou com absoluta atenção.


— Como as mulheres nunca duravam muito, os prisioneiros tiravam prazer dos

homens desta forma. — O dedo explorador passou pelo anel apertado de Claire. — Ou

usando a boca de outro. As feras naquele buraco uivavam no escuro enquanto

gratificavam seus corpos nos pequenos e fracos. Os sons de gritos, de imploração

torturada - até mesmo os gemidos daqueles que sentiam prazer em tais coisas -essa é a

canção de ninar que me embalava para dormir todas as noites.

A sensação que ele estava criando era desagradável, a ponta do dedo se

contorcendo. Claire tentou se contorcer, mas o peso dele estava sobre ela, e Shepherd

rosnou novamente até que mais líquido escorregasse para cobrir o que penetrava em

seu reto.

Ela choramingou.

— Eu era menor do que você agora na primeira vez que fui encurralado. Eu estava

de costas para a parede, um homem com feridas no rosto arrancou seu membro e

estendeu a mão para minha garganta. O que ele não sabia, o que ninguém sabia, foi que

minha mãe se prostituiu por uma faca. Eu esfaqueei meu agressor. Durante a luta

ganhei a cicatriz em meus lábios que você em seu cio chamou de linda.

Ela tinha?

Houve um ronronar, uma breve oferta de conforto quando ele pressionou o dedo

ainda mais em sua bunda, sabendo que o alongamento não era bem-vindo, mas usando-

o para ter certeza de que ela ouvia cada maldita palavra que ele dizia.
— Deixei seu cadáver amarrado fora da minha cela, seu pênis pendurado em sua

boca como um aviso para os outros. Ele foi apenas o primeiro, e eu estava cercado por

monstros de coração sombrio. À medida que crescia, ficava mais forte, os pequenos e

fracos vieram até mim; oferecendo suas bocas ou seus corpos para proteção daqueles

mesmos homens que os perseguiram. Eu os achei repugnantes; fracos e abaixo de mim.

Eu matei vários apenas para deixar claro meus sentimentos sobre o assunto.

O polegar na boca de Claire acariciou sua língua em pequenos círculos enquanto

ele falava. — Um dia, algo vindo da luz me encontrou no escuro, uma jovem com sua

própria faca. Já estava sangrando.

Svana.

— Ela ouviu falar de mim, rastejou até o inferno para me procurar. Ela me deu os

meios para governar e não pediu nada. Suas visitas eram frequentes, seu afeto

esplêndido. Como eu, sua mãe foi morta antes dela. Como para mim, o futuro dela

havia sido destruído.

— Sua mente, as coisas que ela sabia, estavam além de tudo que eu havia

aprendido. Ela se ofereceu para compartilhar essa sabedoria, me trouxe livros,

encontrou valor no monstro que os presos temiam. O anjo até me trouxe o arquivo com

o nome da minha mãe no topo. — Shepherd acariciou sua bochecha. — No dossiê

daquela pessoa desaparecida havia uma fotografia. Minha mãe Beta, antes de
Undercroft apodrecer os dentes, era muito bonita, como você. Eu odiava ouvir seus

gritos.

Claire colocou a mão em seu flanco, ela sentiu a dor dele quebrar contra ela.

O Alfa continuou. — Eu não pude salvá-la e até hoje não consegui dizer qual dos

demônios subterrâneos era meu pai.

Claire não queria deixar a história dele tocá-la, mas era tão patética que não pôde

deixar de sentir pena.

— Eu não fui o único homem preso naquela escuridão pela corrupção acima. Assim

como minha mãe, mais da metade dos homens forçados abaixo eram bastante inocentes,

mas inconvenientes para os poderes constituídos. Aprendi segredos com eles, coisas

que você não pode imaginar... se você soubesse da infecção que se espalha pelos

corações desta cidade, pequena, se pudesse ler as histórias gravadas nas rochas abaixo

de nós...

Por que ele estava contando isso a ela? Ela começou a lutar e se encolheu quando o

dedo dele dentro dela se aprofundou, esticando-a até que ela se acalmasse.

— Abra os olhos, pequena. — O rosnado era ameaçador, gutural. — Você vai olhar

para mim quando eu disser isso.

Ela não queria olhar para ele, sentiu-se invadida por aquele único dedo enorme e

pela maneira como ele ainda brincava com a língua dela com o polegar. Empurrando

com a penetração, ela encontrou seu olhar.


— Esses homens, esta sociedade podre - por sua bondade, você não consegue ver

as falhas. Eu poderia lhe contar coisas que a manteriam acordada à noite. Todos,

homens e mulheres, enforcados do lado de fora da Cidadela participaram, ou

ignoraram conscientemente, atrocidades ... Como a prisão de minha mãe.

— E sim, anos atrás Svana se tornou minha amante e eu pensei que ela também era,

equivalentemente, minha companheira. Aprendi que estava errado. Ela é uma mulher

motivada, poderosa, mas você é a companheira que os Deuses projetaram para mim. Se

você tivesse caído em Undercroft, e se eu tivesse sentido seu cheiro, eu teria matado

todos os homens que tentassem tocar em você. Eu teria reivindicado você e te arrastado

para minha cela, curvado você sobre minha cama e te fodido onde cada condenado

pudesse ver através as grades... para que todos soubessem que você pertencia a mim.

Você entendeu?

Não houve resposta para uma declaração tão bárbara.

Shepherd cheirou-a e rosnou. Com o dedo ainda submerso em sua bunda, ele

trabalhou seu pênis bem no fundo, onde ela estava molhada e pronta. Ela deu um

pequeno grito, abafado pelo polegar quando ele começou a fazer cio. Não houve nada

de terno, foi pura agressão, mas satisfez de uma forma estranha. A sensação de

superlotação, a maneira como ele não deixava nenhum lugar intocado enquanto aquele

dedo indesejado se contorcia. Ela chegou ao clímax tão rapidamente que foi
surpreendente, sentiu o nó pressionando sua passagem trêmula enquanto ele retirava o

dedo de seu reto.

Claire gritou quando seu orgasmo se transformou em uma vibração desafinada que

destruiu seus ossos.

Quando ele atirou sua carga contra seu ventre, cada impulso foi acompanhado por

um rugido. Com a cabeça enterrada em seu ombro, os lábios em seu pescoço, Shepherd

pressionou o peito contra ela, no local onde estavam amarrados. A corda cantava,

queimava, doía, agradava e consumia.

Seu polegar deixou sua boca, Shepherd ficou satisfeito quando ele apertou seu nó

dentro dela.

Esmagada sob ele, sua Ômega gemeu, baixou os cílios e encontrou sono nos braços

do que poderia, se as circunstâncias tivessem sido diferentes, ter sido um bom homem.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

— O que você quer dizer com ela não está aqui? — Corday exigiu.

— Quero dizer, Executor Corday, — Nona deu um suspiro cansado. — que ela não

está aqui. Claire escapou dias atrás e não voltou.


Por trás dos olhos semicerrados, a mente de Corday corria a mil por hora. A

preocupação estava fazendo seu estômago revirar, e pela expressão nos olhos de Nona

ficou claro que ela estava igualmente chateada, só que disfarçando melhor.

Como se tentasse dar uma explicação ao jovem, Nona disse: — Acho que ela

simplesmente decidiu ir para casa.

— Para Shepherd? — Ele retrucou, raiva estampada em seu rosto. — Claire nunca

faria isso.

— Ela estava desanimada, Executor. O que estou tentando lhe dizer é que ela

provavelmente foi para casa.

— Você está errada. — Corday cuspiu as palavras. Ele havia falado com Claire

apenas três dias antes. A Ômega lhe deu seu anel... ela fez uma promessa. — Essas

mulheres a expulsaram?

— Não, mas isso aconteceria em questão de dias. Ela sabia disso.

A agitada Beta olhou para a velha como se ela fosse estúpida. — Então ela foi para

outro lugar em busca de abrigo.

— Talvez. — Admitiu Nona, debatendo se seria melhor para o jovem ter algo em

que se agarrar.

— Quando ela foi embora, exatamente?

— Na manhã da sua última visita.

Corday ergueu as mãos, rosnando para o teto. — Porra, Claire!


Nona segurou seu ombro novamente, apertou seu casaco e puxou-o para longe da

multidão de Ômegas que se reunia. — Sente-se! — O macho Beta obedeceu por decoro,

com Nona olhando furioso. — Claire não queria que eu lhe contasse quem eu realmente

sou. Mas vou contar de qualquer maneira, porque você é um Beta e eu sei que se

importa com ela, mas você não entende.

Nona o fez ficar quieto, recompondo-se ao lado dele. — Quando eu tinha dezesseis

anos, fui sequestrada de minha casa, mantida trancada a sete chaves por dias até ser

vendida como gado - comprado por um homem chamado David Aller e forçado a

formar um casal no meu próximo cio por um estranho que tinha duas vezes a minha

idade.

— Uma vez vinculado, ele me revelou ao público novamente, e minha família

aceitou o que não poderia ser mudado, embora eu implorasse para que me ajudassem.

Eu não tinha defensor; eu era apenas uma Ômega vinculada, sem direitos. Quando saí a

primeira vez, consegui menos de duas semanas antes de começar a perder o contato

com a realidade. Fui encontrada vagando, confusa, pelas ruas. O Executor que me

pegou, me levou de volta para David como se eu fosse um animal de estimação

perdido.

Ele me bateu; uma prática comum para corrigir Ômegas renegadas. As surras

pioraram e corri novamente alguns meses depois. Era sempre a mesma coisa, aquele

vínculo inabalável com um homem que eu odiava persistia e me controlava. Tentei de


tudo, todos os caminhos sugeridos, mas foi o mesmo pesadelo. Passaram-se dez anos

antes que eu o envenenasse e adquirisse uma nova identidade. Ainda sonho com ele, às

vezes penso que o ouço... e David já morreu há quase quarenta anos.

Com o queixo solto, Corday olhou para a velha e gentil mulher e soube que ela

falava a verdade.

— Não há como escapar de um vínculo de casal, nenhum recurso para Claire. Um

deles tem que morrer para que ela seja um pouco livre. Matar Shepherd poderia salvá-

la, mas seu tempo estava se esgotando e ela sabia disso. Ela só não queria te preocupar...

porque ela sabia que você tinha carinho por ela.

— Claire é mais forte que você.

Nona concordou. — Isso é absolutamente verdade.

— Ela mesma me disse que o vínculo foi prejudicado. Por que nenhum de vocês

escuta quando ela fala? Por que todos vocês presumem?

— Corday. — Nona pegou a mão do menino e girou o anel em seu dedo. — Claire

se foi. Ela te deu o anel para que você não a esquecesse, porque ela também tinha

carinho por você.

O homem argumentou veementemente. — Ela me jurou que sobreviveria. Escolhi

acreditar que ela tinha um plano, todos nós vimos do que ela é capaz. Tenho fé em

Claire.
— Eu amo Claire como se ela fosse minha filha. Eu sabia o que ela estava sofrendo,

o que havia sacrificado por nós, e espero que você esteja certo. Que ela tenha ido para

Shepherd.

Rangendo os dentes e olhando para ela, Corday rosnou: — Ela não teria voltado

para Shepherd.

— Concordo.

Além da frustração, Corday virou-se e saiu, furioso com a velha.

-*-*-*-*-*-*-*-*

O calor de uma mão grande afastou suavemente o cabelo solto de seu rosto,

acordando Claire de um sono profundo. O ronronar era leve, estimulando-a a se mexer,

e pela maneira como o colchão afundou, ela percebeu que Shepherd estava sentado na

beira da cama.

Foi o cheiro que a fez obedecer, o aroma de grãos de café torrados e algo doce.

Piscando os cílios com crosta, ela olhou diretamente para a mesa de cabeceira. Em uma

xícara branca sobre um pires havia um cappuccino fumegante feito por alguém que

possuía a habilidade de criar pequenas imagens na espuma.


Não era preciso ser um gênio para descobrir que ele a estava observando na fábrica

de processamento. Shepherd ouviu a conversa dela com Nona e fez isso em resposta.

— Por favor, não me diga que você sequestrou um barista. — Claire gemeu,

sonolenta, esticando-se para cheirar.

— O chef que sequestrei meses atrás para preparar suas refeições precisava de

companhia.

Claire não sabia se Shepherd estava tentando fazer uma piada. Carrancuda, ela

olhou para o homem que ainda acariciava suas costas alongadas e franziu os lábios.

Pela expressão em seus olhos, ficou claro que o bruto estava absolutamente sério.

Ele pegou o pires para entregar a ela, usando a outra mão para levantá-la e virá-la

para sentar-se contra os travesseiros. Situada com a bebida na mão, ela tomou um gole e

suspirou, sem se surpreender quando Shepherd moveu a cortina de seu cabelo sobre o

ombro para revelar seus seios para seu olhar.

— Você está gostando do seu café?

Shepherd nunca a acordou, a menos que fosse para fazer sexo, e certamente não

com café na cama. Claire não confiou nele nem por um momento. — Eu não vou te

agradecer. — Mas ela tomou outro gole e derreteu... odiando admitir que a bebida era

realmente boa.

Embora a expressão dele não tenha mudado, Claire estava certa de que ele estava

satisfeito com a reação dela à sua oferta.


Cotovelo apoiado no joelho, Shepherd observou-a saborear sua bebida. —

Maryanne Cauley está na Cidadela neste momento.

A xícara bateu no pires e o momento de conforto induzido pelo café desapareceu.

— Você me prometeu que não iria machucá-la.

— E eu não vou. — A sobrancelha de Shepherd arqueou-se. — Mas eu farei isso se

ela estiver aqui em alguma tentativa de roubar você de mim.

— Considerando como você me recolheu, duvido que alguém saiba que estou aqui.

— Claire ficou beligerante. — Eu vim com você de bom grado para respeitar minha

parte no trato, e não tentarei ir embora enquanto você respeitar a sua.

O ronronar veio e um animalzinho de estimação caiu em seu cabelo. — Isso é tudo

que eu queria ouvir.

Claire olhou para o lado, debatendo. — Posso falar com ela?

É claro que Shepherd iria negar o pedido, ele sabia que ela sabia disso. Com um

suspiro profundo, ele pegou a xícara e o pires vazios. — Eu não quero discutir com

você.

— Então você pode voltar a torturar Thólos e eu ficarei sentado aqui como uma boa

prisioneira olhando para as paredes.

Ele se mexeu e se aproximou enquanto Claire se pressionava ainda mais nos

travesseiros. Seus lábios roçaram os dela quando ele perguntou: — Qual é a sua

conexão com a senhorita Cauley?


Tão perto, Claire se sentiu... dividida. — Maryanne era minha melhor amiga

quando éramos crianças.

Ele acariciou o braço dela como se recompensasse o bom comportamento. — Acho

isso difícil de acreditar. A mulher é ladra e prostituta.

— Assim como você, — Claire franziu a testa, — ela também já foi inocente...

Embora, ao contrário de você, eu ache que ela está tentando ser boazinha agora. Ela

simplesmente não está muito confiante na busca.

— Você é quem detém toda a bondade e eu manterei todo o poder. — Shepherd

ronronou, deixando um beijo prolongado e ignorado em seus lábios frouxos.

— Como você quiser. — Claire respondeu, com a voz monótona quando ele se

desvencilhou.

— Você está dolorido — Seus dedos mergulharam sob as cobertas para roçar seu

monte. — aqui?

A qualquer segundo ele iria rosnar e ela estaria espalhada sob seu corpo no cio. —

Isso importa?

A mão a deixou. Shepherd fez beicinho nos lábios. — Você vai descansar hoje. A

comida será enviada. Se eu descobrir que você não comeu, um dos seus quarenta e três

pagará por isso.

— Você não precisa ameaçá-los. — Claire não queria jogar esses jogos. — Eu te dei

minha palavra.
— Isso me agrada, pequena. — Shepherd estava confiante quando saiu da cama.

Ele lançou-lhe um longo olhar enquanto ela voltava para debaixo das cobertas para

descansar mais, depois saiu em silêncio, apagando a luz.

Na próxima vez que ela acordou, a comida estava esperando na mesa. Ela tomou

banho e vestiu um dos vestidos femininos que Shepherd parecia achar que ela deveria

usar, e olhou para os ovos Benedict. Ele tinha um chef em algum lugar do complexo

apenas para preparar a comida dela. Ela quis revirar os olhos diante da estranheza do

gesto há muito ignorado, mas percebeu isso quase desde o início. Vegetais enlatados e

produtos de carne produzidos em massa se transformaram em pratos satisfatórios

apenas cerca de uma semana depois de sua chegada. A confirmação não deveria ter

importância, mas a incomodava que ele tivesse mencionado isso, e agora o assunto

precisava ser abordado.

O que mais a incomodava era que o chef provavelmente estava mais seguro lá

embaixo do que acima do solo. Claire até suspeitou que ele ou ela tivesse sido levado da

mansão do primeiro-ministro. Shepherd era um homem meticuloso; ele só aceitaria

alguém renomado... uma celebridade. E ele fez isso para agradá-la.

Claire comeu cada pedaço daquela comida, embora fosse muito rica e seu

estômago estivesse fadado a se rebelar. A vitamina veio em seguida e todo o leite foi

bebido. É claro que ela vomitou tudo cerca de trinta minutos depois, mas não havia

como evitar.
O ritmo habitual veio em seguida, sua única forma de exercício. As coisas

precisavam ser resolvidas agora que seu pensamento estava mais aguçado. Shepherd

conhecia as Ômegas, Corday e Maryanne - a fêmea Alfa era a única em sua lista da qual

ele não tinha conhecimento anteriormente. A verdadeira questão era como Shepherd a

encontrara, que parte do ramo fora observada pela primeira vez? Considerando quando

ele veio, parecia que a resposta era Corday. O que significava que Shepherd minaria

todos os movimentos da Resistência.

A arte suprema da guerra é subjugar o inimigo sem lutar. -Sun Tzu

Shepherd havia se infiltrado nos Executores... mas deve ter sido muito

recentemente. Caso contrário, ela teria sido recolhida naquela primeira noite.

Os pés descalços de Claire pararam de se arrastar mancando e ela ficou lá,

mordendo o lábio. A grade da fechadura chamou sua atenção; a porta se abriu e Jules,

carregando uma bandeja, entrou.

A Beta de olhos azuis não parecia interessada em reconhecer sua presença, então

ela falou. — Olá, Jules.

As bandejas foram trocadas e ele grunhiu: — Você se saiu bem fora do Undercroft.

Surpresa por ele ser envolvente, mesmo que não estivesse olhando para ela, ela

resmungou: — Não bem o suficiente se eu voltei para cá.

O homem não respondeu, simplesmente caminhou em direção à porta.


De seus lábios saiu um nome sinônimo de Satanás em sua mente. — Svana. Aquela

mulher vai arruinar todos vocês... Você sabe disso.

O homem parou e virou a cabeça o suficiente para que ela pudesse ver seu perfil.

— Seria sensato que você escolhesse os tópicos de conversa com maior moderação.

Claire zombou e olhou para Beta de repente imóvel. — Você segue uma louca.

— Eu sigo Shepherd.

Claire realmente sorriu, um pouco malvada, e riu do homem. — E ele a ama; seu

argumento é inválido.

— O futuro é o que importa, e sua opinião ignorante pouco importa.

— Um fato do qual estou bem ciente.

Na porta, ele falou por cima do ombro. — Não meça o seu valor por um pequeno

sucesso, senhorita O'Donnell.

— Eu concordo. Em vez disso, meço isso pelos meus incontáveis fracassos.

— Você luta por aquilo em que acredita, mas quando ficou frágil, sua resposta foi

buscar uma morte sem sentido. A minha é passar os anos que me restam trabalhando

por um propósito maior. Verei o mundo alterado, melhorado. Você e eu não somos tão

diferentes. Simplesmente escolhi ser mais forte e estar disposto a pagar o preço para

promover mudanças.
Ela não tinha ideia de onde vinham as palavras ou por que pareciam tão

importantes. — Sua lógica está corrompida. Escolhi morrer antes de me tornar como

você. Isso me torna mais forte do que você.

O homem a encarou uma última vez, aqueles olhos marcantes inquietantes. — Isso

não te torna mais forte. Faz de você uma covarde.

Claire sentiu como se ele a tivesse atingido, a tempestade em suas palavras

desencadeando nada mais do que uma brisa sussurrante e inútil... porque havia um

fragmento inegável de verdade em suas palavras.

Não havia mais nada a ser dito entre eles, o homem a dispensou como se ela não

fosse nada. A porta se fechou com um baque. Ela deve ter ficado ali por muito tempo,

olhando para o metal, meio entorpecida. Eventualmente, foi em direção à comida,

mastigou e engoliu sem ter ideia do que comia, nem percebeu que não ficou doente.

Pensando naquele livro idiota, A Arte da Guerra, em Sun Tzu e em tudo que ele

parecia ter realizado, Claire lembrou: Assim, o especialista em batalha move o inimigo e

não é movido por ele.

Jules tinha acabado de fazer isso com ela.

Então, como mover uma montanha? Suas palavras não significaram nada para

Shepherd, as discussões terminaram em sexo, mas suas ações o afetaram mais de uma

vez. Ocasionalmente, ela deve ter causado distração em sua perseguição. O monstro até
disse que a amava, à sua maneira distorcida. Isso deu a ela uma espécie de influência,

agora só precisava aprender como exercê-la.

Seus olhos verdes foram para a aquarela de papoulas ainda apoiadas na parede –

um projeto estúpido que antes tornara sua cela um pouco mais suportável. A corda

indesejável em seu peito pulsou. Ela precisava de uma reação, algo pequeno, um ponto

de partida.

Distraidamente, preparou suas tintas, com a mente cheia de uma imagem, uma

dura verdade. Não havia necessidade de muita cor, o mundo não passava de tons de

cinza sob um céu machucado.

Capítulo 9

Enquanto ainda estava concentrada no trabalho, as dobradiças da porta rangeram.

Claire ignorou a entrada e aproximação do gigante, até mesmo sua mão grande, uma

vez que pousou na mesa ao lado de sua pintura.

A fera se inclinou com um grunhido baixo e descontente. — Jogue fora.


Claire estava focada em terminar os últimos detalhes, os pequenos movimentos do

pincel exagerando as rachaduras no Domo. — Por que eu jogaria fora?

Ela havia pintado sua última manhã de liberdade; o momento negou-lhe a saída no

gelo.

Era gritante e horrível em suas implicações.

Seus lábios estavam em sua orelha, sua respiração agitando seus cabelos. — Você

fez isso para me chatear, pequena?

A ponta do pincel foi mergulhada novamente até ficar encharcada de tinta preta. —

Não.

Ela sentiu a mão dele prender seu cabelo para que ele pudesse puxar sua cabeça

para trás, de onde ela estava pendurada sobre seu projeto. Shepherd não a estava

machucando ou puxando, ele simplesmente desdobrou a Ômega, forçando-a a

encontrar seu olhar estreitado.

Ele foi severo enquanto examinava sua expressão. — Você vai pintar outra coisa.

Claire colocou a escova sobre a mesa e franziu a testa. — Eu gosto deste.

— Não gosto do que isso sugere. — Ele soltou o cabelo dela para pegar o ofensivo

pedaço de papel, olhando com rancor onde Claire havia pintado seus últimos

momentos de liberdade... apenas para mudar a história para mostrar o gelo rachado em

um buraco aberto - aludindo que ela havia caído em seu caminho à morte.

— Tudo bem, — Claire o desafiou. — eu vou pintar você em vez disso.


Esmagando o papel molhado nas mãos, Shepherd bufou. Uma vez que a pintura

foi completamente enrolada e arruinada, ele a jogou no lixo, descobriu que ela ainda

estava olhando para ele de boa vontade, e lentamente sentou-se em frente à sua

companheira.

Ele ainda não tinha tirado o casaco ou a armadura, parecendo exatamente como

quando Claire o viu pela primeira vez na Cidadela – ou seja, intimidador e irritado.

A nebulosa e onírica onda de estro a fez achá-lo atraente. Ver Shepherd agora, vê-lo

através de sua raiva, desgosto e do efeito do vínculo restabelecido... era diferente em

todos os níveis. Já pegando um novo pedaço de papel, olhando objetivamente para o

assunto de seus pesadelos, os olhos de Claire percorreram as marcas de Da'rin subindo

por seu pescoço e uma vida inteira de cicatrizes acumuladas.

A prata de seus olhos nunca vacilou enquanto ele a observava, embora eles tenham

ficado um pouco duros quando ela semicerrou os olhos e se inclinou mais perto. Então

a atenção dela se voltou para o papel e, como num passe de mágica, as linhas do rosto

dele começaram a aparecer.

A cada poucos segundos, olhos curiosos olhavam para o Alfa imóvel, percorriam

qualquer parte do contorno que ela precisava ajustar e depois voltavam para o papel.

Rapidamente, a linha de sua mandíbula e seu cabelo curto foram capturados em tons de

preto. Concentrando-se em seu trabalho, Claire começou a criar a boca, com a cicatriz

que ela uma vez chamou de linda cortada nela. Se eles não tivessem sido estragados,
Claire até admitiria que os lábios de Shepherd teriam sido considerados bonitos – sua

plenitude quase bonita. Seu nariz, agora que ela olhou mais de perto, não era reto; havia

lugares, pequenos desvios, onde ele foi quebrado e recolocado mais de uma vez.

Pequenas cicatrizes estavam em sua barba por fazer, por toda a linha do cabelo e na

testa.

Imagem quase concluída, apenas uma característica importante negligenciada,

Claire respirou fundo e obrigou-se a olhar nos olhos de Shepherd. A prata lhe era tão

familiar que ela poderia tê-la pintado mil vezes sem olhar, mas cada estudo teria sido

feito de olhos focados na intimidação, em despertar o medo. Naquele momento seus

olhos estavam quase complacentes, a agressividade animal, foco de um predador,

contida.

Do jeito que estava, parecia levar séculos para traduzir tal expressão no papel. Ela

tentou, mas sua interpretação nunca estava certa.

Como alguém poderia capturar olhos assim?

— Você está ficando agitada. — Comentou Shepherd, descontente quando ela

começou a olhar para a pintura.

Mais uma vez ela tentou capturar a expressão dele. — Não consigo acertar os olhos.

Lentamente, a mão dele se estendeu e tirou o pincel dos dedos manchados dela. O

retrato foi virado, Shepherd perguntando: — É assim que você me vê?


Parecia uma pergunta estranha. Claro que era assim que ela o via, foi por isso que

ela o pintou daquele jeito. — Sou melhor pintando paisagens.

Sua voz era estranha. — Você me fez diferente.

— Os olhos estão errados. — Reunindo seus suprimentos, ela se levantou e

contornou a mesa para poder limpar os pincéis. Uma mão grande interrompeu seu

progresso, puxando-a para mais perto. As tintas foram retiradas e colocadas de volta na

mesa, o braço dele serpenteando em volta da cintura dela.

Shepherd apenas olhou para ela e observou a mulher de cabelos escuros que o

havia pintado.

Segurando as mãos bagunçadas para não manchar o casaco dele, ela ficou parada

sem jeito, sem saber por que ele estava olhando para ela com tal expressão. Ela não

fizera nada para suavizá-lo no quadro; cada marca, cada cicatriz, cada parte dele estava

naquele papel.

Shepherd puxou-a para seu colo.

Observando-o como alguém observa uma cobra, Claire sentou-se rigidamente. Ele

começou a tocar seu rosto, a enfiar os dedos em seus cabelos, e então aqueles lábios, os

lábios carnudos que ela traduziu perfeitamente, chegaram aos dela.

Ele foi insistente mesmo em um beijo lento e lânguido, mesmo quando ela

reclamou em sua boca: — Vou pintar você, estou suja de tinta.


Sorrindo em sua resposta, roçando os lábios nos dela, ele sussurrou: — Então pinte-

me.

Uma língua quente deslizou em sua boca, Shepherd a segurou com força... mas ela

não o beijou de volta.

Os lábios dele traçaram seu queixo, provaram seu pescoço, mordiscaram sua orelha

enquanto seus olhos estavam no retrato sobre a mesa.

— Beije-me, pequena. — Ele murmurou contra sua pele, sorrindo enquanto

ronronava.

— Não.

O monstro riu baixinho e retomou sua boca com paixão, curvando seu corpo até

que a mesa encontrasse suas costas. As tintas estavam embaixo dela, a cor infiltrando-se

em seu vestido. Shepherd não se importou; tudo o que ele queria era sua boca no corpo

dela.

O tecido rasgou sob suas mãos, o vestido dela se partiu ao meio.

— As tintas. — Claire ofegou, preocupada que estivessem sendo arruinadas,

tentando se livrar de suas coisas.

— Não são nada comparados a isso. — O homem se atrapalhou com o zíper,

gemendo enquanto cheirava seu seio.

Os lábios estavam em seu mamilo, sua língua sacudindo o botão antes de se mover

mais abaixo e pressionar a boca em seu monte. Ele a atacou ali, saboreando um lugar
que não desfrutava desde que a pegou das Ômegas. Claire tentou empurrá-lo, gritou

quando suas pernas chutaram, mas Shepherd se manteve firme.

Apoiando-se nos cotovelos, o queixo de Claire caiu, seus quadris balançando para

escapar de algo tão íntimo. Ele observou cada expressão dela, ao mesmo tempo que

batia a língua nela e libertava o pau das calças.

Quando suas pernas começaram a se contorcer, sua respiração nada além de

suspiros abafados de ar, ele a bebeu, parecendo saber exatamente onde mover aquela

língua até que o rosto de Claire ficou dolorido e ela começou a gozar. Um grito, curto e

gaguejante, passou por seus lábios quando a espiral apertada que o homem havia

criado se rompeu. Em resposta, Shepherd grunhiu para ela, entrelaçou a língua

profundamente, acariciando-se loucamente por baixo da mesa.

Seus gemidos cresceram raivosos, seu punho apertando firmemente seu nó

florescente até que a semente espalhou-se pelo chão. Com o ar impregnado do cheiro de

sêmen, ele cavalgou, beijando ternamente a parte interna das coxas de Claire e

murmurando que ela tinha um gosto delicioso.

Caindo de costas contra a mesa, Claire olhou fixamente para o teto cinza

memorizado, tentando ignorar que suas coxas estavam sobre os ombros dele, que ele

estava lambendo-a até deixá-la limpa, e que ele tinha, mais uma vez, comandado

habilmente a resposta de seu corpo... como Svana havia alegado que os dois faziam com

outras Ômegas.
Esse pensamento trouxe um calor escaldante ao seu peito, o conhecimento doloroso

inspirando angústia instantânea.

— O que há de errado, pequenina? — Shepherd puxou a língua de sua fenda. — Eu

não montei em você; isso não deveria ter lhe causado dor.

Claire respondeu roboticamente. — Não doeu.

Mais beijos suaves na parte interna de sua coxa e um ronronar forte precederam a

promessa: — Vou substituir suas tintas; você não precisa se sentir angustiada.

Para vencer a guerra, ela teria que travar uma batalha. Fechando os olhos com

força, ela disse a si mesma que poderia fazer isso. — Não são as tintas. Eu estava

pensando nas Ômegas.

— Elas estão seguros, conforme nosso acordo. Meus homens os vigiam à distância.

— Mais uma vez ele provou seu centro, apreciando como ela se curvou até mesmo com

um simples beijo em sua protuberância atrevida.

Ofegante, Claire respondeu: — Não essas Ômegas. Aquelas que você compartilhou

com Svana.

O homem congelou, hesitando antes de falar. — Por que você pensaria nelas?

Claire forçou os olhos a abrirem, levantou a cabeça e encontrou Shepherd

observando-a com muito cuidado. — Eu me pergunto se ficaram com medo ou com

vergonha.

Cada palavra foi rosnada. — Elas estavam todos dispostos.


— De alguma forma, acho que você não entendeu o significado dessa palavra.

Estro distorce a mente. — Ela sabia disso melhor do que ninguém. — Você falou com

elas antes ou depois?

— Não.

Então elas provavelmente estavam mortas. — Isso me deixa triste.

Mãos grandes acompanhavam um ronronar quase instável, Shepherd acariciando-a

do joelho ao quadril. — Não fique triste, pequena.

Claire deitou-se, os olhos mais uma vez voltados para o teto. — Não me lembro

como ser feliz.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

Leslie estava no sofá, trabalhando em um COMscreen quando Corday voltou.

Sua boca estava fechada e ela estava claramente descontente. — Outro encontro

com sua Claire?

— Não. — Corday tirou o casaco, de costas para a fêmea Alfa.

— Mesmo assim você tem o cheiro dela. — Leslie chegou um pouco mais perto, seu

tom instantaneamente leve. — Como está a Ômega?

Com os olhos cansados e o rosto marcado pela decepção, Corday não conseguia

reunir nenhum entusiasmo por Leslie. — Claire foi...


Uma batida soou na porta, não os arranhões tímidos de Claire, mas um estrondo

arrogante. Com a arma já em mãos, Corday fez sinal para que Leslie desaparecesse de

vista.

— Eu ouço você respirando do outro lado dessa coisa, Executor. — A pequena

visão através do olho mágico mostrava uma mulher indesejada. — Abra ou

simplesmente girarei a maçaneta da porta que já destranquei. — Maryanne sorriu. —

Estou tentando ser civilizada.

Corday girou a maçaneta, descobrindo que estava de fato destrancada, e abriu a

porta o suficiente para apontar a arma para o rosto de Maryanne.

Maryanne fungou e acenou com a mão diante de sua ameaça mesquinha. — Eu vi

você se escondendo na pilha de lixo das Ômegas. Veja só, era o fedor do Executor que

ela estava usando quando veio até mim. Agora que sinto o cheiro dela em você, vejo

que estava certo, como sempre. Deixe-me entrar, eu quero falar com Claire.

Com os dentes cerrados, Corday sibilou: — Ela não está aqui.

— Mentira. — A mulher cuspiu, olhando por cima do ombro de Corday para espiar

dentro do apartamento.

— Você tem três segundos para me dizer quem você é antes que eu atire em você.

— Ah, cale a boca. — A loira passou por ele. — Estou aqui para ver minha amiga.
— Claire O'Donnell não é sua amiga. — Mas ele sentiu uma centelha de esperança

de que talvez sim... porque ele podia sentir o cheiro da Ômega nas roupas da mulher

estranha.

Ele fechou a porta e observou a mulher olhar ao redor, franzindo a testa quando

não viu nenhum sinal de Claire.

Maryanne jogou o pacote que tinha nas mãos no chão. — Ela deixou essas roupas

na minha casa. Sinta-se à vontade para me agradecer por devolver suas porcarias para

você. — Indo mais fundo no apartamento, seus olhos castanho chocolate olharam

diretamente para a linda Alfa parada no canto, observando-a como um falcão. — E o

que temos aqui?

Passando a mão pelo cabelo, Corday disse: — Essa é minha namorada, Monica.

— Boa tentativa, Executor. — Maryanne revirou os olhos. — Mas quem presta

atenção sabe que o coração de Leslie Kantor anseia pelo primeiro-ministro Callas. —

Sorrindo maldosamente, a loira olhou para a mulher e brincou: — Eu dormi com ele

duas vezes para sair da prisão. Ele foi horrível... Você se esquivou de uma bala quando

ele rejeitou seu pedido de casamento.

A expressão de Leslie ficou sombria. — Quem é você?

Voltando sua atenção para Corday e ignorando a sobrinha mimada do senador

Kantor, Maryanne rosnou: — Senti seu cheiro no apartamento dela, senti seu cheiro nas
roupas dela, este quarto está saturado dela, mas ela não está aqui ou com sua matilha...

então onde está Claire?

Corday mostrou os dentes. — O que você sabe sobre as Ômegas?

— Quem você acha que escolheu o local de sua nova e aconchegante casa? Claire?

— Maryanne revirou os olhos quando o homem olhou carrancudo. — Deusa nos salve,

você realmente achou que ela os libertou sozinha...

Fêmeas Alfa agressivas e machos Beta dominantes não se misturavam bem,

deixando o ar cheio de tensão e desconfiança.

Maryanne não veio até ali para ficar desapontada. — Eu quero falar com aquela

maluca. Uma última vez, Executor Corday - isso mesmo, eu sei quem você é - onde está

Claire?

Lábios curvados, ombros tensos, Corday sibilou: — Claire está desaparecida, ok?

Não sei onde ela está!

Por um momento, Maryanne pareceu preocupada e estudou-o como se houvesse

mais alguma coisa na explosão do homem. — Eu não acho que você esteja mentindo.

Isso deixou o resultado mais provável. — Então ela provavelmente está morta... ou

Shepherd a pegou de novo.

E foi exatamente por isso que Corday sentiu tanta desolação. — Eu não acho que

Shepherd esteja com ela. — Se Shepherd a tivesse, o tirano saberia de sua própria
localização, as Ômegas teriam desaparecido e o acesso de Leslie às suas comunicações

teria sido encerrado.

— Você tem razão. — Maryanne cobriu sua dúvida com um sorriso arrogante. —

Porque se ele fizesse, você e eu seríamos enforcados na Cidadela... A menos, é claro, que

nós e seu pequeno pacote de Ômegas fôssemos oferecidos em troca por comportamento

complacente. A idiota é estúpida o suficiente para cair nessa, você sabe.

— Ela não voltaria para ele. — Não havia como. Cada sentimento dentro de

Corday sabia o que era melhor. Ele tinha visto o que o monstro tinha feito com ela... o

que ela tinha sido forçada a viver. Tocando onde o anel dela circulava seu dedo

mindinho, ele voltou para a porta, abrindo-a para que seu convidado pudesse entender

uma dica.

Antes de partir, Maryanne enfrentou Corday uma última vez. — Eu a conheço

melhor do que qualquer outra pessoa no mundo. Também sei que ela queria se matar...

É por isso que vou rezar para que ela o tenha feito, em vez de considerar a alternativa

horrível. Obrigada por nada, Executor Corday.

Ele bateu a porta.

Corday virou-se para Leslie e encontrou a mulher franca e terrivelmente calada.

O aviso da mulher estranha afetou sua compostura. — Se Claire está na posse de

Shepherd, se ela fez alguma troca imprudente por nossas vidas, então ele sabe sobre
você. Se tudo isso for verdade, então cada informação que você descobriu está

comprometida... inútil.

Leslie parecia prestes a quebrar alguma coisa.

Capítulo 10
Claire ainda estava dormindo, inquieta debaixo das cobertas da cama ao lado dele.

Foi necessário muito esforço para deixá-la confortável depois que Shepherd a encontrou

escondida no banheiro vomitando ao retornar. Horas de toques suaves, caldo suave e

seus rosnados agitados eventualmente se transformaram em roncos. Depois que Claire

finalmente perdeu a consciência, o fio pareceu se harmonizar, deixando Shepherd capaz

de trabalhar deitado ao lado dela.

Os relatórios sobre os movimentos do Executor Corday não foram nada agradáveis.

Svana ainda estava escondida em seu apartamento, e a irritante Maryanne Cauley veio

telefonar, procurando por Claire.

A agenda de nenhuma das mulheres era clara. Svana estava brincando com a

Resistência, com que propósito Shepherd não tinha certeza, mas ela estava tramando

alguma coisa.

Durante os anos de seu relacionamento, não houve segredos, nenhuma linha

divisória entre eles. Ordenar a Jules que continuasse com sua vigilância constante tinha

sido... difícil. Estudar os motivos dela, como havia estudado os senadores, suas famílias,

seu trabalho, durante anos, perturbou muito Shepherd.

Esta mulher não era a mesma revolucionária que ele amava com cada fibra do seu

ser. Pior ainda, não saber onde ela havia escondido o Contágio, tendo mandado revistar

todos os lugares habituais, o deixava inquieto.


Ela queria lembrar a Shepherd que ela tinha o poder. Saber que ele a estava

observando esvoaçando pelo apartamento do Beta era sua maneira nada sutil de

lembrá-lo de que estava no controle.

Ela jogou seus jogos com a Resistência. Leslie Kantor queria que eles considerassem

suas informações valiosas, até mesmo fragmentadas, que poderiam minar o controle de

Shepherd.

Svana estava zombando dele.

Por que?

Havia mais nisso do que sua raiva por Claire.

Até agora, apenas Maryanne Cauley havia lançado a única chave em seus planos.

…quando ele rejeitou seu pedido de casamento.

Como uma mulher como Maryanne possuía informações das quais nem mesmo

Shepherd tinha ouvido falar? Por que Svana quase estendeu a mão e quebrou o pescoço

da loira?

Mais importante ainda, por que Svana não percebeu o olhar imediato de suspeita

que o Executor Beta lançou em sua direção assim que essas palavras foram divulgadas

abertamente?

Desafiador não era a palavra certa para descrever os sentimentos inerentes ao

problema. Profundamente, Shepherd queria confiar em Svana como sempre fez. Mas a
pequena Ômega de cabelos pretos se enrolou ao seu lado... basta olhar para ela e

Shepherd fica perplexo.

Ele nunca confiaria em Svana perto de Claire. Esse fato lhe causava dor.

E foi por isso, em essência, que Svana permaneceu com o Executor. Ela sabia que a

lealdade permanente de Shepherd havia sido abalada e ela o provocou criando um

novo campeão; tocando levemente o Beta a cada passo, mantendo-o bonito e

envolvente.

Estaria ela tentando seduzir Corday, para ostentar sua conquista?

Nunca antes em sua vida Shepherd havia lutado com tantas questões. As respostas

sempre foram óbvias e seu rumo foi firme.

Agora ele sabia que precisava alterar bastante o plano. Ele tinha que descobrir o

Contágio e certificar-se de que estava fora do controle de Svana. Despojado de sua

maior vantagem, ele poderia argumentar com sua amante, talvez encontrar para ela um

homem Ômega para que ela também pudesse ser iluminada.

A sua parceria, a sua rica história, não precisaria ser manchada pela sua devoção

natural a um companheiro tão agradável.

Tranquilizado, Shepherd leu a última atualização novamente. Havia algo na

transcrição que era intrigante. Assim como Claire havia explicado; a outrora lacaia

descartável, Maryanne Cauley, gostava de sua companheira.


Na experiência de Shepherd, Maryanne Cauley era muito fácil de controlar, uma

criatura inundada de autopreservação. Shepherd poderia usá-la novamente,

aumentando o plano inicial de Jules para ganhar mais do que apenas a complacência de

Claire. Ela poderia ser uma ferramenta valiosa, e a egoísta fêmea Alfa estaria até

disposta pelo preço certo.

À medida que a trama de Shepherd se desenvolvia, Claire ficava inquieta em seus

sonhos. Distraidamente, Shepherd começou a ronronar, traçando levemente o sulco

entre as sobrancelhas da Ômega até suavizar.

Antes que tudo pudesse ser corrigido, havia uma lista de problemas que

precisavam ser remediados. A Ômega não demonstrava nenhum sinal do carinho que

havia demonstrado antes da recente… complicação. Durante suas horas de vigília não

houve atividades de nidificação, não como antes. Os hábitos normais de uma Ômega

grávida deveriam ser incentivados, mas ela não tocava mais a barriga como deveria –

nunca reconheceu a criança que ele colocou em seu ventre, embora isso fosse a causa de

sua náusea quase constante. Somente durante o sono sua mão repousava sobre o bebê, e

mesmo assim ela parecia... perturbada.

Claire também estava incrivelmente desinteressada em ser tocada, mas se ele

iniciasse, era altamente receptiva ao sexo.

Eles estavam na estaca zero.


Shepherd a mantinha em constante estado de acasalamento, pegava-a tantas vezes

que seus olhos permaneciam meio dilatados, quase como se estivesse nos primeiros

estágios do estro. Era necessário mantê-la em recuperação, manter o vínculo fresco e

incontestado, e isso a acalmava. Mas ela já não sussurrava ou chamava o nome dele,

parecia meio envolvida, mas ansiosa por prazer.

Puro escapismo…

Quando a mulher adormecida se acalmou, Shepherd voltou aos últimos relatórios.

Faltando apenas oito semanas para que o transporte levasse aqueles que escolheram a

lealdade à sua causa para tomar Greth Dome, sua nova vida logo começaria. A

linhagem e o título de Svana a colocariam como a rainha salvadora do que todas as

informações confirmaram ser uma população altamente reprimida. A transição seria

relativamente tranquila. É claro que haveria turbulências e batalhas naquelas primeiras

semanas enquanto o regime usurpador fosse dizimado, mas Shepherd tinha um

suprimento digno de Seguidores para elevar seu padrão, e o governo Greth não tinha

nenhuma indicação de que um pesadelo logo cairia sobre eles.

O melhor de tudo é que, à medida que Shepherd prosperava, enquanto dava a

Claire as coisas que lhe trariam felicidade, nada além de cadáveres e podridão seria

deixado em um lugar que ele odiava de todo o coração.

Todos os que restassem em Thólos sucumbiriam à peste.


Brincando com uma mecha de cabelo de Claire, Shepherd sorriu – justificado, em

perfeito alinhamento com o universo, até que a ouviu gritar.

Foi apenas um pequeno barulho no escuro, uma voz misturada com medo... um

chamado para ele ajudá-la.

Ele se moveu mecanicamente, rápido para aproximá-la. — Estou aqui, pequenina.

Shepherd percebeu que ela não estava totalmente acordada quando, em vez de

ficar tensa com o toque dele, agarrou o tecido da camisa dele e puxou-o para mais perto,

incitando-o a cercá-la com seu calor e força.

Engolindo em seco, tentando recuperar o fôlego, Claire tentou não pensar no som

dos gritos dos condenados e nos flashes persistentes de homens fazendo fila para

machucá-la em seu sonho. Foi outro pesadelo horrível que o Shepherd de Undercroft

descreveu desde sua infância; uma prisão que deu origem a monstros, habitada por

demônios que até mesmo Maryanne havia alertado uma vez ainda se escondia lá

embaixo.

Afastando o cabelo do rosto, Shepherd a encorajou a se acalmar. — Você está

permitindo que suas meditações afetem seus sonhos.

Claire soltou o monstro indutor de pesadelos imediatamente. — Estou bem.

— Você não chamaria seu companheiro se algo não a tivesse assustado.

Shepherd os rolou, segurando-a contra seu peito para que Claire pudesse descansar

em cima dele enquanto dormia antes das complicações das últimas semanas. Nessa
posição, as vibrações dele passariam muito mais visivelmente para ela, e o ódio nos

olhos dela voltaria ao olhar distante de complacência.

— Que horas são?

Shepherd não a deixou se mexer, mas respondeu à pergunta. — Um pouco depois

das 16:00.

Deus, ela estava tão cansada mesmo depois de tanto sono. Cansada demais para

protestar contra os braços grossos que vinham abraçar e acariciar, sentindo-se culpada

por estar sentindo conforto com tal coisa, ela reclamou: — Odeio as horas aqui

embaixo... está tudo ao contrário.

— Se você tivesse dormido durante a noite em vez de lutar contra o descanso de

que necessita, então teria se estabelecido em ritmos regulares.

Claire deu um gemido irritado com seu sermão inútil. Foi culpa dele que ela não

conseguisse dormir, culpa dele que sua mente estava instável, culpa dele que ela teve o

pesadelo, culpa dele que ela podia sentir novamente e que tudo parecia horrível. Sem

saber se ela falou simplesmente para irritá-lo, ou para testá-lo, ou porque era disso que

ela realmente precisava, Claire murmurou contra o tecido da camisa dele. — Eu quero

sair.

O ronronar parou.
Um momento pairou entre eles, o ar tangível de insatisfação mútua. Trilhando os

dedos no peito dele, ela deixou claro que estava esperando por uma resposta e que só

havia uma resposta certa.

Tudo em sua resposta foi desagradado e rosnado com grande aborrecimento. —

Você vai comer e tomar banho primeiro. Depois de acasalarmos... vou acompanhá-la

para ver o seu céu.

Que fodidamente romântico.

Com vontade de continuar sendo difícil, Claire disse: — Quero comer batata frita

com maionese.

Ele enfiou os dedos nos cabelos dela. — Não.

— E um shake de chocolate.

— Não. — Shepherd acariciou sua coluna na tentativa de incentivá-la a voltar a

dormir e esquecer sua expectativa em relação ao céu.

— Framboesas, muitas framboesas.

— Isso você pode ter.

Ciente de que ele estava tentando fazê-la derreter até que ela esquecesse seu

pedido, e consciente de que Shepherd estava prestes a atingir seu objetivo, Claire

começou a se contorcer, esticando-se como um gato e quebrando a coluna. Ele a fez

trabalhar para escapar. Mesmo com o braço sobre ela, a maldita coisa pesava uma
tonelada, e ele parecia muito mais interessado em apalpar sua bunda do que em deixá-

la levantar. No final, ela o mordeu e saiu de seu alcance.

Shepherd achou engraçado.

Ela foi até o banheiro, ignorando a risada leve vinda do gigante deitado na cama.

Um longo banho, felizmente sozinha, ajudou a limpar os restos de seu pesadelo. Não foi

a primeira vez que sonhou que estava trancada em uma cela, a parte superior do corpo

pressionada contra uma cama fedorenta enquanto um demônio a acariciava

dolorosamente. Além das grades, massas de Alfas observavam e esperavam. Com os

rostos contorcidos, eles rosnavam e estalavam, alcançando as barras de metal,

esticando-se de forma desumana até quase poder tocá-la.

Claire não queria pensar em Undercroft, nas coisas que estavam trancadas lá, mas

os sentimentos do sonho pareciam permanecer como uma mancha que nem mesmo um

banho escaldante poderia lavar.

Ela desligou a água, penteou o cabelo diante do vidro embaçado e sentiu que a

mulher no reflexo borrado era um fantasma.

Apagando a luz, voltou para a sala principal de sua jaula e descobriu que Shepherd

havia criado o dia ao acender todas as luzes. Depois que ela estava vestida, ele saiu para

pegar sua comida. As tintas dela foram limpas dias atrás, a ejaculação dele do chão

também, mas o retrato permaneceu sobre a mesa. Ela não sabia exatamente por que ele
o havia deixado ali e tentou ignorá-lo, mas parecia que os olhos incorretos estavam

sempre a observando.

Estudando a coisa, o rosto áspero do homem que machucou tantas pessoas, ela não

conseguiu descobrir o que na pintura parecia agradá-lo. Claro, ela pode ter interpretado

mal a reação dele – o Alfa estava coberto de meias verdades e não tinha escrúpulos em

enganar se isso significasse que ele alcançaria seu objetivo. Mas algo no cordão, algo na

ponta dele, ficou muito satisfeito com o que ela fez.

Claire queria uma reação, ela conseguiu uma. Mas agora não tinha ideia do que

significava ou como usá-lo.

Absorvida pelos olhos imperfeitos, ela listou os erros em sua interpretação. Eles

não eram duros o suficiente; a prata não continha uma onda de história distorcida.

Shepherd parecia apenas um homem. E como ela ficaria se alguém a pintasse? Seria a

imagem fantasmagórica borrada do espelho ou alguém completamente diferente? Será

que os olhos dela estavam infectados com a mesma coisa que permanecia nos dele?

Quanto tempo levaria para ela acordar e não se importar mais com as quarenta e

três vidas que ele tinha sobre sua cabeça, ou com os milhões em Thólos pelos quais ela

teve que encontrar uma maneira de lutar? Por que ela não bateu o pé no gelo e o

quebrou com tanta força que ambos seriam sugados?

Seu tênue controle sobre a compostura começou a diminuir no exato momento em

que o ferrolho da porta sibilou seu aviso metálico que Shepherd havia retornado.
Esfregando rapidamente as lágrimas do rosto, Claire sentou-se ereta e se preparou para

a próxima rodada.

O homem entrou com uma bandeja e a colocou diante dela, notando a vermelhidão

ao redor dos olhos da mulher sentada ereta.

Quando ela viu o que ele havia trazido para ela, Claire começou a fungar. Ela

pegou uma fatia de batata frita fumegante, mergulhou-a na maionese e depois

mergulhou-a novamente no shake de chocolate. Enfiando-o na boca, as lágrimas

começaram a cair, seu reconhecimento patético. — Eles são muito bons.

— Não há framboesas no local. Elas serão adquiridas em breve. — Explicou

Shepherd, presumindo que ela estava, finalmente, tendo algum tipo de momento de

gravidez.

Chorando, Claire despejou o shake de chocolate sobre as batatas fritas quentes,

espalhando-se na bagunça. Ela se empanturrou, farejando e franzindo a testa,

devorando o que para Shepherd parecia absolutamente nojento, como se fosse maná

dos céus. Quando ela terminou o que devia ser a coisa mais prejudicial à saúde do

planeta, seu breve choro acabou e ela se sentiu muito melhor.

Limpando a boca, Claire olhou para o homem que observou sua refeição. Era óbvio

que Shepherd queria que ela lhe agradecesse – ele havia feito algo de bom para ela, algo

aparente e óbvio que ela havia solicitado especificamente. Todos aqueles outros meses,

ela desafiadoramente não usou nenhuma de suas coisas fora da mera necessidade,
nunca fez pedidos além de exigências de liberdade... simplesmente para deixar claro

que ela estava recusando sua hospitalidade. Mas esta refeição ela declarou abertamente

que desejava, e ele a entregou, embora fosse claramente algo que ele não achava que

fosse o melhor para ela. Na sua estranha linguagem era quase como se, mais uma vez,

ele afirmasse que havia um novo precedente e que estava fazendo um esforço.

Olhando para a bagunça derretida restante em seu prato, Claire respirou fundo e

expirou. — Obrigada.

A bandeja foi afastada antes que uma mão grande chegasse ao seu rosto e a

levantasse. Seu polegar limpou uma mancha de chocolate que faltava, e Shepherd ficou

muito satisfeito. — De nada.

Ela não queria olhar naqueles olhos impossíveis, mas ele a manteve escravizada.

Claire estava perdida enquanto media quantas mortes aconteceram com ele, quantas

coisas terríveis ele tinha feito e das quais ela esperava nunca saber. Por que ele tinha

que ter uma história trágica que assombrava seu sono, e como ele se tornou tão

distorcido que virou a imagem do arauto do apocalipse de Thólos?

Por que ela estava pensando em toda aquela merda?

Shepherd deu-lhe tempo, observando sua expressão confusa enquanto ela

confessava: — Sonhei com seu Undercroft e fiquei presa com os prisioneiros que me

procuravam através das grades... enquanto eu estava sendo estuprada, como você disse.
Com o cotovelo apoiado na mesa, ele segurou sua bochecha e ronronou: — Foi

apenas um sonho. Você está segura aqui e nunca suportará o Undercroft.

Ela fungou, perdida na mudança de mercúrio daqueles malditos olhos. — Como é?

Sem saber exatamente o quanto deveria revelar, Shepherd disse: — Escuro, frio. Os

prisioneiros comem o mofo nas paredes; não há sistema de esgoto. Nos túneis é fácil se

perder... muitos desaparecem. Quando criança, um presidiário me disse que esses

túneis abrangem todo o continente da Antártica. Eles duram muito tempo; você anda e

anda e nunca encontra uma saída. Mas encontra os ossos de outras pessoas que

enlouqueceram procurando pelos caminhos apenas para morrer por falta de água ou

fome.

— Não gosto de sentir pena — Claire respirou, os olhos cheios de tristeza. — de

você.

A maneira como ele a observava, o movimento lento de seu olhar analisador, era

como se ele já soubesse tudo o que ela confessou. — Pequena, é apenas uma indicação

da sua natureza sentir compaixão - até mesmo por mim.

Suas sobrancelhas baixaram, formando uma pequena linha entre elas. — É aqui

que você me chama de covarde ou de idiota?

Shepherd sorriu. — Você é um tanto tola, mas não é uma covarde - simplesmente

ingênua. O que você é, é inocente.


Mas isso não era verdade. Decepcionada com a resposta dele, ela se levantou da

cadeira, as mãos puxando as alças do vestido para que o tecido pudesse sussurrar por

seu corpo. Ansiosa para terminar o requisito final para sair da sala, ela se moveu, nua e

inexpressiva, para ficar diante do Alfa.

Ele examinou os lugares secretos do corpo dela, mas não tocou.

Com a voz áspera, Claire sentiu a culpa, a raiva, o medo consumi-la. — O que você

vê agora?

Lentamente, Shepherd encontrou sua expressão indignada, ronronando

suavemente: — Minha companheira.

A vibração era profunda em seu peito, algo que exigia muita concentração para

lembrar que não era bem-vindo. Confusa, ela o observou, sem saber por que ele não a

tocava. Por que já não estavam na cama, na mesa ou no chão?

O momento estava se transformando em algo que não era para ser.

Assim que ela estava prestes a se virar, para simplesmente se afastar dele, o

rosnado foi feito. Foi alto, expectante, e trouxe consigo uma pequena cãibra prazerosa

enquanto seu corpo respondia instintivamente.

Fluido veio grosso e copioso com tal chamada, escorrendo por sua perna. Shepherd

observou o pequeno gotejamento, cativado.

Levantando-se lentamente, ele puxou a roupa pela cabeça, despindo-se apenas até

ficar diante dela em um estado igual. Ele era lindo e grandioso; todo o glorioso epítome
do físico Alfa no controle de um homem que usava tal força implacavelmente. Claire

teve que esticar o pescoço para olhar para cima, para manter os olhos longe do corpo

marcado, onde ela pudesse focar no rosto dele e naqueles olhos odiados.

— O que você vê quando olha para mim, pequena?

Um monstro, o homem que arruinou a vida dela, o garotinho criado no inferno cuja

mãe realizou atos indescritíveis apenas para lhe garantir uma faca, um ex-prisioneiro

que dedicou seu amor a Svana, um homem com uma fé distorcida, o homem que havia

traído o vínculo de casal e causado grande dor a ela, seu carcereiro, o pai da vida que

crescia dentro dela, uma criatura em quem ela não podia confiar... Claire respirou fundo

e disse a única coisa que pôde. — Eu vejo o par Alfa ligado a mim.

— Você não consegue ver mais? — Shepherd sugeriu, tentando extrair as palavras

adequadas.

Sua resposta se torceu e arrancou seu coração, mas Claire ficou parada, seu rosto

era uma máscara, e disse a odiada verdade: — Eu vejo meu companheiro.

— Você está excepcionalmente bem hoje. — Afirmou o Alfa, mas ainda assim não

se mexeu.

E Claire entendeu. Shepherd queria que ela iniciasse o sexo, ele estava

ultrapassando seus limites, vendo o quanto ela estava disposta a trocar pelo que queria.

Ela soltou um sussurro baixo. — Não posso.

— Você pode. — Shepherd estava confiante, acenando para ela tentar.


Já meio chapada, drogada pelo cheiro e pelo chamado, Claire sabia na verdade que

ela queria isso. Ela queria que ele a fodesse com tanta força que se esqueceu, que Claire

desapareceu. Tinha sido seu único descanso desde que o acordo foi fechado; ela tinha

apenas o sexo como distração. De um modo doentio, ela quase ansiava por um ciclo de

cio, uma fonte estúpida de existência que desligasse seu pensamento até que tudo o que

importasse fosse a gratificação física. Mas ela não poderia permitir-se tal coisa se

Shepherd não a forçasse ou aceitasse; isso tornaria o ato de acasalar algo que ela não

poderia suportar.

Cerrando os punhos, ela olhou para o lado e balançou a cabeça beligerantemente.

— Não posso.

Outro daqueles grunhidos poderosos, tão alto que era quase um rugido, e sua

boceta apertou, mais daquela maldita escorregadia escorrendo por sua perna.

Shepherd persistiu. — Você pode.

Ela sabia o quão fácil poderia ser, o quão falsamente gratificante seria a sensação de

seus braços - a decadência de fornicar com tal criatura, ouvir suas palavras sussurradas

em seu ouvido... o culminar do momento em que seu mundo explodiu e tudo de ruim

era esquecido. Ela não sentiu isso centenas de vezes? Mas Shepherd teve que infligir

isso, se ela desse aquele passo fatídico e admitisse que desejava tal coisa, isso a

arruinaria.
Desmoronando, ela fechou os olhos e apoiou a testa em seu peito, não fazendo

nada além de respirar fundo o que a natureza lhe dizia ser dela, mas o que a experiência

lhe ensinou que estava longe de ser o caso. Levemente, as pontas dos dedos dela

chegaram ao torso dele, subindo, traçando delicadamente os mamilos em sua jornada

até chegar ao pescoço.

Claire congelou. Ela não podia se vender pelo céu ou pelo esquecimento.

— O que mais você quer de mim, Shepherd? — Frustrada e desesperada, ela

choramingou: — Foda-me já!

Ela o sentiu se curvar para alcançar sua orelha, conhecia a pressão dos lábios

marcados. — Eu quero tudo.

O enorme homem puxou-a para a cama. Claire foi girada e pressionada de barriga

para baixo, com as pernas penduradas em direção ao chão. Uma mão passou quase com

muita força por sua espinha, a cabeça pulsante de seu pênis posicionada em suas

dobras. Ele não pressionou. Em vez disso, Shepherd deu um tapa nela; a palma da mão

encontrando toda a redondeza de sua bunda e a deixando vermelha e ardendo

enquanto ela gritava de surpresa. Seus quadris subiram e, no meio de seu grito, ele a

perfurou com toda a sua circunferência.

— Você está tão molhada, mas ainda se atreve a fingir que não quer isso? Que

precisa ser forçado? — Ele rugiu, agarrando seus quadris enquanto ela se apresentava,

arqueando as costas em um convite instintivo. Bruscamente, ele a puxou de volta para


atender cada impulso, Claire choramingando nas cobertas, caindo no delírio drogado

onde ela poderia desaparecer e esquecer.

No segundo em que sua mente se libertou de sentimentos e pensamentos

mesquinhos, Shepherd tirou seu pau, virando-a.

Olhos prateados brilhantes encontraram os dela. — Você quer que eu continue a

foder você?

Seus olhos grudados na espessura brilhante e latejante que ele deveria estar

enterrando dentro dela repetidas vezes, ela rosnou: — Sim!

O homem ficou ali, ofegante, com os olhos brilhando, com a mancha dela

espalhada por toda a virilha... e simplesmente não fez nada.

Claire bateu o punho contra o colchão e olhou para cima com olhos furiosos e meio

dilatados. Houve um rosnado, sua própria versão do rosnado, e ela se lançou sobre ele

para pegar de volta a única coisa que lhe restava para aliviar a dor. O som de sua

exigência inspirou o homem a manipular a situação ao seu gosto. Shepherd a tomou em

seus braços, mergulhando seu pênis lenta e profundamente onde ela doía, e observou

os pedidos silenciosos de Claire por mais.

Mantido no limite da insensibilidade que ela desejava, como se conhecesse o jogo

dela, Shepherd moveu-se com decidida astúcia na dissecação de sua evitação do que

eles eram e por que ele acasalou com ela - forçando Claire a reconhecer quem oferecia

sua satisfação carnal, o que ele sentia contra ela, e o quanto ela adorava isso.
Sem o frenesi não havia vazio, não havia perda de si mesmo. Claire sabia em seus

ossos que ele estava conscientemente negando a ela a única fuga que lhe restava,

fazendo amor quando ela só queria foder.

Shepherd sorriu como um homem parado na felicidade do céu, sussurrando para

que ela tivesse que reconhecer sua voz e controlando cada impulso, não importando

como ela se contorcia ou balançava os quadris. Não havia como escapar dele ou do

prazer.

Sua mente captou a ironia com cada golpe suave de que a única coisa que ela lutou

para preservar quando Shepherd a tomou pela primeira vez foi seu senso de

identidade... até que ele a quebrou. Agora tudo o que ela queria, agora que o seu

mundo estava tão escuro, era esquecer essa identidade e definhar.

— Mais rápido. — Ela respirou com um longo gemido.

Havia tanto prazer em sua voz, Shepherd balançando suavemente os quadris para

encher sua boceta lentamente. — Não, pequenina.

Isso durou horas, até que ela estremeceu e arrulhou pequenos sons de prazer. Foi

assim nas primeiras semanas, mas a angústia subjacente era diferente. Ela não tinha

mais medo do que ele poderia fazer com ela; ela tinha muito mais medo de seu senso de

identidade mutilado e do que ela tanto queria dele.


Uma mão quente acariciou do quadril ao seio, repetidamente, deixando um rastro

de formigamento suave e terminando com um pequeno aperto em seu mamilo apertado

até que ela choramingou por mais e se espalhou mais em convite.

— Abra seus olhos.

Quantas vezes ele já havia ordenado que ela fizesse isso? Por que ele tinha que

fazê-la olhar? Obedecendo, seus olhos verdes encontraram um lindo prateado. Ela viu a

palma da mão embalar sua bochecha, ela o viu beijar a ponta do polegar dela.

Uma respiração profunda e um suspiro longo e trêmulo vieram da Ômega. — Eu

não posso... eu preciso...

O ronronar cresceu no fundo do peito de Shepherd, o Alfa observando cada minuto

de reação de prazer em seu rosto. — Amoleça, pequena. Deixe acontecer assim. Não há

mais necessidade de lutar contra o que somos.

Ele entrelaçou os dedos nos dela, seus músculos escorregadios de suor movendo-se

por todo o seu corpo. Cada vez que a enchia, ele moía sua virilha em um círculo

apertado para provocar seu clitóris, extraindo sons da Ômega que faziam suas bolas

apertarem.

O nome de Shepherd veio aos seus lábios quando ela sentiu a primeira vibração

das horas construindo o clímax, um nome que ela nunca mais queria gritar com paixão

novamente.
Não havia sequer um indício de névoa velada em sua mente quando ela sentiu

lágrimas escorrendo de seus olhos e sua boceta apertando como um punho em torno de

seu nó inchado. Claire teve um orgasmo completo, poderosamente consciente de

Shepherd, suas entranhas ordenhando vigorosamente seu pênis, extraindo até a última

gota de seu gozo enquanto o homem gemia em seu próprio êxtase.

Desossada, vibrando com o zumbido, Claire não sabia o que fazer. A sensação da

bochecha dele passou pela palma da mão dela, a Ômega murchando contra o colchão.

— Isso foi perfeito. — Ele beijou seus lábios frouxos e acariciou sua bochecha. —

Você, Claire, é superior a qualquer céu.

Seu contentamento foi destruído. Com um grunhido gutural e cruel, Claire

ameaçou o homem ainda profundamente atado. — Nunca mais me chame desse nome!

Capítulo 11
O nó estava fresco, o pênis do macho ainda a enchia com um fio constante de

sêmen, seus dedos ainda calorosamente envolvidos nos dela. No entanto, qualquer

ternura que a Ômega demonstrou ao conduzi-la pelo caminho do orgasmo evaporou.

Seu pequeno corpo estava rígido, os quadris de Claire se moviam apenas o suficiente

para comunicar seu desejo de rejeitar o nó, mesmo que estivesse presa por ele.

Se Shepherd estava com raiva, ele escondeu bem. Olhando para ela com uma calma

enganosa, ele falou o nome dela novamente. — Claire.

Sua raiva crescente se misturou com desgosto, mas ela refletiu o movimento dele

no tabuleiro. Em um tom tão calmo que era arrepiante, ela explicou: — Cada vez que

ouço você falar esse nome, sinto a mão da sua amante Alfa esmagando minha garganta.

Sinto os dedos dela coçando minhas entranhas. Vejo você, um monstro que tem a

audácia para se chamar de meu companheiro, ficar parado e assistir. Eu ouvi você me

mandar ir ao banheiro dizendo Claire ... um nome que você se recusou a reconhecer até

aquele momento esclarecedor.

Shepherd tinha que aproveitar esta oportunidade; ele precisava argumentar com

ela. — Eu não a testemunhei tocando você sexualmente e só soube disso mais tarde. Isso

nunca vai acontecer novamente.

Incrédula, os olhos de Claire se arregalaram diante de sua coragem. — E isso deixa

tudo bem?
O homem tentou novamente. — Estou ciente de que você nutre grande raiva por

mim, até mesmo ódio, pelo que foi feito.

— Eu odeio você. Eu a odeio. Mas acima de tudo, eu me odeio.

Balançando os quadris, apertando o nó mais fundo, ele insistiu: — Diga-me a razão

pela qual você se odeia.

Ela sustentou os olhos dele, os dela violentamente furiosos. — Nós dois sabemos

por quê.

Mas precisava ser dito em voz alta. — Claire, seu ódio por si mesma vem do fato de

que você reconheceu que tinha afeição por mim antes que as circunstâncias lhe

causassem dor.

— Circunstâncias? — Claire riu maldosamente, nem um pouco impressionada. —

Ela tem um nome. É Svana. O que você fez comigo tem um nome. Chama-se traição.

Estranho remorso queimando em sua consternação, Shepherd pressionou a testa na

dela. — Você tem minha fidelidade agora. Eu lhe dei minha palavra. Poderíamos nos

contentar um com o outro se você esquecesse e tentasse novamente.

Claire saturou sua resposta com cada grama de desgosto que conseguiu reunir. —

Você é um homem muito inteligente, com a habilidade de inspirar outros a segui-lo no

mal, Shepherd, mas sua compreensão das pessoas é primordial. Você afirma me amar,

então responda isto: e se eu tivesse fodido Corday enquanto você estava me

observando? No armazém, seria algo que você esqueceria?


Todo o corpo do homem ficou rígido. — Não.

— Então você vê, é impossível.

Seus olhos estavam cheios de centenas de coisas. — Você vai me perdoar.

Sua sobrancelha negra se arqueou. — Perdoar o que você só pode chamar de

circunstâncias que me causaram dor?

Ele sabia o que ela queria. Rosnando como uma fera, Shepherd deu. — Eu acasalei

com Svana e desonrei você.

— Você fez.

— Eu fiz isso para salvar sua vida.

Claire se arqueou embaixo dele, querendo fugir. — Você está mentindo.

Suas mãos apertaram os dedos dela com tanta força que doeu. — Eu fiz isso porque

não poderia machucá-la; ela é minha única família... Porque estava preocupada que ela

tirasse você de mim. Dei a ela a atenção que veio buscar para distraí-la, para que você

não fosse considerada uma ameaça. — Quase freneticamente, ele admitiu: — O tempo

todo eu estava pensando em você.

— Isso é nojento.

Shepherd não sabia como responder a tal coisa, então escolheu o silêncio. Enquanto

o nó persistia, ele segurou suas mãos relutantes, ronronou e acariciou, mas Claire havia

perdido todos os traços de suavidade... Na verdade, ela só parecia triste.


Quando finalmente o nó diminuiu o suficiente para ele conseguir retirá-lo, ele o fez.

— Vista-se. — Shepherd ficou com uma graça que um homem de seu tamanho não

merecia. — Vou levá-la para ver o seu céu agora.

Claire havia perdido o interesse em sair; ela não queria nada além de dormir. —

Você não precisa desperdiçar esforço. Não quero mais ver isso.

Shepherd agarrou seu braço e puxou-a para ficar de pé quando ela começou a rolar.

— Você vai colocar um vestido imediatamente.

Depois de limpar o esperado rio de sêmen que saiu de seu ventre, Claire pegou o

vestido do chão e puxou-o pela cabeça. O gigante se vestiu e voltou para ela,

estendendo um cobertor, esperando por ela para poder envolvê-lo nos ombros no lugar

de um casaco. Ainda não havia sapatos.

— Dê-me sua mão. — Ele grunhiu.

Claire obedeceu e sua mão enorme se fechou sobre seu pequeno pulso, deixando

metal frio e um som áspero de algemas sendo colocadas. A extremidade oposta ele

fixou em seu próprio pulso, Shepherd avisando: — Você vai se comportar.

— Eu não levo quarenta e três vidas levianamente.

Ele a levantou em seus braços. — Seu esforço recente não passou despercebido.

Assim que ela se acomodou contra seu peito, eles saíram do quarto.
Shepherd a levou por um caminho alternativo que terminava em um elevador de

serviço fedendo a seus homens. A porta se fechou, a engenhoca deu um solavanco e a

longa viagem começou.

Ele a estava levando para os níveis superiores, uma região que ela só visitava uma

vez por ano quando era menina. Ou pelo menos foi o que pensou. Quando a porta se

abriu, um salão decadentemente decorado apareceu. As paredes eram bem decoradas,

limpas e cheias de suaves luzes de cristal. Não havia janelas, e quando Shepherd se

aproximou de uma porta de aparência sinistra, Claire começou a pensar que o homem a

havia enganado.

Ele iria puni-la novamente.

Ele digitou um código no console da porta, o silvo da descompressão informando

que ela havia sido destrancada. Abrindo-a com os ombros, Shepherd levou-a para

dentro. O cofre fechou-se, trancou-se, com um clique extremamente final.

Ele a colocou no chão. Os pés de Claire estavam tocando um tapete macio que

parecia ter saído de um livro ilustrado do velho mundo. Havia papel de parede

dourado e painéis feitos de madeira de verdade.

Principalmente, havia luz brilhante.

Ansiosa por chegar à janela, ela deu um passo à frente apenas para descobrir que

seu braço ainda estava acorrentado ao homem atrás dela. Claire estava confusa. — Isso

não está lá fora.


Shepherd a acompanhou para frente, com o torso quente nas costas dela. — Eu

nunca concordei em permitir que você saísse. Acredito que o acordo era que eu

permitiria que você visse o seu céu.

Tecnicamente ele estava certo, e Claire sabia que não havia sentido em discutir.

A perspectiva que o pequeno cômodo proporcionava era diferente de tudo que ela

já vira em uma casa; uma vasta exibição de tundra acidentada. A janela era uma parte

real do Domo; se ela tocasse o vidro, estaria tocando a única coisa entre ela e centenas

de quilômetros de neve – uma coisa proibida.

Avançando, ignorando a desconfortável algema e o braço que se seguiram para

permitir seu movimento, Claire colocou a mão no vidro e sentiu seu frio. A natureza

selvagem era sua visão, em uma sala quente, onde ela foi acorrentada a um Alfa para

garantir um bom comportamento.

Os móveis da sala foram removidos, restando apenas aquele lindo tapete e uma

única cadeira grande. Estava voltada para a janela, cheia por um homem que puxou

Claire para seu colo. Com as luzes acesas, a presença iminente de Shepherd às suas

costas refletia-se no vidro, sua atenção aguçada.

Encontrando seu olhar no reflexo, Claire admitiu: — Homens foram condenados à

morte por tocarem no Domo.

Shepherd respondeu: — Ou eles foram jogados em Undercroft por ousarem olhar

para fora.
Por que eles olhariam? Não havia nada além de neve lá fora. No entanto, Claire se

viu encantada com a vista, toda branca, de montanhas distantes e gelo saliente. A terra

além do Domo era gloriosa.

O corpo de Shepherd estava quente, o ronronar era suave e contínuo; a receita

perfeita para ela ignorá-lo, relaxar e simplesmente se saturar em algo diferente de

quatro paredes de concreto.

O homem não arruinou seu conforto falando ou fazendo exigências, e Claire ficou

grata por isso. Ele estava imerso em pensamentos, olhando para o sol poente, sua

Ômega refém em seu colo.

A escuridão chegou, o luar brilhante na neve brilhante, e Claire caiu em um sono

sem sonhos – o primeiro que ela teve em muitas semanas.

A noite inteira passou antes que a luz intrusa deixasse a parte de trás de suas

pálpebras brilhando em vermelho. Ela acordou confortável com apenas a beleza diante

dela. Era quase como se Thólos não existisse. Ela poderia sentar lá e fingir; poderia

esquecer que o homem que a abraçava era totalmente mau.

Mas a verdade não poderia ser ignorada. Embora ela estivesse aquecida e segura,

seu povo acordava sem nada para comer, sem energia, sem aquecimento. Fora daquela

bela sala, por trás daquela vista grandiosa, o mundo estava caindo aos pedaços.

Shepherd se espreguiçou, com a mão grande em concha sobre o local onde seu filho

crescia. — Você gosta deste quarto e da vista; você se sente confortável aqui.
Desviando o olhar da janela, ela examinou a sala vazia. — Por que você removeu os

móveis?

— Eu não queria que você cultivasse erroneamente a esperança de que eu pudesse

permitir que você permanecesse.

Havia lógica em seu raciocínio. Se houvesse uma cama e outros objetos de conforto,

ela teria desejado mais do que apenas o colo dele naquela cadeira enorme. Ela pode até

ter ficado chateada quando ele exigiu que eles fossem embora. — Eu vejo…

— Como prometi, vou trazer você aqui. — Ele respirou fundo em seu cabelo e

beijou uma trilha que descia por seu pescoço. — E como você prometeu, você viverá

como minha companheira voluntária.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

Quando eles voltaram do céu, Shepherd libertou sua mão. A algema não estava

apertada, mas assim que ele a removeu, ela sentiu uma dor. Ele pegou o pulso e usou os

grandes polegares para esfregar a pele, como se entendesse a sensação e por que ela

embalava o membro ofendido.


Claire observou sua carícia, achando estranho que com mãos que poderiam

esmagá-la, Shepherd parecia saber quanta pressão era apropriada. Enquanto o toque

estranho continuava, ela mordeu o lábio e o encontrou mais uma vez observando-a

cuidadosamente. Quando o silêncio se prolongou e o grande polegar dele continuou a

esfregar, ela ficou nervosa.

Não querendo agir sem ordens específicas, não querendo ser enganada ou

manipulada, ela pensou em retirar a mão.

Shepherd prendeu seu pulso com dedos circulares que pareciam muito mais fortes

do que a algema. — Como você preencherá suas horas enquanto eu estiver fora hoje?

— Você está zombando de mim?

— O que você fazia com seu tempo livre antes de eu reivindicar você como minha

companheira?

Isso foi fácil de responder. — Passava todas as horas tentando encontrar comida

para as Ômegas.

O gigante sorriu, usando o pulso dela para puxá-la para mais perto. — Antes de

Thólos se tornar minha.

— Thólos não é sua.

O bastardo sorriu para ela. — Responda-me, pequena.


Bufando, ela começou a listar as atividades. — Além de pintar, tocava o antigo

piano da minha mãe. Passava um tempo com meus amigos... lia histórias, fazia aulas de

culinária quando tinha dinheiro.

A resposta satisfez o homem. Shepherd soltou o braço dela, o arrastar de suas mãos

calejadas contra seus dedos estendidos.

Claire aproveitou a oportunidade para colocar distância entre eles, indo em direção

ao banheiro, local onde ele geralmente a deixava em paz.

Quando ela saiu do banho, descobriu que Shepherd havia trazido sua bandeja de

café da manhã. Franzindo o rosto diante da oferenda, ela fez um barulho que

demonstrava sua relutância em comê-la. Aparentemente, a junk food de sua última

refeição estava fora do cardápio. Em seu lugar havia algum tipo de fluido verde que

cheirava fortemente a gengibre amargo. Ela bebeu, odiando, e então ficou estupefata

quando, depois de vinte minutos, nada parecia ansioso para voltar.

O Alfa pareceu satisfeito e então saiu.

Sozinha, Claire mordeu o lábio e descobriu novamente que a pintura de Shepherd a

observava. Ele ainda estava lá, deixado numa posição óbvia, ainda esperando que

alguém fizesse algo com ela. Enxugando as mãos, ela o pegou, consciente de que

mesmo nas horas em que esteve livre dele, o rosto dele ainda a atormentava.

Ocorreu-lhe então que o Alfa mal saía de seu lado durante as horas de vigília, ou

mesmo deixava fisicamente seu toque há dias. O que quer que tenha acontecido entre a
chegada dela e a noite passada em seu colo deve tê-lo deixado satisfeito por ela estar

completamente de volta em seu poder.

Ele estava certo.

Claire continuaria sendo uma escrava — de Corday, de Nona, das Ômegas... de

Maryanne. Ela faria o que ele desejasse para dar uma chance a todos eles, e continuaria

a se envolver, aguentaria o vínculo e bancaria a boa cativa enquanto procurava uma

maneira de ajudar Thólos pela singularidade de sua situação.

Mas era estranho ficar sozinha naquela cela, bem acordada por mais do que apenas

uma hora fugaz. Olhando para trás, para aquele maldito retrato, para o rosto do homem

na página, a expressão rígida de sua mandíbula, até mesmo a beleza de seus lábios, ela

ficou inquieta com a aparente mudança nele. Ela o atacou verbalmente quando ele não

pôde usar seu recurso normal - já com o nó, ele não podia transar com ela, e parecia

surpreso com a quantidade de malícia que sentia queimando o fio. No entanto,

Shepherd não gritou ou puniu. Em vez disso, ele admitiu seu erro, e quando seus

corpos foram desamarrados, o homem até forneceu o que ela exigiu antes que perdesse

a paciência - ele a levou para ver o céu, deixou-a acordar ao sol... e então fez perguntas

pessoais.

O tópico cantarolava: Seu companheiro não está tentando? Você não está satisfeita

com isso?

Ela não estava satisfeita, ela estava desconfiada.


A onda de conforto instantâneo e reconfortante veio imediatamente daquele cordão

quente e vermifugado. Cantava para ela que não havia necessidade de entrar em

pânico. Até Claire teve que concordar. O pesadelo terminaria com o fim do seu regime

antes do bebê nascer, ou ela voltaria a fazer greve de fome. Ou ela poderia quebrar o

espelho do banheiro e cortar os pulsos. Ela poderia simplesmente se recusar a respirar.

Ainda tinha como escolher.

Uma onda de apatia quebrou, todos os bons sentimentos da vista se transformaram

em tédio. Claire precisava pensar objetivamente, ela precisava não sentir. Um dedo

começou a traçar o contorno da mandíbula do retrato. Ela se fez lembrar.

Svana… Amante do Shepherd.

Claire o acusou no gelo de ter sido distorcido por Svana, mas isso não era

totalmente exato. Eles haviam distorcido um ao outro em seu relacionamento doentio e

desequilibrado. O homem que Svana procurou em Undercroft ganhou sua atenção

porque já tinha escuridão dentro dele.

Shepherd havia sofrido; sua mãe foi estuprada até morrer. Quantas crianças

sofreram, quantas pessoas foram violadas neste cerco? O que ele realmente esperava

realizar aqui?

Além disso, por que ele a capturou se tinha uma amante que era sua há anos? Era

mais do que o legado que ele afirmava desejar de sua companheira. Caso contrário,

Shepherd teria reproduzido com Svana. Por que não fazer casal com sua amada?
Havia alguma reviravolta, alguma chave além de simplesmente querer um filho

que Shepherd não estava disposto a compartilhar. Recriando a linha do tempo em sua

cabeça, Claire examinou as ações dele, as reações dela e as consequências de suas

tentativas de fuga. Ele a engravidou como resultado de sua primeira fuga, injetou

drogas para fertilidade nela antes mesmo que ela recuperasse a consciência. Foi uma

resposta tão extrema, e quanto mais ela se permitiu pensar sobre isso objetivamente, ver

além dos seus sentimentos, mais claro isso se tornou. Não era só o bebê; ele queria a

devoção dela, estava disposto a forçá-la por todos os meios que pudesse. Shepherd fez

tudo ao seu alcance para mantê-la só para si, obcecado por isso, e escondeu-a ao ponto

da paranoia. Ele até pensava que a amava.

Shepherd nem a conhecia, seu amor era baseado em algo que ela não conseguia

identificar.

O que mais você quer de mim, Shepherd?

Eu quero tudo.

A imagem de Svana, a expressão em seu rosto e o brilho sutil de seus assustadores

olhos azuis... A fêmea Alfa estava descontente com sua existência, Claire tinha certeza

disso. A mulher também ficou surpresa ao descobri-la grávida. No entanto, na cara

dele, Svana aceitou entorpecidamente que Shepherd tinha um brinquedo... um que a

louca fêmea Alfa pensava que deveria ser parecido com ela, como se cada Ômega que

ela afirmava que eles compartilhassem fossem similares à sua beleza exótica.
Por que sua consorte, uma que Shepherd admitiu que amava, não saberia que

havia arranjado uma companheira ou que havia gerado um bebê? Por que aqueles olhos

olhavam para Claire quase como se ela fosse um mero incômodo, um rebote agravante?

Reparação…

Svana era minha amante e eu pensei que também fosse minha companheira. Aprendi que

estava errado.

Puta merda. Svana foi infiel à devoção de Shepherd.

A compreensão surgiu e o queixo de Claire caiu; ela foi um rebote. Sua pele

começou a vibrar como se estivesse superestimulada, sua mente voando em mil

direções ao mesmo tempo. O mundo inteiro de Shepherd foi abalado e sua reação

mutilada foi tomar uma Ômega – continuar sua dedicação à mulher que o libertou de

Undercroft, mas aliviar sua própria dor de cabeça perturbada, forçando outra pessoa a

amá-lo como ele ansiava por Svana amá-lo.

— Porque você está chorando?

Assustada, Claire olhou para cima e viu que o Beta de olhos azuis tinha vindo com

uma nova bandeja. Virando o papel preso em seus dedos na direção do intruso, ela

ignorou sua pergunta e apenas lhe mostrou a representação de Shepherd em aquarela.

Com as sobrancelhas baixas, Jules olhou para a pintura e desviou o olhar

imediatamente. — Não lhe falta talento.


— Foi o que me disseram. — Enxugando as lágrimas do rosto, Claire admitiu. —

Ele sabe que você fala comigo?

— Não.

— Estou feliz que você faça isso.

Olhos tão surpreendentes em um rosto tão inexpressivo, era um estranho tipo de

desequilíbrio. — Eu sei.

Com um sorriso triste, Claire empurrou a pintura de Shepherd de lado. — Você

perguntou por que eu estava chorando. Eu estava chorando porque acabei de

descobrir... por que ele me levou. Não tenho certeza se me sinto pior por minha própria

vida arruinada ou por um homem que é tão sem noção. Shepherd pode pensar que

deixando de lado sua dor pela infidelidade de Svana, fará com que isso desapareça, pois

ao tomar uma companheira ele poderá preencher esse vazio... mas o amor não funciona

dessa maneira.

Jules enrijeceu. — Sua avaliação está incorreta; não pense nisso novamente. Tais

pensamentos não são saudáveis para seu filho.

— Por que você diz filho? Como você sabe que não é uma menina?

Ele cheirou o ar, mas não alterou sua expressão. — Eu tive dois filhos uma vez... a

sutileza do perfume é específica.

Ela repetiu: — Teve dois filhos?


Sua voz nunca vacilou. — Meus filhos foram assassinados quando minha esposa

foi tirada de mim.

Tudo em sua declaração era exatamente o que havia de errado com toda essa

maldita situação. — Crianças estão morrendo em Thólos agora; filhos e filhas de outros!

Jules respondeu suavemente: — É uma pena que seu povo ataque os fracos, mas o

que permitimos é necessário.

Claire se levantou, ela criticou o Beta. — Necessário? Explique-me então! Explique-

se para a mulher que seu mestre arruinou porque ele não sabia como lidar com seus

sentimentos feridos!

— Discuta isso com Shepherd. — Com o rosto inexpressivo, Jules saiu, trancando-a

de volta em sua jaula.

Discutir que parte com Shepherd? A parte sobre como ela era supérflua e ele ainda

não tinha percebido, ou a parte dos bebês mortos? Deitada em seu espaço de concreto,

Claire olhou para o teto e sentiu como se estivesse se afogando em toda a bagunça das

coisas, nas histórias distorcidas e na corrente patética que foi forjada por um homem

com a inteligência emocional de um adolescente.

Ela falaria com ele sem problemas; ela o faria ver diretamente como ele era

hipócrita. Ela mostraria a Shepherd o que havia descoberto, a verdade sobre o que ele

estava fazendo através dos olhos dela... não de sua visão distorcida. Os deuses até a

direcionaram para a placa de sinalização de como tudo parecia uma piada triste. Aquele
garoto. Aquela criança enrolada sobre a qual ela havia descansado, o cadáver sem nome

e sem nada nos bolsos. Ele seria seu mascote, e Shepherd teria que olhar para ele e

responder a ela.

Claire misturou suas tintas e começou a recriar aquele momento solitário no beco.

Havia horas para dedicar ao trabalho, horas em que ela detalhou o tijolo, o frio, a

criança murcha e ela mesma... dormindo profundamente contra a rigidez do cadáver.

Ela nunca havia se pintado antes, usava a lembrança do cabelo preto na bochecha

para mascarar a maior parte do rosto, mas era ela. A mesma forma esbelta e enrolada, a

estrutura óssea que gritava Ômega, tudo nas roupas que roubou de Maryanne.

Lágrimas estúpidas caíam sobre a pintura enquanto ela trabalhava, misturando as

cores enquanto sua mão se movia freneticamente. Shepherd estava sentado à sua frente,

ela reconheceu alegremente o fato de que ele havia chegado, mas o ignorou em seu

fervor de se lembrar perfeitamente de seu mascote - para não perder um detalhe do

grotesco de seu rosto murcho e olhos leitosos e enrugados. Só quando a mão que

segurava o pincel começou a tremer é que ele se esticou e a acalmou. O pincel foi

retirado de seus dedos, a pintura virada para que Shepherd pudesse ver. Com a mão

envolvendo a dela, ele viu o que havia consumido as horas do seu dia.

Sua voz rica declarou o fato. — Esta é você.

Presa na névoa do artista, naquele momento borrado em que se sabe que estão

criando algo monstruoso, mas ainda mentalmente indistinto, ela murmurou: — Eu


estava cansada e sozinha. Fiquei vagando por Thólos por horas porque precisava ver o

que tinha acontecido, desde que você me trancou neste quarto. Encontrei esse garoto

que havia morrido sozinho e sentei-me ao seu lado, sentindo-me tão morta quanto ele...

Não pude ir mais longe, então me encostei nele e adormeci.

Shepherd apertou ainda mais a mão dela, rosnando: — Você poderia ter morrido

congelada.

Claire assentiu. — Como aconteceu com aquela criança. Aquele menino morreu

sem ninguém para cuidar dele... sozinho e assustado em um beco cheio de lixo.

A mão dela se retirou de repente. O gigante levantou-se da cadeira e colocou algo

novo em sua linha de visão. — Você não almoçou.

Claire olhou para o prato frio de peixe e sabia que não devia discutir. Alcançando o

garfo, ela começou a empurrar a truta pelos lábios. Depois de engolir metade da

refeição sem provar o que provavelmente era uma receita divina, olhou para o Alfa

iminente. — Eu carreguei o cadáver daquele menino nas costas até Terras Inferiores...

Para que eu pudesse enterrá-lo com as Ômegas. Assim ele não teria que ficar sozinho.

Shepherd suspirou e cerrou os punhos ao lado do corpo. — Você está chateada com

a criança que levou para as outras.

Com uma expressão aberta, Claire admitiu: — Estou confusa sobre como você

passou de um menino dedicado a uma mãe que te amava independentemente das


circunstâncias, para um terrorista que é a causa da morte de milhares de crianças

inocentes em Thólos. Por que você mudou? O que justificou isso, Shepherd?

Ele a puxou para ficar de pé e levou os dois em direção à cama. — Você está

cansada e suspeito que não cochilou como seu corpo exige. Vamos nos deitar.

Suas palavras não foram lançadas com crueldade, mas com curiosidade. — Você

não tem uma resposta? Nenhuma explicação prolixa de lendas e grandeza para

compensar a morte daquele garoto sem nome?

Ele pegou o vestido dela, colocou-a na cama e a seguiu assim que suas roupas

foram tiradas. Puxando Claire para cima dele, para o lugar onde ela pudesse sentir o

ronronar mais forte, um lugar que era pouco dominante para a Ômega, Shepherd a

preparou para dormir. — Não há nenhuma resposta que eu possa dar que você

considere satisfatória.

Mas isso por si só foi uma resposta.

Quando seus olhos se fecharam e o ronronar a levou à imobilidade, o macho

compartilhou sua frustração. — Você nunca se perguntou que eu posso ter mantido

você segregada para que não tivesse que ser exposta ao que está acontecendo fora

destas paredes?

Meio adormecida, Claire cantarolou. — Sou uma mulher adulta, grávida do seu

filho... um bebê não diferente daquele garotinho que morreu por causa do que você

inspirou aqui.
Os dedos esfregaram seu couro cabeludo e ele a lembrou: — Um bebê que você

quase matou ao tentar o suicídio. Um bebê que você não toca mais.

Colocando o queixo no peito dele, sabendo que as palavras eram verdadeiras, ela

não hesitou. — Depois do que testemunhei e aprendi sobre sua natureza... as coisas que

ela disse que você fez... você nunca imaginou que eu preferiria matar a mim mesmo e

ao feto do que permitir que gente como você e Svana o arruinassem como vocês

arruinaram um ao outro?

O peito de Shepherd inchou e ficou claro pela sua expressão que o homem estava

incrivelmente chateado. Rolando-a de costas, pairando sobre ela, sua grande mão

fechou-se sobre sua barriga. — Não estou nada satisfeito com sua mentalidade ou

acusações atuais.

Colocando a mão sobre a dele, Claire sustentou seu olhar raivoso e perguntou: —

Você acha que é algum modelo digno desta criança? Você fodeu Svana...

Sua raiva estava ficando perigosa. — Eu estava tentando mantê-la segura.

— Pare de mentir para si mesmo. Você já disse não a ela, ou faz qualquer coisa que

ela queira apenas para agradá-la? Você a capacita... e ela se considera irrepreensível...

porque você a adora. Eu mesmo vi! E por essa perversão, ela te transformou no que

você é. Uma coisa que ela possui; seu discípulo inquestionável.

O vilão rugiu bem na cara dela. — Svana me ama!


Claire estava meio animada, sem se importar com as consequências de suas

palavras. — Da mesma forma que você afirma que me ama... o tipo de amor que

justifica a infidelidade e a crueldade.

A dor não foi registrada, não a princípio, e considerando o tamanho do Alfa,

poderia ter sido mil vezes pior. O aperto que ele tinha no braço dela, a maneira como

ele o dobrou para removê-lo de seu corpo, Claire ignorou, alcançando seu ombro

novamente, querendo que ele a machucasse.

A sala se moveu e um grande peso esmagador tornou difícil respirar. Seu aperto

em seus antebraços deixou suas mãos quase roxas, mas os olhos verdes permaneceram

nos prateados enquanto ela lutava pelas respirações curtas e gaguejantes que sua massa

permitia.

O que quer que o possuísse era frio em sua raiva, calculista em sua fala. — Você

nunca mais falará sobre essas coisas.

Não houve fôlego suficiente para responder completamente, então ela balançou a

cabeça e sibilou as palavras: — É a verdade.

Movendo-se o suficiente para poder respirar, Shepherd rosnou: — Você será

punida. Corday morrerá.

Não havia raiva ou medo em sua expressão, simplesmente uma decepção

insondável. — Olhe para mim. Veja o que você está fazendo.


Shepherd olhou para a mulher que estava machucando. Quando ela levantou a

outra mão para cobrir seu rosto, ignorando as marcas negras que já brotavam em sua

pele, ele não a impediu, mas também não gostou de seu toque.

— Só estou tentando ajudá-lo a ver, a entender o que está faltando. — Claire

sussurrou, vendo que ela o havia abalado fortemente, machucado.

Ele não se comoveu. — Você me odeia.

O sucesso na guerra é obtido quando nos adaptamos cuidadosamente aos propósitos do

inimigo. - Sun Tzu

— Estou tentando ser sua companheira; uma mulher que você só tomou porque

Svana foi infiel e você estava sofrendo.

A dor furiosa no outro braço diminuiu e Shepherd diminuiu o aperto. — Eu peguei

você porque você era para ser minha. Eu podia sentir o cheiro em você.

O calor de sua pequena mão deslizou para seu pescoço, para os músculos que ele

uma vez alegou que o machucavam, e ela esfregou. — Se ela tivesse permanecido fiel,

você teria me salvado da multidão?

— O que você acha que está fazendo? — As narinas de Shepherd dilataram-se e,

embora estivesse furioso, seu pênis estava duro como uma pedra contra sua coxa.

Claire parou seu toque. — Eu só estava tentando acalmar você, como faz comigo

quando estou chateada. Quando suas emoções estiverem calmas, você verá que estou

certa.
Rosnando, ele se enfiou dentro dela com um golpe forte. Claire fez uma careta e se

preparou. Shepherd, pesado dentro dela, segurou seu rosto, rosnando enquanto tocava

sua testa na dela. — É assim que você pode me acalmar.

Ele empurrou-a e balançou-a novamente, fazendo com que ela prendesse a

respiração enquanto levantava os braços doloridos para abraçar o Alfa furioso.

Excessivamente áspero, ele estalou os quadris, batendo, praticamente uivando quando a

escorregadia dela facilitou sua passagem. — E você vai gritar meu nome toda vez que

eu fizer você gozar!

Capítulo 12
Todo o seu corpo doía, mesmo com a água morna derramando sobre os hematomas

recentes. Excessivamente atencioso, Shepherd lavou o sêmen seco que a deixava

pegajosa, que emaranhava seu cabelo, segurando-a contra ele enquanto banhava sua

companheira.

Ambos dormiram, emaranhados e suados por horas transando como animais.

Mesmo agora, seus olhos estavam meio dilatados, como se ainda estivesse em alta de

acasalamento, o que provavelmente era a única coisa que impedia a Ômega de sibilar ao

toque de suas mãos na pele macia que sua posse zelosa havia esfregado em carne viva.

Shepherd segurou seu queixo, atraindo seus olhos sonolentos para seu rosto. — Eu

não vou machucar Corday.

Categoricamente, Claire respondeu: — Eu sabia que você não faria isso.

O gigante hesitou, as rugas em seus olhos revelando um sorriso malicioso. — Você

fez?

— Se você o machucasse, eu o puniria tão severamente quanto pudesse.

A diversão de Shepherd desapareceu. — Você se mataria.

— Sim.

Cada palavra foi perfeitamente enunciada e não tinha a amargura que o homem

sentia no estômago. — O valor dele para você é maior do que o resto dos seus quarenta

e dois.
Claire lambeu os lábios molhados e pensou na melhor forma de responder, ou se

deveria responder. — Eu devo à ele.

Shepherd sentiu o fluxo de sangue atrás dos olhos, lutou para ser gentil enquanto

enxaguava o cabelo dela. — É mais do que isso. Eu vi vocês juntos. Você gosta do Beta.

Inspirar qualquer tipo de ódio excessivo em Shepherd por Corday poderia ser

perigoso para seu amigo e não serviria a nenhum propósito, exceto agitar inutilmente o

Alfa. — Eu não amo Corday, não da maneira que imagina. Mas devo a ele, como disse.

Menti para ele e o droguei. Eu o enganei...

— Para mantê-lo seguro. — Shepherd ronronou, terminando sua declaração, um

tanto apaziguado com a verdade de suas palavras e seu eco no vínculo. — Isso não

parece familiar?

— Não. — A resposta dela foi dura.

— Não minta para mim, pequena. A situação dele reflete a sua.

— Eu disse não porque quis dizer não. — Argumentou Claire, fazendo uma careta

diante da rigidez em seus quadris quando ele começou a esfregar. — Você não me

drogou para me manter segura. Você me drogou para fazer um bebê.

Ele pegou seu queixo e virou seu rosto para forçar sua total atenção. — E esse bebê

justifica seu valor para meus homens. Ele está mantendo você viva.

Carrancuda, sentindo frio mesmo no calor e no vapor do chuveiro, a apreensão

tomou conta de Claire. — O que você quer dizer?


Vendo que suas palavras a perturbaram, Shepherd falou em tom duro. — Se você

não tomar cuidado, se não começar a aninhar novamente e garantir que nossa prole

cresça, caso você aborte... eu teria que substituí-la imediatamente.

Uma expressão de horror distorceu seu rosto. — Eu não entendo.

— Você não precisa. Você simplesmente precisa ser mãe. — Mudando de posição,

ele a pressionou de volta contra os azulejos. — Você é minha e farei qualquer coisa para

garantir sua sobrevivência contínua. Eu mataria milhões, mentiria para você e

estupraria você se fosse necessário e te encheria de filhos novamente caso você perdesse

este.

Como ela sentiu um momento de poder sobre este homem? — Você está me

assustando.

— Bom. — Ele desligou a água e puxou-a para fora. — Parece ser a única maneira

de chegar até você.

— E quanto ao seu legado?

Ele sorriu, uma coisa desagradável, e deu uma patada na barriga dela. — Será

incomparável.

Murchando, Claire murmurou: — Não tenho vontade de fazer ninho. Não naquela

cama. Não mais.

Como se a ideia não tivesse ocorrido ao Alfa, ele estreitou os olhos e pareceu

considerar. — Você deseja uma cama nova?


— Eu não desejo nada. — Claire suspirou, sentindo novamente como se estivesse

falando com uma parede.

Shepherd continuou, falando consigo mesmo. — Se eu conseguisse esta cama nova,

você faria um ninho.

Desesperadamente inquieta, ela rosnou. — Você não está me ouvindo, Shepherd.

— E você desejaria novos materiais, na cor que gosta... — Ele estava passando uma

toalha sobre a pele dela como se fosse insensível à pele machucada.

Ela rosnou e afastou as mãos dele. — Você está me machucando, seu idiota surdo.

Saindo de seu discurso, ele congelou e olhou para a pequena coisa que acabara de

latir para ele. Dando uma risada cáustica, ele grunhiu: — Você se tornou muito mais

franca com a gravidez.

— Eu me tornei muito mais franco porque não me importo mais se você me matar!

Eu não quero uma cama nova. Quero que explique do que diabos você está falando!

Shepherd pegou o braço dela e gentilmente a virou para poder secar seu cabelo. —

Você só está sendo difícil... você precisa de uma cama nova.

— Ok, tudo bem! Já que você não escuta nada do que eu digo, aqui vai: quero uma

cama nova em um quarto grande com carpete em vez de concreto. Um quarto com uma

parede de janelas que dê para um jardim que plantarei minhas flores - o que seria um

milagre, já que todas as plantas de casa que já tive morreram. Quero me mover sem

restrições por esta grande casa onde farei o ninho e ser livre para sair e sentar na
grama... E quero um pônei também, Shepherd. Não, esqueça isso. Eu quero a porra de

um unicórnio.

Puxando o cabelo dela para que ela olhasse para ele, ele fez uma careta. — Você

pode não ter um pônei e os unicórnios não existem.

Ela realmente não queria, estava tão confusa por dentro que não conseguia nem

começar a entender de onde veio, mas só por um segundo, ela riu. Tapando a boca com

a mão, ainda com a cabeça inclinada para trás em um ângulo não natural, ela forçou o

rosto à neutralidade e continuou a defender seu ponto de vista. — De que cor você tem

tanta certeza que eu gosto?

— Você prefere o verde, o mesmo tom dos seus olhos.

Foi por isso que quase todos os vestidos que ele forneceu eram verdes? — O que

lhe deu essa ideia?

Parecia que tal erro de cálculo não era possível. — Essa não é a cor que você

prefere?

— Claro, é uma cor bonita... mas não é minha cor favorita. — Compreendendo,

Claire estreitou os olhos e lançou um olhar de desaprovação para o homem. — Deixe-

me adivinhar, você obteve essa informação nos interrogatórios das Ômegas.

— Vermelho, gosta da sua foto? — Ele tentou novamente, soltando o cabelo dela

para que ela pudesse se virar e ele pudesse vê-la completamente.


— Não. Por que você simplesmente não me perguntou se queria saber algo tão

mundano? — Mas então ela percebeu. Ele queria fornecer coisas que ela deveria gostar

sem avisar... como uma espécie de tática; porque essa era a única maneira que ele sabia

ser.

Shepherd ficou irritado, ficou nu e exigiu rudemente: — Qual é a sua cor favorita?

— Azul igual ao ovo de pássaro. — Zombando dele, Claire inclinou a cabeça para o

lado e piscou os cílios. — E, Shepherd, já que estamos sendo tão simpáticos, qual é a

sua?

— Expressamente, a cor exata dos seus olhos. — Ele não estava flertando, estava

irritado, mas mesmo assim as palavras eram... alguma coisa. Eles a fizeram corar e ele

percebeu isso, seu olhar intenso perdendo o foco e ganhando aquele cálculo enervante.

— Eu também acho o preto rico do seu cabelo incrivelmente atraente.

Ela estava positivamente escarlate e claramente queria que ele desviasse o olhar. Já

fazia meses que ela tentava cobrir sua nudez e não sabia o que a levou a fazer isso, mas

seu braço subiu para esconder os seios corados.

Shepherd parecia apenas divertido, ou fascinado poderia ter sido uma descrição

melhor. — E agora você está tímida... — Ele murmurou, maldosamente. — Isso não é

nada que eu não tenha dito antes.

Mas ela propositalmente nunca ouviu... ela ignorou e odiou o som de sua voz rouca

e distorcida.
— Você sabe que eu acho você muito bonita. — Continuou o monstro, rondando

orgulhosamente, prendendo-a contra a pia. — Você é, de fato, a mulher mais bonita que

já vi.

Claire estava extremamente tentada a gritar algo desagradável com ele, a falar de

Svana, ou das Ômegas, ou qualquer coisa para fazê-lo parar de olhar para ela daquele

jeito. Em vez disso, ela apenas gaguejou: — Eu... estou com frio.

— Bem, então, com certeza, linda pequena. — Os braços grossos de Shepherd a

envolveram. Deixe-me aquecê-la.

Um ruído abafado passou por seus lábios enquanto músculos protuberantes

puxavam seu rubor.

Os lábios dele chegaram ao ouvido dela e o homem rosnou com a voz mais

licenciosa que ela já tinha ouvido: — E você tem a boceta mais linda que eu já conheci. É

a perfeição. Toda vez que você pedir, eu a lamberei, provarei você até gritar meu nome

como fez quatro vezes na noite passada.

— PARE!

Acariciando seu corpo até que a mandíbula de Claire descansasse em sua mão, ele

puxou a Ômega de onde ela tentava esconder o rosto contra seu peito. Com os olhos a

poucos centímetros de distância, a mão dele mergulhou entre as pernas dela para

passar levemente a camada lisa em suas dobras. Afastando os dedos escorregadios, ele
fez um ruído masculino satisfeito e a deixou de pé, ofegante, corada e excitada,

enquanto murmurava — azul igual ao ovo de pássaro — enquanto saía.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

Esses momentos... quando alguém tem um saco preto na cabeça, quando um corpo

está sendo empurrado, e você sabe, tem certeza, de que será apenas mais um número a

mais... esses momentos são simplesmente uma droga.

Sentindo mãos empurrando-a para trás até que seu traseiro fizesse uma conexão

desconfortável com uma cadeira dura, Maryanne se preparou para seu melhor

desempenho. Ou ela fez isso até que a bolsa caiu de repente e ela ficou cara a cara

novamente... com Shepherd.

As palavras presas em sua garganta, a típica qualidade sensual que ela sabia usar

para manipular falhou, e tudo que Maryanne pôde fazer foi olhar.

Aquele homem dizimou Thólos... arruinou a cidade dela. Aquele homem fedia à

boceta de Claire. Eca…

— Bem, — Maryanne soltou um suspiro. — acontece que eu estava certa sobre pra

onde Claire foi desde que desapareceu. Acho que isso significa que estou fora dos

limites, hein?
O homem iminente se aproximou. — Devemos discutir as nuances do acordo entre

minha companheira e eu? Eu apenas me ofereci para poupar sua vida. Não houve

menção do que faria com essa vida. Tecnicamente, eu poderia quebrar todos os ossos do

seu corpo, sujeitá-la a tortura, tomar a pouca liberdade que lhe resta. Enquanto você

continuar respirando, terei cumprido minha parte no trato. — O dedo de Shepherd

bateu levemente na mesa entre eles. — E Claire nunca saberia...

Mas ele queria alguma coisa, caso contrário ela não estaria lá. Ele queria algo para

Claire.

O terror estava lá, o pânico crescente e lento que contaminou seu suor e sinalizou

para o Alfa, muito mais forte, que ela estava com medo. — Você tem uma utilidade para

mim.

— Você voltará ao meu serviço.

— O que você precisa que eu roube?

Sua boca não se moveu nem um pouco, mas Maryanne tinha certeza de que sua

expressão mostrava o quão estúpida ele pensava que ela era. — Seu dever será levar

informações sobre as circunstâncias das Ômegas e do Beta, Executor Corday, para

Claire. Nessas conversas, aconselho que você a faça feliz, ou ficará muito infeliz quando

elas terminarem.

A ideia de ver Claire afugentou uma fração do pavor. — Claro. Eu sei exatamente

como fazê-la sorrir.


— Você não compartilhará informações detalhadas, apenas o bem-estar geral das

pessoas que lhe enviarei para fotografar. Você não interagirá com essas pessoas nem

será visto. Todas as imagens serão verificadas antes que Claire as veja, e se eu encontrar

algo perturbador, não seria um bom presságio para você. Você não falará de

absolutamente mais ninguém.

Assentindo, Maryanne sinalizou que entendia.

A última advertência continha a ameaça de grande dor caso ela falhasse com ele. —

E se ela tentar lhe passar um bilhete ou fizer qualquer coisa subversiva, você me contará

em particular. Ela não será punida.

Claire poderia tentar, Maryanne sabia disso em seus ossos, e ela já odiava saber

muito bem que entregaria qualquer coisa a Shepherd em vez de enfrentar as

consequências de ser o intermediário nas correspondências com o namoradinho de

Claire. — Ela não confia em mim.

— Não vamos brincar, Sra. Cauley.

— Quando eu começo?

-*-*-*-*-*-*-*-*-

Demorou algumas horas e outro café da manhã com aquele horrível smoothie

verde antes que seu estômago se acalmasse devido ao estranho comportamento de


adoração de Shepherd no chuveiro. Ele se foi novamente, algo pelo qual Claire estava

extremamente grata para que ela pudesse se esticar, andar e formular seu próximo

movimento.

Olhando para o hematoma desagradável em seu braço, Claire flexionou o membro,

certa de que doeria por algum tempo. Valeu a pena. Shepherd pode tê-la encurralado

naquela manhã, deixando-a desconfortável e tímida, mas ela o deixou encostado na

parede na noite anterior, apenas o tempo suficiente para expor que ela estava certa.

Pedaços disso estavam se juntando, a necessidade mental de Shepherd de mantê-la só

para si, usando-a para aliviar a dor que Svana causava, quer ele reconhecesse esse fato

ou não, foi confirmada.

Isso era alguma coisa; era um lugar para começar.

A reação inicial de Shepherd foi violenta, até mesmo no sexo, mas quando

acordaram ele foi apenas indulgente. Era como se a raiva da noite anterior, a força que o

compeliu a fodê-la tão rudemente e por tanto tempo que ela ficou desossada, tivesse

acabado.

O homem exorcizou um demônio.

Mesmo nos momentos mais perigosos, ele nunca desviou o olhar do rosto dela,

manteve grande parte de sua pele pressionada contra a dela, ordenou que ela chamasse

seu nome, seus olhos ardentes quase rolando para trás em seu crânio cada vez que ela o

fazia. Ele comunicou a ela com sua necessidade intensa, com a força com que incitava
seu clímax; suas expressões ferozes costumavam assustá-la, a postura de sua

mandíbula, os olhares... agora ela estava começando a entender. Era saudade.

Shepherd estava sempre observando a reação dela, procurando por algo, alguma

pequena dica enquanto persuadia seus impulsos sórdidos. Ele tinha alguma

necessidade que havia sido negligenciada. Quando acoplada, ela era terna e o

acariciava, aspirava seu cheiro e sorria. Talvez fosse por isso que ele acasalava com ela

com tanta frequência; ele tinha um desejo básico por tal afeição. Shepherd queria que

ela o amasse e estava confuso sobre como promover tal coisa quando ela não caía

automaticamente no que ele presumia ser um comportamento Ômega adequado.

Claire não o amava, mas lhe ofereceu conforto quando o lado dele da corda

mostrou a turbulência que suas palavras provocaram. Isso foi instintivo e, embora ela

desprezasse Shepherd, era a coisa certa a fazer na guerra que estava travando. O

progresso exigiria que ela cumprisse sua posição de companheira se quisesse ter pelo

menos uma chance de edificá-lo, e táticas mesquinhas como sedução ou desonestidade

nunca seriam úteis para ela.

Claire não era tola o suficiente para acreditar que poderia consertá-lo. Afinal, o

pensamento de Shepherd estava distorcido muito além de qualquer coisa que ela

pudesse desvendar. Mas ela poderia eliminar o erro; poderia expor a fraqueza de um

homem que parecia não ter nenhuma.

Claire iria desnudá-lo pedaço por pedaço, mesmo que isso a matasse.
Provavelmente mataria.

A porta se abriu e o perigoso Beta, de olhos mortos, entrou. Ele a avaliou

rapidamente e depois foi trocar as bandejas. — Seu braço. — Jules grunhiu. — Você

precisa de alívio da dor?

O absoluto desinteresse pela expressão do homem tornou a pergunta

completamente estranha. Chegando mais perto, circulando para encarar o homem,

Claire colocou o cabelo atrás da orelha. — Isso desmentiria os efeitos da punição.

Ciente do que a Ômega fez para ganhar tais hematomas, Jules zombou: — Você

acredita que isso é um castigo? Achei que você era inteligente.

Inclinando a cabeça, Claire sentiu algo estranho na conversa deles, mas não

conseguiu definir o que era. — Você acha as ações de Shepherd intrigantes?

— Ele foi gentil com você.

Olhando para o braço, para as manchas pretas, ela franziu a testa. — E aqui eu

pensando que você era inteligente, Jules.

O homem não estava interessado em mais comunicação e deu-lhe as costas.

Tirando as alças do vestido dos braços, ela perguntou com uma voz desprovida de

sentimento: — Isso parece gentil para você?

Olhando por cima do ombro para a mulher decorada com hematomas de sexo

violento, Jules virou-se rapidamente para a parede e gritou: — Coloque seu vestido de

volta!
— Isso é o que me confunde em vocês. — Claire continuou, indiferente à sua

moralidade. — Vocês não vão olhar porque acham minha nudez inadequada, mas

criaram uma cidade cheia de estupros para os quais nem piscam. Vocês são todos

contradições ambulantes.

— Você é a companheira do meu líder. COLOQUE SEU VESTIDO.

Foi estranho ver o homem que sempre parecia inalterado ficar agitado. Sorrindo,

Claire puxou o tecido sobre a pele macia. — Acho que nós dois demonstramos nosso

ponto de vista.

Uma vez certo de que ela estava decente, o homem a olhou com um olhar que

quase tinha o mesmo poder que o de Shepherd. — Você está jogando um jogo muito

perigoso.

Mantendo-se firme, Claire disse: — Nem todo mundo está jogando. Estou

simplesmente tentando me comunicar e não falo a sua língua.

— Você fala melhor do que imagina.

Isso foi um elogio real? — Então fale comigo. Quantos anos tinham seus filhos

quando você os perdeu?

O homem não ficou impressionado com a mudança repentina na conversa. —

Bertrand tinha quatro anos; Joseph pouco menos de um ano.

Claire alisou a saia, sentiu tristeza. — Por que eles foram mortos?
— Minha esposa era Ômega. — A nitidez de seu olhar era assustadora. — Um Alfa

a queria. Antes mesmo de eu saber o que tinha acontecido, ela estava ligada a um amigo

do Premier Callas. O mesmo Alfa que assassinou nossos meninos.

— Qual era o nome dela?

— Rebeca.

De alguma forma, ela simplesmente sabia, mas Claire sussurrou: — E você a matou

quando Shepherd a levou de Undercroft.

— Sim, há quase uma década, a pedido dela.

Claire entendeu. Mesmo depois do homem a encontrar e a levar de volta, sua

Rebecca teria sido destruída pelo poder de um vínculo que ela devia odiar mais do que

Claire odiava o seu. Seu lábio começou a tremer. — Sinto muito pelo que aconteceu com

sua família, mas não entendo como isso o trouxe aqui para fazer o que está fazendo

agora.

— Todos os membros deste exército estão aqui pela mesma razão que eu.

Parecia que Shepherd havia contado a ela mil vezes. — Vingança.

— Chame isso de iluminação cultural.

Seus olhos verdes, arregalados e ansiosos, assentavam em um rosto com uma

expressão urgente. — Como você não vê as falhas em seu próprio argumento? Você

quer que a raça humana acabe?


— Como você continua a negar a verdade a si mesmo? Eu ouvi sua conversa com o

Executor Corday. Você admitiu abertamente que Thólos fez isso consigo mesmo. —

Jules se aproximou dela, sem piscar. — Mesmo antes da violação, essa mesma

degradação infectava toda a vida sob o Domo... Não perca nosso tempo fingindo que

não viveu uma mentira só para se sentir segura.

Não era tão simples. — Shepherd me levou. Eu tive uma vida antes. Eu tive uma

carreira. Eu poderia ter tido um futuro se tivesse conhecido o Alfa certo.

— Shepherd ter escolhido você como companheira foi o melhor resultado possível

para você, embora você seja incapaz de aceitar esse fato por sua ignorância e

ressentimento.

Antes que ela pudesse responder, Jules abriu a porta e saiu.

Olhando para a porta como se o homem ainda estivesse diante dela, Claire apertou

a mandíbula com tanta força que doeu. Em alguns momentos e em algumas frases

cuidadosamente selecionadas, o Beta compartilhou mais do que Shepherd nas primeiras

cinco semanas em que o conheceu. Jules era um vilão, disso ela tinha certeza, mas uma

parte de Claire conseguia entender sua raiva.

Parecia que a raiva era tudo de que ela tinha na maioria dos dias.

Esses homens não eram simplesmente os psicopatas que Claire presumia. Eles

estavam todos em uma missão. Jules afirmou que cada membro do exército de

Shepherd carregava o fardo de um passado doloroso. Se isso fosse o necessário para


distorcer a psique, para perpetuar o mal na tentativa de fazer o bem, quão atrás ela

poderia estar?

Mexendo na comida, concentrando-se novamente na pintura de Shepherd que

servia de companhia durante as refeições, Claire não registrou a abertura da porta.

O gigante ficou satisfeito ao encontrá-la admirando seu retrato novamente,

contornando a mesa para pentear os cabelos para trás.

— Eu trouxe remédios para aliviar qualquer dor. — Explicou Shepherd assim que

chamou a atenção dela. — Abra sua boca.

Entre os lábios entreabertos, dois comprimidos foram colocados em sua língua,

Claire sentada estupidamente enquanto Shepherd segurava seu copo, servindo-o com

cuidado para que ela pudesse engolir. Ela obedeceu e o polegar grande dele enxugou

uma pequena gota de leite.

Absorvendo a expressão de surpresa dela, ele perguntou: — Você esteve doente

hoje?

— Não. O que quer que esteja naquela bebida verde nojenta parece acalmar meu

estômago.

— Mas você está com dor e fui notificado de que você precisava de alívio. — O

homem grunhiu, sua preocupação óbvia. — Você também parece cansada.


— Eu não pedi remédio para ele e você já sabia que eu estava dolorida. Você é

fisicamente exigente e meu corpo nem sempre está à altura do desafio. — Claire estava

cansada. Muito cansada. — Além disso, não foi esse o motivo da sua punição?

Agachando-se para ficar mais perto do nível dos olhos dela, Shepherd enterrou as

mãos em seus cabelos e embalou seu crânio. — Não houve punição. — O macho

começou a passar os dedos pelo couro cabeludo dela. — Esses hematomas... Você

deveria saber que eu estava incrivelmente contido. Antagonizar seu companheiro a tal

ponto é perigoso, pois você é frágil, pequenina, e eu sou muito forte. No entanto, na

raiva que você propositadamente fomentou, eu lutei comigo mesmo. Eu não acertei

você. Eu poderia facilmente tê-la danificado sem possibilidade de reparo.

O ronronar era tão alto e os dedos dele pareciam incrivelmente reconfortantes

puxando o cabelo dela... mesmo que suas palavras fossem perturbadoras. — Valeu a

pena. — Ela murmurou.

O homem exalava paciência, ainda naquela aparente calma com a qual acordou. —

Explique tal afirmação.

Esta versão de Shepherd nunca foi exatamente o que parecia. Cautelosamente,

Claire respondeu: — É a única maneira que conheço de me comunicar com você.

Ele parecia intrigado, os olhos brilhando enquanto Shepherd dissecava seu

estratagema. — Você deseja mais conversa?


Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem

batalhas. Se você conhece a si mesmo, mas não conhece o inimigo, para cada vitória conquistada

você também sofrerá uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo,

sucumbirá em todas as batalhas. -Sun Tzu

Claire precisava conhecer Shepherd. Ela não podia mais se dar ao luxo de ignorá-lo

como fizera antes. Ela precisava conhecer seus seguidores. Mais ainda, precisava ter

certeza de que se conhecia e não perderia de vista o que ela era caso ele a machucasse

novamente.

Pensando na melhor forma de responder, ela suspirou. — Seria normal sentir que

eu poderia confiar em você para simplesmente sentar e conversar comigo. Mas você

parece incapaz de se conter para ouvir o que talvez não goste - e sentir-se não ouvido

me deixa frustrada e infeliz.

— Você não coloca parte da culpa em si mesmo, pequena? Seu esforço para ignorar

minha presença é aparente.

— Por que eu prestaria atenção a um homem que não me escuta ou não respeita o

que sinto?

— Porque sou mais velho e mais sábio. Sei o que é melhor.

Claire bufou, um pequeno tremor no lábio. — O que você é é um fanático e um

déspota. E eu realmente não acho que você me conheça, Sr. verde é sua cor favorita.
Ele não respondeu. Em vez disso, Shepherd estendeu a mão e os braços que ele

deslizou ao redor dela pareceram... tranquilizadores. Bocejando, querendo se deitar,

Claire não se preocupou quando ele a carregou para a cama.

O Alfa sentou-se na beira do colchão, brincou com seus cabelos e ordenou que ela

fechasse os olhos. — Você vai dormir agora. Se eu encontrar você em um estado

aceitável quando voltar, conversaremos.

-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Quando ela acordou no quarto escuro, foi o melhor que Claire sentiu em algumas

semanas. Não foi apenas o cochilo ou os analgésicos, foi um pequeno senso de

propósito, um sentimento mais profundo de que seu progresso foi positivo. Bons

sentimentos eram perigosos e fáceis de perder em sua prisão, então ela os guardou

cuidadosamente no escuro antes de guardá-los - enterrando-os bem fundo para que

Shepherd não pudesse tirá-los dela.

O homem alegou que falaria com ela; isso deu a ela um espaço que poderia

preparar.

Tinha sido proveitoso iniciar um diálogo com ele sobre a pintura dela no dia

anterior, então ela começaria de forma simples e tentaria o que sabia. Claire misturou
suas tintas e começou a detalhar a imagem que viu no feed de segurança antes de

libertar as Ômegas da prisão. Ela pintou a pequena Shanice, de dezesseis anos, sendo

encurralada por um dos Seguidores do Shepherd.

Tudo estava como ela lembrava; nada embelezado, nada alterado.

Shepherd arrancou-a de debaixo do pincel no segundo em que voltou e a viu.

Enrolando-se, seus olhos brilharam de fúria, enquanto ele respirava tão profundamente

que esticava seu peito como um dragão prestes a cuspir chamas.

Claire não reagiu; ela apenas soltou um suspiro e deixou o pincel de lado.

Falando inofensivamente sobre um assunto muito ofensivo, Claire começou. — O

nome dela é Shanice. Ela tem dezesseis anos. Esse foi seu primeiro cio e posso garantir

que ela não estava disposta. Ela chorou até dormir todas as noites desde que o cio

terminou.

— Se meu oficial tivesse conseguido formar um vínculo, ela teria ficado tão

contente quanto todas as outras! — Shepherd apoiou seu peso na mesa, agressivamente

irritado ao descobrir que não era o ideal ao qual esperava retornar. — Você é o único

inquieta.

Claire colocou a mão sobre a dele, não para confortá-lo, mas para deixar claro que

entendia as consequências. — Esse homem não pode ter menos de quarenta e cinco

dias. Aquela garota ainda está na escola.

— Eu sou muito mais velho que você. — Shepherd rebateu veementemente.


— Talvez por uma década, talvez um pouco mais. Mas não tem idade suficiente

para ser meu pai. Também sou uma mulher adulta, Shepherd. Não sou uma criança.

Flexionando o punho sob sua mão pequena, Shepherd rosnou: — Estou ciente do

que você está fazendo.

— Estou tentando me comunicar com você sobre coisas que não entendo. —

Rebateu Claire. Pequenos dedos apertaram sua mão novamente e ela deixou seus

sentimentos transparecerem em seu rosto. — Considerando sua mãe... explique-me

onde a linha se confunde e isso se torna aceitável?

Shepherd sentou-se à sua frente, agitado, mas cada vez mais composto. — Os pares

alfa-ômega arranjados são comuns ao longo da história e são estatisticamente bem-

sucedidos.

— Se o bebê que estou carregando fosse uma Ômega, você iria querer isso para o

sua filha?

— Nestas circunstâncias, sim. As Ômegas vinculadas são protegidas por Alfas

dignos. Todas são alimentadas; ficam seguras... elas não são maltratadas. Você é quem

as exporia a Thólos em seu tolo mal-entendido sobre liberdade. — Torcendo a mão,

Shepherd capturou os dedos dela e brincou com eles, embora suas palavras fossem

duras. — Você nunca teve isso, Claire. Você nunca foi livre nesta cidade... Você nunca

foi livre por um dia em sua vida.


Ela realmente odiava o som dele falando seu nome, sabia que os sentimentos

desagradáveis que isso provocava apareciam em seu rosto e sentia sua fortificação

escorregar. Além disso, ela odiava como Shepherd segurava sua mão como se fossem

amantes, como se ele tivesse o direito de fazê-lo, mesmo que ela tivesse iniciado o

contato. — Você me maltratou. E não sei o que odeio mais: suas suposições, ou o fato de

você ter falado meu nome simplesmente porque sabe que não gosto.

Um grande polegar circulou a palma da sua mão. — O que torna este discurso o

momento perfeito para começar a ajustá-la ao som dele em meus lábios, pequena.

Sustentando o olhar dele, forçando-se a não retirar a mão, Claire admitiu: — Então

nós dois temos uma agenda.

Puxando o braço para mais perto, Shepherd ronronou: — Não teremos uma

repetição da discussão de ontem.

— Esse assunto já foi abordado. Conheço meus sentimentos, sei o que foi feito e sei

por quê... mesmo que você não admita. Cabe a você encarar ou não o que é fato. —

Depois de respirar, Claire ergueu os olhos de onde suas mãos estavam unidas e tentou

uma abordagem diferente. — As Ômegas acasaladas estão realmente resolvidos?

A palavra era dura e crítica. — Sim.

Ela olhou fixamente. — Você deve desejar ter escolhido com menos impulsividade.
— Eu nunca questionei reivindicar você. — Quase musicalmente, ele explicou sua

verdade: — E em resposta à sua pergunta de ontem; sim, eu ainda teria lutado contra a

multidão e alegado que você não tivesse Svana desviado. Você nasceu para ser minha.

Sarcástica, Claire levantou uma sobrancelha e resmungou para o idiota obtuso. — E

você sempre foi feito para ser meu?

Ele pegou seu queixo e se inclinou para frente. — Sim.

— Então devo admitir que vejo a ironia de que, como meu pai, recebi um

companheiro que realmente deseja estar com outra pessoa. Isso certamente é cruel da

parte dos deuses.

Shepherd não hesitou em responder: — Eu só quero você, Claire.

Ela soltou um suspiro. — A primeira vez que te vi na Cidadela, a primeira vez que

senti seu cheiro, não te vi como meu companheiro. Tudo que senti foi medo. Foi muito

difícil manter minha posição e não correr.

Passando o polegar sobre os lábios carrancudos dela, Shepherd forçou uma

pergunta que apertou sua boca e endireitou seus ombros. — Por causa das minhas

marcas Da'rin?

Claire balançou a cabeça, as sobrancelhas franzidas. — Não. Por causa do que você

fez, onde estava, quão grande você é... a violência. Meu pai era um homem muito bom -

engraçado e gentil. Esse é o epítome de Alfa para mim. Isso é um companheiro

adequado. Você não é nenhuma dessas coisas. Desde que você forçou o vínculo, me
sinto controlado, manipulada, você me causou tristeza, não posso confiar em você

porque só me trata bem para conseguir o que quer.

— Eu assumirei a responsabilidade pela dor, mas quanto ao resto, grande parte é

culpa sua. Você fez pouco esforço para ser uma companheira contente. Sua resistência e

subversão contínua requerem uma mão firme para garantir sua segurança. Eu faria isso.

Ser cruel com você para mantê-la segura, e eu a manipulo livremente, pois não há outro

recurso para atraí-la para mais perto. Se você tivesse se estabelecido como os outras

Ômegas se estabeleceram, sua vida seria feliz. E eu cuido do seu bem-estar. Eu trago-lhe

coisas pelas quais você nunca me agradece. Ofereço-lhe os melhores alimentos. Eu

acaricio, ronrono e agrado você fisicamente por horas.

Claire pretendia que a conversa destacasse suas preocupações com Thólos, e não

criticasse as questões principais sobre por que, além de suas muitas transgressões, o

vínculo entre eles era uma loucura. Rangendo os dentes diante da lista de acusações

ridículas, ela respirou fundo e tentou controlar seu temperamento. — Quando você

estava em Undercroft, você agradeceu aos seus carcereiros pelo que levaram para você?

Os olhos de Shepherd se arregalaram um pouco, o homem incrivelmente insultado.

— Agradeça-me pelas tintas.

Claire rosnou: — Obrigada por todas as horas que passei limpando este quarto.
— Pequena. — A mudança nele foi perturbadora. O macho ronronou e apertou a

mão dela suavemente. — Seu comportamento doméstico em nosso covil compartilhado

é nada além de agradável para mim. Obrigado.

Carrancuda, Claire perdeu terreno. — Estou preocupada porque, se eu agradecer

pelas tintas, você saberá o quanto gosto delas e as levará embora.

— Não vou aceitar suas tintas. Entendo que você precise delas e que há pouca saída

para você quando eu não estiver aqui.

Ela não acreditou nele, mas isso não importava. Seu lábio inferior tremeu. Sentindo

os olhos ficarem úmidos, ela sussurrou: — Obrigada pelas tintas.

— Você deseja continuar conversando ou prefere ir ver o céu agora?

Ela não avançou em sua agenda, desperdiçou a oportunidade e aprendeu pouco.

Toda a maldita conversa foi imperceptivelmente movida para a tensão entre eles por

um homem muito mais talentoso no discurso. Esse não era o seu objetivo; esse não era o

propósito dela.

Dando um passo mental para trás, precisando reformular, Claire assentiu,

desligada da provação. — O céu.


Capítulo 13

Entrando no quarto pela janela, Claire ficou cautelosa no segundo em que seus pés

tocaram o chão. A configuração mudou; uma pequena mesa continha duas bandejas de

comida... como se Shepherd fosse comer com ela - o que não só seria estranho, mas

também um ato doméstico que ela não estava com vontade de realizar com ele.

Como uma barra de ferro em volta de sua cintura, o braço de Shepherd a segurava

contra seu corpo, a desconfortável algema ainda no lugar. Eles não estavam se

aprofundando na sala, apenas parados desajeitadamente enquanto ele se inclinava para

cheirá-la possessivamente.

— Eu teria preferido acasalar com você antes disso, mas renunciei à experiência

porque você desejava conversar. Também vou permitir que fique um pouco sem as

algemas. — Disse Shepherd, destravando o metal em seu pulso enquanto ainda

mantinha a postura rígida segura ao corpo dela. — Se você decepcionar minha

confiança, este momento não acontecerá novamente. Seria do seu interesse se

comportar.

Antes que Claire pudesse responder, as numerosas fechaduras da porta começaram

a sibilar e seu corpo foi deslocado de modo que não houvesse nenhuma visão além do
peito de Shepherd. A porta foi aberta e fechada, e só então Shepherd as virou para que

ela pudesse ver.

Instantaneamente em pânico, Claire olhou para a loira deslumbrante e correu para

jogar seu corpo entre Maryanne e Shepherd. — Que porra ela está fazendo aqui? Você

me prometeu!

— Claire, acalme-se antes de se contrair em um aneurisma. — Brincou Maryanne,

jogando um braço em volta dos ombros dela. — Fui convidada para jantar.

Merda. Havia um problema, sempre havia um problema, e o pavor frio tomou

conta da Ômega. Sua atenção se voltou para a mesa dobrável, de volta para seu enorme

companheiro, depois por cima do ombro, em direção a Maryanne.

Claire estava com medo.

A fêmea Alfa a conduziu para frente, sorrindo e levantando as sobrancelhas como

se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. — Era impossível dizer não depois

que ele me disse que bife estava no cardápio... Não pense nem por um momento que

vim ver você.

A risada nervosa de Claire não parecia nem um pouco tranquilizada. As mulheres

sentaram-se, Shepherd dirigiu-se para uma terceira cadeira no canto para observar

como um guarda observando a última refeição de um condenado.

Entusiasmada, Maryanne comeu a comida, fez conversas inúteis, sorrindo

enquanto Claire trabalhava com o nó em seu estômago e rezava para que a comida
permanecesse ali. Com o passar de meia hora, a situação tensa se acalmou. O ronronar

suave de Shepherd no canto e o olhar de aprovação em seus olhos toda vez que Claire

olhava para ele ajudaram a acalmá-la.

Ter Maryanne por perto já era extraordinário e, por um momento, Claire se sentiu...

confortável.

— Maryanne. — Engolindo o último pedaço de bife, Claire olhou para sua linda

amiga e brincou: — Acho que você pode ser a única mulher em Thólos que ainda usa

batom.

Lábios carnudos e vermelhos curvados em um sorriso malicioso, Maryanne estava

orgulhosa como um pavão. — Eu tenho padrões. — A mulher olhou para o cabelo de

Claire, franzindo a testa. — E você tem sido negligente. Você precisa cortar o cabelo.

— Como você deve ter notado pelo bife pré-cortado, não tenho acesso a objetos

pontiagudos. Também tenho certeza de que os serviços de salão não fazem parte da

filosofia de Shepherd.

Maryanne ergueu uma sobrancelha sarcástica e ronronou: — Mas comida gourmet

faz?

Claire olhou para os pratos prontos, franzindo a testa.

Maryanne passou um animal de estimação no cabelo de Claire para que ela

pudesse mostrar as pontas irregulares. — Sabe, Claire, se se trata de coisas femininas,


você terá que dizer a ele abertamente se precisar de alguma coisa. Seu Alfa parece

denso como uma pedra em relação às mulheres.

Antes que ela pudesse impedir, a Ômega caiu na gargalhada. Com a mão

pressionada na boca, ela imaginou a expressão de Shepherd atrás dela e riu ainda mais.

Demorou um minuto antes que ela pudesse repreender sua amiga arrogante e

sorridente. — Pelo amor de Deus, Maryanne. Ele nunca vai deixar você voltar agora.

— Oh. — Maryanne recostou-se na cadeira como um gato bem alimentado. — Eu

acho que ele vai.

Enquanto Claire se recompunha, Maryanne começou seu dever. — Eu visitei suas

Ômegas. Elas felizmente não estão cientes de sua situação.

E foi por isso que Maryanne veio. Claire passou a mão pelos cabelos, preocupada.

— Eles acham que eu me matei?

— Sim.

— Isso é bom. Elas ficariam preocupadas se pensassem que eu ainda estava viva.

— Só porque temiam que você pudesse lhes causar problemas.

— Maryanne...— Claire avisou. — isso não é justo.

Com um sorriso arrogante, Maryanne balançou um dedo. — A vida não é justa,

docinho.

— A vida é o que fazemos dela.


— Diz a mulher com cabelo desgrenhado e lábios rachados. Você claramente não

está deixando a sua tão boa.

Irritada por Maryanne ter pensado em repreender, Claire se inclinou para frente e

rosnou: — E qual é o seu objetivo?

— Que depois de uma boa olhada em você, posso ver que está se fazendo de vítima

em vez de tentar viver. — Não havia mais tom brincalhão na voz de Maryanne, nem

olhares brincalhões. — Sim, sua situação é uma droga; sim, não é o que você queria.

Mas é o que é. E eu conheço você... posso te ver estagnando em vez de se adaptar, toda

teimosa a ponto de doer. Ele pode não ser o Príncipe Encantado, mas é seguro aqui. Ele

alimenta você. Você está melhor do que quase todos os outros sob o Domo.

Parecendo estar prestes a arrancar a cabeça de seu convidado, Claire sibilou: — Ele

lhe disse para dizer isso?

— Parece que eu faria qualquer coisa que ele me dissesse?

— Claro que sim. — Estreitando os olhos, Claire murmurou: — Você precisou de

amigos uma vez... esse é o seu amigo sentado no canto agora.

Por um segundo, Maryanne pareceu abalada e depois ficou friamente composta. —

Você não sabe como era lá embaixo, Claire. Até você teria feito qualquer coisa para sair.

E não, ele não me disse para dizer isso. É minha opinião.

— Bem, pelas decisões de sua vida, fica claro que seu julgamento nem sempre é o

melhor.
— Esse olhar em seus olhos. — A loira se acomodou, tão infeliz quanto sua amiga.

— Eu sei o que isso significa. Você sabe que estou certa. E sim, eu estraguei tudo. Eu

sou o que sou. Mas você ainda me ama.

— Eu amo, sua vadia.

Um forte calor repentino se instalou na nuca de Claire. Ela ficou tensa, sem

perceber que Shepherd havia surgido silenciosamente atrás dela. Com o polegar

acariciando sua coluna, ele falou: — Isso será o suficiente por hoje.

Claire se levantou para se despedir, Shepherd mantendo seu pescoço em seu

pescoço. — Me desculpe por ter gritado com você, Maryanne.

— Você não deveria. Maryanne sorriu suavemente. — Você pode ser mal-

intencionada; está grávida. E antes que perceba, também estará gorda.

E assim, Claire estava rindo de novo, saindo da sombra de Shepherd para abraçar

sua amiga. Na ponta dos pés, Claire beijou os lábios de Maryanne, o adeus habitual das

amigas mais próximas.

E foi um erro.

Shepherd rosnou, Claire se voltou contra ele, implorando: — Não a machuque!

— Ela é como minha irmã, Shepherd. — Maryanne tentou pacificar, não

conseguindo esconder o medo em sua voz. — Tire sua mente da sarjeta.


— Você não vai beijá-la novamente. — Um braço passou pela cintura de Claire,

mantendo-a presa ao seu lado enquanto Shepherd gritava uma série de palavras

estrangeiras em direção à porta.

Os ferrolhos foram acionados e a porta aberta para que a Sra. Cauley pudesse ser

escoltada para fora por um desfile de Seguidores armados. Mesmo quando a porta

estava fechando, Shepherd pressionou Claire contra a parede. Ela ouviu o zíper dele, a

impaciência do rosnado de Shepherd enquanto ele levantava sua saia, e ele estava

dentro dela com um impulso rápido.

Não era nada além de um animal reclamando, ambos ainda vestidos, mas seus

grunhidos eram altos, e Claire sabia que Maryanne, qualquer um, nos corredores

poderia ouvi-los. E esse, claro, era o seu ponto. Shepherd estava transmitindo em voz

alta que ela era dele. Ela queria sentir vergonha, mas descobriu que seu corpo se

gloriava nisso, sua mente já mergulhava na névoa. Foi um emparelhamento rápido,

especialmente satisfatório quando ele a girou pouco antes de ela gozar. Cara a cara, o nó

se formou, as pernas dela em volta da cintura dele, a força dele apoiando-a totalmente

quando tanto prazer floresceu.

— Você não disse meu nome. — Ele ofegou, os olhos como ferro derretido.

Ela disse isso, só para que ele calasse a boca e a deixasse aproveitar os efeitos

posteriores. — Shepherd.
Havia uma mancha de batom vermelho na boca de Claire. Mantendo-a imóvel,

Shepherd esfregou. Seu dedo hesitou, mudou de rumo e, em vez disso, espalhou-o até

que os lábios dela adquiriram um tom rosado. — A avaliação da Sra. Cauley estava

correta? Cosméticos são algo que você precisa?

O homem tinha acabado de dar um nó, ainda estava derramando e fazendo

perguntas estúpidas. Olhando para ele como se fosse maluco, Claire fez uma careta. —

Ninguém precisa de cosméticos.

— Não vejo nenhum problema com o comprimento do seu cabelo, nem ele está

desgrenhado. — Ele resmungou em seguida, acariciando exatamente o mesmo lugar

que Maryanne fez, como se apagasse o toque da outra Alfa.

Claire revirou os olhos para o céu e encostou a cabeça na parede.

Seus lábios foram para sua bochecha, sua orelha, seu pescoço. — Eu nunca ouvi

você rir dessa maneira.

Não havia nada que ela pudesse dizer que não fosse inflamado, mas estava claro

que ele esperava algum tipo de resposta. — Ela é engraçada. Sempre foi.

Shepherd entendeu que era menos o comentário de Maryanne e mais o fato de

Claire concordar totalmente com a avaliação de sua amiga. Svana nunca o achou

deficiente quando se tratava de compreender suas necessidades. Ela era fácil de

agradar, adorava os presentes que ele lhe trazia e sempre agradecia profusamente.

Claire era desinteressada em quase tudo que ele fornecia, nunca olhava duas vezes para
roupas novas, joias enfiadas em sua gaveta ou coisas bonitas que ele colocava no quarto.

Ele sabia que ela gostava da comida, embora seu orgulho a impedisse de expressá-lo... e

ela encontrava prazer em suas pinturas; nada mais provocava uma reação.

Ele odiou cada momento da conversa das mulheres, exceto a sábia reprimenda de

Maryanne à amiga. Era a única coisa que poderia induzi-lo a permitir novamente tal

encontro.

Mais estranho ainda, Claire tinha ficado hostil, elas discutiram, e então tudo

acabou. Sem ressentimentos de nenhum dos lados.

A Ômega estava ficando mole, adormecendo em seus braços. Ainda amarrados,

Shepherd carregou-a até a espreguiçadeira e arrumou os dois enquanto esperava que

seu membro amolecesse. Quando o nariz dela foi até o pescoço dele e ela começou a

sentir o cheiro dele, o Alfa encorajou seu comportamento, brincou com seu cabelo e

ouviu seu estranho zumbido musical – um barulho Ômega que ela não fazia desde...

desde Svana.

Ele agradou sua companheira. Ela estava até sorrindo contra a pele do pescoço

dele, Shepherd tinha certeza de que ela não sabia que ele poderia desfrutar de tal visão

pelo reflexo deles na janela. O ronronar se aprofundou, os cílios dela tremularam, os

dedos brincando com o tecido da camisa dele.

— Eu forneceria coisas femininas se você pedisse. — O homem resmungou,

estranhamente relaxado, considerando o quão irritado ele estava minutos antes.


Ela respirou fundo e se levantou para olhá-lo nos olhos. Depois da conversa lá

embaixo, ela sabia o que estava em ordem. — Não sei por que você fez isso, e só posso

presumir que houve algum propósito oculto e egoísta, mas neste momento agradeço.

Obrigada por providenciar para que eu passasse um tempo com Maryanne.

Ele poderia ser gentil, muito diferente. Segurando seu rosto, ele olhou para ela com

uma expressão suave. — Meu motivo foi simplesmente mostrar a você que estou

cumprindo minha parte no trato e para que você se divirta.

Shepherd estava se comportando corretamente, estava fazendo concessões... e

queria que ela reconhecesse isso. Chupando o lábio inferior na boca, ela se permitiu um

momento para estudá-lo de perto; levantando de modo que seu membro amolecido

escorregou, eles ficaram cara a cara. Claire tocou onde seu pescoço estava cheio de

parasitas Da'rin, o arco de suas sobrancelhas, as várias cicatrizes em seu rosto,

acumuladas ao longo de décadas de brigas.

Este homem era seu inimigo.

Shepherd procurou encorajá-la. — Você está curiosa...

Fazer o homem falar a tirou de seu olhar abstrato. O que era um assunto tornou-se

uma pessoa e Claire recuou. — O senador Kantor me disse que suas marcas Da'rin

simbolizam os homens que você matou.

— É uma coisa comum no subsolo ameaçar potenciais adversários.

— Ele disse que elas machucam...


— À luz do sol, sim.

Eles estavam sentados sob um raio de sol e, embora ele usasse mangas compridas,

as marcas em seu pescoço estavam expostas. Ele parecia tão calmo, seus olhos focados

mas suaves, que Claire duvidou. — Mas você não as cobre.

Shepherd sorriu e tentou beijar seus lábios indiferentes. — Eu posso suportar a dor.

Cruzando um dedo sob seu queixo, ansiosa para distrair as intenções mais

amorosas do homem, Claire o incentivou a se esticar para que ela pudesse ver seu

pescoço sob a luz. Raspando as marcas de ramificação com as unhas, ela explorou,

contou vidas. — Quantas?

O macho começou a ronronar, espreguiçando-se, deleitando-se, quando Claire

traçou os padrões. — Muitas.

Com os olhos tristes, ela confessou: — Tentei contá-las repetidas vezes. Sempre

perco a conta...

Ele a queria carinhosa e contente, não assustada e ansiosa para brigar. — Isso é

tradição clandestina. Você também tem tradições. A maioria dos homens fica em

Undercroft por alguns anos, talvez uma década, se forem fortes. Eu nasci lá. Antes de

dar aos prisioneiros propósito e vontade de sobreviver, poucos viveram o suficiente

para Da'rin se espalhar tão amplamente quanto as minhas. Minhas marcas eram

esperança para muitos de que elas também poderiam durar.


Para os homens que foram jogados na escuridão em inocência, para os homens que

foram jogados lá por pequenas infrações... por Maryanne... Claire podia se permitir

entender. — O Domo não é o que eu pensei que fosse, mas também não é o que você

pensa que é.

Passando os dedos pelos cabelos dela, ele brincou: — Você sabe tão pouco, mas fala

tão alto.

— Não minimize minha vida. — Ela passou a mão pelos olhos. — Um Alfa não

pode imaginar como é crescer como Ômega. É claro que a dinâmica não é confirmada

até os doze ou treze anos, mas esse medo, de saber que todas as suas orações de infância

por ser uma Beta, ficaram sem resposta. Saber que você nunca seria mais do que um

bem precioso de Alfa. Eu quebrei esse círculo. Tomei muito cuidado.

O homem deslizou os braços ao redor dela, como se estivessem compartilhando

um momento de ternura. Ele até beijou a testa dela. — Algum dia você vai me

agradecer - cercado por nossos filhos, feliz pela vida que proporcionei.

— Você quer meu agradecimento? Bem, há algo que eu quero.

Cauteloso, apertando vértebra por vértebra, ele fez da pergunta um aviso. — Sim?

Com a mão em seu peito, seu hálito quente em seu pescoço, ela suspirou. —

Quando eu vaguei por Thólos, vi Lilian e os outras Ômegas pendurados do lado de fora

da Cidadela. Você as enterraria adequadamente se eu pedisse?


A inclinação de sua cabeça deixou-a saber que ele estava intrigado, que estava

avaliando os prós de fazer tal coisa para ela. Virando o queixo, os olhos de Shepherd

brilharam, desenvolvendo sua estratégia para obter vantagem. — Eu estaria disposto a

conceder sua concessão, se alguma fosse feita para mim em troca.

Claire estava desiludida com este homem há muito tempo. É claro que ele iria

querer alguma coisa. — O que você quer?

Seu olhar ficou líquido, como ferro derretido. — Acho que nós dois sabemos o que

eu quero.

— Não vou ser enganada em nada. Seja exato ou esqueça meu pedido.

Uma risada suave e Shepherd disse: — Você ficou ainda mais inteligente, minha

pequena Ômega. Beije-me e eu lhe darei o que você quer.

— Você teria que oferecer algo muito maior para me motivar a beijar você. Em vez

disso, eu oferecerei. — Claire franziu os lábios e tentou considerar, ignorando o modo

como ele movia a mão quente em pequenos círculos contra a parte inferior de suas

costas, encorajando-a. negociação. — Eu vou oferecer...— Ela realmente não tinha nada

a oferecer. — Eu vou cantar para você.

— Não.

— Eu vou pintar o que você quiser.

— Não.
Ela havia falhado em tantos; ela poderia pelo menos fazer uma coisa pelas

mulheres mortas. Movendo a mão para pairar sobre seu pau exposto, ela fingiu

determinação, mas sua voz instável a traiu. — Eu iniciarei o sexo na hora que você

escolher.

Shepherd olhou para baixo entre eles, onde sua mão estava tão perto, mas não o

suficiente. Seduzido, ele ronronou, os olhos prontos para devorá-la. — Essa é uma

oferta muito mais interessante. Eu escolho as três.

Tudo bem, então era isso que ele conseguiria. — Quero uma prova de que foi feito.

O Alfa sorriu, completamente presunçoso. — Cante alguma coisa agora, de boa-fé.

Ela poderia fazer isso. — Que música você gostaria de ouvir?

Movendo o cabelo atrás das orelhas, Shepherd garantiu que sua visão estaria

desobstruída. — A música que você cantou primeiro, mas desta vez não chore. Você

também deve me olhar nos olhos enquanto canta para mim.

A balada começou e ela cantou o tempo todo, Shepherd acariciando, ronronando,

aparentemente satisfeito com o arranjo. Claire não chorou, ansiosa demais para

conseguir o que queria.

Quando ela terminou, ele estava manso... olhando para ela como havia olhado para

Svana. — Poderia ser assim o tempo todo, pequena.

Ela colocou a mão em seu rosto e disse suavemente com o coração duro como

pedra: — Não, Shepherd, não poderia.


— Você verá...— Plácido, Shepherd puxou-a de volta para descansar. — Eu vou te

mostrar.

-*-*-*-*-*-*-*-

Tudo era macio, quente e fofo. Claire não tinha interesse em mudar, nem mesmo

pelo cheiro de café e pela mão quente entrando em sua toca. Shepherd a prendeu pela

cintura e puxou até que seu cabelo bagunçado se afastasse do edredom azul e uma

Ômega de olhos turvos emergiu.

A cama nova havia chegado durante o jantar com Maryanne – tudo em seu tom

favorito de azul, tudo fresco. Mesmo com o esforço que o Alfa fez, Claire não sentiu

vontade de fazer ninho por muitos dias. Mas ele continuou colocando-a de volta,

tirando-a do que quer que ela estivesse fazendo e enterrando os dois sob as cobertas,

acariciando sua barriga para encorajar os pensamentos de sua Ômega sobre o bebê, até

que finalmente tudo fez sentido e ela subconscientemente começou a cheirá-lo e ela se

aproximar.

Esfregando o sono dos olhos, Claire ficou de mau humor, infeliz por Shepherd tê-la

acordado. Homem sábio, serviu-lhe um cappuccino e esperou pelo seu novo ritual
matinal; sua pequena espiando, tentando esconder o interesse em descobrir o que era o

quadro que estava na espuma naquele dia antes de ela bebericar e a arte ser estragada.

Em sua xícara florescia uma intrincada papoula. Claire adorou a contragosto. — A

pessoa que faz isso tem alguma ideia para quem são?

Shepherd respondeu com uma pergunta. — Você pergunta por causa do formato

da flor?

— Você tem que admitir, é um pouco ridículo que eles lhe deem uma bebida com

flores.

— É um ritual de cortejo da cultura Dome o homem oferecer flores à mulher.

Ordenei que fosse preparado desta forma.

Encolhendo-se internamente, Claire tomou um gole da bebida e odiou ter corado

com a tentativa de gesto romântico dele, que ele iria confundir o constrangimento dela

com timidez, que já estava olhando para ela com um brilho arrogante nos olhos.

Havia mais. — Nosso acordo foi cumprido.

Claire colocou a xícara e o pires na mesa de cabeceira, preparando-se. — E a prova?

Shepherd apresentou seu COMscreen. — Isso pode te incomodar, então peço que

confie em mim e não olhe as fotos.

Não havia nenhuma chance no inferno de Claire confiar em tal homem. — Não

poderia ser pior do que outras coisas que vi nesta cidade.


Ela pegou o COMscreen, arrancando-o das mãos dele. A primeira imagem foi

tirada à distância, com os três corpos pendurados, mas não perto o suficiente para ser

gráfica. A segunda foi da mesma posição, os Seguidores do Shepherd derrubando-os.

Claire ficou tentada a parar por aí, a aceitar isso como suficiente, mas fazer isso seria

mostrar fraqueza diante de seu adversário. Seu dedo deslizou pela tela. Corpos lado a

lado em uma cova aberta, rostos apodrecidos à mostra, restando apenas buracos onde

antes havia olhos. Cada cadáver ainda estava amordaçado, os lábios encolhidos

expondo os dentes, com cordas penduradas em seus pescoços.

Claire não conseguia desviar o olhar.

Shepherd gentilmente retirou o COMscreen de suas mãos. — Você está satisfeita?

O que ela estava era incrivelmente doente. Assentindo, sua boca ficou azeda, Claire

afundou ainda mais em sua cama na esperança de que ele fosse embora para que ela

pudesse correr para o banheiro e vomitar.

Shepherd conhecia cada carrapato dela, sabia que ela não estava bem. Claire

poderia ir até o banheiro e passar mal com dignidade, ou ele iria se envolver, sua

carranca dizia isso.

Saindo da cama, ela passou por ele, fechando a porta para ter privacidade, e

vomitou tudo o que acabara de engolir, com certeza que levaria algum tempo até que

ela desfrutasse de um cappuccino novamente.


Ele a deixou em paz, esperou ela lavar o rosto e escovar os dentes, e quando voltou,

Claire se vestiu como se nada tivesse acontecido.

Escovando o cabelo emaranhado, ela se virou para o homem ainda sentado na

ponta da cama. — O que você gostaria que eu pintasse para você?

Ele respirou contemplativamente, a voz quase jovial quando falou. — Um retrato

seu, pequena. Um que eu apreciarei.

Com o pincel no meio de um emaranhado, Claire refletiu, sem saber se Shepherd

compreendia o quão difícil seriam os autorretratos. — Isso está fora do meu alcance.

Pode não ficar bom.

Ele estalou os dedos, chamando-a para mais perto. Apreensiva de que ela deveria

cumprir a outra exigência do acordo naquele exato momento, Claire ficou tensa, mas foi

até ele.

Tirando o pincel das mãos dela, ele a colocou de lado e a puxou para descansar

sobre seus joelhos. — Eu quero que você cante para mim agora.

— Eu já cantei para você.

O homem sorriu maliciosamente enquanto falava: — Nosso acordo não estipulou

várias vezes. Você simplesmente disse que cantaria para mim e desejo que o faça

novamente.

Claire suspeitava que era muito mais para seu benefício do que para ele, uma

distração que mudaria seu pensamento para uma direção mais tranquila. — Se você
estabelecer esse precedente e começar a quebrar as regras, o tiro acabará saindo pela

culatra.

Ele tocou o nariz dela com um dedo; Shepherd semicerrou os olhos e o homem

murmurou: — Por favor.

Ela cantou a primeira coisa que lhe veio à mente, um hino relíquia sobre a guerra...

uma canção que era comovente, triste e muito expressiva da situação difícil de Thólos.

— Você ainda se sente mal? — Shepherd perguntou, ciente de seu pequeno motim

musical enquanto tocava suavemente sua barriga.

Claire geralmente não se sentia bem ao acordar, especialmente depois de ser

arrastada para fora da cama para ver fotos das vítimas que Shepherd havia assassinado,

e disse isso a ele.

— A punição aplicada a essas mulheres foi merecida. — O homem não se comoveu

com a declaração dela. — Se sua morte tivesse trazido lucro, elas não teriam hesitado

em matá-la. Você foi gentil o suficiente para vê-las enterradas. Não chore mais por elas.

— Você não deseja ficar de luto quando morrer? — Claire perguntou, sem ameaçar,

apenas interessada na resposta dele.

Acariciando o bebê, a pequena coisa que ainda não tinha distorcido sua figura,

Shepherd perguntou: — Você não ficaria de luto por mim, pequenina? Ou você

apreciaria a morte de seu companheiro?


Claire não era desumana. Ela tinha sentimentos naturais e sentiu uma discórdia no

vínculo, o súbito e inquieto latejar em seu peito que parecia entristecido pelo simples

pensamento da morte do portador do vínculo. Mais profundamente ainda, ela

suspeitava que a morte dele não equivaleria à sua liberdade – muita coisa já havia sido

feita. Ela definharia como aconteceu quando o vínculo foi danificado. Ela morreria. Sem

saber como responder à pergunta, esfregou a mão no rosto e se recusou a responder.

— Esse pensamento perturba você. — Novamente era a voz gentil e manipuladora

e os toques suaves de um homem que ela sabia que fingia ser algo que não era. — Você

não precisa ter medo. Você sempre será cuidada.

Às vezes parecia que Shepherd conseguia ler seus próprios pensamentos. Outras

vezes parecia que ele estava tão longe da base que era como se vivessem em planetas

separados.

Claire tinha que sair do colo dele, ela precisava pensar. Shepherd permitiu.

Alisando o cabelo para trás, ela pensou em abordar outro assunto. — Não consigo

entender. O que você quer de Thólos? Você é um rei com uma lista de ambições, mas

deixou suas terras descaírem. Você governa tudo sob o Domo, mas odeia seus súditos.

Shepherd apoiou os cotovelos nos joelhos e falou com perspicácia enquanto a

Ômega andava. — Meu número de seguidores leais aumentou além do que eu

imaginava. As dificuldades destilam a alma.


As coisas que ela tinha visto nas ruas de Thólos, a depravação – isso fez a verdade

de suas palavras doer. — Aqueles que aderiram desde a violação são traidores que

escolheram a sua doutrina por um senso equivocado de sobrevivência.

— É verdade, mas a maior parte do terrorismo em Thólos foi perpetrado pelos seus

próprios cidadãos. Eu não me envolvi.

Engolindo em seco, Claire torceu as mãos, procurando por algo que pudesse usar.

— Eu sei. Eu pedi ajuda... lembra? Você não me ajudou.

O brilho de aprovação iluminou os olhos de Shepherd. — Mas eu fiz.

Claire pensou que ela poderia perder a calma. — Eu não vou ter essa briga com

você.

— Pense no seu ataque ao Undercroft. — Lembrou o gigante. — Pense no que

conquistou pelas Ômegas. O que ocorre em Thólos define o caráter. Você é excepcional.

Isso estava longe de ser verdade. Envergonhada, Claire voltou os olhos para o chão

e confessou: — Maryanne lhe contou o que eu tive que fazer para convencê-la a me

ajudar?

— Eu não discuti essas coisas com a Sra. Cauley. O que foi feito está perdoado e sua

motivação compreendida.

— Eu a ameacei. — Admitiu Claire, certa de que ele devia ver como sua ocupação

havia afetado até mesmo ela. — Eu a ameacei com você.


Shepherd não pôde deixar de rir abertamente. — Como você é charmosa. Não se

preocupe. Você nunca teria cumprido a ameaça. Nós dois sabemos disso.

Mas ela ainda havia feito algo errado com sua amiga. — Eu odiei fazer isso,

Shepherd.

O homem assentiu, totalmente satisfeito. — Mas foi necessário.

Ele estava distorcendo as palavras dela, aproveitando a oportunidade para

influenciar. Ele permaneceu pouco reativo, paciente, e Claire se perguntou por que ele

parecia satisfeito com a pergunta dela: — Onde isso vai acabar?

Shepherd respondeu como um pai educando um filho. — Em uma utopia

cultivada.

Lutando para não cerrar os dentes, Claire voltou ao assunto em questão. — Cheio

de pessoas prejudicadas? Como Shanice vai gostar do mundo que inspirou seu estupro?

— Se você não tivesse interferido, ela estaria segura, separada dos perigos de

Thólos e cuidada por seu companheiro - que teria fornecido tudo o que ela precisava.

Charles era um bom homem, merecedor do presente do amor de uma Ômega.

Ela não iria bater em um cavalo morto. — Nesta utopia, onde está a justiça para o

meu menino morto? As crianças que sofrem e morrem são inocentes…

— As crianças estão sendo negligenciadas e destruídas pelo seu próprio povo.

Meus seguidores não as prejudicam.


— Mas eles não ajudam, eles perpetuam o sofrimento. Não entendo como você não

consegue ver o que eu vejo. — Disse Claire, com olhos verdes arregalados e suplicantes.

— Shepherd, você libertou os condenados; você inspirou brutalidade. Você é uma

infecção mais perigosa do que o Contágio Vermelho.

— Menos de vinte mil homens foram libertados em uma cidade de milhões... uma

cidade de pessoas que escolheram abraçar a violência em vez de permanecerem

honradas - um povo que é facilmente corrompido. Eu nunca lhes disse para saquear,

estuprar ou assassinar. Thólos é responsável por suas ações.

— Você manipula todos nós com uma habilidade terrível, mas que pode ser

redirecionada. — Batendo o pé em frustração, Claire exigiu: — Por que não inspirar a

bondade, por que não tentar mudar o mundo através da não-violência?

— Seria inútil em um lugar tão imoral e corrupto. Você não pode argumentar com

esse tipo de pessoa, pequena. Você não pode explicar ou educar. Eles estão

absolutamente conscientes do que fazem. Eles não se importam com você, sua bondade,

ou qualquer coisa além de seus próprios desejos insaciáveis. Afinal, o que você sabe

sobre o senador Kantor, o campeão do povo? Esse homem faria qualquer coisa pelo

poder, manipularia qualquer um por riqueza. Ele conhece segredos que, caso os

divulgasse, a Resistência cortaria sua garganta.

Lutando para não perder terreno ou se distrair, Claire rosnou: — Você está amargo

porque ele ainda está livre, porque ele luta.


Cruzando os grandes braços sobre o peito, Shepherd disse: — O que faz você

pensar que não sei onde ele está neste exato momento?

Ela respirou fundo e fez-se parecer passiva. — Não há Resistência.

— Nunca haverá. — A pele enrugada ao redor dos olhos exagerava o sorriso de

Shepherd. — Thólosens nunca se levantarão à custa de seu conforto cada vez menor.

Sabendo que a pergunta iria irritá-lo, Claire perguntou sem rodeios: — Meu

panfleto teve algum efeito?

— Sim. — Os olhos prateados perderam a alegria, a furtividade evasiva e

estreitaram-se em desaprovação.

Isso foi algo que inspirou esperança. — Então você está errado.

Shepherd desenvolveu uma expressão encapuzada e respondeu como se estivesse

relutante. — Sua foto levou a uma série de assassinatos violentos de mulheres de

cabelos pretos que se parecem com você. Meus homens descobrem mais a cada dia.

A voz de Claire falhou, o pedaço de esperança que ela tinha desmoronou. — Você

está mentindo! — Mas ela já estava desmoronando, porque era muito crível.

Gentilmente, Shepherd perguntou: — Agora você entende exatamente o que são os

cidadãos desta cidade?

Com a cabeça entre as mãos, Claire começou a chorar, a responsabilidade pela

morte de cada mulher desconhecida gravada nela para sempre.

Ele a havia superado novamente; ele havia vencido.


Mesmo abraçada, destruída por soluços, odiando-se pelo que seu panfleto havia

inspirado e quão estúpida ela era por não reconhecer o que isso poderia levar, Claire

caiu no chão. Ele estava dentro dela em segundos, ronronando e acariciando,

segurando-a com força para que ela não se machucasse ao revidar. Ela chorou o tempo

todo, lágrimas escorrendo enquanto chegava ao clímax, mesmo enquanto ele lhe

contava coisas doces e reconfortantes. Quando isso não funcionou, Shepherd proclamou

que não era culpa dela, que ela era boa, e até ele sabia que ela não poderia ter

suspeitado de tal resultado - ela estava livre de culpa, era pura, seus ideais eram

nobres... a cidade não a merecia.

Ele disse a ela que a amava.

Ela se acalmou um pouco.

Nas vinte e quatro horas seguintes, Claire mal suportou sair do ninho. Shepherd a

deixou em paz, desde que ela comesse tudo o que ele trouxesse, incluindo fatias de

batata frita com maionese e um shake de chocolate.


Capítulo 14

Quando Claire acordou no dia seguinte, Shepherd deu banho nela, vestiu-a e tirou

as algemas para que pudesse levá-la para ver o céu. No fundo, ela sabia que a auto

piedade não a levaria a lugar nenhum. Ela queria se recompor, voltar a forjar o

progresso, porque devia isso àquelas mulheres de cabelos negros assassinadas, mas

perder a fé era uma ladeira escorregadia e ela não tinha nada em que se agarrar.

Shepherd tentou dar isso à ela.

Ele a carregou para o quarto com janela. Ele trancou a porta e mostrou a ela seu

último presente. O piano de sua mãe estava apoiado no papel de parede, seus

Seguidores o arrastaram desde o apartamento saqueado de Claire.

Não havia banco, apenas um banquinho que ele pegou, deixando-a em seu colo,

onde ela poderia franzir a testa ao ver as teclas arranhadas. Como eles ainda estavam

acorrentados, Shepherd seguiu onde os dedos dela flexionavam, seu corpo envolvendo-

a como um cobertor.

Uma respiração dolorosa e Claire fechou os olhos. Em estado de estupor, ela

começou a tocar Bach exatamente como sua mãe lhe ensinara. Os pedais eram difíceis

de alcançar, pois o homem servia como seu assento – um homem com a mão sobre seu

ventre, que se movia conforme ela se movia, sem nunca atrapalhar. Eles eram uma
única criatura. Até o braço volumoso acorrentado ao dela seguiu suavemente; Shepherd

nunca puxava os elos de metal, nunca interferia.

Respirando no tempo, chorando baixinho, Claire expurgou. Estava tudo ali na

melodia: tristeza, vergonha, culpa. Mas à medida que a música continuava, à medida

que ronronados estrondosos enchiam o ar ao mesmo tempo, o desespero se

transformava em algo que doía um pouco menos.

Claire não era nenhuma virtuosa, seus dedos tocavam notas amargas, mas tocar lhe

dava prazer. Foi um prazer que ela permitiu, que sugou como se estivesse faminta por

isso. Os olhos molhados se abriram, mais lágrimas caíram. O som precioso, a sensação

das chaves, do calor, abafaram a dor.

Mas mesmo uma distração tão bela não poderia durar. — Eu nunca teria feito

aquele panfleto se achasse que outros iriam sofrer.

Shepherd a abraçou com mais força. — Eu estou ciente.

Foi apenas um sussurro. — Thólos precisava saber. Eles precisavam ver. Mas eles

não fizeram nada. Eles estão fazendo... nada.

Shepherd respirou em seu ouvido. — Você não pode salvar Thólos, pequena.

Batendo as teclas em uma confusão de ruídos desagradáveis, Claire encerrou o

show. — Eu não deveria! Você não deveria ter feito isso!

Com a mão na barriga e os lábios cheios de cicatrizes na orelha, Shepherd

murmurou: — Se eu não tivesse vindo, que tipo de vida você teria, Claire?
O que ela sempre imaginou. — Eu teria encontrado um marido, teria filhos,

pintado... não teria medo pelos meus amigos, lamentando mais pessoas do que consigo

me lembrar. Minha linda cidade não estaria em ruínas ou minha casa destruída.

Shepherd usou seu raciocínio contra ela. — As pessoas de quem você cuida estão

seguras por sua causa. Meus homens cuidam delas. Você ainda pinta. Você tem um

companheiro que cuidaria de qualquer necessidade que você expressasse a ele, desde

que isso não colocasse você em perigo - alguém que exige sua ajuda e paciência. Além

disso, você não encontrará prazer no filho que lhe dei?

Lágrimas quentes caindo livremente, Claire olhou para onde uma pequena vida

seria extinta quando ela acabasse - uma pequena vida que crescia diariamente e se

tornava mais real, o que a afetava e aumentava sua dependência do Alfa ronronando

em seu ouvido.

Como se soubesse que ela se recusava a aceitar o pensamento de seu filho,

Shepherd murmurou em seu ouvido: — Você amará nosso bebê e cantará para ele,

pintará quadros para ele... e ele terá cabelos escuros como os seus, e talvez seus olhos.

Ela nunca se permitiu imaginar a criança. Ao ouvir uma descrição tão tentadora,

Claire não conseguiu evitar que a imagem invadisse sua mente, odiando o homem que

sussurrava tão docemente pela crueldade do que estava fazendo para tornar seu filho

real.
A insistência invadiu a tentativa de Shepherd de falar gentilmente. — Você não tem

que lutar contra isso, Claire. Você poderia me perdoar, perdoar a si mesmo, e sua dor

acabaria. Você poderia fazer isso por seu filho, para que ele não precisasse sofrer com

uma mãe descomprometida como você.

Com a respiração presa, ela automaticamente pressionou as teclas para se esconder

em sua música. Gentilmente, Shepherd segurou suas mãos, evitando sua tentativa de

distração até que seu argumento fosse explicado.

— As coisas não melhoraram nestas últimas semanas? — Ele acariciou a trêmula

Ômega; beijou seu pescoço. — Eu sei que foi doloroso para você aceitar o que enfrentou

entre nós, o que você viveu em Thólos. Eu também sei que você entende meu propósito

até certo ponto, e embora possa não querer admitir isso, você vê o quão errado este

lugar é.

— Por favor pare…

— Se você desejar.

Sua aquiescência foi inesperada. Claire se desenrolou, tentou mover os braços e

descobriu que Shepherd não a impedia mais de atingir seu objetivo. Ela começou a

tocar novamente, a melodia lenta e miserável. Enquanto seus dedos percorriam as

teclas, ela pensou em sua mãe, a mulher que ficou sentada ao seu lado por horas,

ensinando pacientemente a filha a única coisa pela qual ela sentia verdadeira alegria.
Era um ato de amor que Claire sempre quis, para compartilhar com seus próprios

filhos, parte da fantasia que a Ômega imaginou em seu futuro perfeito.

Pensamentos sobre sua mãe morta levavam a pensamentos sobre seu pai morto –

ao cheiro de flores de laranjeira e à lembrança do sol quente. A risada de seu pai era o

som favorito de Claire no mundo.

Outro homem a lembrava vagamente do homem; Corday, com seu sorriso bobo de

menino, sua gentileza, sua paciência.

Como se Shepherd soubesse, como se pudesse atrair seus pensamentos de volta

para ele, ele levantou a saia de Claire e acariciou sua coxa. Era bom o jeito que Shepherd

tocava. Foi perfeitamente agradável quando a música se agitou e sua atenção relaxou

para alterar o ritmo no ritmo dos longos e quentes golpes do Alfa. Ele ficou mais

ousado, e a respiração dela ficou presa quando seus dedos grandes exploraram,

provocando exatamente no lugar certo.

A maneira como ele conseguia brincar com o corpo dela, a facilidade com que

separava suas dobras, a simplicidade com que as pernas dela se abriam por vontade

própria para oferecer acesso para que ele pudesse agradá-la... às vezes parecia pura. —

Isso mesmo, pequenina.

E aquela voz, o calor das roucas masculinas, por que não poderia pertencer a outra

pessoa?
Um polegar hábil expôs seu clitóris, circulou-o enquanto ela miava e tropeçava mal

em uma frase musical. Quando dedos grossos penetraram lânguidos e profundos,

Claire choramingou, sua respiração ficou presa, e foi o nome do Alfa que ela ofegou.

— Shepherd.

A felicidade de seus dedos desapareceu, mas em seu lugar ele libertou seu membro

e gentilmente levantou sua companheira. Ele se embainhou em uma entrada lenta e

deliberada. Com o pau engolfado, o Alfa permaneceu imóvel, sem definir ritmo - ele

apenas gemeu em seu ouvido enquanto Claire instintivamente girava para seu próprio

prazer.

O calor de sua mão retornou, puxando seu nó inchado, provocando gemidos e

pequenos gritos abafados. Claire não sabia mais o que estava tocando ou se fazia algum

sentido musicalmente, tudo estava focado na pressão crescente e no conforto de um

corpo familiar. O que quer que seus quadris fizessem, os dedos de Shepherd seguiram.

Embora sua respiração estivesse difícil e ele desejasse muito recuar naquela pequena e

apertada passagem, ele deixou que ela pegasse o que precisava.

Não demorou muito para que os movimentos de Claire se tornassem erráticos. Ao

som do gemido desesperado do Alfa, ela estremeceu e caiu com força, culminando tão

lindamente que o mundo ficou branco.

Shepherd seguiu o comando, encharcando seu interior com calor e seu perfume

favorito – algo que se tornou muito mais lindo do que o cheiro de flores de laranjeira.
Claire não chorou, pela primeira vez ela não se castigou; simplesmente sentou-se

no colo dele com o nó fundindo seus corpos, sentiu-o ainda jorrando nos minutos

remanescentes de sua própria liberação, e começou a tocar Bach novamente - porque ela

mesma tinha que sobreviver, ela tinha que sobreviver para dar a Corday sua chance,

não importando o quanto as probabilidades estivessem contra ele. E ela não

sobreviveria se não pudesse aceitar o conforto oferecido por Shepherd quando ela

estava tão perto de se separar novamente.

O Alfa rosnou, satisfeito com cada expiração. Aconchegando-se mais perto, ele a

abraçou com força e desfrutou da pseudo-serenidade de Claire.

Ele havia vencido; sua companheira estava permitindo que seu vínculo a

acalmasse.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

— Dê-me o seu pé! — Gritou Maryanne, sacudindo uma pequena garrafa na mão

com movimentos rápidos do pulso.

Recheadas de bolo - uma coisa enorme em camadas, da cor azul do ovo de pássaro

fosco e lindamente decorado, um que poderia alimentar metade do exército de

Shepherd... que mesmo depois do ataque brutal ainda poderia alimentar metade do

exército de Shepherd - as amigas descansavam e brincavam com coisas femininas.


Sorrindo, sentada afundada em sua cadeira, Claire pegou um pé descalço e esticou-

o para colocá-lo no colo da amiga. — Por que não estou surpresa que a cor que você

trouxe seja um vermelho vampiro?

Maryanne passou uma linha cuidadosa de tinta no dedão do pé de Claire, sorrindo.

— Sexy demais para a pequena e pudica Claire?

— Diz a garota que dormiu com todos os garotos que conhecíamos...

— Depois que eu saí, você alguma vez cedeu e namorou aquele cara, Seymour? Ele

tinha uma queda por você.

Claire gemeu e revirou os olhos. — Deuses, não. Mandei meu pai afastá-lo quando

ele começou a farejar a casa.

Olhos brincalhões se ergueram e Maryanne apontou para o outro pé. — E os

meninos da academia superior?

Claire balançou a cabeça. — Eu estava focada em meus estudos.

— Depois da academia?

— Nossa, você me faz parecer tão chata!

— Então, apenas Shepherd, hein? — Maryanne fingiu se concentrar no trabalho,

espalhando a tinta carmesim com cuidado. — Isso é uma pena. Quero dizer, pense

nisso. Se apenas dormiu com Shepherd, você não tem nada com que comparar. Ele pode

ser horrível e você nunca saberia. Aposto que você gostaria de ter experimentado

antes...
Rindo tanto que doeu, Claire se esforçou para dizer: — Pare de antagonizá-lo!

— Isso é o que ele ganha por escutar conversas de garotas. Há razões pelas quais as

mulheres se reúnem sem homens... para que possamos zombar deles.

Claire ainda estava rindo, os olhos verdes dançando enquanto a inocente

Maryanne soprava na ponta dos pés. — Que outras coisas interessantes você tem nos

bolsos?

— Olha quem quer presentes? — A loira cantou, enfiando a mão no casaco em

busca de um tubo de batom.

Desatarraxando a tampa, Maryanne fez uma cara de artista criando uma obra-

prima. Claire se inclinou para frente, franziu as sobrancelhas e deixou que ela pintasse

os lábios com um rico vermelho-fruta.

— Bem, não vou mentir. — Maryanne deu de ombros, nada impressionada. — É

um pouco grosseiro para você, mas Shepherd pode gostar.

— É a mesma cor que você está usando! — Claire bufou, arrancando o tubo das

mãos de Maryanne. — Eu já usei um batom assim, mas não tenho um lugar para usá-lo.

— O que você quer dizer com lugar para usar? Basta usá-lo. — Respondeu a amiga,

recostando-se na cadeira.

O sorriso suave de Claire foi gentilmente repreensivo. — Isso é fácil para você

dizer, Alfa. Se você chamar a atenção, sendo tão bonita como é, não precisa se

preocupar com possíveis complicações.


Bocejando, Maryanne encolheu os ombros. — Isso é simplesmente bobo, Claire - e

paranoico. É só batom. E eu acho que você não precisa mais se preocupar com isso.

Ninguém vai mexer com a senhora de Shepherd.

Os olhos verdes ficaram tristes. — Não é isso que ouvi dizer que está acontecendo

lá fora...

— O que você quer dizer?

Uma voz cheia de culpa confessou: — Mulheres que se parecem comigo... por

causa do meu panfleto.

— Você contou a ela sobre isso? — Maryanne rosnou para o homem hostil que

observava no canto. — O que há de errado com você?

Claire não conseguia ver a reação dele ao desabafo da amiga, mas sabia que não

poderia ser boa. Ela interrompeu: — Não sou criança, Maryanne. Perguntei e ele me

contou a verdade.

Maryanne tinha sua própria opinião dura sobre as coisas. — Nada disso foi culpa

sua, você sabe. Achei o panfleto muito corajoso, mas você tem que enfiar isso na sua

cabeça dura, garota. Thólos é um lugar ruim, cheio de gente ruim.

— As pessoas podem mudar. — Claire respirou, sabendo que tinha que ser

verdade.

Maryanne ergueu uma sobrancelha e fez uma afirmação dura. — Você acha que

Shepherd pode mudar?


A Ômega inclinou a cabeça, pensando nisso antes de olhar por cima do ombro.

Seus olhos encontraram os de Shepherd.

Ele olhou para os lábios manchados, aparentemente intrigado.

De pé, ela caminhou, descuidada com os dedos recém-envernizados, e ficou diante

do homem. Tantos pensamentos contraditórios passavam por sua cabeça. O

comportamento dele em relação a ela havia mudado, era muito mais palatável, mas

tudo isso poderia facilmente ser resumido como uma estratégia insincera para ganhar

seu afeto. Afinal, ela tinha certeza de que não houve nenhuma mudança nele fora de

sua toca ou em suas relações com Thólos.

Quando sua pequena mão se estendeu e a fêmea segurou sua bochecha, Shepherd

permitiu, imóvel enquanto permanecia entre suas pernas abertas. Seus olhos prateados

brilharam, focados e satisfeitos com a atenção dela diante da fêmea Alfa.

Claire respirou fundo como se fosse falar, então hesitou, fazendo beicinho com seus

lábios vermelhos até que ele ronronou e as costas de seus dedos quentes acariciaram

sua barriga.

A questão era para ela mesma. — Será que Shepherd poderia mudar?

Estava tudo presente em sua expressão – o quanto ela desejava que ele pudesse

mudar. Quão duro ela tentou afetar algo nele. Sussurrando, com a voz tão suave quanto

as pontas dos dedos que tocavam a pele de sua bochecha, Claire perguntou: — Você

poderia mudar?
Uma mão grande e quente envolveu a dela, removendo suavemente o toque de seu

rosto. Shepherd advertiu: — Você está negligenciando sua convidada, pequenina. —

Respirando, saindo de seu transe, Claire deu um passo para trás enquanto o homem

colocava uma pequena tesoura em sua mão. — Eu dei permissão a ela para cortar seu

cabelo, se você desejar.

Olhando para o pequeno instrumento, Claire provocou Maryanne. — Eu não

confio nela com isso. Tudo vai sair torto.

Do outro lado da sala, a mulher deixou escapar: — Quão difícil pode ser?

Claire sorriu, pensando na terrível tentativa de Maryanne dez anos antes. — Isso

foi o que você disse da última vez, e devo lembrá-la, aquela franja terrível levou mais de

dois anos para crescer.

Ela voltou para Maryanne e deixou a loira aparar seu cabelo, quase certa de que

ficaria terrível e, honestamente, sem se importar se ficasse. A única coisa no interlúdio

com a qual Claire se importava era o COMscreen que Maryanne produziu; cheio de

fotos das Ômegas, e até uma de Corday, que sorria com seu sorriso de covinhas

enquanto falava com quem estava fora do quadro. No dedo mínimo da mão dele estava

o anel de ouro dela; diminuto, mas lá.

Corday ainda tinha fé nela.

Certificando-se de não olhar para ele por muito tempo, Claire largou o COMscreen

e permaneceu imóvel enquanto Maryanne cortava.


Quando o corte terminou, com o cabelo escuro desgrenhado, Maryanne assegurou

com um sotaque brincalhão: — Muito lindo.

Entregando-lhe um espelho de bolso, ela franziu a testa quando Claire o empurrou

de volta, afirmando: — Eu não preciso ver.

Maryanne empurrou-o de volta. — Não está ruim, Claire. Dê uma olhada.

— Tenho certeza que você se saiu bem.

Maryanne sabia o que estava acontecendo, podia ver através das rachaduras na

máscara da sua velha amiga.

Segurando o espelho, fazendo questão, ela rosnou assim que a Ômega virou a

cabeça. — O que há de errado com você?

Mover o espelho para a nova linha de visão de Claire produziu o mesmo resultado.

Claire desviou o olhar. Já bastava. Maryanne agarrou um punhado de cabelo e segurou

a cabeça de Claire, forçando o espelho diante do rosto da Ômega. — Abra os olhos e

olhe-se no espelho, Claire!

Ela fez. Claire olhou para um rosto odiado, com lábios carnudos pintados para

ficarem bonitos e cabelos pretos cortados para emoldurar seu rosto. Um rosto com olhos

verdes e pele pálida; um rosto que ela não conseguiu olhar durante a última semana

sem ver mulheres mortas que se pareciam com ela. Mulheres que ela matou.

Com uma voz que não aguentava mais a inflexão, Claire disse: — Você está certa. O

batom é vagabundo.
— Você não precisa fazer isso consigo mesmo, sua idiota. — Maryanne deu um

pequeno puxão no cabelo de Claire. — Não há nada de errado com essa mulher no

espelho. A morte delas não é culpa sua.

— Afaste-se dela, Sra. Cauley. Fique perto da porta e não se mova. — Não havia

nada além da ameaça de assassinato na voz de Shepherd, cada palavra pronunciada

com uma precisão assustadora.

Maryanne disparou para trás, o gigante avançando. Observando com admiração, a

fêmea Alfa viu a montanha se ajoelhar diante de sua companheira. Seu ronronar era

agressivo, suas mãos já acariciavam uma Ômega que parecia composta e paciente, mas

era tudo menos isso.

— Ela não fez nada de errado. — Explicou Claire. — Tudo está bem.

Shepherd falou naquela outra língua, alto o suficiente para que os Seguidores do

outro lado começassem a destrancar a porta. Num piscar de olhos, Maryanne

desapareceu. Assim que a porta foi trancada, Shepherd puxou Claire para se levantar e

a levou para o luxuoso banheiro do quarto.

Um grande espelho estava pendurado sobre a bela pia e, com um piscar de luzes, lá

estavam eles, lado a lado, emoldurados com filigranas douradas.

— Suas habilidades para enganar são péssimas. — Explicou Shepherd, apontando

para seu reflexo. — Então não vamos perder tempo, certo? Por que você só está olhando

para mim no espelho e não para si mesmo?


Humilhada por ter permitido aquela situação, por não ter tido um desempenho

melhor, Claire olhou diretamente para seu reflexo. — Meu estômago estava

embrulhado.

— Você está mentindo. — Rugiu o macho, odiando a sensação estranha que

passava pelo cordão. — O que está errado?

Não houve lágrimas, apenas um olhar vazio. — Eu simplesmente não consigo

olhar.

Uma grande mão ergueu-se como se fosse agarrar-lhe o crânio. Em vez disso,

Shepherd arranhou seu cabelo, a coisa mais próxima de um animal de estimação que

um Alfa furioso poderia fazer. — Continue.

No espelho, Claire parecia anã ao lado do homem enorme; pequena e inútil. —

Estou com raiva por não poder fazer nada por ninguém, porque tudo que tentei só

piorou as coisas. Sinto-me impotente, com vergonha de meu fracasso e do efeito

horrível que tive em mulheres que se parecem comigo. — Olhos suplicantes dispararam

para seu reflexo. — E estou frustrada porque não importa o que eu diga a você, a um

homem com quem estou ligado, isso não mudaria nada - mesmo se eu tivesse o poder

de redimi-lo - porque Thólos fez coisas horríveis quando as pessoas poderiam ter se

reunido e te derrubado.

— O preço que você está cobrando de si mesmo não cabe a você pagar. É de Thólos.
Ela estava ficando com raiva. — Eu sou Thólos, Shepherd. Nasci e cresci aqui.

Cresci aqui. Meus pais estão enterrados aqui.

— Olhe-se no espelho, Claire O'Donnell. — O macho empinou-se enquanto falava.

— Você é uma Ômega, fisicamente pequena e fraca, mas incrivelmente inteligente. Dito

isto, por mais astuta que seja, você também é tola o suficiente para pensar que deve

carregar o fardo dos pecados dos outros... Essa é a sua verdadeira falha. O trauma

psicológico que está causando a si mesmo é imaturo e inútil. Não faz nada para mudar

o cenário. E embora eu esteja honrado por você considerar o pensamento de minha

redenção digno, é na sua própria paz que você precisa se concentrar agora. Auto

piedade e bancar o mártir não ajuda ninguém.

A mulher deu um bufo cáustico. — Bem, eu falhei em bancar a heroína.

Com uma voz dura e assertiva, Shepherd rosnou: — Mas você não fez isso, e sabe

disso. Quarenta e três pessoas estão vivas porque você teve a coragem de me enfrentar.

Ninguém nunca me derrotou antes. Nunca. Conquiste sua vitória.

Não era assim tão simples, não quando o mundo e a sua mente estavam num

constante estado de turbulência. Não quando ela estava apenas respirando para ganhar

tempo.

No meio do caos, também há oportunidades. -Sun Tzu

Esfregando os lábios, ela sentiu o brilho desconhecido do batom e encontrou os

olhos de Shepherd novamente. — O batom é vagabundo.


— E seu cabelo?

— Parece legal.

— E o vestido?

— É algo que eu nunca teria escolhido para mim em mil anos. Pareço a garota-

propaganda de uma dona de casa Ômega pré-peste - o que suponho ser adequado, já

que estou descalça e grávida.

— Você está tentando fazer piada? — Pela primeira vez o homem realmente

parecia inseguro.

Claire sorriu e balançou a cabeça negativamente.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

Durante dias ela desperdiçou papel enquanto o Alfa olhava, observando-a pintar o

retrato prometido para ele. Claire estava começando a suspeitar que Shepherd estava

tentando deixá-la louca com a avaliação constante de seu trabalho. Mas havia um

método para sua loucura, até Claire entendia isso. Ele a estava forçando a olhar para si

mesma repetidamente, até que não fosse mais tão nauseante, até que fosse o rosto dela

no papel e não alguma mulher desconhecida que Claire havia evocado.

Uma respiração profunda, do tipo que precedia algum grande discurso que o

bastardo iria fazer, passou pelos lábios de Shepherd. Os olhos de Claire se ergueram,
alertando enquanto ela rosnava: — Eu juro pelos deuses, Shepherd, se você disser

alguma coisa sobre esta pintura, eu vou gritar.

Destemido, ele ergueu uma sobrancelha e afirmou: — Quero que você se pinte

sorrindo mais.

Batendo com o punho na mesa, reprimindo o barulho crescente em sua garganta,

Claire soltou uma torrente de obscenidades tão vulgares que o homem começou a rir.

Mãos manchadas de tinta enrolaram a foto, Claire jogando-a bem na cara dele. Então foi

a vez dela rir da expressão absolutamente assassina nos olhos dele.

Estalando os lábios, sorrindo maliciosamente, ela pegou outro pedaço de papel e

ignorou o homem inchado e furioso. Inocentemente, mergulhou o pincel e recomeçou o

contorno, pintando o mesmo sorriso maroto que exibia naquele momento. Quando a

forma básica foi desenhada, ela ergueu-a arrogantemente e observou-o estreitar os olhos

e avaliar.

Antes que ele pudesse falar, alguém bateu na porta e um homem cuja voz Claire

não reconheceu soltou algo na língua deles. A atenção de Shepherd se concentrou no

que ele estava ouvindo, o Alfa já estava de pé enquanto respondia na mesma moeda.

Shepherd imediatamente começou a vestir sua armadura.

Uma estranha ansiedade revirou seu estômago, esta situação não tendo surgido

antes. Observá-lo se vestir para a batalha em uma convocação e não simplesmente


porque ele estava saindo para o dia, significava que algo estava acontecendo - algo que

poderia ser perigoso para ele, para Thólos, para qualquer um.

— Você não precisa se preocupar, pequena. — Havia um sorriso em sua voz.

Quando os olhos de Claire se voltaram para encontrar os dele, ela o encontrou

controlado e calmo. Mas ela se sentia incrivelmente desconfortável, todo o humor de

alguns momentos atrás evaporando. — O que está acontecendo?

O ronronar começou. Shepherd vestiu o casaco e foi até onde ela estava sentada,

alarmado e tenso. Acariciando a linha de sua mandíbula, ele explicou: — Não há nada.

Simplesmente perdi uma hora jogando seu jogo com as tintas.

Ele estava mentindo; o homem sempre sabia que horas eram sem a presença de um

relógio. — Eu não acredito em você.

Ignorando a acusação dela, ele estalou o pescoço e olhou para sua companheira

preocupada. — Voltarei em breve e, quando retornar, espero receber o restante do

nosso acordo.

Ela lutou para manter uma expressão impassível enquanto Shepherd traçava seus

lábios com o polegar e lançava sobre ela um olhar líquido cheio de luxúria e expectativa

voraz. Ele mergulhou o polegar entre os lábios dela, rosnou ricamente como se estivesse

prestes a transar com ela, e a deixou sentada em uma pequena poça escorregadia.
Atordoada, Claire olhou para a porta se fechando. Ela sabia o que ele estava

cobrando, o que havia deixado entre eles durante semanas – para cumprir o acordo,

esperava-se que Claire iniciasse o sexo.

Sem saber se ele havia escolhido aquele momento como um meio de distraí-la de

sua preocupação, ou se era algum tipo de celebração de vitória para o que quer que ele

estivesse fazendo, ela se mexeu desconfortavelmente por ter sido deixada em tal estado.

Não era como se ela tivesse esquecido o que havia oferecido para que Lilian e os

outros fossem enterrados, mas ela tinha outras coisas muito mais urgentes nas quais

concentrar seus pensamentos. Além disso, a intimidade física com Shepherd ocorreu

inúmeras vezes. Ela sabia do que ele gostava, onde tocá-lo para provocar uma reação...

então quão difícil seria iniciar isso?

Muito.

Procurando por uma distração, Claire tomou banho e limpou a pintura, esperando

que ele voltasse a qualquer momento. Mas as horas se passaram e ela começou a ficar

ansiosa, preocupada com o que poderia ou não estar acontecendo em Thólos.

Era uma insurreição? Corday; ele encontrou uma maneira de acabar com isso?

Claire estava à beira do pânico total quando a fechadura finalmente virou. O metal

arenoso gemeu e a porta se abriu para dentro. Ela parou de andar habitualmente,

virando-se com um alívio confuso para encarar a grandeza de seu companheiro.


Capítulo 15

A cabeça decepada do senador Kantor ainda estava sobre a mesa, destruída e

imóvel no lugar em que fora largada depois que Jules a puxou da lança do lado de fora

da Cidadela e trouxe a coisa repugnante para Shepherd. Não houve nenhum corte

limpo onde o pescoço foi separado dos ombros; apenas um coto rompido de músculo e

tendão. Ao redor havia respingos de sangue, vazamento de fluidos, e os dedos de um

homem que segurava a mesa com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.

Antes de Shepherd partir, eles discutiram, os braços protuberantes do Alfa

cruzados sobre o peito enquanto ele olhava para seu segundo em comando. — Você foi

contra minhas ordens e o matou enquanto ele ainda era útil para nós?

— Não…

Svana.

Ela tinha feito isso. Ela havia assassinado seu tio. Quem mais poderia se mover

furtivamente para escapar bem debaixo do nariz de Seguidores treinados? Quem mais

enfiaria a cabeça em uma lança fora da Cidadela, como se quisesse insultar não apenas

Shepherd, mas também a cidade que ela tentava destruir? Quem mais ganharia com

isso?
Era uma coisa delicada, atormentar uma população apenas o suficiente para mantê-

la na miséria; Shepherd teve cautela para não pressionar milhões além do ponto do

desespero. Enforcar um traidor como parte de um julgamento público e execução

espalhava a culpa sobre todos que assistiam. Tornava a população impotente e

responsabilizava Thólos. Isto... o Campeão do Povo e líder da Resistência ser mutilado

para se exibir, era transmitir em voz alta o sentimento errado.

Foi isso que despertou a raiva de Shepherd, e não as acusações de Jules de que

Svana tinha feito isso para minar a todos.

Os motins já haviam começado a florescer, os Seguidores agindo de forma

mercenária.

Mesmo diante desse tipo de prova da traição de Svana, Shepherd não via um erro

imprudente — sim, Svana poderia ser difícil, mas ela não quebraria a hierarquia, não

quando pudesse ganhar o máximo com o sucesso de seu grande plano. Se ela tivesse

feito isso, teria sido por um bom motivo.

Jules perdeu a paciência, bateu com o punho na mesa e rugiu.

Shepherd apenas colocou a mão no ombro do amigo, tanto como conforto quanto

como aviso. — Não permita que esta complicação atrapalhe o seu pensamento. As

patrulhas devem ser aumentadas imediatamente para combater possíveis revoltas, os

desordeiros devem ser tratados discretamente. Não podemos continuar a disparar


contra cidadãos em plena luz do dia, pois fazê-lo apenas encorajaria mais agitação.

Preciso de você no terreno.

Jules engoliu em seco, com os lábios tensos. — Ela procura controlar a rebelião.

Apertando o ombro do homem menor, Shepherd rosnou: — Irmão, se o que você

acredita for verdade, só seria benéfico para nossa causa ter Svana no comando das

forças inimigas.

Havia alguma verdade pungente nas palavras de seu líder. Se a mulher em questão

fosse outra pessoa que não Svana, Jules poderia até ter concordado. O Beta não

permitiria que ela despertasse animosidade, tendo visto anos de suas manipulações e

rancor. Ele não lhe daria esse prazer; o melhor caminho era seguir ordens. —

Entendido.

Shepherd o havia deixado; para supervisionar a sedação de possíveis tumultos, que

serão vistos na Cidadela.

Sozinho, por uma hora, Jules ficou agachado, com os olhos na altura da cabeça

decepada do senador Kantor.

De perto, os olhos de Kantor exibiam a película nebulosa do desenvolvimento de

catarata. Entre as pálpebras meio caídas, as retinas incompatíveis na direção para a qual

apontavam e a boca aberta, o Alfa finalmente parecia tão monstruoso por fora quanto

Jules sabia que ele era por dentro.

O Campeão do Povo... foi o mais vil dos homens.


Os lábios de Jules se separaram e de sua boca fluiu malícia. — Você assassinou

meus filhos. Você tirou minha Rebecca de mim.

Ele cuspiu no rosto ensanguentado do cadáver.

— E eu vi você ser elogiado e adorado por uma década. Eu vi você mentir e poluir,

e esperei minha hora para que você pudesse conhecer o verdadeiro sofrimento. — A

fúria crua percorreu o silvo de Jules. — Sua morte foi minha, e farei com que ela pague

por roubar minha vingança. Svana vai sangrar por isso.

Fim
Para quem chegou até aqui, o nosso muiiiito obrigado.

Esperamos que tenha gostado pois foi feito especialmente para você!

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