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2 Igreja e Sociedade: Congressos Eucarísticos, termômetros de fé

Se a reaproximação entre Igreja e Estado, precede em termos cronológicos, o


início da era Vargas, através de atitudes pontuais por parte de ambos os poderes, foi sem
dúvida com a chegada de Vargas ao poder que as discussões sobre as prerrogativas do
lugar do catolicismo frente às políticas de Estado ganharam um real destaque. Segundo
Artur Cesar Isaia (1998, p. 84):

Para alguns setores da Igreja, a revolução de 30, tinha uma feição


popular e nacionalista. Tinha sido feita contra a compreensão irritante
dos magnatas e em nome das reservas de catolicidade e brasilidade,
ofendidas pela ação de uma elite anticlerical e antinacionalista.

Sendo assim, a pretensa restauração da ordem, da hierarquia e principalmente


da tradição, encampadas pelos discursos que visavam à construção do novo estado
nacional foram muito bem vistos pela a oficialidade da Igreja, que embora mantendo o
diálogo com a recém instaurada República, encontrava-se ressentida pelo tratamento
dado a instituição pelos poderes civis. Neste sentido, para grande parte da oficialidade
católica era necessário que a instituição demarcasse seu lugar no seio da sociedade
brasileira. Segundo Monica Pimenta Pimenta Velloso (1978), embora apelando para as
constantes demonstrações de força, a Igreja não desejava estabelecer um confronto
direto com o Estado, pretendendo, apenas, que este lhe conferisse o devido prestígio
perante as demais instituições, à medida que representava os pretensos interesses da
maioria.
Neste sentido, uma das estratégias utilizadas pela Igreja Católica brasileira
nesta conjuntura para demonstrar sua importância na sociedade foi a organização dos
congressos eucarísticos, grandes movimentos públicos, organizados pela hierarquia
católica, mas visando abranger todo laicato e com o objetivo de demonstrar a força e
importância do catolicismo na sociedade. Para Riolando Azzi (2008, p. 436), “os
congressos eucarísticos nacionais, iniciados na década de 1930, constituem uma das
manifestações públicas mais importantes utilizadas pela Igreja Católica para reafirmar
sua presença na sociedade”.
De fato, a década de 30 e 40 pode ser considerada a época dos grandes
Congressos. Foram realizados pela Igreja Católica nesse período, congressos
eucarísticos nacionais na Bahia em 1933, em Belo Horizonte em 1936, em Recife em
1939, além dos congressos eucarísticos de São Paulo em 1942 e Porto Alegre, em 1948
(AZZI, 1998, p. 437).
Geralmente a temática dos congressos eucarísticos trazia questões consideradas
importantes para a Igreja Católica naquele momento. O congresso eucarístico de 1933,
ocorrido na Bahia, por exemplo, serviria de acordo com a hierarquia da Igreja, como
mecanismo de pressão para que as reivindicações católicas fossem incorporadas na nova
constituição do país a ser elaborada em 1934. Em 1922, ano do centenário da
independência do país, um congresso eucarístico realizado em São Paulo, trazia como
tema a importância do catolicismo na história da pátria (AZZI, 1998).
No Maranhão, o primeiro congresso eucarístico realizado pela Igreja Católica,
ocorreu na cidade de Caxias, teve como nome Congresso Eucarístico das Vocações
Sacerdotais e foi realizado entre os dias 29 de junho e 04 de julho de 1937.
Segundo Condurú Pacheco (1968, p. 599), o Congresso Eucarístico de Caxias
representou um esforço pessoal de Dom Carlos Carmello de Vasconcellos Motta,
autoridade máxima da Igreja no Maranhão, no sentido de dar um incremento a carreira
eclesiástica no estado, contribuindo para o aumento das vocações. A realização do
Congresso em Caxias estaria também inserida nas comemorações do centenário do
seminário Santo Antonio em São Luís no ano de 1938.
Meses antes da realização do congresso em Caxias, o arcebispo publicara uma
carta circular1 onde conclamava todo o clero e os fiéis da arquidiocese “a tomarem parte
no “Congresso Eucarístico das Vocações Sacerdotais”, a efetuar-se do dia 29 de junho
ao dia 4 de julho do corrente ano, na católica cidade de Caxias deste estado do
Maranhão” (PACHECO, 1968, p. 600), e exortava todo o clero maranhense para que
aquela fosse lida em todas as celebrações religiosas de todas as paróquias da
arquidiocese até a realização do evento, bem como que fossem recolhidos fundos em
cada paróquia para custear as despesas necessárias para a realização do certame.
Em Caxias, foi criada uma comissão para a organização do Congresso, e apesar
de não ter sido encontrado nenhum documento referente aos trabalhos deste órgão,
Condurú Pacheco (1968) nos informa que a organização do evento ficou a cargo dos
clérigos Gilberto Barbosa e Joaquim de Jesus Dourado, párocos de Caxias e Codó. O
padre Joaquim Dourado, aliás, já tinha uma vasta experiência na organização de grupos
ligados à Igreja em São Luís, tendo sido assistente eclesiástico da União de Moços

1
A carta circular emitida pelo Arcebispo foi reproduzida na edição do jornal Cruzeiro de 6 de fevereiro
de 1937. E encontra-se em anexo.
Católicos e da Juventude Masculina Católica e Gilberto Barbosa era visto como um
grande intelectual católico local possuía diversos títulos escolares, obtidos em alguns
dos maiores seminários e institutos católicos do país.
Outros clérigos locais com passe livre nos bastidores do poder político estadual
participaram ativamente da organização do Congresso Eucarístico Sacerdotal de Caxias.
Como percebemos nas notícias do jornal Voz do Povo.

A Prefeitura de Caxias, a fim de melhorar as condições locaes para o


próximo Congresso Eucharistico, resolveu reformar o calçamento da
ruas principaes, paralelepípedos serão utilizados para esse efeito e tem
que ser transportado desta capital. Tratando-se o serviço de interesse
publico e de elevado fim social, representado mesmo pelo Congresso,
peço ao eminente amigo autorizar transporte gratuito daqueles
paralelepípedos pela estrada de ferro São-Luiz- Therezina ou pelo
menos o abatimento de cincoenta por cento nos respectivos fretes caso
seja de todo impossível a isenção pleiteada. Saudaçoes cordiaes Paulo
Ramos. Governador do Maranhão (Jornal Voz do Povo, 4 de mar. de
1937, p. 1).

O artigo como se percebe, trata-se da reprodução de um telegrama enviado


pelo interventor do estado Paulo Ramos, ao então na época, ministro de aviação,
solicitando a isenção do frete ou pelo menos o abatimento no preço do transporte de
paralelepípedos para o calçamento das ruas principais da cidade de Caxias meses antes
do início do congresso eucarístico.
Paulo Martins de Sousa Ramos, era caxiense, governou o estado do Maranhão
entre 1936 a 1945, sendo que como governador eleito esteve no cargo apenas um o ano,
sendo em 1937, nomeado como interventor por Getúlio Vargas para o comando do
estado. Segundo Reis (2007), a função de Paulo Ramos, que substituía o Major Carneiro
de Mendonça frente à interventoria era mediar a relação de crise intra-oligárquica no
estado, sendo comum na política varguista, a nomeação de personagens considerados
alheios ao jogo partidário local. De acordo ainda com Reis (2007), aliado a tentativa de
reorganização do jogo partidário local, a cooptação por parte do Estado do nascente
corporativismo das classes trabalhistas urbanas, os atos de violência e extremismos
foram a marca da interventoria de Paulo Ramos no estado.
O apoio do governador ao evento religioso organizado pela Igreja em 1937 foi
obtido através da atuação pessoal do padre caxiense Frederico Pires Chaves, que como
participante da comissão organizadora, ficara responsável pela organização dos
transportes e hospedagens daqueles que viriam participar do congresso (PACHECO,
1968, p. 600).
A medida se fazia necessária, haja vista que até meados do século XX, as ruas
de Caxias eram praticamente todas de terra batida, sendo que no período de chuvas
tornavam praticamente intransitáveis pelas poças de água e lamaçal que se formavam,
necessitando medidas como calçamento e aterramento das mesmas para a realização do
Congresso. Há de se ressaltar, que a pequena elite caxiense residia no perímetro urbano
onde se concentrara as solenidades do Congresso Eucarístico Sacerdotal como as
conferências, missas e a própria procissão eucarística, basicamente em torno das Igrejas
Matriz, Nossa Senhora da Conceição, Igreja do Rosário e São Benedito.
A melhoria das ruas da cidade pelo poder público por ocasião do Congresso
beneficiaria em curto prazo, especialmente a essa pequena parcela privilegiada da
sociedade caxiense ao mesmo tempo em que possibilitaria apresentar uma cidade
organizada para aqueles que vinham de fora.
O interessante é observar que o Congresso Eucarístico Sacerdotal, foi
considerado de interesse público e de elevado fim social, pois de acordo os discursos
veiculados nos jornais as vésperas do evento, contribuiria para toda a coletividade,
congregando a população católica, ou seja, a grande maioria da comunidade local, em
um evento de grande porte do catolicismo brasileiro. Por outro lado, era esperado que o
congresso trouxesse frutos espirituais para toda a população do Estado, ou seja, um
maior reconhecimento por parte da população do catolicismo no seu cotidiano, a
exarcebação da religiosidade do já considerado ser católico caxiense, o aumento do
interesse pela carreira eclesiástica entre a população jovem e masculina dentre outros.
Sendo considerado por Milson Coutinho (1981) o ponto alto da história
religiosa caxiense, os artigos veiculados nos jornais da cidade sobre o congresso
tornam-se interessante por nos dar perceber todo um imaginário que coloca Caxias sob
o signo da religiosidade, mais especificamente da religiosidade católica.

Paira sob o ceu caxiense uma atmosphera de completa bonança!


Estrellas de primeira grandesa da intellectualidade maranhense
ocorrem a capital da “democracia cristã” para fulgurarem no concerto
de Luz e de Amor que se exultará no plano improvisado da terra das
palmeiras.
Jesus sacramentado, é a causa de todo o desvelo de uma imensa
multidão de crentes!
As missões, que estão sendo pregadas como preparotorio da “semana
eucharistica”, tem sido prodiga em frutos espirituaes, a cujo os
sermões aflue grande numero de pessoas.
O Evangelho, alli transmitido ao povo que, attentamente, o recebe e,
como perda de excelsa belleza, o encrava na mente, illuminando-a da
verdade.
A maravilhosa idéia de “Jesus está conosco”, é motivo de imensa
alegria que se nota em todos os semblantes que sorriem (Jornal
Singular, 27 de jun. de 1937, p. 1).

Neste contexto, nova ressiginificações sobre a cidade são construídas. A Caxias


tradicionalmente reconhecida pela intelectualidade, pela riqueza oriunda da terra e
posteriormente pelo pioneirismo industrial, consubstancia-se agora como a capital da
democracia cristã, o ponto nevrálgico da religião e da fé da sociedade maranhense.
Para outro articulista do Singular, o congresso eucarístico, seria o momento em que a
cidade teria a oportunidade de “Apressar-se para realizar sua maior demonstração de fé
de todos os tempos!” (Singular, 27 de jun. de 1937, p. 1).
O governo do estado não só deu o apoio político para realização do evento
religioso, mas o próprio Paulo Ramos esteve em Caxias e participou do Congresso
Eucarístico das Vocações sacerdotais como noticiou o jornal Voz do Povo, em 1937.

A fim de assistir o Congresso Eucharistico, chegará hoje a esta cidade,


acompanhado de importante comitiva o digno presidente do Estado dr.
Paulo Ramos. Alem de outras pessoas acompanham o illustre
itinerante, o rvd. Conego Arias, o secretario particular Arthur Neves,
inspetor das coletorias federais e sua exma esposa e seu progenitor
que também é Caxiense (Jornal Singular, 27 de junho de 1937, p. 1).

Neste contexto, a presença da autoridade máxima da política estadual em um


evento religioso de massas promovido pela Igreja Católica no estado, representava por
um lado, o apoio adquirido pela instituição juntos as elites políticas locais, por outro, o
apoio da oficialidade e por meio desta dos fiéis, era de suma importante para a
legitimidade e coesão da sociedade em torno do novo regime, mesmo nos estados
distantes das lutas políticas consideradas decisórias para o destino do país.

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