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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE ENGENHARIA ELÉTRICA E DE


COMPUTAÇÃO

IT - 012

Avaliação da Qualidade da Energia Elétrica

Sigmar Maurer Deckmann


José Antenor Pomilio

UNICAMP/FEEC/DSCE

Julho de 2010
Avaliação da Qualidade da Energia Elétrica S.M.Deckmann e J. A. Pomilio

APRESENTAÇÃO

Este texto foi elaborado em função da disciplina "Avaliação da Qualidade da Energia


Elétrica", ministrada nos cursos de pós-graduação em Engenharia Elétrica na Faculdade de
Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas.
Este é um material foi originalmente preparado pelo Prof. Sigmar Maurer Deckmann1,
pioneiro na área de Qualidade de Energia no Brasil. A partir de 2008 a disciplina passou a ser
oferecida pelo Prof. José Antenor Pomilio2, a partir do material desenvolvido pelo Prof.
Deckmann.
O curso está dividido em duas partes, sendo que a primeira se preocupa com a
caracterização dos fenômenos relacionados à Qualidade da Energia Elétrica, tendo como base
conhecimentos da área de sistemas de energia elétrica e, subsidiariamente, de eletrônica de
potência. A segunda parte, inovadora em sua concepção, se propõe a discutir as metodologias
digitais utilizadas na instrumentação dedicada à quantificação desta “Qualidade”, embasando-
se em conteúdos relacionados ao processamento digital de sinais e áreas correlatas.
Estas apostilas passam por constantes atualizações, em função da evolução tecnológica
na área, além do que, o próprio texto pode ainda conter eventuais erros, para os quais pedimos
a colaboração dos estudantes e profissionais que fizerem uso do mesmo, no sentido de nos
enviarem uma comunicação sobre as falhas detectadas. Os resultados experimentais incluídos
no texto referem-se a trabalhos executados pelos autores, juntamente com estudantes e outros
pesquisadores e foram motivo de publicações em congressos e revistas, conforme indicado
nas referências bibliográficas.

PARTE A - Conceitos de Qualidade de Energia Elétrica

1
Sigmar Maurer Deckmann possui graduação em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de
Campinas (1973) , mestrado em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de Campinas (1976) ,
doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de Campinas (1980) e curso-tecnico-
profissionalizante em Curso Técnico em Eletroécnica pela Escola Técnica Parobé (1965) . Aposentou-se como
Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Engenharia Elétrica , com
ênfase em Qualidade de Energia Elétrica.
2
José Antenor Pomilio é engenheiro eletricista (1983), mestre (1986) e doutor (1991) em Eng. Elétrica pela
Universidade Estadual de Campinas. De 1988 a 1991 foi chefe do grupo de eletrônica de potência do
Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. Realizou estágios de pós-doutoramento junto à Universidade de Pádua
(1993/1994) e à Terceira Universidade de Roma (2003), ambas na Itália. Foi presidente da Associação Brasileira
de Eletrônica de Potência - SOBRAEP e membro de diversas diretorias desta entidade. Foi coordenador do
Comitê de Eletrônica de Potência e Máquinas Elétricas da Sociedade Brasileira de Automática, SBA (duas
gestões) e membro eleito do Conselho Superior desta Sociedade. Foi membro do comitê administrativo da IEEE
Power Electronics Society por 4 anos. É editor associado da Transactions on Power Electroncs (IEEE) e de
Controle e Automação (SBA). Foi editor de Eletrônica de Potência, publicação científica da SOBRAEP. É
Professor Titular da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp, onde atua deste 1984.

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Avaliação da Qualidade da Energia Elétrica S.M.Deckmann e J. A. Pomilio

1. A importância da Qualidade de Energia Elétrica


1.1. O que é qualidade de energia elétrica?
1.2. Por que monitorar a qualidade da energia elétrica?
1.3. Como monitorar a qualidade da energia elétrica?
1.4. Três histórias exemplares

2. Distúrbios que afetam a Qualidade de Energia


2.1. Condições ideais de operação de um sistema elétrico
2.2. Condições reais de operação
2.3. Critérios de avaliação da qualidade
2.4. Terminologia básica e definições
2.5. Caracterização de distúrbios
2.6. Classificação dos distúrbios

3. O efeito da cintilação luminosa: causas, efeitos e soluções


3.1. O que é cintilação luminosa ou efeito “flicker”
3.2. Efeitos provocados pela cintilação
3.3. Causas do fenômeno
3.4. Medição do efeito flicker
3.5. Formas de atenuar os efeitos da cintilação

4. Distorção harmônica: causas, efeitos e soluções


4.1. Origem das distorções harmônicas
4.2. Efeito distorcivo devido à saturação magnética
4.3. Efeito distorcivo causado por reator controlado por tiristores
4.4. Distorção causada por fornos a arco
4.5. Seqüência de fase das harmônicas
4.6. Efeito dos ângulos relativos das harmônicas
4.7. Quantificação da distorção da onda
4.8. Redução do conteúdo harmônico da tensão e da corrente
4.9. Penetração harmônica na rede

5. Transitórios de chaveamento
5.1. Partida de motores
5.2. Energização de transformadores
5.3. Chaveamento de capacitores
5.4. Ressonância entre banco de capacitores e transformador

6. Interrupções momentâneas e curva de duração de sobre e subtensões


6.1. Curva CBEMA
6.2. Detecção de sub e sobretensões temporárias
6.3. Duração da sub ou sobretensão

7. Importância do aterramento na Qualidade da Energia


7.1. Aterramento com ou sem fio de retorno
7.2. Conexão delta aterrada
7.3. Aspectos de segurança

8. Normatização e monitoração da Qualidade da Energia


8.1. Padrões para avaliação da tensão suprida
8.2. Normas e Critérios de Avaliação

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PARTE B - Técnicas de Análise de Sinais em SEE

1. Análise de sinais no domínio do tempo


1.1. Caracterização de sinais periódicos
1.2 Análise temporal de sistema não-linear
1.3 Fator de deslocamento de ondas
1.4 Processamento do fator de distorção no domínio do tempo

2. Tratamento estatístico de sinais aleatórios


2.1 Processo de amostragem e classificação
2.2 Exemplo

3. Análise de sinais no domínio da freqüência


3.1 Representação no domínio do tempo
3.2 Representação no domínio da freqüência
3.3 Representação de sinais periódicos compostos
3.4 Como se aplica a análise de Fourier?
3.5 Representação da Série de Fourier na Forma Exponencial
3.6 Série Complexa Unilateral
3.7. Da Série de Fourier à Transformada de Fourier
3.8 Análise de um Sinal com Especial Interesse: O Trem de Pulsos
3.9 Exemplos de aplicação
3.10. Da Transformada de Fourier à Transformada de Laplace
3.11 A Transformada de Laplace
3.12 Comparação da Transformada de Laplace e de Fourier

4. Análise de sinais discretizados


4.1 Sinais Amostrados
4.2 Transformada Discreta de Fourier
4.3 Exemplos de Espectros de Sinais Amostrados
4.4 A Transformada Discreta de Fourier (TDF)
4.5 Algoritmo Para Reversão De Bits
4.6 Algoritmo da FFT
4.7 Entrada e Saída da FFT
4.8 Janelas de Ponderação das Amostras

5. Filtros digitais e aplicações em SEE


5.1 Transformada Ζ e Filtros Digitais
5.2 Mapeamento de Pólos e Zeros
5.3 Transformações entre Sistemas Contínuos e Discretos
5.4 Exemplo de aplicação

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Avaliação da Qualidade da Energia Elétrica S.M.Deckmann e J. A. Pomilio

1. A importância da Qualidade de Energia Elétrica.

1.1. O que é qualidade de energia elétrica?

O termo qualidade de energia elétrica (QEE), que virou jargão no setor elétrico nos
últimos anos, tem sido usado lato-sensu para expressar as mais variadas características da
energia elétrica entregue pelas concessionárias aos consumidores [1,3,27,28,29].

Uma definição abrangente define QEE como sendo uma medida de quão bem a
energia elétrica pode ser utilizada pelos consumidores [1,27,28]. Essa medida inclui
características de continuidade de suprimento e de conformidade com certos parâmetros
considerados desejáveis para a operação segura, tanto do sistema supridor como das cargas
elétricas. Entre os parâmetros a considerar tem-se:
• Distorções harmônicas;
• Flutuações de tensão;
• Variações de tensão de curta duração;
• Desequilíbrio de sistemas trifásicos;
• Transitórios rápidos.

A preocupação com a QEE é decorrente em parte da reformulação que o setor elétrico


vem experimentando, para viabilizar a implantação de um mercado consumidor, no qual o
produto comercializado passa a ser a própria energia elétrica. Parece óbvio que o consumidor
prefere adquirir a energia que apresenta os melhores parâmetros de qualidade ao custo mais
baixo possível. Nesse contexto, as operadoras de sistemas elétricos são estimuladas, tanto
pelas agências reguladoras (ANEEL) como pelo próprio mercado, a prestar informações sobre
as condições de operação ou fornecer detalhes acerca de eventos ocorridos e que afetaram os
consumidores. Esse é um dos papéis do monitoramento e da análise da qualidade de energia
elétrica.

Está-se tornando praxe também incluir cláusulas contratuais sobre as condições de


fornecimento de energia pelos agentes fornecedores (gerador, transmissor, distribuidor) aos
agentes compradores (distribuidor, consumidor final) [27]. Tais contratos podem prever
multas por violação das condições previstas. Isso aumenta a necessidade de se dispor de
normas com limites adequados, que possam ser satisfeitas pelo lado do fornecedor, sem
onerar os custos e que atendam ao consumidor, sem maiores prejuízos devido a perdas
inaceitáveis.

Além disso, deve-se levar em conta que a eletricidade atingiu o status de bem comum
e essencial para o funcionamento da nossa sociedade, em todas as áreas. Devemos por tanto
tratar desse recurso tão essencial de modo que todas as atividades humanas possam fazer uso
dela sem criar interferência com outras atividades, sejam de processos tecnológicos ou
biológicos. Portanto, os conceitos de QEE devem estar submetidos aos princípios que regem a
compatibilidade eletromagnética (CEM) [28].

Assim, para definir o que seja qualidade de energia elétrica, tem-se que tratar de vários
problemas que afetam os consumidores da energia elétrica ou os seus usuários indiretos.
Esses problemas vão desde os incômodos visuais provocados pela variação luminosa devido à

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má regulação da tensão até a interferência em equipamentos eletrônicos sensíveis, causada


por interrupções no fornecimento de energia ou por fenômenos de mais alta freqüência.

Verifica-se que tanto no nível de cargas domésticas, comerciais como industriais, os


consumidores estão cada vez mais sensíveis e dependentes das condições de operação do
sistema de energia elétrica [28]. Isso se deve ao aumento da complexidade das funções que as
cargas elétricas devem desempenhar através de controle de processos, mesmo em
equipamentos domésticos (fornos de microondas, máquinas de lavar, relógios digitais, vídeo,
etc. ). Basta lembrar as dificuldades enfrentadas pelos consumidores, quando se verificaram
interrupções de energia elétrica, causando perda de produtos perecíveis, paralisação de
serviços em escritórios, perda de sinalização no trânsito, desligamento de fornos, paralisação
de atividades essenciais em redações de jornais, hospitais, etc. Até mesmo os meios de
comunicações podem ser afetados pela falta prolongada de suprimento da rede.

A complexidade do problema da avaliação e controle da qualidade da energia suprida


não resulta apenas da grande variedade de perturbações a que o sistema elétrico está sujeito,
mas também pelos variados efeitos que podem causar, que vão desde sobre-aquecimento de
máquinas elétricas devido às harmônicas, vibrações de motores devido a desequilíbrios,
variações luminosas devidos a flutuações de tensão, oscilações de potência sustentadas entre
as cargas e a rede durante a operação de cargas não-lineares e variáveis, até interrupções
momentâneas de tensão, cujas causas em geral são curto-circuitos de difícil prevenção.

Uma questão cada vez mais discutida no contexto de "power quality" é a definição dos
objetivos e dos indicadores relevantes [29]. Uma vez que existem diferenças significativas
entre as características de sistemas elétricos nos diversos países, dependendo, por exemplo, da
predominância das fontes primárias (hidráulica, térmica, eólica, solar, etc), pode-se esperar
que os indicadores de QEE também possam variar correspondentemente. Além disso, as
normas de operação para um sistema elétrico também variam de um país para outro, ficando
difícil estabelecer critérios gerais para mensurar a qualidade da energia elétrica. No Brasil foi
constituído pelo ONS um Grupo de Qualidade de Energia Elétrica (GQEE) para tratar
especificamente dessa questão [27].

1.2. Por que monitorar a qualidade da energia elétrica?

Em princípio, os problemas relacionados com a qualidade da energia elétrica começam


quando um equipamento alimentado pela rede elétrica deixa de funcionar como deveria.
Assim uma lâmpada que apresenta variações luminosas, um motor que sofre vibrações
mecânicas, equipamentos operando com sobre-aquecimento, proteção atuando
intempestivamente, capacitores com sobre-tensões ou sobre-correntes podem ser indícios de
sérios problemas elétricos.

Se tais problemas não forem devidamente tratados, poderá haver prejuízos materiais
(redução da vida útil ou até queima de transformadores, motores, capacitores e equipamentos
eletrônicos sensíveis), bem como ocorrer perturbações físicas em pessoas (incômodo visual
devido ao efeito de cintilação, ou incômodo auditivo devido a ressonâncias eletromagnéticas),
levando ao comprometimento da capacidade produtiva tanto das máquinas como das pessoas.

Existem estudos que mostram os custos relacionados com perda de qualidade da


energia elétrica. Na IEEE Spectrum de fevereiro de 2002 [30] menciona-se que a indústria
manufatureira americana tem custos da ordem de 10 bilhões de dólares associados a

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interrupções de processos. Outro estudo realizado na Europa, apresentado em fevereiro de


2002 [28], indica que os custos associados com vários tipos de distúrbios podem chegar a
1,5% do PIB do país.

Além dos números atualmente serem elevados, estima-se que tais custos subirão
rapidamente se não forem tomadas medidas saneadoras desde já. Isso se deve aos efeitos
cumulativos que a perda de qualidade pode impor, seja através da redução da vida útil de
dispositivos, limitação da capacidade efetiva dos equipamentos, mau funcionamento de
máquinas além das perdas elétricas em si.

1.3. Como monitorar a qualidade da energia elétrica?

Do mesmo modo como o médico tem de fazer uma pesquisa (consulta) preliminar para
diagnosticar uma doença em um paciente, o técnico deve fazer uma pesquisa (estudo) para
diagnosticar as causas de um problema relativo à qualidade da energia elétrica. Como se trata
de diagnosticar um problema de compatibilidade eletromagnética, essa pesquisa pode
envolver questões que vão além de um simples problema tecnológico. Uma abordagem
recomendável incluiria os seguintes passos:

1. em primeiro lugar deve-se conhecer os problemas que se poderá enfrentar;


2. deve-se estudar as condições locais onde o problema se manifesta;
3. se possível medir e registrar as grandezas contendo os sintomas do problema;
4. analisar os dados e confrontar os resultados obtidos com estudos ou simulações;
5. finalmente diagnosticar o problema, sua possível causa e propor soluções.

Cada um desses passos requer um conhecimento ou estudo específico. Tratar de


conhecer esses problemas é um dos objetivos deste curso. Quando se tem uma idéia de como
os problemas se manifestam, das suas causas, dos seus efeitos e das soluções usuais, fica mais
fácil chegar a um diagnóstico correto.

Conhecer as condições locais é fundamental para levantar corretamente as hipóteses


que levam às causas do problema. As circunstâncias locais muitas vezes interferem na forma
em que os sintomas se apresentam ao observador. Por exemplo, o afundamento da tensão
pode ser a causa da falha na partida de um motor (dimensionamento errado do alimentador)
ou a conseqüência (curto-circuito no enrolamento, falta de fase, etc.).

Saber escolher corretamente os instrumentos de medida e os locais mais adequados


para a sua instalação pode ser decisivo para se conseguir detectar e quantificar o problema.
Por exemplo, surtos rápidos de sobre-tensão podem passar desapercebidos mesmo quando se
utilizam osciloscópios rápidos, se o nível de trigger não for ajustado adequadamente.
Conhecer a faixa de freqüências do distúrbio também é importante para escolher o tipo de
registrador que deve ser usado. Fenômenos térmicos, por exemplo, costumam ser lentos,
requerendo registradores contínuos para longos períodos de medição. Eventos intermitentes
ou espúrios podem requerer registradores contínuos para a sua detecção. Fenômenos
periódicos, como ressonâncias harmônicas ou modulação de amplitude, podem requerer
analisadores de espectro em freqüência.

A interpretação dos dados recolhidos muitas vezes exige um certo conhecimento sobre
as técnicas de medição. Isso é válido particularmente com os analisadores de espectro, devido
às limitações impostas pelo truncamento do sinal amostrado. O efeito de vazamento espectral

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(“aliasing”), causado pelo truncamento da amostragem, pode ser confundido com


componentes inter-harmônicas ou modulantes, que na verdade não existem. Dependendo do
princípio de funcionamento de instrumento, as medidas podem ser contaminadas erradamente
pela presença de harmônicas.

Os modelos de simulação também são úteis para validar as conclusões e encontrar


soluções. Modelos físicos ou matemáticos, que permitem realizar simulações computacionais,
muitas vezes ajudam a entender o fenômeno e permitem descobrir em que condições o
problema se manifesta. Por outro lado, uma solução simples às vezes só é encontrada depois
que o problema foi exaustivamente estudado através de simulação. Ou seja, não é porque o
problema parece ser complexo, que a solução não possa ser simples.

1.4 Algumas histórias ilustrativas

A máquina de Coca-Cola

Especialistas em qualidade de energia elétrica nos Estados Unidos foram chamados


para investigar um problema no sistema de alimentação de um centro de processamento de
dados de uma grande empresa. Foram instalados equipamentos para monitorar a tensão de
alimentação do computador que era mais afetado e se constatou que a cada 15 minutos
aproximadamente ocorria um transitório na tensão que interferia no funcionamento dos
computadores.

Feito o levantamento das cargas ligadas ao ramal, se verificou que no corredor em


frente à sala dos computadores havia uma máquina de Coca-Cola para uso dos funcionários.
Na falta de alimentador próprio, o refrigerador havia sido ligado no mesmo circuito que
alimentava a sala dos computadores. Quando o motor do refrigerador partia a cada 15
minutos, ocorria uma sub-tensão que interferia no funcionamento dos computadores.
Identificado o problema e a sua causa, a solução óbvia era mudar a alimentação da máquina
de coca-cola. Por falta de outra tomada, deslocou-se a máquina para outro local no mesmo
corredor, verificando-se que o problema estava resolvido.

Quinze dias depois, os especialistas foram novamente chamados, porque o problema


tinha voltado a aparecer. Nova monitoração na sala dos micros e os tais transitórios lá
estavam. A equipe foi checar e constatou que a máquina de Coca-Cola tinha sido recolocada
no corredor. Por que? Porque os usuários não tinham sido informados sobre a causa do
problema. Por isso trataram de colocar a máquina de volta, para ficar mais perto do local de
trabalho! Evidentemente, quem acompanhou o processo errou por não ter esclarecido os
usuários sobre a causa do problema.

O vilão da história

Em outro caso, uma concessionária foi interpelada por uma indústria siderúrgica com
a reclamação de que suas novas e modernas máquinas de laminação não estavam funcionando
adequadamente, ocorrendo muitas falhas do sistema de controle do processo de laminação. O
fabricante das máquinas foi chamado e diagnosticou que se tratava de um problema com a
baixa qualidade da tensão de alimentação, cuja forma de onda interferia na operação dos
sistemas digitais de controle.

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Foram feitas medições no local pela concessionária e se constatou que de fato os


níveis de harmônicas e de flicker estavam acima dos limites permitidos. Encaminhado o
relatório da concessionária sobre essas medições, a diretoria da indústria solicitou que a
concessionária tomasse providências urgentes para sanar o problema observado na tensão de
alimentação.

Claro que só restou à concessionária explicar que os problemas com os laminadores


eram causados pelo forno a arco instalado na própria indústria e que portanto era ela quem
causava as perturbações da tensão de alimentação em toda a região circunvizinha. Neste caso
o consumidor foi causa e vítima da perda de QEE.

Questão de economia

Um terceiro caso ocorreu com uma indústria americana que operava uma ponte
retificadora de 6 pulsos, responsável pela geração de 5a e 7a harmônicas (características nesse
tipo de conversor).

Devido a reclamações de outros consumidores, foi solicitado ao consumidor que


tomasse providências para reduzir a emissão dessas harmônicas com a instalação de filtros. O
consumidor respondeu que já dispunha desses filtros mas que estavam desligados por razões
de redução no consumo de energia elétrica.

Estranhando essa resposta, um técnico da concessionária foi designado para verificar o


que estava acontecendo. Em conversa no bar, esse técnico soube que a questão de economia
era a seguinte: quando os filtros eram ligados, a conta de energia da empresa subia em até
25%, por isso o filtro ficava desligado. Depois de analisar o caso achou-se duas explicações
para o que se passava:
i) com a compensação reativa dos filtros, a tensão de rede subia e o consumo de
energia de fato aumentava, porém a produção também aumentava na mesma
proporção;
ii) a 5a harmônica apresenta seqüência negativa, produzindo um torque contrário no
disco de indução do medidor de energia. Com isso diminuía a leitura da energia
consumida, explicando a "economia" na conta do consumidor quando o filtro ficava
desligado.

Neste caso a “economia” tem os seus próprios riscos e é preciso explicar o que pode
ocorrer com a presença de harmônicas, como por exemplo a explosão de capacitores em
bancos para correção de fator de potência, devido a ressonâncias série ou paralela.

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Avaliação da Qualidade da Energia Elétrica S.M.Deckmann e J. A. Pomilio

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Penalidades". Documento Preliminar para Discussão. Versão 2, Jul. 1997.
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Eletrobrás Rio de Janeiro, 1982.
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[9] IEC 868-0 "Flickermeter - Evaluation of Flicker Severity". Technical Report, First
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Electrotechnical Commission, Subcommittee 77, 1982. Substituida a partir de 1991 pela
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[11] UIE Disturbance Study Committee “UIE Flickermeter - Functional and Design
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[12] C. A. F. Mello, R. N. Fontoura Fo. “ Critérios e Procedimentos para o Atendimento a
Consumidores com Cargas Especiais”. Relatório CECE/GCOI, Fev. 1993.
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Avaliação da Qualidade da Energia Elétrica S.M.Deckmann e J. A. Pomilio

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[29] Power Quality Indices and Objectives Final Draft WG Report for Appoval Cigré
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