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SÉRIE EM

BIOLOGIA CELULAR
E MOLECULAR
IMUNOFARMACOLOGIA
Copyright © by Fiocruz, 2014
Todos os direitos desta edição reservados à Fundação Oswaldo Cruz.
Av. Brasil, 4365
Proibida a reprodução total ou parcial deste conteúdo

Editores Revisores
Helene Santos Barbosa Adriana Lima Vallochi
Milton Ozorio Moraes Andre Miguel Japiassu
Rubem Figueiredo Sadok Menna-Barreto Christianne Bandeira de Melo
Claudia Lucia Martins Silva
Organizadores Emiliano de Oliveira Barreto
Patricia Machado Rodrigues e Silva José Carlos Alves Filho
Patricia Torres Bozza Luís Cristóvão de Moraes Sobrino Pôrto
Maria das Graças Muller de Oliveira Henriques
Autores
Miriam Bianchi de Frontin Werneck
Alessandra M. Siqueira
Rachel Novaes Gomes
Ana Caroline Costa Silva
Thereza Christina Barja Fidalgo
Bianca T. Ciambarella
Fábio P. M. dos Santos
Kelly G. Magalhães
Priscilla C. Olsen Projeto Gráfico, capa e diagramação
Rafael M. Cardoso Simone Oliveira

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca de Ciências Biomédicas/ ICICT / Fiocruz - RJ

I34 Imunofarmacologia / Alessandra M. Siqueira … [et al.]. - Rio de Janeiro:


IOC, 2014.

164 p. : il. - (Série em biologia celular e molecular)


ISBN: 978-85-99974-08-7

1. Imunologia. 2. Farmacologia. 3. Sistema imune. 4. Imunidade adaptativa. 5. Imuni-


dade inata. 6. Inflamação. I. Siqueira, Alessandra M. II. Título. III. Série.

CDD 615.37
Alessandra M. Siqueira
Ana Caroline Costa Silva
Bianca T. Ciambarella
Fábio P. M. dos Santos
Kelly G. Magalhães
Priscilla C. Olsen
Rafael M. Cardoso

SÉRIE EM
BIOLOGIA CELULAR
E MOLECULAR
IMUNOFARMACOLOGIA

1ª edição
Rio de Janeiro
IOC - Instituto Oswaldo Cruz
Apresentação à coleção
Os cursos de férias no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) surgiram com o objetivo
de oferecer aos estudantes de graduação a oportunidade de estudar em uma Instituição
de Pesquisa de excelência, abordando em profundidade temas incomuns à grade curricu-
lar da universidade. Agregado a este objetivo principal, a formatação desse curso permi-
tiria o trânsito e vivência dos estudantes no ambientes científico dos diferentes labora-
tórios do IOC. Além disso, a possibilidade de estimular os estudantes de pós-graduação
do IOC a desenvolvem atividades didáticas teórico-práticas, preencheria também uma
lacuna importante na formação dos mestres e doutores da novssa instituição que não
possui cursos de graduação.
A ideia surgiu em 2007, e desde sua primeira edição, os cursos de férias do IOC ver-
sam sobre temas relevantes da área de pesquisa em saúde no Brasil. De 2007 a 2012,
foram realizadas 11 edições dos Cursos de Férias, nas versões verão e inverno, tendo sido
oferecidas as mais variadas disciplinas, corrdenadas por mais de 50 pesquisadores do
IOC, envolvendo centenas de mestrandos e doutorandos e mais de 1.000 alunos oriundos
de dezenas de universidades de todo o país.
Desde o início, um estímulo adicional aos professores do curso foi o desenvolvimento
de material didático original para servir de apoio às aulas teóricas e práticas. O resulta-
do desse esforço coletivo se traduz nesta coleção. Os textos foram desenvolvidos em
linguagem simples e objetiva e conteúdo inovador, abordando temas tranversais em bio-
ciências. Assim, desenvolvemos fascílulos para a formação de jovens cientistas na van-
guarda do conhecimento em áreas que apresentam hibridismo e multidisciplinaridades
absolutamente crusciais para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
Estamos convencidos de que este material permitirá aos leitores acesso rápido e fá-
cil a conteúdos não abordados durante a graduação, além de possibilitar a integração de
atividades didáticas e o estímulo à redação científica entre pós-graduandos do IOC.
Boa leitura.

Helene S. Barbosa
Milton O. Moraes
Rubem F. S. Menna-Barreto
Nota dos organizadores
A criação dos Cursos de Férias foi uma importante iniciativa do Instituto Oswaldo
Cruz, cuja principal proposta foi minimizar deficiências de disciplinas oferecidas na gra-
duação, bem como estimular o desenvolvimento do pensamento científico em várias
áreas da Saúde no país, e possibilitar a experiência em aplicações práticas nos temas
abordados.
Esta apostila corresponde à compilação das duas primeiras edições do curso de Imu-
nofarmacologia. Sua estruturação foi voltada para o aprendizado de aspectos básicos
em Imunologia e a compreensão de processos patológicos relacionados ao sistema
immune, bem como o conhecimento de conceitos de Farmacologia necessários à com-
preensão das intervenções terapêuticas relevantes na prática clínica .
É o produto final de um extenso trabalho de pesquisa por parte dos professores (alu-
nos de pós-graduação), e também do exercício de discussão com os coordenadores,
resultando em um processo rico de troca de informações e amadurecimento mútuo.
Contamos, também, com a contribuição inestimável de um grupo de pesquisadores in-
ternos e externos à instituição, que realizou um trabalho de revisão bastante criterioso,
fazendo desta apostila uma ferramenta útil para consulta de bibliografia básica e didá-
tica complementar.

Patrícia Machado Rodrigues e Silva


Patricia Torres Bozza
Sumário
1. SISTEMAIMUNOLÓGICO.................................................................................................................10

1.1. Introdução.......................................................................................................................................11
1.2. Origem do Sistema Imunológico............................................................................................................................. 13
1.3. A resposta imune inata................................................................................................................................................ 14
1.4. Células que participam do reconhecimento imunológico inato.............................................................15
1.5. A Fagocitose...................................................................................................................................................................... 18
1.6. Receptores de reconhecimento padrão............................................................................................................ 19
1.7. TLRs....................................................................................................................................................................................... 19
1.8. Os Inflamassomas...........................................................................................................................................................21

2. IMUNIDADE ADAPTATIVA............................................................................................................24
2.1. Definição.............................................................................................................................................................................25
2.2. Evolução.............................................................................................................................................................................25
2.3. Inata x adquirida............................................................................................................................................................ 26
2.4. Componentes celulares da imunidade adaptativa...................................................................................... 26
2.4.1. Linfócito T ........................................................................................................................................................... 26
2.4.1.1. MHC ..........................................................................................................................................................27
2.4.1.2. Linfócito T CD4 auxiliar ................................................................................................................ 28
2.4.1.3. Linfócito T CD8 citotóxico............................................................................................................ 29
2.4.1.4. Células NKT.......................................................................................................................................... 29
2.4.2. Linfócito B.......................................................................................................................................................... 30
2.4.2.1. Os anticorpos ..................................................................................................................................... 30
2.5. Resposta Celular............................................................................................................................................................ 31
2.5.1. Reconhecimento do Antígeno ................................................................................................................... 31
2.5.2. Ativação das células T ...................................................................................................................................32
2.5.3. Mecanismos efetores das células T .......................................................................................................33
2.5.3.1. Th1 ..............................................................................................................................................................33
2.5.3.2. Th2 ............................................................................................................................................................33
2.5.3.3. Linfócitos TCD8+ ............................................................................................................................. 34
2.5.3.4. Formação das células de memória ..........................................................................................35
2.6. Resposta humoral........................................................................................................................................................ 36
2.6.1. Reconhecimento dos antígenos............................................................................................................... 36
2.6.2. Ativação dos linfócitos B ............................................................................................................................37
2.6.3. Mecanismos efetores dos linfócitos B ............................................................................................... 39
2.7. Principais características da resposta imunológica adquirida.............................................................. 39
2.7.1. Especificidade e diversidade..................................................................................................................... 39
2.7.2. Geração da especificidade e diversidade ..........................................................................................40
2.7.2.1. Diversidade do MHC.........................................................................................................................40
2.7.2.2. Diversidade da Ig .............................................................................................................................. 41
2.7.2.3. Diversidade do TCR..........................................................................................................................44
2.7.3. Memória...............................................................................................................................................................44
2.7.4. Tolerância a antígenos próprios...............................................................................................................46
2.8. Regulação.........................................................................................................................................................................46
2.9. Falhas na resposta........................................................................................................................................................47

3. INFLAMAÇÃO AGUDA....................................................................................................................48
3.1. Bases da inflamação aguda......................................................................................................................................49
3.2. Sinais cardinais da inflamação aguda................................................................................................................. 50
3.3. Eventos da inflamação aguda..................................................................................................................................51
3.3.1. Alterações vasculares ....................................................................................................................................51
3.3.2. Edema....................................................................................................................................................................52
3.3.3. Infiltrado inflamatório...................................................................................................................................53
3.4. Mediadores químicos da inflamação aguda....................................................................................................55
3.5. Resolução da inflamação aguda.............................................................................................................................55

4. INFLAMAÇÃO CRÔNICA................................................................................................................56
4.1. Bases da inflamação crônica....................................................................................................................................57
4.2. Causas da inflamação crônica................................................................................................................................ 58
4.3. Classificação................................................................................................................................................................... 59
4.3.1. Inespecífica ........................................................................................................................................................ 59
4.3.2. Granulomatosa ................................................................................................................................................ 59
4.4. Reparo................................................................................................................................................................................. 61
4.4.1. Fases do Reparo/Cicatrização................................................................................................................. 62
4.5. Doenças inflamatórias crônicas........................................................................................................................... 63
4.5.1. Tuberculose.........................................................................................................................................................64
4.5.2. Esquistossomose...........................................................................................................................................66
4.5.3. Asma......................................................................................................................................................................69
4.5.4. Silicose...................................................................................................................................................................71

5. RESPOSTA IMUNE A PATÓGENOS............................................................................................... 74


5.1. Imunidade a bactérias extracelulares..................................................................................................................76
5.1.1. Imunidade Inata..................................................................................................................................................76
5.1.2. Imunidade Adaptativa.................................................................................................................................... 77
5.1.3. Mecanismos de Evasão.................................................................................................................................. 77
5.2. Imunidade a bactérias intracelulares.................................................................................................................. 77
5.2.1. Imunidade Inata..................................................................................................................................................78
5.2.2. Imunidade Adaptativa....................................................................................................................................78
5.2.3. Mecanismos de Evasão.................................................................................................................................79
5.3. Imunidade a fungos.......................................................................................................................................................79
5.3.1. Imunidade Inata..................................................................................................................................................79
5.3.2. Imunidade Adaptativa....................................................................................................................................79
5.4. Imunidade a vírus..........................................................................................................................................................80
5.4.1. Imunidade Inata................................................................................................................................................80
5.4.2. Imunidade Adaptativa..................................................................................................................................80
5.4.3. Mecanismos de Evasão................................................................................................................................ 81
5.5. Imunidade a parasitos................................................................................................................................................. 81
5.5.1. Imunidade Inata................................................................................................................................................. 82
5.5.2. Imunidade Adaptativa................................................................................................................................... 82
5.5.3. Mecanismos de Evasão................................................................................................................................ 83

6. FARMACOLOGIA GERAL...............................................................................................................84
6.1. Introdução e Aspectos Históricos........................................................................................................................ 85
6.2. Princípios básicos de Farmacologia....................................................................................................................87
6.3. Vias de administração de fármacos....................................................................................................................88
6.4. Tipos de Receptores.................................................................................................................................................. 92
6.5. Introdução à Farmacocinética.............................................................................................................................. 92
6.6. Distribuição de fármacos........................................................................................................................................94
6.7. Metabolização de fármacos.................................................................................................................................... 95
6.8. Eliminação de Fármacos...........................................................................................................................................97
6.9. Tipos de interações estabelecidas entre o fármaco e seu alvo...........................................................98

7. MEDIADORES INFLAMATÓRIOS................................................................................................ 102


7.1. Mediadores de origem celular............................................................................................................................... 103
7.1.1. Aminas vaso-ativas........................................................................................................................................ 103
7.1.1.1. Histamina............................................................................................................................................... 103
7.1.1.2. Serotonina............................................................................................................................................ 105
7.1.2. Metabólitos do ácido aracdônico.......................................................................................................... 108
7.1.2.1. Eicosanóides....................................................................................................................................... 108
7.1.3. Fator de Ativação de Plaquetária (PAF).............................................................................................. 109
7.1.4. Citocinas e quimiocinas................................................................................................................................112
7.1.4.1. Citocinas.................................................................................................................................................112
7.1.4.2. Quimiocinas......................................................................................................................................... 114
7.1.5. Óxido nítrico (NO)............................................................................................................................................ 116
7.2. Mediadores de origem plasmática...................................................................................................................... 118
7.2.1. Bradicinina.......................................................................................................................................................... 118
7.2.2. Sistema complemento (C3 – C9)............................................................................................................ 118
7.2.3. Sistema de coagulação................................................................................................................................ 119

8. ANTI-INFLAMATÓRIOS ESTEROIDAIS...................................................................................... 120


8.1. Glicocorticóides............................................................................................................................................................122
8.2. Mecanismo de ação e efeitos fisiológicos......................................................................................................124
8.2.1. Efeitos metabólicos .....................................................................................................................................126
8.2.2. Efeitos anti-inflamatório e imunossupressor................................................................................. 127
8.2.3. Outros efeitos.................................................................................................................................................128
8.3. Glicocorticóides sintéticos....................................................................................................................................128
8.4. Aplicação dos glicocorticóides............................................................................................................................129
8.4.1. Uso para fins de diagnóstico....................................................................................................................129
8.4.2. Distúrbios não-supra renais.....................................................................................................................129
8.4.3. Efeitos adversos e toxicidade.................................................................................................................129
8.4.4. Contra-indicações..........................................................................................................................................131
8.4.5. Inibidores de síntese/antagonistas......................................................................................................131

9. ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS............................................................................. 132


9.1. Introdução........................................................................................................................................................................133
9.2. Anti-inflamatórios Não-Esteroidais (Inibidores de Ciclooxigenase)............................................... 134
9.2.1. Efeito Antipirético........................................................................................................................................ 136
9.2.2. Efeito Analgésico.......................................................................................................................................... 136
9.2.3. Efeito Anti-inflamatório............................................................................................................................ 136
9.3. Principais Efeitos Adversos dos AINEs........................................................................................................... 137
9.3.1. Efeitos Adversos Decorrentes do Uso de AINEs: (não seletivos)......................................... 137
9.3.2. Efeitos Adversos Decorrentes do Uso de AINEs: (COX-2 seletivos)................................. 138
9.4. Os inibidores seletivos de COX-2...................................................................................................................... 139
9.5. Outros fármacos utilizados no controle da dor e hipertermia (não-AINEs)................................. 140
9.5.1. Ácido Acetilsalicílico (AAS)...................................................................................................................... 140
9.5.2. Paracetamol (acetaminofeno)................................................................................................................. 141
9.6. Inibidores da Ação de Leucotrienos.................................................................................................................. 141
9.6.1. Inibição da 5-Lipoxigenase........................................................................................................................142
9.6.2. Antagonistas dos Receptores de Leucotrienos............................................................................142
9.7. Outros Fármacos e Abordagens Terapêuticas.............................................................................................142
9.7.1. Manipulação Dietética na Inflamação..................................................................................................142
9.7.2. Nedocromil sódico e Cromocalina........................................................................................................ 143
9.7.3. Ouro...................................................................................................................................................................... 143
9.7.4. Uso de Anticorpos Monoclonais (mABs).......................................................................................... 144

10. TÉCNICAS LABORATORIAIS PARA O ESTUDO DA IMUNOFARMACOLOGIA...................... 146


10.2. Citometria de fluxo e FACS (separador de células ativado por fluorescência)........................ 148
10.2.1. Conceito............................................................................................................................................................ 148
10.2.2. Preparo das amostras.................................................................................................................... 150
10.2.3. Análise dos dados.......................................................................................................................................152
10.2.4. Aplicações.......................................................................................................................................................154
10.2.5. Sorting...............................................................................................................................................................154
10.3. Imunofluorescência....................................................................................................................................... 156
10.4. Ensaio Imunoadsorvente Ligado à Enzima (ELISA).......................................................................158
10.4.1. Conceito.................................................................................................................................................158
10.4.2. Análise dos dados....................................................................................................................................... 159
10.5. Immunoblotting (Western blotting)................................................................................................................ 160

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................... 162


1. SISTEMA
IMUNOLÓGICO

KELLY G. MAGALHÃES
SISTEMA IMUNOLÓGICO | Cap. 1

1.1. Introdução

Para facilitar o entendimento de como surgiu o conceito de Imunologia e auxiliar a


compreensão dos mecanismos envolvidos na resposta imunológica, é importante se
compreender melhor como surgiu o termo Imunidade e quais acontecimentos históricos
marcaram sua descoberta. Inicialmente, vamos fazer um breve histórico dos principais
acontecimentos que cunharam o termo Imunidade. O termo Imunidade é derivado do
Latim immunitas, que se refere às isenções de taxas oferecidas aos senadores roma-
nos durante seu mandato político, os quais estavam protegidos pela lei, não sendo pu-
nidos por não pagar impostos, diferentemente do resto da população. Desta forma, o
termo immunitas refere-se à proteção. Em 1798, Edward Jenner, um médico inglês, fez
as primeiras observações de que mulheres que trabalhavam ordenhando vacas desen-
volviam uma forma muito branda da varíola humana, doença que acometia grande parte
da população naquele momento e causava grande número de mortes na Europa. Este
médico logo relacionou que estas mulheres se infectavam com o vírus da varíola da vaca,
processo pelo qual se gerava uma proteção contra a forma grave da varíola humana. A
partir daí, ele propôs a inoculação do líquido de pústulas de varíola da vaca em indiví-
duos saudáveis, que foram posteriormente infectados com o vírus da varíola humana,
e não desenvolveram a doença, assim como ele esperava. Edward Jenner desenvolveu,
desta forma, a primeira vacina contra a varíola, e cunhou a palavra vacina derivada do la-
tim vacca. Portanto, historicamente IMUNIDADE representa proteção a doenças, mais

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

especificamente contra doenças infecciosas. A IMUNOLOGIA é o estudo da imunidade,


ou seja, os eventos moleculares e celulares que ocorrem quando o organismo entra em
contato com microrganismos ou macromoléculas estranhas. As barreiras físicas, quími-
cas e biológicas juntamente com as células e seus mediadores efetores responsáveis
pela imunidade constituem o SISTEMA IMUNOLÓGICO.
A defesa do hospedeiro contra micro-organismos patogênicos é realizada pelo sis-
tema imunológico, o qual é dividido, para fins didáticos, em dois tipos: imunidade inata
e imunidade adquirida. Ambos componentes reconhecem micro-organismos invasores
como não-próprios. Esse processo leva a eliminação destes micro-organismos, em de-
corrência da resposta imune.
A resposta imune inata é mediada por uma variedade de células de origem mielóide
(tais como macrófagos, células dendríticas, monócitos, neutrófilos e eosinófilos) e lin-
fóide (células matadoras naturais ou células NK) as quais podem rapidamente exercer
suas funções efetoras através de um repertório restrito de receptores. Estes recepto-
res reconhecem padrões moleculares e possuem especificidade limitada . Por exemplo,
há receptores que reconhecem RNA fita dupla presente em células infectadas por vírus;
qualquer vírus cujo material genético é RNA, não um tipo de vírus em particular. Em con-
traste, a resposta imune adaptativa é mediada por células de origem linfóide (linfócitos
B e T) que expressam clonalmente uma enorme variedade de receptores antigênicos es-
pecíficos a porções pequenas das moléculas, os denominados epitopos. Assim, há vários
clones de células específicas a porções diferentes da mesma molécula de um determina-
do patógeno. Estes receptores são produzidos por recombinações somáticas sítio-es-
pecíficas e ocorrem apenas nos linfócitos e são denominados receptores de linfócitos
T (TCR) e receptores de linfócitos B (BCR).
A resposta imunológica adaptativa é caracterizada pela seleção clonal de lin-
fócitos antígeno-específicos, os quais geram uma resposta protetora de longa duração
contra doenças, denominada memória imunológica. Ao contrário da imunidade adapta-
tiva, a imunidade inata não gera memória imunológica. A função essencial da imunidade
inata consiste na sua habilidade em gerar uma rápida resposta, agindo diretamente no
patógeno e essencialmente do mesmo modo à infecções repetidas. É importante ressal-
tar que a resposta imune inata e a adaptativa interagem entre si e atuam em conjunto,
compondo assim o sistema imunológico.
A imunidade inata também possui importante papel no controle e modulação da res-
posta imunológica adaptativa. Receptores celulares não-clonais de neutrófilos e monó-

12 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


SISTEMA IMUNOLÓGICO | Cap. 1

citos/macrófagos ou ainda de células endoteliais, por exemplo, são capazes de induzir a


resposta celular. Essa resposta pode incluir fagocitose, liberação de citocinas pró-infla-
matórias, tais como, Fator de Necrose Tumoral (TNF) e interleucina – 1 (IL-1), e nos casos
de células apresentadoras de antígenos, o aumento da expressão de moléculas co-esti-
muladoras, tais como, B7-1 (CD80) e B7-2 (CD86).

1.2. Origem do Sistema Imunológico


Em termos evolutivos, a resposta imune inata é bem mais antiga do que a respos-
ta imune adaptativa, sendo primeiramente descrita nos invertebrados. Já a imunidade
adaptativa foi primeiramente observada nos vertebrados. Embora a resposta imune
adaptativa tenha sido um dos principais focos das pesquisas em Imunologia no passado,
os recentes avanços no entendimento da imunidade inata como um mecanismo de defe-
sa primitivo têm aumentado cada vez mais o interesse nessa área.
A principal hipótese e mais bem aceita sobre a origem da resposta imune adapta-
tiva é que um grande número de genes, incluindo aqueles codificantes das imunoglo-
bulinas, moléculas de MHC classe I e II, TCRs ab e TCRs gd, bem como os processos
celulares e os órgãos que medeiam a imunidade adaptativa, surgiram ao longo de um
curto período evolucionário, com um ancestral comum dos vertebrados mandibulados
modernos.
Apesar das imunoglobulinas terem sido descobertas há mais de 100 anos atrás, so-
mente na década de 70, começamos a entender melhor como funciona a geração da di-
versidade das imunoglobulinas ou dos BCRs através da detecção dos genes envolvidos
nas hipermutações somáticas e dos rearranjos das regiões VDJ (Variable Diversity Joi-
ning). Já na década de 80, onde os TCRs foram descobertos, foi um consenso geral que
os TCRs e os BCRs compartilhavam um ancestral comum, baseado em seus domínios
organizacionais gênicos similares e o mesmo mecanismo de geração de diversidade.
Posteriormente, houve a descoberta de que alguns genes codificadores de enzimas que
tinham a capacidade de gerar um rearranjo dos genes dos TCRs e BCRs e pela hipermu-
tação dos genes dos BCRs, poderia ocorrer por transferência horizontal. Estas enzimas
foram denominadas RAGs (Recombination Activating Genes) e foram determinantes no
entendimento da origem da resposta imune adaptativa.
A capacidade que o sistema imunológico dos vertebrados tem de responder a inú-
meros antígenos de um modo tão específico é, portanto, em decorrência da enorme

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 13
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

diversidade de linfócitos B e T, cada qual com um receptor particular. Essa diversidade


é conseqüência da recombinação dos elementos V, D e J, presentes nos loci dos genes
que codificam para os receptores linfocitários (recombinação V(D)J). Esta reação é ca-
talisada por um conjunto de moléculas ubiquitárias envolvidas na reparação do DNA e
pelas recombinases RAGs (RAG-1 e RAG-2). Essas proteínas foram fundamentais para a
recombinação e rearranjo gênico das regiões responsáveis pela variabilidade dos recep-
tores de linfócitos B e T, característicos da resposta imunológica.
Mas, como esta diversidade gênica surgiu nos vertebrados ao longo da evolução?
Evolutivamente, antes do surgimento dos vertebrados mandibulados, existiam os ag-
nathas (do grego sem maxilas), vertebrados mais primitivos onde se agrupavam peixes
sem mandíbulas, como por exemplo, as lampréias. Esses animais possuíam um sistema
de reconhecimento primitivo, mas capaz de reconhecer uma variedade de patógenos in-
vasores. O aparecimento dos condrictes permitiu o contato desses animais com uma
gama ainda maior de patógenos, uma vez que a presença de mandíbulas possibilitou a
alimentação de animais maiores. Desta forma, a maior variedade de alimentos alcançada
pelos vertebrados mandibulados com o aparecimento da mandíbula, selecionou indiví-
duos que apresentavam as RAGs inseridas em seu genoma. Acredita-se que os genes
das RAGs têm uma origem procariótica ou viral, e que se inseriram, ao longo da evolução,
no genoma ancestral dos vertebrados mandibulados por transferência horizontal, há
cerca de 450 milhões de anos.

1.3. A resposta imune inata


A resposta imune inata abrange mecanismos que já existem antes da infecção, e que
são capazes de rápidas respostas aos micróbios e que reagem essencialmente do mes-
mo modo à infecções repetidas. Os principais componentes que medeiam a resposta
imune inata são: (I) as barreiras físicas, químicas e biológicas, tais como os epitélios e as
substâncias antimicrobianas produzidas nas superfícies epiteliais; (II) as diferentes cé-
lulas fagocíticas e células NK; (III) as proteínas do sangue incluindo membros do sistema
complemento e outros mediadores da inflamação; e (IV) proteínas chamadas citocinas,
que regulam e coordenam várias atividades celulares.
Desta forma, no início de um processo infeccioso no organismo, os primeiros obstá-
culos a serem ultrapassado por patógenos são as barreiras físicas (as quais são consti-
tuídas pela pele, muco e cílios), barreiras químicas (as quais são constituídas pela saliva,

14 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


SISTEMA IMUNOLÓGICO | Cap. 1

suor, lágrimas, enzimas digestivas, lisozimas, urina, lactoferrina) e as barreiras biológi-


cas (as quais são constituídas pela microbiota benéfica endógena do organismo).
Em seguida, os patógenos terão que interagir com as células da resposta imune inata,
com seus receptores e com todos os mecanismos inflamatórios que estarão reconhe-
cendo e combatendo a infecção.

1.4. Células que participam do reconhecimento imunológico inato


A hematopoese é o processo de geração de células do sangue, incluindo eritróci-
tos, leucócitos e plaquetas. Após o nascimento, essa função hematopoética é exer-
cida pela medula óssea, que contém as células progenitoras comprometidas com
todas as linhagens sanguíneas. Células hematopoéticas primordiais são definidas
como células que possuem a capacidade de se auto-renovar. Elas também são pluri-
potentes, ou seja, capazes de se diferenciar em várias linhagens ou tipos celulares.
Na medula óssea, esta célula primordial, na presença de células do estroma, matriz
extracelular e sob a ação de diversos fatores de crescimento e citocinas, irá originar
dois grandes progenitores, que são os mielóides e os linfóides, os quais geram todas
as células do sistema imune. Veremos abaixo com mais detalhes, algumas células
que participam da resposta imune inata.

¾¾ NEUTRÓFILOS: são células que apresentam núcleo multilobulado (geralmente


com 3 a 5 lóbulos unidos por um filamento delgado). Possuem citoplasma com dife-
rentes grânulos, os quais estão repletos de proteínas pró-inflamatórias e podem ser
classificados em 3 tipos: (I) grânulos azurofílicos (primários) que estão diretamente
relacionados com a atividade microbicida destas células, e se apresentam bastante
elétron-densos e contém mieloperoxidade; (II) grânulos específicos (secundários) os
quais contém lactoferrina que tem a capacidade de se ligar ao ferro e tem atividade
bactericida; (III) grânulos gelatinase (terciários) os quais contém metaloproteinase 9.
Constituem uma das células mais abundantes da resposta imunológica inata e são ge-
ralmente as primeiras células a chegarem ao local da infecção ou injúria. Os neutrófilos
apresentam também um interessante mecanismo microbicida chamados NET (Neu-
trophil Extracellular Traps) que consiste no extravazamento de componentes nuclea-
res e granulares para o meio extracelular que auxiliam na contenção física do micro-or-
ganismo, bem como na sua morte celular.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

¾¾ EOSINÓFILOS: são muito menos numerosos do que os neutrófilos, constituin-


do apenas 2-3% do total de leucócitos. Seu núcleo, em geral, é bilobulado. O citoplas-
ma dos eosinófilos é quase inteiramente ocupado por grânulos específicos. O retículo
endoplasmático, as mitocôndrias e o aparelho de Golgi são pouco desenvolvidos. Esta
célula exerce importante papel na defesa contra parasitos e em reações alérgicas. Uma
vez ativados, os eosinófilos induzem uma resposta inflamatória através da produção e
liberação de seus grânulos catiônicos. Os principais componentes de seus grânulos e que
exercem uma potente atividade citotóxica em parasitos, mas que também podem cau-
sar injúrias teciduais, são: (I) a proteína catiônica básica (as quais apresentam toxicidade
a parasitos, induzem desgranulação de mastócitos e basófilos); (II) proteína catiônica
eosinofílica (as quais causam poros na membrana da célula alvo, permitindo a entrada
de moléculas citotóxicas); (III) neurotoxinas (as quais são ribonucleases com proprieda-
des antivirais), e (IV) peroxidases (as quais formam espécies reativas de oxigênio e óxido
nítrico, promovendo o estresse oxidativo na célula alvo, e causando morte celular por
apoptose e necrose). Os eosinófilos são células com capacidade de realizar fagocitose
e também de apresentar antígenos aos linfócitos T, principalmente aos linfócitos TCD4+
através da expressão de moléculas MHC de classe II. Estudos recentes demonstraram
que os eosinófilos também são capazes de formar armadilhas extracelulares semelhan-
tes àquelas observadas em neutrófilos, porém denominadas aqui de EETs (Eosinophil
Extracellular Traps).

¾¾ MACRÓFAGOS: são células grandes e consistem na forma madura do monócito,


são células com altíssimo poder fagocitário, e podem permanecer por um longo período
(meses a anos) nos tecidos. Possuem funções de extrema importância para o sistema
imunológico como: apresentar antígenos, fagocitar patógenos e restos celulares e pro-
duzir citocinas. Os macrófagos podem ser polarizados em dois tipos, conforme o tipo de
função efetora que ele exerce e à que ambiente ele foi exposto: macrófagos M1 ou M2.
De forma geral, esta nomenclatura foi escolhida porque macrófagos M1 e M2 promovem
uma resposta do tipo Th1 e Th2, respectivamente. Macrófagos polarizados em M1 são
aqueles que foram expostos a citocinas do tipo Th1. Eles possuem características cito-
tóxicas, secretam grandes quantidade de citocinas pró-inflamatórias como IFNg e pos-
suem atividade microbicida e tumoricida. Eles não conseguem sintetizar rapidamente
arginase e, portanto, são capazes de converter arginina em óxido nítrico, e exercer sua

16 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


SISTEMA IMUNOLÓGICO | Cap. 1

função microbicida. Já os macrófagos polarizados em M2 são aqueles que foram expos-


tos à citocinas do tipo Th2, estão envolvidos no reparo tecidual através da estimulação
de fibroblastos e deposição de matriz extracelular, secretam citocinas do tipo Th2, tais
como IL-4, IL-13 e IL-10, sintetizam arginase, a qual inibe a produção de óxido nítrico e,
portanto, permite a produção de ornitina (um precursor de hidroxiprolinas e poliaminas).

¾¾ BASÓFILOS: são células com núcleo volumoso, com forma retorcida e irregular.
A membrana plasmática dos basófilos, assim como a dos mastócitos, possui receptores
para a imunoglobulina E (IgE). Eles liberam seus grânulos para o meio extracelular, sob a
ação dos mesmos estímulos que promovem a expulsão dos grânulos dos mastócitos. No
entanto, apesar das semelhanças, basófilos e mastócitos não são formas diferentes do
mesmo tipo celular, pois se originam de precursores diferentes.

¾¾ MASTÓCITOS: são células pouco encontradas na circulação sanguínea, normal-


mente seus progenitores hematopoéticos migram da medula óssea e se diferenciam in
situ, de acordo com as características peculiares daquele microambiente. Os mastóci-
tos são células com citoplasma extremamente rico em grânulos que podem armazenar
potentes mediadores químicos da inflamação, como a histamina, heparina, ECF-A (fator
quimiotáxico dos eosinófilos), SRS-A, serotonina e fatores quimiotáxicos dos neutrófi-
los. Os mastócitos possuem receptores de superfície com alta afinidade à porção Fc das
imunoglobulinas IgE, denominados FceRI. A ligação deste receptor com a IgE induz uma
potente desgranulação desta célula e liberação do seu conteúdo citoplasmático no meio
extracelular, causando forte reação inflamatória.

¾¾ CÉLULAS NK: são células peculiares que possuem um progenitor linfóide e foram
inicialmente caracterizadas como linfócitos, mas que participam da resposta imune ina-
ta. Estas células possuem atividade citotóxica rápida, induzindo diretamente a morte
de células tumorais e células infectadas por vírus. São grandes produtoras de citocinas
pró-inflamatórias como IFNg e TNF, bem como de citocinas imunossupressoras como a
IL-10, além de secretar diversos tipos de quimiocinas, como MCP-1, MIP1-a, MIP1-b, RAN-
TES e IL-8. Estas células possuem receptores de ativação e de inibição, os quais contro-
lam seus processos de ativação e desativação, respectivamente.

¾¾ CÉLULAS DENDRÍTICAS: Células dendríticas podem ser encontradas na sua forma


imatura as quais são altamente eficientes em capturar antígenos, ou na sua forma madura

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

as quais são muito eficientes em apresentar antígenos. São células especializadas em cap-
turar e apresentar antígenos aos linfócitos virgens, e são, portanto, consideradas a ponte
entre a imunidade inata e a imunidade adquirida. As células dendríticas residem no tecido
periférico, como pele, fígado e intestino onde capturam antígenos, tornam-se ativadas e
migram para os linfonodos regionais. Nestes locais ocorre o processamento e a apresen-
tação de antígenos proteicos ou lipídicos aos linfócitos T virgens. Elas possuem diferentes
moléculas co-estimulatórias em sua superfície expressas em maior densidade que outras
células apresentadoras de antígenos, como CD80, CD86 e CD40, as quais fazem destas
células as melhores apresentadoras de antígenos a linfócitos T virgens.

1.5. A Fagocitose
O processo de fagocitose foi primeiramente descrito com os importantes achados
de Elie Metchnikoff. Em 1871, Metchnikoff descobriu que larvas de estrelas do mar em
contato com espinhos de rosa, apresentavam um mecanismo celular, com a presença
de células com a capacidade de englobar patógenos invasores e induzir uma resposta
potente e protetora. Desde então, ficou cada vez mais claro que a fagocitose é um dos
mais importantes processos que medeiam e controlam as funções efetoras da respos-
ta imune inata.
Células especializadas como macrófagos, monócitos e neutrófilos, cuja principal
função é remover grandes patógenos – como bactérias e leveduras ou alternativamente
grandes debris celulares e/ou corpos apoptóticos –, utilizam-se primariamente da fa-
gocitose para realizar essa tarefa. Os eventos envolvidos na fagocitose são altamente
regulados e envolvem receptores específicos de membrana.
Em células fagocíticas, a captura de patógenos é conduzida pela associação de di-
versos tipos de moléculas (por exemplo, os anticorpos e as unidades do sistema com-
plemento) à superfície do patógeno (opsonização), seguida pelo reconhecimento destas
moléculas por receptores na superfície da célula e fundamentalmente da associação
destes receptores às moléculas aderidas ao patógeno (opsoninas). Esta associação pro-
move expansões da membrana celular, dependente de actina, que culmina com o englo-
bamento do patógeno e, conseqüentemente, sua internalização.
Uma vez internalizado, o patógeno é envolvido em uma vesícula (endossoma) que em
seguida é fundido com a outra vesícula contendo diversas enzimas, o lisossomo. A ativi-
dade enzimática da nova vesícula agora formada (fagolisossomo) destrói o patógeno. De

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SISTEMA IMUNOLÓGICO | Cap. 1

forma simples, podemos entender que a fagocitose é um mecanismo importantíssimo


do organismo que o protege contra a invasão de agentes infecciosos.

Fig. 1.1 Representação do processo de fagocitose de uma bactéria opsonizada, com a fu-
são do vacúolo parasitóforo com o lisossoma, formando o fagolisossoma. A ação
de enzimas no interior do fagolisossoma destrói a bactéria.

1.6. Receptores de reconhecimento padrão


As células da resposta imune inata apresentam Pattern Recognition Receptors
(PRRs) que são responsáveis por detectar a presença de micro-organismos ou a in-
júria celular e tecidual de um microambiente. Eles são capazes de reconhecer Pa-
thogen-Associated Molecular Patterns (PAMPs), bem como Damage-Associated
Molecular Pattern Molecules (DAMPs). Estes receptores têm esta nomenclatura em
virtude de possuírem certa especificidade aos seus ligantes. Desta forma, um tipo
de receptor reconhece apenas DNAs, ou RNAs, ou determinadas proteínas, ou car-
boidratos, por exemplo.
Existem diferentes tipos de receptores de reconhecimento padrão, onde podemos
ressaltar 4 famílias importantes de PRRs: proteínas transmembranares, tais como, (I) re-
ceptores do tipo Toll (TLRs) e (II) receptores de lectina tipo C (CLRs); bem como proteínas
citoplasmáticas, como receptores do tipo RIG-I genes induzíveis do ácido retinóico (RLRs)
e receptores do tipo NOD (NLRs). Dentre os PRRs, os TLRs são os mais bem estudados e
compreendidos até o momento, e por esta razão vamos analisá-los com mais detalhes.

1.7. TLRs
Em 1996, foi descrito na mosca de frutas, Drosophila melanogaster, que o receptor Toll,
envolvido com sua polarização dorso-ventral, também era responsável pela resposta imune

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 19
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

na infecção contra fungos. Este estudo possibilitou que imunologistas percebessem que a
imunidade inata pode detectar a invasão por microrganismos. Subseqüentemente, foram
descritos diversos homólogos do receptor Toll de Drosophila em mamíferos, designados
agora como receptores do tipo Toll, pertencentes à classe de receptores de reconhecimento
de padrões moleculares .
Os TLRs têm a capacidade de reconhecer patógenos ou produtos derivados de pató-
genos e iniciar uma via de sinalização que leva a ativação da imunidade inata do hospedei-
ro. Todos os TLRs contém uma região extracelular rica em repetições de leucinas (LRRs)
e uma região intracelular similar ao receptor de interleucina-1 (TIR) que pode recrutar
proteínas adaptadoras, como por exemplo a MyD88, e ativar uma cascata de sinalização
celular, a qual culmina com a produção de citocinas, quimiocinas, eicosanóides e molécu-
las antimicrobianas. Portanto, a sinalização por TLRs ativa a resposta imune inata e pode
consequentemente modular a resposta imune adaptativa.
Existem atualmente 13 tipos de TLRs. Foram identificados em humanos 10 recepto-
res tipo toll (TLR1–10) e 12 TLRs em camundongos (TLR1–9, TLR11–13).
Sua localização celular varia conforme o tipo de receptor: TLR1, TLR2, TLR4 e TLR5,
por exemplo, estão localizados na superfície da membrana celular, enquanto TLR3, TLR7,
TLR8 e TLR9 são receptores intracelulares localizados na membrana de endossomos e
lisossomos.
Cada TLR é capaz de reconhecer diferentes padrões moleculares associados a pató-
genos (PAMP). TLR4, por exemplo, reconhece lipopolissacarídeo (LPS) derivado da pa-
rede de bactérias gram-negativas; TLR2 reconhece peptideoglicano, o qual é abundante
em bactérias gram-positivas, além de lipoproteínas e ácido lipoteicóico; TLR3 reconhece
fita dupla de RNA proveniente de vírus; TLR7 e TLR8 reconhecem fita simples de RNA
viral; TLR5 reconhece flagelina de bactérias; TLR9 reconhece regiões CpG de DNA não
metiladas encontradas abundantemente em genomas de procariotos e vírus; TLR11 re-
conhece profilina de protozoários, TLR13 reconhece RNA ribossomal 23S de bactérias
gram-positivas e gram-negativas.

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SISTEMA IMUNOLÓGICO | Cap. 1

Fig. 1.2 Esquema de reconhecimento de padrões moleculares associados à patógenos ex-


tracelulares e intracelulares pelos receptores Toll-like.

1.8. Os Inflamassomas
Além dos TLRs , a imunidade inata também conta com a ação dos membros da família
dos receptores do tipo NOD ou NLR (NOD-like receptors). Atualmente, cerca de 23 genes
da família NLR foram descritos em humanos, enquanto 34 genes já foram identificados
em camundongos. A estrutura desses receptores é basicamente dividida em três regi-
ões, que consistem de uma porção C-terminal rica em leucina (LRRs) e uma porção N-ter-
minal de recrutamento de caspase (CARD) ou pirina (PYD); e um domínio central NACHT.
Análises filogenéticas revelaram três distintas subfamílias dentro da família NLR: a sub-
família dos NODs (NOD1-2, NOD3/NLRC3, NOD4/NLRC5, NOD5/NLRX1, CIITA), a subfa-
mília dos NLRPs (NLRP1-14, também chamados NALPs) e a subfamília do IPAF (NLRC4 e
NAIPs). Recentemente, vários estudos têm demonstrado a importância desses recepto-

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

res na imunidade contra patógenos intracelulares, pois eles são capazes de se oligomeri-
zar e participam na formação de um complexo multiprotéico denominado inflamassoma.
Este complexo é responsável pela clivagem e ativação de caspase-1, que exerce um papel
fundamental no processamento e secreção das interleucinas (IL) pró-inflamatórias IL-1β
e IL-18. Dois sinais são necessários para a produção de IL-1β e IL-18, um deles é a sinali-
zação por PRRs que leva à ativação do fator de transcrição NF-κB, induzindo a síntese
de pró-IL-1β e pró-IL-18. O segundo sinal consiste no processamento proteolítico desses
precursores em suas formas reativas via caspase-1, a qual é ativada pelo inflamassoma.
Além disso, a ativação de caspase-1 também leva à morte celular por piroptose.
Até o momento, 4 inflamassomas foram identificados: NLRP1, NLRP3, NLRC4 e AIM2.
A formação dos inflamassomas NLRP1, NLRC4 e AIM2 é promovida por estímulos espe-
cíficos. NLRP1, que foi o primeiro inflamassoma a ser descrito, é ativado principalmente
pela toxina letal proveniente do Bacillus anthracis. Já o inflamassoma AIM2 é ativado
por fitas duplas de DNA de vírus e bactérias, enquanto o inflamassoma NLRC4 responde
à proteína bacteriana flagelina e PrgJ, um componente do sistema de secreção tipo III. O
inflamassoma NLRP3 é atualmente o mais bem caracterizado inflamassoma, o qual res-
ponde a inúmeros estímulos físicos e químicos. Dentre estes estímulos, podemos desta-
car: glicose e ATP extracelulares, cristais de urato monossódico (MSU), colesterol, sílica,
asbestos, sais de alumínio, hemozoína malarial, depósitos amilóides e ácidos graxos.
Considerando a diversidade química e estrutural dos ativadores do inflamassoma
NLRP3, é mais provável que a ativação do inflamassoma NLRP3 não ocorra via a ligação
direta com seus ativadores, e sim através de sinais intracelulares intermediários induzi-
dos por estes ativadores. Podemos citar como exemplos destes sinais intracelulares in-
termediários: o efluxo de potássio, formação de poros na membrana celular, o dano lisos-
somal, a elevação da produção de espécies reativas de oxigênio e o dano mitocondrial.
A ativação dos inflamassomas deve ser firmemente controlada, caso contrário have-
rá o estabelecimento de doenças autoinflamatórias, como por exemplo a febre mediter-
rânea. Portanto, os inflamassomas devem ser rapidamente ativados e serem capazes de
exercer sua atividade efetora de forma eficiente, mas deve em seguida ser regulado ne-
gativamente para se evitar danos colaterais desnecessários. A regulação negativa dos
inflamassomas pode ser feita através da indução da autofagia, produção de interferons
do tipo I e linfócitos T, microRNAs e produção de óxido nítrico.

22 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


SISTEMA IMUNOLÓGICO | Cap. 1

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2. IMUNIDADE
ADAPTATIVA

ALESSANDRA M. SIQUEIRA
PRISCILLA C. OLSEN
IMUNIDADE ADAPTATIVA | Cap. 2

2.1. Definição
A imunidade adaptativa ou adquirida, diferentemente da inata, apresenta reconheci-
mento específico de epítopos com distribuição mais restrita, podendo discernir porções
diferentes de uma mesma proteína, por exemplo. Além disso, a imunidade adaptativa
desenvolve memória de uma resposta ocorrida. Esta última característica viabiliza uma
resposta aumentada a cada exposição subsequente a uma determinada molécula. O sis-
tema imunológico adquirido é capaz de reconhecer e reagir a um grande número de subs-
tâncias, microbianas ou não, de forma mais específica que o sistema imunológico inato.
As substâncias que induzem uma resposta imunológica específica são chamadas de
antígenos, os quais são definidos como qualquer molécula que se liga a um anticorpo ou
a um receptor de célula T (TCR). O anticorpo liga-se a antígenos proteicos, lipídicos e po-
lissacarídeos, já o TCR liga-se somente a antígenos de origem proteica. O antígeno que
induz a resposta imunológica é denominado de imunógeno. Um imunógeno ou patógeno
pode ser formado por vários antígenos e cada antígeno pode conter vários epítopos, a
qual é uma porção específica do antígeno reconhecida pelos receptores da imunidade
adaptativa. Antígenos que contém apenas um epítopo, frequentemente, não são capa-
zes de promover uma resposta, a menos que estejam ligados a macromoléculas.

2.2. Evolução
Como vimos anteriormente, a imunidade inata é o mecanismo de defesa filogeneti-
camente mais antigo, existindo em todos os organismos multicelulares. Diferentemente

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 25
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

da inata, a imunidade adaptativa está presente a partir dos vertebrados mandibulados


sendo que os vertebrados não mandibulados não apresentam vestígio de imunidade
adaptativa.
A evolução da imunidade adaptativa parece ter sido possível devido a invasão de um
elemento de transposição carreando um gene semelhante ao gene de imunoglobulina.
Esse fenômeno pode ter gerado a habilidade de promover o rearranjo genético, confe-
rindo maior diversidade aos receptores dessa resposta. A persistência da imunidade
adaptativa sugeriu que tenha ocorrido uma seleção positiva nos organismos que faziam
rearranjo somático dos seus receptores.
Observou-se no fim do século XX que as enzimas recombinases denominadas RAG-1 e
RAG-2 participavam na recombinação de fragmentos de DNA, num processo semelhante
ao de transposição. Essas enzimas clivam os genes na região V(D)J e promovem a recom-
binação desses genes, favorecendo uma grande variabilidade nos receptores que par-
ticipam da imunidade adquirida. Esse processo será melhor detalhado posteriormente.

2.3. Inata x adquirida


É importante ressaltar que as respostas imunes adaptativas são, em sua maioria, de-
pendentes das células que participam da imunidade inata. Podemos pensar na resposta
imune adaptativa como um processo que ocorre após a resposta imune inata acentuan-
do os mecanismos de defesa da última.

2.4. Componentes celulares da imunidade adaptativa

2.4.1. Linfócito T
Os linfócitos T são as células que medeiam a resposta imune celular. Origi-
nam-se na medula óssea e amadurecem no timo, onde são selecionados com
base na sua habilidade de distinguir o que é próprio ou não próprio no hospedei-
ro. Os linfócitos T são células da imunidade adquirida que possuem receptores
membranares denominados TCR capazes de reconhecer peptídeos associados
à proteína de membrana denominada complexo principal de histocompatibi-
lidade (MHC) de uma célula (descrito posteriormente). Diferentemente dos
anticorpos, estas células não reconhecem antígenos solúveis. Cada linfócito
expressa um receptor de antígeno com especificidade diferente, o que pos-

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IMUNIDADE ADAPTATIVA | Cap. 2

sibilita o reconhecimento e resposta contra virtualmente qualquer antígeno.


Essa diversidade é conferida pelo rearranjo somático dos genes que geram o
receptor de célula T (TCR), realizado pelas recombinases RAG-1 e RAG-2. O TCR
reconhece em sua maioria antígenos proteicos que antes foram reconhecidos,
processados e apresentados como peptídeos, pelo MHC, expressos nas mem-
branas plasmáticas das células apresentadoras de antígenos (APC).
Os linfócitos T são constituídos, principalmente, por duas populações fun-
cionalmente distintas denominadas de linfócitos T CD4 auxiliar (ou helper) e
linfócitos T CD8 citotóxicos (CTL). As células TCD4+ são chamadas de auxiliares
(Th) porque regulam a resposta imune humoral e celular. Os linfócitos Th podem
ainda diferenciarem-se em Th1 e Th2 baseado nos seus perfis de expressão de
proteínas durante a fase de reconhecimento do antígeno. Mais recentemente
foram distinguidas novas subpopulações de células CD4 Th denominadas Th17.
Falaremos mais sobre a função destas células posteriormente.
Para melhor compreensão do reconhecimento dos antígenos pelas células T
falaremos um pouco sobre o complexo de histocompatibilidade principal.

2.4.1.1. MHC
O MHC é uma proteína heterodimérica expressa na membrana celular de todas as cé-
lulas nucleadas. Essas proteínas ligam-se aos antígenos proteicos presentes nas células
e os apresentam na membrana plasmática. O complexo MHC associado ao antígeno pode
ser reconhecido pelos receptores TCR das células T. Os MHCs são altamente variáveis,
ou seja, possuem grande polimorfismo. As moléculas de MHC podem ser do tipo clássico
ou não-clássico. Como as moléculas de MHC não-clássicas estão, em sua maioria, asso-
ciadas a função de células do sistema imune inato, neste capítulo abordaremos apenas
as moléculas de MHC clássicas. Há duas classes de MHC do tipo clássico: MHC de classe
I, que são reconhecidos pelos TCD8+, e são expressos em todas as células nucleadas, e o
MHC de classe II que são reconhecidos pelos TCD4+, e são expressos apenas nas células
apresentadoras de antígenos especializadas como as células dendríticas, os macrófa-
gos e os linfócitos B. Os MHC de classe II também podem ser encontrados em outros
tipos celulares, como células endoteliais e epiteliais do timo. Os detalhes sobre a forma-
ção da diversidade do MHC serão abordados posteriormente.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 27
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

2.4.1.2. Linfócito T CD4 auxiliar


O linfócito T CD4 foi denominado linfócito auxiliar, pois interage com
diversas células através da secreção de citocinas, orquestrando a res-
posta imune. Esse subgrupo de linfócitos pode ativar os macrófagos nas
respostas imunológicas mediadas por células e promovem a produção
de anticorpos, além de promover a ativação e/ou o recrutamento de de-
mais leucócitos.
Quando ativadas, as células T CD4 diferenciam-se em subgrupos de
células efetoras, os quais são distinguidos pelo perfil de citocinas que
expressam. Rotineiramente divide-se essa população entre células com
perfil Th1 e Th2. As células Th1 estão associadas com propriedades mi-
crobicidas de células fagocíticas, proteção contra patógenos intracelu-
lares e a indução da produção de anticorpos IgG pelos linfócitos B (Ig-
G2a). As células Th2 estimulam a resposta imunológica humoral através
da ativação de linfócitos B e, consequentemente da produção de diver-
sos isotipos de imunoglobulina (IgE, IgG1 e IgA). Além disso, tais células
promovem a proteção contra helmintos. Hoje se sabe que além desses
subgrupos existem também as células Th17, cuja função recém-estabe-
lecida é a proteção contra bactérias extracelulares. Devemos ressaltar
que a exacerbação da ação dessas células pode resultar numa resposta
danosa ao organismo como visto em patologias sistêmicas, na alergia, na
asma e nas doenças autoimunes.
Algumas células T CD4 não são auxiliares e estão envolvidas na
manutenção da tolerância imunológica e na regulação da resposta
imune, sendo chamadas de células T regulatórias, ou Tregs. As prin-
cipais populações de células T regulatórias estudadas são as Treg
naturais derivadas do timo (caracterizadas pela expressão de CD4+-
CD25+Foxp3+) e células Treg induzidas por antígeno na periferia,
produtoras de IL-10 e TGF-β (as quais podem ser Foxp3+ ou Foxp3-).
Estas citocinas são mediadores anti-inflamatórios capazes de inibir
a resposta celular de diversas células efetoras na inflamação, como
linfócitos T CD4 e células dendríticas. Além da produção de citocinas
anti-inflamatórias as Treg também induzem a supressão por contato
(engajamento de GITR) com as células inflamatórias, como linfócitos

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IMUNIDADE ADAPTATIVA | Cap. 2

e células dendríticas, através da expressão de moléculas inibitórias


como a CTLA-4 e a PD-1. Desta forma, as Treg modulam a ativação de
células do sistema imune inato (células NK e células dendríticas) e
adaptativo (TCD4, TCD8 e células B).

2.4.1.3. Linfócito T CD8 citotóxico


Os linfócitos T CD8 citotóxicos medeiam a defesa através de sua
ação direta em células alvo transformadas bem como em células infec-
tadas por vírus ou outros microrganismos intracelulares. Após o reco-
nhecimento do peptídeo via-MHC essas células são ativadas e podem
induzir a morte da célula infectada por dois mecanismos. O primeiro
mecanismo é a liberação direta de grânulos que contêm a proteína
formadora de poros, perforina, e também diversas proteases como
a granzima nas células alvo. A perforina, a qual não é uma protease,
pode se polimerizar na membrana lipídica da célula e formar poros nas
membranas plasmáticas e vesiculares. A granzima, por sua vez, cliva
proteoliticamente enzimas celulares chamadas de caspases, as quais
induzem uma cascata de ativação de demais caspases que culminam na
apoptose da célula. O segundo mecanismo é mediado pela via do ligan-
te de Fas (FasL)/Fas, o ligante FasL é expresso em células T CD8 ativa-
das e pode ligar-se ao Fas, uma proteína expressa em diversos tipos
celulares. Essa interação também culmina com a ativação de caspases
e a apoptose da célula alvo.

2.4.1.4. Células NKT


As células NKT são um subtipo de linfócitos T que têm característi-
cas funcionais semelhantes aos linfócitos T e também às células natural
killer. A maioria destas células expressa um TCR parcialmente variante
que reconhece antígenos glicolipídicos apresentados pela molécula
CD1d das APCs. Estas células se desenvolvem no timo e quando chegam
na periferia podem agir rapidamente liberando grande quantidade de ci-
tocinas como IL-4 e IFN-γ, influenciando o tipo e a magnitude da resposta
imunológica. Participam da resposta imune inata, por isso não serão dis-
cutidas a fundo neste capítulo.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 29
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

2.4.2. Linfócito B
Os linfócitos B originam-se e diferenciam-se na medula óssea. Estas
células são responsáveis pela resposta imune mediada por anticorpos,
também chamada de resposta imune humoral. Estas células reconhecem
o antígeno através de seu receptor específico denominado BCR ou imuno-
globulina (Ig) e, após a ativação são capazes de secretar estas imunoglo-
bulinas. As Ig secretadas terão diversas funções na resposta imunológica,
como neutralização, opsonização de antígenos, citotoxicidade celular de-
pendente de anticorpo e ativação do sistema complemento. Após intera-
ção específica via Ig com um antígeno, as células B podem fagocitá-lo e
apresentá-lo via MHC para as células T auxiliares, as quais irão liberar ci-
tocinas específicas que induzirão a ativação destas células. Após a ativa-
ção, estas células irão diferenciar-se em plasmócitos, células secretoras
de anticorpos. Além da recombinação somática do BCR, durante a matu-
ração do linfócito B ocorre, também, a mudança de isotipo e a maturação
da afinidade do anticorpo. Estes processos são induzidos pela interação
entre CD40L nas células T e CD40 nas células B e orquestrados por cito-
cinas produzidas pelas células Th e são uma característica específica da
resposta humoral.

2.4.2.1. Os anticorpos
Os anticorpos ou imunoglobulinas são constituídos de cadeia
leve e cadeia pesada. As cadeias pesadas são nomeadas pelas cin-
co letras gregas: α, δ, ε, γ e μ que correspondem aos cinco tipos de
anticorpos: IgA, IgD, IgE, IgG e IgM, respectivamente. Estes isotipos
ainda podem apresentar subtipos. Cada cadeia pesada possui dois
tipos de regiões: a constante que é semelhante em todos os anti-
corpos do mesmo isotipo e a variável, que é responsável pelo reco-
nhecimento dos antígenos. A cadeia leve também possui uma região
variável e constante. A região Fab é a região de ligação ao antígeno,
enquanto a região Fc, liga-se a receptores encontrados em diversas
células da resposta imune, permitindo a ativação das mesmas. Mais
detalhes sobre os anticorpos serão abordados posteriormente.

30 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


IMUNIDADE ADAPTATIVA | Cap. 2

2.5. Resposta Celular


A resposta imune celular é mediada pelos linfócitos T que são ativados após con-
tato com uma APC apresentando um antígeno específico para a sequência variável do
seu TCR. O TCR reconhece o complexo do peptídeo com o MHC da célula APC. Essa inte-
ração é mais provável de ocorrer nos linfonodos, local para onde ambos os tipos celulares
são atraídos. Uma vez que essas células T são ativadas, inicia-se a etapa de proliferação
e posterior migração para o local da inflamação através de gradientes com concentra-
ções crescentes de agentes quimioatractantes liberados no sítio inflamatório, por ou-
tras células inflamatórias, incluindo macrófagos e mastócitos. No sítio da inflamação,
as células T exercem suas funções efetoras como: a eliminação de patógenos intracelu-
lares em células fagocíticas, mediante liberação da citocina IFN-γ; indução da morte por
apoptose de células infectadas com microrganismos e, a ativação de demais leucócitos
numa determinada resposta a microrganismos extracelulares. Descreveremos a seguir
os detalhes desta resposta.

2.5.1. Reconhecimento do Antígeno


As células T que nunca encontraram um antígeno são chamadas de virgens
ou naive. Lembrando que cada célula T virgem carrega um tipo de TCR que re-
conhece um tipo de antígeno apresentado pelas APCs. Quando as APCs, princi-
palmente, as células dendríticas reconhecem algum antígeno, elas o fagocitam,
processam-no em peptídeos, dentro dos seus lisossomos, e os expõem através
do MHC de classe II. Após a fagocitose estas células se diferenciam de acordo
com os sinais que recebem. Estes sinais podem ser do próprio Ag, das citocinas
produzidas por diferentes tipos celulares ou por direta interação com linfóci-
tos T. Quando há reconhecimento de um antígeno pelas APCs nos tecidos, estas
o carregam para o linfonodo de drenagem mais próximo ao sítio de infecção.
Quando o antígeno é encontrado no sangue, este é levado pelas APCs para o
baço. Tanto os linfonodos quanto o baço são conhecidos como órgãos linfóides
secundários. Durante a migração para os órgãos linfoides secundários, as APCs
amadurecem, passando a expressar altos níveis de moléculas co-estimulató-
rias, e tornam-se APCs eficientes. No linfonodo estas células apresentam os
peptídeos associados ao MHC II para o linfócito TCD4+ específico para aquele
antígeno. Este é primeiro sinal para a ativação dos linfócitos T. Ao mesmo tem-

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

po em que o antígeno está sendo apresentado, ocorre a interação de moléculas


CD28 expressas em linfócitos com moléculas co-estimulatórias expressas em
APCs, tais como as proteínas B7-1 (CD80) e B7-2 (CD86), as quais são responsá-
veis por enviar o segundo sinal para a ativação da célula T.

2.5.2. Ativação das células T


A ligação do TCR e dos co-receptores aos peptídeos ligados ao MHC nas
células APCs inicia eventos de sinalização intracelulares que resultam na ativa-
ção de vários genes nas células T. A sinalização pode ser dividida em eventos de
membrana, vias de sinalização citoplasmática e transcrição nuclear de genes.
Os eventos de membrana se iniciam com a ligação do TCR ao complexo MHC-
-peptídeo resultando no agrupamento de co-receptores na mesma região da
membrana. Este evento leva à fosforilação de resíduos ITAM por cinases da fa-
mília Src, como a Lck, e ao consequente recrutamento e ativação das proteínas
cinases (enzimas que ajudam na fosforilação de resíduos de tirosina de várias
proteínas, no complexo do TCR). A enzima Lck está ligada na região citoplasmá-
tica dos co-receptores CD4 e CD8, os quais ligam em regiões não-polimórfcas
do MHC durante o reconhecimento antigênico. O alvo de ação das Lck são os
ITAMs presentes nas regiões citoplasmáticas das proteínas CD3 e ζ, que cons-
tituem o complexo do TCR. Os ITAMs fosforilados se tornam sítios de ligação
para a tirosina cinase ZAP-70, a qual também será fosforilada pela Lck se tor-
nando ativa. ZAP-70 pode fosforilar proteínas adaptadoras como a SLP-76 e
LAT. LAT fosforilada se liga na PLCg1 e recruta outras proteínas adaptadoras
como a própria SLP-76, GADS e Grb-2. Esta última recruta SOS, o qual catalisa
a troca de GTP/GDP na proteína Ras formando a Ras-GTP, que vai ativar uma
via de cinases chamada MAP, culminando na ativação da última cinase da via,
ERK . Grb-2 e SOS também ativam outra via de MAP cinase iniciada pela ativa-
ção de Rac, culminando na ativação da enzima JNK e p-38. A fosfolipase PLCg1
ativada será responsável pela degradação do fosfolipídeo de membrana PIP2 e
consequente formação de IP3 e DAG, os quais levam ao aumento de cálcio in-
tracelular e ativação de PKC, respectivamente. As vias de sinalização citoplas-
máticas finalmente acarretam na ativação das enzimas efetoras mencionadas
ERK, p-38, JNK e PKC e a calcineurina (ativada pelo aumento de cálcio intracelu-
lar). Estas, por sua vez, ativam vários fatores de transcrição como NFAT, NFκB
e AP-1 que aumentam a expressão de certos genes na célula T estimulada pelos

32 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


IMUNIDADE ADAPTATIVA | Cap. 2

antígenos, permitindo sua ativação, entrada no ciclo celular e consequente pro-


liferação, e diferenciação em células efetoras.

2.5.3. Mecanismos efetores das células T


As células T efetoras migram para os locais de infecção e são retidas nesses
locais onde podem interagir com fagócitos ou com células infectadas. Os me-
canismos efetores das células TCD4+ serão tratados a seguir, especialmente as
células Th1 e Th2 e também das células TCD8+.

2.5.3.1. Th1
Estimuladas por produtos microbianos, as APCs secretam citocinas,
tais como, a IL-12 e IFN-γ, que estimulam a diferenciação das células Th
em Th1. Os efetores Th1 produzem a citocina IFN- γ e passam a expres-
sar o ligante de CD40 (CD40L). O CD40L liga-se no CD40 presente nos
macrófagos. O IFN- γ ativa os macrófagos induzindo suas funções micro-
bicidas e aumentando sua produção de IL-12. A IL-12 estimula a produ-
ção de IL-2 pelo Th1. A IL-2 aumenta a proliferação das Th1, estimulando,
ainda mais os macrófagos a exercerem suas atividades microbicidas.
Outros mediadores derivados de macrófagos, tal como a IL-18, também
estimulam a produção do IFN- γ. Os macrófagos ativados fagocitam os
microrganismos ou células e sintetizam espécies reativas de oxigênio e
de óxido nítrico que destroem os microrganismos. Essas espécies reati-
vas podem ser liberadas eliminando os microrganismos extracelulares,
podendo causar lesão aos tecidos. Os macrófagos também participam
da manutenção da inflamação aguda atuando através da secreção de ou-
tras citocinas, principalmente IL-1, TNF, quimiocinas e mediadores lipídi-
cos. Estes mediadores inflamatórios auxiliam no recrutamento de mais
células inflamatórias e consequente exacerbação da resposta.

2.5.3.2. Th2
As células Th2 são as responsáveis pelas reações alérgicas e pelo
combate a infecções helmínticas, atuando através da liberação de ci-
tocinas como IL-4 e a IL-13, liberadas pelas células Th2, que induzem
a produção de anticorpos IgE para antígenos específicos, enquanto
a IL-5 leva à ativação e o recrutamento dos eosinófilos para o local

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

da inflamação. No caso de infecções helmínticas, IL-4 e IL-13 são res-


ponsáveis não apenas pela ativação da produção dos anticorpos IgE
helminto-específico, mas também pelo crescimento e ativação dos
próprios linfócitos T. A IL-5 é responsável pela ativação dos eosinófi-
los, que liberam proteínas dos seus grânulos que são tóxicas para os
parasitos.

2.5.3.3. Linfócitos TCD8+


O primeiro sinal para ativação das células TCD8+ virgem é o
reconhecimento do antígeno, que consiste em um peptídeo associa-
do à molécula do MHC de classe I, derivado de proteínas que foram
degradadas no citoplasma, este reconhecimento pode ocorrer em
todas as células nucleadas infectadas por microrganismos intracelu-
lares e células tumorais, já que estas passam a apresentar os antí-
genos estranhos ao do hospedeiro. O segundo sinal pode se dar pela
ligação da molécula B7 expressa nas APCs ou pelas Th1, que secretam
citocinas como IL-2 ou favorecem a capacidade das APCs em ativar
as TCD8+. A sinalização das células TCD8+ é semelhante à das células
TCD4+ mencionada anteriormente.
Como mencionado anteriormente, no ataque aos microrganismos,
as células TCD8+ liberam enzimas que destroem as células infectadas.
Primeiramente há a liberação das perforinas que produzem poros na cé-
lula-alvo e, em seguida, as granzimas, que penetram na célula–alvo pelos
referidos poros, ativando assim as enzimas intracelulares do tipo caspa-
ses. Estas são responsáveis por induzir a morte da célula-alvo através
de um mecanismo denominado de apoptose. As TCD8+ também utilizam
mecanismo alternativo para destruir as células que é através da expres-
são de uma proteína de membrana, conhecida como ligante de Fas (FasL)
na célula alvo resultando em apoptose. As TCD8+ podem ativar os macró-
fagos pelos mesmos mecanismos que as Th1.

34 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


IMUNIDADE ADAPTATIVA | Cap. 2

Fig. 2.1 Desenho esquemático das fases da resposta mediada por células.

2.5.3.4. Formação das células de memória


As células T que se destinam às de “memória”, adquirem fenótipo carac-
terístico, saindo progressivamente do ciclo celular e retornando ao estado
de repouso. As células T virgens, preferencialmente recirculam pelos órgãos
linfoides secundários, enquanto as de memória e efetoras “patrulham” os te-
cidos periféricos e entram novamente no sangue via vasos linfáticos aferen-
tes. As células de memória são linfócitos antígeno-específicos de longa vida
que foram diferenciados durante a resposta primária contra um antígeno e
persistem no indivíduo podendo participar de resposta secundária (ou ter-
ciária, quaternária, etc.), caso ocorra novo contato com o antígeno. Tanto os
linfócitos T CD4 quanto os CD8 podem se diferenciar em células de memó-
ria, as quais terão fenótipo mais semelhante às células efetoras ativadas do
que às células virgens, mas precisarão ser re-estimuladas antes de atuarem
como efetoras. Após o re-estímulo antigênico, as células de memória serão

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

mais sensíveis e responderão de forma mais rápida e mais intensa do que


as células virgens. As células T virgens que foram ativadas podem se dife-
renciar em dois tipos de células de memória, as quais apresentam estado de
ativação distinto, sendo elas chamadas de células de memória efetoras (TEM)
e células de memória central (TCM). As células TEM podem rapidamente se di-
ferenciar em células efetoras. O perfil de receptores de quimiocinas e inte-
grinas expresso pelas TEM sugere que estas células sejam especializadas em
entrar nos tecidos inflamados. Além de migrar para os sítios inflamatórios,
as TEM podem residir em diversos tecidos não-linfoides, incluindo intestino
delgado, pele, cérebro, pulmão e glândulas salivares. Nestes sítios, as TEM
podem vir a responder de forma rápida e eficiente contra um antígeno que
já havia induzido sua diferenciação numa resposta primária anterior. As TCM
demoram mais a se diferenciar em células efetoras e são capazes de recircu-
lar pelos órgãos linfoides periféricos.

2.6. Resposta humoral


Os anticorpos produzidos pelos linfócitos B contra antígenos microbianos são
extremamente eficientes na defesa contra os microrganismos extracelulares, no en-
tanto os microrganismos intracelulares ficam protegidos da ação desses anticorpos na
maioria do tempo, já que sua disseminação muitas vezes ocorre pelo fluído extracelular.
Sendo assim pode-se inferir que a resposta humoral ocorra para antígenos que estejam
no espaço extracelular. A ativação dos linfócitos B e sua diferenciação em plasmócitos
são induzidas pelo reconhecimento do antígeno e depende das células Th.

2.6.1. Reconhecimento dos antígenos


O complexo do receptor de antígeno dos linfócitos B é composto de imunoglo-
bulinas de membrana como IgM ou IgD, e moléculas acessórias Igα e Igβ. Quando
o BCR liga-se ao antígeno, este sofre agregação para fixação do antígeno, interna-
lização do mesmo em vesículas endossômicas e, se for uma proteína, degradação
em peptídeos e apresentação na superfície das células B, pelo MHC II, com conse-
quente reconhecimento por células TCD4+ auxiliares. Quando a origem do antígeno
é polissacarídica, glicolipídica ou de ácidos nucleicos, a ativação dos linfócitos B
é independente dos Th. Estes antígenos são constituídos por múltiplos epítopos
idênticos, correspondendo a um sítio polivalente em cada molécula. Desta for-

36 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


IMUNIDADE ADAPTATIVA | Cap. 2

ma, esses antígenos estabelecem eficazmente uma agregação de receptores de


antígeno das células B, permitindo a transdução de sinais para ativação celular.
Estes antígenos não são processados, nem apresentados por moléculas do MHC
às células T auxiliares. Em geral os anticorpos produzidos são de baixa afinidade.
Os eventos de ativação e ciclo celular são os mesmos da produção de anticorpos
dependente das células T. As moléculas co-receptoras B7-2 e o B7-1 nos linfócitos
B ligam-se ao CD28 nas células T, que passam a expressar o CD40L. A interação
CD40-CD40L estimula a proliferação e estimulação das células B, aumenta a ex-
pressão de B7 das células B, ativando as células T, que passam a secretar citocinas
como a IL-2, IL-4 e IL-5. Desta forma, os linfócitos B proliferam e se diferenciam em
plasmócitos, ou seja, mudam a expressão de Ig de membrana para Ig secretada.

2.6.2. Ativação dos linfócitos B


As Igα e Igβ, que apresentam regiões citoplasmáticas contendo domínios do tipo
motivos de ativação do imunorreceptor baseado em tirosina (ITAMs), encontram-se
associadas à Ig de membrana formando o complexo do receptor de Ag de linfócitos
B. Quando ocorre a ligação do antígeno na Ig de membrana, a tirosina dos ITAMs nas
Igα e Igβ são fosforiladas pela ação das proteínas Lyn, Blk, ou Fyn que estão associa-
das ao complexo receptor de antígeno. Esse evento leva ao ancoramento da Syk nos
ITAMs da Igα e Igβ. A Syk (e outras tirosinas cinases associadas) fosforilam e ativam
várias moléculas de sinalização, consecutivamente, como a fosfolipase C1, que cliva
o bifosfato de fosfatidilinositol (PIP2) em trifosfato de inositol (PIP3) e diacilglicerol
(DAG). O PIP3 mobiliza Ca2+ das reservas intracelulares induzindo seu aumento no ci-
toplasma, o que leva à translocação de algumas formas de proteínas cinases para a
membrana plasmática, onde são ativadas pelo DAG. A Ras também é ativada por fos-
forilação, induzindo a ativação das proteínas cinases ativadas por mitógeno (MAPK).
As cascatas de sinalização culminam na ativação de fatores de transcrição como Fos,
NFκ-B, Myc e outros, que induzem a expressão de genes cujos produtos são necessá-
rios para ativação funcional das células B.
A resposta do linfócito B desenvolvida contra um microrganismo pode ser au-
mentada pela ligação de uma proteína do complemento, que está recobrindo o
microrganismo, no receptor de complemento, no mesmo momento que ocorre a
ligação do microrganismo ao BCR. O sistema complemento é composto de pro-
teínas plasmáticas que são ativadas tanto pela ligação do complexo antígeno-an-

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 37
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

ticorpo, ou pela ligação direta a alguns polissacarídeos ou ainda na superfície de


microrganismos. O principal componente desse sistema é a proteína C3b que se
liga ao microrganismo ou ao complexo antígeno-anticorpo. Os linfócitos B pos-
suem receptores para a proteína C3b, o CD21 ou CR2. O CD21 forma um complexo
receptor com as proteínas CD19 e a CD81 presentes nas células B. A ligação do
CD40 e de citocinas induzem o processo de ativação das células B que expres-
sam IgM e IgD, fazendo com que algumas dessas entrem num processo de troca
de cadeia pesada, levando à produção de anticorpos de diferentes classes como
α, ε e γ. Após alguns dias da exposição ao antígeno T dependente, algumas célu-
las B ativadas migram para o centro germinativo, os quais ocorrem dentro dos
folículos dos órgãos linfoides secundários, onde células dendríticas foliculares
secretam fatores quimiotáticos para o linfócito B. Dentro dos centros germina-
tivos, as células B ativadas, chamadas centroblastos, proliferam rapidamente,
gerando células filhas (centrócitos). As células que possuem maior afinidade
pelo antígeno exposto pelas células dendríticas foliculares recebem o sinal de
sobrevivência, permanecem no centro germinativo e continuam a maturar até se
transformarem em plasmócitos de vida longa e células de memória.

Fig. 2.2 Desenho esquemático das fases de ativação dos linfócitos B.

38 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


IMUNIDADE ADAPTATIVA | Cap. 2

A maioria dos plasmócitos de vida longa reside dentro da medula óssea, e


provavelmente representa a segunda ou terceira geração de descendentes dos
centrócitos no centro germinativo. A qualidade e quantidade da população de
plasmócitos dependem do tipo de ativação das células B, dependendo também
das interações entre os primeiros estágios de desenvolvimento da resposta e
regulação no centro germinativo. Plasmócitos podem ser originados a partir de
células B de memória e podem persistir por um longo período de tempo na au-
sência de estimulação contínua dos antígenos.

2.6.3. Mecanismos efetores dos linfócitos B


Os anticorpos liberados pelos plasmócitos entram na circulação sanguínea
e chegam ao sítio de infecção onde neutralizam os microrganismos ou as toxi-
nas e, consequentemente, os efeitos deletérios da infecção, interferindo com
a capacidade dos mesmos de interagir com os receptores celulares. A maioria
dos anticorpos neutralizantes é composta por IgG no sangue e IgA nas muco-
sas. Os anticorpos IgG também recobrem, ou seja, opsonizam os microrganis-
mos facilitando a fagocitose pelos macrófagos e neutrófilos, que possuem re-
ceptores para a porção Fc desses anticorpos.

2.7. Principais características da resposta imunológica adquirida

2.7.1. Especificidade e diversidade


As respostas da imunidade adquirida são extremamente específicas
para cada antígeno, inclusive os receptores das células T e B podem reconhecer
diferentes regiões da mesma molécula. A variabilidade da região dos recepto-
res que se liga aos antígenos leva a uma grande diversidade de reconhecimen-
to. Os variados receptores TCR e BCR possuem afinidade para um número mui-
to grande de moléculas e são formados antes mesmo do organismo entrar em
contato com o antígeno. Vamos discutir abaixo a geração de diversidade das
principais proteínas relacionadas a resposta imunológica adaptativa e como
esta variabilidade é importante na resposta contra os diversos patógenos.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

2.7.2. Geração da especificidade e diversidade

2.7.2.1. Diversidade do MHC


Como comentado anteriormente, o MHC é uma proteína heterodimé-
rica de membrana codificada por genes em um locus chamado de MHC,
que se liga a peptídeos especificamente e os expõem na superfície das
células. As proteínas de MHC são estruturalmente e funcionalmente di-
vididas em duas classes, classe I e classe II, e estão expressas de forma
diferenciada nas células do organismo. MHC de classe I estão presentes
na maioria das células nucleadas e as de classe II estão presentes em
células apresentadoras de antígenos (macrófagos, células dendríticas,
linfócitos B), sendo também expressas, em algumas espécies, por célu-
las T ativadas e células endoteliais. A principal diferença estrutural entre
essas moléculas se deve ao fato da molécula de MHC de classe II possuir
duas cadeias polipeptídicas transmembranares, α e β, cada uma delas
apresentando dois domínios associados de modo não covalente à mem-
brana celular. A molécula de MHC de classe I é formada por uma única
cadeia polipeptídica polimórfica transmembranar, à qual está associada
a molécula β2-microglobulina, não polimórfica (Fig. 2.3). As proteínas de
MHC de classe I geralmente associam-se e apresentam peptídeos deri-
vados do citoplasma, enquanto as moléculas de MHC de classe II ligam-
se a peptídeos que se encontram dentro de vesículas intracelulares. A di-
ferença estrutural também influencia no reconhecimento por diferentes
células T, já que o receptor CD4 se liga à região β2 do MHC de classe II e o
receptor CD8 se liga à cadeia α3 do MHC de classe I.
O MHC apresenta grande variabilidade devido a três características
relacionadas a este grupo gênico. A primeira característica diz respeito
à poligenia, a qual indica que existe uma variedade de genes de MHC de
classe I e de classe II, permitindo que cada indivíduo tenha um conjunto de
moléculas de MHC com diferentes especificidades de ligação de peptí-
deo. A segunda característica seria o polimorfismo, o que significa que há
uma grande variação do locus gênico entre indivíduos da mesma espécie,
e consequentemente do seu produto proteico. Os genes variantes que
ocupam um dado locus são chamados alelos. Há mais de 200 alelos de

40 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


IMUNIDADE ADAPTATIVA | Cap. 2

alguns genes humanos codificando MHC de classe I e de classe II, estando


cada alelo presente com uma frequência relativamente alta dentro da
população. Portanto, há uma chance pequena de que o locus correspon-
dente ao MHC nos dois cromossomos homólogos de um indivíduo tenha
o mesmo alelo. Assim, a maioria dos indivíduos é heterozigoto para os loci
de MHC. Outra característica que favorece essa variabilidade diz respeito
ao efeito de co-dominância, os produtos proteicos de ambos os alelos de
um locus são expressos na célula de um indivíduo. A herança de um alelo
do pai e outro da mãe no indivíduo, leva a quatro possíveis combinações de
haplótipos que podem ser encontrados na progênie.
Portanto essas três características em conjunto geram a enorme di-
versidade dessas moléculas.

Fig. 2.3 Esquema representativo da estrutura das moléculas de MHC de classe I e de classe II.

2.7.2.2. Diversidade da Ig
As características estruturais básicas dos anticorpos são semelhan-
tes, já que os anticorpos são formados por duas cadeias leves e duas
cadeias pesadas que se associam de forma simétrica. Uma cadeia pe-
sada se liga a outra pesada por pontes dissulfeto e as cadeias leves se
ligam cada uma em uma cadeia pesada da mesma forma. As Ig secreta-
das podem se polimerizar formando dímeros (IgA) ou pentâmeros (IgM),
aumentando os sítios de interação com antígenos polivalentes (apre-
sentam epítopos repetitivos). Tanto as cadeias pesadas quanto as leves

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

possuem uma região amino-terminal variável, chamada de região V e


uma região carboxi-terminal constante chamada de região C. As cadeias
leves e pesadas possuem apenas um domínio de região variável, local
onde ocorre a ligação com os antígenos. A região constante na cadeia
leve possui apenas um domínio, enquanto a pesada possui de três a qua-
tro domínios dependendo do isotipo. Entre os domínios 1 e 2 da cadeia
pesada há uma região chamada de hinge ou dobradiça a qual confere
maleabilidade a proteína. A clivagem da proteína na região da dobradiça
leva à região Fab, onde situa-se o local onde ocorre a ligação ao antígeno
e a região Fc, que confere a funcionalidade da molécula.
A variabilidade da região V das cadeias leves e constantes está princi-
palmente localizada em três regiões hipervariáveis denominadas de CDRs
(Regiões Determinantes de Complementaridade) que contém aproximada-
mente 10 aminoácidos e são intercaladas por regiões extremamente con-
servadas. Essas regiões hipervariáveis são complementares ao antígeno.
Os anticorpos são divididos em classes e sub-classes de acordo com
as diferentes estruturas de Fc, o que confere a cada um, função efetora
diferente. Algumas células possuem receptores específicos para um
tipo de Fc, determinando onde cada anticorpo se liga. As IgD e as IgM são
expressas na membrana de células B ainda inativas. Após a ativação, a
célula pode secretar a IgM ou serem estimuladas a trocar de classe, pas-
sando a expressar IgG, IgA ou IgE. A IgM é secretada na forma pentamérica
e não se liga a receptor de outras células, atuando principalmente na liga-
ção aos microrganismos e ativação da cascata do complemento. A IgA se-
cretada tem sua principal função na imunidade das mucosas, pois sua for-
ma secretada dimérica interage com receptores na mucosa intestinal que
fazem seu transporte para o lúmen do intestino. A IgE secretada permane-
ce como monômero e liga-se a receptores FcRε de células inflamatórias.
O antígeno associado a este anticorpo que está ligado ao receptor de Fc
de mastócitos ou basófilos, por exemplo, desencadeia a ativação celular
com consequente liberação de grânulos citoplasmáticos destas células. A
IgE está associada à eliminação de helmintos e às reações de hipersensi-
bilidade imediata. A IgG secretada é a imunoglobulina em maior proporção
no soro humano sendo dividida em quatro subclasses de Ig. Suas funções

42 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


IMUNIDADE ADAPTATIVA | Cap. 2

são principalmente opsonização do antígeno, ativação do sistema comple-


mento e a citotoxicidade dependente de anticorpo.
Podem ocorrer mudanças na estrutura dos anticorpos fabricados por
um clone de células B durante a maturação da célula e mesmo após o re-
conhecimento do antígeno. Inicialmente as Ig produzidas encontram-se
na forma membranar, porém ocorrem alterações na região carboxiter-
minal da cadeia pesada que permitem que a proteína seja secretada. As
recombinações dos genes VDJ da cadeia pesada e VJ da cadeia leve, pro-
movida pelas recombinases RAG formam as regiões hipervariáveis CDR
de reconhecimento do antígeno.
Após o reconhecimento do antígeno as citocinas do microambiente
podem induzir os linfócitos B a mudarem o isotipo do anticorpo, alteran-
do a região C expressa e a função do novo anticorpo.
Podem ocorrer também mutações pontuais nas regiões V de um an-
ticorpo específico podendo gerar moléculas de maior afinidade com o
antígeno, esse processo é conhecido como maturação de afinidade.

Fig. 2.4 Esquema representativo da estrutura das moléculas de imunoglobulinas.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 43
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

2.7.2.3. Diversidade do TCR


O receptor de antígenos da célula T, denominado de TCR, é um hete-
rodímero formado por duas cadeias polipeptídicas transmembranares
ligadas de forma covalente. O TCR pode ser formado pelas cadeias α e β
ou pelas cadeias γ e δ, porém estes últimos são encontrados em uma pe-
quena subpopulação de linfócitos. Cada cadeia possui um domínio V, va-
riável e um domínio C, constante. Na região V de cada cadeia α e β há três
regiões CDR formando o local onde ocorre o reconhecimento específico
do complexo peptídeo-MHC.
As cadeias α e β do TCR sofrem rearranjo somático durante a
maturação do linfócito T, nas sequências gênicas V e J e em V, D e J,
respectivamente. Esse processo é dependente da atividade das enzimas
RAG. Diferentemente dos receptores das células B, os TCR não sofrem
mudanças após a ativação celular.

Fig. 2.5 Esquema representativo da estrutura das moléculas de imunoglobulinas.

2.7.3. Memória
As células da imunidade adquirida possuem a vantagem de armazenar uma
“memória” do peptídeo que foi reconhecido. Esse processo ocorre porque cada

44 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


IMUNIDADE ADAPTATIVA | Cap. 2

linfócito é ativado após o reconhecimento antigênico, entra em proliferação


aumentando o número de clones responsivos ao antígeno e gera linfócitos
efetores, expressando receptores que o endereçam ao local de inflamação, e
de memória. Estas são menos ativas e ficando quiescentes por muito tempo,
meses ou anos. A população de linfócitos de memória é mantida devido a uma
baixa taxa de proliferação, que aparentemente não é estimulada pelo antígeno,
e também pela redução da morte dessas células. Alguns estudos demonstram
que a sobrevida e pequena proliferação das células de memória são estimula-
das pelas citocinas IL-7 e IL-15, as quais induzem o aumento da expressão de
proteínas antiapoptóticas. Um clone de linfócitos de memória pode estar em
uma concentração 10-100 vezes maior do que o clone de células virgens que
existia antes do reconhecimento antigênico, permitindo uma resposta secun-
dária mais robusta do que a primária.
O fenótipo das células de memória é diferente do fenótipo de células vir-
gens e de efetoras, permitindo sua distinção. Os linfócitos T de memória ex-
pressam receptores de superfície que promovem sua migração para os sítios
de inflamação, diferente das células virgens que geralmente não são endereça-
das para esses sítios. Os linfócitos B virgens expressam IgM e IgD, os linfócitos
B de memória, que já passaram pela resposta humoral, geralmente expressam
outras classes de Ig como a IgG, IgE ou IgA, como resultado da troca de isoti-
po. Tanto a troca de isotipo quanto a maturação de afinidade dos anticorpos
estão geralmente associados a uma reposta dependente de células T contra
antígenos proteicos. Algumas células B de memória podem residir no órgão
linfoide onde são geradas, enquanto outras podem recircular entre o sangue e
os órgãos linfoides. A ativação de células B de memória culmina na produção
de grande quantidade de anticorpo que apresenta alta afinidade ao antígeno e
com isotipo trocado.
As células T de memória podem ser rapidamente ativadas por uma APC
apresentando o antígeno específico, diferenciando-se em células efetoras
sem a necessidade de co-estímulo (como mencionado no item 2.5.3.4). Alguns
estudos demonstraram que nas células de memória os genes para citocinas e
outras moléculas efetoras como perforina ficam em estado acessível aos fato-
res de transcrição, permitindo uma resposta efetora rápida. Estas caracterís-
ticas garantem uma resposta rápida e eficiente (os anticorpos já serão de alta

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 45
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

afinidade para o antígeno) na condição de um segundo contato com o mesmo


antígeno.
A capacidade de ter uma “memória” da resposta anterior torna a imunidade
adaptativa singular. As células de memória são uma excelente defesa contra
patógenos prevalentes no ambiente e que são encontrados repetitivamente.
Neste sentido, vale ressaltar que a vacinação contra diversos patógenos tem
sido muito eficaz para proteção da população, já que induz a formação de cé-
lulas de memória proporcionando uma resposta efetiva quando o paciente en-
contrar o patógeno.

2.7.4. Tolerância a antígenos próprios


Uma das principais características do sistema imune é a capacidade de
reconhecer uma grande variedade de antígenos não-próprios ou estranhos, e
montar uma resposta contra estes culminando na sua eliminação e ao mesmo
tempo não responder contra peptídeos próprios. A ausência de reconhecimen-
to de peptídeos próprios é denominada tolerância e existem diversos meca-
nismos regulatórios que promovem a auto-tolerância. Os linfócitos virgens
passam por seleções na medula óssea (linfócitos B) ou no timo (linfócitos T),
onde as células com receptores que possuam afinidade muito elevada ou muito
reduzida a antígenos próprios são eliminados. Dessa forma os linfócitos auto-
-reativos são eliminados ou mudam sua especificidade antes de saírem do sítio
de maturação. Qualquer anormalidade na manutenção dessa regulação leva
a respostas imunológicas contra peptídeos próprios que podem evoluir para
danos teciduais e patologias conhecidas como doenças autoimunes.

2.8. Regulação
Até então retratamos como é disparada a resposta imunológica contra um antígeno e
como ocorre um processo inflamatório, resumidamente podemos dizer que ocorre o re-
conhecimento específico do antígeno, a ativação e proliferação de células inflamatórias,
a migração direcionada ao sítio inflamatório e a função efetora das células da imunidade
adaptativa. Mas, o que ocorre com essas células após a eliminação do antígeno?! Exis-
tem mecanismos de regulação que impedem a proliferação descontrolada das células in-
flamatórias, dentre eles podemos citar o mais importante que seria a atividade da célula

46 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


IMUNIDADE ADAPTATIVA | Cap. 2

T regulatória, mais conhecida como Treg. Há duas populações mais estudadas de células
Treg: as Treg originadas no timo durante a maturação dos linfócitos são chamadas de
Treg naturais ou nTreg e as Treg diferenciadas na periferia através de estímulo antigê-
nico são denominadas induzidas ou iTreg. As nTreg se diferenciam a partir de timócitos
que reconhecem um auto-antígeno com grande afinidade, sendo capazes de controlar
respostas autoimunes na periferia. Já as iTreg se diferenciam na periferia dependendo
do microambiente e são importantes também na tolerância a antígenos não-próprios.
Outras células que produzem citocinas inibitórias podem agir como regulatórias, incluin-
do alguns subtipos de células T CD8, células NK, células T gδ, células B, mastócitos e al-
gumas APCs.
Trabalhos recentes divergem quanto ao modo de ação dessas células, alguns suge-
rem que a ação seja promovida pelo contato com a célula efetora através de moléculas
inibitórias como CTLA-4 e PD-1. Outros propõem que a ação seja mediada pela liberação
de citocinas anti-inflamatórias como a IL-10 e o TGF-β. No entanto, sabe-se que elas par-
ticipam ativamente da resolução da resposta inflamatória. Inibindo de diferentes for-
mas a função de células T efetoras, APCs e células da imunidade inata.
É importante ressaltar que além de reduzir a resposta inflamatória, as células
regulatórias têm relevante papel na manutenção da tolerância periférica, impedindo
reações exacerbadas contra moléculas inócuas (ex: ácaro, poeira, alimentos que passam
pelo trato digestivo) e também no controle na autoimunidade, impedindo a resposta
imunológica contra antígenos próprios.

2.9. Falhas na resposta


A resposta imunológica é extremamente regulada, porém qualquer alteração no pro-
cesso de maturação, seleção, reconhecimento de antígeno, ativação, proliferação, mi-
gração e função efetora pode levar a uma falha na resposta antigênica. Muitas dessas
falhas são associadas a patologias conhecidas. Sabemos, por exemplo, que uma anorma-
lidade na maturação dos linfócitos, devido à mutação no gene das proteínas RAG, leva a
uma alta susceptibilidade a infecções. A exacerbação da resposta imunológica acarreta
dano ao tecido do hospedeiro e a falha na seleção clonal promove a geração de doenças
autoimunes.

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3. INFLAMAÇÃO
AGUDA

KELLY G. MAGALHÃES
INFLAMAÇÃO AGUDA | Cap. 3

A inflamação é uma resposta do organismo que ocorre em tecidos vascularizados


contra estímulos de natureza diversa. A inflamação tem três papéis fundamentais no
combate à agressão. O primeiro é o de recrutar para o sítio da lesão células efetoras (leu-
cócitos) e moléculas pró-inflamatórias para eliminar o agente agressor. O segundo é o
de limitar a área que sofreu a agressão, na forma de coagulação microvascular, para pre-
venir o comprometimento de outros tecidos. O terceiro papel é o de promover o reparo
dos tecidos danificados. Portanto, a inflamação é uma reação dos tecidos que consiste
principalmente em respostas dos vasos sanguíneos e leucócitos.
As reações vasculares e celulares da inflamação são orquestradas por moléculas pró-
-inflamatórias que determinam o padrão de resposta tecidual o que influencia na gravi-
dade e manifestações clínicas e patológicas. Por conta disso, há dois padrões básicos do
processo inflamatório:
- Inflamação aguda, de curta duração;
- Inflamação crônica, de duração mais longa.

3.1. Bases da inflamação aguda


A inflamação aguda consiste em um processo dinâmico que ocorre em curta duração,
durando horas ou alguns poucos dias. Vários fatores podem condicionar o tipo de lesão
do processo inflamatório, como por exemplo: tipo de agressor, tempo de atuação, inten-
sidade da resposta inflamatória, e do tecido ou órgão afetado.
Uma das causas mais comuns de inflamação é a infecção microbial. Porém existem
outros fatores bem comuns que podem levar a respostas inflamatórias severas, como:

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

reações de hipersensibilidade, agentes físicos e substâncias químicas irritantes ou cor-


rosivas. Por conta disso, pode ser observado que a resposta inflamatória em seus even-
tos iniciais mostra-se inespecífica.
Portanto, existem alguns fenômenos básicos que independem do agente inflamató-
rio e que caracterizam a inflamação do tipo aguda em fases. Abaixo são apontadas cin-
co fases do processo inflamatório agudo, que estão separadas dessa forma apenas por
uma questão didática, pois eles ocorrem concomitantemente. São eles:
• Fase irritativa: modificações morfológicas e funcionais dos tecidos agredidos
que promovem a liberação de mediadores inflamatórios que são desencadean-
tes das demais fases inflamatórias.

• Fase vascular: alterações hemodinâmicas da circulação e de permeabilidade vas-


cular no local da agressão.

• Fase exsudativa: característica do processo inflamatório, esse fenômeno com-


põe-se de exsudato celular e plasmático oriundo do aumento da permeabilidade
vascular.

• Fase degenerativa-necrótica: composta por células com alterações degenerati-


vas reversíveis ou não (neste caso, originando um material necrótico), derivadas
da ação direta do agente agressor ou das modificações funcionais e anatômicas
consequentes das três fases anteriores.

• Fase produtiva-reparativa: relacionada à característica de hipermetria da inflama-


ção, ou seja, exprime os aumentos de quantidade dos elementos teciduais, princi-
palmente de células, e é resultado das fases anteriores. Essa hipermetria da rea-
ção inflamatória visa destruir o agente agressor e reparar o tecido injuriado.

3.2. Sinais cardinais da inflamação aguda


Existem cinco sinais, intitulados sinais cardinais, que caracterizam o processo infla-
matório agudo. São eles tumor, calor, rubor, dor e perda da função.
1) O tumor é causado principalmente pela fase exsudativa e produtiva-reparativa,
representadas pelo aumento de líquido (edema inflamatório) no espaço extra-
vascular, e pela massa física de células inflamatórias que migram para o tecido
inflamado.

2) O calor é oriundo da fase vascular, em que se tem hiperemia arterial devido ao


fluxo de sangue no local, resultando em vasodilatação e, consequentemente,

50 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


INFLAMAÇÃO AGUDA | Cap. 3

aumento da temperatura local. Febre sistêmica, a qual resulta de alguns media-


dores inflamatórios, também contribuem para a temperatura local.

3) O rubor ou vermelhidão também é decorrente da dilatação de pequenos vasos


dentro da área inflamada.

4) A dor, por sua vez, é originada de mecanismos mais complexos que incluem es-
timulação das fibras nervosas locais por mediadores derivados do exsudato
plasmático e de células. Portanto, engloba pelo menos três fases da inflamação
(irritativa, vascular e exsudativa). Alguns dos mediadores químicos da inflama-
ção aguda, incluindo bradicinina, prostaglandinas e serotonina, são conhecidos
indutores de dor.

5) A perda de função, por fim, é decorrente da somatório de todos os sinais. O tu-


mor principalmente em articulações impede a movimentação e imobilizando o
tecido, e a própria dor, dificultando as atividades locais.

3.3. Eventos da inflamação aguda


A inflamação aguda se caracteriza principalmente por alterações vasculares (aumen-
to do fluxo sanguíneo devido à vasodilatação na área da injúria), edema (aumento da per-
meabilidade capilar, o que permite um maior movimento de fluído e proteínas sanguíne-
as para o espaço intersticial) e infiltrado inflamatório constituído predominantemente
por polimorfonucleares (processo que envolve, sequencialmente, marginação, rolamen-
to, adesão e diapedese de leucócitos).

3.3.1. Alterações vasculares


A fase inicial de constrição arteriolar é transiente e provavelmente de
pouca importância na inflamação aguda. A fase subsequente, a vasodilatação
(hiperemia ativa), pode durar de 15 minutos a horas, dependendo da severida-
de da injúria. Evidências experimentais demonstram que o fluxo de sangue
na área inflamada aumenta em 10 vezes. Quando o fluxo de sangue começa
a diminuir novamente, células sanguíneas começam a se localizar preferen-
cialmente na zona plasmática da parede vascular. Isso facilita a adesão de
leucócitos ao epitélio vascular, o qual é o primeiro passo para a migração de
leucócitos para o espaço extravascular. Além disso, a diminuição do fluxo san-
guíneo, a qual segue a fase de hiperemia, é devido ao aumento da permea-
bilidade vascular, permitindo que o plasma escape para os tecidos enquanto

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 51
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

as células sanguíneas estão mais retidas dentro dos vasos. A viscosidade do


sangue é, portanto, alterada.
Mastócitos, uma das células residentes no tecido, também exercem um
importante papel na vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular na
inflamação aguda. Uma vez estimulado, o mastócito desgranula, liberando seus
grânulos citoplasmáticos contendo, entre outras substâncias, a histamina, um
potente indutor de vasodilatação.
Outro ponto importante no que diz respeito às alterações vasculares nos
processos inflamatórios agudos, é que elas são mediadas também pela libera-
ção de óxido nítrico (NO) proveniente das células endoteliais. O NO tem duas
principais funções: potente indutor de vasodilatação que tem papel fundamen-
tal no processo inflamatório, e a como agente citotóxico, contra microrganis-
mos. Além disso, o NO também interfere no processo inflamatório agudo por
inibição da adesão/agregação plaquetária e a adesão leucocitária.

3.3.2. Edema
Consiste no acúmulo de líquido rico em proteínas plasmáticas no interstí-
cio ou nas cavidades do corpo. O aumento da permeabilidade vascular leva à
constituição de edema (presença de líquido no espaço extravascular). O edema
é originado pelo desequilíbrio entre os fatores que atuam na dinâmica entre o
líquido intersticial e o ambiente intravascular. Esses fatores compreendem a
pressão hidrostática (sanguínea e intersticial), a pressão oncótica (sanguínea e
intersticial) e os vasos linfáticos (Fig. 3.1).
1) Pressão hidrostática sanguínea: quando essa pressão aumenta, ocorre
saída excessiva de líquido do vaso, situação comum em estados de hipertensão
e drenagem venosa defeituosa (por exemplo, em casos de varizes, insuficiência
cardíaca).
2) Pressão hidrostática intersticial: se diminuída essa força, o líquido não re-
torna para o meio intravascular, acumulando-se no tecido.
3) Pressão oncótica sanguínea: a redução da pressão oncótica impede o
deslocamento do líquido do meio intersticial para o interior do vaso.
4) Pressão oncótica intersticial: um aumento da quantidade de proteínas no
interstício favorece a retenção de líquido nesse local. Além disso, o aumento
dessa força contribui para a dificuldade de drenagem linfática na região.

52 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


INFLAMAÇÃO AGUDA | Cap. 3

5) Vasos linfáticos: são responsáveis pela drenagem de líquido no interstí-


cio. Caso a drenagem linfática mostre-se comprometida, haverá o surgimento
do edema. Um exemplo patológico que revela a contribuição dos vasos linfáti-
cos na formação do edema é a elefantíase (doença causada pelo helminto Wu-
chereria bancrofti). Nesta situação observa-se obstrução das vias linfáticas.
6) Acúmulo de sódio no interstício: ocorre quando há ingestão de sódio
maior do que sua excreção pelo rim, levando ao aumento da pressão osmótica
do interstício, provocando maior saída de água do vaso.
O edema pode ainda aparecer sem estar relacionado ao processo inflama-
tório. Nesta situação onde se observa um acúmulo de líquido no interstício com
baixos níveis de proteína podemos denomina-lo de transudato.

Fig. 3.1 Esquema demonstrando os fatores que induzem a formação do edema e vasodila-
tação.

3.3.3. Infiltrado inflamatório


O primeiro evento para a migração de leucócito dos vasos sanguíneos para
o tecido é a interação entre as células e o endotélio sanguíneo. Essa ligação é
mediada por moléculas de adesão celular (MAC) que são encontradas princi-

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 53
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

palmente na superfície dos leucócitos e nas células endoteliais do tecido com


a injúria. A interação entre as células ocorre em dois passos. Primeiramente,
moléculas de adesão denominadas selectinas aderem o leucócito à parede
do endotélio, iniciando dessa forma, o processo de rolamento ao longo da
superfície vascular. Em seguida, uma ligação mais forte ocorre entre as célu-
las endoteliais e os leucócitos, através da expressão de outra MAC, a integrina.
Uma vez aderido ao endotélio, leucócitos alcançam os tecidos, passando por
entre as células endoteliais, um processo denominado transmigração, ou dia-
pedese. Após sair dos vasos sanguíneos, os leucócitos são guiados ao sítio da
inflamação por diferentes fatores quimioatraentes, como quimiocinas e peptí-
deo C5a, o qual é liberado quando o sistema de complemento é ativado via imu-
nidade específica ou inata. Contudo, em algumas circunstâncias, o perfil de leu-
cócitos recrutado para o tecido pode alterar a depender da natureza do agente
agressor. Por exemplo, eosinófilos são mais predominantes do que neutrófilos
na inflamação aguda desencadeada por infecções parasitárias com helmintos.
Eosinófilos também liberam diversas moléculas regulatórias que aumentam a
permeabilidade endotelial (Fig. 3.2).

Fig. 3.2 Processo de marginação, rolamento, adesão e diapedese de leucócitos.

54 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


INFLAMAÇÃO AGUDA | Cap. 3

3.4. Mediadores químicos da inflamação aguda


A amplificação da resposta inflamatória aguda após a injúria em uma pequena área
de tecido sugere que substâncias químicas são liberadas dos tecidos danificados, e es-
palham-se para outras áreas ainda não danificadas. Essas substâncias, chamadas de me-
diadores químicos pró-inflamatórios, causam vasodilatação, migração e recrutamento
de leucócitos, e aumento da permeabilidade vascular como foi discutido anteriormente.
A síntese e ação desses mediadores será melhor estudada nos capítulos posteriores.

3.5. Resolução da inflamação aguda


O termo resolução significa a completa restauração do tecido ao normal após um pro-
cesso inflamatório agudo. As condições que favorecem a resolução são:
• eliminação dos resíduos de morte celular e dano do tecido;

• rápida destruição do agente agressor (ex: fagocitose de bactéria)

• remoção dos fluídos e debris por um processo de drenagem vascular.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 55
4. INFLAMAÇÃO
CRÔNICA

ANA CAROLINE C. SILVA


BIANCA T. CIAMBARELLA
INFLAMAÇÃO CRÔNICA | Cap. 4

4.1. Bases da inflamação crônica


A inflamação crônica é uma condição patológica persistente caracterizada por um
aumento no conteúdo da celularidade e de outros elementos teciduais. Pode ser classi-
ficada tanto em termos clínicos quanto biológicos. No primeiro caso, é utilizado o crité-
rio cronológico, ou seja, a inflamação com longo período de duração, não sendo visíveis,
necessariamente, todos os sinais cardinais de dor, tumor, calor, rubor e perda de função.
No segundo, a inflamação crônica é classificada segundo os critérios histopatológicos,
através da observação dos elementos teciduais – células mononucleares (monócitos,
macrófagos, linfócitos, plasmócitos), fibroblastos e pouca quantidade ou ausência de fe-
nômenos exsudativos plasmáticos. Normalmente, utilizam-se ambos os critérios como
base para o diagnóstico.
Durante esta resposta crônica ocorrem dois processos simultâneos: destruição te-
cidual, devido à permanência do agente agressor e, portanto, da resposta imunológica
contra o mesmo (fase degenerativo-necrótica) e tentativa de reparo tecidual (fase pro-
dutivo-reparativa), caracterizada pela formação de vasos sanguíneos (angiogênese) e
pela substituição do parênquima (a parte funcional do órgão) por fibrose.
Como descrito acima, as células que participam desse processo incluem, além de
macrófagos e linfócitos (descritos nos capítulos 1 e 2), os fibroblastos (Fig. 4.1), que são
as principais células do tecido conjuntivo responsáveis pela síntese de componentes da
matriz extracelular, como glicoproteínas, glicosaminoglicanos, colágeno e elastina. Es-
sas células são de grande importância principalmente na etapa de tentativa de reparo

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 57
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

tecidual. Além de participarem na definição da estrutura tecidual, os fibroblastos são


capazes de modular a resposta imunológica através da produção de citocinas, quimio-
cinas e prostaglandinas, que irão alterar os tipos celulares presentes no tecido. Quando
ativadas podem se diferenciar em diversos tipos celulares como miofibroblastos que
possuem um papel central na contração da ferida, produzindo e secretando proteínas de
matriz, além de fatores de crescimento. Um exemplo da sua mutabilidade é a capacida-
de de responder de diferentes formas a estímulos diversos, como, por exemplo, produ-
zindo proteinas de matriz extracelular para respostas do tipo Th1 e Th2.

Fig. 4.1 Células principais componentes do granuloma. (A) Macrófagos; (B) Células gigan-
tes; (C) Linfócitos; (D) Fibroblastos.

4.2. Causas da inflamação crônica


Entre as causas endógenas da inflamação crônica inclui-se a persistência da inflama-
ção aguda. As causas exógenas são variadas, podendo incluir:
• infecções persistentes por microrganismos de baixa virulência, isto é, de bai-
xa atividade agressora ao tecido, porém de alto grau de patogenicidade. Ex.:
Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium leprae; Treponema pallidum (sífi-
lis); fungos (Cryptococcus neoformans, Coccidioides immitis, Paracoccidioides
braziliensis); parasitos (Schistossoma sp., Leishmania braziliensis);

• exposição prolongada a agentes tóxicos/inorgânicos, exógenos ou endógenos.


Ex.: partículas de sílica cristalina (silicose), berílio (beriliose); componentes lipí-
dicos plasmáticos tóxicos endógenos (aterosclerose);

• localização anatômica: antígeno presente em região de difícil acesso, afastado


de vias de drenagem (ovário, cérebro, rim) e levando à formação de abcesso. Re-
tirada através de procedimento cirúrgico;

58 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


INFLAMAÇÃO CRÔNICA | Cap. 4

• reações autoimunes (Lupus eritematoso, artrite reumatóide);

• Rejeição a enxerto.

4.3. Classificação
As inflamações crônicas podem ser classificadas de acordo com os seus elementos
constituintes, incluindo dois principais tipos: inespecífica e granulomatosa.

4.3.1. Inespecífica
Não apresenta um padrão característico, sendo composta por células mo-
nonucleares associadas a outros tipos celulares, sem predominância específi-
ca, sendo, em geral, observados linfócitos, plasmócitos e macrófagos.

4.3.2. Granulomatosa
Caracterizada pela presença de granulomas que são estruturas arredon-
dadas compostas por macrófagos, células epitelióides organizadas concen-
tricamente associadas com uma matriz extracelular, linfócitos e granulócitos
na porção mais externa (Fig. 4.2). Os macrófagos sofrem modificações estru-
turais e funcionais para aumentar a eficiência do processo de fagocitose. Es-
ses macrófagos transformam-se em células maiores que possuem aspecto
morfológico semelhante a células epiteliais e/ou em células gigantes, que são
multinucleadas tendo sua origem a partir da fusão de macrófagos, associando-
se também a fibroblastos. Essas células ocupam inicialmente, a porção central
do granuloma. As interações entre linfócitos e macrófagos sustentam a pro-
dução de fatores de crescimento, enzimas proteolíticas e citocinas, que juntas
estimulam a deposição de elementos do tecido conectivo. Células Th2 parecem
participar dos granulomas juntamente com células Th1, atuando possivelmen-
te na regulação da sua atividade e evitando lesões tissulares disseminadas.
Perifericamente, proliferam fibroblastos que dão suporte à estrutura granu-
lomatosa, formando uma parede fibrótica, além de vasos sanguíneos que são
responsáveis pela nutrição do granuloma. Em algumas doenças, com o decor-
rer do tempo há o crescimento do granuloma, com a porção central sofrendo
necrose caseosa devido à inexistência de vasos nesta região, o que determina
a carência nutricional e consequente formação de um centro necrótico. Essa é

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uma característica marcante que permite a sugestão do diagnóstico de deter-


minadas doenças mesmo sem a visualização do seu agente causal, como, por
exemplo, o granuloma associado ao bacilo de Koch. O granuloma é geralmente
uma resposta local a um agente infeccioso, protetora, porém em alguns casos
não elimina o patógeno e em outros pode pela resposta exacerbada resultar
em fibrose do órgão.

Fig. 4.2 Ilustração esquemática de um granuloma.

Há basicamente dois tipos de granulomas:


• Granuloma de corpo estranho: Produzidos em resposta a agentes exógenos não-
vivos como partículas de poeira, silício, berílio e outros materiais, que devido ao
grande tamanho não podem ser fagocitadas. Células gigantes são formadas na
tentativa de removê-las do local.

• Granuloma imune: Produzidos por partículas insolúveis que são capazes de in-
duzir uma resposta imune mediada por células. Nessa resposta os macrófagos
fagocitam o agente patogênico, processam e apresentam parte dele para lin-
fócitos T, ativando-os. As células T ativadas produzem citocinas que estimulam
outras células T que atuam perpetuando a resposta. Uma citocina importante é o
INF-g que participa na diferenciação do macrófago em células epitelióides e em
células gigantes multinucleadas.

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INFLAMAÇÃO CRÔNICA | Cap. 4

Além desses dois tipos principais de inflamação crônica podem ocorrer ainda as in-
flamações crônicas produtivas e exsudativas, caracterizadas pelo predomínio de grande
quantidade de fibras colágenas e de células e pela presença de pus, respectivamente.

4.4. Reparo
Quando há o desaparecimento do agente causador da inflamação, esta evolui para
cura, podendo ocorrer dois tipos de reparo dependendo do estado de destruição do te-
cido e do grau de transformação sofrido por este durante a inflamação: regeneração,
que ocorre quando há reposição de tecido idêntico ao que foi lesionado; ou cicatrização,
quando há a substituição do tecido lesionado por tecido conjuntivo fibroso, formando
uma cicatriz. Esse processo de reparo ocorre de forma concomitante à inflamação, sen-
do considerado como finalizado quando há restituição da morfologia e homeostase teci-
dual. É um mecanismo complexo que envolve os efeitos recíprocos das interações entre
as células epiteliais, estromais e inflamatórias.
Mesmo quando ocorre com alta eficiência, o reparo de uma ferida na maioria dos or-
ganismos vertebrados, é dominada por uma resposta fibroproliferativa que produz uma
cicatriz fibrosa quando ocorre perda importante de tecidos. Apenas em um número bem
restrito de espécies de vertebrados e tecidos, por exemplo, o ósseo, a fase inicial do re-
paro é seguida por uma perfeita restauração ou regeneração do órgão tanto estrutural-
mente quanto funcionalmente. A taxa de cura é influenciada por diversos fatores como
localização da lesão, o tipo de tecido, a característica da eventual infecção, a má circula-
ção sanguínea ou o eventual uso de esteroides, sendo este último utilizado em procedi-
mentos cirúrgicos, principalmente em cirurgias plásticas, de forma a tornar as cicatrizes
imperceptíveis na pele.
Uma característica marcante que irá ditar a capacidade de regeneração do tecido
consiste nos tipos celulares que o compõe. Nos processos regenerativos, em geral, quan-
to mais diferenciada for uma célula menor é o grau de multiplicação e regeneração. As
células podem ser classificadas segundo sua capacidade proliferativa em:
• Células Lábeis – Possuem alta capacidade proliferativa, estando, portanto, em
constante processo de mitose.

Ex.: tecido epitelial, mucosas oral, nasal, vaginal, tecido hematopoiético


• Células Estáveis – Constituem a grande maioria dentre os vários tipos de células
do organismo. Possuem menor poder mitótico em relação às células lábeis, sen-

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

do mais especializadas. Possuem capacidade de regeneração variável de órgão


para órgão.

Ex.: osteócito, tecidos cartilaginoso, conjuntivo, adiposo.


• Células Permanentes (ou Perenes) – Diferenciam-se durante o período embrio-
nário, perdendo a capacidade proliferativa após sua conclusão. São altamente
especializadas. Em tecidos compostos por esse tipo celular, o reparo advém de
outros tipos celulares adjacentes (ex.: células de Schwann no tecido nervoso pe-
riférico).

Ex.: neurônio, músculo esquelético e músculo cardíaco.

4.4.1. Fases do Reparo/Cicatrização


Diante de uma lesão severa, ou de uma inflamação complicada manifes-
tada, por exemplo, por uma agressão persistente ou contaminação, ou ainda
mediante a destruição de células perenes, há a reposição do tecido destruído
por um conjuntivo neoformado não especializado, que caracteriza o processo
de cicatrização.
O processo de reparo normal de uma ferida é altamente dinâmico e consiste
de diversas fases que se sobrepõem. Didaticamente, ele pode ser dividido em
três fases:
1. Fase de inflamação: ocorre logo após a lesão e inicia-se pela agregação
plaquetária com formação de uma matriz extracelular provisória formada de
fibrina e fibronectina. As plaquetas são responsáveis pela liberação de fatores
de crescimento e proteínas de adesão que estimularão a resposta inflamatória,
com indução da migração de células como os neutrófilos, que possuem como
principal função solubilizar os debris, e os monócitos, que no tecido se diferen-
ciarão em macrófagos e fagocitarão os debris solubilizados pelos neutrófilos.
Além disso, os macrófagos também são responsáveis pela síntese e secreção
de citocinas e fatores de crescimento que darão continuidade aos eventos de
reparo. Já a matriz extracelular provisória é responsável por evitar o extravasa-
mento sanguíneo e servir de substrato para a migração de células infiltrantes.
2. Fase de crescimento do tecido de granulação (fibroblastos, células in-
flamatórias, principalmente macrófagos e componentes neovasculares e de
matriz extracelular, como fibronectina, laminina, colágeno e glicosaminoglica-

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INFLAMAÇÃO CRÔNICA | Cap. 4

nos): compreende a proliferação de fibroblastos (fibroplasia), a angiogênese


(formação de novos vasos), a reinervação e deposição de matriz extracelular.
A angiogênese ocorre para suprir o tecido de granulação com nutrientes e oxi-
gênio através dos novos vasos. Concomitante a esses eventos, os fibroblastos
diferenciam-se em miofibroblastos, os quais secretam grandes quantidades
de fibronectina para promover a aderência adicional de células e a condição fa-
vorável para a deposição/orientação das fibrilas de colágeno.
3. Fase de maturação/remodelamento tecidual: inicia-se simultaneamente
com a fase anterior, ocorrendo síntese e deposição de colágeno e contração
das bordas da ferida para diminuir o tamanho da lesão à custa dos miofibro-
blastos. Há um remodelamento da matriz, sendo que o tecido granular passa
a uma cicatriz madura, com menor celularidade e menos vascularizado que o
tecido de granulação. A diminuição do componente celular, incluindo os miofi-
broblastos, pode ocorrer pela apoptose seletiva ou pela migração celular para
fora do sítio da ferida. Essa cicatriz então, sendo pouco vascularizada e com
poucas células, é composta principalmente por fibras colagenosas compacta-
das, podendo adquirir uma coloração esbranquiçada.
A persistência do agente agressor, a síntese excessiva de colágeno e outros
componentes de matriz extracelular, além da redução na produção das enzimas
que degradam a matriz extracelular, podem levar a desregulação do processo
de reparo tecidual, com excessiva deposição dos componentes de matriz, o
que resulta na destruição da arquitetura do tecido e consequentemente em um
comprometimento da função, o que caracteriza a fibrose tecidual.

4.5. Doenças inflamatórias crônicas


Inúmeras doenças são caracterizadas pelo seu curso crônico devido à persistência do
agente agressor, podendo ser esse infeccioso ou não. Podemos citar algumas dessas do-
enças como: hanseníase, tuberculose, doença de Chagas, leishmaniose, toxoplasmose,
esquistossomose, hepatite, doença de Crohn, artrite reumatóide, colite ulcerosa, doen-
ça pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), lúpus eritematoso, polirradiculoneuropatia des-
mielinizante inflamatória crônica (CIDP), ateroesclerose, asma, silicose, entre outras.
A seguir serão descritos os aspectos imunopatológicos de algumas das doenças que
foram citadas acima e possuem alta prevalência no Brasil e no mundo.

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4.5.1. Tuberculose
O Mycobacterium tuberculosis (Mtb) é o agente etiológico da tuberculo-
se (TB) e a Organização Mundial de Saúde estima que um terço da população
mundial esteja infectada com Mtb, com aproximadamente 8 milhões de casos
novos e 2-3 milhões de mortes descritas anualmente. A incidência global da
TB está aumentando aproximadamente 0,4% ao ano, direcionada por fatores
como a epidemia da AIDS, a pobreza e o aumento da densidade populacional.
Apesar da existência de tratamentos efetivos, o controle da TB é complicado
devido à natureza crônica da doença. Somente 5 a 10% dos indivíduos expostos
ao Mtb desenvolvem TB ativa nos primeiros dois anos após a exposição. Um
elevado percentual de indivíduos expostos se torna infectado e não são capa-
zes de eliminar a micobactéria, apresentando uma infecção latente.
O principal sítio de infecção e desenvolvimento da doença são os pulmões,
sendo que as formas extrapulmonares da pleura, linfonodos, ossos, sistema
genito-urinário, meninges, peritôneo ou pele ocorrem em 15% dos pacientes.
Mais raramente, pode-se desenvolver a tuberculose disseminada (miliar). A
transmissão ocorre geralmente pela inalação de partículas com bacilos em sus-
pensão no ar, emitidos por pacientes com tuberculose pulmonar ativa, após a
fala, o espirro e, principalmente a tosse. Os sintomas mais evidentes são: tosse
crônica, febre, persistência de suores noturnos intensos, perda de peso e fácil
cansaço, dores no tórax e falta de apetite.
Sabe-se que a susceptibilidade à doença é multifatorial. Acredita-se que
além de fatores sócio-econômicos, a evolução dependa também do indiví-
duo estar sendo infectado pela primeira vez (primo-infecção) ou reinfectado
(reinfecção exógena). A probabilidade de adoecer em uma primo-infecção de-
pende da virulência do bacilo, da fonte infectante e das características gené-
ticas dos indivíduos infectados. Em novo contato, após uma infecção natural
ou induzida pela BCG, a resistência dependerá da resposta imunológica. De-
pendendo de fatores individuais relacionados à imunidade, a resposta inicial
do hospedeiro pode ser efetiva e eliminar o bacilo, ou, este pode permanecer
latente durante toda a vida do indivíduo infectado. Se a resposta imunológica
inicial não controlar a progressão da infecção, o bacilo se multiplica e causa
doença clínica. É o crescimento lento do Mtb que condiciona um decurso clí-
nico crônico da infecção.

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INFLAMAÇÃO CRÔNICA | Cap. 4

O evento inicial após os bacilos alcançarem o trato respiratório (bronquío-


los e alvéolos) é o seu reconhecimento, por macrófagos através de receptores
como Toll Like Receptors, de complemento e a porção Fc de imunoglobulinas
que permitem aos fagócitos atuarem de forma inespecífica contra agentes
infecciosos na resposta imunológica inata. Posteriormente os macrófagos al-
veolares fagocitam o Mtb, formando o sítio primário da infecção aonde os pa-
tógenos irão se multiplicar. Os macrófagos perfazem a primeira linha de defesa
contra o Mtb, sendo essenciais para o desenvolvimento da resposta imune me-
diada por células que se desenvolve com 2 a 6 semanas de infecção após o pro-
cessamento antigênico, apresentação e ativação dos linfócitos T. A liberação
de quimiocinas como IL-8, MIP-1a, MIP-1b e RANTES contribui para o influxo de
linfócitos e monócitos para o sítio da infecção, ativação dos monócitos em ma-
crófagos, resultando na formação do granuloma na sua fase inicial constituído
por macrófagos ativados e modificados e linfócitos.
Uma vez no interior dos macrófagos, o bacilo pode ser eliminado por vários
mecanismos mediados pela interação entre as células fagocíticas, linfócitos e
citocinas. Um desses mecanismos envolve linfócitos T e células NK que, através
da secreção de IFN-g, ativam macrófagos a produzirem uma série de substân-
cias, incluindo espécies reativas do oxigênio e do nitrogênio, que estão envol-
vidas na inibição do crescimento e na morte do patógeno. No entanto, mesmo
os macrófagos ativados falham em erradicar completamente o Mtb de cepas
mais virulentas ou na dependência de fatores nutricionais, existência de co-in-
fecção (HIV) ou genéticas do indivíduo (hospedeiro). Os bacilos persistentes
evoluem para um estágio de dormência com redução da atividade metabólica, o
que facilita sua sobrevivência sob condições de privação de nutrientes e oxigê-
nio. A proeminente necrose no interior do granuloma, principalmente de células
epitelióides, o tornam caseoso, rico em material lipídico que serve de fonte de
nutrientes para a micobactéria. A destruição adicional desse tipo de granuloma
pode levar a liquefação, permitindo então a disseminação do Mtb.
Acredita-se que as subpopulações de células T (T CD4+, T CD8+, além de célu-
las T gd) desempenham diferentes funções na infecção, incluindo memória imu-
nológica para o controle da infecção. A resposta do tipo Th1, caracterizada por
elevada produção de IFN-g e IL-12, parece ser essencial para o desenvolvimento
de uma imunidade protetora contra o Mtb.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

A despeito da existência de medicamentos eficazes no tratamento da TB,


(terapia com múltiplas drogas, compreendendo uma fase inicial de rifampicina,
isoniazida, pirazinamida e etambutol diariamente por 2 meses e uma fase de
continuidade de rifampicina e isoniazida por 4 meses adicionais) os esforços
para tratar os pacientes com doença ativa e controlar a disseminação da doen-
ça são dificultados devido à emergência de cepas de Mtb resistentes a múlti-
plas drogas. A TB multi-resistente é definida como a resistência a isoniazida e
a rifampicina, com ou sem resistência a outros agentes, e tem como causas a
interrupção do tratamento e os baixos índices de cura observados em pacien-
tes co-infectados com HIV.
Apesar de falar-se em transição epidemiológica, com redução das mortes
causadas por agentes infecciosos em todo o mundo, a TB é ainda uma realidade
em países em desenvolvimento e, começam a ser relatados casos de extrema
resistência a drogas em alguns países, o que justifica a necessidade de estudos
direcionados na compreensão da patogênese da doença. A vacina atualmente
em uso, o bacilo Calmette-Guérin (BCG) apresenta forte resposta celular con-
tra Mtb, mas os níveis de proteção são altamente variáveis. Desse modo, no-
vas estratégias de vacinação, novos medicamentos, melhores ferramentas de
diagnóstico e testes de susceptibilidade a drogas ainda são tema de pesquisas
em todo o mundo.
Tratamentos realizados com imunomoduladores como IFN-g em pacientes
resistentes mostraram redução da carga bacilar e melhora clínica, porém, es-
tes são de custo muito elevado. Recentemente, dá-se prioridade a investigação
do potencial de novas vacinas com vistas ao desenvolvimento de BCG recom-
binante, vacinas de DNA e vacinas compostas de subunidades dos principais
determinantes antigênicos de Mtb.

4.5.2. Esquistossomose
A esquistossomose, também conhecida como bilharziose, é uma doen-
ça parasitária tropical causada por trematódeos do gênero Schistosoma. Três
espécies principais são responsáveis pela infecção em humanos: S. mansoni
(América do Sul e África Subsaariana), S. haematobum (África Subsaariana)
e S. japonicum (Ásia Oriental). Essa doença acomete aproximadamente 200
milhões de pessoas mundialmente, principalmente nos países em desenvol-

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INFLAMAÇÃO CRÔNICA | Cap. 4

vimento e dados epidemiológicos demonstram que as taxas de infecção são


maiores em crianças.
Algumas características interessantes são observadas na esquistosso-
mose. De uma forma geral, observa-se que a resposta imune está altamente
relacionada com várias mudanças anatomopatológicas que acompanham a in-
fecção e que, mesmo na presença de uma forte resposta imunológica, o parasi-
to sobrevive por anos no hospedeiro. A resposta típica e protetora à infecção
helmíntica é do tipo Th2 e, além disso, observa-se que indivíduos infectados
podem ter resistência a superinfecção.
A infecção por S. mansoni inicia-se pela penetração ativa das cercárias na
superfície do corpo com posterior transformação nas formas jovens do parasi-
to – os esquistossômulos. Esses ganham a circulação, passando pelo coração,
pulmões e, em seguida, fígado, onde se instalam no sistema porta intra-hepá-
tico, desenvolvendo-se em vermes adultos e alimentando-se de hemácias e
globulinas. Esses parasitos adultos, geralmente acasalam, e migram para os
plexos venosos mesentéricos. Os ovos formados, com envoltório rígido, são
liberados pelas fêmeas na vasculatura, alcançando o lúmem intestinal através
da liberação de enzimas proteolíticas pelos próprios miracídios contidos nos
ovos. Esses ovos são então eliminados nas fezes e podem permanecer viáveis
por até sete dias.
Os ovos que ficam retidos na parede intestinal e os que caem na circulação
sanguínea mesentérica geralmente ficam retidos no fígado onde serão respon-
sáveis pelo desenvolvimento de granulomas. O mecanismo de migração dos
ovos é pouco conhecido, mas acredita-se que haja o envolvimento de compo-
nentes imunológicos do hospedeiro, uma vez que pacientes imunocomprome-
tidos possuem redução na excreção de ovos. Além disso, acredita-se que tais
componentes, especialmente células T CD4+, também estejam envolvidos no
processo de maturação e fecundação dos parasitos.
O contato dos ovos com a água promove a eclosão, com liberação dos mi-
racídios que, através de fototropismo e quimiotropismo, nadam em busca do
seu hospedeiro adequado, no caso, os moluscos aquáticos do gênero Biompha-
laria. Após penetrar nos moluscos, os miracídios transformam-se e multipli-
cam-se assexuadamente, por poliembrionia, em esporocistos multicelulares e

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

posteriormente em cercárias. Após abandonarem o hospedeiro invertebrado


as cercárias permanecem na água até encontrarem seu hospedeiro vertebrado
(homem ou outro animal suscetível), onde completarão sua evolução até ver-
mes adultos.
Durante o curso da doença, podem ser observadas duas fases clínicas prin-
cipais: aguda (inicial) e crônica. A esquistossomose aguda em humanos é carac-
terizada por doença febril debilitante (febre de Katayama) que pode ocorrer
antes do aparecimento dos ovos em resposta ao esquistossômulo migrante. É
determinada por uma resposta Th1-like como produção de TNF-a, IL-1b e IL-6,
sendo regulada posteriormente e provavelmente pela presença de IL-10, de-
senvolvendo uma resposta do tipo Th2. A severidade da doença é correlaciona-
da com a incapacidade em alterar o tipo de resposta.
A doença crônica resulta da resposta do hospedeiro ao acúmulo de ovos
presos no tecido, decorrente de migração intestinal ou após embolização no
fígado, baço, pulmões ou sistema cérebro-espinhal. O fígado é o principal ór-
gão afetado uma vez que os ovos são levados pelo fluxo sanguíneo para ele.
A forma mais grave hepatoesplênica é usualmente acompanhada de severa
fibrose hepática e periportal, que leva à progressiva oclusão das veias, com
hipertensão portal e desvio porto-sistêmico do sangue venoso. Essas lesões
são ocasionadas pelo desenvolvimento de uma resposta do tipo Th2, induzida
por antígenos do ovo, com formação do granuloma ao redor do mesmo. Esse
granuloma é composto por fibras colágenas e células incluindo linfócitos T
CD4+, eosinófilos e macrófagos. A ativação alternativa desses macrófagos por
citocinas Th2, principalmente IL-13, leva à indução da expressão de L-arginase,
que está relacionada com a formação de colágeno e o padrão extensivamente
fibrótico do granuloma.
A persistência de uma resposta Th1 inibe a formação do granuloma, ob-
servando-se o desenvolvimento de uma doença hepatotóxica. No entanto, a
resposta prolongada do tipo Th2, apesar de proteger o fígado, contribui para
o desenvolvimento de fibrose hepática e morbidade crônica. A presença de me-
canismos regulatórios em resposta a infecção helmíntica como a produção de
IL-10, e possivelmente TGF-b, poderiam contribuir para o balanço da resposta
Th1 – Th2 na doença.

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INFLAMAÇÃO CRÔNICA | Cap. 4

O tratamento básico da esquistossomose atualmente é feito pela adminis-


tração de medicamentos anti-helmínticos. O mais utilizado é o praziquantel,
que é ativo contra todas as espécies de Schistosoma. Essa droga age através
da paralisação do parasito e dano de seu tegumento. Apesar de ocasionar al-
guns efeitos colaterais, essa droga é de baixa toxicidade. No Brasil é principal-
mente administrado a oxamniquine, uma outra droga anti-helmíntica que age
somente em S. mansoni.
Em algumas situações indica-se o uso de praziquantel associado a corticos-
teróides, como no caso da presença da febre de Katayama ou casos de neu-
roesqusitossomose. Em casos mais graves de esquistossomose hepatoesplê-
nica, com hipertensão porta e hemorragias, opta-se pelo tratamento cirúrgico.
De qualquer forma, é necessário o controle da doença, evitando-se a inci-
dência de novos casos. A melhor forma para que isto ocorra é através de mu-
danças comportamentais, sanitização, educação e melhorias no suprimento de
água para a população.

4.5.3. Asma
A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas que acomete
cerca de 300 milhões de pessoas mundialmente, principalmente crianças. Sua
prevalência tem aumentado significativamente, atingindo proporções epidê-
micas. Esse aumento tem sido relacionado à urbanização e desenvolvimento
econômico, tendo relatos de maiores taxas de prevalência em países econo-
micamente desenvolvidos. Uma hipótese que tem sido bastante considerada -
hipótese da higiene – indica que o aumento na prevalência de asma nos últimos
100 anos está relacionado a mudanças nos padrões de higiene e estilo de vida
em vários países, além da diminuição da exposição a microrganismos durante
a infância. Acredita-se que crianças vivendo em uma sociedade mais moderna,
com menores níveis de infecção, apresentam direcionamento da resposta do
sistema imune para o fenótipo Th2 ao invés de Th1, aumentando, portanto, o ris-
co de uma doença alérgica.
Além dos fatores ambientais, estariam também relacionados com o desen-
volvimento da asma, os fatores genéticos. Estudos de polimorfismo identifi-
caram alguns dos genes que poderiam estar envolvidos, sendo esses basica-
mente relacionados ao reconhecimento do alergeno e elaboração da resposta

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

imune, como será discutido posteriormente. Como exemplos, podem ser cita-
dos genes relacionados ao desenvolvimento da resposta do tipo Th2, como as
IL-4, IL-5, IL-9 e IL-13, além dos genes que codificam o TNF-a, o MHC, a subuni-
dade b do receptor de alta afinidade de IgE, entre outros. É de grande interesse
estudar como esses genes que predispõem o indivíduo a ter asma interagem
com fatores ambientais para que ocorra o desenvolvimento da doença.
Apesar das causas fundamentais da asma não terem sido complemente elu-
cidadas, os fatores de risco mais associados com seu desenvolvimento envol-
vem a exposição de pacientes sensíveis a alérgenos inalados como os situados
dentro de casa (pequenas quantidades de poeira caseira em roupas de cama,
móveis, carpetes, pelos de animais de estimação), os situados ao ar livre (pólen
e mofo), fumaça de cigarro, exercícios, irritantes químicos presentes no local
de trabalho, dentre outros.
Em termos patológicos, a asma é caracterizada por várias mudanças nas
vias aéreas que incluem a presença de infiltrado inflamatório, com predomínio
de eosinófilos, hiperresponsividade brônquica, hipersecreção de muco e com-
prometimento da função pulmonar. Os principais sintomas associados são epi-
sódios recorrentes de tosse, dificuldade de respirar, chiado e aperto no peito.
As características imunológicas da asma resumem-se em uma reação in-
flamatória modulada por diferentes tipos de células, como mastócitos, que
quanto ativados secretam vários mediadores vasoativos e pró-inflamatórios, e
também linfócitos, eosinófilos, macrófagos e, em menor grau, neutrófilos, além
de elementos mesenquimais como fibroblastos, células endoteliais e muscu-
lares. É controlada por células do tipo Th2 secretoras de IL-4, IL-5 e IL-13, que
vão mediar o aumento na expressão de moléculas de adesão e secreção de
quimiocinas, recrutamento das células imunes efetoras, degranulação de eo-
sinófilos, síntese de IgE, e hiperreatividade do músculo liso. Nesse contexto,
as células dendríticas têm sido descritas como elementos chaves na sensibili-
zação a alérgenos inalados e também na iniciação e manutenção da inflamação
eosinofílica.
A exposição constante ao estímulo alergênico promove o desenvolvimento
da inflamação e dano das vias aéreas, levando a consequências severas aos in-
divíduos portadores de asma brônquica.

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INFLAMAÇÃO CRÔNICA | Cap. 4

A liberação de citocinas, fatores de crescimento e quimiocinas como IL-4,


IL-5, TGF-b e CCL5 por células epiteliais ativadas e células inflamatórias, de-
sencadeia o processo na asma de um reparo anormal. Os fibroblastos são as
principais células envolvidas nesse processo, podendo diferenciar-se em mio-
fibroblastos. Os principais eventos envolvidos são a angiogênese, o espessa-
mento da membrana basal, a proliferação da camada muscular lisa e a fibrose
peribrônquica. A hipertrofia e hiperplasia da massa muscular das vias aéreas
aumentam a responsividade brônquica através do aumento da resposta ao es-
tímulo broncoconstritor e redução do diâmetro das vias aéreas.
O tratamento medicamentoso da asma envolve a utilização de drogas per-
tencentes a diversas classes farmacológicas que, através de mecanismos de
ação diferentes visam basicamente relaxamento da musculatura lisa bronquio-
lar, diminuição da secreção mucosa e infiltrado inflamatório assim como inibi-
ção da função mastocitária.
A adoção de terapia que envolve o uso de corticosteroides, broncodilata-
dores e inibidores de síntese e antagonistas de receptor de leucotrienos (ca-
pítulos 8 e9) visa principalmente melhoria da qualidade de vida com término
das crises de broncoespasmo, redução de internações e tolerância normal aos
exercícios, prevenção da limitação irreversível do fluxo aéreo e principalmente,
prevenção de mortalidade pela doença.

4.5.4. Silicose
A silicose é uma doença pulmonar crônica resultante da exposição constan-
te à partículas de sílica cristalina. É a doença de caráter ocupacional que, ainda
leva à morte centenas de pessoas todos os anos. Acredita-se que aproximada-
mente 20 milhões de habitantes estejam expostos a poeira contendo partícu-
las de sílica em todo o mundo. No Brasil, a silicose é uma das pneumoconioses
de maior prevalência e estima-se que mais de seis milhões de trabalhadores
sejam expostos ao pó contendo partículas de sílica.
A sílica é composta por 1 átomo de silício e 2 átomos de oxigênio (dióxido de si-
lício) e forma-se em condições de aumento de temperatura e pressão. Existe em
duas formas, cristalina e amorfa, mas apenas a primeira é tóxica. A sílica livre é
encontrada mais facilmente na forma de quartzo, sendo abundante na maioria dos
tipos de rochas, principalmente em granitos, arenitos, areia e também no solo.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Os indivíduos comummente acometidos são os profissionais que atuam em


diferentes ocupações como fundição de ferro, fabricação de vidros, perfuração
de rochas em construção de túneis, estradas e barragens, moagem de quartzo,
escavação de poços, mineração, dentre outras.
Alguns fatores estão relacionados com o risco de adquirir silicose: a con-
centração do pó respirável, a percentagem de sílica livre e cristalina e a duração
da exposição. De uma forma geral, o período de latência para a silicose simples
(nodular) é inversamente proporcional aos níveis de exposição e é normalmen-
te longo. Além disso, foi observado que a co-exposição com outros tipos de
pós-minerais diminuía a incidência dessa doença.
A patogênese da silicose está relacionada fase inflamatória aguda (alveo-
lite) onde verifica-se o depósito de partículas de sílica na superfície epitelial
alveolar e consequente ocorrência de dano tecidual e apoptose celular. Além
disso, há o estímulo de células residentes como macrófagos alveolares, células
epiteliais, fibroblastos e mastócitos que vão liberar uma série de mediadores
inflamatórios como espécies reativas do oxigênio (ROS), espécies reativas do
nitrogênio (RNS), citocinas dentre outros, que são capazes de recrutar e esti-
mular células inflamatórias como neutrófilos e linfócitos para o tecido.
O reconhecimento das partículas minerais pelas células ainda não está bem
estabelecido, mas há relatos da participação de receptores scavenger , como o
MARCO em macrófagos e mastócitos, que são essenciais no reconhecimento
de microrganismos pela imunidade inata, neste processo.
Não há relatos de como os macrófagos ativados pela sílica poderiam esti-
mular as células T. Sabe-se que há uma predominância de células T CD4+ na sili-
cose. No entanto, os dados referentes à polarização do tipo de resposta imune
obtidos até agora são bem controversos, indicando um mecanismo complexo
onde ambos os tipos de resposta (Th1 e Th2) podem acompanhar a doença sem,
contudo, ser necessário para o seu desenvolvimento, podendo ter ainda a par-
ticipação de células T regulatórias e Th17.
Além do dano inicial direto ocasionado pelas próprias partículas, os fatores
liberados pelas células inflamatórias, como derivados reativos do oxigênio e
enzimas proteolíticas podem causar danos adicionais ao DNA e à célula, apop-
tose e quebra da matriz extracelular associada. Esse potencial de dano ao DNA
é o que classifica a sílica como uma substância carcinogênica.

72 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


INFLAMAÇÃO CRÔNICA | Cap. 4

Na fase de reparo, há o recrutamento e proliferação de células mesenqui-


mais por diversos mediadores polipeptídicos como citocinas fibrogênicas
(TNF-a, IL-1b e TGF-b), fatores de crescimento (fator de crescimento deriva-
do de plaquetas – PGDF; fator de crescimento semelhante à insulina – IGF) e
fibronectina. Há ainda processo de angiogênese e re-epitelização dos tecidos
lesionados.
Apesar de um arsenal terapêutico extenso disponível, até o presente mo-
mento não há uma terapia efetiva para a silicose. O uso de esteróides clássicos
como a dexametasona, não apresenta grande eficácia, sendo então utilizada
uma terapia de suporte que inclui o uso de antitussígenos e broncodilatadores
e utilização de oxigênio. Novas terapias têm sido buscadas, muito embora a
prevenção é a melhor forma de combate à doença, regulando a exposição pro-
fissional a minerais e remoção de pessoas sintomáticas do local de trabalho.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 73
5. RESPOSTA IMUNE
A PATÓGENOS

FÁBIO P. M. DOS SANTOS


RESPOSTA IMUNE A PATÓGENOS | Cap. 5

O desenvolvimento de doenças infecciosas no organismo resulta de interações com-


plexas entre o microrganismo invasor e o organismo do hospedeiro. Dentre os eventos
que ocorrem durante a infecção, são considerados eventos principais (i) a invasão e a
colonização do sítio do organismo hospedeiro, (ii) escape dos mecanismos de defesa do
organismo (barreiras naturais e sistema imune) e, (iii) a perda da função ou, somente, a
lesão tecidual decorrente dessa interação.
Como exemplo, podemos citar que alguns microrganismos são capazes de promover
o desenvolvimento de doenças sem colonizar uma região extensa do tecido do hospedei-
ro. Nesses casos, a patogenicidade é alcançada através da liberação de toxinas.
Embora existam eventos característicos do processo infeccioso, os mecanismos de
defesa do organismo são numerosos e variados. Dessa forma, algumas características
gerais podem ser abordadas:
I) Resposta Inata x Resposta Adaptativa – O sistema imune inato proporciona ao
organismo uma defesa imediata, enquanto a resposta imune adaptativa pro-
porciona uma resposta mais duradoura e mais eficaz contra agentes patogêni-
cos. A resposta imune adaptativa induz células efetoras a eliminar microrganis-
mos e induz a formação de células de memória, as quais podem responder mais
efetivamente (mais rápido e com mais intensidade) a uma exposição antigênica
repetida, ou seja, a uma nova exposição do mesmo antígeno;

II) Resposta específica – Em virtude da grande diversidade de patógenos, o orga-


nismo vai responder de maneira diferente (e específica) contra os diferentes
tipos de agentes infecciosos.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 75
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

III) Sobrevivência / Patogenicidade – Tanto a sobrevivência do patógeno no orga-


nismo do hospedeiro quanto seu potencial efeito patogênico são influenciados
pela capacidade do microrganismo de escapar ou resistir aos mecanismos efe-
tores do sistema imune.

IV) Lesão Tecidual / Doença – Em algumas doenças infecciosas, a injúria tecidual e


a doença por si só, podem ser causadas pela resposta do hospedeiro ao patóge-
no (e seus produtos), ao invés de ser causada pelo próprio patógeno.

Desde organismos muito simples, como os vírus, até organismos multicelulares como
os parasitos multicelulares, existe uma grande diversidade de microrganismos capazes
de promover patogenias no organismo humano. Esses patógenos pertencem a quatro ti-
pos principais: vírus, bactérias, fungos e parasitos. Em relação aos mecanismos de defe-
sa, o organismo vai responder de maneira diferente em função da biologia do patógeno,
ou seja, a resposta será diferente se o agente patogênico for intracelular ou extracelular.

5.1. Imunidade a bactérias extracelulares


As bactérias extracelulares são aquelas capazes de se replicarem fora da célula do
hospedeiro. Muitas dessas bactérias são patogênicas e a patologia é causada por dois
mecanismos principais, que podem ser: a inflamação, ou através da produção de toxinas,
que são responsáveis por exercer diversos efeitos patológicos.

5.1.1. Imunidade Inata


Com relação a estrutura de membrana, dentre os demais constituintes, as
bactérias gram-positivas apresentam peptídeoglicano na parede celular e as
gram-negativas apresentam lipopolissacarídeo (LPS). Essas estruturas são
capazes de ativar a via alternativa do sistema de complemento. Dessa forma,
dentre os mecanismos inatos de defesa contra esse tipo de patógeno, desta-
ca-se a ativação do sistema de complemento, que também pode ser ativado
por bactérias que expressam manose na sua superfície celular. Fato esse que
resultaria na opsonização da bactéria, que culminaria com fagocitose ou com a
lise da mesma. Durante o processo de fagocitose, vários receptores podem ser
ativados como os receptores de manose, receptores scavenger e receptores
toll-like. Esses vários receptores, uma vez ativados, promovem a ativação dos
fagócitos, que irão secretar citocinas, as quais poderão induzir infiltrado leuco-
citário para o sítio de infecção, resultando no processo inflamatório.

76 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


RESPOSTA IMUNE A PATÓGENOS | Cap. 5

5.1.2. Imunidade Adaptativa


A principal resposta referente à imunidade adaptativa é a resposta mediada
por anticorpos (humoral). Esse mecanismo de defesa tem como objetivo elimi-
nar o patógeno, visto que os anticorpos são específicos contra antígenos bac-
terianos (presentes na parede bacteriana ou secretados). Além disso, esses an-
ticorpos podem ser específicos contra toxinas (polissacarídeos ou proteínas)
produzidas e liberadas por esses patógenos, com a finalidade de neutralizá-las.
Esse tipo de resposta tem como objetivo principal combater a infecção
através de neutralização (da bactéria ou da toxina), opsonização (do micror-
ganismo) e auxílio na fagocitose. Além disso, a produção de anticorpos pode
promover a ativação do sistema de complemento, pela via clássica. Esse fenô-
meno é mediado por imunoglobulinas (Igs) dos isotipos A, G e M (IgG, IgA e IgM).
Além disso, ocorre a ativação celular por ação do interferon-g (IFN-g) e do fator
de necrose tumoral (TNF). Essa ativação celular resulta na ativação de macró-
fagos, que irão secretar citocinas, que poderão levar ao choque séptico. Dentre
os mediadores produzidos, o principal é o TNF. Alguns patógenos são capazes
de estimular um número elevado (além do normal) de células T, resultando na
produção de grandes quantidades de citocinas, sendo similar ao que ocorre no
choque séptico. Essas toxinas são chamadas de superantígenos. Dentre essas
células, tem papel de destaque as células Th17, que estão associadas na respos-
ta a infecções por patógenos extracelulares, como fungos e bactérias.

5.1.3. Mecanismos de Evasão


O principal mecanismo usado pelas bactérias para escapar da imunidade
humoral é a variação genética de antígenos de superfície. Além disso, a viru-
lência de bactérias extracelulares está diretamente relacionada com o número
de mecanismos capazes de torná-las resistentes ao sistema imune do hospe-
deiro. Assim sendo, esses patógenos podem apresentar mecanismos de anti-
fagocitose ou promover a inibição do sistema de complemento.

5.2. Imunidade a bactérias intracelulares


Esses patógenos são capazes de sobreviver e se replicar no interior dos fagócitos.
Dessa forma, essas bactérias encontram-se inacessíveis aos anticorpos circulantes e
sua eliminação depende de mecanismos de imunidade mediada por célula.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 77
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

5.2.1. Imunidade Inata


Os principais tipos celulares envolvidos nesse tipo de defesa são os fagóci-
tos e as células natural-killers (NK). A resposta inata contra bactérias intrace-
lulares inicia-se com a ação de fagócitos, inicialmente os neutrófilos e, poste-
riormente, os macrófagos são os responsáveis por esse tipo de resposta. No
entanto, esses patógenos são resistentes a degradação no interior dos fagó-
citos. Durante essa resposta, são produzidos mediadores inflamatórios como
IL-12 e IFN-g que são fundamentais para a ativação celular e destruição das bac-
térias fagocitadas.
A imunidade inata pode controlar o crescimento bacteriano durante algum
tempo, mas para conseguir a erradicação completa da infecção é necessária a
ação complementar do sistema imune adaptativo.

5.2.2. Imunidade Adaptativa


Durante a infecção por bactérias intracelulares, o principal mecanismo de
defesa contra esse tipo de patógeno é a imunidade mediada por células. Essa
resposta é dependente da ativação de macrófagos por ação de células T ati-
vadas. Isso irá resultar na morte de bactérias fagocitadas e na lise de células
infectadas por ação de linfócitos T citotóxicos (CTLs).
Os linfócitos T CD4+ e CD8+ são capazes de responder aos antígenos protéi-
cos de bactérias fagocitadas. Essas estruturas são apresentadas ao estarem
associadas a moléculas de MHC (major histocompatibiliy complex) classe II.
Esses dois tipos celulares são capazes de atuar na defesa do organismo atra-
vés de respostas que se desenvolvem de maneira diferente.
Nesta resposta, células dendríticas e macrófagos ativados são capazes de
secretar IL-12, que induzirá a diferenciação das células T CD4+ em linfócitos
Th1. Além disso, também há a produção de IFN-g. Esses mediadores induzem
a produção de várias substâncias de ação antibacteriana, como óxido nítrico
e enzimas lisossômicas, nos macrófagos, que promoverão a morte da bacté-
ria fagocitada. No entanto, se os antígenos bacterianos forem transportados
do fagossomo para citosol ou se a bactéria escapar do fagossomo, indo para o
citoplasma da célula infectada, os mecanismos de defesa presentes nos fagó-
citos não serão mais eficazes. Dessa forma, a infecção só será erradicada atra-
vés da morte das células infectadas por ação das CTLs.

78 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


RESPOSTA IMUNE A PATÓGENOS | Cap. 5

No entanto, em resposta a alguns patógenos, a ativação dos macrófagos


pode causar lesão tecidual, como necrose e fibrose. Isso ocorre, por exemplo,
na resposta ao M. tuberculosis onde o patógeno, ao resistir por longos perío-
dos dentro do fagócito, causa um acúmulo de células T entorno do microrganis-
mo, caracterizando um granuloma.

5.2.3. Mecanismos de Evasão


Várias são as estratégias desenvolvidas pelas bactérias para resistir e es-
capar dos fagócitos. No entanto, dentre os mecanismos utilizados destaca-se
a capacidade em interferir nos mecanismos fagocíticos e citotóxicos dos fagó-
citos, como inativar espécies reativas de oxigênio e também impedir a fusão do
fagossoma com o lisossoma, permitindo assim a sua sobrevivência no interior
celular.

5.3. Imunidade a fungos


As infecções fúngicas são importantes causas de morbidade e mortalidade nos seres
humanos. Essas infecções, também conhecidas como micoses, costumeiramente são
consideradas endêmicas e são causadas por fungos que estão presentes no meio am-
biente. Existe um outro grupo de infecções fúngicas, que são consideradas como oportu-
nistas, visto que esses microrganismos não são capazes de provocar nenhuma patologia
em indivíduos saudáveis, mas são capazes de infectar e causar doenças severas em pes-
soas imunodeficientes, como portadores do vírus HIV.

5.3.1. Imunidade Inata


O principal mecanismo de defesa inato contra infecções fúngicas é através
da ação de neutrófilos e macrófagos. Os neutrófilos são capazes de fagocitar
os fungos promovendo a morte intracelular, visto que produzem substâncias
com ações fungicidas. Além disso, a produção de TNF e de IL-12 é responsável
por ativar macrófagos durante essa resposta.

5.3.2. Imunidade Adaptativa


O principal mecanismo da imunidade adaptativa contra infecções fúngicas
é a imunidade mediada por célula. Esse tipo de resposta tem como células efe-
toras os linfócitos T CD4+ e CD8+, assim como na resposta contra bactérias in-

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 79
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

tracelulares. No entanto, pouco se sabe sobre a imunidade humoral envolvida


nesse tipo de resposta. Assim como em relação às bactérias, a resposta media-
da pelas células Th17 também é importante nas infecções causadas por fungos.

5.4. Imunidade a vírus


Os vírus são considerados microorganimos intracelulares obrigatórios. Nesse senti-
do, para se replicarem têm que estar no interior de uma célula, usando toda o maquinário
enzimático e proteico, envolvidos no processo de síntese de proteínas da célula do hos-
pedeiro. Esse processo de infecção pode levar a célula do hospedeiro à morte. Dessa for-
ma, isso caracteriza o ciclo lítico, visto que houve lise da célula do hospedeiro. Caso não
ocorra a lise celular, o vírus pode permanecer em latência onde o DNA viral permanece
nas células do hospedeiro produzindo proteínas que podem, ou não, alterar as funções
celulares.
Em linhas gerais, o processo de infecção viral é decorrente da interação da partícula
viral com moléculas de superfície de membrana das células do hospedeiro, que vão fun-
cionar como receptores, permitindo assim a entrada dos vírus nestas células.

5.4.1. Imunidade Inata


A produção de IFN do tipo I consiste na principal forma de defesa e de impe-
dimento da infecção por vírus, pois a produção desse mediador, além de impe-
dir a infecção de outras células, impede também a replicação viral. Além disso,
células NK são capazes de reconhecer células do organismo que não apresen-
tam MHC de classe I. A ausência dessa molécula de superfície de membrana
corresponde a um sinal para a morte dessas células, induzido pelas células NK,
pois é uma característica de célula infectada por vírus.

5.4.2. Imunidade Adaptativa


Contra a infecção viral, a resposta da imunidade adaptativa responde ini-
cialmente através de anticorpos e linfócitos T citotóxicos. Os anticorpos são
capazes de impedir a ligação dos vírus às células do hospedeiro. Essa defesa
é eficaz apenas enquanto os vírus estiverem no estágio extracelular, visto que
esse mecanismo pode impedir a infecção, mas não pode erradicar a doença,
pois uma vez dentro da célula, o vírus não está mais acessível aos anticorpos.
Além disso, os linfócitos T citotóxicos podem eliminar a infecção através da

80 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


RESPOSTA IMUNE A PATÓGENOS | Cap. 5

morte das células infectadas. Isso ocorre pois os linfócitos T CD8+ são capazes
de reconhecer antígenos virais que estão presentes no citosol ou associados
com MHC de classe I. Para esse processo de reconhecimento são necessárias
citocinas produzidas por células T CD4+ ou outros fatores co-estimulatórios
expressos pelas células infectadas.
No entanto, em algumas infecções virais, como na infecção pelo vírus da co-
riomeningite linfocítica (LCMV) a resposta do organismo pode ser responsável
por causar a lesão, o que caracteriza a patologia.

5.4.3. Mecanismos de Evasão


Muitos são os mecanismos pelos quais os vírus podem escapar da ação do
sistema imune. Dentre todos, destaca-se a variação antigênica como principal
deles. Este fenômeno pode ocorrer por mutações pontuais no seu genoma ou
por rearranjo no RNA viral. Além disso, os vírus podem impedir a apresentação
de antígenos, através de moléculas de MHC classe I. Dessa forma, essas células
não serão reconhecidas (nem eliminadas) por linfócitos T citotóxicos (T CD8+),
mas se tornam alvo da ação das células NK, pois estas eliminam as células que
não apresentam MHC de classe I. Além disso, outros artifícios são utilizados
pelos vírus para escapar do sistema imune, como a secreção de moléculas que
inibem tanto a imunidade inata quanto a imunidade adaptativa, assim como in-
fectar e eliminar células imunocompetentes.

5.5. Imunidade a parasitos


A terminologia “infecção parasitária” engloba os processos infecciosos provocados
por parasitos como protozoários, helmintos e ectoparasitos. As infecções por parasitos
são muito comuns em todas as regiões do planeta. Estima-se que no mundo todo, cerca
de 30% da população apresente algum tipo de infestação parasitária e que, só a malá-
ria, seja responsável por cerca de 1 bilhão de mortes ao ano, no mundo. Dessa forma, o
interesse em desenvolver novos mecanismos que impeçam este tipo de infecção é de
interesse mundial.
No entanto, essa grande variedade de organismos apresenta complexos ciclos de
vida, com diferentes formas de estágios de desenvolvimento, podendo ser tanto ex-
tracelulares quanto intracelulares. Dessa forma, por conta desses diferentes estágios

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 81
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

de desenvolvimento, os parasitos induzem muitas respostas imunológicas diferentes.


Além disso, a maioria dos parasitos não pode ser erradicada por completo pela imuni-
dade inata ou pela adaptativa, estabelecendo assim infecções crônicas no hospedeiro.

5.5.1. Imunidade Inata


Embora, os protozoários e os helmintos possam ativar diferentes mecanis-
mos do sistema imune inato, esses organismos são capazes de sobreviver aos
ataques do sistema imune. Além de sobreviver, esses patógenos são capazes
de se reproduzir no interior do organismo do hospedeiro, por conta de estarem
bem adaptados aos mecanismos de defesa.
No entanto, o principal mecanismo de defesa inato é a fagocitose. Isso ocor-
re em infecções por protozoários. Porém, estes parasitos são resistentes aos
fagócitos e podem até mesmo se reproduzir dentro dos macrófagos, caso por
exemplo da infecção por T. cruzi. Essas mesmas células também atacam hel-
mintos. Como esses patógenos são muito grandes para serem fagocitados,
esse mecanismo não surte efeito nesse tipo de infecção. Neste tipo de respos-
ta, destacam-se, os eosinófilos, que correspondem a um grupo de leucócitos
efetores que, apesar de possuirem o citoplasma preenchido, quase que na sua
totalidade, por grânulos contendo proteínas citotóxicas e mediadores inflama-
tórios proteicos, não são capazes de matar e eliminar esse parasitos.

5.5.2. Imunidade Adaptativa


Cada parasito é capaz de estimular o desenvolvimento de um tipo de res-
posta adaptativa específica, visto que existe uma grande variedade de orga-
nismos, não existindo uma resposta imune adaptativa geral contra todos os
parasitos (protozoários e helmintos). Em linhas gerais, para os protozoários
que sobrevivem no interior dos macrófagos, será desenvolvida uma resposta
similar àquela envolvida na eliminação de vírus e bactérias. Enquanto que, na
resposta contra helmintos, estão envolvidas diferentes respostas mediadas
por anticorpos.
Dessa forma, na resposta adaptativa a infecção por protozoários, os quais
sobrevivem no interior dos macrófagos, à resposta é mediada por célula, parti-
cularmente por ação de macrófagos ativados por citocinas derivadas de célu-
las do tipo Th1, como IFN-g. Além disso, outros tipos celulares como os linfóci-
tos T citotóxicos também estão envolvidos nesse tipo de resposta.

82 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


RESPOSTA IMUNE A PATÓGENOS | Cap. 5

A resposta adaptativa contra a infecção por helmintos é mediada pela ati-


vação de células Th2. Essa ativação irá promover a ativação de células B, que
irão secretar anticorpos específicos contra esse patógeno. Esses anticorpos,
que são imunoglobulinas da classe IgE, irão possibilitar a ativação de eosinófi-
los, que uma vez ativados poderão secretar suas proteínas granulares tóxicas,
que encontram-se pré-formadas e estocadas nos seus grânulos citoplasmáti-
cos, como a Proteína Básica Principal (MBP), a Proteína Catiônica Eosinofílica
(ECP), a Peroxidase Eosinofílica (EPO) e a Neurotoxina Derivada de Eosinófilos
(EDN), que embora sejam tóxicas não são capazes de reverter o quadro infec-
cioso.

5.5.3. Mecanismos de Evasão


Muitas são as formas que os parasitos encontraram de escapar da ação do
sistema imunológico, possibilitando a sua permanência no organismo do hos-
pedeiro. Esses artifícios utilizados consistem em (i) produção de componentes
de superfície que limitam a ação do sistema de complemento, (ii) secreção de
proteases que clivam moléculas de anticorpo e (iii) alteração dos antígenos de
superfície.
Em face ao grande número de infestações parasitárias no mundo inteiro,
muitos esforços estão sendo concentrados para encontrar uma maneira de
elucidar o comportamento do sistema imune frente a esses patógenos, assim
como esclarecer e entender os mecanismos de evasão dos parasitos. Com base
nesse raciocínio, o desenvolvimento de vacinas vem sendo estudado, mas pou-
co progresso foi conseguido acerca desse assunto.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 83
6. FARMACOLOGIA
GERAL

BIANCA T. CIAMBARELLA
RAFAEL M. CARDOSO
FARMACOLOGIA GERAL | Cap. 6

6.1. Introdução e Aspectos Históricos


Farmacologia é classicamente definida como o estudo dos efeitos de substâncias
químicas na manutenção, modificação ou restabelecimento do padrão fisiológico do sis-
tema orgânico vivo. Estas substâncias podem fazer parte do grupo de fármacos adminis-
trados visando benefício terapêutico ou ainda daquelas relacionadas às drogas de abuso
(ou de uso ilícito). A Farmacologia é segmentada por questões simplesmente didáticas
(uma vez que se comunicam constantemente) em Farmacologia clínica e toxicológica,
sendo esta última destinada à compreensão e minimização dos impactos causados por
determinadas substâncias químicas em sistemas biológicos, envolvendo desde efeitos
individuais até eventos em ecossistemas inteiros.
Para fins práticos, a farmacologia clínica e toxicológica são ciências intimamente re-
lacionadas já que quase a totalidade dos fármacos com fins terapêuticos podem apre-
sentar efeitos deletérios cuja intensidade é extremamente variável e depende de uma
série de fatores intrínsecos e extrínsecos, destacando-se o perfil genético do paciente,
fisiologia, fatores relacionados ao metabolismo, eliminação, idade, massa corporal, nível
de atividade física e, sobretudo, a dose de fármaco administrada e posologia deste. Esta
afirmação foi classicamente descrita pelo médico, alquimista e astrólogo suíço-alemão
Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, adotante do pseudônimo
Paracelsus (1493-1541) como “Alle Dinge sind Gift und nichts ist ohne Gift; allein die Do-
sis macht, dass ein Ding kein Gift ist” ou “Dosis sola facit venenum” (“Todas as coisas
são veneno e nada é isento de veneno, o que as distingue é a dose” ou “A dose é que faz o
veneno” - traduções livres).

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 85
Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Somados, estes parâmetros mostram quão complexo é o estudo da farmacologia bá-


sica, experimental e clínica e a dificuldade do desenvolvimento de fármacos clinicamen-
te eficazes e seguros.
O estudo da farmacologia nos moldes atuais representa uma ciência relativamente
recente, começando a ter destaque em meados do século XIX. Todavia, o emprego de
substâncias com fins medicinais data de aproximadamente 3000 anos antes de Cristo,
com uso de extratos de plantas tidas como medicamentosas, apesar de pouco ou nada
se saber sobre seus efeitos específicos em cada patologia, sendo algumas ervas utiliza-
das para controle e tratamento de doenças muito diferentes e cuja eficácia era, no míni-
mo controversa e seus efeitos tóxicos por vezes letais. Os eventos de cura ainda eram,
em grande parte, relacionados a cerimônias religiosas e cultos com emprego de poderes
milagrosos e obscuros capazes de promover reabilitação dos habitantes. Em 1600 antes
de Cristo alguns apotecários já reuniam coleções de ervas com relatos mais consisten-
tes e descritivos que, apesar de ainda leigos, representavam um avanço enorme na área,
propiciando o início do comércio de plantas com fins medicamentosos.
Em meados do século XVII, com o desenvolvimento do conhecimento sobre química
e biologia, exemplificado, dentre vários trabalhos, pela publicação de Robert Boyle inti-
tulada “Uma coleção de Remédios de Escolha” de 1692, a ciência da farmacologia teve
grande impulso para se destacar de questões espirituais e milagrosas para se tornar a
ciência moderna e baseada em evidências dos tempos atuais.
Até a primeira metade do século XIX, os conhecimentos do funcionamento fisioló-
gico e patológico do organismo, ainda eram bastante precários e inadequados para a
compreensão total dos mecanismos de ação dos fármacos. Apesar da prática clínica já
empregar uma série de compostos e extratos com fins paliativos e curativos, as bases
científicas ainda permaneciam distantes. Vários trabalhos seguiram esta época cola-
borando para construção da lógica terapêutica atual, dentre eles, merecem destaque
a visão sobre patologia celular aprofundada por Virchow na segunda metade do século
XIX e a descrição das bactérias como agentes causadores de doenças por Louis Pasteur
em 1878 (“Les Microbes organisés, leur role dans la Fermentation, La Putréfaction et la
Contagion”). Todos esses avanços, apesar de óbvios para a ciência atual, desbravaram
grandes mistérios propiciando que o campo científico avançasse sobre o da doutrina e
fé na prática terapêutica.
A prática de farmacologia estava baseada no estudo de componentes naturais deri-
vados de plantas. Em 1805, Friedrich Sertürner purificou a morfina a partir do ópio e teve

86 SÉRIE EM BI O LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z
FARMACOLOGIA GERAL | Cap. 6

início o campo de identificação de substâncias químicas capazes de ação farmacológica.


A partir deste feito pioneiro, um grande número de substâncias teve sua estrutura quí-
mica elucidada, permitindo o emprego de síntese química e alterações estruturais por
laboratórios farmacêuticos para obtenção das mais variadas moléculas com fins diag-
nósticos e terapêuticos.
Nas últimas décadas, com a identificação de receptores como os responsáveis pela
transdução de sinais desencadeados pelos fármacos e o advento da modelagem molecu-
lar, tornou-se possível predizer estruturas químicas de moléculas complexas que seriam
capazes de se ligar a um ou mais receptores com graus variados de afinidade, atividades
intrínsecas e efeitos biológicos.
O estudo da farmacologia tornou-se um vasto campo de pesquisa técnico-científi-
ca, criando uma grande rede de interações entre várias áreas de conhecimento, como
a biotecnologia, a bioquímica, imunologia, farmacogenética e farmacogenômica, farma-
coepidemiologia e farmacoeconomia. O mercado farmacêutico, um dos mais lucrativos
do mundo, investe intensamente na busca de novas moléculas (ou alterações nas já exis-
tentes) passíveis de utilização na promoção, manutenção ou recuperação da saúde.

6.2. Princípios básicos de Farmacologia


Dado um breve histórico da evolução no estudo da farmacologia, teremos a seguir a
descrição de uma série de conceitos essenciais à compreensão dos assuntos que serão
abordados neste e nos demais capítulos.
Um dos princípios fundamentais da farmacologia é que uma molécula precisa exercer
alterações químicas em um ou mais constituintes celulares no sentido de promover alguma
alteração biológica. O enunciado clássico de Paul Ehrlich (1854 – 1915) “Corpora non agunt nisi
fixata”, que significa que uma substância (ou fármaco) não exercerá efeito biológico a menos
que esteja ligada (ao receptor). Muito embora seja uma definição simplista, o enunciado de
Paul Ehrlich teve grande repercussão já que dizia que todos os efeitos de alterações metabó-
licas, bioquímicas ou fisiopatológicas eram devido à ligação e alteração de moléculas afins,
contrariando a ideia de que a ação de substâncias químicas dependia de “forças vitais mági-
cas”. O conceito hoje amplamente aceito fora na época controverso já que haveria exigência
de uma quantidade enorme de moléculas para exercer tal efeito nos seus respectivos recep-
tores. De fato, algumas toxinas bacterianas são tão potentes e precisas em sua ação que uma
única molécula assimilada por uma célula alvo é capaz de matá-la.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Para uma determinada molécula exercer efeito, ela deve ser capaz de interagir de for-
ma satisfatória com seus alvos biológicos. Se tais interações dependessem do encontro
ao acaso entre as partes envolvidas em tal processo de interação, a chance da ocorrência
do efeito pretendido seria, no mínimo, muito reduzida. Desta forma, para exercer efeito
farmacológico, é necessário que o fármaco se distribua de forma conveniente pelos com-
partimentos corporais e, principalmente, que haja uma concentração efetiva do fármaco
no local de ação. Assim, uma série de eventos deve ocorrer desde a administração de um
fármaco por determinada via até seu local de ação, que dependem de fatores diversos,
dentre os quais as características físico-químicas do fármaco, aspectos fisiológicos e
conceitos básicos de biologia celular e molecular. O estudo do processamento dos fár-
macos no organismo é alvo da farmacocinética, sendo a farmacodinâmica responsável
pela compreensão dos efeitos gerados no organismo.
Discutiremos a seguir alguns aspectos farmacocinéticos:

6.3. Vias de administração de fármacos


Conforme mencionado, é necessário que haja distribuição do fármaco pelo organismo
para que seja alcançado o efeito biológico por sua interação com o receptor ou molécula-alvo.
Um dos fatores que mais influencia a chegada do fármaco ao seu local de ação é a via
pela qual este foi administrado. Em geral, a via mais comum e segura de administração
de fármacos é a enteral, particularmente pela via oral. Todavia, outras vias tornam-se
necessárias em algumas situações nas quais o fármaco, por exemplo, não é passível de
administração oral (devido à irritação gastrintestinal, baixa absorção por esta via, indiví-
duo incapaz de deglutição ou inconsciente), ou necessita-se de ação mais rápida do fár-
maco ou ainda o objetivo é ação localizada na superfície corporal, dentre outros (Fig. 6.1).
Abaixo estão relacionadas as principais vias de administração de fármacos:

Fig. 6.1 Principais vias de administração de fármacos

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FARMACOLOGIA GERAL | Cap. 6

Para analisar o grau (ou extensão) de absorção de determinado fármaco, usa-se o


parâmetro farmacocinético de biodisponibilidade, que se relaciona diretamente à pro-
porção do fármaco que atinge a circulação sistêmica na forma intacta após administra-
ção de uma única dose da substância, independente da via de administração escolhida.
Este é um dos parâmetros farmacocinéticos considerados para ajuste de doses adminis-
tradas visando alcançar concentração terapêutica correta do fármaco (i.e., posologia),
ou mesmo fazer ajustes quando é necessário substituir a via de administração de um de-
terminado medicamento. A análise da biodisponibilidade é ainda essencial para compa-
ração entre formulações farmacêuticas de medicamentos e classificação daqueles que
apresentem os mesmos perfis de biodisponibilidade com os medicamentos de referên-
cia guardando, portanto, intercambialidade com estes (medicamentos genéricos).
O processo de absorção de fármacos administrados pela via oral depende do trans-
porte passivo através da membrana da mucosa gastrointestinal. Alguns fatores relacio-
nados a natureza do fármaco influenciam este tipo de absorção, como o grau de ioniza-
ção e sua lipossolubilidade. Outros fatores podem influenciar a velocidade ou extensão
da absorção gastrintestinal tais como a motilidade gastrintestinal, fluxo sanguíneo
esplâncnico, interações com outros fármacos e alimentos, o tamanho da partícula e
apresentação farmacêutica (drágeas, cápsulas, comprimidos revestidos, comprimidos
de liberação retardada, de liberação prolongada, dentre outros). Em geral, a redução da
motilidade gastrintestinal limita a velocidade de absorção de fármacos e, consequen-
temente, sua concentração plasmática se eleva de forma mais lenta. A alimentação
também pode exercer efeito significativo na absorção de fármacos devido à redução da
motilidade gastrintestinal, além de promover alterações de pH (influenciando o balanço
de ionização de moléculas). Também podem haver interações químicas entre fármacos e
constituintes dos alimentos, inativando o fármaco ou impedindo sua absorção.
Em geral fármacos são ácidos e bases fracas e seus graus de ionização serão determi-
nados diretamente pelo pKa e pelo pH do meio. Sabe-se que a forma não-ionizada de fár-
maco atravessa melhor barreiras biológicas seguindo seu gradiente de concentração. De
forma sucinta, moléculas com caráter ácido fraco serão menos absorvidas quanto maior
for o pH pois maior será sua fração ionizada. Assim, em teoria, ácidos fracos deveriam
ser mais bem absorvidos no estômago (pH ácido) ao passo que bases fracas deveriam
ser mais absorvidas no intestino delgado. Todavia, o epitélio estomacal apresenta redu-
zida superfície de absorção e é recoberto por espessa camada de muco que dificulta o
transporte da molécula através da parede estomacal. Por outro lado, a porção duodenal

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

apresenta grande extensão, sendo um importante local para a absorção de fármacos por
via oral. Assim, o grau de ionização da molécula não é o único fator capaz de determinar a
extensão de sua absorção, mas sim o conjunto de fatores acima descritos.
Outra característica importante da administração de fármacos pela via oral é o efeito
de eliminação pré-sistêmica (efeito de primeira passagem). Após o processo de absor-
ção através do epitélio intestinal, o fármaco é conduzido pelo sistema porta ao fígado
antes de atingir circulação sistêmica. Embora uma fração do metabolismo possa ocorrer
na própria parede do intestino, o fígado é o principal local responsável pelas reações de
metabolização. Para alguns fármacos o metabolismo de primeira passagem é muito sig-
nificativo no que tange a biodisponibilidade do fármaco e pode decretar a necessidade
de ajuste da dose administrada visando alcançar concentrações necessárias à sua ação
(em torno de 65% da morfina sofre metabolização hepática antes de atingir a circulação
sistêmica quando administrada pela via oral).
A absorção pela via sublingual é de extrema importância para administração de de-
terminados fármacos em situações especiais. Apesar de sua reduzida superfície de
absorção, a mucosa oral é altamente vascularizada, e a drenagem venosa do plexo su-
blingual é deslocada diretamente até veia cava superior, evitando desta forma efeito de
primeira passagem hepático (que serão discutidos posteriormente) e atingindo a circu-
lação sistêmica de forma excepcionalmente rápida. Os exemplos mais clássicos de sua
utilização como via de escolha estão relacionados a urgências hipertensivas e crises de
angina, nas quais fármacos vasodilatadores agem de forma mais rápida no controle do
aumento agudo de pressão e alívio dos sintomas. Esta via também pode ser usada para
fármacos que sofrem extenso efeito de primeira passagem hepático.
A via retal é escolhida quando o objetivo é ação local do fármaco (anti-inflamatórios
na colite ulcerativa) ou quando a administração oral não é possível (paciente desacorda-
do ou no pós-cirúrgico). Apresenta efeito de primeira passagem menor que na via oral, já
que parte do fármaco é drenada pelo plexo hemorroidal à veia cava, evitando o efeito de
pré-eliminação sistêmica hepática.
A via tópica é amplamente utilizada, por exemplo, para controle de alterações locais
na pele. Todavia, dependendo das características químicas da molécula (lipossolubilida-
de) e da condição da superfície epitelial (íntegra, queimada, lesionada por cortes) pode
haver algum grau de absorção sistêmica. Este evento deve ter especial atenção, sobre-
tudo para fármacos que apresentam efeitos adversos significativos, sendo evitada a
aplicação destes em mucosas e pele não-íntegras.

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FARMACOLOGIA GERAL | Cap. 6

Entretanto, em alguns casos, a absorção do fármaco através da pele (via transdér-


mica) é desejável e utilizada clinicamente pela capacidade de gerar resposta sistêmi-
ca, tais como contraceptivos hormonais, analgésicos e dispositivos de controle de de-
pendência à nicotina.
A administração de fármacos pela via parenteral evita o metabolismo de primeira
passagem hepático, resultando em biodisponibilidade maior ou total, como no caso da
via intravenosa (apesar de ainda haver a possibilidade do efeito de primeira passagem
pulmonar). As principais vias de administração parenterais são a intravenosa, intramus-
cular e subcutânea. Outras vias menos comuns que utilizam medicamentos injetáveis
são a intra-arterial (utilizado em alguns casos de tumores, especialmente hepáticos,
sendo a única forma de administração que evita primeira passagem pulmonar), intra-ar-
ticular e intratecal.
A via intravenosa representa uma excelente via de administração, especialmente
quando a rápida ação do fármaco é requerida. Esta via isenta o fármaco de metabolis-
mo de primeira passagem, apresentando biodisponibilidade total já que o fármaco é
diretamente administrado na circulação sistêmica. Apesar disso, após sua administra-
ção, ao contrário de outras vias (especialmente via oral) não há como efetuar remoção
do fármaco (como ocorre, por exemplo, na lavagem gástrica após administração pela
via oral) e ainda é necessário manter acesso venoso de forma correta no paciente, uma
vez que os acessos são grandes fontes de infecção, sobretudo em ambientes hospi-
talares. Esta via ainda apresenta a restrição da necessidade do medicamento admi-
nistrado ser apirogênico. Esta via não admite ainda a possibilidade de administração
de suspensões oleosas e fármacos e excipientes que precipitem constituintes sanguí-
neos ou promovam lise de eritrócitos.
A via inalatória pode ser utilizada para fármacos que não causem irritação da mucosa
ou das vias aéreas. Gases e fármacos voláteis (exemplo: anestésicos inalatórios) admi-
nistrados desta forma são absorvidos pelo epitélio pulmonar, sendo a condução até a
circulação sistêmica rápida devido à elevada superfície pulmonar. Esta via não sofre me-
tabolismo de primeira passagem hepática. A via inalatória pode ainda ser usada visando
efeito pulmonar, como broncodilatadores e glicocorticoides. Esta via, pelas caracterís-
ticas acima descritas quanto ao grau e rapidez de absorção, pode também pode ser utili-
zada para administração de algumas drogas de abuso.
A administração nasal de fármacos é de grande interesse clínico para alguns tipos
específicos de fármacos. Alguns destes, não são passíveis de administração por via oral

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

por serem rapidamente destruídos no trato gastrintestinal. A administração nasal pode


visar somente ação local (exemplo: descongestionantes nasais) ou exercer efeito sistê-
mico devido à extensão da absorção pela mucosa, como ocorre para os hormônios anti-
diurético (ADH), a ocitocina e a calcitonina.
A via ocular é utilizada para tratamento de distúrbios locais (como processos infla-
matórios oculares), apesar de haver a possibilidade de absorção sistêmica (exemplo:
broncoespasmo em pacientes suscetíveis induzido pelo fármaco timolol oftálmico uti-
lizado no tratamento do glaucoma).
Toda a descrição acima mostra que a escolha correta da via de administração do fár-
maco é, muitas vezes, o fator determinante no sucesso da conduta terapêutica e minimi-
zação de possíveis efeitos adversos ao paciente.

6.4. Tipos de Receptores


A ocorrência de resposta biológica em decorrência da administração de um fármaco
depende de alterações químicas promovidas pela complexa interação da molécula com
seu receptor. Os receptores genericamente podem ser ligados a canais iônicos (iono-
trópicos), acoplados a proteína G (metabotrópicos), acoplados à atividade enzimática
ou intracelulares. Estes receptores são acoplados a sistemas de transdução de sinais
intracelulares citoplasmáticos e/ou nucleares (acoplados à proteína G, tirosino-quina-
ses, fosfatases, vias de ativação de fatores nucleares, dentre outros), e podem também
alterar o padrão de fluxo iônico determinando processos de exocitose, ativação neuro-
nal, movimentação de estruturas intracelulares, dentre outros. O estudo de receptores
neste contexto é extremamente vasto e novas vias de sinalização são descritas com
frequência, fazendo com que esta breve descrição tenha tão somente o caráter de re-
forçar a importância dessas moléculas como atores principais na intermediação entre o
fármaco e sua ação biológica.

6.5. Introdução à Farmacocinética


Diversos fatores influenciam o sucesso de uma conduta terapêutica além do conceito
dose-efeito estabelecido pela farmacodinâmica. Tão logo um fármaco entra em contato
com o organismo, uma sequência de eventos ocorre de forma controlada, envolvendo
mecanismos de absorção, distribuição, metabolização e eliminação.

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FARMACOLOGIA GERAL | Cap. 6

Conforme já discutido anteriormente, a absorção de fármacos depende de uma série


de fatores físico-químicos, destacando-se entre eles, o tamanho da partícula adminis-
trada, grau de lipossolubilidade, via de administração escolhida, grau de ionização da
molécula, superfície de absorção e passagem através de membranas biológicas, além
de outros fatores como vascularização tecidual, motilidade gastrintestinal e efeito de
primeira passagem.
Os mecanismos de absorção e distribuição de fármacos pelo corpo dependem, na
sua grande maioria, da capacidade destes de atravessar membranas biológicas. Assim,
um dos fatores com grande importância é o perfil de lipossolubilidade, que define, jun-
tamente com grau de ionização, tamanho e formato (polimorfismo) da molécula, a ca-
pacidade de interagir com bicamadas lipídicas a atravessá-las por transporte passivo.
Moléculas muito hidrofílicas dependem do transporte facilitado para alcançarem seus
sítios de ação.
Além das características de lipofilicidade, o grau de ionização é fator determinante
para a passagem de fármacos através de membranas biológicas. Enquanto moléculas
não-ionizadas apresentam maior caráter de solubilização em lipídeos e, portanto, maior
capacidade de transpor membranas biológicas, moléculas ionizadas não são aptas ao
transporte passivo através de membranas celulares. O grau de ionização dos fármacos
depende do pH do meio e da constante de ionização, característica de cada molécula.
Segundo a equação de Henderson-Hasselbalch, que determina o equilíbrio de ionização
de uma molécula em dado pH, temos para um ácido fraco:

pKa - pH = log ([não-ionizada]/[ionizada]) (equação 1)


Reorganizando a equação 1 para um fármaco cuja estrutura química seja de um ácido
fraco (pKa = 4,4) obtemos a seguinte relação (equação 2):

( [ionizada]/[não-ionizada] ) = 10 (pH – pKa) (equação 2)

Em pH 1,4 (suco gástrico):


Temos 1000 moléculas não-ionizadas para cada molécula ionizada
Em pH 7,4 (plasma):
Temos 1000 moléculas ionizadas para cada molécula não-ionizada

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Assim, fica claro que a extensão de absorção de um determinado fármaco é modifica-


da, entre outros fatores, pela variação de pH do meio (Tabela 1).

Tabela 6.2 Relação entre formas ionizada/não-ionizada de fármacos com características áci-
do-base diferentes.

6.6. Distribuição de fármacos


Após atingir circulação sistêmica, o fármaco começa sua etapa de distribuição pelo
fluido intracelular e espaço intersticial. Esta distribuição depende de uma série de fa-
tores, como débito cardíaco, fluxo sanguíneo local, permeabilidade capilar e volume te-
cidual. A distribuição depende também de características químicas do fármaco, como
sua permeabilidade através das membranas, intensidade das interações do fármaco em
constituintes destes compartimentos, da partição determinada pelas diferenças de pH,
dentre outros.
Muitos fármacos circulam nos vasos ligados às proteínas plasmáticas. Entre elas
estão a albumina (principal carreador, especialmente para moléculas de caráter
ácido) e a glicoproteína α1 ácida (que se liga principalmente a moléculas de caráter
alcalino). Estas ligações ocorrem de maneira não-linear, saturável e não-específica.
O efeito das ligações a proteínas plasmáticas é a geração de um “reservatório de

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FARMACOLOGIA GERAL | Cap. 6

fármaco” que estabelece um equilíbrio dinâmico entre fração ligada e fração livre no
plasma, promovendo redução da concentração de fármaco livre para exercer ação
biológica e, eventualmente, aumento do tempo de meia-vida do fármaco (uma vez
que ocorre redução da taxa de metabolização deste). Desta forma, vários fármacos
diferentes podem competir pelos sítios de ligação da albumina, alterando padrões
normais de ligação quando os fármacos são administrados isoladamente, necessi-
tando inclusive de ajuste de doses de fármaco quando administrado com outro que
também se liga a proteínas plasmáticas.
Alguns fármacos apresentam características de acúmulo em determinados teci-
dos, como ocorre, por exemplo, com a quinacrina (antimalárico) no fígado e gentami-
cina (antibiótico) nos rins e sistema vestibular (inclusive levando à toxicidade local).
Um tecido com grande importância no acúmulo diferenciado de fármacos é o tecido
adiposo. O tiopental (anestésico), por exemplo, apresenta elevada partição pelo te-
cido adiposo, criando um depósito de fármaco, aumentando o tempo de ação. A afini-
dade de fármacos pelo tecido adiposo deve ser levada em conta na escolha da dose,
sobretudo em pacientes idosos ou obesos em que o percentual de gordura corporal
atinge níveis significativamente mais elevados, podendo desencadear bioacúmulo
do fármaco no organismo.

6.7. Metabolização de fármacos


A biotransformação de fármacos é, em geral, o ponto limitante que determina o tér-
mino da ação do fármaco no organismo, já que altera a estrutura química da molécula em
metabolitos inativos. De fato, algumas moléculas, mesmo após a etapa de metaboliza-
ção ainda exercem efeitos farmacológicos e/ou tóxicos. Por outro lado, alguns fármacos
precisam passar por metabolização para se tornarem ativos e exercerem efeito, já que
a substância com ação terapêutica é exatamente o produto do metabolismo enzimático
sobre a molécula administrada (estas substâncias são classicamente denominadas pro-
fármacos).
As reações de metabolização ocorrem principalmente no fígado, apesar de vários
outros tecidos e órgãos participarem de etapas de alterações químicas em uma vasta
coleção de substâncias. As enzimas responsáveis pelas transformações químicas estão
majoritariamente localizadas nas membranas do retículo endoplasmático liso e envol-
vem, de fato, uma superfamília de enzimas denominadas coletivamente citocromo P450

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

(devido ao seu espectro de absorção em 450 nm) que conjuntamente e com níveis dife-
renciados de seletividade e especificidade atuam sobre os mais diferentes fármacos.
Conforme discutido anteriormente, uma das características que confere acesso dos
fármacos até seus locais de ação é a lipofilicidade, característica importante para o
transporte através de membranas biológicas. Entretanto, a principal via de eliminação
de substâncias do organismo é a via renal através da urina. Assim, para muitos fármacos
há a necessidade de biotransformá-los em substâncias de maior caráter hidrofílico.
Essas reações são em geral divididas em reações de fase I e de fase II. Esta divisão
é por vezes, muito mais didática que fisiológica já que várias moléculas passam por so-
mente uma das etapas, ou ainda pela fase II antes da fase I.
Em linhas gerais, as reações de fase I determinam o fim da ação farmacológica das
substâncias (com exceções, já citadas). São vários os tipos de reações químicas que po-
dem ocorrer, dentre elas: oxidação, hidroxilação, dealquilação, deaminação e hidrólise.
Em geral, esta fase torna as moléculas mais reativas quimicamente (em alguns casos,
mais tóxicas também), além de mais polares. Esta etapa de biotranformação é passível
de sofrer indução ou inibição em função de interações medicamentosas que alterem a
função e/ou expressão enzimática, com redução ou aumento, respectivamente, do tem-
po de meia-vida do fármaco que está sendo metabolizado.
As reações de fase II envolvem conjugação (processo passível de saturação) com a
molécula produzida pelas reações de fase I com resíduos de ácido glicurônico, sulfato,
glutationa, aminoácidos ou ainda acetato. Os conjugados produzidos são altamente po-
lares e capacitados para os mecanismos de excreção, sejam eles via urina ou nas fezes.
A Fig. 6.3 a seguir exemplifica a via de metabolização do ácido acetilsalicílico (AAS)
que gera o principal metabólito eliminado pela urina (ácido saliúrico) através de reação
de conjugação com glicina:

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FARMACOLOGIA GERAL | Cap. 6

Fig. 6.3 Metabolização do ácido acetilsalicílico.

(Fonte: Informações Técnicas - Bula medicamento Aspirina® - Bayer HealthCare)

6.8. Eliminação de Fármacos


Após as etapas de distribuição e metabolização de fármacos, tem lugar o processo
de eliminação. O principal órgão responsável por esta função é o rim, apesar da elimina-
ção biliar ter papel importante para excreção de algumas moléculas, além de pulmões,
eliminação pelo leite materno, dentre outros.
A excreção renal depende de três processos que agem coordenadamente e determi-
nam a extensão da remoção de um fármaco da circulação sistêmica. São eles: filtração
glomerular, secreção tubular ativa e reabsorção tubular passiva. A função renal, além
de sofrer alterações de uma série de eventos, inclusive patológicos, apresenta grande
variabilidade interindividual e mesmo intra-individual ao longo do curso da vida. Em neo-
natos, a função renal é bastante reduzida em relação ao peso corporal, fenômeno esse
modificado já no final do primeiro mês de vida. Na idade adulta, a perda de função renal
é de aproximadamente 1% ao ano. Assim idosos necessitam, muitas vezes de ajustes na
dose de fármacos devido a sua função renal reduzida.
A filtração glomerular depende, basicamente, do fluxo sanguíneo renal, da taxa de fil-
tração glomerular e da extensão da ligação a proteínas plasmáticas ao fármaco, já que
somente moléculas não ligadas são passíveis de filtração glomerular. O fenômeno da
reabsorção tubular é em sua grande parte devido a transporte passivo por difusão de
moléculas não-ionizadas, além de uma parcela exercida por transporte ativo por carrea-
dores localizados na superfície do túbulo renal.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

O fato da reabsorção tubular ocorrer através de transporte passivo de moléculas


não-ionizadas abre a possibilidade de intervenção farmacológica no sentido de minimi-
zar reabsorção de alguns fármacos em condições especiais. A alcalinização da urina faz
com que fármacos que são ácidos fracos (ex: fenobarbital) aumentem sua fração ioniza-
da, reduzindo assim sua reabsorção e aumentando sua eliminação renal. Esta conduta é
ainda utilizada no manejo de intoxicações medicamentosas (por exemplo, a alcalinização
da urina com bicarbonato de sódio na superdosagem de metotrexato em protocolos de
quimioterapia previne a precipitação renal do fármaco).
Outra via importante na excreção de fármacos envolve processos secretórios por
transportadores presentes na membrana dos hepatócitos, que lançam seus produ-
tos diretamente na bile. O conteúdo biliar é lançado no duodeno durante o processo
digestivo. A superfície dos enterócitos possui transportadores que podem reabsor-
ver parte dos fármacos lançados na bile, processo chamado de circulação entero-he-
pática, o que pode prolongar significativamente a presença do fármaco (ou toxina)
no organismo (e neste caso seria um processo de distribuição do fármaco). Para fár-
macos que sofrem excreção biliar na forma conjugada é necessária ação de enzimas
hidrolíticas da microbiota intestinal antes que ocorra o processo de reabsorção. No
caso de fármacos que são lançados na bile, e não são reabsorvidos, eles sofrerão
eliminação nas fezes.

6.9. Tipos de interações estabelecidas entre o fármaco e seu alvo


O evento da interação do fármaco com o receptor, independente da sua natureza
química (exemplo: covalente, hidrofóbica ou eletrostática) não necessariamente de-
sencadeia reposta biológica. O tipo de alteração biológica em um determinado siste-
ma promovida pela ligação dos fármacos aos seus respectivos receptores permite in-
ferir a estas moléculas classificações, como descrito abaixo, e que constituem a base
da farmacodinâmica.

¾¾ Agonista: definido como determinada molécula que ao entrar em contato quí-


mico com o receptor promove alterações especificas de forma a induzir a sinalização
celular relacionada àquele receptor. Alguns fatores relacionados à interação fárma-
co-receptor são de grande importância no tipo de grau de alteração promovido. O

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FARMACOLOGIA GERAL | Cap. 6

conceito de afinidade, de forma simplificada, está relacionado à probabilidade da


molécula em se ligar ao seu receptor. Contudo, alguns fármacos, apesar de apresen-
tarem alta afinidade por determinado receptor, não mostram igual capacidade de
ativação e resposta biológica, sendo incapazes de induzir resposta máxima mesmo
quando todos os receptores estão ocupados pelos ligantes, logo não são agonistas
plenos ou totais. Experimentalmente, podemos realizar ensaios in vitro onde a cada
concentração do fármaco tem-se uma amplitude de resposta do agonista, e após
análise dos dados, construir um gráfico efeito (eixo Y) em função do logaritmo da
concentração do fármaco (eixo X). A análise quantitativa deste gráfico concentra-
ção-resposta permite calcular dois parâmetros: a concentração do fármaco que pro-
duz 50% do efeito máximo (CE50) e o efeito máximo (Emax). O conceito de potência
engloba o parâmetro CE50. Quanto menor o valor de CE50 maior é a potência (e indire-
tamente a afinidade) do fármaco, ou seja, a concentração necessária para promover
50% do efeito é menor. Por outro lado, a parâmetro Emax é importante para definir e
comparar experimentalmente a eficácia de agonistas. Um agonista pleno é aquele
capaz de induzir resposta máxima no sistema biológico em questão.

Além do conceito de agonista pleno, há outras classificações, como agonista parcial e


agonista inverso. Um agonista parcial desencadeia resposta biológica qualitativamente
similar àquela dada pelo agonista pleno, todavia com menor eficácia. Assim, mesmo em
elevadas concentrações, o efeito produzido será apenas submáximo. Já a denominação
de agonista inverso está intimamente relacionada à descoberta que uma fração dos re-
ceptores pode existir em estado constitutivamente ativado, i.e., o receptor é ativado na
ausência do agonista, como por exemplo, em casos de mutações genéticas, ou mesmo
em alguns sistemas fisiológicos. Nestes casos, os agonistas inversos promovem altera-
ções nos níveis de ativação desses receptores para padrões inferiores, ou seja, minimi-
zam o padrão de resposta fisiológica basal.

¾¾ Antagonista: definido como molécula sem eficácia, mas capaz de minimizar ou


mesmo abolir o efeito promovido por outro fármaco. Em geral, o antagonismo é estuda-
do de forma bastante restrita ao antagonismo farmacológico por bloqueio de receptor
ou uma via de sinalização, impedindo sua ativação pelo agonista endógeno ou exógeno.
Na verdade há uma série de mecanismos de antagonismos possíveis entre fármacos ou
drogas. Entre eles temos:

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

¾¾ Químico: uso de quelantes para ligação a metais pesados reduzindo sua toxicida-
de, anticorpos neutralizantes para citocinas; cátions divalentes que quelam o antibiótico
tetraciclina;

¾¾ Farmacocinético: fármacos que minimizam a absorção ou que aceleram a elimina-


ção de outra substância (ex: fenobarbital acelera metabolização hepática da varfarina);

Por bloqueio de receptor (farmacodinâmico): forma mais classicamente estuda-


da. Denota a ocupação do sitio de ligação do fármaco agonista ao seu receptor por
outra molécula sem eficácia intrinseca, ou seja, um antagonista. O antagonismo pode
ser por competição reversível (que pode ser limitado ou abolido frente ao aumento
de concentração do agonista), ou irreversível (na qual a velocidade de dissociação
do antagonista é muito lenta). O antagonista competitivo reversível desloca a curva
concentração-resposta do agonista para a direita reduzindo sua potência (aumenta
o valor de CE50). O antagonista competitivo irreversível em geral reduz a eficácia (re-
dução do Emax).
Antagonismo não-competitivo: o antagonista impede uma via de sinalização re-
levante para o efeito do agonista, mas não há bloqueio do receptor em si (exemplo:
a vasoconstricção depende do aumento do cálcio intracelular. A nifedipina, antago-
nista dos canais de cálcio do tipo L, bloqueia a entrada de cálcio na célula muscular
lisa reduzindo o efeito vasoconstrictor da noradrenalina e de outros vasoconstric-
tores);
Fisiológico: fármacos que exercem efeitos biológicos opostos, apesar de não intera-
girem diretamente um com o outro e não compartilharem o mesmo receptor (exemplo:
histamina estimula secreção ácida estomacal pela ativação de receptores histaminér-
gicos H2 na célula parietal enquanto o omeprazol bloqueia este efeito por inibir a bomba
próton-potássio ATPase responsável pela secreção ácida.
Todos esses tipos de interação fármaco-alvo demonstram o grau de complexidade
que vai desde a chegada da molécula ao seu sitio de ação até o efetivo desencadeamen-
to da resposta biológica final.

100 SÉRIE EM BI O LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


FARMACOLOGIA GERAL | Cap. 6

Por fim, esta breve discussão a respeito de parâmetros de ordem farmacocinética e


farmacodinâmica que regem a ação de fármacos no organismo tem por objetivo mostrar
quão complexa é a rede de interações que são estabelecidas desde a administração de
um determinado fármaco até sua eliminação do corpo e da necessidade de profissionais
extremamente capacitados para lidar com situações clínicas e experimentais visando à
utilização da farmacologia na mais nobre das causas, prover e restaurar saúde e bem-es-
tar e salvar vidas.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 101


7. MEDIADORES
INFLAMATÓRIOS

BIANCA T. CIAMBARELLA
MEDIADORES INFLAMATÓRIOS | Cap. 7

Mediadores inflamatórios são substâncias químicas produzidas pelo organismo em


resposta a estímulos exógenos (por exemplo: traumas físicos, produtos bacterianos, vi-
rais, etc) ou endógenos (por exemplo: respostas auto-imunes). Os mediadores inflama-
tórios são originados de proteínas plasmáticas ou de células e podem atuar na microcir-
culação (causando vaso-dilatação; aumento de permeabilidade capilar, extravasamento
de proteínas) e em células, atraindo leucócitos para o local da lesão, ativando células,
induzindo a produção de outros mediadores. Didaticamente podem ser divididos em
mediadores de origem celular e mediadores de origem plasmática.

7.1. Mediadores de origem celular

7.1.1. Aminas vaso-ativas

7.1.1.1. Histamina
Os principais estudos sobre a ação da histamina se deram por Dale
e Laidlaw quando eles observaram que após a estimulação do músculo
liso com histamina ocorria uma intensa vasodilatação. A histamina é uma
molécula hidrofílica formada por um anel imidazólico e um grupamento
amina ligada a uma cadeia etílica.

Fig. 7.1 Estrutura química da histamina.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 103


Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

A histamina é sintetizada a partir da histidina, que é um aminoácido,


pela ação da α-histidina descarboxilase (Fig. 7.1). Após a sua síntese ela
é armazenada em grânulos de mastócitos e basófilos. Está amplamente
distribuída no organismo, atuando como neurotransmissor controlando
funções neuroendócrinas, regulação cardiovascular, termoregulação e
vigília; é secretada pelas células endocromafins estimulando a secreção
gástrica nas células parietais e atua como mediador inflamatório a partir
do momento da ligação do antígeno à IgE que está ligada nas membranas
celulares de basófilos e mastócitos. Esta ligação leva à desgranulação
dessas células, com liberação da histamina (Fig. 7.2).

Fig. 7.2 Ação da α-histidina descarboxilase sobre a histidina. Ela retira o grupamento car-
boxila da histidina dando histamina e gás carbônico (CO2).

A ação da histamina é observada após a ligação aos seus recepto-


res metabotrópicos que estão acoplados à proteína G, denominados H1,
H2, H3 e H4. O H4 é encontrado em células hematopoiéticas, neutrófilos
e eosinófilos ativos e no trato gastrintestinal. A ligação da histamina
ao receptor H4 em eosinófilos induz a mudança de forma, quimiotaxia
com aumento na expressão de moléculas de adesão como CD11b/CD18
e ICAM-1. Já o H3 está distribuído no sistema nervoso central, principal-
mente no glânglio basal, hipocampo e no córtex, sua ativação é respon-
sável pela indução do sono. Ambos são ligados a proteína Gi/0 e inibem a
atividade da adenilato ciclase. Enquanto H2 está acoplado a proteína Gs,
distribuído em células gástricas parietais, células cardíacas, mastócitos
e no sistema nervoso central. É responsável pelo aumento da atividade
da adenilato ciclase e consequentemente nos níveis de cAMP. Dessa
forma, na musculatura dos vasos leva a vasodilatação e aumento na se-

104 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


MEDIADORES INFLAMATÓRIOS | Cap. 7

creção de ácido gástrico. Já H1 que além de estar presente no sistema


nervoso central, também está presente nas células do músculo liso e
células endoteliais. Este leva a produção de IP3 e DAG pela ativação da
fosfolipase C, aumentando o influxo de Ca+2, fosfolipase A2 e vias de sina-
lização como MAPKs, ERKs, JNKs e p38MAPK. Sua atividade é percebida
pela broncoconstrição das vias aéreas, porém ele possui características
vasodilatadoras devido a liberação de óxido nítrico endotelial.
Como observamos, o papel da histamina irá depender do local e do tipo
de receptor a ser ativado. Em pacientes asmáticos a ligação da histamina
ao receptor H1 pode ser muito perigosa, pois leva a uma broncoconstrição
deixando o paciente muitas vezes dependente de uma terapia com medi-
camentos como broncodilatadores e glicocorticóides. Já no endotélio vas-
cular, o aumento da permeabilidade vascular confere ao local inflamado
características dos sinais cardinais da inflamação: edema, calor e rubor. O
processo de desgranulação de mastócito/basófilo decorrente da ligação
do antígeno ao anticorpo IgE está representado na Fig. 7.3.

7.1.1.2. Serotonina
Isolada em 1948 por Maurice M. Rapport, Arda Green e Irvine Page,
a serotonina também é chamada de 5-Hidroxitriptamina (5-HT) e é for-
mada através da transformação do aminoácido triptofano em 5-hidroxi-
triptofano pela triptofano hidroxilase e desse em 5-HT pela L-aromático
aminoácido descarboxilase (Fig. 7.4).
É formada pelo sistema nervoso central e pelas células
enterocromafins, mas também pode ser encontrada no sangue
armazenada em grânulos nas plaquetas. Possui 14 tipos de
receptores classificados em: 5-HT 1 (5-HT 1A, 5-HT 1B, 5-HT 1D, 5-HT 1E e
5-HT 1F), 5-HT 2 (5-HT 2A, 5-HT 2B e 5-HT 2C), 5-HT 3, 5-HT 4, 5-HT 5A, 5-HT 5B,
5-HT 6 e 5-HT 7. Sendo estes receptores metabotrópicos acoplados à
proteína G com exceção de 5-HT3 que é inotrópico. O receptor 5-HT1
inibe a adenilato ciclase e pelo menos a 5-HT 1A também ativa canais
de K + e inibe canais de Ca +2. ele é encontrado no núcleo da Rafe. Ela
também está amplamente distribuída pelo o organismo, principal-
mente nos receptores somatodendríticos no corpo de neurônios

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Fig. 7.3 A ligação do antígeno a IgE, leva à ativação da proteína G, que ativa fosfolipase C, esta
transforma PI-4,5-b fosfato (PIP2) da membrana em diacilglicerol (DAG) e inositol 1, 4, 5
trifosfato (IP3) que são responsáveis pelo aumento de ácido lisofosfatídico e lisofosfa-
tidil colina, respectivamente, os quais levam à fusão dos grânulos com a membrana dos
mastócitos e basófilos.

106 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


MEDIADORES INFLAMATÓRIOS | Cap. 7

Fig. 7.4 Síntese da serotonina no organismo.

serotoninérgicos. Os 5-HT1B e 5-HT1D estão localizados na substân-


cia nigra e são responsáveis pela concentração de dopamina intra
e extracelular. Os receptores 5-HT 2 ativam fosfolipase C levando à
síntese de IP3 e DAG com consequente aumento de Ca+2 intracelular
e ativação de proteínas quinases. Estão localizados nas plaquetas,
músculo liso e córtex cerebral sendo responsável pela agregação
plaquetária, contração e excitação neuronal. O receptor 5-HT3 loca-
liza-se nos nervos periféricos e área póstrema e participa tanto no
gastrintestinal quanto no Sistema Nervoso Central (SNC) podendo
levar ao aumento do peristaltismo, vômito, centro da fome, agressi-
vidade, humor, dentre outros. Nas terminações nervosas, estimula
as terminações nociceptivas causando dor. O receptor 5-HT4 está
distribuído em todo o corpo e é responsável por induzir a produção
de secreções no trato gastrintestinal, e ativar o reflexo peristálti-
co. Seus efeitos são derivados da ativação intracelular de adeni-
lato ciclase e aumentando AMPc. Sua degradação é realizada pela
monoaminooxidase (MAO) que a transforma em ácido 5-hidroxiin-
dolacétaldeído, este sofre ação de NAD ou NADH gerando 5-hidro-
xiindolacético e 5-hidroxitriptol, respectivamente. Entretanto, em
uma via menos comum a 5-HT pode sofrer ação da 5-HT N-acetilase,
transformando-se em N-acetil-5-HT e esta é transformada em me-
latonina pela hidroxindol O-metiltransferase. Seus metabólitos são
eliminados através da urina.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

7.1.2. Metabólitos do ácido aracdônico

7.1.2.1. Eicosanóides
Os eicosanóides são formados a partir de um ácido carboxílico po-
liinsaturado essencial chamado ácido aracdônico (Fig. 7.5). Sua estru-
tura inclui 20 carbonos e 4 ligações duplas cis iniciando em ômega-6
nas posições 5, 8, 11 e 14, recebendo assim a denominação química de
ácido eicosatetraenóico ou ácido 20;4 (5, 8, 11, 14). No organismo, a re-
serva de ácido araquidônico é mantida nas membranas celulares es-
tocadas na forma de fosfolipídeos. Sendo assim, o ácido araquidônico
é liberado dos seus fosfolipídeos de origem através de reação direta
catalisada pela fosfolipase A2 ou por reações seqüenciais catalisadas
pela fosfolipase C e a seguir pela diacilglicerol-lipase. A partir daí ele
pode sofrer ação da ciclooxigenase, que levará à formação da prosta-
glandina G2 (PGG2), esta sofrerá ação de uma peroxidase e será con-
vertida em PGH2 que por sua vez poderá ser convertida em PGE2, PGF2,
PGD2. A PGH2 também poderá sofrer ação da prostaciclina sintase
levando à formação de PGI2 e PGF1α. Por outro lado, a PGH2 poderá
sofrer ação da tromboxano sintase levando à formação de tromboxa-
no A2 (TXA2). O ácido aracdônico pode ser metabolizado pela 5-lipoxi-
genase associada à FLAP que levará à síntese de 5-HEPET. Esta por
sua vez poderá formar o ácido hidroxieicosatetraeinóico (5-HETE) ou
os leucotrienos, começando pela formação de LTA4 que pode sofrer
ação de duas enzimas: LTA4 hidrolase que o transformará em LTB4 ou
LTC4 sintase que o transformará em LTC4; este perderá uma molécula
de glutamina, formando o LTD4 que por sua vez perderá uma molécula
de glutamina e formará LTE4. LTC4, LTD4 e LTE4 são chamados de Cis-
leucotrienos, devido aos resíduos de cisteína.
As prostaglandinas atuam em diferentes sistemas, dentre eles o
sistema cardiovascular, onde a PGE2, PGD2 e PGI2 causam vasodilata-
ção, entretanto, o PGF2α, assim como o TXA2, são vasoconstritores.
Este também é um potente agregante plaquetário; na musculatura lisa,
dependendo do órgão, um mesmo eicosanóide pode levar a diferentes
processos. Por exemplo, nos brônquios a PGE2 atua como broncocons-

108 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


MEDIADORES INFLAMATÓRIOS | Cap. 7

tritor enquanto no músculo uterino não-grávido é relaxado pela mesma.


No processo inflamatório, as PGs são responsáveis pela diminuição do
limiar nociceptivo.
Os leucotrienos são sintetizados e secretados por polimorfonu-
cleares e possuem ação de vaso e broncoconstritores e são responsá-
veis pelo aumento da secreção de muco e aumento da permeabilidade
vascular.
As lipoxinas (LX), por sua vez, foram descritas por Serham e co-
laboradores em 1984, ao incubarem o derivado do ácido aracdônico,
15-HPETE, com leucócitos humanos. Essas moléculas são sinteti-
zadas a partir da interação entre células. No caso da interação dos
leucócitos com as plaquetas, as LXs são formadas através da ação
da 12-lipoxigenase sobre o LTA4. As LXs possuem propriedades an-
ti-inflamatórias e próresolução através da inibição da quimiotaxia
e ativação de polimorfonucleares, como neutrófilos e eosinófilos e
aumentando a fagocitose de polimorfonucleares apoptóticos pelos
macrófagos no tecido inflamado.

7.1.3. Fator de Ativação de Plaquetária (PAF)


Em 1971, Henson observou a agregação plaquetária devido a um fator solú-
vel, que mais tarde, Jacques Benveniste, um imunologista francês e colabora-
dores, denominaram de Fator Ativador de Plaquetas. O PAF, também chamado
de 1-O-alquil-2-acil-sn-glicero-3-fosfocolina é um derivado lipídico proveniente
de reações enzimáticas mediada pela Liso-PAF acetiltransferase, cujo ponto
de partida é o liso-PAF. Este é produzido pela remoção enzimática catalisada,
pela fosfolipase A2, de um glicerofosfolipídeo com substituições 2-acil (removi-
da pela PLA2) e 1-alquil, liberando, em geral ácido araquidônico. A sua metaboli-
zação é realizada através da transformação do PAF em Liso-PAF pela PAF ace-
tilhidrolase e em 1-alquil-2-acil-glicerofosfocolina pela ação da acil transferase,
como observado nas Fig. 7.6 e 7.7.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 109


Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Fig. 7.5 Esquema das vias de síntese de prostaglandinas, tromboxano, leucotrienos e lipo-
xinas. O ácido aracdônico pode sofrer ação de diversas enzimas e gerar diferentes
estruturas que atuarão durante o processo inflamatório.

110 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


MEDIADORES INFLAMATÓRIOS | Cap. 7

Fig. 7.6 Estrutura molecular do PAF.

Fig. 7.7 Via de metabolização do PAF.

O PAF é produzido por diferentes tipos celulares, como neutrófilos, monócitos, mas-
tócitos, eosinófilos, plaquetas, células endoteliais, dentre outras. Moléculas semelhan-
tes ao PAF podem ser produzidas através de fragmentos de lipídeos oxidados da mem-
brana celular, estas também são capazes de se ligar aos receptores do PAF e produzir
ações semelhantes, como: vasodilatação, diminuição do fluxo sanguíneo, broncoconstri-
ção, quimiotaxia, dentre outras.
O receptor de PAF está acoplado a uma proteína G. A ligação do PAF ao seu receptor
leva à ativação de uma cascata de sinalização mediada pela fosfolipase C, IP3 e Ca+2, as-
sim como, pela fosfolipase A2, fosfolipase D e ácido aracdônico levando à formação de
PGs, TXA2 e LTs. O PAF possui ação no sistema cardiovascular, promovendo redução da
resistência vascular periférica, vasodilatação e queda da pressão arterial. No rim, pro-
move diminuição do fluxo sanguíneo, redução da filtração glomerular e excreção de água

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

e sódio. No estômago, causa contração de fundo e úlcera. No músculo liso, leva à con-
tração, seja gastrointestinal, uterina ou brônquica; nos leucócitos, leva à agregação de
polimorfonucleares, monócitos, estimula degranulação de eosinófilos e liberação de leu-
cotrienos e enzimas lisossomais. Apresenta ainda função quimiotática para eosinófilos,
monócitos e neutrófilos e adesão deste último ao endotélio vascular, facilitando eventos
de diapedese. Estimula a liberação LTs e geração de superóxidos. Ainda promove edema,
sendo mil vezes mais potente que histamina ou bradicinina em induzir extravasamento
vascular pela contração das células endoteliais venulares. Nas plaquetas, o PAF estimu-
la agregação plaquetária.

7.1.4. Citocinas e quimiocinas

7.1.4.1. Citocinas
As citocinas são polipeptídeos com peso molecular de aproxima-
damente 8 a 80 kDa sendo produzidas e secretadas por diversos ti-
pos celulares em resposta a antígenos que geram uma resposta infla-
matória. Essas podem atuar de forma autócrina, ou seja, agindo sobre
a célula que a produziu ou parácrina, agindo sobre outras células pró-
ximas à célula produtora.
Dentre as citocinas podemos incluir:
¾¾ Interleucinas (IL) – são assim denominadas, pois se pensava que
essas citocinas eram produzidas por leucócitos e agiam sobre
outros leucócitos. Possuem como principais funções mediar e re-
gular a resposta imunológica e inflamatória, como, por exemplo, a
IL-1α que é capaz de iniciar uma cascata de mediadores inflama-
tórios. IL-1β é também uma citocina pró-inflamatória e é derivada
predominantemente de macrófagos ativados, apesar de ser pro-
duzida também por células B e células vasculares endoteliais. Esta
induz uma resposta inflamatória caracterizada por um infiltrado
polimorfo e mononuclear. Já a IL-10 é uma citocina essencialmente
anti-inflamatória produzida primariamente por células T e por
macrófagos ativados. Essa citocina foi caracterizada inicialmente
pela sua habilidade em inibir a ativação e função efetora de
células T, monócitos e macrófagos. A IL-10 regula crescimento,

112 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


MEDIADORES INFLAMATÓRIOS | Cap. 7

diferenciação e função de células B, NK, células Th e citotóxicas,


mastócitos, granulócitos, células dendríticas, queratinócitos e cé-
lulas endoteliais. IL-10 tem papel fundamental na diferenciação e
função das células T regulatórias, as quais participam do controle
da resposta imunológica e da tolerância. As próprias células T re-
gulatórias produzem IL-10 em abundância.

¾¾ Interferons (INF) – são citocinas produzidas por linfócitos, parti-


cularmente células NK, linfócitos T CD4+ e T CD8+ e possuem três
subtipos: INF-α, INF-β e INF-γ. Os INF-α e INF-β são produzidos
principalmente frente a um estímulo viral, enquanto o INF-γ me-
deia uma resposta Th1. Atualmente, estão sendo usados como
fármacos no tratamento de diferentes doenças como o câncer,
hepatite C, esclerose múltipla e doenças autoimunes pois, não só
regulam o crescimento e divisão de células somáticas, mas tam-
bém influenciam a sobrevida das células através da modulação da
apoptose. Paradoxalmente, essas citocinas podem ser de nature-
za pró e anti-apoptótica. Ex.: Rebil – INF-b1a.

¾¾ Fatores Estimulante de Colônia (CSF) – são glicoproteínas secre-


tadas que se ligam aos receptores de superfície em células tronco
hematopoiéticas e são capazes de ativar uma cascata de sinaliza-
ção levando à proliferação e à diferenciação celular de leucócitos.
Estes podem ser classificados como: Fator estimulante de colônia
de macrófago (M-CSF), fator estimulante de colônia de granulóci-
tos (eosinófilo, neutrófilo e basófilo) e macrófago (GM-CSF) e fa-
tor estimulante de colônia de granulócito (G-CSF).

¾¾ Fator de Necrose Tumoral (TNF) – é citocina próinflamatória


produzida por monócitos, fibroblastos, células endoteliais, ma-
crófagos, linfócitos T e B, granulócitos, células musculares lisas,
eosinófilos, condrócitos, osteoblastos, mastócitos, células glia e
queratinócitos, após estímulo. O TNF humano é uma proteína ho-
motrimérica codificada dentro do locus do MHC. É inicialmente ex-
presso como uma proteína transmembranar de 26 kDa (TNFmem)
que após clivagem proteolítica é liberada, principalmente pela

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 113


Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Enzima Conversora de TNF (TACE), como uma proteína solúvel


(TNFsol) de 17KDa. Ambas as formas transmembranar e secretada
são biologicamente ativas, e acredita-se que a forma associada à
membrana seja responsável pela sinalização justácrina secundária
ao contato célula-célula.

¾¾ A LTα, formalmente conhecida como TNFβ, e o TNF foram uma vez


considerados formas redundantes. No entanto, junto a um comple-
xo com a LTβ, a LTα emergiu com funções no sistema imune distin-
tas daquelas do TNF, o que também se manifesta a nível molecular
e celular.

A ligação do TNF ao seus receptores leva a ativação de três cas-


catas principais que são: a ativação do fator de transcrição NF-kB,
ativação da cascata de MAPK e indução da apoptose pela ativação da
cascata das caspases.
O aumento nos níveis de TNF está associado a diversas doenças
inflamatórias, como artrite reumatóide, doença de Crohn, psoríase,
asma, silicose. Algumas dessas doenças podem ser tratadas utilizan-
do anticorpos anti-TNF como o infliximab ou um receptor circulante
como o etanercept.

7.1.4.2. Quimiocinas
São citocinas de menor peso molecular (aproximadamente 8 a 10
kDa) e possuem como característica principal a presença de resíduos de
cisteína em sítios conservados. Elas possuem como principal função a
indução de recrutamento de leucócitos sendo classificadas em quatro
tipos (Fig. 7.8):

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MEDIADORES INFLAMATÓRIOS | Cap. 7

¾¾ C – Também denominada linfotaxina. Possui apenas 2 resíduos de cis-


teína;

CC – Possuem quatro resíduos de cisteína, sendo dois resíduos adja-


centes;

CXC – Possuem também quatro resíduos de cisteína, sendo que dois


resíduos são separados por um aminoácido. Ex.: IL-8, que é
quimiotático para neutrófilo;

CXXXC – Possuem quatro resíduos de cisteína, entretanto, os dois


resíduos mais próximos são separados por três aminoácidos
(fractalquina).

Fig. 7.8 Estrutura das quimiocinas.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

A CXC é também classificada como α-quimiocina e possui ação quimiotática para


neutrófilo e linfócitos, devido a presença ou não da seqüência de ácido glutâmico, leuci-
na e arginina próximo a cadeia N terminal. Enquanto a CC é classificada como β-quimio-
cinas e age geralmente sobre monócitos eosinófilos, basófilos e linfócitos. E assim como
α-quimiocina, a seqüência de aminoácido próximo a cadeia N terminal vai determinar o
tipo celular que será atraído. A C e a CX3C não são classificadas como α ou β-quimiocina,
pois possuem apenas dois resíduos de cisteína paralelo e é separada por três aminoáci-
dos, respectivamente.
Essa ativação e quimiotaxia ocorrem devido à ligação das quimiocinas com seus res-
pectivos receptores de superfície. Estes receptores são metabotrópicos, ou seja, pos-
suem sete domínios transmembranares e estão acoplados à proteína G. Sua denomina-
ção é dependente do ligante e dessa forma, os receptores para quimiocinas CC, são os
CCRs; para as quimiocinas CXC, os receptores CXCRs; para a quimiocina CX3C, o recep-
tor CX3CR1 e o receptor de C ainda não foi identificado.

7.1.5. Óxido nítrico (NO)


As primeiras observações da existência do óxido nítrico resultaram da ob-
servação do acúmulo de nitrito e nitrato (produtos de oxidação do óxido nítrico)
na urina em camundongos que sofreram administração de endotoxina, além do
acúmulo desses metabólitos em macrófagos e neutrófilos in vitro em respos-
ta ao LPS (lipopolissacarídeo). Outra significativa descoberta foi o mecanismo
de relaxamento da musculatura lisa vascular promovida pela acetilcolina. Mais
tarde foi comprovado que esta função exercida indiretamente pela acetilcolina
é mediada pela geração de NO.
O NO é um radical livre gasoso formado como produto secundário da rea-
ção de transformação da L-arginina em L-citrulina e é mediada por um grupo
de enzimas chamado de NO sintase (NOS) (Fig. 7.9). Existem três tipos de NOS.
A NOS induzida (iNOS) que está presente em macrófagos, neutrófilos, fibro-
blastos, músculo liso vascular; a NOS endotelial (eNOS), presente constitutiva-
mente em células endoteliais, miócitos cardíacos, osteoblastos, osteoclastos
e em pequenas quantidades em plaquetas; e a NOS neuronal (nNOS) presente
constitutivamente nos neurônios. A iNOS, por ser induzida devido a uma res-
posta imunológica e encontra-se em concentrações de até mil vezes maior que
as NOS induzidas.

116 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


MEDIADORES INFLAMATÓRIOS | Cap. 7

Fig. 7.9 Formação de NO a partir da transformação de L-arginina em L-citrulina mediada


por NO sintase.

O NO é capaz de se ligar ao heme presente na molécula de guanilato ciclase e ativá-la.


Esta, por sua vez, transforma GTP (guanidina trifosfato) em GMP cíclico, que atua sobre os
canais iônicos impedindo a entrada de Ca+2 nas células; ativando canais de potássio, o que
leva à hiperpolarização e relaxamento. E estimula a proteína quinase dependente de cGMP
a ativar a cadeia leve de miosina fosfatase, levando a desfosforilação da cadeia leve de mio-
sina e consequente relaxamento do músculo liso. O NO é o agente efetor do relaxamento da
musculatura lisa vascular promovida pela acetilcolina e bradicinina (através do aumento da
concentração intracelular de cálcio). Este mediador ainda apresenta efeito protetor contra
trombose e aterosclerose através da inibição da migração e proliferação do músculo liso
vascular. Nos vasos é capaz de diminuir a resistência vascular devido a sua ação relaxante,
promovendo assim a redução da pressão arterial; também é capaz de inibir a adesão pla-
quetária promovendo fibrinólise.
Diversas citocinas, como TGF-β e IL-1, são capazes de induzir a expressão de iNOS.
O aumento da produção de NO tem importantes implicações na erradicação do foco de
infecção e na alteração do microambiente inflamatório, já que possui um citotóxico e/
ou citostático. O NO se associa ao ânion superóxido, formando espécies de nitrogênio
altamente reativas que promovem alterações em proteínas, lipídeos e nucleotídeos, fa-
vorecendo combate a patógenos. Todavia, quando a via de síntese de NO é desreprimida
patologicamente, o excesso de NO pode gerar uma série de eventos indesejáveis. Algu-
mas patologias como artrite, psoríase e síndromes inflamatórias intestinais mostram
elevados níveis de NO.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Na região pós-sináptica neuronal, a ativação de receptores NMDA glutamatérgicos re-


sulta em aumento da concentração de cálcio intracelular e ativação da nNOS. O NO, por sua
vez poderia agir como neurotransmissor pré-sináptico. No sistema nervoso periférico, NO
é associado às ações de alguns receptores NANC (não-adrenérgico e não-colinérgico). NO
é ainda relacionado ao processo de ereção peniana, pelo relaxamento da musculatura lisa
vascular, sendo um dos alvos dos medicamentos para tratamento da impotência de última
geração. Estes inibem a fosfodiesterase 5, inibindo a redução dos níveis de AMPc.

7.2. Mediadores de origem plasmática

7.2.1. Bradicinina
Resultante da clivagem do cininogênio pela calicreína, a bradicinina (BK) foi
descoberta em 1949 por Maurício Rocha e Silva, Wilson Teixeira Beraldo e Gas-
tão Rosenfeld, pesquisadores brasileiros do Instituto Biológico da USP quando
descreveram sua ação hipotensora. Ela também é capaz de provocar vasodila-
tação, aumento da permeabilidade vascular, recrutamento leucocitário e dor.
Sua ação é consequência de sua ligação aos seus receptores B1 e B2, ambos re-
ceptores metabotrópicos acoplados à proteína G.
O receptor B2 é expresso constitutivamente e quando ligado a BK ativa fos-
folipase A2 que leva à produção de mediadores derivados do ácido aracdônico
como as prostaciclinas. Ativa fosfolipase C, ativando a via de IP3 e Ca+2 com con-
seqüente ativação de PKC e aumento de síntese e liberação de NO. Também é
capaz de ativar MAPK e o fator de transcrição NF-κB aumentando a transcrição
de mediadores inflamatórios. O receptor B1 não está expresso na membrana
celular e é induzido após uma resposta inflamatória por citocinas, endotoxinas
e fatores de crescimento. Ao contrário de B2, ele não se liga a BK e sim aos me-
tabólitos da mesma, gerados pela ação da carboxipeptidase N ou M.
A resposta celular gerada por esses mediadores tem como objetivo a resolução do
processo inflamatório, entretanto, em alguns casos onde há persistência do patógeno,
esses mediadores podem levar a uma exacerbação da resposta imunológica e conse-
quente perda da função do tecido lesado.

7.2.2. Sistema complemento (C3 – C9)


O sistema complemento é composto de aproximadamente 30 moléculas e
possuem como principal função o controle de reações inflamatórias e quimio-

118 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


MEDIADORES INFLAMATÓRIOS | Cap. 7

taxia, ativação celular, opsonização e lise da célula-alvo. Acredita-se que esse


sistema tenha se desenvolvido antes do sistema imune adaptativo. O sistema
complemento pode ser ativado por 3 vias: a via clássica, que é ativada quando
há ligação do anticorpo ao antígeno; a via alternativa, que é ativada principal-
mente na presença de antígenos microbianos e a via da lecitina, que é ativada
por carboidratos de bactérias. Essas vias de ativação levarão a clivagem de C3
em dois fragmentos: C3a, responsável pela ativação celular (fagócitos e mas-
tócitos), indução da agregação neutrofílica e liberação de espécies reativas de
oxigênio, além da desgranulação de mastócitos; e C3b, que se liga a membrana
da célula e facilita a ligação dos fagócitos, agindo como uma opsonina.
Outra molécula do sistema complemento importante para a defesa do or-
ganismo é a C5, que por sua vez, também é clivada em dois fragmentos: C5a,
que possui um papel importante na ativação de granulócitos e fagócitos mo-
nonucleares. Sendo capaz de ativar a desgranulação de neutrófilos, mastóci-
tos e basófilos, levando a liberação de espécies reativas de oxigênio e aminas
vaso-ativas. Além de aumentar a quimiotaxia de neutrófilos, monócitos e
macrófagos para o sítio de inflamação. E C5b, que se liga a outras moléculas do
sistema complemento (C6, C7, C8 e C9) formando o complexo de ataque à mem-
brana (CAM), que promoverá a ruptura e lise da membrana celular do patógeno.

7.2.3. Sistema de coagulação


Ainda no contexto de mediadores inflamatórios, podemos salientar a casca-
ta de coagulação, onde duas de suas proteínas possuem um papel importante
no desenvolvimento da inflamação. São elas:
• A trombina, uma proteína resultante da ativação da cascata de coagula-
ção, é responsável por clivar o fibrinogênio em fibrina que por sua vez par-
ticipa na formação do coágulo. Também promove o aumento da aderência
leucocitária e proliferação de fibroblastos. Em paralelo a esse processo,
ocorre a formação de fibrinopeptídeos que aumentam a permeabilidade
vascular e induzem o recrutamento de células do sistema imune;

• O Fator Xa, induz aumento da permeabilidade vascular, contribuindo para a


transmigração de leucócitos para o tecido, através da sua ligação ao recep-
tor-1 da protease na célula efetora.
O aumento da permeabilidade vascular e o aumento da aderência de células
do sistema imune, causado pela ação dessas proteínas, facilitará a migração de
leucócitos para o local do processo inflamatório.

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8. ANTI-INFLAMATÓRIOS
ESTEROIDAIS

FÁBIO P. M. DOS SANTOS


ANTI-INFLAMATÓRIOS ESTEROIDAIS | Cap. 8

Os corticosteróides são substâncias endógenas (hormônios) que estão quimicamen-


te classificadas como esteróides, e são sintetizados e liberados pelo córtex da glândula
adrenal (córtex supra-renal).
Anatomicamente, as glândulas adrenais são duas pequenas glândulas com a forma
de uma pirâmide, com cerca de 3 cm de largura, 5 cm de altura e 3 cm de espessura. Es-
truturalmente, encontram-se envolvidas numa cápsula de tecido conjuntivo, rodeada de
tecido adiposo, membranas e ligamentos que são responsáveis pela fixação do órgão na
parte superior dos rins.
Na sua porção inferior, é possível distinguir duas partes completamente distintas: o
córtex adrenal, que corresponde a porção mais externa; e a medula adrenal, que ocupa
a região mais interna da glândula. O córtex adrenal é a região da glândula responsável
pela produção de vários hormônios. Histologicamente, a região da córtex supra-renal é
constituida por regiões específicas: (i) a zona glomerulosa, que está situada mais exter-
namente e é responsável pela produção de mineralocorticóides; (ii) a zona fasciculada,
que é mais central, e mais importante por ser responsável pela produção de cortisol; e
(iii) a zona reticularis, que é a região responsável pela síntese dos hormônios sexuais.
Todos esses hormônios da córtex são esteróides derivados do colesterol que pos-
suem o núcleo ciclopentanoperidrofenantreno característico, podendo ser agrupados
como:
a) Glicocorticóides – Atuam primariamente no metabolismo das proteínas, car-
boidratos e lipídeos. Seu principal representante é o cortisol (hidrocortisona)
em humanos e corticosterona em roedores;

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

b) Mineralocorticóides – Atuam primariamente no transporte de eletrólitos a ní-


vel renal e na distribuição de água nos tecidos. Seu principal representante é
aldosterona.

c) Androgênios ou estrogênios – Atuam primariamente sobre as características


sexuais secundárias, em seus órgãos alvos específicos. Nas mulheres são pro-
duzidas pelas glândulas supra-renais e, nos homens, esse hormônios são produ-
zidos pelos testículos.

De todos os cerca de 50 esteróides cristalinos que foram isolados da adrenal, apenas


8, até o presente momento, possuem atividade fisiológica conhecida. Os mais importan-
tes são: cortisona, hidrocortisona (cortisol, 17-hidroxicorticosterona), aldosterona, e os
dois androgênios: androstenediona (androst-4-ene-3,17-diona) e desidroepiandrostero-
na. Tanto os corticosteróides naturais quanto os sintéticos são utilizados no diagnóstico
e no tratamento de distúrbios da função supra-renal e, com freqüência cada vez mais
elevada, no tratamento de uma grande variedade de distúrbios inflamatórios e imuno-
lógicos.

8.1. Glicocorticóides
Os glicocorticóides são sintetizados na zona fasciculada, da região da córtex adre-
nal, por conta da ação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Nas demais regiões da
glândula – as zonas glomerulosa e reticular – não há produção de glicocorticóides por
conta da ausência das enzimas CYP17 e CYP11B1, respectivamente.
Esse grupo tem como principal representante o cortisol, que é sintetizado a partir do
colesterol, que pode ter origem endógena ou exógena. No entanto, alterações na fórmu-
la estrutural desse corticóide levam a alteração na sua potência biológica, pois resulta
em mudanças na sua absorção, na sua capacidade de ligação proteica, na taxa de bio-
transformação, na taxa de excreção, na permeabilidade a membranas e no próprio poder
de ação no local desejado. Em suma, esses hormônios apresentam semelhanças na sua
estrutura química, mas as diferenças estão na presença de grupos polares, hidroxilas ou
cetonas conjugadas a molécula do cortisol, o que irá caracterizar um novo glicocorticói-
de. Para exemplificar essa característica dos glicocorticóides, a Fig. 8.1 compara as es-
truturas químicas do cortisol e da dexametasona. As setas apontam os sítios que apre-
sentam grupamentos diferentes, entre o cortisol e dexametasona.

122 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


ANTI-INFLAMATÓRIOS ESTEROIDAIS | Cap. 8

Fig. 8.1 Esquema ilustrativo comparativo entre as estruturas químicas do cortisol e da


dexametasona. As setas apontam as modificações estruturais existentes na mo-
léculas da dexametasona, que resultam nas diferenças farmacológica observada
pelo uso dessa molécula.

Outras alterações promovidas na molécula do cortisol, resultam em alterações es-


truturais significativas, que formam moléculas com características biológicas e farma-
cológicas distintas. Por exemplo, ainda com referência a Fig. 8.1, (i) a introdução de uma
dupla ligação no anel A do cortisol promove aumento da atividade sobre o metabolismo
dos carboidratos e diminuição do poder retentor de sal (ação mineralocorticóide), como
o observado na prednisolona e prednisona; (ii) a introdução do flúor na posição 9 alfa
do anel B, como o observado nas moléculas de Triamcinolona e Fludrocortisona, é capaz
de aumentar as atividades biológicas dos glicocorticóides; (iii) a presença do oxigênio
na posição 11, anel C do cortisol, é responsável pela ação anti-inflamatória dos corticos-
teróides, caso da cortisona, enquanto (iv) a metilação ou hidroxilação da posição 16, anel
D do cortisol, elimina o poder retentor de sal (ação mineralocorticóide), caso da betame-
tasona e da dexametasona.
A sua síntese e secreção estão estreitamente reguladas pelo sistema nervoso cen-
tral, através de um mecanismo de retroalimentação negativa (feedback negativo) do
próprio cortisol e de glicocorticóides exógenos (sintéticos). O principal hormônio que re-
gula esse fenômeno é o ACTH. Esse hormônio tem um importante sítio de regulação da
sua secreção que está localizado nos neurônios hipotalâmicos do núcleo paraventricular.
Nesse sítio são produzidos o hormônio liberador da corticotrofina (CRH) e a arginina va-
sopressina (AVP), que atuam em seus receptores específicos (CRH-R1 e o receptor tipo 3
da AVP) resultando na regulação da secreção do ACTH.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Dessa forma, a velocidade de secreção desse hormônio segue um ritmo circadiano


endógeno, que modula a secreção de CRH. Esse ritmo resulta numa concentração de cor-
tisol que atinge um valor máximo nas primeiras horas da manhã, declinando nas restan-
tes 24 horas do dia. Na ausência de estresse, a secreção de cortisol é de cerca de 10-20
mg por dia em um organismo adulto.
Enzimaticamente, a biossíntese dos glicocorticóides inicia-se com a conversão do
colesterol em pregnenolona a partir da ativação da desmolase. A pregnenolona, uma vez
formada, servirá de substrato para a enzima esteróide-desidrogenase, resultando na
formação de progesterona. Esse metabólito sofre reações de hidroxilação sucessivas,
sendo convertido no cortisol.
Uma vez formado e liberado no plasma, o cortisol se liga às proteínas circulantes,
como a globulina de ligação dos corticosteróides (CBG), que é uma α2-globulina sinte-
tizada pelo fígado, e se liga a 90% do hormônio circulante em circunstâncias normais.
Devido ao seu caráter lipofílico, essa ligação favorece o seu transporte sanguíneo e faci-
lita a sua distribuição aos tecidos-alvo. O restante encontra-se na forma livre (cerca de
5-10%) ou frouxamente ligado à albumina (cerca de 5%), estando disponível para exercer
seus efeitos sobre as células-alvo.
Atualmente, achados sugerem que os glicocorticóides possam afetar a secreção de
diversos hormônios, através da alteração dos níveis intracelulares de AMPc e de altera-
ções na dinâmica de polimerização de actina.

8.2. Mecanismo de ação e efeitos fisiológicos


Em sua maioria, os efeitos conhecidos dos glicocorticóides são mediados por recep-
tores específicos, chamados de “Receptores de Glicocorticóides” (GR), os quais apre-
sentam uma ampla distribuição, tendo predomínio no citoplasma das células. Esses re-
ceptores proteicos são membros da superfamília de receptores nucleares, na qual estão
incluídos os receptores de esteróides, esterol (vitamina D), hormônio tireoidiano, ácido
retinóico e muitos outros receptores que interagem com os promotores de genes-alvo.
Uma vez no ambiente intracelular, o glicocorticóide liga-se às proteínas de choque
térmico (Hsp), dentre as quais tem papel de destaque a Hsp90, embora outras proteínas
possam estar envolvidas. Essas proteínas encontram-se ligadas aos receptores de gli-
cocorticóides. Uma vez ligado ao seu receptor intracelular, por ação de alterações con-
formacionais, as proteínas de choque térmico se dissociam, permitindo que o complexo
glicocorticóide-receptor seja translocado para o núcleo, onde poderá interagir com o
DNA e com proteínas nucleares.

124 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


ANTI-INFLAMATÓRIOS ESTEROIDAIS | Cap. 8

No núcleo, o complexo glicocorticóide-receptor liga-se a elementos de resposta dos gli-


cocorticóides (GRE) presentes nos promotores dos genes responsivos. Foram identificados
dois genes responsáveis pela codificação dos receptores de glicocorticóides. Esses recep-
tores são: o hGR alfa, que é o receptor clássico de glicocorticóides e é ativado por ligante,
sendo responsável pela modulação da expressão de genes sensíveis aos glicocorticóides; e o
hGR beta, que é inativo a nível transcricional, mas que é capaz de inibir os efeitos do hGR alfa.
Ao se ligarem ao seu receptor nuclear, os glicocorticóides podem promover a transcri-
ção de genes anti-inflamatórios, como por exemplo, ao promover um aumento na síntese
de lipocortina-1, que é uma proteína que tem efeito inibitório sobre a fosfolipase A2 (PLA2).
Dessa forma, a síntese de mediadores inflamatórios de natureza lipídica estaria inibida.
Um outro mecanismo de ação seria através da inibição da transcrição de genes próinfla-
matórios, como os genes responsáveis pela expressão das enzimas COX-2 e a PLA2, através
da ativação da proteína ativadora-1 (AP-1). Essa proteína é um fator de transcrição composto
de dímeros da família de proteínas Jun e Fos, que uma vez ativados, promovem a inibição da
transcrição de vários genes envolvidos nas respostas inflamatória. Além disso, os glicocor-
ticóides podem promover um aumento na expressão de IκB que, por sua vez, irá manter o
NFκB sob a forma inativa, impedindo assim a transcrição de genes pró-inflamatórios.
Além disso, os glicocorticóides podem aumentar a expressão de receptores β2. Esses
receptores quando ativados têm conhecida ação broncodilatadora. Dessa forma, a utili-
zação de glicocorticóides tem relevante papel no tratamento da asma, pois preveniria a
regulação negativa da expressão desse receptor em virtude do tratamento prolongado
com β2 agonistas. A tabela 1 lista os principais efeitos dos glicocorticóides na transcrição
gênica ocorrida durante a resposta inflamatória.

Tabela 8.1: Efeitos dos glicocorticóides na transcrição gênica


Transcrição Aumentada
Lipocortina-1
Receptor β2 adrenérgico
IκB
Transcrição Diminuída

Citocinas (IL-1, -2, -3, -4, -5, -6, -8, -11, -12, -13, TNFα, GM-CSF, RANTES, MIP-1α, SCF)
Óxido nítrico sintase induzida (iNOS)
Ciclooxigenase induzida (COX-2)
Fosfolipase induzida (cPLA2)
Endotelina-1
Moléculas de adesão (ICAM-1, VCAM-1)

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Em linhas gerais, os glicocorticóides podem influenciar a função da maior parte das


células do organismo, visto que possuem efeitos abrangentes. Embora muitas das ações
dos glicocorticóides estejam relacionadas com a dose, e sejam intensificados quando
são administradas grandes quantidades para fins terapêuticos, existem também outros
efeitos, denominados efeitos “permissivos”, cuja ausência pode estar associada a uma
deficiência de muitas funções normais.

8.2.1. Efeitos metabólicos


Conforme fora abordado anteriormente, o cortisol é um hormônio produzi-
do regularmente ao longo do dia, tendo papel importante na regulação do me-
tabolismo dos carboidratos, das proteínas e dos lipídios. No entanto, o uso dos
hormônios glicocorticóides em doses terapêuticas pode ser responsável por
alguns dos efeitos adversos graves.
Com relação ao metabolismo de carboidratos, a ação desses hormônios é
capaz de contra regular a insulina, regulando dessa forma a glicemia sanguí-
nea, evitando que se desenvolva o quadro de hipoglicemia. Os glicocorticóides
estimulam a gliconeogênese hepática pelo aumento da atividade das enzimas
fosfoenolpiruvato carboxiquinase e glicose-6-fosfatase, o que irá resultar na
formação de glicose. Perifericamente, ainda inibem a captação da glicose pelo
tecido muscular, através da inibição dos transportadores de glicose. Dessa for-
ma, esses hormônios têm ação hiperglicemiante.
No tecido adiposo, os glicocorticóides promovem a diferenciação dos adi-
pócitos, promovendo a adipogênese. Esse fenômeno é resultante da ativação
da transcrição de alguns genes, como leptina, glicerol-3-fosfato desidrogenase
e da lipase lipoproteíca, o que contribui para um aumento no acúmulo de gor-
dura visceral. Esse fato parece ser resultante de uma maior distribuição de
receptores de glicocorticóide nessa região. Já no tecdio muscular, os glicocor-
ticóides causam alterações catabólicas, como inibição da síntese proteíca e
liberação de aminoácidos durante o catabolismo muscular, o que pode levar à
atrofia muscular.
Em linhas gerais, os glicococorticóides além de estimularem a síntese de
proteínas e de RNA no fígado, também exercem efeitos catabólicos no tecido
linfóide e conjuntivo e na pele, além do tecidos muscular e adiposo, mencio-
nados anteriormente. Sobre o tecido ósseo, os glicorticóides podem causar

126 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


ANTI-INFLAMATÓRIOS ESTEROIDAIS | Cap. 8

osteoporose (associada a Síndrome de Cushing), principal limitação no uso


terapêutico a longo prazo desses hormônios. Nas crianças, os glicocorticóides
reduzem o crescimento, que poderia ser parcialmente evitado pela administra-
ção do hormônio do crescimento em altas doses.

8.2.2. Efeitos anti-inflamatório e imunossupressor


A resposta inflamatória pode ser suprimida radicalmente por ação dos gli-
cocorticóides, visto que podem alterar a concentração, a distribuição e a fun-
ção dos leucócitos periféricos, além de poderem exercer efeitos supressores
sobre a geração de citocinas e quimocinas inflamatórias e outros mediadores
lipídicos e glicolipídicos da inflamação.
Esses hormônios também inibem a função dos macrófagos teciduais e de
outras células apresentadoras de antígenos, sendo observada uma redução na
capacidade dessas células de responder a antígenos e a mitógenos. De fato, os
glicocorticóides são capazes de limitar a capacidade de células em fagocitar e
destruir microrganismos, bem como de produzir o TNF, a IL-1, metaloproteina-
ses e ativador do plasminogênio. Essas células são acentuadamente afetadas
por esse tratamento. As citocinas IL-12 e IFN-g têm sua produção diminuidas.
Mais ainda, além de seus efeitos sobre a função leucocitária, os glicocor-
ticóides apresentam efeitos anti-inflamatórios ao alterar a produção de me-
diadores lipídicos, por induzir a redução na síntese de prostaglandinas, leu-
cotrienos e fator de ativação plaquetária (PAF), que têm síntese dependente
da ativação da PLA2, principalmente por indução da expressão da proteína li-
pocortina. Vale ressaltar que os glicocorticóides são capazes de reduzir a ex-
pressão da ciclooxigenase-2 (COX-2), que é a forma induzível dessa enzima nas
células inflamatórias, com consequente diminuição da quantidade de enzima
disponível para a formação de prostanóides.
A utilização desses hormônios é importante no caso de pacientes que rece-
beram transplantes, pois é capaz de evitar as reações inflamatórias nos casos
de rejeição em função da sua ação imunossupressora. Além disso, a ativação
do complemento não é alterada, porém seus efeitos são inibidos e a produção
de anticorpos pode ser reduzida por grandes doses de esteróides, embora não
seja afetada por doses moderadas.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

8.2.3. Outros efeitos


Os glicocorticóides em quantidades aumentadas frequentemente produ-
zem distúrbios do comportamento em seres humanos, promovendo a princípio
insônia e euforia e, posteriormente, depressão. Além disso, quando administra-
dos em grandes doses, podem aumentar a pressão intracraniana (pseudotumor
cerebral), se administrados de forma crônica suprimem a liberação hipofisária
de ACTH, GH, TSH e LH.
Além dos efeitos sobre os leucócitos, os glicocorticóides aumentam o nú-
mero de plaquetas e eritrócitos. É também observado que na ausência de quan-
tidades fisiológicas de cortisol, ocorre comprometimento da função renal (par-
ticularmente da filtração glomerular), a secreção de vasopressina aumenta, e
verifica-se a incapacidade em excretar normalmente uma sobrecarga hídrica.
Um ponto importante a ser mencionado está relacionado ao uso prolongado
de glicocorticóides, que pode levar à condição atrofia das glândulas supra-re-
nais, fazendo com que a interrupção do tratamento deva ser feita com a retira-
da progressiva da administração da droga.

8.3. Glicocorticóides sintéticos


Em face da importância dos glicocorticóides no tratamento de distúrbios inflamató-
rios, alérgicos, hematológicos e entre outros, foram desenvolvidos muitos esteróides
sintéticos com atividade anti-inflamatória e imunossupressora. Esses compostos (es-
teróides farmacêuticos) são habitualmente sintetizados a partir do ácido fólico (obtido
do gado bovino) ou de sapogeninas esteróides, em particular a diosgenina e a hecopeni-
na, encontradas em plantas das famílias Liliaceae e Dioscoreaceae.
Quando administrados por via oral, os corticosteróides sintéticos têm a absorção e o
metabolismo semelhante aos esteróides endógenos. No entanto, as alterações na molé-
cula influenciam na sua afinidade pelos receptores de glicocorticóides e mineralocorti-
cóides. Dessa forma, em alguns casos, o agente é administrado na forma de pró-droga.
Por exemplo, a prednisona é rapidamente convertida no produto ativo, prednisolona, no
organismo. Esses fármacos têm as mesmas ações do cortisol, porém podem exibir rela-
ções diferentes de potência glicocorticóide e mineralocorticóide. O organismo tem mais
dificuldade de metabolizar e eliminar os corticosteróides sintéticos, por isso, estes pos-
suem efeito mais prolongado e potência elevada.

128 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


ANTI-INFLAMATÓRIOS ESTEROIDAIS | Cap. 8

8.4. Aplicação dos glicocorticóides

8.4.1. Uso para fins de diagnóstico


A dexametasona pode ser utilizada para auxiliar no diagnóstico da Síndro-
me de Cushing. O teste empregado, chamado de teste de supressão da dexa-
metasona, é utilizado quando há suspeita da hiperfunção glandular. Nesse
teste a dexametasona é administrada ao paciente e o material biológico para
quantificação do cortisol é coletado posteriormente para avaliar a produção
do cortisol, pois a dexametasona inibe a liberação de ACTH o que ocasinoa di-
minuição na produção de cortisol. Em pacientes com disfunção glandular, essa
produção encontra-se aumentada.

8.4.2. Distúrbios não-supra renais


Os análogos sintéticos do cortisol têm se mostrado úteis no tratamento
de um grupo diversificado de doenças. Dentre esses quadros, esses fármacos
vêm sendo utilizados para o tratamento de doenças não-relacionadas a qual-
quer distúrbio da função supra-renal, e esse uso tem como objetivo suprimir as
respostas inflamatórias e imunes.
No entanto, a utilização dessa terapia pode ser não benéfica ao organis-
mo. Além de promover as alterações metabólicas já expostas anteriormente,
a utilização dos glicocorticóides suprime a resposta inflamatória, visto que
em quadros onde a resposta do hospedeiro constitui-se na principal causa do
quadro observado, como por exemplo nas doenças autoimunes. Mas, em qua-
dro infecciosos crônicos, o tratamento pode permitir que processo patológico
(infeccioso) possa progredir, apesar da supressão das manifestações clínicas.

8.4.3. Efeitos adversos e toxicidade


O uso de glicocorticóides possibilita resultados satisfatórios, que podem
variar de modo considerável, visto que podem causar efeitos disseminados
em todas as partes do organismo. Os principais efeitos indesejáveis dos glico-
corticóides resultam de suas ações hormonais produzindo o quadro clínico da
“Síndrome de Cushing”. Quando os glicocorticóides são utilizados por um curto
período de tempo (menos de 2 semanas), observa-se ocasionalmente a ocor-
rência de insônia, alterações do comportamento e úlceras pépticas agudas.
Não são observados efeitos adversos graves.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

A taxa de desenvolvimento dessa síndrome é em função da dose do glico-


corticóide e da constituição genética do paciente. Nesse caso, ocorre maior
crescimento de pêlos finos nas coxas, troncos e na face, além de ocorrer apa-
recimento de acne. São característicos também o contorno arredondado do
rosto, a ocorrência de tumefação e a distribuição alterada de gordura no corpo.
A degradação contínua de proteínas e o desvio de aminoácidos para a pro-
dução de glicose aumentam as necessidades de insulina e, com o decorrer do
tempo, resultam em aumento de peso corporal, deposição visceral de gordura,
consunção muscular, adelgaçamento da pele com estrias e equimoses, hipergli-
cemia e, por fim, desenvolvimento de osteoporose, diabetes e necrose assépti-
ca do quadril. Quando presente, o diabetes é tratado através de dieta e insulina.
Outras complicações estão associadas ao tratamento com glicocorticóides,
como o desenvolvimento de úlceras pépticas. Além disso, caso sejam adminis-
trados por mais de duas semanas, os glicocorticóides podem promover atrofia
das glândulas supra-renais, o que implica na necessidade de um processo de
interrupção progressiva do tratamento . Visto que se a dose for reduzida com
demasiada rapidez nesses pacientes, os sintomas do distúrbio podem reapa-
recer, ou sua intensidade pode aumentar. Essas rápidas reduções podem ser
prejudiciais a pacientes sem distúrbios subjacentes, como os pacientes cirur-
gicamente curados da Síndrome de Cushing.
Essa síndrome pode ser causada também por tumores ou por hiperplasia
nodular da glândula supra-renal, assim como pela produção ectópica de ACTH.
No entanto, na maioria dos casos, a Síndrome de Cushing resulta de hiperplasia
supra-renal bilateral secundária a um adenoma hipofisário secretor de ACTH.
Dessa forma, a (hipersecreção) de glicocorticóides, promove muitas altera-
ções no paciente, como obesidade do tronco, perda proteica, adelgaçamento
da pele, estrias de cor púrpura, alem de cicatrização deficiente de feridas e os-
teoporose, dentre outras características. Em casos mais graves esses distúr-
bios podem chegar a alterações mentais, hipertensão e diabetes. O tratamen-
to consiste em remoção cirúrgica do tumor acompanhado de diminuição das
quantidades de corticosteróides aos níveis normais de maneira lenta e gradual.

130 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


ANTI-INFLAMATÓRIOS ESTEROIDAIS | Cap. 8

8.4.4. Contra-indicações
Deve ser feito o monitoramento dos pacientes que receberem tratamen-
to com esses fármacos devido ao risco de desenvolvimento de hiperglicemia,
glicosúria, hipertensão, úlcera péptica, osteoporose e infecções ocultas. Além
disso, esses agentes terapêuticos devem ser utilizados com cautela em pacien-
tes com úlcera péptica, cardiopatia ou hipertensão, dentre outras patologias.

8.4.5. Inibidores de síntese/antagonistas


Algumas drogas vêm sendo usadas como inibidores de síntese de glicocor-
ticóides e também como antagonistas dos mesmos. Cada uma dessas drogas
tem um mecanismo de ação distinto. Dentre elas destacam-se a metirapona,
por seu efeito inibidor seletivo da síntese de esteróides; a aminoglutetimida,
por bloquear a conversão do colesterol em pregnenolona e por ser utilizada em
associação com dexametasona (ou hidrocortisona) no tratamento do câncer de
mama; e o cetoconazol, pela sua ação inibidora potente e não-seletiva sobre
a síntese de esteróides supra-renais e gonadais. Além desses, existem outras
drogas que também são utilizadas com a mesma finalidade como mifepristona
(RU 486) que é um antagonista de receptor, mitotano e trilostano.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 131


9. ANTI-INFLAMATÓRIOS
NÃO-ESTEROIDAIS

RAFAEL M. CARDOSO
ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS | Cap. 9

9.1. Introdução
O processo inflamatório é uma resposta natural de defesa do sistema imune inato que
estabelece elo com a resposta adaptativa. Como visto nos capítulos anteriores, vários
mediadores são responsáveis por significativas alterações nos parâmetros fisiopatoló-
gicos nos mais variados sistemas orgânicos. Dentre as modificações, estão a elevação
da temperatura corporal (promove inibição de crescimento de patógenos agressores),
estimulação para multiplicação e maturação de precursores relacionados às linhagens
mieloide e linfoide, aumento da permeabilidade vascular (gerando edema local pela tran-
sudação de material da circulação e viabilizando chegada ao foco inflamatório de células
polimorfonucleares, monócitos e linfócitos), além de alterações hemodinâmicas globais
(afetam pressão arterial e perfusão renal) e pronunciada redução do limiar nocicepti-
vo, com consequente potencialização do estímulo álgico. Os mediadores são capazes
de modular a ativação de células do sistema imune, conduzindo-as à realização de suas
funções efetoras cujo objetivo é eliminar o agente desencadeador do processo lesivo
permitindo retorno à condição homeostática.
Todavia, em alguns casos, a resposta inflamatória torna-se prejudicial ao organismo,
comprometendo o funcionamento fisiológico de vários tecidos e órgãos.
Várias classes de fármacos foram desenvolvidas e são clinicamente utilizadas pelo
seu potencial de interferência na formação ou ação de vários mediadores do processo
inflamatório. Neste capítulo, focaremos naqueles que são diretamente relacionados
com os produtos da cascata do ácido araquidônico, ou seja, fármacos que atuam sobre
os eicosanoides.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 133


Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Os agentes anti-inflamatórios são classicamente divididos em:


• Anti-inflamatórios Esteroidais

• Anti-inflamatórios Não-Esteroidais:
¾¾ Inibidores Não-Seletivos de Ciclooxigenase
¾¾ Inibidores Seletivos de Ciclooxigenase-2

• Inibidores da ação de Leucotrienos:

¾¾ Inibidor da Lipoxigenase
¾¾ Antagonistas dos Receptores de Leucotrienos

• Outros fármacos e terapêuticas utilizados em distúrbios inflamatórios

A seguir, algumas características básicas de cada classe serão descritas, incluindo


mecanismos de ação, usos clínicos e efeitos adversos decorrentes de seu uso e princi-
pais fármacos de cada classe, exceto para os anti-inflamatórios esteroidais que foram
discutidos no capítulo anterior.

9.2. Anti-inflamatórios Não-Esteroidais (Inibidores


de Ciclooxigenase)
A demonstração da existência de duas isoformas da enzima ciclooxigenase conduziu ao
conceito que cada uma delas teria papéis absolutamente distintos, sendo a COX-1 respon-
sável pela manutenção homeostática e produção de prostaglandinas benéficas (proteção
da mucosa gástrica, dilatação vascular, prevenção de geração de eventos tromboembóli-
cos, melhora da capacidade da função renal, entre outros) ao passo que a COX-2 seria res-
ponsável por todos os eventos inflamatórios deletérios produzidos pelas prostaglandinas.
Desta forma, houve forte interesse da indústria farmacêutica no desenvolvimento de fár-
macos inibidores seletivos de COX-2 que seriam, em tese, capazes de conter a reação in-
flamatória e seus efeitos deletérios sem, entretanto, interferir nos mecanismos benéficos
das prostaglandinas produzidas pela COX-1. A utilização clínica destes fármacos mostrou
ser falha a visão dicotomizada para os inibidores de ciclooxigenase, uma vez que os inibido-
res seletivos também mostraram ter efeitos adversos importantes.
Todos os anti-inflamatórios compartilham funções relacionadas, agindo na inibição
da síntese de mediadores lipídicos, reduzindo focos inflamatórios, álgicos e de elevação
de temperatura. Apresentam estrutura química diversificada, sendo na grande maioria
dos casos ácidos fracos (exceção representada pela nabumetona), propriedade que in-

134 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS | Cap. 9

fluencia padrões de absorção destes fármacos quando administrados via oral. Quase a
totalidade dos anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) age por mecanismos de com-
petição reversível do sítio catalítico das ciclooxigenases, impedindo a metabolização do
ácido araquidônico. Como exceção, temos o ácido acetilsalicílico, que modifica covalen-
temente o sítio de catálise das COXs, sendo essa alteração irreversível.
Apesar de pertencerem a uma mesma classe farmacológica, apresentam diferenças
significativas em suas estruturas, levando a parâmetros farmacocinéticos muito variados.
São, em geral, bem absorvidos pela via oral e metabolizados no tecido hepático através de
reações de fase I (sobretudo pelas CYPs 3A e 2C) e fase II, enquanto alguns sofrem conjuga-
ção (reação de fase II) com ácido glicurônico diretamente. A via de eliminação majoritária é
a excreção renal, com graus de importância variados para a excreção biliar (dependendo da
estrutura molecular do fármaco). Outro parâmetro farmacocinético importante é o fato de
se conjugarem, também em graus variados com proteínas plasmáticas, sobretudo albumina,
o que pode formar reservatórios do fármaco, alterando cinética de ação e meia-vida destes.
Os principais AINEs estão organizados de acordo com a classificação química:
Ibuprofeno
Ácido Propiônico Cetoprofeno
Naproxifeno
Ácido acetilsalicílico
Diflunisal
Ácido Salicílico
Flufenisal
Ácidos Carboxílicos Salicilamida
Ácido Mefenâmico
Ácido Fenâmico Ácido Tolfenâmico
Ácido Flufenâmico
Indometacina
Ácido Indol Acético
Ácido Acético Sulindac
Ácido Fenilacético Dicoflenaco
Butasona
Pirazolônicos Fenilbutasona
Dipirona
Piroxican
Ácidos Fenólicos
Oxicans Meloxicam
Tenoxicam
Nimesulida
Sulfamídico
Coxibes
Compostos Não-Ácidos Butanona Nabumetona

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Cada derivado foi sintetizado conferindo características especiais e individuais,


como diferença no grau de irritação gastrintestinal (meloxicam é bem tolerado pelo tra-
to gastrintestinal), capacidade de ser excretado no leite materno ou atravessar a pla-
centa (naproxeno, em ambos), maior tempo de ação, graus de seletividades para COX-1 e
COX-2 (AAS versus tenoxicam), administração como pró-fármaco (sulindac), administra-
ção em dose única diária (piroxicam).
Os efeitos gerais clínicos obtidos com uso dos AINEs estão abaixo listados:

9.2.1. Efeito Antipirético


A febre é desencadeada como mecanismo de defesa primário que ocorre
por alterações nos centros termorreguladores hipotalâmicos, fazendo que a
temperatura regular basal seja elevada. Estas alterações da regulação térmica
são controladas principalmente pela interleucina-1 (IL-1), que induz a síntese de
PGE2 no hipotálamo. Os anti-inflamatórios não-esteroidais auxiliam no retorno
para a temperatura regular basal, sendo o excesso de energia térmica dissipa-
da através da sudorese e dilatação de vasos sanguíneos periféricos.

9.2.2. Efeito Analgésico


Como descrito nos capítulos anteriores, as prostaglandinas são agentes
capazes de promover sensibilização de terminais nociceptivos, não sendo
capazes por si só de gerarem dor significativa, mas potencializam eventos
álgicos desencadeados por outros mediadores gerados na resposta inflama-
tória, como a bradicinina e substância P. Quando associados aos analgésicos
narcóticos, há possibilidade de redução da dosagem destes, evitando efeitos
adversos no uso de derivados opioides, como constipação, depressão respira-
tória, dentre outros. Na cefaleia, o efeito destes fármacos está relacionado a
uma redução do efeito vasodilatador de algumas prostaglandinas sobre o leito
vascular cerebral.

9.2.3. Efeito Anti-inflamatório


Os efeitos anti-inflamatórios dos AINEs são extremamente amplos e decor-
rem da inibição da síntese de todos os derivados da reação catalisada pelas
ciclooxigenases. De fato, todos os efeitos inflamatórios descritos para os de-
rivados prostanoides nos capítulos anteriores são afetados. É importante res-

136 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS | Cap. 9

saltar que a inibição não seletiva de ambas isoformas da enzima COX também
abole efeitos protetores fisiológicos das prostaglandinas, como manutenção
da perfusão renal, vasodilatação e proteção da mucosa gástrica.
Os principais e mais prevalentes efeitos adversos estão sumarizados abai-
xo e separados pela seletividade pela isoforma de ciclooxigenase:

9.3. Principais Efeitos Adversos dos AINEs

9.3.1. Efeitos Adversos Decorrentes do Uso de AINEs: (não seletivos)

A) Distúrbios Gastrintestinais:
Os AINEs, particularmente os que atuam preferencialmente sobre a COX-1,
reduzem o efeito protetor fisiológico das prostaglandinas no trato gastrintes-
tinal, especialmente PGE2 e PGI2. Os efeitos adversos incluem desde vômitos,
náusea, anorexia, diarreia, até formação de úlceras e perfurações estomacais.
Este efeito é proporcionalmente reduzido quão mais seletivo para COX-2 for o
fármaco, como será discutido adiante.

B) Efeitos Vasculares Renais:


De forma similar, a inibição das prostaglandinas PGE2 e PGI2 altera a manu-
tenção do fluxo sanguíneo renal, com constrição da arteríola aferente nos glo-
mérulos renais e redução da perfusão renal. PGE2 ainda apresenta mecanismo
de vasodilatação compensatória em resposta à ação de noradrenalina e angio-
tensina II. Desta forma, a redução na síntese destas prostaglandinas pode con-
duzir à nefrotoxicidade, com redução da filtração glomerular, nefrite crônica e
até necrose de papilas renais.

C) Efeitos Respiratórios:
A inibição das ciclooxigenases faz com que todo o “pool” de ácido araqui-
dônico disponibilizado da membrana celular possa ser utilizado na síntese de
leucotrienos. Como descrito nos capítulos anteriores, essas substâncias são
os principais responsáveis por broncoconstrição e aumento na produção de
muco, causando aumento da resistência de vias aéreas e comprometendo a ca-
pacidade respiratória.

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

D) Função Plaquetária:
A cascata do ácido araquidônico tem como um de seus produtos o trombo-
xano A2 (TXA2), que atua como agregante plaquetário e potencializa os efeitos
de outros pró-coagulantes, como a trombina. Como a isoforma do ciclooxige-
nase presente nas plaquetas é a COX-1, os inibidores não-seletivos de COX po-
dem promover redução na capacidade de agregação plaquetária, propiciando
aumento no risco de hemorragias.

E) Outros Efeitos:
Apesar de menos comum, alguns AINEs são capazes de promover distúrbios
de medula óssea (anemia e neutropenia) e hepatotoxicidade (principalmente
aumento de transaminases), além de reações de hipersensibilidade aos mais
variados componentes desta classe de fármacos.

9.3.2. Efeitos Adversos Decorrentes do Uso de AINEs: (COX-2 seletivos)

A) Eventos Cardiovasculares:
Inibidores seletivos de COX-2 suprimem a produção de PGI2 (vasodilatador
e anti-agregante plaquetário) pelo endotélio vascular sem, no entanto, reprimir
a produção de TXA2 (vasoconstritor, agregante plaquetário) pelas plaquetas (já
que essa é produzida pela COX-1). Desta forma, há aumento no risco de incidên-
cia de eventos tromboembólicos, aumentando a chance de isquemia coronaria-
na, além de elevação na pressão arterial.

B) Gravidez e Lactação:
Momentos antes do parto, há indução de COX-2 e produção de PGE2 e PGF2α.
Essas prostaglandinas exercem função de estímulo da contração da muscula-
tura lisa uterina e indução de trabalho de parto. Há trabalhos demonstrando
prolongamento da gestação pelo uso de AINEs. A indometacina, por esta razão,
foi aprovada para uso clínico quando da necessidade de se evitar trabalho de
partos pré-termo. Todavia, o uso de AINEs pode promover estenose do ductus
arteriosus (causa de hipertensão arterial pulmonar congênita), além de aumen-
tar a possibilidade de hemorragia pós-parto, motivo pelo qual o uso destes fár-
macos é contraindicado em mulheres em períodos gestacionais avançados.

138 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS | Cap. 9

9.4. Os inibidores seletivos de COX-2


O objetivo principal do desenvolvimento de inibidores seletivos de COX-2 foi pre-
venir os eventos gástricos decorrentes do uso de inibidores não-seletivos. Todavia,
sabidamente esses inibidores seletivos apresentam alguns efeitos adversos signi-
ficativos relacionados, principalmente ao seu uso por períodos prolongados, sendo
o de maior destaque a possibilidade de aumento na geração de edemas e hiperten-
são e eventos cardiovasculares. Este fato conduziu à retirada do mercado do Vioxx®
(rofecoxib) pela constatação em estudo (“prevenção de pólipos adenomatosos com
Vioxx®”) do aumento na incidência de eventos cardiovasculares (infarto agudo do
miocárdio e acidentes vasculares cerebrais) nos pacientes que receberam rofeco-
xib por períodos prolongados (semanas a meses). Os efeitos adversos de inibidores
seletivos e não-seletivos de COX-2, já descritos, embasam os motivos pelos quais
esses eventos têm sua incidência significativamente elevada. Outro fármaco, o val-
decoxib, foi também retirado do mercado devido aos efeitos adversos decorrentes
de seu uso. Outros fármacos ainda foram posteriormente desenvolvidos ou voltaram
ao mercado. Todavia, estudos randomizados amplos estão sendo conduzidos para
melhor esclarecer o risco de cada inibidor seletivo de COX-2. Os fármacos inibidores
seletivos variam entre si, além do grau de seletividade, em uma série de parâmetros
farmacocinéticos, como absorção oral, picos de concentração séricos, variações no
mecanismo de excreção, interações medicamentosas, entre outros.
Abaixo estão relacionadas as relações de seletividade aproximadas para alguns inibi-
dores seletivos de COX-2:
Formação de TXB2 Formação de PGE2 Relação de Seletividade
Fármaco
(Inibição de COX-1) (Inibição de COX-2) COX-2/COX-1

Lumiracoxib
120 1,2 100
Etoricoxib

Valdecoxib
22 0,7 31,4
Rofecoxib

Celecoxib 7 0,9 7,8

A seletividade para cada isoforma da ciclooxigenase é avaliada pela razão da síntese


de tromboxano A2 de plaquetas durante a formação do coágulo (índice de atividade da

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 139


Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

COX-1) e a síntese de PGE2 por monócitos em sangue total exposto ao lipopolissacarídeo


(índice de atividade de COX-2).

9.5. Outros fármacos utilizados no controle da dor e hipertermia


(não-AINEs)

9.5.1. Ácido Acetilsalicílico (AAS)


Sintetizado quimicamente a partir do ácido salicílico, o AAS teve impacto
fulminante no seu lançamento por se tratar da primeira alternativa farmacoló-
gica eficaz para controle de reações inflamatórias. Atualmente, seu emprego
como anti-inflamatório está em declínio em decorrência de efeitos adversos
e sua principal utilização na profilaxia de tromboembolismo em pacientes que
apresentem risco para eventos cardiovasculares. É absorvido no estômago e
início do intestino delgado e degradado por esterases plasmáticas que o con-
vertem em ácido acético e salicilato. Em altas doses, pode provocar salicilismo,
um tipo de intoxicação grave que pode ser contornado pela alcalinização da uri-
na (leva ao aumento na excreção renal de salicilato e seus conjugados).
Apresenta efeitos anti-inflamatórios pela inibição não-seletiva das COXs,
(através da modificação covalente por acetilação da serina 530 da COX), anal-
gésico (por inibição do estímulo nociceptivo na região subcortical) e antipiréti-
co (pela inibição da síntese de prostaglandinas e secreção de IL-1 por macrófa-
gos na inflamação).
O mais importante mecanismo de ação do AAS é a inibição irreversível da
COX-1 plaquetária. Como plaquetas são estruturas não nucleadas derivadas
de megacariócitos, elas são incapazes de sintetizar novas moléculas de COX.
Desta forma, o efeito antiplaquetário é mantido por todo o tempo de vida da
plaqueta (aproximadamente 10 dias). Neste contexto, AAS é usado visando re-
duzir a incidência de isquemias, obstrução da artéria coronária e infarto de mio-
cárdio e angina instável. Para este fim, a dose indicada é de aproximadamente
75 a 325 mg/dia, ao contrário da posologia anti-inflamatória e antipirética de
2000 mg/dia (divididos em administrações em períodos de 6 horas).
Além de seus efeitos sobre as ciclooxigenases, foi demonstrada capacidade
anti-inflamatória do AAS em animais deficientes geneticamente de ciclooxige-
nase, mostrando que o AAS participa de outras vias para inibição do processo

140 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS | Cap. 9

inflamatórios (como sua capacidade de inibir a expressão de NF-κB, um impor-


tante fator de transcrição de genes de mediadores inflamatórios).
Os efeitos adversos do uso de AAS incluem todos aqueles compartilhados para
os anti-inflamatórios não-seletivos para COX-2, mas existem dois paraefeitos es-
pecíficos: o salicilismo (náuseas, diarreia, cefaleia, tonteiras, confusão mental, difi-
culdade auditiva, sonolência e sudorese) e a síndrome de Reye (hepatite fulminan-
te rara e grave em crianças, motivo pelo qual seu uso é evitado em crianças).
O AAS não deve ser usado em pacientes em tratamento com o anticoagulan-
te varfarina, uma vez que compete pelo sítio de ligação a proteínas plasmáti-
cas, aumentando o efeito anticoagulante da varfarina e predispondo o paciente
a eventos hemorrágicos graves. Outra contraindicação é na gota (inflamação
por hiperuricemia), já que reduz a excreção de ácido úrico.

9.5.2. Paracetamol (acetaminofeno)


Esta molécula apresenta atividade anti-inflamatória apenas se administra-
da em altas doses. Todavia é um dos mais usados como analgésico não narcóti-
co e antitérmico. Sua ação antitérmica é exercida pela inibição da COX-3 na re-
gião hipotalâmica, apresentando IC50 de 460 µM contra IC50 de mais de 1000 µM
para as demais COXs (1 e 2). É dado oralmente em doses que variam de 500 a
750 mg a cada 6 a 8 horas. É importante ressaltar que não se deve ultrapassar a
dose máxima de 4g/dia (para pacientes com função renal normal) devido à pos-
sibilidade de desenvolvimento de hepatotoxicidade grave, além de toxicidade
renal. O mecanismo deste efeito adverso é explicado pela ausência de glutatio-
na suficiente para conjugar toda a quantidade de N-acetil-p-benzoxiquinonimi-
na (metabólito proveniente das reações de eliminação). Este, uma vez livre, fica
apto a realizar uma série de reações nucleofílicas com constituintes celulares,
promovendo necrose do fígado e dos túbulos renais. O tratamento inclui lava-
gem gástrica e reconstituição do pool de glutationa pelo uso de N-acetilcisteí-
na intravenosa ou metionina via oral.

9.6. Inibidores da Ação de Leucotrienos


O principal uso dos fármacos que atuam sobre as ações dos leucotrienos é evitar ati-
vidade destes sobre o sistema respiratório, incluindo broncoconstrição, aumento da re-
atividade brônquica, geração de edema mucoso e hipersecreção mucosa.

IO C /Fi ocr u z – S É RI E E M B I O LO G I A C E L U L AR E MO L E C U L AR 141


Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

Os leucotrienos, produtos derivados da cascata do ácido araquidônico pela ação da


5-lipoxigenase e outras enzimas da via, exercem função de quimiotaxia para eosinófilos,
neutrófilos e macrófagos, sendo os principais responsáveis por broncoconstrição e ou-
tros eventos de restrição da capacidade respiratória e resposta anafilática (principal-
mente cisteinil-leucotrienos).
Existem dois pontos de interferência farmacológica na ação dos leucotrienos, que
serão discutidos a seguir:

9.6.1. Inibição da 5-Lipoxigenase


A zileutina é um inibidor seletivo da 5-lipoxigenase, resultando na inibição
de todos os derivados metabólicos gerados a partir do leucotrieno A4 (LTA4).
Apesar do mecanismo de ação abrangente, a zileutina é menos frequentemen-
te usada que os antagonistas de receptores de leucotrienos pela necessidade
de número maior de administrações diárias e pela sua toxicidade hepática.

9.6.2. Antagonistas dos Receptores de Leucotrienos


O montelucaste e zafirlucaste são fármacos antagonistas seletivos para o
receptor cys-LT1, que tem como ligante primário o LTD4 (apesar de passível de
ligação também dos leucotrienos C4 e E4). LTD4 apresenta potência 1000 vezes
maior que a histamina na promoção de broncoconstrição. Assim, os fármacos
desta classe são capazes de bloquear os efeitos patológicos nas vias aéreas
promovido pelos cisteinil-leucotrienos.
A vantagem desta abordagem farmacológica sobre a inibição da 5-lipoxi-
genase é a ausência relativa de efeitos adversos e de toxicidade. Os fármacos
desta classe incluem o montelucaste (aprovado para uso em crianças a partir
de 6 anos e administrado em 4mg (10mg para adultos) uma vez ao dia) e zafirlu-
caste (administrado em duas doses diárias de 20mg).

9.7. Outros Fármacos e Abordagens Terapêuticas

9.7.1. Manipulação Dietética na Inflamação


O ácido araquidônico (eicosatetraenoico) é metabolizado nas vias das ci-
clooxigenases e lipoxigenase gerando uma série de mediadores químicos com
amplo espectro de ações em vários sistemas, incluindo o sistema imune. Es-

142 SÉRIE EM BIO LO G IA C E LULA R E M O LE C UL AR – I O C / F i o c r u z


ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS | Cap. 9

tudos com manipulação da dieta e substituição da ingestão de ácidos graxos


poliinsaturados como, por exemplo, o ácido eicosapentaenoico (encontrado
em animais marinhos) são também alvos pra as enzimas que atuam na cascata
do ácido araquidônico, mas tendo como produto final prostaglandinas e leuco-
trienos de série diferente das obtidas pelo metabolismo do ácido araquidônico
(por exemplo, com ácido pentaenoico, obtemos eicosanoides da série 3, como
PGE3, PGI3). A geração destes autacoides alternativos mostra grande potencial
de inibição de processos inflamatórios tendo, em alguns estudos, demonstrada
eficácia comparável ao uso de AINEs, motivo pelo qual em alguns protocolos a
substituição terapêutica da dieta é aconselhada, como na artrite reumatóide,
por exemplo.

9.7.2. Nedocromil sódico e Cromocalina


São derivados sintéticos de moléculas obtidas a partir de extratos vegetais
de Ammi visnaga que demonstraram capacidade de inibir broncoespasmo in-
duzido por antígeno e liberação de mediadores, como por exemplo, histamina
e autacoides de mastócitos sensibilizados. Estes fármacos são administrados
por via inalatória e são aprovados no controle dos eventos desencadeantes do
processo asmático.
O mecanismo de ação, ainda não totalmente esclarecido, parece estar re-
lacionado com a alteração de canais de cloreto na membrana celular, minimi-
zando a capacidade de ativação celular por despolarização. Incluem-se inibição
da liberação de mediadores, reversão do aumento de capacidade funcional de
leucócitos obtidos de pacientes asmáticos, minimização de efeitos ativadores
de peptídeos quimiotáticos e inibição do tráfego leucocitário nas vias aéreas
de pacientes asmáticos.

9.7.3. Ouro
A utilização terapêutica de ouro já foi considerada para uma série de patolo-
gias, sobretudo na artrite reumatóide, não sendo mais frequentemente usados
na atualidade.
O mecanismo de ação, ainda não esclarecido, parece estar relacionado
com as alterações morfofisiológicas dos macrófagos, neutralização de fa-
tores de transcrição (com consequente minimização da síntese de citocinas,

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Vol. 2 | IMUNOFARMACOLOGIA

metaloproteases, moléculas de adesão e síntese de imunoglobulinas), re-


dução da capacidade fagocítica de células polimorfonucleares, dentre ou-
tros. São apresentados em formulações para administração intramuscular
(aurotiomalato e aurotioglicose) e oral (auranofina). Sua excreção ocorre pelas
vias urinárias (66%) e nas fezes (33%).

9.7.4. Uso de Anticorpos Monoclonais (mABs)


Uma nova classe de imunofármacos apresentou grande avanço nas últimas
décadas. A capacidade de síntese de imunoglobulinas específicas possibilitou a
interferência direta em uma série de moléculas envolvidas na imunomodulação
da resposta inflamatória em geral. São utilizados nas mais variadas patologias,
seja como terapia pela própria ação do anticorpo, seja na utilização da ligação
específica para direcionar outras moléculas para sítios específicos, possibili-
tando diagnósticos mais precisos e tratamentos que minimizam efeitos graves
sistêmicos, sendo muito utilizados no câncer. Ao lado são relacionados os prin-
cipais mABs com descrição de seus principais usos clínicos.

Todas as possibilidades terapêuticas aqui descritas, de forma bastante


resumida e simplificada, mostram o desenvolvimento e produção da indús-
tria farmacêutica apoiada na evolução da pesquisa básica e aplicada dos pro-
cessos inflamatórios. Certamente, muitos outros mediadores, mecanismos
de ação e fármacos ainda virão, aumentando a compreensão e a capacidade
de intervenção clínica visando melhor controle dos efeitos deletérios da in-
flamação e minimizando os efeitos adversos decorrentes do uso de terapias
anti-inflamatórias.

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ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS | Cap. 9

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10. TÉCNICAS LABORATORIAIS
PARA O ESTUDO DA
IMUNOFARMACOLOGIA

ANA CAROLINE COSTA SILVA


TÉCNICAS LABORATORIAIS PARA O ESTUDO DA IMUNOFARMACOLOGIA | Cap. 10

As interações entre antígeno-anticorpo perfazem a base de muitas técnicas de imu-


nodetecção, onde se utiliza a alta especificidade e a estabilidade da ligação entre eles
como ferramenta para pesquisa e diagnósticos, através da identificação, isolamento,
quantificação e classificação de diversos antígenos e anticorpos.
As características mais importantes da reação antígeno-anticorpo são: (1) a especi-
ficidade, que é a capacidade do anticorpo de reagir somente contra seu imunógeno, dis-
tinguindo-o de outros antígenos; (2) a quantidade de anticorpo produzida, determinada
pela quantidade de células B envolvidas na resposta, taxa de síntese e persistência des-
ses anticorpos no plasma e fluido extracelular. Este último está relacionado com outra
característica importante da reação que é (3) o tipo de isotipo envolvido. Cada isotipo
tem função e meia-vida in vivo distinta; (4) a afinidade que é a força de ligação entre um
sítio de combinação de anticorpo e um determinante antigênico.
As técnicas de imunodetecção podem utilizar anticorpos policlonais ou monoclonais,
que são obtidos, respectivamente, por imunização de um animal e purificação de anticor-
pos de especificidades distintas, ou imunização e seleção de anticorpos idênticos com
uma única especificidade através do uso de hibridomas.
Alguns ensaios podem medir a ligação direta entre antígeno e anticorpo, ou avaliar
fenômenos secundários a essa interação resultantes da multivalência de anticorpos e
antígenos, como a precipitação (quando o antígeno é solúvel), a aglutinação (quando o
antígeno é particulado) ou a ativação do complemento.

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As reações de precipitação (imunodifusão dupla, imunodifusão radial e imunoeletro-


forese) podem ser usadas em diagnóstico de doenças como cisticercose, na dosagem e
caracterização de proteínas séricas, dentre outros. Já as reações de aglutinação (hema-
glutinação direta e indireta, inibição da aglutinação e teste de Coombs) podem ser uti-
lizadas na tipagem sangüínea, diagnóstico de doenças como tripanossomose, teste de
gravidez pela detecção de hCG na urina, detecção de incompatibilidade de Rh que pode
levar ao desenvolvimento da eritroblastose fetal, dentre outros. As reações de ativação
de complemento podem ser utilizadas, por exemplo, na tipagem de antígeno leucocitário
humano – HLA em situações de transplante, onde células do doador são incubadas com
soro do receptor. Após adicionar moléculas do complemento observa-se a lise ou não
das células através de ensaios de viabilidade.
Nesta seção serão descritas técnicas de imunoensaio clássicas de reação antíge-
no-anticorpo cujos sistemas de detecção envolvem o uso de enzimas, fluorocromos
ou isótopos.

10.2. Citometria de fluxo e FACS (separador de células ativado por


fluorescência)

10.2.1. Conceito
A citometria de fluxo consiste em um método multiparamétrico de análise
fenotípica de células ou outras partículas biológicas em suspensão, previamen-
te marcadas com fluorocromos.
Diversas partículas podem estar sujeitas à análise por citometria de fluxo
como célula eucariótica, organelas citoplasmáticas, cromossomos, células
agregadas (ex: células tumorais), bactérias, fungos, protozoários, complexos
imunes, dentre outros.
A técnica é baseada na passagem forçada de partículas, envoltas e centrali-
zadas em um fluxo contínuo de líquido condutor (sheath fluid) por uma câmara
de células (flow cell), de forma que as mesmas permaneçam enfileiradas, sendo
interceptadas por um laser, uma de cada vez. A interceptação pelo laser forne-
ce informações acerca dessas partículas, baseada em dois tipos de fenômenos
físicos. O primeiro consiste no espalhamento de luz (scatter) de acordo com
as características morfológicas e estruturais da célula. Inicialmente, o desvio

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frontal (Foward Scatter – FS) da luz, através do fenômeno de difração e refra-


ção, é detectado por um sensor de fotodiodo que proporciona a informação
sobre o tamanho (volume) celular. Em seguida, um fotomultiplicador (PMT) for-
nece, através do desvio lateral (Side Scatter – SS) da luz, por um fenômeno de
dispersão, a informação de granulosidade celular.
O segundo fenômeno explorado pela citometria é o da emissão de fluo-
rescência quando um fluorocromo é excitado em um determinado compri-
mento de onda. Esta fluorescência emitida pelas partículas previamente
marcadas é captada também por PMTs, e tanto os sinais de luz dispersa
quanto fluorescentes, serão convertidos em pulsos elétricos que serão
amplificados, digitalizados e enviados para o computador. A análise quan-
titativa e interpretação dos dados podem ser então realizadas através de
softwares específicos.
A seleção e captação dos sinais luminosos são feitas através do uso de fil-
tros ópticos, que bloqueiam ou refletem determinados comprimentos de onda
incidentes, deixando passar somente o comprimento de onda desejado.
A maioria dos citômetros de fluxo, aparelhos responsáveis pela leitura das
amostras, e equipado com lasers de luz estável monocromática e de alta potên-
cia. O laser mais utilizado é o de íon argônio, por possuir uma potência de 488
nm, que é o comprimento de onda muito utilizado para a excitação de vários
fluorocromos usualmente empregados. Os citômetros equipados com mais de
um laser, como os de UV ou Hélio-neônio (He-Ne), aumentam sua capacidade
de análise de múltiplas possibilidades de características celulares e/ou com-
ponentes celulares de um elevado número de células de forma individual (aná-
lise multiparamétrica).
Em geral, os parâmetros considerados básicos e que podem ser medidos
simultaneamente são: o tamanho celular (FSC), a granulosidade interna das cé-
lulas (SSC) e os parâmetros de fluorescência, onde todo citômetro possui no
mínimo os canais de fluorescência verde (FL1), de fluorescência amarela (FL2),
de fluorescência laranja (FL3) e, na maioria também é encontrado o de fluores-
cência vermelha (FL4).

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O esquema básico de um citômetro de fluxo está ilustrado na Fig. 10.1.

Fig. 10.1 Representação esquemática do princípio da técnica de citometria de fluxo.

10.2.2. Preparo das amostras


Para análise mono ou multiparamétrica, acerca da estrutura, função e
viabilidade das células, é necessário que essas amostras estejam marca-
das com corantes fluorescentes, de espectros de excitação e de emissão
conhecidos. Esses fluorocromos podem estar acoplados a anticorpos
com especificidade conhecida para uma determinada molécula, inseri-
dos não covalentemente a determinadas estruturas, ou ainda podem ser
empregados para estimar propriedades do ambiente que se encontram
através da variação de seu espectro de excitação ou emissão em função
das características do meio.
Abaixo estão exemplificados alguns fluorocromos que são utilizados
frequentemente na citometria, com seus respectivos espectros de exci-
tação e de emissão (Tabela 1), ou ainda os traçadores fluorescentes que

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estudam a fisiologia de células vivas e são excitados especialmente a


488 nm (laser de argônio) (Tabela 2).

Tabela 10.1 Comprimento de onda de excitação e emissão dos fluorocromos que são usual-
mente empregados.

Tabela 10.2 Alguns traçadores fluorescentes para análise da fisiologia de células vivas.

As marcações das amostras onde se utilizam anticorpos podem ser


feitas de forma direta com o uso de apenas um anticorpo já acoplado
a um fluorocromo, ou indireta. Nessa última, as amostras são primeira-
mente marcadas com um anticorpo primário não acoplado ao fluorocro-
mo, específico para o antígeno, e em seguida adiciona-se um anticorpo
secundário marcado com fluorocromo, que será responsável pelo reco-
nhecimento da porção Fc do anticorpo primário (Fig. 10.2).

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Fig. 10.2 Tipos de marcação. (A) Marcação direta; (B) Marcação indireta. Ac 1º- anticorpo pri-
mário; Ac 2º - anticorpo secundário; Ag – antígeno.

A marcação pode ainda ser simples, com o uso de apenas um fluorocromo, ou múlti-
pla, onde as partículas são marcadas com dois ou mais tipos de fluorocromo para análise
de mais de uma característica (Fig. 10.3).

Fig. 10.3 Tipos de marcação. (A) marcação simples; (B) marcação dupla; (C) marcação múlti-
pla.

As diferenças nos espectros de fluorocromos distintos é que permite o uso de dife-


rentes fluorocromos, de acordo com o que se quer observar, na mesma aplicação.

10.2.3. Análise dos dados


Após a aquisição, a análise dos dados pode ser feita através do uso de softwares es-
pecíficos. Os dados podem então ser expressos das seguintes formas:
a) Citogramas de pontos (dot plot) e contorno (countour plot), em duas ou três
dimensões, para a análise de dados bivariantes (histogramas biparamétricos),

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sejam eles de tamanho (FSC) x granularidade (SSC), para análise morfológica


da população a ser estudada ou duas fluorescências para as combinações pos-
síveis das características que se desejem analisar.

b) Histogramas simples de cada parâmetro - dados univariantes (histogramas


monoparamétricos);

A Fig. 10.4 mostra algumas representações sobre esses tipos de análise:

Fig. 10.4 (A) Representação de um dot plot para análise morfológica de células; (B) Repre-
sentação de um histograma biparamétrico, tendo como base a Fig. 10.4A; (C) repre-
sentação de um histograma monoparamétrico para análise de fluorescência.

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10.2.4. Aplicações
Os avanços na ciência e tecnologia têm contribuído muito para o uso da cito-
metria de fluxo em muitas áreas como na hematologia, farmacologia, microbio-
logia, genética, oncologia, e principalmente, na imunologia.
Uma lista extensa e crescente de características fenotípicas podem ser me-
didas através da técnica de citometria de fluxo como o tamanho e complexida-
de morfológica das células, conteúdo de DNA e RNA, receptores de superfície
celular, apoptose (quantificação, medidas de degradação do DNA e RNA, po-
tencial de membrana mitocondrial, atividade de caspase), viabilidade celular,
produção intracelular de citocinas, dentre outros.
As aplicações são diversas, podendo ser realizados experimentos de imuno-
fenotipagem e caracterização de subpopulações celulares, análise de graus de
maturação e ativação celular, análise de quimiotaxia, degranulação e catabolis-
mo em resposta a estímulos, medida de conteúdo de DNA para estudo de ploi-
dia, ciclo celular; caracterização de cromossomos e detecção de morte celular;
diagnóstico de doenças como leucemias e linfomas, monitoração laboratorial
da infecção por HIV, testes de citotoxicidade analisando-se o efeito de drogas
sobre células, dentre outras aplicações.

10.2.5. Sorting
Além da análise multiparamétrica, alguns citômetros também são capazes
de separar (sorting) uma determinada população celular ou outras partículas
biológicas de acordo com parâmetros pré-estabelecidos. Esta separação pode
ser baseada em propriedades morfológicas, bioquímicas ou funcionais dessas
partículas.
A técnica de sorting baseia-se no uso da eletrostática para carregar e defle-
tir uma gota contendo a partícula a ser analisada após sua passagem através
de um campo elétrico. Esta gota forma-se, no filete único que passa pela flow
cell, através de vibrações ultrassônicas que ocasionam perturbações no fluxo,
de forma que uma única célula se encontre em seu interior. Através de critérios
pré-estabelecidos essas gotas receberão ou não, cargas positivas ou negati-
vas, que serão defletidas para a direita ou para a esquerda, caindo em tubos
coletores (Fig. 10.5).

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Como essas células não sofrem nenhum dano durante o processo, elas po-
dem ser reutilizadas para cultura, ou até mesmo para clonagem, onde uma única
partícula é dispensada em um poço de uma placa de microtitulação (autoclone).
Com isso, essa técnica pode ser utilizada para diversos fins: produção de anticor-
pos monoclonais através do clone de uma única célula de hibridoma; seleção de
células progenitoras na busca de células totipotentes; purificação de diferentes
linhagens de amostras de medula óssea; sorting de células transfectadas com
um marcador de expressão, tipo proteína fluorescente verde (GFP); isolamento
multiparamétrico de células de uma população mista; dentre outras.

Fig. 10.5 Representação esquemática do princípio da técnica de cell sorting. As células fo-
ram marcadas com anticorpos específicos de interesse conjugados a fluorocromos

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verde e vermelho. As células após passarem por um fluxo contínuo são intercepta-
das por um laser e este é detectado por PMTs que levam a informação da fluores-
cência para o computador e este emite então uma carga elétrica correspondente a
cada cor, positiva ou negativa. As gotas eletricamente carregadas são então defle-
tidas de acordo com sua carga, sendo dispensadas em tubos coletores específicos.
As gotas não carregadas eletricamente ou com partículas não marcadas passam
diretamente pelos defletores.

10.3. Imunofluorescência
A técnica de imunofluorescência possui muitas características em comum
com a técnica de citometria de fluxo, excetuando-se principalmente o fato de
que a primeira pode ser usada para detectar estruturas, moléculas ou proteí-
nas em uma célula fixada em um substrato (lamínulas), assim como tipos es-
pecíficos de célula em um tecido, entre outras possibilidades que não o uso de
células em suspensão. Uma das grandes vantagens da imunofluorescência é
que esta permite detectar a localização e distribuição relativamente precisa
do antígeno.
A imunofluorescência, assim como a citometria de fluxo, pode ser tanto di-
reta como indireta. A primeira é usada na detecção de antígenos em preparos
de amostras clínicas como urina, fezes, sangue ou mesmo em cortes de teci-
dos, como no caso de doenças dermatológicas. A imunofluorescência direta
também é utilizada na fenotipagem de células e tecidos, através da análise
de marcadores específicos. Já a imunofluorescência indireta é empregada no
diagnóstico sorológico de várias doenças infecciosas como a doença de Cha-
gas, a SIDA/AIDS, as hepatites e complexos em doenças autoimunes.
A técnica de imunofluorescência, assim como a de citometria, também pode
ser baseada no uso de anticorpos marcados com fluorocromos, uso de moléculas
fluorescentes que por si próprias já atuam como marcadores diretos ou sondas
para estruturas específicas, ou ainda pode haver o uso de proteínas de fusão, na
qual a proteína de interesse é ligada geneticamente a uma proteína fluorescen-
te. A primeira proteína fluorescente a ser descrita foi a GFP, mas recentemente,
outras proteínas fluorescentes já foram identificadas, tendo como exemplos a
proteína fluorescente amarela (abreviatura do inglês: YFP), a vermelha (RFP),
entre outras. A observação das amostras marcadas é feita através do uso de um
microscópio de fluorescência, que pode ser tanto de luz transmitida (microscó-

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pio de transiluminação) quanto de luz refletida (microscópio de epiluminação),


equipado com a fonte de luz necessária para a excitação do fluorocromo (nor-
malmente lâmpadas de tungstênio e arco de mercúrio), e um sistema de filtros
e espelhos dicróicos que permitirão a efetiva separação dos comprimentos de
onda de excitação e emissão desse fluorocromo (Fig. 10.6).

Fig. 10.6 Tipos de microscópios de fluorescência. Em (a) Microscópio de transiluminação


(luz transmitida). (b) Microscópio de epiluminação (luz refletida). A – fonte de luz
(lâmpadas ou laser UV); B – filtro de excitação; C - Espelho dicróico; D - condensa-
dores e objetiva; E - Amostra; F - Filtro de barreira (de emissão); G – Ocular.

O desenvolvimento do microscópio confocal permitiu a obtenção de


imagens com uma melhor resolução já que este é capaz de eliminar a luz
fora de foco e claridade proveniente de amostras cuja espessura excede
o plano imediato do foco. Com isso a microscopia confocal oferece van-
tagens em relação à microscopia de fluorescência convencional: possui
a capacidade de controlar a profundidade do campo, com eliminação ou
redução das informações fora do plano focal; e permite a coleta de sec-
ções óticas seriadas de amostras espessas, podendo obter uma recons-
trução tridimensional das mesmas.

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10.4. Ensaio Imunoadsorvente Ligado à Enzima (ELISA)

10.4.1. Conceito
O ELISA é um ensaio imunoenzimático que visa a análise qualitati-
va ou quantitativa da ligação antígeno-anticorpo. Dependendo do seu
uso, pode detectar antígenos (hormônios, citocinas, enzimas, antígenos
microbianos, drogas ilícitas) ou anticorpos (anti-HIV, por exemplo) em
fluidos corporais ou sobrenadantes de culturas. É um método simples,
específico, altamente reproduzível e que é baseado no uso de anticorpos
acoplados a enzimas que serão responsáveis pela conversão colorimé-
trica do substrato enzimático incolor em um produto colorido que será
lido por um espectrofotômetro. As enzimas marcadoras mais utilizadas
são a catalase, a glucose-oxidase, α-galactosidase, a fosfatase alcalina e
a peroxidase. A reação de ELISA ocorre em placas de 96 poços cobertas
com antígeno purificado (se for para detecção ou quantificação de anti-
corpo) ou anticorpo purificado (se for para detecção ou quantificação de
antígeno).
Há dois tipos principais de ELISA: o indireto e o direto (ou de captura,
ou sanduíche).

a) ELISA indireto
É o método mais simples usado para a detecção de um anticorpo es-
pecífico em um anti-soro desconhecido. Como mostrado na Fig. 10.7, as
placas são cobertas com antígeno purificado ( que se ligam não-covalen-
temente) seguido de lavagem para retirada dos antígenos em excesso. A
realização da etapa de bloqueio com proteínas inertes para impedir que
ocorram ligações inespecíficas na placa é essencial. O anti-soro a ser
testado é então adicionado sendo feita uma nova lavagem para retirada
do excesso. Em seguida, há a adição de anticorpos anti-imunoglobulinas,
que se ligarão ao anticorpo específico para o antígeno. Nova lavagem é
realizada, com posterior adição do substrato. Esse, pela ação da enzima
acoplada ao anticorpo secundário, será convertido em um produto colo-
rido, cuja absorbância será lida em um espectrofotômetro.

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TÉCNICAS LABORATORIAIS PARA O ESTUDO DA IMUNOFARMACOLOGIA | Cap. 10

Fig. 10.7 ELISA indireto. (A) placa coberta com antígenos e bloqueada; (B) adição da amostra
a ser testada; (C) adição de anticorpo acoplado a enzima; (D) adição do substrato
(S) e mensuração da cor.

b) ELISA direto (captura ou sanduíche)


Esse método é muito similar ao do ELISA indireto, porém a placa é
coberta com um anticorpo específico para captura de determinado antí-
geno. Após a adição do mesmo, outro anticorpo acoplado a uma enzima
é então adicionado. Este se ligará a um determinante antigênico distinto
do primeiro anticorpo. A absorbância produzida está em função da con-
centração do antígeno na amostra teste. A especificidade do método de-
penderá das especificidades dos anticorpos utilizados para cobrirem a
placa e detectarem o antígeno e a sensibilidade do teste dependerá das
afinidades e quantidades do primeiro anticorpo preso à placa. A Fig. 10.8
representa um esquema desse tipo de ELISA.

Fig. 10.8 ELISA direto. (A) placa coberta com anticorpos específicos e bloqueada; (B) adição
da amostra a ser testada; (C) adição de anticorpo acoplado a enzima; (D) adição do
substrato (S) e mensuração da cor.

10.4.2. Análise dos dados


A leitura no espectrofotômetro fornece os dados em função da absorbâ-
ncia das amostras, que é convertida em concentração através da comparação
com uma curva padrão, estabelecida a partir de amostras cujas concentrações
são conhecidas (Fig. 10.9).

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Fig. 10.9 Curva padrão obtida de um do programa “SOFTmax Pro” . No eixo Y encontram-se
os valores da absorbância das amostras e no X os valores da concentração

10.5. Immunoblotting (Western blotting)


O Western blotting é um método utilizado para detecção de proteínas em um lisado
celular ou em um extrato de tecido biológico.
A técnica consiste de uma etapa inicial onde as proteínas do lisado são submetidas a um
tratamento com dodecil sulfato de sódio (SDS), um detergente aniônico que rompe ligações
não-covalentes penetrando na proteína e abrindo-a, conferindo à mesma carga negativa. Em
seguida, essas proteínas são submetidas a uma eletroforese em gel de poliacrilamida (SDS-
-PAGE) e, uma vez que essas proteínas possuem a mesma carga, sua separação ocorre em
função do seu peso molecular. Assim, quanto menor a molécula, maior a distância percorrida,
já que estas terão maior facilidade de passar por entre os poros formados no gel.
Após a eletroforese, as proteínas são transferidas para uma membrana de nitrocelulose,
onde serão identificadas através do uso de anticorpos específicos, que irão se ligar às ban-
das correspondentes a cada antígeno. Em seguida, é usado um anticorpo secundário mar-
cado com radioisótopos ou com enzimas. A revelação então é feita através da focalização
de uma reação colorimétrica ocasionada pela enzima, ou através da exposição da membrana
de nitrocelulose a um filme fotográfico, que revelará o anticorpo marcado com radioisótopo.

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TÉCNICAS LABORATORIAIS PARA O ESTUDO DA IMUNOFARMACOLOGIA | Cap. 10

A Fig. 10.10 apresenta um desenho esquemático da técnica de Western blotting, ten-


do como exemplo a detecção de proteínas do núcleo de um extrato celular.

B E
A C D

G
F

Fig. 10.10 Representação esquemática do princípio da técnica de Western blotting. (A) Uma
célula representativa de uma amostra de cultura celular com as respectivas pro-
teínas da membrana celular ( ), do citoplasma ( ), da membrana nuclear ( ) e
do núcleo ( ); (B) Extrato celular; (C) Separação protéica por eletroforese em gel
de poliacril amida; (D) Transferência das proteínas para uma membrana de nitro-
celulose; (E) Marcação com anticorpo específico para uma proteína do núcleo; (F)
Marcação com anticorpo secundário acoplado à uma enzima ou radioisótopo (E/R);
(G) Revelação da proteína de interesse.

É indicado que o experimento seja realizado também para uma proteína estrutural,
como actina ou tubulina, que não devem ser moduladas entre as amostras. Dessa forma,
é possível a normalização dos dados em sua função.
O western blotting tem diversas aplicações em diagnóstico clínico e pesquisa básica,
exemplificando-se a confirmação do diagnóstico de HIV através da detecção do anti-
corpo anti-HIV em amostra de soro humano e fenotipagem celular e tecidual, através da
identificação de vários marcadores.

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