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A giganta inclinou a sua enorme cabeça até o baú e, depois de tomar o seu
peso, emborcou-o inteiro na mão. Todo o ouro e as pedrarias couberam na sua
palma.
- Quero a vida de um Aesir pela vida de meu pai e não, ninharias! - disse ela,
dando um chute no baú, que voou de balão pela janela do palácio onde estavam.
(Mas, nas tais ninharias, ninguém em Asgard nunca mais pôs os olhos.) -
Escolham: ou a vida de um deus, agora, ou a invasão de todos os gigantes de
Thrymheim, mais tarde! -concluiu Skadi, num derradeiro ultimato.
- Está bem - disse ela -, aceito a sugestão, desde que eu mesma possa
escolher meu futuro marido.
Loki, entretanto, veio em auxílio com mais uma de suas idéias. Mas, mesmo
depois de tê-la explicado a Odin, este ainda pareceu cético quanto à sua
aplicação.
Skadi bebeu de um trago todo conteúdo, tal era a sua sede. Ato contínuo, foi
enchido novamente o seu chifre e, assim, a noite inteira a bela giganta bebeu junto
com os deuses até que, animada, ela deu à certa altura um grande grito:
- Ótimo, ótimo! Skadi irá escolher seu marido! - Tomou-a pela mão e a levou
até uma outra sala, onde os deuses já estavam preparados. - Pronto, adorável
Skadi: aqui estão todos, apenas esperando que você faça a sua escolha!
- Que brincadeira é esta...? - disse a giganta, com uma grande risada, ao ver
aquela fileira ridícula de pés à sua frente.
- Um destes pés será o seu marido! - disse Loki, com um ar divertido. -Não é
um modo original de escolha?
- Está bem, vamos logo a isto! - disse ela, numa voz um tanto pastosa.
Um a um, ela foi analisando aqueles divinos pés (os quais, verdade seja dita,
nem por serem divinos deixavam também de ter as suas imperfeições). Depois de
tê-los estudado, detidamente, apontou o par, que estava à esquerda, no fim da
fila.
- São os pés mais lindos que já vi em minha vida! - exclamou ela, segura de
que Balder era o dono deles.
Assim que o pano caiu foram todos tomados pela mais grata surpresa, pois o
escolhido fora Niord, um deus marítimo. Ele era pai de Freyr e Freya, deuses da
fertilidade, e fora enviado com eles para Asgard, há muito tempo, para selaras
Série Mitologia - Nórdicos
Fernando Martins – ofernando@globo.com
Terapeuta Holístico – CRT 37.039
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pazes entre Aesires e Vanires, as duas estirpes divinas que viviam em guerra
desde o começo dos tempos. Niord vivia sozinho em Noatun, o seu palácio
situado nas profundezas do mar, desde que deixara a distante pátria dos Vanires.
- Quero que ande sempre descalço - dissera ela, impondo apenas esta
pequena condição para aceitar o ajuste matrimonial.
Beleza havia de sobra por lá, é verdade; ela mesma era obrigada a
reconhecer isto, quando observava a dança uniforme dos corais e liquens ao redor
das carcaças dos navios vikings afundados. O palácio de Niord, todo recoberto por
um tapete de húmus esverdeado, também era uma coisa fantástica de se ver. E,
mesmo a sua vistosa corte, com bandos de peixes de todas as cores a nadar de lá
para cá (tal como as nossas aves, embora mudos e com cara de bocós), não
deixava de ser algo sumamente interessante. Mas, nem só de beleza podia viver
uma pessoa, argumentava ela, já nas primeiras brigas que travara com seu
esposo.
De tudo isto, resultou que ambos resolveram tentar a vida na pátria de Skadi.
Niord, é claro, não ficara muito entusiasmado com a mudança, mas, enfim, era o
jeito. Menos de um mês depois, já estavam morando em Thrymheim.
No começo tudo correu bem, mas, logo, foi a vez de Niord se queixar.
- Que barulheira infernal! - disse ele, após perder o sono pela milésima vez. -
Acostumado ao silêncio majestoso do oceano, quebrado apenas, de vez em
quando, pelos gritos estridentes de um golfinho ou de uma baleia, agora era
obrigado a suportar toda espécie de gritos, uivos, rugidos, zurros e uma infinidade
de outros meios de expressão, que eram, positivamente, infernais.
- Além do mais, não suporto insetos - dissera ele, ao pôr um ponto final em
sua estada na terra de Skadi. - Prefiro um tubarão a um mosquito...!