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Eu não deveria me apaixonar por minha esposa. Isso não fazia parte do
plano.
Desde o momento em que pus os olhos em Madelena De Léon, senti um
desejo primordial de protegê-la. Mantê-la segura. Seu pai havia falhado com
ela. Eu não falharia.
Ela é inocente, não tenho nada que levá-la para minha cama. Mas Madelena
e eu estamos ligados. Nossos destinos inexplicavelmente ligados. Assim
como nossa sobrevivência.
Meu passado é sombrio. Fiz muitos inimigos e a traição corre solta em meu
mundo. Mas às vezes aqueles mais próximos a você são os mais perigosos
de todos.
Se eu fosse um homem melhor, eu a deixaria ir. Eu sei que é a única maneira
de mantê-la segura.
Mas qualquer bondade que eu tinha em mim desapareceu há muito tempo.
Sou um homem condenado. Eu quero o que eu quero.
E o que eu quero é ela.
CAPÍTULO UM
SANTOS
Eu sei por que ela foi lá, mas quero ouvi-la dizer isso. Talvez se ela o
fizer, e compartilharmos esse segredo obscuro, talvez ela possa começar a
confiar em mim.
Mas não é isso que está em minha mente enquanto caminho pelo
corredor mal iluminado da mansão que meu pai comprou há cinco anos. Foi
um momento decisivo para ele, a manifestação física de quão longe nós,
Augustines, havíamos chegado.
Na época, era um lugar degradado e esquecido. Ele foi abandonado
pela última família que morava aqui quando ficou sem dinheiro e o deixou
para apodrecer de volta a terra. Meu pai colocou seu coração e alma para
reconstruí-lo. Eu levo meu tempo enquanto me aproximo da grande
escadaria que levará ao andar principal e paro uma vez que estou lá. Olho as
paredes que me cercam, as pinturas, os vitrais. Eu amo esta casa. Eu tenho
desde o primeiro dia. Caius e minha mãe sempre deixaram clara a
preferência por algo mais moderno. Eu me pergunto se agora é a hora de
eles se mudarem para os apartamentos de luxo da Augustine's, de eu voltar
para casa com minha esposa.
Minha eventual família.
Eu balanço minha cabeça. De onde diabos veio esse pensamento?
Tenho cerca de mil e um problemas para resolver antes de começar a pensar
em uma família.
Enfio a mão no bolso, pego meu telefone e vou até um número que
não ligo há muito tempo. Minha respiração fica mais difícil quando aperto o
botão verde para fazer a ligação. Demora um pouco para conectar e vai
direto para o correio de voz. Não há saudação. Nunca houve. Apenas um
sinal sonoro para deixar uma mensagem.
Eu não.
Mudando para o texto, eu digito um.
Nós precisamos conversar.
A marca de seleção aparece quase instantaneamente informando que
a mensagem foi enviada. Mas é aí que termina. Não há uma segunda marca
de seleção para confirmar a entrega.
Claro, isso pode não significar nada. Thiago nunca deu a mínima para
atender o telefone ou mesmo ouvir mensagens. Inferno, pelo que sei, ele
mudou seu número anos atrás. Ou talvez o telefone dele esteja sem bateria.
Mas algo em meu interior me diz que não é nenhuma dessas coisas.
Eu disco outro número.
— Santos? — Addy pergunta quando ela atende.
— Oi Addy. — eu digo, ouvindo a música familiar do clube de strip ao
fundo. — Como estão as coisas?
— Não mudou muito desde a outra noite. Ou você esqueceu que você
e Thiago visitaram?
Eu me afasto da escada - não que alguém deva estar ouvindo, mas dou
alguns passos para o corredor escuro de onde vim antes de falar.
— Ele voltou?
Há uma pausa que eu não gosto, seu tom é mais pesado quando ela
responde. — Por quê?
— Só preciso verificar se ele está bem.
— Eu disse a você na outra noite que ele não estava. O que está
acontecendo?
— Não sei. Provavelmente nada. Olha, se você o vir, me avise, ok?
— Sim. Claro. Vocês dois precisam resolver suas merdas. Vocês já
foram como irmãos, lembra?
Não fui eu que esqueci. — Sim, eu me lembro. Avise-me. É importante.
— Eu vou, Santos.
Desligo a ligação e coloco o telefone de volta no bolso, descendo as
escadas. Encontro Val na cozinha comendo um sanduíche no balcão
comprido enquanto ele conversa com Melissa, uma das cozinheiras. Quando
ela me vê, seu sorriso desaparece e ela se endireita para voltar a trabalhar
lavando pratos. Val põe o resto do sanduíche na boca.
— Pronto? — Eu pergunto.
— Nasci pronto.
— Você sabe onde minha mãe está, a propósito?
— Fora para jantar.
— Tão tarde?
Ele encolhe os ombros, fazemos o nosso caminho para a porta do
porão. Antes de abrir, me viro para ele. — Eu preciso que você faça algo por
mim.
— Claro. O que é?
— Coloque um vigia no meu irmão.
Sua testa franze, mas ele acena com a cabeça uma vez. Val nunca
confiou em Caius, mas deixei claro que ele é meu irmão antes de tudo. Val já
existe há algum tempo. Papai também confiava nele, essa é uma das razões
pelas quais confio tanto nele.
— E minha mãe. — acrescento, não gostando disso. A traição é uma
coisa pesada. Enfio a mão no bolso, por mais que queira estar errado,
preciso ter certeza. Porque a pedra que encontrei na passarela é uma que
vejo todos os dias.
Eu uso uma pulseira com um conjunto dessas mesmas pedras.
Quando voltei para casa após o desaparecimento do Comandante,
livre de minha vida de servidão violenta, papai tinha um presente para mim.
Ele criou uma insígnia para a família Augustine, algo que seria apropriado
para nossa nova posição como parte da elite de nosso novo mundo. É um
coração trespassado por duas espadas. Quando ele me presenteou com isso,
ele me disse que era um símbolo antigo que ele adaptou com um significado
apropriado. Eu não tinha entendido isso, ainda não entendo. Ele também
fez questão de me dizer que era para mim e somente para mim, que meus
herdeiros também levariam a insígnia. Mas só eu. Caius havia sido
claramente excluído.
Foi depois disso que mandei fazer as pulseiras para Caius e para mim.
Escolhi o Lapis Lazuli porque a pedra representava a verdade. Eu queria que
ele soubesse, no que dizia respeito a mim, que não importava essa
reviravolta estranha com meu pai, ele e eu éramos irmãos. Ponto final. O
fim. Isso era tudo que havia para mim.
Sim, mais pessoas do que Caius e eu usamos essa pedra em particular,
mas o fato de tê-la encontrado na passarela na noite em que encontrei
Madelena desmaiada lá é preocupante porque a pulseira também sumiu
repentinamente do pulso do meu irmão. Caius usa essa pulseira todos os
dias desde que eu dei a ele.
Mas este não é o momento para refletir sobre isso. Tenho que lidar
com o irmão de Madelena agora.
— Como estava Odin quando você o pegou? — Eu pergunto enquanto
Val abre a porta do porão.
— Não surpreso.
— Hum.
Val abre a porta e descemos. Uma luz está acesa no grande espaço
inacabado. Está quase vazio, exceto pelos móveis sobressalentes
armazenados aqui. Um único homem fica de guarda. No meio da sala está
sentado Odin De Léon, os cotovelos apoiados na mesinha, os dedos unidos,
o queixo apoiado nas mãos. Ele se vira quando nos vê e se levanta, mas o
soldado atrás dele põe a mão no ombro de Odin e o empurra de volta para
baixo.
Ele olha para mim enquanto eu ando ao redor da pequena mesa e me
sento na cadeira oposta. Eu me inclino contra ela, deslizando minhas mãos
nos bolsos. O gesto deveria ser casual, mas meus dedos se curvam em torno
daquela pedra, me lembro de como as coisas podem ser fodidas.
— Onde está minha irmã? — ele pergunta, em tom hostil.
— Ela está na minha cama. — digo a ele com um sorriso.
Ele cerra os dentes, embora não diga uma palavra, seus olhos falam
por si.
— Ela provavelmente teve uma concussão, graças a você. Mas ela está
viva e segura. Não, graças a você nessa parte.
Ele está claramente surpreso, mas essa surpresa se transforma em
preocupação em uma fração de segundo. — Que diabos você está falando?
Eu coloco meus cotovelos na mesa e me inclino para ele porque estou
puto pra caralho. — Se você está tão preocupado com ela, por que você
contaria a ela sobre as imagens de vigilância sem ter a porra do contexto?
— Contexto? — Ele ergue as sobrancelhas. — Que contexto eu
preciso? Você estava na casa do nosso tio na noite em que ele foi
assassinado...
— Afogado oficialmente.
— Besteira.
— Aprovado.
Ele abre a boca e depois a fecha. Ele está claramente intrigado com
minha avaliação compartilhada de como seu tio morreu porque um
momento se passa antes que ele responda. — Você estava na casa dele.
Você passou uma maldita hora matando-o. Provavelmente torturando-o.
Limpando depois de si mesmo. Eu não tenho a porra da ideia do que você
fez. E então você saiu verificando a porra do seu relógio como se tivesse um
lugar para ir.
— São muitos espaços em branco que você está preenchendo
casualmente.
— Oh? Não é preciso ser um gênio para preencher esses espaços em
branco. Qualquer juiz e júri verão isso.
— Quem viu a filmagem? — Pergunto porque tenho dois problemas
aqui. Um sendo a pessoa ou pessoas que têm uma cópia dela e enviaram
aquela foto para Madelena, e o segundo sendo Odin e quem quer que ele
tenha trabalhado para colocar as mãos em uma cópia.
— Ninguém. — diz ele, desviando o olhar.
— Você é um mentiroso de merda, sabia disso? Tente novamente.
— Ou o quê? Você vai pregar minhas mãos na mesa?
— Não. Só farei isso se você tocar no que é meu.
Uma batida passa. Ele me estuda porque sabe do que estou falando.
De quem estou falando. — Minha irmã amava o tio. Ela era a pessoa mais
próxima dele.
— Vamos apenas esclarecer algumas coisas aqui. Você e eu sabemos
que seu tio Jax não era exatamente um santo.
Ele mantém a boca fechada e inclina o queixo teimosamente para
cima. Ele sabe do que estou falando.
— E você vai dizer exatamente isso à sua irmã.
— Porque eu faria isso?
— Porque eu sou o único que pode mantê-la segura, e não posso fazer
isso a menos que ela comece a confiar em mim.
— O que você quer dizer?
Inclino-me para trás novamente e olho para o soldado de pé contra a
parede. Ele está comigo há muito tempo, mas posso confiar nele? E se Caius
fosse o estranho mencionado por Madelena? E se a mensagem enigmática
de Thiago para Madelena fosse sobre Caius? Porque é muito parecido com a
mensagem do meu pai.
Naquele momento, minha mente evoca as palavras da carta que papai
deixou para ser lida após sua morte.
Eu sei o que você fez, e este é o seu castigo.
Ele estava se referindo a Caius? O que ele poderia ter feito?
— Do que você está falando, Santos? — Odin pergunta.
— Sua irmã e eu tivemos uma discussão na noite passada. — eu digo,
meu lado latejando como se afrontado por eu não reconhecer a ferida. —
Ela ficou chateada depois do que você disse a ela e não me deu chance de
explicar antes de sair para o farol.
— O farol? — Seu rosto perde um pouco de cor. — Por que ela...
— Ela não estava sozinha.
— O quê?
— Alguém a machucou, tenho certeza que ela viu algo que não deveria
ter visto. — O assassinato do Thiago. Porque eu sei no meu íntimo que Addy
não vai ligar para me dizer que o viu. Eu sei que a mensagem de texto nunca
será entregue. Porque o telefone dele provavelmente está quebrado em
algum lugar naqueles penhascos ou no fundo do oceano agora.
— Que porra está acontecendo?
Eu me viro para o soldado. — Saia.
Ele acena com a cabeça, sem questionar, faz o que mando. Pego meu
celular do bolso e o coloco sobre a mesa entre nós.
— Eu não matei seu tio. Ele já estava morto quando cheguei lá.
— Certo. — Odin bufa, inclinando-se para trás em uma tentativa
fracassada de parecer relaxado.
— Ele tinha muitos inimigos. Você sabe como ele operava. Ele não
estava acima da chantagem.
— Como eu disse, diga isso ao juiz e ao júri. Tenho certeza de que eles
vão acreditar em você.
Encontro à gravação no meu telefone. É uma cópia do original, que
está guardado no cofre. Aperto play, Odin perde o resto da cor em seu
rosto.
— Jax Donovan morre em três dias. — diz o pai de Odin. — Faça com
que pareça um acidente. Eu não quero a porra dos policiais envolvidos mais
do que você. Estou enviando o depósito agora.
Há uma pausa momentânea antes de ouvirmos a voz de meu pai. —
Recebido.
— Você receberá o segundo tempo assim que for considerado um
acidente. — diz Marnix De Léon.
— Vou pegá-lo quando o contrato for cumprido.
— Tudo bem. Apenas faça isso.
A gravação termina e eu pego meu telefone de volta.
— Jesus. — Odin passa as mãos pelos cabelos.
Dou a ele um minuto para processar o que acabou de ouvir e checo a
mensagem que enviei para Thiago. Como esperado, ainda a única caixa de
seleção cinza que foi enviada, mas fica em algum lugar no limbo esperando
para ser entregue. O que acontece com essas mensagens, eu me pergunto,
quando o destinatário não pode mais recebê-las? Quando ele ou ela morre.
A vida é passageira. Os corpos humanos são tão frágeis e ainda assim
passamos nossos dias alheios ao fato como se fôssemos imortais. Deuses.
Eu balanço minha cabeça. Ele se foi? Realmente se foi? O pensamento
de Thiago morto me faz engolir uma emoção que eu não sabia que sentiria
ao saber disso. Mas este não é o momento para emoção. Eu percorro as
imagens no meu telefone para uma pasta de cinco anos atrás. Uma que só
meu pai e eu sabemos que existe, agora que ele se foi, só eu sei.
— Isso não prova que você não o matou. — Odin finalmente diz,
embora mais calmamente agora que foi confrontado com evidências de que
seu pai planejou um golpe contra seu tio. — Se alguma coisa, isso ajuda no
caso contra você.
— Cristo. — Escolho uma das fotos e ergo meu telefone para que
Odin possa vê-la. — Que tal isso, então?
Odin parece confuso a princípio. Ele olha mais de perto, então vira o
rosto. — Jesus Cristo.
— Qual é a hora no relógio? Aliás, também está registrado no meu
telefone, caso você ache que eu organizei isso. — Ele mantém o olhar
desviado. Eu sinalizo para Val, que segura a cabeça de Odin e o força a olhar
para o telefone. Eu entendo que ele não quer olhar. Ampliei a foto de seu tio
flutuando de bruços na piscina, onde o relógio na parede mostra claramente
as horas. — Se você viu o restante das imagens de vigilância, saberá que
entrei cerca de três minutos antes. Quase não dá tempo de afogar um
homem, me secar e tirar uma fodida foto, não acha?
Odin olha para mim, confuso. — Por que você não mostra isso a
Maddy? Então ela não precisa saber o que o tio dela fez.
— Você acha que ver o corpo dele boiando na piscina é uma boa
ideia? — Ele é pra caralho real? Eu poderia ter mostrado isso a ela desde o
primeiro dia, prova de que o que eu estava dizendo era verdade. Mas de
jeito nenhum eu estava fazendo isso com ela. Inferno, se dependesse de
mim, ela nunca teria descoberto o tipo de homem que Jax Donovan era, mas
não havia outra maneira - ou se houvesse, eu não pensei nisso.
— Ela nunca vai saber da existência dessa fotografia, entendeu?
Ele concorda.
— E você vai dizer a ela o que o tio Jax fez. Como ele estava
chantageando seu pai, entre outros, e o deixou sem escolha a não ser se
retirar da empresa ou enfrentar a prisão.
Ele range os dentes.
— Agora me diga. Quem conseguiu as imagens de vigilância? Porque
não é suposto existir. Garantimos que fosse apagado no nível superior da
empresa de segurança.
— Ninguém.
Eu levanto minhas sobrancelhas e o estudo, dando-lhe a oportunidade
de encontrar a resposta certa sem eu ter que bater nele. Estou fazendo isso
pela minha esposa.
— Eu tenho. Está escondido. — ele finalmente diz.
— Onde?
— Casa.
— Nós vamos buscá-lo quando você terminar de falar com sua irmã.
Agora, quem pegou para você?
Ele desvia o olhar, o maxilar teimosamente definido novamente.
— É seu namorado? — Eu pergunto, porque sei algumas coisas sobre
Odin De Léon. Uma delas é que ele não está interessado em garotas. Eu não
dou a mínima para suas preferências sexuais, mas Marnix De Léon sim. Odin
foi forçado a manter isso escondido da sociedade da Avareza e espera-se
que se case com uma mulher de igual posição. Madelena ficou sabendo e
guardou seu segredo com ela. É uma das razões pelas quais Marnix está tão
desapontado com seu filho.
O que me importa é que o namorado dele, Rick Frey, é uma espécie de
mago do computador. Ele é a única pessoa em quem consigo pensar que
poderia invadir o banco de dados da empresa de segurança e encontrar o
que supostamente foi destruído anos atrás.
Odin tenta manter sua expressão neutra, mas vejo o brilho de emoção
em seus olhos, vejo a linha se formar entre suas sobrancelhas. Eu dou a ele
um minuto e com certeza, ele me encara, os olhos cheios de lágrimas.
— Ele não vai falar. Ele não é assim. Ele é confiável.
— Bem. — empurro a cadeira para trás e me levanto. — Depois que
você falar com sua irmã e nós pegarmos aquela filmagem de vigilância, você
e eu faremos uma visita a ele e eu decidirei então o quão confiável ele é.
CAPÍTULO QUATRO
MADELENA
Minha mãe está chateada por ter sido convidada a se mudar, embora
ela tenha contratado designers para o apartamento para remodelá-lo
inteiramente ao seu gosto. Amo minha mãe, mas também a conheço. Evelyn
Thomas veio do nada. Ela teve Caius quando estava no final da adolescência
e teve que trabalhar em qualquer emprego que pudesse encontrar para
sustentar a si mesma, seu bebê e seus pais, de quem ela nunca fala. Tanto
quanto eu sei, eles morreram anos atrás.
Quando meu pai a conheceu, Caius ainda era um bebê. Ele se
encantou à primeira vista, e eu entendo. Minha mãe é uma mulher muito
bonita. Mas ela também é uma mulher confortável em manipular todas as
situações para melhor atender seus desejos e necessidades, ela é
incrivelmente protetora com seu filho primogênito.
Eu entendo e não guardo rancor contra meu irmão. Os dois estão
ligados de uma forma que ela e eu nunca estaremos. Tive um pai que me
amou desde o primeiro dia. Meu pai adotou Caius porque queria minha
mãe. Acredito que ela me ama, mas quando meu pai deixou Caius de lado e
o excluiu de seu testamento, as coisas mudaram, entendo a ferocidade de
seu instinto de protegê-lo.
Nos últimos dias em que ela está em casa instruindo o pessoal sobre
como fazer as malas, ela faz questão de me mostrar o quanto está se
sacrificando pelo conforto meu e de minha esposa, a inimiga.
Eu concordo com isso porque é temporário e é mais fácil assim. Além
disso, tenho coisas mais importantes para resolver no momento.
Val e eu paramos nos portões da propriedade Avery ao longo da
periferia da cidade no final da tarde, dois dias após o incidente no farol. Não
houve nenhum contato de Thiago. Essa mensagem que enviei ainda não foi
entregue em algum lugar do espaço sideral. Mais duas ligações para Addy
não resultaram em nada.
Val desacelera o carro enquanto chegamos aos portões. As câmeras de
segurança em cada pilar dão zoom em nossos rostos, fico surpreso quando
os portões se abrem antes de termos que nos anunciar aos dois soldados
armados que se aproximam da guarita. Nós dirigimos em direção à entrada
da casa opulenta enquanto eu observo o terreno, vendo na minha periferia
o fechamento dos portões e os dois homens parados do lado de fora da
guarita observando, rifles automáticos pendurados nos ombros.
A casa em si é uma estrutura de pedra em estilo francês. É linda, com
certeza, imagino que o interior seja tão luxuoso quanto a nossa. Tenho
certeza de que Bea Avery não aceitaria nada menos do que o melhor. Eles
podem pagar. O Comandante era um homem muito rico - o tipo de riqueza
que só se pode adquirir no ramo de trabalho em que ele trabalhava. O ramo
de trabalho em que minha família está.
Somos todos criminosos, não importa o quanto tentemos limpar o
sangue de nossas mãos.
— Espere aqui por mim. Eu não devo demorar muito. — eu digo a Val
uma vez que ele puxa o SUV para uma parada.
— Tem certeza disso? — ele pergunta, olhando para a entrada da
frente, cuja porta acaba de ser aberta.
— Eu vou ficar bem. — eu digo, observando Camilla e seu irmão
assustador saírem.
Saio e percebo os guardas armados na porta, que avançam enquanto
subo as escadas.
— O revistem. — Camilla ordena.
— Isso não é necessário. Estou desarmado.
— Nós não acreditamos em você. — ela diz, cruzando os braços sobre
o peito como sempre fazia porque ainda é uma pirralha de merda.
Antes que eu tenha a chance de responder, Bea Avery aparece. Ela
está usando um vestido preto e seus longos cabelos loiros estão soltos nas
costas. Ela ainda é atraente, mas deve estar ciente de que a beleza de sua
filha superou a dela.
— Não seja criança, Camilla. — diz Bea. Ela leva à boca o cigarro que
está segurando na piteira gravada em prata vintage e seu olhar se move
sobre mim. — Santos. Que surpresa. Entre.
Ela se afasta e os gêmeos entram na casa para que eu possa passar
pela porta. Eu noto outro soldado dentro da casa. O Comandante nunca
teve tantos homens armados tão visivelmente presentes. Thiago também
não.
Isso é porque ele se foi.
Assim que entramos, Bea Avery abre caminho para uma sala de estar
formal e se senta em uma poltrona perto da lareira. Ela não me convida para
sentar enquanto Camilla e Liam se sentam no sofá. Isso é bom. Não
pretendo ficar muito tempo. Além disso, isso é como nos velhos tempos.
Para eles, eu sou um servo. Aquele que lida com sangue, mas ainda assim
um servo.
— Estou aqui para ver Thiago. — eu digo categoricamente e os
observo de perto. Vejo como Liam olha para a irmã em busca de uma pista
de como reagir, vejo os olhos de Camilla se estreitarem acusadoramente e
observo o olhar frio de Bea Avery não se desviar de mim nem uma vez.
— Você está? Bem, lamento dizer que ele não está aqui.
— Não? Quando você espera que ele volte para casa? Eu voltarei.
— Por quê? Que negócios você tem com ele?
— Isso é entre nós.
Ela me estuda enquanto dá uma tragada no cigarro. — Qualquer
negócio que você tenha com meu filho é um negócio que você tem comigo.
— Até onde eu sei, Thiago é o chefe desta família desde a infeliz
ausência do Comandante. — Eu adiciono a última parte com um sorriso que
eu não gosto de sentir e um olhar para os gêmeos.
— Você quer dizer desde o assassinato dele? — Liam pergunta.
— Cale a boca. — sua mãe o castiga, exalando fumaça de cigarro
enquanto fala e parecendo a porra do dragão que ela é. — Meu filho estava
a caminho para jantar em seu clube há duas noites, mas infelizmente ele
nunca apareceu e não o vimos desde então. Ele parece ter desaparecido da
face da terra, de fato. Você não saberia nada sobre isso, não é?
Eu levanto minhas sobrancelhas. — Oh? Ele ligou?
— Claro que não. Eu não sou burra, Santos.
— Espero que ele não tenha desaparecido como o pai. Você tem um
talento especial para fazer as pessoas desaparecerem, não é? — Camilla
pergunta em um tom doce e doentio que me dá nos nervos.
— Aprendi com os melhores. — digo a ela.
Ela me dá um fora.
— Bem, se você puder avisar Thiago que vim vê-lo quando ele voltar,
eu agradeceria.
Bea está enrolando uma longa mecha de cabelo no dedo. Sempre me
perguntei sobre ela. Apesar de saber exatamente que tipo de homem era
seu marido, ela era devotada a ele de uma forma estranha e não natural.
Eles tinham uma dinâmica entre eles que era puro ódio em sua essência,
mas nenhum estava disposto a deixar o outro ir, como se o sofrimento do
outro tivesse precedência sobre sua própria felicidade. Eu nunca entendi
isso. Eu vi com meus próprios olhos como ele a tratava e ela sabia bem
quantas mulheres ele levava para a cama.
Também vi o que aconteceu com aquelas de quem ele gostava
particularmente quando sua esposa ficava sabendo.
Bea Avery sorri, me pergunto se meu rosto revela minha repulsa ao
lembrar do que ela é capaz. — Camilla, acompanhe o Santos.
— Sim, mãe. — Camilla diz, levantando-se. Ela odeia a mãe, mas
também tem medo dela. Acho que o medo e o Thiago são as duas únicas
coisas que mantêm a pequena psicopata na linha.
— Eu posso sair sozinho.
Como se não tivesse ouvido, Camilla dá um passo em minha direção,
ficando muito perto. Ela sorri, então desliza sua mão na minha. Quando tiro
a minha, ela passa o braço pelo meu e me segura com força enquanto me
leva para fora da sala e pelo corredor em direção à porta da frente. Seu
perfume familiar é enjoativamente doce, prendo a respiração porque me
lembra demais do passado. Da minha vida quando morei com essa família.
Do tipo de homem que me tornei durante aqueles anos.
Pouco antes de chegarmos à porta da frente, porém, ela se vira para
outra que um guarda está parado na frente e ela acena para ele abri-la. Ele
faz.
Eu levanto minhas sobrancelhas.
— Não quero ser interrompida, entendeu? — ela diz a ele em um tom
que não é malcriado nem nada parecido com seu tom normal. Eu estudo
Camilla Avery, imaginando como a dinâmica de poder da família vai mudar
agora que Thiago se foi.
— O que você quer, Camilla? — Pergunto quando ela fecha a porta e
estamos sozinhos em uma pequena biblioteca.
Ela deixa seu olhar se mover sobre mim, então tira fiapos inexistentes
do meu ombro. — Você parece bem, Santos. Você está envelhecendo bem.
Reviro os olhos. — Bom se ouvir. Agora, se me der licença. — Eu sigo
em direção à porta.
— Eu sei para onde ele estava indo. — diz ela.
Eu olho para trás, mantendo minha expressão mais divertida do que
qualquer outra coisa. — Com licença?
— Sua esposa é bonita. — ela começa assim que sabe que tem minha
atenção. Ela atravessa a sala para se jogar casualmente em uma poltrona
enorme. Ela pendura as longas pernas sobre um braço e deixa um sapato de
salto pontudo pendurado na ponta dos pés. — Você transa com ela ou deixa
seu irmão fazer isso como você costumava fazer com os presentes que papai
lhe mandava?
Presentes.
Mulheres.
Seres humanos.
Mas esta família nunca foi incomodada por tais distinções. Eu sei que
uma das razões pelas quais estar perto deles me impacta tão visceralmente
é que, por um tempo, eu me tornei como eles… e isso é uma coisa
assustadora de se ver em si mesmo.
Eu estreito meu olhar, minha mandíbula apertando, mas eu não
respondo. Ela sabe que nunca fodi nenhuma das mulheres que seu pai
enviou como recompensa. Ela também sabe que Caius fez. Camilla sempre
teve um jeito de descobrir as coisas, quase como se tivesse seu próprio
sistema de espionagem todos esses anos. Eu me pergunto se todos nós não
a subestimamos.
— Espero que não se importe que eu pergunte. Sou tão curiosa. — Ela
deixa seu olhar deslizar sugestivamente sobre mim.
— Você está fora de linha.
— Eu estou? É só uma pergunta. Você sabe que eu costumava me
perguntar se você não conseguia levantar, mas então eu ouvia você algumas
noites. — Eu deveria sair. — Sufocando seu pau até a morte quando eu
felizmente teria lhe dado prazer com minha boca. Ou qualquer outro
buraco.
Eu tento esconder minha surpresa com a grosseria dela, que é tão
oposta à aparência perfeita de boa menina que ela tem. — Meu pau teria
murchado e morrido assim que sua língua venenosa o tocasse. Com licença.
— Aposto que ela gosta de tirar isso dele. — diz ela inocentemente. —
Você assiste?
Acabei de colocar minha mão na maçaneta, embora devesse saber
melhor, embora todo instinto seja ir embora, eu reajo. Porque algo sobre o
pensamento de Caius tocando Madelena me deixa louco pra caralho. Antes
que ela possa pronunciar outra palavra, eu estou sobre ela, a coloco de pé,
minha mão em volta de sua garganta.
— Você não fala sobre minha esposa. Você não pensa na minha
esposa. Pensamentos sobre ela nunca passam por sua mente doente.
Entendeu?
Ela agarra meu antebraço, seu rosto ficando vermelho, olhos muito
arregalados. Eu afrouxo meu aperto, em seguida, libero-a completamente
antes de matá-la, porra.
Um canto de sua boca se curva para cima, ela lambe os lábios daquele
jeito que um predador lambe os dele antes de fechar suas mandíbulas ao
redor da garganta de sua presa.
— Você quer dizer pensamentos sobre sua esposa em geral ou
pensamentos sobre seu irmão transando com sua esposa?
Meus punhos cerram ao meu lado.
— Caius é muito talentoso com a língua. Tenho certeza que ela está
gostando... — Ela grita quando eu a pego pelo pescoço novamente e desta
vez, a empurro contra a parede.
— Você é filha de seu pai. Não é de admirar que ele estivesse tão
orgulhoso de sua pirralha psicopata. — Eu dou mais um aperto, ouço o som
estrangulado que ela faz antes de deixá-la cair no chão e me virar para ir
embora.
— Thiago recebeu uma ligação antes de sair. — diz ela, com um tom
áspero e não tão composto quanto momentos atrás.
Faço uma pausa, então decido continuar andando. Ela está brincando
comigo.
— Algo sobre uma reunião no farol. — acrescenta ela.
Isso me faz parar e fechar os olhos com força. Porque porra.
— Você sabia que quando eu ouvia você se masturbar, eu me
dedilhava e imaginava que era você me fodendo? — ela pergunta, toda
doçura novamente.
Eu olho de volta para ela. Ela está de pé e enrolando o cabelo como
sua mãe fazia momentos atrás. — Eu o ouvi. Ele ia encontrar alguém no
farol. E agora ele se foi. Era você que ele ia encontrar? Você o fez
desaparecer como fez o papai desaparecer?
— Você está mentindo.
— Eu acho que você sabe que eu não estou. Mas há uma pergunta
mais importante que você deveria estar me fazendo, não acha?
— O que é isso?
— Como posso saber o quão bom Caius é com a língua? — Ela me
observa de perto enquanto sorri como a porra do predador que ela é. Ela
desliza uma mão sobre o mamilo pontiagudo sob a blusa e desce pelo
abdômen até o cós da calça jeans. — Eu vou te dizer outra coisa também.
Ele é ainda melhor com seu pau.
CAPÍTULO SETE
MADELENA
Não consigo parar de pensar no que Caius disse, não consigo parar de
ouvir sua ameaça como se estivesse repetindo na minha cabeça. A maneira
como ele olhou para mim quando disse essas palavras, a maneira como seus
olhos ficaram vazios, não tenho dúvidas de que ele me machucaria se Santos
não se interpusesse entre nós. Essa besteira sobre ele gostar de mim, eu não
acredito nisso, nem por um segundo. Ele deve pensar que sou
completamente crédula e sou, muitas vezes, mas não nisso. Embora eu
também ache que o entendo.
A relação entre os irmãos deve ser difícil. Santos foi favorecido por seu
pai. Caius foi posto de lado quando Santos apareceu, embora Brutus
Augustine tivesse oficialmente adotado Caius como seu filho. Acho que os
irmãos se amam sim, mas tem que ter ciúme também, da parte do Caius, e
com o Santos, culpa talvez?
A história de Santos encontrando a garota que amava assassinada
dessa forma, porém, é a visão que continuo tendo. Por que Caius me contou
isso com tantos detalhes? Para despertar minha curiosidade sobre aquela
caixa? Ele fez. Mas também pôs espaço entre mim e Santos porque sabe que
não vou perguntar ao Santos sobre a menina assassinada.
Assim que tenho certeza de que Caius se foi e que as únicas pessoas
na casa são um punhado de soldados e funcionários, saio do quarto de
Santos e desço as escadas, observando as paredes com painéis escuros e os
vitrais da casa, o hall que abrange os três andares completos da casa. Eles
filtram a luz do sol que se desvanece rapidamente, feixes de luz brilhantes
que parecem quase de outro mundo.
Eu levo um minuto para olhar do topo da escada para a grande
entrada da casa. Foi restaurado para parecer como era no auge da família
Valerian em Avarice, quando eles tinham os meios e o desejo de mantê-lo.
Havia um artigo em uma revista de arquitetura local sobre isso junto com
uma entrevista com Brutus Augustine. Lembro-me de como meu pai ficou
irritado com isso.
Enquanto desço as escadas, ouço o pessoal da cozinha trabalhando. A
grande lareira na grande sala de estar, que geralmente tem um fogo
crepitante, ainda está escura. Eles não vão acender isso até pouco antes do
jantar. A Sra. Augustine geralmente gosta de tomar um coquetel lá antes.
Embora agora que ela e Caius se mudaram, não tenho certeza se eles
voltarão para coquetéis ou jantares ou se Santos será formal se formos
apenas nós dois.
Passo pela sala a caminho do escritório de Santos, que era do pai dele.
Faço questão de pegar o caminho mais longo só para ter certeza de que a
costa está limpa, quando sei que não vou esbarrar em ninguém, abro a
porta. Fico feliz em encontrá-lo destrancado, mas, ao mesmo tempo, estou
olhando por cima do ombro enquanto corro para dentro. Sinto-me como
uma criminosa por isso.
Uma vez lá dentro, fico de costas para a porta e observo. A lâmpada da
mesa está acesa. Ela lança uma luz amarela suave, embora não seja
brilhante, é o suficiente para eu dar uma olhada.
As caixas esperando para serem desempacotadas estão encostadas
nas paredes e ao pé do sofá de couro contra a parede oposta à escrivaninha.
As estantes estão apenas meio cheias. Presumo que os livros que estão aqui
tenham pertencido a Brutus Augustine porque não acho que Santos tenha
estado em casa para desfazer as malas.
Ao pensar em Brutus, olho para o retrato pendurado sobre o manto da
lareira. Tem cerca de metade do tamanho do da sala, mas não é pequeno.
Brutus Augustine está olhando para mim de seu lugar lá no alto, seu olhar
não menos penetrante do que na vida, não menos ameaçador. Isso me dá
um arrepio na espinha e me viro porque preciso trabalhar.
Presumi que Caius teria colocado a caixa que carregava em cima da
escrivaninha ou em uma estante, mas não o fez. Eu tenho que puxar as
tampas das caixas móveis para procurá-la. Encontro a caixa em uma delas e
a levo até a mesa, olhando embaixo para ver se Santos pode ter colado a
chave nela. Isso seria muito fácil, porém, ele é mais esperto do que isso.
Enfio a mão no bolso para pegar os grampos de cabelo que carreguei.
Eu não sou ruim em desbloquear fechaduras simples. Foi assim que entrei e
saí do meu quarto trancado na faculdade. A garota que tinha o segundo
quarto no meu prédio, os únicos dois quartos na mansão original, também
ficava trancada à noite, mas ela tinha um telefone celular. Então eu mesmo
sairia e abriria a porta dela em troca do uso de seu telefone.
Nunca soube o motivo de seu confinamento, mas sei que ela odiava a
família, nesses dois anos, recebeu visitas poucas vezes. Não é como se ela e
eu nos tornamos amigas. Nenhum de nós queria a outra em nosso negócio.
Nós tínhamos um acordo. Eu a deixava sair. Ela me deixava usar o telefone
dela. Assim que eu terminasse de ligar para meu irmão, ela sairia do prédio.
Não sei para onde ela foi, se conseguiu sair da propriedade ou o quê, mas
não me importava. Não tinha nada a ver comigo.
Ajoelho-me para examinar a fechadura, torcendo os pinos para
prepará-los. Não deve ser muito difícil, me pergunto o que vou encontrar na
caixa. Caius fez parecer que era importante dar uma olhada, embora parte
de mim tenha medo de que sejam fotos da cena do crime. Mas não acho
que Santos as manteria. Por que ter um lembrete de como alguém que você
amava foi assassinado?
Caius havia mencionado amigos por correspondência. Presumo que
vou encontrar cartas entre Santos e a garota, há uma parte de mim que quer
vê-las. Quero conhecer a garota que ele amou tanto que cometeu um
assassinato para vingar sua morte e desencadeou o que aconteceu a seguir.
Eu empurro os pinos no lugar e começo a manipulá-los. Já faz um
tempo desde que fiz isso, mas é como andar de bicicleta. Você não esquece
depois de aprender. Um toque leve é melhor.
Mas essa fechadura é mais sofisticada do que as antigas nas portas dos
nossos quartos na faculdade. Depois de alguns minutos, quando ainda não o
tenho, ouço meu nome. Não reconheço a voz, mas é uma mulher e ela diz
muito claramente a quem está pedindo que os levará até o meu quarto.
Merda. Merda. Merda.
Eu olho em volta, não tenho certeza do motivo, mas ouço mais passos,
então corro para a porta e coloco meu ouvido contra ela. Espero até que os
passos se afastem, assim que fica quieto, abro uma fresta. Ouço passos na
escada e saio do escritório no momento em que uma das funcionárias
aparece na esquina. Ela para, claramente surpresa em me ver, eu sorrio e
vou em direção à cozinha como se estivesse indo para lá o tempo todo.
Meu coração martela. A equipe está ocupada cozinhando quando a
mulher que me viu no corredor me segue para dentro.
— Posso ajudá-la, Sra. Augustine? — ela pergunta. — Eu acredito que
você está sendo chamada lá em cima.
— Oh? Eu não percebi. Eu estava descendo para um lanche.
— Você não passou por eles na escada?
Eu limpo minha garganta e tenho certeza que é óbvio que estou
mentindo.
— O jantar é em uma hora. — diz ela, me salvando de ter que
responder. — O que você gostaria?
— Uma hora? Posso esperar então. Quem está aqui para me ver?
— Não tenho certeza, senhora. Talvez você devesse subir.
— Sim. Boa ideia. Obrigada. — Saio da cozinha e subo correndo as
escadas para encontrar duas pessoas paradas na porta aberta do quarto de
Santos.
— Eu pensei que ela estaria aqui. Sinto muito, doutor. — a garota mais
nova diz.
— Você está procurando por mim? — Eu chamo, colando o que eu
espero que pareça um sorriso relaxado no meu rosto.
— Aí está você. — diz a garota.
— Eu sou o Dr. Fairweather. — diz o médico, caminhando em minha
direção e estendendo a mão. — Seu marido me enviou.
Eu agito. — Ele fez? Ele não mencionou…
— Não?
— Quero dizer, estou bem. O Dr. Cummings disse que não achava que
eu tivesse uma concussão, então não sei por que Santos teria ligado para
você.
— Oh, isso não é para isso. — ele diz, olhando para a garota que está
por perto. — Talvez devêssemos entrar no quarto para conversar em
particular?
Eu concordo. — Obrigada. — digo à garota e convido o médico a
entrar.
— É uma bela casa, não é? — ele pergunta, olhando ao redor. —
Lembro-me deste lugar antes de ser abandonado. Era outra coisa. É tão bom
ver que foi reconstruído com tanto cuidado. É importante preservar a nossa
história. A avareza é um lugar especial. — É uma coisa estranha de se dizer,
mas não comento enquanto ele coloca a bolsa no chão e sorri para mim.
— Sinto muito, mas não sei por que você está aqui.
— Sr. Augustine me pediu para fornecer a você uma injeção
anticoncepcional.
Demoro um minuto. — Ele o quê?
— Ele está aqui? Talvez eu tenha entendido mal.
— Não. Não, você não tem. Eu só não sabia que ele tinha organizado
para você vir até aqui. — eu rapidamente compenso, não querendo perder a
oportunidade, embora eu esteja me perguntando por que ele não
perguntou ao Dr. Cummings ou apenas me deu de volta minhas pílulas.
— Não me importei. Eu queria dar uma olhada na casa, honestamente.
Eu sorrio, tentando processar isso.
— Vou precisar examiná-la e fazer algumas perguntas primeiro, mas
não deve demorar muito. Se você estiver pronta?
Eu concordo. — Qualquer coisa que você precise.
O exame dura cerca de vinte minutos, nesse tempo, ele me faz
perguntas sobre o meu ciclo e explica como funciona a injeção. Eu gostaria
que ele fosse uma mulher, mas se o resultado final for um controle de
natalidade confiável, eu aceito. Ele está apenas preparando a injeção
quando a porta do quarto se abre, e nós dois nos viramos para encontrar
Santos parado na porta. Ele parece impecável em um terno de três peças
sob medida em azul profundo.
Meu batimento cardíaco acelera e sinto meu rosto começar a queimar
de culpa pelo que fiz. Ele sabe? Não. Como ele poderia? Mas sua expressão
é sombria, vejo que o sorriso que ele dá para o médico é forçado quando ele
entra e fecha a porta atrás de si.
— Sr. Augustine, você tem uma casa adorável.
— Obrigado, Dr. Fairweather. Eu aprecio você ter vindo em tão pouco
tempo. — ele diz, as palavras forçadas.
— Como eu disse a sua esposa, minhas razões não eram totalmente
altruístas.
Santos abre um sorriso tenso.
— Bem, eu não quero me intrometer em sua noite. E estou quase
terminando aqui. — O médico desembrulha uma compressa com álcool e
limpa o local da injeção. É difícil manter o olhar de Santos, então olho para a
agulha, o que também não é uma boa ideia, então olho para a parede
oposta. — Eu estava apenas explicando para estar no lado seguro, você vai
querer usar anticoncepcional na próxima semana ou mais, mas depois disso,
isso deve protegê-la pelos próximos três meses. Vou deixar um panfleto com
mais detalhes e você pode sempre ligar para o meu escritório. Preparada?
— ele me pergunta.
Concordo com a cabeça e estremeço quando a agulha penetra, mas
então acabou e ele está arrumando sua bolsa.
Alguém bate na porta e Santos abre. Val está na porta.
— Tudo pronto. — diz o médico, fechando a bolsa.
— Obrigado, doutor. Val vai acompanhar você. — Santos dá um passo
para o lado e estende a mão para apertar a do médico, seu recado para
deixar claro e só um pouco grosseiro. Não acho que o Santos se importe
muito em ser rude.
Eles apertam as mãos e depois que o médico se despede de mim, ele
se foi.
Eu me levanto, ajustando minha blusa e abotoando os primeiros
botões enquanto Santos fecha a porta e se vira para mim. Ele enfia as mãos
nos bolsos, nada forçado em sua expressão agora. Nenhum sorriso. Sem
suavidade. Apenas o olhar de um homem que sabe o que eu fiz.
Mas isso não é possível. Isso é apenas minha própria culpa, digo a mim
mesma.
— Eu não sabia que você tinha organizado para a injeção. — eu digo,
minha garganta seca.
— Devo ter esquecido de mencioná-la com tudo o que aconteceu. —
Ele está quieto, o olhar me examinando. — Você está feliz com isso?
Eu concordo.
Ele momentaneamente levanta os lábios em um sorriso que não chega
perto de seus olhos. — Bom.
— O jantar cheira bem.
— Eles me disseram que você desceu para um lanche.
Eu limpo minha garganta, olho para a porta aberta do banheiro e
aceno com a cabeça. — Vou lavar minhas mãos rapidamente. — Eu não me
movo, porque a maneira como ele está olhando para mim me deixa presa.
Não é acusar. Isso seria mais fácil de lidar. É outra coisa. Desapontamento.
— Você estava ocupada hoje. — diz ele. Ele tira uma mão do bolso, e
meu sangue congela quando vejo o pequeno grampo de cabelo dobrado que
ele está segurando. Devo ter deixado cair na pressa.
Abro a boca para falar, para dizer o quê, sei lá, mas não importa
porque é como se eu tivesse engolido areia.
Há outra batida na porta então. Ele não se vira quando ela é aberta,
mas observo Val entrar, carregando aquela maldita caixa.
— Na cômoda, por favor. — Santos diz, sem tirar os olhos de mim.
Val faz o que ele manda e depois vai embora.
— Santos, eu posso explicar. — começo, encontrando minha voz.
— Não tenho certeza se você consegue. — ele diz, aquele não-sorriso
mais uma vez aparecendo e desaparecendo. Quando ele dá um passo em
minha direção, dou um pulo, solto um gritinho e corro para o banheiro. É
puro instinto, lutar ou fugir. Não estou pensando porque, se estivesse,
saberia como é estúpido tentar fugir dele. Além disso, não vou longe. Antes
de chegar ao banheiro, ele me pega com um braço em volta da minha
cintura e me puxa para ele.
— É assim que você confia? — ele pergunta, segurando aquele grampo
para eu ver.
Eu torço em seus braços. — Eu só... eu...
— Suas palavras foram apenas da boca para fora para salvar seu irmão
de uma surra que ele merecia? — Ele pergunta, me jogando na cama com
tanta força que eu quico antes de virar para o outro lado.
Mais uma vez, ele me pega facilmente e me deixa deitada de bruços
em um segundo, me arrastando para ele. Uma vez que minhas pernas estão
balançando para fora da cama, ele me prende com a palma da mão na parte
inferior das minhas costas.
— O que você vai fazer? — Pergunto torcendo para me libertar
enquanto ele puxa minha blusa, o som dele me arrancando me fazendo
gritar. Minhas leggings são as próximas. Ele tira isso, junto com minha
calcinha, eu fico curvada sobre a cama apenas com meu sutiã.
Eu ouço o desafivelar de seu cinto, viro minha cabeça para assistir.
— Você não é confiável, Madelena. — diz ele. Ele puxa o cinto para
fora de seus passadores, registrando o ruído. O que ele pretende fazer
registrando.
— Santos. — eu pergunto, o sangue escorrendo da minha cabeça
enquanto me lembro de seu aviso quando ele me puniu pela última vez.
Ele dobra o cinto, segurando a fivela na palma da mão e mesmo que
ele não esteja mais me segurando, eu não me mexo. Quando ele encontra
meu olhar, seu rosto é uma máscara apertada, sua mandíbula apertada. Em
seus olhos vejo o fogo da traição.
— Santos. — eu começo, minha voz um sussurro.
— Eu tenho que fazer de você uma prisioneira? Trancar minhas portas
em minha própria casa?
— Não. Não. — Eu balanço minha cabeça, fechando os olhos enquanto
ele arrasta o cinto sobre minha coxa, batendo levemente contra ela. — Por
favor!
— O que eu fiz para você desconfiar de mim?
— Desculpe. Desculpe!
— Responda-me! — Ele exige, estalando o cinto na minha bunda desta
vez, o contato me fazendo gritar enquanto o fogo puro atinge minha bunda.
— Nada! — Eu deveria correr. Tente fugir. Eu não, no entanto.
Continuo curvada sobre a cama esperando, punhos cerrados, todos os
músculos tensos. Porque mereço isso. Eu ganhei isso, não é? Fecho meus
olhos me preparando para a próxima chicotada.
— Então por que você me enganaria? — Ele pergunta, a voz mais
quebrada do que qualquer outra coisa. — Por quê?
— Desculpe. Eu sou…
— Encontrei seu diário sob as tábuas do assoalho do seu quarto, você
sabia disso? — ele pergunta, nenhuma chicotada segue a primeira ainda
queimando.
— O quê? — Estou confusa com essa virada na conversa. Eu olho para
ele, com medo do que vou ver, mas precisando ao mesmo tempo.
— Eu não peguei, no entanto. Não olhei através dele. Porque o que
tem dentro não cabe a mim. — diz ele e não sei o que espero ver, mas não é
a cara de um monstro. De jeito nenhum. — Esses são seus segredos para
guardar ou contar como quiser. Você não tem o mesmo respeito por mim,
tem?
A culpa se instala profunda e pesadamente em minha barriga.
— Desculpe. Eu sei. Não deveria ter feito o que fiz.
— Desculpe é fácil de dizer. — diz ele, com um tom estranho, sombrio,
mas também pesado com outra coisa. Algo que não tem a ver comigo,
conosco. Eu sinto. Ele balança a cabeça, larga o cinto e dá um passo para
trás. Quando me sento, ele não me impede. — A pergunta é, você sente
isso, aqui? — Ele pergunta, pressionando uma mão no centro do meu peito
e a outra na minha cabeça. — Você entende isso aqui? — E mesmo que ele
esteja certo em estar com raiva, ele é gentil e em seus olhos vejo desespero
e traição.
Eu abaixo minha cabeça de vergonha.
— Eu não sou um monstro, Madelena. E quer você acredite ou não, eu
não gosto de te machucar. O oposto. Eu faria qualquer coisa para protegê-la.
Ele balança a cabeça e caminha até a porta.
— O que você está fazendo? — Eu pergunto.
— Indo embora. — Ele estende a mão para a maçaneta e eu não sei o
que há nessas palavras que me deixa em pânico. Isso tornou meu batimento
cardíaco irregular e revirou meu estômago em nós.
— Você não pode ir embora!
Ele não responde.
— Espere. — Eu engulo. Eu vou fazer isso? — Não vá. Por favor!
Ele olha para mim. Ele está esperando que eu faça o próximo
movimento. Ele não vai me machucar. Eu sei disso. Sempre soube disso. Ele
fará de tudo para me proteger.
E eu o traí.
Então, sem dizer mais nada, pego seu cinto descartado e atravesso o
quarto para entregá-lo a ele.
Ele pega, me observando sem palavras.
— Você tem razão. A única razão pela qual parei foi porque fui
interrompida. Caso contrário, eu teria aberto aquela caixa e olhado dentro
dela. Eu teria pegado seu segredo. — As palavras são um peso no meu
estômago. Culpa e pavor. Eu o desapontei. Sinto meu rosto cair, sinto o
aperto no peito. — Também não gosto de te machucar, quer você acredite
ou não. E eu sinto muito.
Volto para a cama e me jogo sobre ela, meu peso nos cotovelos,
incapaz de olhar para ele, tensa enquanto me submeto ao seu castigo.
Ele leva uma eternidade para se mover. Ou talvez seja apenas o meu
terrível tempo de alongamento. Mas quando ouço sua aproximação, meu
batimento cardíaco acelera. Eu me preparo para uma surra, uma que
mereço, mas o que sinto não é o cinto dele. São os dedos dele no que tenho
certeza que é uma grossa faixa vermelha na minha bunda. Meus mamilos
endurecem enquanto ele o traça, eu tomo uma respiração irregular quando
ouço o cinto cair no chão. É quando eu viro minha cabeça para olhar para
ele e vejo como ele agarra minha bunda e me abre. Quando ele arrasta seu
olhar para o meu, seus olhos são brasas negras.
Algo chacoalha em seu peito. Eu observo da minha posição enquanto
ele tira o colete, a camisa, os olhos fixos em mim, antes de abrir a gaveta na
mesa de cabeceira e tirar um frasco de loção.
— Eu não vou bater em você. — diz ele, mudando seu olhar
momentaneamente para espremer uma quantidade generosa de loção na
parte inferior das minhas costas. Ele encontra meus olhos novamente
enquanto os dedos de uma mão começam a espalhar aquela loção na fenda
da minha bunda. Cada músculo fica tenso e minha ansiedade aumenta
enquanto ele circula o buraco que ainda não reivindicou e eu entendo o que
ele pretende fazer.
Engulo em seco.
Com essa mão livre, ele desabotoa a calça e sai. Ele está duro e não
posso deixar de olhar para seu pau enquanto minha mente tenta processar
exatamente como vou levá-lo lá.
— Você não vai gozar. — ele me diz enquanto espalha loção sobre seu
comprimento, arrastando a palma da mão para frente e para trás, para
frente e para trás. Ele muda seu foco para minha bunda, me espalhando e
empurrando seus dedos dentro de mim. Para minha surpresa, recebo a
intrusão com um gemido, mesmo quando meu corpo se contrai, cada
músculo tenso.
Santos não tem pressa, me lubrifica por dentro, me preparando. No
momento em que ele remove os dedos e traz seu pau para a minha bunda,
não tenho certeza se estou mais excitada do que com medo.
Eu arqueio minhas costas para tomá-lo, minha respiração treme
quando o sinto na minha entrada. Ele não é rude quando entra em mim,
mas também não é exatamente gentil e é grande. Deixo escapar um gemido,
agarro a cama, mas ele mantém meus quadris no lugar. O suor escorre pela
minha testa enquanto ele empurra, até o fim, um gemido baixo e gutural
vindo do fundo de seu peito.
Ele suga uma respiração irregular. Olho para trás para observá-lo e não
consigo desviar o olhar. Ele é lindo e poderoso e minha submissão neste
momento, esta oferta de mim mesmo, é como um sacrifício em um altar. A
sensação de me entregar a ele é indescritível e de alguma forma libertadora
e muito mais. Muito mais.
Porque o que quer que seja entre nós, não quero perdê-lo. Eu não
quero perdê-lo. Apesar de tudo.
Seus olhos são negros quando ele muda seu olhar para observar a si
mesmo. Ele aperta minha bunda contra si mesmo, empurrando
impossivelmente mais fundo antes de começar a puxar, mordendo o lábio e
tomando seu tempo, antes de empurrar com outro gemido.
— Você não goza. — Ele me lembra, abrindo minhas pernas,
levantando meus quadris apenas o suficiente para que meu clitóris não fique
mais em contato com a cama antes de começar a me foder e quando tento
deslizar minhas mãos entre minhas pernas, ele pega meus pulsos e os
prende para os meus lados, segurando meus quadris enquanto ele faz.
Eu entendo a tortura de sua punição. Entendo essa linha tênue entre
prazer e dor e sinto a tensão tão tensa que estou desesperada para liberar.
Desesperada por isso enquanto tira seu prazer de mim, me usando, me
negando.
— Por favor! — Eu grito, precisando de alívio quando seus impulsos
vêm mais fortes, mais profundos, sensações como nada que eu já senti
antes. O suor cai de sua testa nas minhas costas e quando ele solta uma mão
para dar um tapa na minha bunda, deslizo meus dedos entre minhas pernas.
No instante em que eles entram em contato com meu clitóris, eu gemo
minha liberação, não me importando que isso possa me render outro
castigo. Não me importando com nada além desse orgasmo.
Santos geme, batendo na minha bunda novamente antes de fechar os
dedos sobre os meus, o orgasmo se intensificando conforme ele engrossa,
deitando seu corpo sobre o meu e empurrando mais uma vez até que eu
sinto o pulsar de seu pau, sinto sua liberação dentro de mim, seu peso total
em mim, tudo enquanto meu próprio corpo é pura sensação, puro prazer,
minha visão embaçada com isso.
Quando acaba e nós dois estamos ofegantes, respiro fundo. Ele sai de
cima de mim e eu sinto falta de seu peso, seu calor. Ele sai de mim,
levantando-me. Meu corpo está flácido, minhas pálpebras muito pesadas.
— Eu disse para você não gozar. — ele diz enquanto me deita sob o
cobertor e se acomoda atrás de mim, seu braço sobre minha barriga.
Eu aceno com a cabeça, sonolenta. — Próxima vez.
Ele ri, puxa o cobertor sobre nós e me abraça forte.
Afasto-me, sentindo-me bêbada. É como se o orgasmo, a intensidade
dele, me fizesse flutuar entre os mundos. — Eu te amo. — Eu ouço as
palavras escaparem da minha língua, reconheço minha voz. Elas são um
sussurro em um sonho enquanto me deixo derreter no caloroso abraço dos
braços de Santos Augustine me sentindo protegida. Sentindo segura.
CAPÍTULO ONZE
SANTOS
Eu te amo.
Eu a seguro, seu corpo rendido a mim durante o sono, sua respiração
calma, pele quente e macia.
Ela quis dizer essas palavras? Como ela pode se sentir assim? Como ela
pode me amar? O pensamento disso, a ideia disso, é tão estranho e
estranho que não consigo processar. Eu me importo com ela. Eu quis dizer o
que eu disse sobre protegê-la. Mas amor?
Um meio sono me rouba, mas estou inquieto. O dia foi longo e meu
cérebro não desliga. Ele continua repassando tudo o que aconteceu, dando-
me flashes de imagens - algumas das quais eu já vi, enquanto outras são
inventadas ao longo do caminho.
Camilla com a língua de duas pontas de uma cobra enquanto semeia
dúvidas sobre meu irmão.
Thiago sentado à minha frente no clube de strip-tease, com a cabeça
esmagada, o rosto uma caveira parcial. O uísque que ele está bebendo está
saindo do corte aberto em seu pescoço, onde a corda cortou até o osso.
Thiago me dizendo que não posso confiar em ninguém.
O rosto de Caius nada diante dos meus olhos. Ele sorri, com covinhas
que o fazem parecer cinco anos mais novo do que é. Ele dá um tapinha nas
minhas costas e bagunça meu cabelo, o tempo todo, ele está com a mão no
bolso e a cabeça inclinada para o lado. Ele diz quando mente.
— Você sabe o que fez. Este é o seu castigo. — meu pai diz como se
fosse uma voz em um comercial.
O Comandante do jeito que estava no final. Na última noite de sua
vida. Rindo de nós. Postura casual e relaxada. Até Thiago atacar. Até que eu
fiz. Uma vida vivida em violência terminou em violência. Cada um de nós
colhe o que planta.
Madelena no farol. Madelena perseguiu, correndo para a passarela.
Madelena no lugar de Thiago muito perto do limite. Uma mão em seu peito.
Ela agarra o pulso daquela mão, mas não é forte o suficiente para se segurar
quando é empurrada e cai. Mil pedrinhas azuis saltam sobre a passarela,
chovendo sobre ela enquanto ela cai, cai, cai, o cabelo formando uma
auréola escura ao seu redor, os braços se estendendo, agarrando o ar, o
nada, a boca aberta em um grito.
Minhas pálpebras se abrem e eu me endireito. O suor me cobre da
cabeça aos pés enquanto eu respiro fundo. Meu peito parece que alguém
está sentado nele e não consigo respirar.
— Santos?
Eu pisco, então mudo meu olhar para Madelena. Ela olha para cima,
sonolenta, e sorri. Ela fecha os olhos e fica imóvel novamente.
Apenas um pesadelo. Apenas minha mente trabalhando horas extras.
Ela está aqui, ao meu lado, na minha cama. Ela está segura.
Eu sei de uma coisa com certeza. Sei disso no meu coração, na minha
cabeça. Eu acaricio seu cabelo, saio da cama e coloco o cobertor em volta
dela. Eu me inclino para beijar sua testa e sussurro as mesmas palavras em
seu ouvido que ela sussurrou para mim enquanto dormia.
— Eu também te amo.
Olho para ela por um longo, longo momento antes de me endireitar.
Visto a calça, a caminho da porta, olho para a caixa. Uma das funcionárias da
cozinha mencionou a Val que tinha visto Madelena sair do meu escritório.
Com uma rápida olhada ao redor, encontrei o grampo torto no chão em
frente à minha mesa e somei dois mais dois.
Enfio a mão no bolso para tirar a chave, ignorando a conta lisa e dura
da pulseira que pensei pertencer ao meu irmão. Deslizando a chave na
fechadura, viro-a e abro a caixa. Eu olho para dentro e descubro que os
sentimentos que geralmente surgem ao olhar para o conteúdo desta caixa
são diferentes... não tão poderosos, de repente.
Deixando assim, pego minha camisa ao sair do quarto. No final do
corredor, escolho um quarto de hóspedes vazio. Lá, tomo banho para não
acordar Madelena e coloco a mesma roupa de antes. Desço as escadas para
a cozinha, onde há um frango inteiro assado embrulhado na geladeira. O
jantar que perdemos.
Pego pão, preparo um sanduíche de frango e levo para o escritório. A
casa está silenciosa, toda a equipe foi para a cama horas atrás. Fecho a porta
atrás de mim e acendo a luz do teto. Coloco o prato na beira da minha mesa,
pego o sanduíche e dou uma mordida, olhando em volta para as caixas que
precisam ser desempacotadas. Não é tão ruim. A maior parte do que guardo
é eletrônico, qualquer coisa pertinente para se ter no papel está trancada no
cofre, apenas eu tenho a combinação para isso.
O frango está bom e estou com fome. Eu como o sanduíche e olho
para o retrato do meu pai.
— O que você quis dizer ao deixar aquela carta, meu velho?
Assim que termino o sanduíche, coloco o prato de lado e me sento na
minha cadeira. Eu me viro e deslizo a porta do armário para destrancar o
cofre. Dentro há pilhas de dinheiro - sempre à mão - e alguns documentos
pessoais. Há também vários pen drives contendo cinco anos de informações
altamente confidenciais sobre muitos funcionários de alto escalão para
contar, incluindo a família Avery, tudo isso coletado durante meu tempo
com eles.
Mas essas não são as coisas que me interessam.
Pego o envelope que quero e giro minha cadeira para trás para colocá-
lo sobre a mesa. Pego a carta de uma única frase dentro. Eu olho para a
escrita familiar do meu pai, a caneta forçando um pouco demais:
Eu sei o que você fez, e este é o seu castigo.
— O que você quis dizer? Quem você quis dizer?
Há uma batida suave na porta, eu olho para cima quando ela se abre.
Madelena está parada na porta, com o cabelo molhado do banho. Ela está
usando uma camiseta enorme que vai até o meio da coxa, percebo que é
uma das minhas. Provavelmente aquela em que a coloquei depois de trazê-
la do farol para casa. Em seus braços, ela está carregando a caixa.
— Você deveria dormir. — digo a ela, colocando a carta sobre a mesa
e me levantando para pegar a caixa dela.
Ela fecha a porta enquanto levo a caixa até minha mesa, quando me
viro, ela me envolve com os braços com tanta força que me pega
completamente de surpresa. Quando a ouço fungar, me vejo envolvendo
um braço em volta de sua cintura, segurando sua nuca com a outra e me
afastando para olhar para ela.
— O que é? — Eu pergunto, enxugando suas lágrimas.
— Ela estava grávida de seu bebê?
Eu estudo seus olhos, o castanho dourado tão quente, tão cheio de
emoção. Tão honesto. — Já faz muito tempo.
— Qual era o nome dela?
— Alexia. — Eu pego a mão dela, então dou a volta na mesa para
sentar na minha cadeira com ela no meu colo. — O pai dela a matou na
noite em que descobriu que ela estava grávida. E eu o matei por isso.
— Sinto muito. — diz ela.
— Como eu disse, foi há muito tempo. — Seu olhar se move para o
meu prato vazio e seu estômago ronca. Eu sorrio enquanto ela cora. —
Venha. Vou fazer um sanduíche para você.
Ficamos de pé, quando pego a carta, vejo que ela a examina. — O que
é isso?
Coloco de volta no envelope. — A enigmática carta de meu pai para
nós, lida pelo executor do testamento.
— A quem se destina?
Eu dou de ombros. — Minha mãe ou irmão. Inferno, talvez eu.
Ninguém sabe.
— Ou eles sabem e não estão dizendo.
Concordo com a cabeça. Esse é o cenário mais provável.
A imagem do rosto de Madelena no meu sonho, enquanto ela
mergulha naqueles penhascos, nas águas do oceano furioso, passa diante
dos meus olhos, tenho que fechá-los por um minuto.
— O que foi, Santos?
— Nada. — Coloco o envelope de volta no cofre e me lembro da pedra
em meu bolso. Eu tiro, viro para Madelena. Abro a palma da mão para que
ela possa ver e a observo, me perguntando se isso vai trazer uma lembrança.
Ela olha para ela e inclina a cabeça, franzindo a testa. Ela olha para
mim. — Onde você conseguiu isso?
— Você conhece?
Ela enfia a mão no cabelo. — Isso me faz pensar, me faz lembrar, a
mão no peito de Thiago. E então ouvir o estalo soa como quando um colar
ou uma pulseira se quebra e todas as contas se espalham, o som que elas
fazem. — Ela balança a cabeça. — Isso não faz sentido.
— Na verdade, sim. Encontrei na passarela quando te encontrei.
— Espere. — Ela pega meu braço e puxa minha manga para cima. Ela
toca a pulseira. — Você e seu irmão estão com elas. — Sua expressão muda
como se ela tivesse acabado de perceber algo. — Oh meu Deus, era ele?
— Não, Madelena. Não foi. Sua pulseira está intacta. Eu vi. — Demoro
um minuto porque pensei a mesma coisa.
— Mas…
Eu me viro para colocar a pedra no cofre junto com a carta e trancá-lo.
— Vamos pegar um sanduíche para você. — Pego sua mão para levá-la para
fora do escritório e para a cozinha.
— Você guardou todas as minhas cartas.
— Eu não chamaria de cartas. — eu digo com uma piscadela,
acendendo a luz e puxando uma cadeira no balcão. — Sanduíche de frango
ok?
— Parece ótimo, na verdade.
Pego o que preciso e começo a montar um sanduíche, depois coloco
na frente dela.
Ela o pega, mas não o morde. — O serviço fúnebre da minha mãe é na
próxima semana. Já se passaram dezesseis anos.
— Eu sei.
Ela encontra meus olhos. — Eu quero ir. Há uma cerimônia na igreja,
então meu pai oferece um almoço em sua memória.
— Você acha que eu diria não?
— É na casa do meu pai.
— É o aniversário da morte de sua mãe, Madelena. Claro que você
estará lá, e eu estarei ao seu lado.
Ela sorri. — Gostaria disso. Você estando comigo, quero dizer.
— Posso te fazer uma pergunta? — Ela balança a cabeça enquanto dá
uma mordida em seu sanduíche. — Você disse uma vez que não teria um
bebê. — O alarme a faz parar no meio da mastigação. — Não se preocupe,
não estou falando de agora. Eu só estava curioso porque você disse, se bem
me lembro, você nunca teria um, não com ninguém.
Ela engole o pedaço na boca e coloca o sanduíche na mesa.
— Por que não?
— Santos...
— Eu só quero saber seus motivos. Isso é tudo.
Seu rosto cora e seus olhos se enchem de lágrimas. — Não é óbvio?
— Diga-me.
Seus olhos ficam mais escuros, ela não segura meu olhar enquanto
responde. Ouvi-la dizer isso, vê-la reunir forças para isso, faz meu peito
apertar e minha garganta fechar.
— E se eu o machucar? — ela diz tão baixinho que quase não consigo
ouvi-la.
— Madelena...
Ela balança a cabeça. — Você não poderia ter certeza. Eu poderia estar
doente também, sabe? Mercadorias estragadas. Odeio ter que dizer isso a
você. — acrescenta ela, tentando sorrir, mas desviando o olhar para pegar o
pão do sanduíche enquanto uma lágrima cai na bancada.
Eu ando ao redor do balcão para pegar seu rosto em minhas mãos. —
Você não é uma mercadoria danificada. E você nunca machucaria uma
criança, nem a sua, nem a de ninguém. Você é incapaz. Simplesmente não
está em você. De jeito nenhum.
CAPÍTULO DOZE
SANTOS
Tento bloquear todo mundo enquanto me sento entre meu pai e meu
irmão e ouço o padre dizer a missa. Ele é o mesmo padre que enterrou
mamãe há dezesseis anos.
Dezesseis anos.
Não me lembro do funeral em si, mas há um sentimento até hoje.
Uma escuridão. Hoje é um dia para superar, porque hoje minha vida está
exposta. Depois de dezesseis anos, eles não esperam mais lágrimas. Não que
eu tenha dado lágrimas a eles, nem mesmo quando eu era pequena. Acho
que estava entorpecida demais para chorar.
As pessoas sussurravam que eu não entendia o que havia acontecido,
eu apenas permanecia em silêncio segurando as mãos de meu irmão e de
meu tio. Não do meu pai. Ele não ofereceu nenhum conforto. Nunca. Mas
quando os adultos ao meu redor falavam sobre como eu era lamentável,
como eles sentiam por mim, como minha mãe era má, eu simplesmente
ficava como uma bonequinha de porcelana. Sem emoção. Olhos de vidro.
Depois que essas exibições públicas terminaram, fingi não ter ouvido
nada. Eu tranquei todas as suas palavras, todos os seus olhares ansiosos
também. Aprendi desde cedo o quanto as pessoas gostam de observar a dor
dos outros. Como se assistir isso acontecer com outra pessoa de alguma
forma diminuísse as chances de isso acontecer com eles.
A missa é longa, mais de uma hora. Olho para a fotografia da mamãe
no altar. Ela era tão bonita. Tão jovem.
Odin aperta minha mão e eu aperto de volta.
Terminada a missa e o padre sai da igreja, levantamo-nos e seguimos.
As pessoas que vieram ao culto esperam que saiamos antes de deixar seus
bancos com nosso respeito.
Posso ver os Averys com o canto do olho e penso em Thiago.
Como ele salvou minha vida.
Como ele perdeu a dele no processo.
Eu olho para eles. Não posso ajudar a mim mesma. O rosto da Sra.
Avery está impassível. Liam está entediado. Mas Camilla está com os olhos
fixos em mim. Do jeito que ela está sorrindo, me pergunto se ela sente
alguma coisa - se ela está preocupada com seu irmão, ou se ela ainda se
pergunta sobre o paradeiro dele.
— Você vai conosco até o cemitério. — papai diz sem se incomodar
em olhar para mim. — Seu marido pode nos encontrar em casa, já que você
insistiu em trazê-lo.
Procuro por Santos quando nos aproximamos da parte de trás da
igreja. Eu me pergunto se ele já está lá fora. O incenso está sufocando aqui.
Mas quando saímos, nosso carro e motorista já estavam esperando
por nós. Olhando rapidamente ao redor, vejo apenas Val. Ele acena para
dizer que me viu, mas quando meu pai me conduz para o banco de trás do
nosso sedã, Val simplesmente sobe em seu veículo. É um SUV, mas diferente
daquele em que viemos. Ele se mistura à fila de carros que seguirão para o
cemitério.
Senti saudades do Santos? Eu me viro para olhar pela janela traseira,
mas só vejo Val no banco do motorista. O lado do passageiro está vazio,
Santos não sentaria atrás se fossem só os dois.
— Posso pegar seu telefone? — Eu pergunto a Odin. Preciso
pressionar Santos para pegar meu telefone de volta.
Odin me entrega e eu digito o número de Santos para enviar uma
mensagem.
Eu: Onde você está?
Minha mensagem é enviada e entregue, mas as marcas de seleção
permanecem cinzas.
Mando outra.
Eu: Santos, cadê você?
Novamente entrega, mas é isso.
Papai pega o telefone de mim antes que eu possa impedi-lo. Ele está
sentado entre nós no banco de trás. — Não é hora para mensagens de texto.
— Ele enfia o telefone no bolso. — Ainda bem que não está chovendo. Ela
odiava a chuva. — ele diz, me pergunto se ele sente falta dela. Se ele pensa
nela. Se ele a amava. Mas então sinto o cheiro de uísque em seu hálito - ou
talvez esteja apenas saindo de seus poros porque ele bebe muito - acho que
provavelmente estou dando muito crédito a ele.
— Por que os Averys estão aqui? — Eu pergunto.
— Todo mundo que quiser se lembrar de sua mãe é bem-vindo.
— Eles não conheciam a mamãe.
Ele me dá um olhar desagradável e desvia o olhar pela janela da frente
enquanto o carro reduz a velocidade assim que passamos pelos portões do
cemitério. Assim que chegamos ao túmulo, Val vem para ficar ao meu lado,
ignorando meu pai completamente enquanto ele tenta se colocar entre nós.
— Santos vai encontrá-la na casa. — diz Val.
— Onde ele está?
— Surgiu uma coisa.
— Pelo amor de Deus, é da sua mãe que estamos falando. — meu pai
finalmente diz, pegando meu braço com força e me levando para o túmulo,
segurando as flores que o motorista lhe entregou com a outra mão. Ele a
está segurando com tanta força que os caules estão quebrados.
Não gosto de vir aqui com ele, mas sei o que fazer. Eu só tenho que
passar por isso.
Deixaremos as flores, faremos alguns momentos de silêncio e depois
voltaremos para casa, onde ele se servirá de um uísque. Eu odeio essa parte
porque requer socialização. Esperava sair dessa ou pelo menos ter Santos ao
meu lado. Estou desapontada por ele não estar aqui, mas Odin precisa de
mim e não vou decepcioná-lo.
Em menos de meia hora, estamos chegando em casa. Não venho aqui
há muito tempo, mas parece a mesma de antes. Os terrenos são mantidos
impecavelmente, a casa grande e imponente. Tem o mesmo cheiro também,
acho, quando entramos. Mesmo com toda essa gente já aqui, o cheiro sutil
de polidor de madeira misturado com uísque me faz voltar no tempo.
As pessoas vêm nos cumprimentar, lembrando-me que não temos
parentes separados de nós. Odin é o último De Léon. O que acontecerá com
nosso nome? A linha terminará com ele? Talvez devesse.
Alguns minutos depois de entrarmos em casa, a porta da frente se
abre. Val desliza para dentro, depois de me localizar, ele fica encostado na
parede. Meu pai também percebe, não perco seu aceno para um homem
que não reconheço. Acho que ele contratou segurança. Não sei. Mas Val
pode se controlar.
Roboticamente, assumo meu papel de boneca de porcelana com olhos
de vidro. Fico entre Odin e meu pai, com os braços ao lado do corpo, aceito
os abraços das pessoas, ignorando seus olhos compassivos, suas palavras
vazias. Tento lembrar-me se minha mãe tinha amigos, mas eu era muito
jovem para saber disso. Ela e eu ficávamos muito juntas, quase sempre
sozinhas. Odin e o tio Jax eram as duas únicas pessoas de quem me lembro
de estar por perto.
Tio Jax.
Outra onda de tristeza toma conta de mim e desejo novamente que
Santos estivesse aqui. Ele saberia como eu estou me sentindo. Ele seria a
rocha ao meu lado. Mas a irritação acompanha esse pensamento enquanto
me pergunto o que poderia ter sido tão importante que ele me abandonou
como fez antes.
— Desculpe-me. — eu digo. Meu pai interrompe a conversa
momentaneamente, mas saio de seu alcance antes que ele possa me
impedir de ir embora. Odin também observa enquanto eu me apresso no
meio da multidão na sala de estar em direção às escadas. Eu só preciso de
alguns minutos sozinha, então vou para o meu quarto.
Vozes carregam, me seguindo. As luzes estão apagadas aqui - o sinal
sutil de meu pai para que os hóspedes fiquem no andar térreo. Eu sou grata
por isso.
Meu quarto fica no outro lado, logo depois do de Odin. Corro até lá,
abro a porta e entro. Assim que a fecho, o som das vozes se reduz a um
murmúrio, paro um momento para expirar.
Exceto que, mesmo antes de soltar aquela única respiração, ouço o
som de água correndo e me viro para encontrar a porta do banheiro se
abrindo. Eu percebo então que o quarto não está escuro como breu. A luz
do criado-mudo está acesa. E eu observo incrédula enquanto Camilla Avery
sai do meu banheiro, não se assustando em me ver, ou escondendo bem se
ela está. Ela sorri, joga descuidadamente no chão a toalha em que estava
enxugando as mãos e entra no meu quarto.
— Eu espero que você não se importe. Tive que usar o quarto da
menina. — Ela pisca para mim como se fôssemos velhas amigas, seu olhar
permanecendo em mim um pouco antes de examinar meu quarto.
— O que você esta fazendo aqui?
Ela inclina a cabeça e atravessa o quarto para me encontrar. — Acabei
de te falar. A fila para o banheiro era tão longa lá embaixo. Você não odeia
isso? — Ela pega minha trança, estuda-a e a deixa cair novamente. Ela
caminha em direção à janela e olha para o nosso jardim dos fundos. — Não
é um quarto ruim. Mas você não levou nada quando foi morar com o
Santos? — ela pergunta, plantando-se na beirada da minha cama e pegando
um tubo de protetor labial. Ela abre, cheira e por um minuto me pergunto se
ela vai usá-lo.
Recuperando-me, ando até ela e pego o protetor labial de sua mão. —
Saia do meu quarto!
Ela ri, se levanta. — Melindrosa. Só estava vendo que perfume era.
— O que você quer, Camilla? O que você está fazendo aqui na minha
casa? No memorial da minha mãe? Por que você chegaria a algo assim?
Ela dá de ombros. — Mamãe. Ela acha que precisamos mostrar nossos
rostos, especialmente com meu irmão desaparecido. Integração. Você sabe.
— Ela revira os olhos. — Ah, meus pêsames. — Nem remotamente
incomodada, ela corre os dedos sobre as lombadas dos livros em minhas
estantes. — Cadê o Santos? — ela pergunta, me encarando novamente.
Hesito muito porque não consigo inventar uma resposta antes que ela
fale novamente.
— Ele desapareceu? Ele costumava fazer muito isso quando morava
conosco. Tinha todos esses trabalhos para fazer. — Ela coloca trabalhos em
aspas aéreas. — Posso pegar esse aqui emprestado? — ela pergunta,
segurando um livro que ela tira da minha estante.
Eu atravesso o quarto e pego dela. — Não. Saia.
— Isso é rude.
— Não, o que é rude é você entrar no meu quarto claramente para dar
uma olhada. Talvez pegue alguma coisa.
— Eu não preciso roubar de você. — Ela me dá um sorriso plano.
— Fico feliz em ouvir isso. Agora saia.
— Estou tentando ser amigável aqui, Madelena. Quer dizer, você é
casada com um homem de quem sou muito próxima.
Eu rio abertamente disso. — Próxima? Ele não suporta você.
Ela fica emburrada. — Isso não é muito legal. Além disso, acho que é
mais porque ele provavelmente está com um pouco de medo de mim.
— Por que ele teria medo de você?
— Eu sei das coisas. — Ela encolhe os ombros novamente.
— Que coisas você poderia saber que assustariam um homem como
Santos Augustine?
Ela me estuda com curiosidade, me pergunto o que acabei de revelar.
— Coisas sobre o que ele fez.
Eu forço um sorriso, puxo minha cadeira e sento de frente para ela.
Apoio o cotovelo na mesa, apoio o queixo na mão e bocejo para mostrar a
ela que estou entediada. — Você claramente quer entregar alguma
mensagem, então vá em frente e entregue para que você possa ir. Sei que
você pode não entender isso, mas hoje é um dia difícil para mim e eu
realmente gostaria de não estar com você.
— Lá vai você ferir meus sentimentos novamente. — Ela empurra o
lábio para fora, emburrada. O que tem de errado com ela? Santos a chamou
de psicopata. Achei que ele estava exagerando, mas estou me perguntando
agora. — Mas eu te perdoo porque eu entendo. Quero dizer, você tinha
cinco anos quando sua mãe se matou. — É preciso tudo o que tenho para
manter meu rosto neutro enquanto suas palavras atingem o alvo. — Agora,
se fosse minha mãe, posso te dizer uma coisa, eu não ficaria tão triste
quanto você se ela pulasse de um farol. — ela diz, suas palavras tão feias
que quase não acredito que ouvi direito.
— Jesus. — Eu esfrego minha nuca, me sentindo exausta e querendo
muito me deitar.
— De qualquer forma, escute, você parece doce e inocente, Madelena.
Você realmente faz. Santos não te merece.
— Bom de ouvir. É isso?
Ela vem se sentar na beirada da cama novamente. Ela está a poucos
metros de mim. Diante de mim como ela está, eu estudo seu rosto enquanto
ela estuda o meu e por um momento a máscara de vadia escorrega, vejo
uma linha se formar entre suas sobrancelhas. Veja como seus olhos
escurecem. Ela estende a mão para tocar meu joelho.
Eu a empurro para longe e ela parece magoada mais uma vez. É um
ato, e ela é muito boa. Eu abro minha boca para dizer a ela para sair pela
última vez, mas ela fala primeiro.
— Eu costumava observá-lo quando ele chegava em casa dos recados
que papai o mandava fazer. Seus trabalhos.
Eu mordo meu lábio e espero por mais. É o que ela quer, eu sei, mas
não consigo evitar.
— Ele estava um desastre depois. Quer dizer, nem sempre. Papai era...
Vamos apenas dizer que ele era olho por olho, dente por dente, mas
multiplicado por um milhão de zilhões. Ele nunca se esqueceu de nada.
Nunca perdoou nada. É como ele chegou ao topo, certo? Ele era implacável.
Até o Thiago tinha medo dele. Você sabia disso?
Eu balanço minha cabeça.
— Liam também, mas ele nunca admitiria isso. Não eu, no entanto.
Papai me amava mais. De qualquer forma, voltando para o seu marido. —
Ela enfatiza essa parte. — Alguns trabalhos que ele fazia, as pessoas eram
ruins, sabe? Eles mereceram o que receberam. Mas alguns deles tinham
esposas, filhos e famílias, sei que ele odiava muito essa parte.
— O que você quer dizer?
— Quando ele teria que machucá-los. Você sabe que ele fez isso,
certo? — ela diz com um olhar de pena, seu lábio curvado como se a ideia
de machucar alguém fosse intragável para ela. — Bom, às vezes ele tinha
que dar o exemplo, sabe? Para que os outros soubessem que se você
contrariasse meu pai, teriam que lidar com as consequências. Entre o Santos
e o Thiago, deixa eu te contar, pouca gente foi contra o meu pai. Quero
dizer, imagine, Thiago e Santos juntos espancando seu filho enquanto você
assiste. Fazendo coisas terríveis com sua esposa ou filha. — Ela se vira. —
Nenhum pai quer ver isso.
— Saia, Camilla.
— Aqueles cortes em seu corpo, era assim que ele manteve um
registro.
Estou prestes a repetir que ela dê o fora, mas isso me faz parar.
— Eles são os inocentes. Foi assim que ele os chamou. Ele chorava por
eles algumas noites. Eu o seguraria, mas ele não queria conforto. Caius,
agora ele levou todo o consolo que o papai mandou, todas aquelas
recompensas. Mas não Santos. Acho que se você pode ser bom neste
mundo, é ele. Quero dizer, se você pode ignorar todo o dano que ele fez. Eu
também entendo, sabe? O que aconteceu com Alexia, coitada. Assassinada
tão brutalmente. Isso o quebrou. Fez dele um assassino.
Eu empurro minha mão em meu cabelo e respiro fundo. Alguém bate
baixinho na porta e a abre, nós duas nos viramos para encontrar Liam
parado ali. Ele olha para mim, depois para a irmã.
— Estamos indo embora. — diz ele à irmã. — Finalmente.
— Só um segundo. Feche a porta atrás de você, Liam. — ela diz a ele,
claramente dispensando-o. Quando seu irmão sai obedientemente, ela olha
para mim. — Apenas tome cuidado com ele. Todos que se preocupam com
Santos Augustine desaparecem ou morrem. Alexia. O pai dele. Thiago. Como
eu disse, você parece doce. Tome cuidado.
Com esse aviso, Camilla se levanta, sorri para mim e vai até a
escrivaninha para pegar o livro que pediu emprestado.
— Posso? Eu vou devolver. Promessa.
— Pegue. Apenas vá.
— Ah, obrigada! — Ela olha para seu prêmio e eu esfrego minha testa,
uma dor de cabeça se formando. Sem outra palavra, ela se foi.
CAPÍTULO QUATORZE
SANTOS
Acordo porque estou com frio. Eu me viro na cama, uma cama de casal
que é apenas um pouco maior do que aquela em que dormi na faculdade.
Quero abraçar o Santos para me aquecer, mas percebo porque está tão frio.
Ele se foi.
Enrolo o cobertor em volta de mim, sento e olho para fora, para o céu
laranja, o oceano azul profundo. O chão de madeira está frio em meus pés
descalços quando me levanto e caminho até a janela e olho para o lindo dia
amanhecendo diante de mim, água até onde a vista alcança, mas diferente
dos penhascos de Avarice. Uma praia selvagem. Picos espumosos de ondas
quebrando na areia macia. Grama verde no alto das dunas ao vento e milhas
e milhas de nada, de ninguém. Ao longe, as luzes do coração da pequena
cidade vão se acendendo uma a uma. Eu fico lá por um minuto e vejo o sol
nascer antes que eu fique com muito frio. Há uma lareira neste quarto, mas
não a acendemos. Eu me pergunto se as lareiras são a única fonte de calor
para o pequeno chalé.
Visto-me rapidamente, grata pelas grossas meias de lã que Santos me
disse para trazer, e desço as escadas.
— Santos? — Eu chamo, mas não há resposta e nenhuma luz está
acesa. Usando meu novo telefone, procuro o nome dele, que é apenas um
de dois - o segundo sendo Odin - e aperto o botão de chamada. Mas nada
acontece porque não há serviço de celular. Coloco o telefone na mesa de
centro.
Aqui também está frio, vou até a lareira, onde atiro as brasas do fogo
da noite anterior. Ao lado dela, a cesta em que são guardadas as toras está
vazia, exceto por alguns galhos menores para gravetos. Fico olhando em
volta tentando lembrar se vi lenha empilhada do lado de fora.
Só então há uma batida na porta.
— Santos? — Eu chamo, pensando que ele se trancou do lado de fora,
mas a porta está destrancada e quando eu a abro, padre Michael está
parado lá carregando uma pilha de toras nos braços.
— Bom dia, Madelena. Espero não ter acordado vocês, mas queria
trazer isso logo de cara.
— Bom Dia, Padre. Entre. Eu estava acordada.
Ele sorri, mas vejo que ouviu o eu, não nós.
— Santos não está aqui. Não sei onde ele está, na verdade. Ele tinha
ido embora quando me levantei.
— Bem, deixe-me acender o fogo e vamos fazer café. O carro está lá
fora, então acho que ele caminhou pela praia até a casa do Gustavo.
— Gustavo?
— Ele é o padeiro local. Seus rolos de canela são pecaminosos. — Ele
pisca para a piada de mau gosto, não posso deixar de sorrir.
— Tem certeza de que foi para lá que ele foi? Não é muito cedo? — Eu
pergunto enquanto ele se agacha para fazer uma fogueira.
Uma vez que a chama pega, ele se endireita, limpando as mãos. Ele
olha para mim. — Se ele veio aqui, ele precisa do oceano. O frio. O espaço
vazio. — Ele deve ver meu rosto se transformar em um de preocupação
quando me lembro do que Santos me contou sobre como o padre Michael o
encontrou pela primeira vez. — Não se preocupe, Madelena. Ele está
andando. Ele percorrerá a praia até a cidade e voltará com aqueles rolinhos
de canela que mencionei. Venha, vou fazer café.
— Você tem certeza? — Eu pergunto.
Ele olha para mim, depois sorri. — Conheço Santos há uma década. Ele
ficou aqui mais de uma dúzia de vezes. Acho que ele vem para clarear a
cabeça. Processo. E ele anda. Bastante.
— Ele confia em você.
— Espero que sim.
Sigo o padre Michael até a cozinha, onde nossos pratos do jantar ainda
estão na mesa.
— Como foi? — ele pergunta gentilmente, sem julgamento sobre a
bagunça que deixamos.
— Delicioso. — eu digo, e começo a limpar.
Padre Michael abre um armário para tirar uma grande cafeteira de
fogão, depois de adicionar café moído e água, coloca-a no fogão e me ajuda
a tirar a mesa.
— Vou lavar a louça. — digo a ele quando ele começa a arregaçar as
mangas.
— Então eu vou pôr a mesa para os rolinhos de canela se você
prometer guardar um para mim. Tenho que rezar a missa antes do café da
manhã. — acrescenta, consultando o relógio.
— Você está confiante de que é para onde ele foi? — Pergunto
enquanto termino de lavar os poucos pratos que havíamos usado.
— Estou confiante. Ele precisa de espaço, mas também precisa de
casa. E eu não acho que ele teve muito do último. — Ele me estuda. — Eu
acho que você vai mudar isso, Madelena. Vejo você depois da missa, a
menos que você queira ouvir também?
— Hum, acho que vou esperar o Santos aqui. Se você não se importa.
— Claro que não. Vejo você mais tarde.
— Obrigada, padre.
Ele sai, eu olho pela janela sobre a pia enquanto espero o café coar.
Uma vez que isso acontece, me sirvo de uma caneca e coloco meu casaco e
sapatos. Saio de casa e entro nas dunas da praia. Está um frio de rachar, eu
coloco minhas mãos em volta da caneca, olhando na direção da cidade. Tem
que cerca de três quilômetros para andar. Ele andou no escuro? O que ele
estava pensando?
Encontrando um banco pelo menos parcialmente protegido do vento,
sento-me e espero por ele.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
SANTOS
Espero impaciente para levar minha esposa para casa, irritado por não
estar no escritório do advogado com ela, mas também precisando desse
tempo para colocar meus pensamentos em ordem. Hoje está virando um
show de merda, como se eu fosse pagar os últimos sete dias de paz apenas
com este.
Bea Avery saber onde Madelena estava não deveria ser uma surpresa
para mim. Encontre a fraqueza do seu inimigo. Explore essa fraqueza. É a
sua maneira de entrar. Aprendi isso antes mesmo de conhecer o
Comandante. Mas minha reação ao comentário dela? Isso foi apenas
estupidez da minha parte. A maneira como saí de lá confirmou para ela que
Madelena é minha fraqueza.
Eu fiz dela um alvo.
Enquanto me sento olhando para aquela porta fechada, repasso nossa
conversa. Eu não esperava que ela confessasse sobre minha mãe. Mas o que
ela disse e sua expressão satisfeita? Isso está me incomodando. Ela me
irritou hoje e sabe disso.
Eu fico de pé e empurro a mão no meu cabelo, andando de um lado
para o outro. Meu telefone apita com um e-mail. É o relatório da polícia. Eu
disse a Val para me colocar em contato com o detetive Hayes, o agente que
trabalhou no caso de Alexia. Tenho a versão em papel do relatório do legista
em casa. Quero falar com Hayes sobre as facadas e o fato de que, de acordo
com o legista, foram feitas por uma pessoa destra. Mas acontece que não
posso falar com Hayes. Ninguém pode, porque ele morreu em um acidente
de caminhada semanas depois de encerrar o caso de Alexia. Ficou muito
perto da beira de um penhasco, aparentemente.
E se eu estivesse errado sobre o pai de Alexia? E se não tivesse sido ele
quem a matou? Então quem? Quem iria matá-la tão violentamente, tão
cruelmente, então posá-la do jeito que eles fizeram? Alexia não tinha
inimigos. Ela era gentil, amigável e calorosa, havia raiva na mão do
assassino.
Meu telefone apita com uma mensagem.
Caius: De volta dos mortos?
Eu: Não seja idiota.
Caius: Que diabos está acontecendo, Santos? Costumávamos
conversar, lembra?
Eu esfrego minha têmpora latejante.
Caius: Bebidas para comemorar o aniversário da esposinha?
Eu: Esposinha?
Caius: Erro de digitação. Polegar gordo. Bebida?
Eu: Amanhã. Tem sido um longo dia.
Caius envia dois emojis de polegar para cima e segue com o dedo
médio. Isso me faz sorrir porque é ele.
Eu: Encontro você no clube, irmão.
Caius: Augustine’s lembra? Papai vai se revirar no túmulo se ouvir você
chamá-lo de clube.
A porta do escritório se abre, então digito uma resposta rápida
informando a hora, depois enfio o telefone no bolso.
Madelena aperta a mão de Jamison e agradece. Ela está segurando
uma pasta e parece um pouco mais pálida do que quando entrou, mas
quando ela encontra meus olhos, ela reúne sua raiva. É bom. A raiva a torna
forte. Eu preciso dela forte agora.
Eu vou até ela, fico a alguns centímetros dela, então me viro para
Jamison. — Tudo pronto aqui?
Ele concorda.
Eu olho para Madelena. — Casa ou a casa do seu tio?
— Casa.
— Podemos ir juntos quando você estiver pronta. — Odin diz a ela.
— Acho que não. — digo a ambos.
Jamison pigarreia e pede licença. — O que você quer dizer com você
acha que não? — Madelena pergunta-me.
— Eu mesmo levo você. Eu já disse que faria isso. — coloco minha mão
em suas costas e a empurro para frente.
— Quero ir com meu irmão. — diz ela, sem se mexer.
— Ele pode estar lá. Isso é bom. Mas estarei lá também. Vamos. — Eu
mudo meu aperto para o braço dela para levá-la para fora, querendo-a em
segurança dentro de casa.
— Qual é o seu problema? Por que você está assim? — Ela tenta se
soltar, mas eu a coloco no banco de trás do SUV. Odin fecha a mão sobre
meu braço e eu me viro para ele, surpreso.
— Não a machuque.
— Eu não estou machucando-a. — Eu o encaro, bloqueando a saída de
Madelena com meu corpo. — Estou tentando levá-la para casa, onde posso
garantir sua segurança. Vá.
Ele dá um passo em minha direção como se estivesse procurando uma
briga, o que seria idiota da parte dele, mas acho que vou me envolver. Por
que diabos não?
— Eu e somente eu decidirei como manter minha esposa segura.
Agora vá antes que eu bata na sua bunda.
— Não toque nele! — Madelena diz atrás de mim, com as mãos nos
meus ombros.
— Vá embora, Odin. — digo a ele.
— Vá, Odin. Eu ligo para você. — ela diz.
Odin olha para sua irmã.
— Você a ouviu. — eu digo.
— Odin, por favor. — Madelena diz ao que ele relutantemente
responde, me dando um olhar final antes de se virar e ir embora. — Fodido
valentão. — ela murmura uma vez que eu subo no SUV.
Eu fecho minha mão sobre sua coxa, aperto. — Como eu disse a ele, e
já disse várias vezes, você já deveria saber: farei o que for preciso para
mantê-la segura. — Um dos meus homens fecha minha porta e partimos.
Madelena cruza os braços sobre o peito e mantém o olhar pela janela.
Vou esperar até chegarmos em casa para falar com ela. Além disso,
minha mente está ocupada tentando conectar todos os malditos pontos.
Mas assim que entramos em casa, Madelena sobe as escadas sem olhar para
trás. Eu a sigo até nosso quarto e fecho a porta.
— Você está bem? — pergunto a ela, observando-a tirar os sapatos e
puxar os cobertores. Acho que ela vai me ignorar, mas ela deixa cair o
cobertor, balança a cabeça e atravessa o quarto para ficar cara a cara
comigo.
— Quero o Santos de ontem de volta. Dos dias anteriores. Não gosto
de estar aqui em Avarice com você. Você é diferente quando está aqui. Você
se torna um valentão do caralho, eu já lidei com tantos deles na minha vida
que não preciso de outro! Eu não vou permitir isso!
Ela gira nos calcanhares para ir embora, mas eu pego seu braço e a
impeço. Ela coloca as mãos no meu peito para manter distância entre nós.
— Você me perguntou qual era o meu problema, então vou lhe dizer
qual é. Sou um marido tentando proteger a esposa. Se você acha que isso é
bullying, que seja. Você é minha, Madelena. Eu trouxe você para o meu
mundo, um mundo que você não conhece. E quando se trata de sua
segurança, eu tomarei as decisões porque sou o único de nós dois equipado
para fazê-lo.
— Se eu gostar ou não?
— Goste você ou não.
— Veja, essa é a coisa. Você me trouxe para o seu mundo. Você me
forçou a isso. Por que você não pode simplesmente me deixar em paz?
Apenas deixe-me viver minha vida sem você?
Suas palavras atingiram seu alvo. Ferem, mas também enfurecem. —
Você quer uma vida sem mim? — Eu a puxo para mais perto. — É assim que
suas palavras são rasas? Porque eu não achava que o amor funcionasse
assim.
— Me deixe ir.
— Estou errado? Dizer a alguém que você os ama não significa nada
para você? Essas palavras são apenas da boca para fora? Vazio e sem
sentido? Diga-me. Estou morrendo de vontade de saber.
— Estou cansada, Santos.
— Sim, eu acho que você está. Mas estamos nisso juntos agora,
Gatinha. Você é minha, goste ou não, eu sou seu.
— Quer eu goste ou não. De novo.
— Correto.
— Vá para o inferno, Santos.
Ela tenta se soltar, mas eu a puxo para mim. — Quando faço uma
promessa, Madelena, isso significa alguma coisa. Achei que você soubesse
disso. Ou você esqueceu?
Eu a levo de costas para a cama giro-a e seguro seus dois pulsos em
uma das minhas mãos em suas costas. Eu os puxo para baixo, forçando seus
ombros para trás. Quando coloco minha boca em seu ouvido, ela vira o
rosto para mim, sua respiração superficial. Estar tão perto faz com ela
exatamente o que faz comigo, a batida selvagem do pulso em seu pescoço
me diz que este momento não é exceção.
— Você precisa de um lembrete? — Eu pergunto em um sussurro
baixo.
Ela estremece.
Eu deslizo minha mão ao longo de sua coxa, sob sua saia e em sua
calcinha. Por trás, meus dedos fazem cócegas na fenda de sua bunda, as
pontas dos meus dedos mais longos se fechando sobre seu clitóris, meu
polegar esfregando seu cu.
Sua respiração treme.
— Você está molhada. — Eu pressiono meu pau contra suas costas
enquanto brinco com ela. — Eu sei que o voto de casamento foi forçado,
mas as palavras 'eu te amo' não foram. Não me diga que você já esqueceu
de tê-las dito. — Empurro meu polegar em seu cu, circulo quatro dedos
sobre seu clitóris inchado e a ouço gemer de prazer.
Eu sorrio.
— Você é minha, Madelena. — Eu a curvo sobre a cama, solto seus
pulsos e tiro minha mão de sua calcinha.
Ela faz um som de protesto quando empurro sua saia para cima e sua
calcinha para baixo.
— Não se preocupe, querida. Eu vou te mostrar o que significa ser
minha.
Eu desfaço meu cinto, minha calça, liberando meu pau e empurro para
dentro dela em um impulso duro que a faz grunhir. — Minha. — Eu recuo,
deslizo um dedo em sua bunda apertada, observando-me fodê-la enquanto
ela agarra os cobertores.
Eu a tomo forte e profundamente, não é para fazê-la gozar. Ela não
merece gozar. É para garantir que ela saiba a quem pertence e que as
palavras tenham peso em mim.
— Você e eu pertencemos um ao outro agora. Por bem ou por mal.
Até que a morte nos separe. E eu quero dizer cada palavra disso.
— Santos. — ela começa, arqueando as costas.
— Você quer gozar? — Pergunto antes de cerrar os dentes sobre a
curva de seu pescoço.
Ela acena com força.
— Você merece gozar?
Ela olha para mim. — Por favor. — ela murmura, arqueando em meu
pau, meu dedo, seus músculos apertados em torno de ambos. Eu me xingo
porque não consigo resistir a ela. Quando deslizo minha mão livre para seu
clitóris, ela grita, seus joelhos dobram. Seu corpo se aperta ao meu redor,
latejando, forçando minha liberação enquanto me coloco sobre ela e me
esvazio em seu calor apertado.
Nós dois estamos ofegantes quando eu saio para virá-la de costas. Eu
procuro seu rosto, beijo-a, observando seus olhos enquanto ela olha nos
meus.
— Eu não posso mais ficar sem você. Você sabe disso, não é? — Eu
pergunto.
Ela me beija, então deixa sua cabeça cair para trás enquanto sua boca
se abre em uma respiração ofegante. Eu beijo sua garganta exposta, coloco
seu lábio inferior em minha boca e mordo apenas com força suficiente para
fazê-la olhar para mim novamente.
— Diga-me que você sabe disso.
— Eu faço. Eu sei. — Ela sorri, as pálpebras pesadas.
Eu sorrio também. Tudo o que eu disse é verdade, está certo. Ela me
pertence tanto quanto eu pertenço a ela. E destruirei qualquer um que
tente machucá-la, que tente tirá-la de mim.
CAPÍTULO VINTE E CINCO
MADELENA
— O que você quer dizer com ela acabou de sair de lá? — Eu pergunto
Val.
— Você me pediu para segui-los, lembra? — Val me pergunta.
Lembro-me de ter dado a ordem para que Caius e minha mãe fossem
seguidos. Eu fiz isso depois de encontrar a pedra familiar na passarela
quando suspeitei que meu irmão estava lá em cima. Eu nunca os cancelei.
Isso havia escapado da minha mente.
— Sim, eu me lembro. — eu suspiro. — Me diga de novo.
— Sua mãe acabou de sair do consultório do Dr. Fairweather. Achei
que você deveria saber, considerando.
— Você tem certeza?
— Tenho certeza. Ele poderia ser o médico de sua mãe?
— Não sei. — Será essa outra coincidência? — Onde ela está agora?
— Parece que ela está voltando para casa.
— Deixe-me saber quando ela estiver lá. E coloque alguém no
consultório do médico. Fique de olho em seus movimentos até que eu diga o
contrário. — Eu desligo e volto para o escritório de Jax para encontrar
Madelena desaparecida e Odin parado na porta do banheiro. — O que é? —
Corro para o banheiro, empurrando-o para fora do caminho no momento
em que Madelena se levanta de sua posição ajoelhada no chão para dar
descarga. Ela se recosta, limpando a boca com as costas da mão e
parecendo mortalmente pálida. — O que aconteceu? — Eu me agacho para
ajudá-la a se levantar.
Ela me afasta quando está na pia e se abaixa para enxaguar a boca,
depois lava as mãos e joga água no rosto.
— Madelena?
— Só preciso de um minuto. — Ela olha para Odin, que está parado
atrás de mim. Ele volta para o escritório.
Gotas de suor pontilham sua testa, a pele ao redor de seus olhos rosa.
O que quer que ela tenha visto naquela pasta a perturbou.
— Podemos ir? — ela pergunta.
Concordo com a cabeça, passo um braço em volta da cintura dela,
quando entro no escritório, vejo Odin enfiando uma pasta de volta na
gaveta. Eu posso adivinhar qual. Ele olha para cima.
— Você está bem? — ele pergunta a ela.
— Eu estou indo para casa, na verdade. Não me sinto bem.
— Quero ficar um pouco. Examinar mais algumas coisas.
— Tem certeza? — ela pergunta.
— Sim. Vou trancar quando terminar.
Ela acena com a cabeça. — Todas as chaves e códigos estão lá. — Ela
aponta para o envelope. — Te ligo mais tarde. — Ela se vira para mim e eu a
levo para fora do escritório. — Faça com que dois homens fiquem aqui com
o irmão dela. — digo a um dos soldados. Levo Madelena até o SUV e a ajudo
a entrar. Ela fica em silêncio no caminho para casa, com a testa franzida de
preocupação. Chegando lá, subimos para o quarto, onde ela puxa as
cobertas e se senta na beirada da cama.
— Você quer que eu chame um médico?
— Não. Eu vou ficar bem. Eu só... Foi muito.
Eu a estudo. — O que foi exatamente?
Ela leva um minuto para olhar para mim e ainda mais para falar. — A
chantagem... O que ele tinha sobre o papai.
Eu levanto minhas sobrancelhas. — Ele tinha um arquivo físico com
detalhes?
— Eu entendo porque seu pai estava obcecado com o meu agora. Meu
tio também sabia. Ele tinha um relatório. E... fotografias.
— Merda. — Não sabia que havia fotos. Mas porra, ele manteve
arquivos físicos?
Não era assim que ela deveria ter descoberto. O pai dela é um
monstro, sim. Assim como o meu, de uma forma diferente.
Eu também, pelas coisas que fiz.
Seu tio, assim como meu pai, era um coletor de informações. Eu já
disse isso antes, e vou dizer de novo. Nenhum homem pode ter tanto poder
e ter as mãos perfeitamente limpas. É impossível.
A família Augustine viveu em Avarice por um tempo, mas não estamos
fundando famílias como as famílias De Léon ou Donovan - e certamente não
na mesma classe. Nós apenas aumentamos nossa riqueza para onde está
agora com meu pai no comando. Antes disso, os Augustines serviram aos De
Léons deste mundo.
Minha tia teve a infelicidade de chamar a atenção de Marnix De Léon -
Marnix De Léon e seus amigos. Eles, assim como o Comandante, não
aceitam bem a palavra não, naquela época, não havia muito que um
humilde Augustine pudesse fazer contra uma legião de De Léons.
Mas nós, Augustines, temos memória longa e somos muito pacientes.
Nós esperamos. Nós vigiamos. Porque com o tempo todo mundo tropeça.
Cada um desses homens foi tratado, mas no leme daquele navio estava
Marnix De Léon. Ele demorou um pouco mais para tropeçar, mas tropeçou.
Agora, por causa disso, por causa dele, somos donos do mundo deles - um
mundo que não nos pertence, um mundo que tiramos deles. Assim como
tiraram o que não era deles da irmã do meu pai.
Mas dizer que tudo o que fizemos foi para vingar minha tia é uma
forma generosa de ver as coisas. Ele nos lança em uma luz nobre. Quase.
Não tenho certeza se um Augustine pode ser verdadeiramente nobre.
Às vezes me pergunto qual era o plano de meu pai. Foi para acabar
com a Avarice completamente? Para apagar a elite da cidade? O que se
tornou é outra coisa. Intenções e motivações se confundem com o tempo,
se transformam em obsessão. E a obsessão é um outro animal.
Qual é o meu plano, meu objetivo? Agora que meu pai se foi e Marnix
De Léon foi punido, aqueles homens foram punidos, o que eu quero? O que
acontece depois da vingança?
Eu estudo Madelena, observo sua beleza sombria, sua fragilidade. Não
sou obcecado pela Avarice ou seu povo. Não me importo com sua existência
ou destruição. Minha obsessão é totalmente diferente.
— Você não deveria ter descoberto esses detalhes. — digo a ela.
— Eu gostaria que você tivesse me contado.
— Não, você não. Há algumas coisas que é melhor deixar em paz.
Ela olha para mim. — Você estava certo sobre ele.
— Não faz diferença, Madelena. Seu tempo com ele, suas memórias
dele, são coisas separadas. Eles estão limpos.
— Como é isso?
Eu vou até ela, pego suas mãos. — Jax Donovan, pelo menos no pouco
tempo que o conheci, não era um homem perverso. Ele era implacável
quando se tratava de seus inimigos. Qualquer um em sua posição teria que
ser. E ele protegeu aqueles que amava ferozmente, o melhor que pôde.
Ela tira as mãos das minhas e esfrega o rosto, os olhos, indiferente ou
indiferente ao delineador manchado.
— Deite-se, querida.
Ela o faz, me inclino para beijar sua testa, sua boca. Ela toca minha
bochecha, prolongando nosso beijo. Quando me afasto, afasto uma mecha
de cabelo escuro de seu rosto e olho para ela.
Seu tio a mantinha segura. Ele a protegeu da escuridão de seu mundo,
a manteve separada dele. Já fiz metade?
Pego a mão dela, viro-a para olhar a cicatriz em sua palma.
A marca que eu coloquei lá.
Eu a sigo.
Ela vira a mão para segurar a minha, eu encontro seus olhos.
Assim como a Avarice e a destruição dela e de seu povo eram a
obsessão de meu pai, Madelena também é minha obsessão. Há um peso
profundo em meu estômago ao pensar nela, ao vê-la. Vou garantir que ela
sobreviva a isso, sobreviva à minha família. A mim.
Mas mesmo assim, sua inocência se foi, roubada por monstros. Vou
mantê-la segura agora, mas o dano causado antes de mim não pode ser
apagado. De certa forma, era seu destino pelo simples fato de ter nascido
filha de Marnix De Léon. Eu sou parte desse destino, nossos destinos
combinados selados. Para melhor ou pior. Até que a morte nos separe.
— Quero ficar um pouco sozinha. — diz ela. Abro a boca para
protestar, mas ela coloca um dedo em meus lábios. — Estou cansada.
Relutantemente, eu aceno e ela fecha os olhos. Observo uma lágrima
deslizar sobre sua têmpora e preciso de tudo para me virar e sair do quarto
e não subir na cama para segurá-la, enxugar suas lágrimas e lutar contra
seus demônios.
Enquanto desço as escadas, meu telefone vibra com uma mensagem.
Faço uma pausa para lê-la. É Val me dizendo que minha mãe está em casa.
Eu olho para as escadas para a porta do nosso quarto. O homem pode
vencer o destino?
Balançando a cabeça, continuo descendo as escadas e saio pela porta
da frente, sem levar nenhum homem comigo. Eu dirijo até o Augustine's. É
uma daquelas viagens em que você não tem certeza de como chegou lá
quando chega, mas meu humor muda, escurecendo na chegada. Estou com
um mau pressentimento sobre o que está por vir.
Saio, entrego as chaves a um manobrista e entro no prédio, no
elevador privativo que leva ao último andar. Um soldado está parado na
porta do apartamento onde vivem Caius e minha mãe. Ele acena com a
cabeça, bate na porta, sem esperar resposta, abre e se afasta.
Entro e encontro a sala vazia.
— Mãe? — Eu chamo, caminhando em direção ao quarto dela.
— Santos? Isso é você? — ela pergunta do escritório. Eu entro para
encontrá-la sentada atrás da mesa. — O que você está fazendo aqui?
Fecho a porta e olho para ela. Não consigo ler minha mãe. Nunca
consegui lê-la, a não ser naquele dia em que ela confessou sobre Caius - o
momento em que vi seu medo, sua vergonha.
Eu sei o que você fez, e este é o seu castigo.
A frase lida em voz alta pelo executor do testamento de papai se
repete em minha cabeça, exceto que desta vez ouço meu pai dizer as
palavras. Ele sabia sobre Caius? Ele não iria punir mamãe pelo que o
Comandante fez com ela quando ela não passava de uma menina. Meu pai
era justo.
Mas se ele descobrisse a verdade sozinho, se pensasse que ela mentiu
para ele... isso ele iria punir. Ele não tolerava mentiras. Traições. Ele não
tinha piedade de mentirosos e traidores.
Eu balanço minha cabeça para limpar os pensamentos e foco meu
olhar nela, no agora.
— O que você estava fazendo no escritório do Dr. Fairweather? — Eu
pergunto sem rodeios.
Se ela está surpresa por eu saber, isso não transparece em seu rosto.
Mas há um momento de silêncio antes de ela se recostar na cadeira e
inclinar a cabeça.
— Fase dois. — diz ela categoricamente.
Demoro um minuto. Acho que espero que ela negue sua presença ali.
Ou, não, ela não faria isso. Ela é esperta demais para isso. Espero que ela me
diga que Fairweather é o médico dela e me pergunte o que é da minha
conta, porque é isso que eu quero que seja. Uma coincidência. Não um ato
malicioso cometido contra mim ou minha esposa por minha mãe. Não uma
traição.
— Há quanto tempo você está me seguindo? — ela pergunta.
— Elabore a fase dois. — eu digo, sem me preocupar em responder a
sua pergunta.
— Lawrence, Dr. Cummings. — ela esclarece. — Ele conhece
Fairweather. É uma cidade pequena.
— E?
— Eles estavam bebendo e Fairweather aparentemente mencionou a
casa para ele. Disse que estava ansioso para ver as reformas que seu pai fez.
A porta se abre atrás de mim, mas não me viro. O olhar da minha mãe
move-se momentaneamente por cima do meu ombro.
— O que é isso? — Caius pergunta.
— Continue. — digo à minha mãe.
— Eu só estava perguntando ao seu irmão há quanto tempo ele está
me seguindo. — ela diz a Caius, que se move para ficar contra a parede para
que ele esteja na minha linha de visão.
— Mãe. — eu pressiono.
— Como eu disse, é uma cidade pequena. Então, quando Fairweather
mencionou sua próxima visita e o propósito dela, bem, Lawrence ficou
confuso. Ele presumiu que era o médico de sua esposa, não esse tal de
Fairweather. Mas aparentemente você não confiava nele.
Olho para Caius que está com os braços cruzados sobre o peito, pés
cruzados na altura dos tornozelos, nos observando. A pulseira em seu pulso
chama minha atenção antes de me virar para nossa mãe.
— O que aconteceu com a fase dois, Santos? — ela pergunta.
— O que aconteceu com a confidencialidade médico-paciente, mãe?
Ela bufa, se levanta para caminhar até a mesa lateral contendo várias
garrafas de vodka e uísque em uma bandeja de prata. Ela se serve de uma
bebida e se vira para mim.
— Você sabe que essa merda não se aplica a nós.
Eu paro, apenas ouvindo algo que ela disse. — Cummings viu
Fairweather antes de Fairweather chegar em casa?
Ela me estuda por um longo minuto. — O que aconteceu com a fase
dois? Porque uma injeção anticoncepcional certamente não iria engravidar
sua esposa, não é?
— Foi?
Ela pisca, bebe o resto da vodca em seu copo e fica mais alta quando
ela me encara novamente. — Foi. Como sua esposa está se sentindo esses
dias? Alguma notícia feliz para nós? Vocês dois tiveram aquela segunda lua
de mel, outro segredo que vocês guardaram, então diga-nos, o feliz casal
tem notícias de um nascimento iminente?
Foi.
Meu estômago revira enquanto processo a palavra. Seu significado.
Cummings sabia sobre o que eu havia conversado com Fairweather.
Ele sabia e intercedeu.
Eu fico de pé, meu estômago apertado, minhas mãos em punhos ao
meu lado. — O que você fez, mãe?
Ela engole, se vira para se servir de uma segunda vodka e bebe antes
de me encarar. Eu rastejo em direção a ela. — O que você fez?
— Certifiquei-me de que permanecemos no caminho certo para a fase
dois, é isso.
Minha mão está em volta de sua garganta antes que eu possa registrar
o movimento. Estou com tanta raiva, acho que não. Não posso. Eu mal
posso respirar. Seus olhos se arregalam e seu copo cai no chão, mas em um
instante, Caius está me puxando. Ou tentando. Ele está gritando para eu
deixá-la ir, mas sua voz é um eco distante porque foda- se! Porra! Porra!
Porra!
O apetite de Madelena ultimamente. Nas poucas manhãs ela não se
sentiu bem, embora esses surtos passassem tão rápido que nenhum de nós
pensou nisso. Hoje, vomitando como ela estava, era por causa do que ela
havia visto? Ou foi porque minha mãe interferiu? Porque a injeção
anticoncepcional não era uma.
— O que é que você fez?
Caius me arranca dela e me empurra pela sala.
— Mãe. Saia. — Caius diz a ela.
— Eu não vou... — ela começa, mas ele a interrompe.
— Saia! — ele ordena a ela, segurando-me pelo colarinho enquanto eu
caminho em direção a ela.
— Eu te disse... Foda-se! Eu disse que faria isso no meu tempo. Meu.
Não é seu. Não do meu irmão. Meu. Como você ousa? Como você ousa?
— Como ouso? — ela pergunta. Ela está meio dentro, meio fora da
porta. Está levando tudo que Caius tem para me segurar. Se ele me soltar,
não tenho certeza do que farei. — Como você ousa escolher a cria do
homem que estuprou a irmã de seu pai, que a passou para seus amigos para
ser estuprada por todos e cada um deles, ao invés de sua própria família? —
ela cospe, olhos em chamas, feia agora. Odiosa. Vingativa.
— Irmão, acalme-se. — tenta Caius. — Mãe. Saia já daqui!
— Você a escolhe novamente, agora. Sobre nós! — minha mãe sibila.
— Saia! — Caius ruge, ela corre no momento em que me desvencilho
de meu irmão. Ele está mais perto da porta e a fecha, bloqueando meu
caminho.
— Saia do meu caminho. Saia do meu caminho! — Eu ordeno.
— O que você vai fazer? Matar sua própria mãe? — ele pergunta.
Dou mais um passo antes que suas palavras penetrem em meu crânio.
Então paro. Eu empurro minhas mãos em meu cabelo, puxando-o, porque o
que diabos eu vou fazer?
Os seios de Madelena parecem mais cheios. Estávamos brincando
sobre o quanto ela pode comer esta tarde. Deus. Eu sou um maldito idiota.
Ela está gravida? Madelena está grávida?
Eu giro e envolvo minha mão em torno da garganta do meu irmão. Eu
o seguro contra a porta. — Você sabia?
— Não. Porra, não. — Ele me puxa. Nós lutamos enquanto tento
colocar minhas mãos em volta de sua garganta, ele luta para me manter
afastado.
— Você tem certeza? — Eu pergunto.
— Você já não sabe? Você acha que eu não percebi que estou sendo
seguido também?
Eu viro minha cabeça para sacudi-la, mas meu olhar se fixa em algo.
Durante nossa luta, a manga de seu suéter foi levantada, posso ver a
pulseira, ver o fecho que a mantém fechada.
Paro assim que o faço, confuso.
A resistência de Caius desaparece e eu olho para ele, depois desço.
Pego seu braço, afasto o suéter e seguro meu braço contra o dele. Eu
comparo as pulseiras. Os fechos são diferentes.
Os fechos são diferentes pra caralho.
— Eu vou atrás da mamãe. Vá a algum lugar e se acalme. — diz Caius,
mas não solto seu braço.
— É diferente. — eu digo.
Ele ergue as sobrancelhas, parecendo irritado e confuso ao mesmo
tempo. — O que é diferente?
— Esta não é a pulseira que te dei.
Ele olha para ele, então de volta para mim. — Voltamos a isso?
— Foi você? Você estava lá em cima na passarela? Você empurrou o
Thiago?
Ele bufa, balança a cabeça, o olhar em seus olhos é de um homem
traído. — Mandei consertá-la depois da escalada, alguns anos atrás. Eu
quebrei. Porra procurei por uma hora para todas as contas. Não pensei em
que tipo de fecho o joalheiro estava colocando nela. Não achava que isso
importava. Se eu soubesse que você me acusaria de assassinato, teria
prestado mais atenção. Pediria a porra de um recibo. — Ele me empurra
para longe. — Quer saber, foda-se. Foda-se, Santos. Mamãe está certa. Você
esqueceu de que lado está. Por que estamos fazendo isso. Você se perdeu
naquela garota anos atrás, sabia? Antes mesmo de você dormir com ela,
você estava sob o feitiço dela. Eu sabia desde o primeiro dia. Eu sabia pelo
jeito que você olhou para ela. Outra Alexia, uma segunda chance. Você é um
idiota, irmão. Dê o fora daqui, e se você tocar um fio de cabelo na cabeça da
nossa mãe, eu juro, vou fazer sua esposa pagar. Olho por olho.
Eu bato minhas mãos contra seu peito e o empurro contra a parede.
— Você chega perto dela, não importa em tocá-la - você chega perto dela, e
eu vou rasgar você membro por membro. Você me escuta? Eu vou te matar,
Caius. Marque minhas palavras. Vou te matar. Fique longe da minha esposa.
Fique longe de nós. Isto está acabado.
Eu o empurro para fora do caminho e saio daquele apartamento,
daquele prédio. Enquanto nuvens escuras engolem o azul brilhante deste
dia outrora promissor, eu ando e ando porque falhei com Madelena... e
perdi minha família.
CAPÍTULO VINTE E SETE
SANTOS
Não vejo meu irmão ou minha mãe nas próximas duas semanas.
Minha mãe não está no apartamento, segundo Val. É só Caius lá. Mas sei
que ela estará de volta amanhã à noite. Ela precisa estar. Ela está
organizando um evento especial no Augustine's. Ela se preocupa demais
com as aparências para não perceber.
Eu observo Madelena de perto. Ela está quieta, mas fico feliz em vê-la
comer pelo menos um pouco. A náusea que vem pela manhã é mais forte
agora, ou talvez estejamos mais conscientes dela, embora não pareça
incomodá-la quando ela come alguma coisa. Não perguntei o que ela quer, e
ela não disse, mas temos um compromisso amanhã para saber de quanto
tempo ela está. Aprenderei então quais são nossas opções e quanto tempo
ela tem para decidir.
Hoje, no entanto, estou indo para Mansfield, Connecticut, para ver o
garoto que prestou depoimento à polícia sobre a morte de Hayes. Essa
declaração foi enterrada no arquivo que consegui colocar em minhas mãos,
cortesia de Rick. Deixei Val em casa. Ele é o único em quem confio
totalmente para cuidar de Madelena e considerei mandá-la para Hells Bells,
onde ninguém sabe onde ela está. Porque meus inimigos podem chegar até
ela. Bea Avery me mostrou isso. E minha mãe... ela é minha inimiga? Ou ela
está agindo para o bem da família, tanto quanto ela vê? Mas por que isso?
Por que a gravidez? Não agrega valor. Estou perdendo alguma coisa.
Dois soldados seguem em um carro separado. Eu precisava ficar
sozinho para pensar durante as três horas de carro até aqui. Eu verifico o
endereço que tenho de Mitch Forest. Ele é o homem que estava
caminhando perto de onde Hayes estava no dia em que foi morto. Mitch,
que tem vinte e cinco anos agora, teria cerca de quinze na época. Ele
atualmente mora com a mãe em uma casa estilo rancho que parece precisar
de reforma. Ele trabalha no turno da manhã no supermercado local. Eu
cronometrei minha chegada e quando eu estaciono no meio-fio na frente de
sua casa, eu vejo o modelo antigo de jipe de Mitch entrando na garagem.
Dou-lhe um minuto para estacionar. Quando ele olha para os dois
SUVs pretos na rua, eu saio. Os homens do outro veículo sabem que devem
ficar parados dentro para não assustar Mitch.
A entrada de automóveis é longa e desce um declínio gradual em
direção à casa comum. Vejo uma cortina se mover lá dentro enquanto Mitch
caminha até a caixa de correio para pegar a correspondência, sem tirar os
olhos de mim enquanto faz isso. É um dia claro e fresco e ele não está
usando óculos escuros. Ele semicerra os olhos ao sol para me ver.
— Mitch? — Eu pergunto, estendendo minha mão. — Eu sou Santos
Augustine. Prazer em conhecê-lo.
Ele olha para ela, para o meu terno e óculos escuros, depois de volta
para os SUVs antes de acenar com a cabeça e enxugar a mão na calça antes
de apertar a minha. Ele está com o uniforme da loja.
— Acho que não te conheço.
— Eu era amigo do detetive Hayes.
Ele é rápido em reconhecer o nome e seu olhar nervoso volta para os
SUVs.
— Como você me achou?
— Não foi muito difícil.
Ele engole em seco, tenho certeza de que consegue distinguir a
silhueta dos homens dentro do segundo veículo estacionado.
— Não se preocupe com eles. Podemos entrar? Gostaria de lhe fazer
algumas perguntas.
— Você é um detetive? — ele pergunta, mas ele não pensa assim.
— Não. — Eu considero minha resposta por um minuto e decido
aceitar a verdade. — Hayes estava investigando a morte de alguém próximo
a mim quando sofreu o acidente. — Enfio as mãos nos bolsos. — Está frio
aqui fora. Podemos entrar?
— Minha mãe está lá dentro.
Coloco a mão em seu ombro. — Só tenho algumas perguntas sobre o
que você disse à polícia que viu. Isso é tudo. Só alguns minutos, Mitch. Vim
de muito longe para falar com você.
Ele acena com a cabeça porque tenho certeza de que ele sabe que não
vou embora. Eu o sigo até a porta da frente, que ele abre. Ele chama sua
mãe para dizer a ela que ele está em casa. Entro atrás dele e fecho a porta,
observando a velha casa com suas cortinas de renda amarela cobrindo as
janelas, os móveis parecendo estar aqui há décadas.
— Mitch. — uma mulher mais velha diz, saindo da pequena cozinha.
Seu olhar está diretamente em mim. — Quem é?
— Santos Augustine, Sra. Forest. — eu digo, caminhando em sua
direção e estendendo a mão.
Ela me olha da cabeça aos pés e não aperta minha mão. Em vez disso,
ela olha por cima do ombro para o filho.
— Está tudo bem, mãe. O Sr. Augustine era amigo daquele homem
que morreu.
— Ele era? — ela pergunta, olhando para mim. — Ele tinha muitos
amigos bem vestidos, aquele homem.
Estou prestes a perguntar o que ela quer dizer quando anda ao meu
redor. — Cinco minutos. — ela diz a Mitch.
Ele balança a cabeça e eu posso ver que ele está ansioso. — Está tudo
bem, mãe, prometo.
Ela me dá mais uma olhada antes de desaparecer em um corredor.
Eu me viro para Mitch. — O que ela quis dizer sobre muitos amigos?
Ele balança a cabeça e aponta para a sala de estar, eu o sigo para
dentro. Ele se senta na beirada do sofá e eu pego a poltrona. Mitch apoia os
cotovelos nos joelhos e a cabeça entre as mãos. Ele tenta não olhar
diretamente para mim.
— Depois daquele homem... Alguns caras vestidos como você vieram
dizer que queriam ter certeza de que eu estava bem. O trauma e tudo. Eles
vieram algumas vezes.
— Oh? Você sabe quem eles eram?
Mitch balança a cabeça. — Não, mas eles não pareciam muito legais.
— Eu espero. — Eu disse à polícia que vi o homem antes de ele cair.
— Você quer dizer antes de ele cair?
Ele olha para o corredor onde sua mãe desapareceu. — Ele não caiu.
— O que aconteceu?
— Eu sou um caminhante e costumávamos morar lá. Ainda faria se
dependesse de mim. Conheço muito bem a área. Eu estava caminhando por
um caminho menos conhecido em direção ao ponto do penhasco onde ele
estava e quando os ouvi, algo me disse para parar. Sendo um caminhante
por conta própria, você ouve seus instintos, sabe?
— Mhm, continue.
— Ele não estava sozinho como disseram no noticiário. Havia outros
dois homens lá. Surgiram do nada quando aquele cara estava olhando para a
vista. Apenas absorvendo. Ele os viu e ficou com medo. Ele deixou cair o
telefone, ele estava tão assustado e estava olhando em volta como se fosse
fugir.
— Você viu isso?
— Sim. — Ele morde a ponta da unha do polegar, olhando para longe,
mas posso ver o medo em seus olhos.
— O que aconteceu depois?
— Foi muito rápido. Um deles disse algo. O outro riu, eu pensei que
eles se conheciam, mas... — Ele balança a cabeça. — Eles o agarraram e o
pobre rapaz mal teve chance de gritar antes de jogá-lo no chão. — Ele se
levanta, enfia as mãos nos cabelos e anda pela sala antes de retornar. Ele
não se senta e está pulando de ansiedade.
— Continue, Mitch.
— Eu esperei. Eu estava em uma área arborizada, então eles não me
viram e… Eles jogaram o telefone dele depois de esmagá-lo com as botas. —
Ele inspira profundamente. — Eu não sabia o que fazer. Tinha quinze anos. E
estava assustado pra caralho. Caminhei até a borda para ver se conseguia
vê-lo ou ouvi-lo. Estava totalmente escuro, porém, eu não queria ficar por
ali. Não havia som de qualquer maneira. Não há como alguém ter
sobrevivido a uma queda ali, disso eu sabia. Voltei para casa mais tarde,
quando tinha certeza de que ninguém me veria. Mamãe estava fora de si.
Policiais estiveram aqui. Foi quando contei a eles o que tinha visto. No dia
seguinte, alguns outros homens voltaram e me disseram que também eram
amigos do Sr. Hayes e que eu não podia falar com ninguém. Mas tenho
certeza de que não eram amigos dele. Então, alguns meses depois disso, os
mesmos homens vieram para garantir que eu não tivesse contado nada a
ninguém. — Ele me examina. — Eles estavam vestidos como você. Isso é o
que mamãe quis dizer. Eles fizeram alguns comentários sobre incêndios na
área e casas virando fumaça, eles eram apenas bandidos, sabe?
— É por isso que você se mudou?
Ele olha novamente para onde sua mãe desapareceu e acena com a
cabeça. — Mamãe e papai se divorciaram, então me mudei para cá com
minha mãe. Eles venderam a casa. Papai está em Utah.
— E você mudou seu nome para o nome de solteira de sua mãe?
Ele concorda. — Eu pensei que talvez... se aqueles caras tentassem me
encontrar, não seria tão fácil.
— Você reconheceria algum daqueles homens que passaram por aqui?
Ou quem empurrou Hayes? Você pode descrever algum deles?
Ele balança a cabeça. — Só sei que se os encontrasse em uma rua
escura, atravessaria para o outro lado. Esse é o tipo de pessoa que eles
eram.
— Tudo bem. Aqui. — Entrego a ele um cartão com meu número,
apenas isso, sem nome. — Se mais alguém vier ver você, me ligue.
— Você acha que eles vão voltar?
— Eu não acho. Eu só estava curioso. — Olho em volta, pego minha
carteira e deixo várias notas de cem dólares na mesa de centro. — Obrigado,
Mitch. Eu sairei sozinho.
— Eles o assassinaram. — diz ele quando chego à porta. — Eu estava
com muito medo de voltar para a polícia, mas eles mataram aquele homem.
E eles riram depois como se fosse engraçado, um deles assobiando e depois
fazendo barulho como se fosse a porra de um desenho animado.
Eu olho para o garoto, vejo como seus olhos parecem assombrados,
vejo os incontáveis garotos que testemunharam coisas semelhantes ao
longo dos cinco anos em que fui o executor do Comandante.
— Me ligue se precisar de alguma coisa, ok? Nada mesmo.
Ele concorda.
Eu saio.
CAPÍTULO TRINTA
MADELENA
— Sua esposa parece bem. — minha mãe diz quando eu a alcanço. Seu
olhar está em Madelena, que está saindo com Val. Eu me pergunto o que se
passa na cabeça dela. — A gravidez a transformou.
Eu mudo meu olhar para minha mãe, pego seu cotovelo e a levo para
um canto tranquilo.
— Não é hora, Santos. — Ela sorri para alguém por cima do meu
ombro e tenta passar por mim. Eu não a deixo ir.
— É o momento perfeito.
Ela olha para onde eu a estou segurando, então de volta para mim. —
Você está cada dia mais parecido com o Comandante, sabia?
— Que diabos isso significa?
— Isso significa que você já deixou hematomas no meu pescoço. Você
vai me dar novos no meu braço? — Eu a solto, percebendo as sombras
escondidas pela maquiagem em seu pescoço.
Encontro seus olhos duros. Eu não peço desculpas. — Ajude-me a
entender uma coisa, mãe. — Preciso falar com ela para tentar entender por
que ela faria isso, o que há a ganhar. Porque estou perdendo uma peça do
quebra-cabeça.
— O que você não entendeu, Santos? Que parte do plano de seu pai
você esqueceu?
— Sim, essa é a coisa. Conseguimos o que nos propusemos a fazer.
Nós possuímos a Avarice. Olhe para as pessoas ao seu redor. Eles aceitam
qualquer migalha da sua mesa, desde que você jogue uma na direção deles.
Marnix De Léon? Nós o temos. Temos o controle da empresa. É tudo nosso.
Tudo é nosso.
Ela levanta um pouco o queixo, sorrindo vitoriosamente enquanto
seus olhos se abrem para estudar aqueles caçadores de migalhas que
compõem o quarto dos convidados.
— O que eu não entendo, porém, é a gravidez. Não agrega valor.
— Você não valoriza uma criança?
Eu bufo. — Você não está fazendo isso para se tornar avó. Eu te
conheço, mãe. O que é? O que estou perdendo?
— Se sua esposinha decidir se divorciar de você, o que acontece
então?
— O quê?
— Com uma criança, ela está trancada. Nós a pegamos. Temos o nome
De Léon.
— Não precisamos mais disso. Esse é meu argumento.
— E quanto à irmã de seu pai e o que aqueles homens fizeram com
ela?
— Você está falando sobre vingança por minha tia? Para uma mulher
com quem você não tem nenhuma conexão. Uma mulher que morreu antes
de eu nascer.
— Ela é seu sangue.
— Essa é a questão. Ela não é seu sangue. Posso entender que papai
queira ir mais longe. Mas não consigo entender por que você faria isso. Não
cabe.
Ela me estuda, é quase como se isso fosse novidade para ela, como se
ela não tivesse pensado nessa parte. Isso me diz algo. Esta não é a
motivação dela. É outra coisa.
— Você não quer um filho depois do que aconteceu com Alexia? Para
o seu bebê? — ela pergunta.
Eu paro. Pisco. Porque eu não estou esperando isso. Isso é muito
longe, mesmo para ela. Mas fui pego de surpresa e ela interpretou mal meu
silêncio.
— Você não? — ela empurra. — Talvez você devesse me agradecer.
Mas então eu percebo algo. — Como você sabe disso? — A única
pessoa a quem contei sobre a gravidez foi Caius.
Ela balança a cabeça e olha para o copo quase vazio. — Caius me
contou depois de tudo. Ele me pediu para não contar a você que eu sabia.
— Caius te contou?
— Ele estava preocupado com você. Todos nós estávamos. A maneira
como você a encontrou, a palavra puta escrita em seu estômago, ela não
merecia isso. E para você tê-la visto assim, visto o que seu pai fez com ela,
sabendo que ela estava grávida de seu filho. — Ela balança a cabeça. —
Pude entender melhor a violência que se seguiu.
Meu cérebro chacoalha dentro do meu crânio com essa memória
forçada muito vívida.
— Caius se culpou por não estar com você. E então não protegendo
você contra o Comandante. Ele agiu como um covarde, pelo menos em sua
própria mente. Todos nós te amamos muito, Santos. Acho que às vezes você
se esquece disso.
— Eu não esqueço. — digo as palavras e estou olhando para ela, mas
quase não consigo vê-la. Estou vendo outras coisas. Lembrando-me de
outras coisas.
— Seu irmão não está bem desde a noite em que você lutou. Ele está
bebendo. Bastante. E ele está de volta na cama daquela Ana. Ela não é boa
para ele.
Procuro por ele na sala, mas não o vejo.
— Ele não tinha nada a ver com Fairweather. — diz ela. — Esse era o
meu plano. Só meu. Não o castigue pelo que eu fiz.
Eu empurro minha mão em meu cabelo assim que Cummings caminha
até minha mãe com um casal a reboque.
— Evelyn, aí está você. Quero te apresentar…
Eu me afasto, saio daquele salão de baile e me deparo com um dos
meus soldados. — Onde está meu irmão?
— Saiu há cerca de vinte minutos, senhor.
— Fora? Para que lado?
— Disse que ia apreciar a vista.
— Merda. — Eu saio pelo caminho que Caius foi porque tenho certeza
das vistas que ele quer dizer.
O vento uiva como sempre faz aqui. Parece que almas penadas estão
gritando. Eu excluo o pensamento, afasto a sensação de pressentimento que
o aviso carrega enquanto olho para a estrutura iminente do farol. Não
consigo vê-lo separado de sua história. Primeiro a mãe da Madelena, depois
o Thiago. Madelena quase morreu lá fora uma vez quando ela tinha cinco
anos e uma vez apenas algumas semanas atrás.
Paro um minuto e observo a noite negra, as águas mais negras. As
ondas castigam os penhascos, me pergunto quantos séculos levará para o
sal quebrar a rocha. Para o mar engolir a cidade de Avarice com seus
moradores e sua história.
Madelena tem razão. Eu sou diferente aqui. Não gosto de mim aqui.
Ao longe, mais perto do farol, vejo movimento. Uma figura.
Reconheço meu irmão e sigo a borda sinuosa do penhasco em sua direção.
Gotas de água salgada espirram em meu rosto em intervalos. Perdido em
seus próprios pensamentos, Caius só me nota quando estou a alguns metros
dele. Ele parece levar um minuto para me reconhecer. Quando o faz, volta-
se para o mar sem sorrir.
— Calmo esta noite. — diz ele. — Se isso é calmo. — Ele leva a garrafa
de uísque aos lábios e bebe.
Enfio as mãos nos bolsos e fico ao lado dele para olhar o horizonte.
Nada além de escuridão por quilômetros e quilômetros.
— Sinto muito sobre o outro dia. — eu digo. Da minha periférica eu o
vejo se virar para olhar para mim, as sobrancelhas erguidas.
— Você sente agora? — Ele me estuda.
— Não seja um idiota. Estou me desculpando.
Ele bebe da garrafa.
— Você não sabia que ela fez o que ela fez? — Eu pergunto.
— Mãe?
Eu concordo.
— O que você acha?
Pego a garrafa e ele a entrega para mim. Percebo quanto tem ali e me
pergunto se ele bebeu o terceiro que falta, depois bebo um gole antes de
devolver. É uma sensação boa, a queimação. Tem dias que sinto falta
daquele ardor. O esquecimento que chega disso traz.
— Então, eu vou ser tio. — diz ele.
— Cabe a Madelena.
— O que você quer dizer?
— O que você acha que eu quero dizer?
Ele me considera. — Ela não vai se livrar dele, se é isso que você está
pensando.
— Como você sabe disso?
— Eu sei. Ela é mais resistente do que você pensa. Você a trata como
se ela fosse quebrar a qualquer segundo. Ela não vai.
— Você tem todos os insights esta noite.
Ele pega a garrafa de volta e a segura. — O uísque vai fazer isso. — diz
ele e bebe. Ficamos em silêncio enquanto ele observa o mar e eu o observo.
— Você se acha um monstro, Santos?
Sua pergunta é estranha, ele muda seu olhar para mim para esperar
por uma resposta que demora muito para ser formulada.
— Sei que mereço queimar no inferno pelas coisas que fiz quando
chegar a minha hora.
— Quem é responsável? Você pelos atos que cometeu? O
Comandante por ordená-los?
— Acabei de ter essa conversa com minha esposa.
— Então, você sabe a resposta?
— Sou responsável pelas minhas escolhas. Eu sei disso. Eu aceito.
Somos todos responsáveis pelas escolhas que fazemos. Por que você está
perguntando isso?
Ele bebe. — Ser cúmplice mesmo não sendo você que está cometendo
o crime também te torna um monstro, concorda?
— Aonde você quer chegar?
Ele balança a cabeça. — Você acha que os monstros nascem ou são
feitos? Acha que está em nosso DNA?
— O que está acontecendo, Caius?
Ele exala em uma risada, uma piada particular, bebe três goles de
uísque e depois se vira para mim. — E se eu disser que está no meu? — Seu
rosto está sério. Eu o observo e espero. — O que você diria?
— Eu diria que você está bêbado. — Estendo a mão para pegar a
garrafa, mas ele a segura, então tropeça para trás. — Cristo! — Eu pego seu
braço para puxá-lo para longe da borda.
— Eu sei que você sabe, Santos.
— Me dá a garrafa, Caius.
Ele balança a cabeça, se afastando de mim. Vou até ele, agarro-a e
jogo-a na beira do penhasco. Nós dois nos viramos para vê-la partir, mas não
a ouvimos quebrar sobre o som das ondas.
— Bem, isso é um desperdício de bom uísque.
— Estou levando você para dentro. Você está bêbado pra caralho e
não deveria estar aqui fora. — Eu coloco minhas mãos em seus ombros, mas
ele me impede.
— Você ouviu o que eu disse?
— Ouvi dizer que você está bêbado. Vamos.
— Eu sei que você sabe. — ele diz com mais força enquanto tento
acompanhá-lo em direção ao prédio. — Eu sei que você sabe que sou filho
dele.
Eu paro. Fecho meus olhos. Meu peito está apertado. Meu estômago
também. E eu não posso olhar para o meu irmão.
— Sou filho dele. O sangue de Alistair Avery corre em minhas veias.
Olhe para mim. — ele diz quando eu balanço minha cabeça. — Porra, olhe
para mim.
Eu faço.
— Você vê? A semelhança?
— Não, eu não. Não seja um maldito idiota.
— Está nos olhos. No abismo dos olhos. — Ele aponta para os olhos.
Não sei se ele está ciente de que sua mão tem a forma de uma arma
apontada para o cérebro.
— Não há nenhum fodido abismo em seus olhos. Cale a boca. Você
está bêbado. Vamos.
— Eu sei que ela te contou. E ela também disse que eu desconhecia o
fato.
Mais uma vez, eu paro.
— Sempre protegendo seu bebê. Ah, quero dizer eu. Você não. Ela
fará qualquer coisa por mim, hein? Qualquer merda. Está fodida.
— Há quanto tempo você sabe?
Ele balança a cabeça, olha para o céu como se estivesse fazendo
cálculos. — O que eu sou, trinta e dois? Digamos que um pouco.
— Você sabia quando tudo aconteceu? Quando ele me levou?
Ele acena um aceno pesado.
— Não importa, Caius. Você ainda é meu irmão.
Ele ri, dá um tapinha no meu braço, balança a cabeça. — Santos. Você
não sabe nem a metade. — Suas palavras enviam um arrepio através de
mim.
— Então me diga.
Ele me estuda por um longo, longo tempo, então ri novamente. —
Você se lembra de quando me contou o que Camilla disse? Aquela putinha,
eu compartilho sangue com ela. Você acredita nisso? Ela tentou fazer você
pensar que ela e eu... Jesus. Maldita aberração da natureza, essa.
— Eles sabem? Camilla e Liam? Thiago?
— Thiago sempre soube.
Isso é uma surpresa para mim, uma surpresa que dói porque Thiago e
eu éramos próximos - como irmãos. Mas olho para o meu outro irmão e
penso que talvez seja assim que as coisas funcionam. Irmãos também
guardam segredos, assim como mães e pais.
— Camilla e Liam, eu não sei. Não me importo. — ele diz. Ele respira
fundo. — Eu vou entrar. Estou cansado pra caralho e pronto para esta noite
acabar. — Ele se afasta, mas para, volta para mim e coloca as mãos em meus
ombros. — Vou te dizer uma coisa, irmão. Para você e ela. Pela história.
Porque fica em loop, não é?
— O quê?
— Você não quer que o que aconteceu com Alexia se repita.
— Que porra é essa, Caius? — Eu o empurro.
— E os favores nunca vêm de graça. Eles também estão em um loop.
O mundo gira e gira. E o amor é um filho da puta. Torna-se ódio quando
você não está prestando atenção.
— Caius, o que diabos está acontecendo?
— Tire ela daqui. Tire sua esposa daqui. Leve-a para algum lugar onde
nenhum de nós possa encontrá-la e esconda-a. É a única maneira de salvá-
la.
Então, sem esperar por mim, ele marcha de volta para o prédio. Eu o
sigo, mantendo alguns passos para trás e não nos despedimos quando ele
entra no elevador para subir. Eu o observo subir, vejo o olhar em seus olhos
como o de um homem condenado enquanto as portas se fecham.
Ele sabia todos esses anos que era filho do Comandante. Ele é
conhecido. O que isso deve ter feito com ele... E que diabos foi esse aviso?
Porque parecia exatamente isso: um aviso.
Eu sinto isso nas profundezas de mim mesmo.
Saio daquele prédio, meus passos apressados enquanto me movo em
direção ao SUV, soldados em meus calcanhares. Eu preciso chegar até ela.
Preciso tirá-la da Avareza. Ele tem razão. Eu nunca deveria ter trazido
Madelena de volta aqui.
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
MADELENA
Eu tento dormir. Não há mais nada que eu possa fazer. Não posso nem
ligar para Santos para falar com ele. Nenhum dos nossos celulares funciona
e é madrugada. Não vou perturbar o padre Michael agora... não depois do
que ele já teve que fazer.
O único problema é que, depois de me virar e virar por mais de uma
hora, ainda estou bem acordada. Acendo a luz da mesinha de cabeceira e
me levanto. Quando coloco meus pés no chão de madeira, fico grata pelas
meias grossas que Santos trouxe, surpresa por ele ter pensado nisso em sua
corrida louca. Saio da cama e vou até a janela. Parece diferente da última
vez que estive aqui; apenas uma lua parcial brilha sobre a água esta noite.
Eu envolvo meus braços em volta de mim enquanto aprecio a vista,
percebendo como estamos completamente sozinhos aqui.
Depois de vestir um suéter por cima da camiseta, uma das de Santos,
desço as escadas em silêncio, sem saber se vou dar de cara com Val ou com
os outros soldados. Eles estavam fazendo turnos, pelo menos um deles iria
dormir no sofá, então no meio do caminho eu espiei para ver se ele estava
lá. Ele está. Não é Val, mas um dos outros que não conheço. Ele está
encolhido sob o cobertor grosso, dormindo. O fogo está reduzido a suas
brasas moribundas.
Eu olho para fora da janela olhando para a parte de trás da
propriedade e vejo o outro soldado. Ele está de costas para mim e deve
estar congelando. Mas então noto a nuvem de fumaça. Ele está lá fora
fumando seu cigarro. Sentindo-me um pouco menos culpada, vou até a
cozinha e abro os armários até encontrar saquinhos de chá e canecas.
Despejo água na chaleira e ligo o fogão a gás, estremecendo com o som que
o velho fogão faz porque é alto. Mas o homem no sofá não se mexe,
enquanto espero a água esquentar, olho pela janela sobre a pia e aprecio a
beleza absoluta do lugar. Posso imaginar um Santos mais jovem aqui. Posso
vê-lo como o santuário que era para ele. Estar isolado na natureza e ser
perdoado e aceito pelo homem que o acolhe. Acho que ele precisava disso
mais do que qualquer outra coisa naqueles anos.
Santos. Minha preocupação volta quando a chaleira ferve. Desligo o
gás e despejo a água fervente na minha caneca. O que aconteceu esta noite
que ele precisava para me tirar da Avarice do jeito que ele fez? Com o que
ele está lidando que eu nem acho que Val saiba? Porque Val é
possivelmente seu confidente mais próximo. Acho que sim, pelo menos. Eu
me pergunto onde Caius cai. Eles são próximos, mas há algo entre eles, um
ciúme, uma acusação? Algo que eu não consigo colocar uma palavra. Eu me
pergunto se o que o levou a esse frenesi tem a ver com Caius.
Uma vez que o chá está pronto, eu jogo fora o saquinho de chá e volto
para o quarto porque não sei mais para onde ir. Eu ateio o fogo e coloco
outro pedaço de lenha nele. Antes de voltar para a cama, noto algo na
mochila. É o livro que Camilla me devolveu. Santos deve ter embalado sem
querer na pressa.
Eu o escolho agora e volto para a cama. Depois de arrumar os
travesseiros, coloco o livro no colo e minha mente evoca a imagem de
Camilla. Ela é estranha. Linda e perversa, mas também um pouco estranha.
Mas acho que ser a filha do Comandante fará isso com você.
Viro o livro e me pergunto o que ela fez com ele. Soltá-lo na água e
depois pisoteá-lo? Pelo menos não é um que eu amei. Li anos atrás e tenho
que concordar com Camilla que não foi tão bom quanto eu esperava, mas
não há mais nada para ler. Então, eu abro e paro imediatamente. Porque eu
vejo o que ela fez. Por que o livro parece tão deformado e na verdade
parece mais pesado do que deveria. É um livro de capa dura, mas ainda
assim.
Ela imprimiu uma foto em papel comum, cortou grosseiramente e
colou no livro. Ela basicamente usou meu livro como um álbum de fotos.
Que diabos?
Eu olho para a primeira foto. É uma casa - bem, uma mansão - e posso
ver palmeiras no jardim. Miami? Talvez a casa deles em Miami. Santos disse
que era lá que morava o Comandante, né? Na frente, pequena demais para
ver seus rostos, está uma mulher e uma criança muito pequena ao seu lado.
Ele está segurando a mão dela. Ele tem talvez dois anos. Está muito borrado
e pequeno para eu ver quem é, Camilla não forneceu uma legenda. Bem,
acho que sim nos destaques de certas palavras e letras. Deixo o livro de lado
e saio da cama para ir até a pequena escrivaninha encostada na parede
oposta. De dentro da única gaveta, tiro um lápis e um bloco de papel, que
levo de volta para a cama.
Deitada na cama, escrevo as letras que ela destacou em ordem.
Miami. Lar. Mamãe e T.
O T deve ser Thiago.
Não tenho ideia do que ela estava fazendo ou qual era sua intenção,
mas viro para a próxima página. Este é de três gatos, mas não há destaques.
Apenas uma coleção de corações desenhados em torno dos gatos formando
um coração. É algo que uma criança faria. Eu viro a página.
Algumas delas têm fotos aleatórias, mas parecem seguir uma linha do
tempo porque logo vejo uma rotulada de gêmeos. Nesta Thiago é mais
velho, talvez uns sete anos. Ele está de pé ao lado da mãe, novamente, ela
está segurando os dois bebês, um em cada braço. Ele parece miserável, eu
me pergunto se ele já sorriu enquanto crescia.
Deixo o livro de lado por um minuto porque me lembro daquela noite
na passarela. Lembre-se de seu rosto quando ele foi empurrado. Eu ouço
seu grito. Ele não merecia o que aconteceu com ele, mas estou esperando
que ele esteja vivo, que de alguma forma tenha sobrevivido.
Depois de mais algumas dessas páginas, tento me lembrar da parte
que ela disse ter gostado. Página setenta e alguma coisa. Assim que chego
ao que ela mencionou, eu sei disso, isso faz meu coração acelerar porque lá
é o Santos. Ele deve ter dezoito anos e está infeliz. Ele está mais magro do
que agora, menos musculoso, posso ver as sombras sob seus olhos mesmo
nesta impressão granulada e de baixa qualidade. Seus ombros estão caídos e
sua aparência geral é desleixada, mas ele está olhando para a câmera. É que
o olhar em seus olhos é vago, como se o homem estivesse ausente mesmo
estando ali. Ao lado dele está uma jovem Camilla. Ela está segurando uma
das mãos de Santos e ao lado dela está seu irmão gêmeo, Liam. Thiago fica
do outro lado de Santos. A única pessoa que sorri é Camilla.
Eu escrevo as letras do marcador. Santos no dia em que entrou na
nossa pequena família.
É difícil olhar para as próximas páginas, mas os anos avançam
rapidamente. Santos envelhece, sua expressão mais feroz. Ele perde a cara
de menino enlutado e se torna o homem a ser considerado - um homem
que eu atravessaria para o outro lado da rua para evitar, especialmente
quando ele e Thiago são retratados juntos.
Há uma legenda abaixo de uma foto dos dois juntos que explica os
melhores amigos. Neste, chifres foram desenhados saindo da cabeça de
Thiago e um adesivo de uma pistola foi adicionado à mão de Santos. É
estranho, ela é estranha, e este livro me deixa enjoada de certa forma. Ela
está tentando enviar alguma mensagem ou apenas sendo uma idiota? Eu
vou com o último.
Eu viro para mais uma página antes de fechá-la. Esta é uma imagem
clara. Uma fotografia. E eu posso sentir o mal saindo do homem retratado.
Sei sem dúvida, sem ter que ler as letras destacadas, que este é o pai dela.
Este é o Comandante.
O diabo que roubou a alma de Santos.
Fecho o livro e me levanto para jogá-lo no fogo porque é nojento. O
fogo sibila quando coloco o livro dentro, deslocando a tora que ainda está
um pouco úmida. O livro cai sobre a lombada e cai aberto naquela página
com o Comandante sorrindo um sorriso largo e maligno.
Algo me faz arrancar a foto assim que o resto do livro pega fogo. Não
sei o que é, mas quando me ajoelho no chão e o estudo, de certa forma é
familiar. Ele é familiar. É do Thiago que estou me lembrando? Não, Thiago
não se parece com ele. Ele se parece com a mãe. Não é exatamente o rosto
dele. É outra coisa, algo que não consigo identificar.
Um baque alto vem do andar de baixo, eu me assusto, meu olhar
estalando para a porta. Alguém murmura uma maldição e me pergunto se é
o segundo soldado ou mesmo Val. Está bem escuro lá embaixo e cheio de
móveis. Acho que um deles esbarrou em alguma coisa.
Passos começam a subir as escadas, me levanto, pegando aquela foto
e colocando-a no criado-mudo. Puxo meu suéter para mais perto e conto os
passos. Treze para chegar ao segundo andar. Uma batida suave vem.
Presumindo que seja Val vindo me ver, estou prestes a abrir, mas ele abre
pelo lado de fora. Ele range nas dobradiças quando o topo de sua cabeça
aparece.
Exceto que não é a cabeça de Val. Também não é nenhum dos
soldados. Nenhum deles tem cabelo loiro.
Um arrepio percorre minha espinha, fazendo os cabelos da minha
nuca se arrepiarem. Quando ele olha ao redor e nossos olhares se
encontram, percebo o que era familiar na foto do Comandante. Não, isso
não está certo. Não é então. É quando ele entra e enfia uma mão no bolso e
inclina a cabeça na direção oposta. É exatamente como o Comandante está
nessa foto. Caso contrário, não há semelhança física. Até que ele sorri e
aquela covinha se forma em sua bochecha.
Eu olho para a foto e a vejo então, clara como o dia. Como Santos não
percebeu? Eu pisco e mudo meu olhar da foto para Caius e sinto o sangue
escorrer do meu rosto, sinto minha boca se abrir e minha garganta secar
enquanto eu olho em choque para o que está bem diante dos meus olhos o
tempo todo.
— Espero não ter acordado você. — diz Caius numa falsa tentativa de
ficar quieto. — Eles estão frios lá embaixo. Alguns guardas, hein?
— O quê... você está fazendo aqui? — pergunto, parando na frente do
criado-mudo e virando a foto de cabeça para baixo atrás de mim.
Ele entra no quarto, olha em volta, acena com a cabeça. — Bonitinho,
eu acho. Não é meu estilo, mas fofo. Também não achei que fosse o estilo
do meu irmão, mas mostra que você nunca conhece ninguém de verdade.
Ele está bêbado. Eu posso ouvir em sua voz, ver em seus movimentos.
Ele se vira para mim e vejo como seus olhos estão vermelhos quando ele se
aproxima. É quase de manhã. Ele não dormiu. Como eu.
— Sabe o que desejo, Madelena? — ele pergunta, vindo em minha
direção. Eu não tenho para onde ir. Estou presa na cama e no criado-mudo,
para fugir teria que pular na cama.
— O quê? — Eu pergunto, parada onde estou, tentando parecer
normal.
— Eu gostaria... — ele começa, chegando perto o suficiente para
enfiar um dedo na minha barriga. — Eu gostaria que você nunca tivesse
engravidado. Isso é o quê.
Eu me pego empurrando sua mão e colocando a minha sobre meu
abdômen para proteger o pequeno ser dentro. O bebê de Santos. Meu
bebê.
— Santos mandou você me trazer de volta? — pergunto, sabendo que
não, sabendo que o Caius está aqui e o Santos não, é uma coisa muito,
muito ruim.
Ele sorri para mim, muda o olhar por cima do meu ombro e estende a
mão ao meu redor para pegar aquela fotografia. Ele a segura entre nós, olha
para ela. Eu observo seu rosto, sua expressão, vejo como ela escurece.
Quando ele encontra meus olhos novamente, engulo em seco.
— Onde você conseguiu isso?
— Sua irmã.
Um canto de sua boca se levanta e meu sangue se transforma em gelo.
Ele me estuda, parecendo mais do que qualquer outra coisa, triste.
Miserável mesmo. Ele balança a cabeça. — Não, ele não fez. — ele diz, eu
estou momentaneamente confusa. — Santos não me mandou. — esclarece,
deixando a foto de lado, ignorando completamente o comentário sobre a
irmã. — Onde estão suas roupas? — ele pergunta, olhando ao redor. Ele
encontra a mochila sem que eu tenha que apontar e vai tirar algumas
roupas, jeans, outro suéter, mas quando ele vê que estou usando um suéter,
ele o enfia de volta na bolsa e volta para mim.
— Coloque isso. Está congelando aqui. Pior que na Rocha Suicida. —
ele diz, segurando o jeans para mim.
Eu pego o jeans. — Há soldados lá embaixo. — Eu não digo a ele
quantos.
— Como eu disse, frio. Vamos. O sol está nascendo.
— Onde?
— Um passeio. Na praia. Vamos tomar um pouco de ar fresco. Ver o
novo dia começar. É bom para o bebê. — acrescenta.
— Devemos ligar para Santos. — eu começo, lambendo meus lábios,
minha garganta seca.
— Claro, — ele diz, pegando seu telefone. — Exceto nenhum serviço
de celular. Que tipo de cidade não tem serviço de celular?
Estou prestes a sugerir ir à reitoria, mas então penso no padre
Michael. Eu o colocaria em perigo se fizéssemos isso. Se o Caius ainda me
levasse lá para fazer a ligação, isso é. Não posso arriscar a vida dele porque
Caius está aqui para fazer estrago. Hoje à noite ele vai provar o quão
perigoso ele é.
— Me dê um minuto. Vou me trocar e já saio. — eu digo a ele.
Ele sorri, senta-se na cama. — Basta colocá-los aqui.
— Só vou...
— Eu disse para fazer aqui.
Eu puxo o jeans. Uma vez que ele está fechado, ele se levanta e pega
minha mão. Quando tento me soltar, ele aperta mais.
— Não torne isso mais difícil do que precisa ser.
Descemos as escadas onde as luzes estão acesas. Eu suspiro quando
vejo o que está na sala de estar. O baque que ouvi, percebo, não foi alguém
andando contra a mobília. Era um corpo. De Val.
— Oh meu Deus.
Ele está encostado na parede como se estivesse sentado lá, exceto
que sua cabeça caiu para frente. Em seu estômago há um buraco pelo qual
ele sangrou. Suas mãos estão em concha em torno de uma faca em seu colo.
Ele deve ter puxado para fora. Não que isso importasse muito.
— Fodido idiota. — Caius balança a cabeça.
E o outro homem, aquele no sofá. Ele não se moveu. Bem, isso não é
verdade. Ele se moveu e vejo agora a mancha vermelha escura que se
espalhou como um círculo no sofá estampado com flores.
— O que você fez? — Eu cubro minha boca.
— Não vomite em mim agora, mamãe. Além disso, não é nada
comparado ao que meu irmão fez, você felizmente se arrastou para a cama
dele. Venha, Madelena. — Caius me puxa para ele. — Coloque suas botas.
— Caius. Oh Deus…
Ele me empurra para o banco e me entrega uma bota. Eu a pego e ele
gesticula para que eu a coloque. Eu faço. Ele me entrega a outra. Percebo a
arma enfiada na parte de trás de sua calça, vendo o cabo dela ao seu lado.
Eu mudo meu olhar para os dois soldados mortos, então até o dele para
encontrá-lo me observando. Ele não precisava de uma arma para fazer o que
fez com aqueles dois homens treinados e armados. Ele certamente não
precisa que alguém faça o mesmo comigo.
— Caius? O que está acontecendo?
Ele olha para os casacos pendurados ali e pega o meu. Percebo que ele
não está usando um. Ele está com uma camisa de botão e calça. A camisa é
preta e agora vejo as manchas escuras nela. Sangue dos homens que ele
matou.
— O que está acontecendo? — Ele me levanta e coloca o casaco em
mim. Eu deslizo meus braços e ele fecha meu zíper, ficando tão perto que
tenho que esticar meu pescoço para olhar para ele. Ele é tão grande quanto
o Santos, tão poderoso quanto ele. Sem falar na arma. Sem contar sua
determinação.
— O que você quer, Caius? — Eu pergunto, imaginando onde está o
terceiro soldado. Se ele está vendo isso, se ele está nos observando e
ganhando tempo.
— O que eu quero? Isso não tem nada a ver com o que eu quero, só
para ficar claro. É o que precisa ser. Eu não quero machucar você. Não vou
gostar. Eu realmente não vou.
— Você não precisa me machucar.
— Essa é a coisa, eu faço. É você ou Santos...
Ele é interrompido então por um carro parando do lado de fora, portas
abrindo e fechando.
Abro a boca para gritar, mas ele está com a arma na mão e aponta
para a minha barriga antes que eu consiga respirar fundo.
— Eu vou te matar aqui mesmo. Vou matar a porra do seu bebê aqui
mesmo. Agora, porra!
Coloco minhas mãos sobre minha barriga e balanço minha cabeça.
— Fique quieta, está me ouvindo? Eu não tenho nada a perder.
Concordo com a cabeça violentamente quando uma lanterna brilha
contra a janela. As cortinas estão fechadas, então não há muito que eles
possam ver. Alguém bate na porta, Caius olha de mim para ela e depois de
volta.
— Pergunte quem é. — ele me diz, antes que eles batam uma segunda
vez, ele engatilha a pistola que está segurando na minha barriga.
— Quem é esse? — Pergunto o mais calmamente que posso.
— Polícia, senhora. Fomos chamados sobre um distúrbio.
Olho para Caius que só precisa estreitar os olhos para eu responder
aos policiais. — Não. Está bem. Só... está tudo bem.
Silêncio do outro lado. — Se você abrir a porta, senhora.
— Diga a eles para esperar. — Caius sussurra para mim.
— Só um minuto. — eu digo, observo enquanto Caius coloca o que eu
acho que é um silenciador em sua arma. Antes que eu possa dizer outra
palavra, ele me empurra para trás com tanta força que eu bato contra a
parede, minha cabeça quicando. Enquanto eu observo, ele abre a porta.
Antes que os policiais possam piscar, ele dispara dois tiros.
Eu grito, tentando me levantar.
Caius espia, depois enfia a pistola de volta na calça. Enquanto estou
me endireitando, ele me segura novamente.
Olho, paralisada de horror, para os dois mortos.
— Onde eu estava? Agora que você está grávida, a próxima parte
entra em jogo. Fase dois, como diz minha mãe. — Ele desvia o olhar por um
momento, balança a cabeça. Eu posso ver sua exaustão quando ele se vira
para mim. — Vamos. Vamos.
— O que você quer dizer? Qual é a fase dois? — Eu pergunto,
cravando meus calcanhares quando ele tenta me puxar para fora.
— Você o ama? — ele pergunta.
Eu não respondo, mas olho para ele, tentando não ver os corpos no
chão. O movimento na grama alta me faz olhar por cima do ombro.
Caius se inclina na minha cara quando não respondo. — Você ama
meu irmão?
— Sim.
— Essa é a coisa. Eu também. E sei que o que tenho que fazer vai
machucá-lo, mas é melhor do que a alternativa.
— O que você acha que tem que fazer?
Ele não responde, mas balança a cabeça infinitamente.
— Você não tem que me machucar. — digo a ele.
— Mas a alternativa é machucá-lo. E você não iria querer isso, não é?
— Eu não entendo. Por que você tem que machucar qualquer um de
nós? Ele te ama.
— E como eu disse, eu o amo. E é por isso que estou escolhendo você.
Porque se não houver bebê, ele não precisa morrer.
— O quê?
Ele abre um sorriso que não é presunçoso, nem feliz. Não
remotamente. Ele parece o oposto, na verdade. Como se ele estivesse com
muita dor.
— A vontade. As palavras exatas que Brutus Augustine escolheu.
Apenas um Augustine de sangue pode herdar. Esse não sou eu, querida. —
ele diz e fecha os olhos com força.
— Porque você é filho do Comandante. — eu digo.
— Como você descobriu? Estou curioso. Quer dizer, graças a Deus eu
não compartilho nenhuma semelhança física.
— Caius, por favor...
— Como? — ele grita, me fazendo pular.
— É o jeito que você fica às vezes.
— Ah.
— O Santos sabe?
— Ele sabe agora. Mas isso não importa mais. A propósito, tio Jax? Era
eu. Te enviei a foto também. Presente de casamento antecipado. Não é
legal, eu sei.
— Você? Você m-matou meu tio.
— Aproveitando. Enfim. — diz ele, brincando casualmente com a
palavra. — De volta ao assunto em questão. O fato é que não posso herdar a
porra de um centavo. Ele me cortou. Minha mãe também. Se não fosse a
generosidade do Santos, estaríamos na rua.
— Então por que você faria o que está fazendo?
— Você tem alguma ideia sobre a escala da fortuna dos Augustine?
Eu balanço minha cabeça. — Eu não ligo.
— Sim, você faz. Dinheiro faz o mundo girar. E você pode dizer que
não se importa o quanto quiser, mas se importaria se isso impactasse sua
vida cotidiana. Já que você não sabe, deixe-me dizer-lhe. Meu irmão, minha
mãe e eu não poderíamos gastá-lo nem em mil vidas. Mas o velho armou
tudo do jeito que fez para proteger seu filho. Seu único filho. E os
descendentes de seu filho, é claro. E para punir minha mãe. — Ele muda seu
olhar para minha barriga. — Você pode imaginar como isso aconteceu com
ela.
Quando ele me puxa para fora daquele chalé, sei que é isso. Eu sei o
que ele vai fazer quando eu estiver naquela praia. Abro minha boca para
gritar, mas ele é rápido e em um instante, ele me puxa para si e coloca a
mão sobre minha boca.
— Cale-se. Apenas cale a boca. Você não quer que eu machuque
aquele pobre vigário ou seja lá o que ele for, quer? Dediquei um tempo para
colocar o silenciador para o bem dele. Não faça com que eu me arrependa.
Tento balançar a cabeça, mas ele está me segurando com muita força,
e não consigo.
— Se eu o vir, eu o matarei, Madelena, isso cairá sobre você. Então,
você vai calar a boca ou não?
Eu tento acenar com a cabeça.
— Porra me responda.
Eu faço um som e aceno com mais força.
— Bom. — Ele move a mão da minha boca, mas a envolve em meu
braço em um aperto mortal. — Vamos à praia.
Ele me puxa para frente e nós andamos pela casa. Eu cuido do
soldado. Ele deve estar aqui. Ele tem que estar. Mas Caius se inclina para
mim.
— Procurando o terceiro homem? — ele pergunta. — Não se
preocupe. Ele não pode ajudá-la.
— Você o machucou também? — Eu pergunto, tentando tirar a mão
dele de cima de mim agora que estamos nos fundos da casa.
— Santos confiava mais neles do que em mim. — Ele continua me
puxando para frente em direção à duna que vai dar na praia.
— Posso ver por quê. — grito por cima do vento, caindo quando ele
me dá um empurrão no topo da duna. Eu luto para ficar de pé, tropeço, mas
ele me segura antes mesmo que eu esteja de pé.
Ele agarra minha mandíbula, dedos cavando dolorosamente em meu
rosto. — Você não pode dizer isso. Você pode calar a boca e morrer, e se
você for boa, eu não vou fazer doer mais do que o necessário. Pelo bem do
meu irmão. Mova-se.
Ele me arremessa para frente, então eu tropeço e deslizo até a metade
do caminho antes de conseguir me levantar.
— O que você vai dizer a ele? Como você vai explicar isso? — Correr é
impossível nesta areia fofa, ele é apenas mais rápido e mais forte do que eu.
Mas continuo tentando. Eu tenho que.
— O que vou dizer a ele? — Ele pergunta, sua grande mão pousando
entre minhas omoplatas e me empurrando com força. Eu caio de mãos e
joelhos, sem fôlego. Ele se inclina sobre mim, pega um punhado de cabelo e
me puxa de volta para cima. Ele não solta meu cabelo enquanto me leva até
a água.
— Caius. Por favor! — Eu grito, minha voz perdida sobre o som das
ondas enquanto eu envolvo uma mão em torno de seu antebraço, tentando
ficar de pé enquanto ele me leva para frente.
— As pessoas se afogam o tempo todo, Madelena.
Ele me empurra de joelhos na água gelada e eu grito. Ele também se
ajoelha e não sei como não sente frio. Ele aproxima meu rosto do dele, mas
mal consigo vê-lo através do jato d'água.
— Além disso, você está doente, não está? Como sua mamãe. Talvez
você mesma tenha entrado na água. De boa vontade.
— Eu não faria isso. Ele sabe...
Ele empurra minha cabeça para baixo com força. A areia molhada
entra em meu nariz, meus olhos, mas é quando a água corre para mim que o
verdadeiro pânico me faz girar meus braços tentando puxá-lo de cima de
mim, tentando colocar minha cabeça acima da água.
Então eu estou de novo. Ele está me puxando para fora. Eu tusso água
salgada e areia. Eu o agarro, tento deixar alguma marca. Algo. Qualquer
coisa. Porque eu não vou sobreviver a isso. Eu sei. E Santos não pode pensar
que eu matei o bebê dele. Ele não pode.
— Talvez. — diz ele, puxando-me para os meus pés, arrastando-me
mais fundo na água, então estamos na altura da cintura. — Talvez você
tenha se afogado agora porque não queria cair como a mamãe.
— Eu não faria isso. Não faria isso! — Mas estou afundado de novo, a
água borbulha ao meu redor, me sufocando. Ele me empurra para baixo,
vejo sua forma escura acima de mim antes que uma onda o desequilibre e
ele perca o controle sobre mim. Eu suspiro por ar, engulo a água, engasgo
ruidosamente enquanto tento correr para a praia.
Eu não vou conseguir embora. Sei disso.
Ele está de pé novamente e me agarra. Desta vez, seu rosto está
definido quando o vejo pela última vez. Sua boca é dura. Sua raiva faz seus
olhos azuis brilharem mesmo nesta escuridão.
Enquanto a água borbulha ao meu redor, eu paro de lutar. Porque não
sobra ar e não dá tempo. Mesmo quando me sinto escorregar, mesmo
quando meus braços param de se agarrar e minhas pernas flutuam na água
salgada, ele me mantém no chão. Mantém-me sob controle.
E continuo pensando no meu bebê. Sobre Santos. Até eu ir embora.
CAPÍTULO TRINTA E CINCO
SANTOS
Não pode ser tarde demais. Eu não posso chegar tarde demais.
Continuo tentando o telefone fixo do Padre Michael. Eu continuo
ligando e ligando, mas ele deve ter desligado. A polícia da cidade vizinha foi
até a casa de campo. Pelo menos tem isso. Eu dirijo como um louco para
Hells Bells.
O sol desponta no horizonte quando viro para a rua onde a capela está
silenciosa, as janelas dos aposentos do padre Michael ainda escuras. Posso
ver daqui, porém, que as luzes da cabana estão acesas. Quando paro, vejo a
viatura da polícia.
Por um momento, fico aliviado.
Eu estaciono e abro a porta do SUV. Está quieto. Mantendo os olhos
na janela com as cortinas fechadas, alcanço o porta-luvas e tiro minha arma
antes de sair do veículo. A primeira luz da manhã brilha na entrada da
garagem. Não faço nenhum som enquanto caminho em direção à casa
silenciosa demais, com a arma ao meu lado. É quando dou a volta na viatura
que o vejo. Lá, no chão, estão os policiais. Não preciso verificar nenhum de
seus pulsos. Eu sei como parece um morto, eles estão mortos.
Algo afiado perfura minhas entranhas enquanto me aproximo e vejo
os buracos de bala. Um foi baleado no meio da testa. O outro homem no
coração. Aquele que levou a bala no cérebro não teria previsto.
A porta da cabana está aberta, eu me movo em direção a ela,
preparando minha arma, meu coração batendo forte no meu peito.
A visão que me cumprimenta me faz parar.
— Não. Porra, não! Corro para Val, que está caído contra a parede, a
faca que o matou em suas mãos. Ele parou de sangrar faz um tempo. Um
homem jaz morto no sofá. Não sei onde está o terceiro soldado. —
Madelena! — Eu grito enquanto subo as escadas. Mas a casa está muito
quieta. Ela não está aqui. Eu sei disso antes de entrar no quarto. Antes que
eu veja o fogo moribundo, a cama desarrumada.
Não perco tempo aqui. Desço as escadas correndo e saio pela porta da
frente. Não há carro. Ele a levou para algum lugar? Mas então ouço algo, um
som fraco no vento. Está vindo da praia.
Com a pistola ao meu lado, contorno rapidamente a lateral da casa e
me dirijo ao caminho que vai dar na praia. O vento é sempre mais forte nas
manhãs aqui. Ele morre assim que o sol nasce completamente. Ele chicoteia
meu cabelo e meu rosto, soprando areia em meus olhos enquanto dou a
volta no chalé. Lá eu vejo o terceiro soldado deitado de bruços, meio
escondido pela grama alta. Como os policiais, não preciso verificar se ele
ainda está vivo. Eu vejo o buraco de bala na parte de trás de sua cabeça.
Madelena.
Não pode ser tarde demais. Por favor, não me deixe chegar tarde
demais. Não para mim, mas para ela. Para ela e para o bebê.
Uma visão do cadáver de Alexia dança diante de meus olhos enquanto
corro em direção à praia, escalando a duna de areia. No topo, paro para
apreciar a praia enquanto a luz do sol torna o céu nublado laranja e o mar
azul profundo. E lá eu o vejo.
Caius.
Ele está na água, até a cintura. Ele parece quase desorientado. E ele
está sozinho.
Meu peito aperta, um punho torcendo meu coração, torcendo-o.
— Caius! — Eu grito, correndo em direção a ele, a areia macia
tornando isso muito mais difícil, me deixando muito mais lento. — Caius! —
Eu grito de novo porque não, ele não está sozinho. Eu vejo isso quando ele
me vê. Quando ele olha e me vê correr em sua direção. Ele não está sozinho.
Ela também está lá. Ela está flutuando de bruços ao lado dele.
Não.
Não.
— Afaste-se dela!
Ele parece atordoado quando eu largo minha pistola na areia e corro
para a água.
— Irmão. — ele começa, uma onda impulsionando-o para frente. — É
tarde demais.
Eu perco o equilíbrio, me endireito, a mesma onda traz o corpo de
Madelena para mais perto. Agarro seu tornozelo e a puxo para mim. Mas
Caius me puxa para longe.
— É tarde demais. Deixe-a ir!
Eu tento empurrá-lo para longe, mas ele está segurando minha
camisa, então eu o soco com força e o jogo na água. Eu viro Madelena e a
pego. Suas roupas a pesam. Sua cabeça pende do meu braço e seus olhos
permanecem fechados, o rosto pálido.
— Madelena? — Falo com ela enquanto a carrego para fora da água,
mas seus braços pendem flácidos ao lado do corpo, seu corpo pesado com
as roupas encharcadas pelo mar. — Abra os olhos, querida. Abra os olhos
para mim.
— Tentei impedi-la. — diz Caius enquanto me arrasto para fora da
água. — Cheguei tarde demais.
Eu não olho para ele. Não perco tempo. Eu deito-a na areia e alguém
chama meu nome. Eu olho para cima para encontrar o padre Michael
correndo em nossa direção.
— Afaste-se! — ele chama, tirando o casaco grande e colocando-o
sobre as pernas dela. Ele cai de joelhos ao lado dela e ouve a respiração,
ouve o coração dela e começa as compressões.
Eu observo, atordoado demais para agir. Tudo o que posso fazer é
observar seu rosto pálido, seu corpo imóvel.
— Maddy. — eu digo, sabendo que ela odeia qualquer um, exceto
Odin chamando-a assim, como se eu pudesse enfurecê-la para abrir os
olhos. Para me dizer fora.
— Respire por ela. — padre Michael me diz depois de uma contagem.
— Aperte o nariz dela, incline a cabeça para trás e respire por ela.
Eu faço como ele diz. Eu sei como isso funciona. Toco meus lábios em
seus lábios frios e fecho seu nariz e respiro em sua boca até que ele me diga
para parar e recomeçar com as compressões novamente, apoiando todo o
seu peso nela. Ela é tão pequena. Tão frágil.
— Ela está grávida. — digo a ele.
Ele não perde o ritmo enquanto acena com a cabeça, continua sua
contagem.
— Respire. — diz ele. Eu faço. Não sei quanto tempo, mas tudo que sei
é que não consigo parar.
— Eu não posso te perder. Não posso. — eu digo a ela quando ele
começa as compressões novamente, seus lábios muito frios, muito azuis. —
Não a deixe morrer. — digo ao padre Michael, que está alheio a tudo menos
a ela. Mas sua contagem. O trabalho dele. — Por favor, Deus, não a deixe
morrer.
E então um milagre ocorre.
Eu observo seu rosto, seu lindo rosto, branco desbotado.
A luz do sol incide sobre ela, quando o padre Michael pressiona seu
peito novamente, quando ouço o som doentio de costelas quebrando
enquanto ele força seu coração a bater, ela tosse.
Nós dois paramos e olhamos para o rosto dela e a observamos virar a
cabeça e vomitar água.
— Madelena! Jesus. Madelena. — Eu seguro sua cabeça, puxo-a para o
meu colo, virando-a de lado enquanto ela vomita mais água misturada com
areia. Ela suspira entre as tosses, é o som mais doce. Deus. É a porra do som
mais doce. Porque ela está viva. Ela está viva.
— Santos? — ela diz fracamente enquanto eu a levanto, a abraço para
mim, afastando o cabelo molhado de seu rosto para beijar sua testa, suas
bochechas, sua boca, suas mãos. Mas então vejo o horror tomar conta dela
enquanto seu olhar se move por cima do meu ombro.
Eu endureço.
— Santos. — padre Michael diz, seguindo a linha de visão de
Madelena.
Levanto-me, pego-a em meus braços e uma vez que o padre Michael
está de pé, eu a entrego a ele.
— Leve-a para dentro. Aqueça-a.
— Santos. — ele começa, tirando-a de mim porque não tem escolha.
— Não faça nada precipitado.
Irritação na pele. Não haverá nada precipitado no que farei.
— Leve-a para dentro. Agora.
Eu olho mais uma vez para minha Madelena afogada antes de virar as
costas para eles para enfrentar meu irmão.
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
SANTOS
Leva três longos meses para localizar minha mãe. Nesse tempo, não
ouço nada do meu irmão. Ele desapareceu, como eu esperava. Ele pode
lamber suas feridas e fazer o que for preciso, desde que não o envolva se
aproximar de minha esposa, minha família.
Val deveria estar comigo quando saio do SUV do lado de fora da casa
indefinida nos arredores de uma cidade esquecível no meio da Flórida. Eu
olho em volta, pensando em como isso é diferente da minha mãe.
Não que tenha sido aqui que a encontrei. Não. Ela estava em Mônaco
vivendo uma vida que ela havia se acostumado com meu pai. Ela só chegou
aqui, escoltada, duas noites atrás.
O céu está nublado, as nuvens pesadas e o calor desconfortável. Eu
fico em um pôr do sol que pode ser bonito em qualquer lugar, menos aqui e
ouço a cadência constante do que soa como mil cigarras. À minha frente
está a casa em que minha mãe cresceu. A própria casa está enterrada por
um matagal de árvores, arbustos e ervas daninhas. Era uma vez, pode ter
sido aninhada na folhagem, mas agora está velha e muito cansada.
É cercada por três acres, a maioria dos quais é um pântano inutilizável,
tenho a sensação de querer ir embora, antes mesmo de colocar os pés lá
dentro. Posso imaginar o desespero de minha mãe crescendo aqui.
Sentindo-se presa aqui.
Eu nunca soube nada sobre meus avós por parte de mãe. Eles estavam
mortos e minha mãe não tinha um bom relacionamento com eles quando
estavam vivos. Ela os apoiou é tudo que eu sabia, ou tudo que me disseram.
Mas não tenho certeza se muito do que sei sobre minha mãe é verdade.
Trazê-la de volta para esta casa é um castigo cruel, mas é melhor do
que ela merece. Esta é a minha misericórdia, embora eu duvide que ela veja
isso como tal. Meu pai comprou a casa no ano em que se casou com minha
mãe. Eu não tinha percebido o significado disso quando estávamos
examinando suas propriedades após sua morte. Não sei se minha mãe sabia
que ele tinha feito isso porque os soldados que a escoltaram de volta me
contaram sobre sua surpresa quando ela percebeu para onde estava sendo
levada.
Um segundo carro para na entrada ao lado do meu. O motorista sai,
cumprimenta com um aceno de cabeça e abre o banco de trás para pegar
uma bolsa preta. Eu ando em direção à porta da frente, ele me segue. Os
dois homens parados na porta me cumprimentam e abrem para me deixar
entrar. O homem segue, absorve o espaço, a mulher sentada no velho sofá
no meio da sala empoeirada e abandonada e se recosta nas sombras para
esperar suas ordens.
Eu observo a casa velha, sinto o cheiro antigo. Os trabalhadores
começarão a trabalhar no interior em breve, embora não seja nada como
minha mãe está acostumada. Eles já começaram no exterior. É inabitável
como está.
Os olhos de minha mãe estão fixos nos meus quando volto meu olhar
para ela. Como de costume, ela é ilegível.
Eu me aproximo dela, levantando uma cadeira da velha mesa de
jantar, colocando-a a alguns metros dela e sentando-me.
Seu olhar cauteloso se move por cima do meu ombro para o homem
com a bolsa antes de se fixar em mim, e é como se ela fosse uma estranha,
como se eu não conhecesse essa mulher.
— Mãe. Eu tive um inferno de tempo rastreando você.
Ela lança um olhar desdenhoso para os dois homens atrás dela. — Não
gosto de ser sequestrada e trazida aqui contra minha vontade por meu
próprio filho.
Eu expiro, achando difícil impedir minhas mãos de cerrar, minha boca
de jorrar acusação após acusação.
— Eu não me importo muito com o que você aprecia. Eu sei o que
você fez, e este é o seu castigo. — As palavras de meu pai, repetidas em
minha própria voz; meu coração, torcendo dentro do meu peito. — Foi você
o tempo todo. Você que começou tudo.
Ela tem a graça de baixar os cílios por um instante. Mas talvez eu
esteja dando muito crédito a ela. Talvez seja justamente o momento em que
ela precisa reunir suas defesas, preparar sua negação.
Mas, para seu crédito, quando ela abre a boca, não é para negar. —
Não tive escolha, Santos. Era você ou Caius.
— Isso em si é uma escolha.
— Então você preferia que eu o deixasse levar Caius?
— Você se ouve? Como você justifica a venda de um filho em
detrimento de outro?
Seu olhar vacila momentaneamente, apenas momentaneamente. —
Você teve seu pai. Quem Caius teve além de mim?
— Eu também sou seu filho. — eu digo, as palavras saindo mais
quebradas do que com raiva porque eu sinto o peso de sua traição tão
agudamente, é como sal em uma ferida aberta.
Ela cruza os braços sobre o peito e se recosta na cadeira. — O que
você quer de mim? Uma desculpa? Tudo bem. Lamento ter de fazer uma
escolha impossível. Mas olhe para você agora. Veja até onde você chegou.
Abro a boca, mas estou sem palavras. — Você sente algum remorso
por alguma coisa? — Eu finalmente pergunto.
— Por que eu deveria? Eu salvei um filho. Eu só poderia salvar um
filho.
— Alexia. Nossa criança. Foi você.
Sua mandíbula aperta. Vejo uma gota de suor em seu couro cabeludo,
mas quando ela fala há um toque de desgosto em suas palavras, pelo menos
na primeira parte. — Seu irmão não aguentou o pensamento. Eu tive que
intervir. Eu o salvei do Comandante. Você gostaria que fosse ele e não você?
— Não se atreva a mudar isso.
— Ele não merecia o que você fez com ele.
— Ele afogou minha esposa. Ele merecia pior. Papai descobriu. Foi por
isso que ele cortou você e Caius.
— Ele descobriu que Caius era filho do Comandante e que eu tinha
feito um acordo com ele para negociar com você.
— Diga-me, por que Alexia. Por que simplesmente não me mandar até
ele se você estava tão desesperado para salvar Caius?
— Você acha que seu pai teria permitido que você, seu amado
herdeiro, seu filho nascido de sangue, partisse? Eu não poderia deixá-lo com
uma escolha. Alexia foi um dano colateral.
— Alexia era um ser humano! Assim como nosso filho! E o jeito... —
Levo um minuto para continuar, para encontrar as palavras. — O jeito que
você a colocou para eu encontrar. Por quê?
— Eu precisava de você com raiva. Sabia que você pensaria que era o
pai dela. Eu sabia que você se culparia e iria atrás dele, sabia que era a única
maneira de salvar um de vocês.
— Não finja nem por um segundo que você pensou em me salvar, que
até ocorreu a você que você estaria me enviando, seu outro filho, devo te
lembrar, para aquele monstro.
Ela abre a boca, fecha-a novamente, pela primeira vez, parece
castigada. Não arrependida embora. Ela passou muitos anos justificando seu
crime para si mesma.
Eu me levanto. — Nós terminamos aqui. Não suporto olhar para você
nem mais um minuto.
Ela olha para o homem com a bolsa que sai das sombras. Recoloco a
cadeira na mesa de jantar, que fica a apenas alguns passos de distância
porque a casa é muito pequena.
— O que você quer dizer com nós terminamos? — ela pergunta,
olhando para aquele homem enquanto ela se levanta. Um dos soldados
atrás dela coloca sua grande mão em seu ombro, mantendo-a sentada.
— Quero dizer que você e eu terminamos. Mas sua punição apenas
começou. — Isso não me traz nenhuma alegria. Não que eu esperasse. Não,
parece que aconteceu quando eu machuquei os inocentes, mesmo sabendo
que ela está tão longe de ser inocente quanto qualquer um pode ser.
Inferno, ela é o catalisador de tudo.
— E o que é isso, filho? — ela pergunta, com os dentes cerrados
enquanto tenta parecer zangada e não assustada.
— Você vai morar aqui, na casa da qual você estava tão desesperada
para escapar.
— É inabitável...
— Os reparos começaram. Você terá o mínimo. Você estará sob
guarda constante. Você estará sozinha.
— Prisão.
— E ninguém saberá onde você está.
Nisso ela engole. — Você não pode fazer isso. Você não vai.
— Eu posso. Eu vou.
— Quanto tempo?
— Para o resto da sua vida. Eu pensei que era autoexplicativo.
— Santos, eu…
— Eu não terminei. — Eu aceno para o homem com a bolsa. Ele o
coloca na mesinha de centro, espalhando partículas de poeira no ar. Ele abre
o zíper, eu sei que ela precisa de tudo para não espiar, porque uma mochila
preta nunca é um bom sinal, não é?
Espero até que ela encontre meus olhos novamente para falar.
— Você é uma coisa conivente e rastejante. Uma cobra. Embora uma
cobra esteja agindo apenas no instinto de sobreviver. Uma cobra não é má.
— eu digo, me sentindo mal pelas palavras. — Você machucou tantos, levou
muito. Até Caius, você o danificou além do reparo.
— Eu...
Balanço a cabeça e ela se acalma. — Mas você ainda é minha mãe. E
ainda sou misericordioso, apesar do Comandante. — Eu me viro para o
homem. — Eu a quero nocauteada durante o procedimento. Certifique-se
de que há antibióticos. Eu não quero infecção. Mas sem analgésicos.
Entendido?
— Sim, senhor.
— Santos! — Minha mãe está de pé, a mão em seu ombro é a única
coisa que a segura.
Eu me viro para ela.
— O que você vai fazer?
— Você usará a língua de uma serpente. Por todas as mentiras que
você contou, por todos os danos que você causou.
Ela empalidece, mas espera. Eu não terminei e ela sabe disso.
— E você perderá a mão que começou isso.
— O quê... o quê?
Dou um passo em direção a ela, mas descubro que não quero ficar
muito perto. — Mas você vai viver. Não como tantos outros que morreram
há muito tempo.
Seu rosto perde o que resta de sua cor.
— Essa é a minha misericórdia. É mais do que você merece.
— Por favor...
— Foi o que aprendi todos esses anos. Olho por olho, dente por dente.
Mas como eu disse, você é minha mãe, e talvez nessa sua mente distorcida,
você pensou que estava fazendo a coisa certa. Vou me esforçar muito para
acreditar nisso.
— Santos, não pode.
Não consigo olhar para ela nem mais um minuto, porque quanto mais
o faço, mais sujo me sinto.
— Adeus, mãe.
— Não! Espere!
Mas eu não paro. Viro as costas para minha mãe quando ela chama
por mim, em pânico, e saio daquela casa. Eu quero correr, para ficar longe
dela. A partir dele. Eu quero queimar minhas roupas e esfregar minha pele e
esquecer este dia. Decido fazer exatamente isso, mesmo quando seu grito
perfura minha orelha muito depois de fechar a porta, muito depois de estar
a quilômetros de distância. Muito tempo depois de deixar a doença que é
minha mãe para trás para sempre.
Juro que não importa o que aconteça, não deixarei meus filhos e filhas
conhecerem o sangue que nos mancha a todos, que nos suja, que nos trás
feiura.
Juro mantê-los inocentes, mantê-los bons.
Como Madelena é inocente, é boa.
E eu volto para casa, para ela. Para minha salvação.
EPÍLOGO
MADELENA
FIM