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SINOPSE

Eu não deveria me apaixonar por minha esposa. Isso não fazia parte do
plano.
Desde o momento em que pus os olhos em Madelena De Léon, senti um
desejo primordial de protegê-la. Mantê-la segura. Seu pai havia falhado com
ela. Eu não falharia.
Ela é inocente, não tenho nada que levá-la para minha cama. Mas Madelena
e eu estamos ligados. Nossos destinos inexplicavelmente ligados. Assim
como nossa sobrevivência.
Meu passado é sombrio. Fiz muitos inimigos e a traição corre solta em meu
mundo. Mas às vezes aqueles mais próximos a você são os mais perigosos
de todos.
Se eu fosse um homem melhor, eu a deixaria ir. Eu sei que é a única maneira
de mantê-la segura.
Mas qualquer bondade que eu tinha em mim desapareceu há muito tempo.
Sou um homem condenado. Eu quero o que eu quero.
E o que eu quero é ela.
CAPÍTULO UM
SANTOS

— Onde ela está? — Eu gemo, cerrando os dentes enquanto o Dr.


Cummings me costura.
— Não sei. Ela saiu correndo enquanto eu estava tentando evitar que
você sangrasse. — Val me diz pela centésima vez.
— Eu percebo isso. Porra! — A dor me faz assobiar. O anestésico local
demora a fazer efeito, mas não tenho tempo para esperar. Eu me inclino
sobre os cotovelos, a flexão dos músculos do meu abdômen agonizando.
— Relaxe, Sr. Augustine. — diz Cummings, sinalizando para Val
pedindo ajuda.
— Tenho homens procurando por ela. — Val diz enquanto toca meus
ombros e me deita de costas.
Eu olho além dele, desejando que o médico se apresse. A ferida
parecia pior do que era, embora eu ainda possa ver o rosto de Madelena
naquele momento antes de eu desmaiar. Seu choque. Seu horror. Ela pensa
que estou morto? Que ela me matou? A perda de consciência foi devido ao
choque da minha cabeça contra o chão. Mas não havia tempo para me
preparar e era ela ou eu.
— Eu preciso ir. — digo a ambos. — Agora.
— Mais alguns minutos. — diz Cummings, suor escorrendo em sua
testa. Para um médico, ele parece enjoado pra caralho. — É melhor você
descansar...
— É isso. — eu digo, sentando assim que ele coloca o curativo. Há um
momento de tontura, mas fecho os olhos e passa. — Traga-me uma camisa.
— Val já está saindo do meu closet com uma, eu a coloco, estremecendo
enquanto arrasto meu braço do lado machucado para dentro dele. — Onde
está meu irmão? Por que ele não está aqui?
— Não podemos contatá-lo. Ainda estamos tentando. — Val diz.
— Alguém já foi ao farol? — Eu pergunto, de pé. O sangue formou
uma crosta no cós da minha calça, sei que preciso ter calma para os pontos
não rasgarem, mas preciso encontrá-la. Preciso chegar até ela antes que ela
possa fazer qualquer coisa estúpida. Eu vi como ela estava perturbada
depois do que seu irmão - seu maldito irmão idiota com quem lidar - disse a
ela.
Eu também nunca vou esquecer o olhar de choque total em seu rosto
quando ela viu onde o abridor de cartas que ela ainda segurava estava
alojado.
— O farol? Por que ela iria lá nesta tempestade?
Eu olho pela janela enquanto o farol ilumina as ondas furiosas. Eles
não a encontraram no prédio ou na propriedade, não há como ela ter ido
longe a pé com este tempo. Nenhum veículo saiu do local.
— Porque esse vai ser o instinto dela. — eu digo, sabendo disso no
meu íntimo. É a porra do pior lugar que ela pode ir no estado de espírito em
que está. — Eu vou lá em cima. Continue tentando meu irmão. E certifique-
se de que Odin De Léon fique por perto. O maldito idiota.
— Eu vou com você. — Val diz.
— Nenhum serviço de celular lá fora. — Eu não dou a ele uma chance
de responder antes de sair pela porta. As portas do elevador de serviço se
abrem milagrosamente assim que aperto o botão, até que enfim, desço
junto com dois soldados que Val manda atrás de mim. É mais rápido do que
eu poderia ter descido nas escadas no meu estado.
Vejo no reflexo atrás das portas espelhadas como a mancha de sangue
está se espalhando na bandagem outrora branca. Pelo menos é um pouco
menos doloroso agora que o anestésico local está finalmente fazendo efeito.
Uma vez que as portas se abrem, corro de volta para fora do prédio do
jeito que trouxe Madelena. Uma mulher engasga quando me vê, alguém
deixa cair uma bandeja, mas eu ignoro todos eles. Os dois soldados
flanqueiam-me. Eu me movo o mais rápido que posso para a tempestade e
paro um momento para olhar para a enorme construção do farol à distância.
O vento e a chuva uivam, eu juro que quando um raio cai, vejo pessoas
naquela passarela. Mas a iluminação temporária desaparece muito
rapidamente e é muito longe para ver. Além disso, ninguém pode estar lá
fora. A fechadura dessa porta está intacta. Eu mesmo vi isso quando Caius e
eu saímos para lá na noite do casamento.
Cristo. Faz apenas alguns dias desde então? Parece que a porra de
uma eternidade se passou.
O vento aumenta quando nos aproximamos do pescoço estreito do
penhasco. Um dos homens amaldiçoa, encolhendo-se em seu casaco e
inclinando-se para lutar contra a força da tempestade que parece
determinada a nos manter afastados.
— Madelena! — Eu chamo, mas ela não quis me ouvir por causa da
tempestade.
Quando chegamos ao farol, abro a porta e procuro o interruptor de
luz. Eu o encontro, mas nada acontece quando eu o viro. Tento várias vezes
sem sucesso.
Enfio a mão no bolso para pegar meu telefone, planejando usar a
lanterna, mas não encontro nada. Deve estar na minha jaqueta.
— Dá-me o teu telefone. — digo a um dos homens. Ele entrega o dele.
Eu ligo a lanterna e o outro homem faz o mesmo. Nós três começamos a
subir as escadas. — Madelena? — Eu chamo de novo, mas não obtenho
resposta. Há uma quietude quase sinistra dentro do farol que se opõe ao
caos da tempestade lá fora.
— Não há ninguém aqui. — diz um dos homens quando chega à sala
principal no topo.
Sou o último a chegar ao patamar. Olho em volta, mas não há onde
me esconder. Ela não está aqui - não dentro de qualquer maneira.
Iluminando a lanterna, vejo um ponto vermelho no topo da escada. Uma
pegada o obscureceu. Eu me agacho para dar uma olhada mais de perto e
um toque do meu dedo me diz que é relativamente novo.
— Ela está aqui. Ela tem que estar! —Eu caminho até a porta que
levará à passarela. Meu coração dispara porque está muito quieto.
Quando vejo que a porta não está totalmente fechada, me mexo.
O vento me atinge bem no rosto no instante em que abro a porta. Eu
me apoio contra ela enquanto observo a passarela, o dano no corrimão a
apenas alguns metros de mim. É o corrimão temporário, estava intacto
quando dei uma olhada de dentro do prédio quando Caius e eu estávamos
aqui em cima.
Meu coração bate contra o meu peito.
— Madelena? — Eu pergunto, sem olhar para a borda, com muito
medo do que vou encontrar. Em vez disso, caminho rigidamente pela
passarela e há um momento de alívio absoluto e indescritível quando a vejo.
Mas esse alívio dura pouco porque ela desmaiou, com as costas contra a
parede, o corpo a apenas meio metro da borda.
Eu corro em direção a sua forma inconsciente, minha ferida recém-
costurada em chamas enquanto Caius de joelhos nas tábuas de madeira que
cobrem a passarela danificada. O corrimão que estava no lugar apenas
algumas noites atrás agora range ameaçadoramente quando o vento o faz
balançar para frente e para trás. O que diabos aconteceu aqui?
Toco seu rosto, vendo o hematoma que escurece sua mandíbula. Sua
pele é fria ao toque, gelada, mas quando coloco meus dedos sobre o pulso
em sua garganta, sinto a batida forte de seu coração.
Eu expiro com alívio, a adrenalina deixando meu sistema e me
deixando respirar novamente.
— Lá fora! — Eu grito para os homens. — Tome cuidado. Fique perto
da parede.
— Santos! — Eu me viro para encontrar não os soldados, mas Caius
saindo para a passarela. Ele está encharcado, seus sapatos estão cobertos
de lama e sua expressão é preocupada. Ele deve ter fugido do prédio
principal.
— Caius. Ajude-me a levá-la para dentro. — Eu deslizo um braço sob
Madelena, inclinando a cabeça em meu ombro. Quando tento levantá-la,
porém, tenho que parar, sugando a respiração quando vários pontos se
rasgam.
— Eu vou pegá-la. Val me contou o que aconteceu. Saia do caminho.
Levo um minuto para abrir caminho, mas ele a recolhe rapidamente e
a carrega de volta para a entrada do farol.
Estou prestes a me levantar quando meu olhar pousa em algo preso
entre duas tábuas um pouco além de onde ela estava deitada. Parece
familiar, eu o pego, libertando-o da fenda no momento em que Caius espia
por dentro.
— Irmão?
Olho para o que tenho na mão e volto para Caius. Balanço a cabeça,
levanto-me e guardo-o silenciosamente no bolso. Antes de entrar, olho para
a borda assim que um raio cai, iluminando os penhascos abaixo. A água está
tão alta que você não consegue ver as rochas cinzas pontiagudas que ficam
visíveis quando a maré está baixa.
— Santos. — Caius diz novamente, me observando enquanto eu
caminho em direção a ele.
— Onde você estava? — Pergunto a ele antes de entrar.
— Andar de baixo. Na festa. Meu telefone estava morto. Eu apenas
peguei atrás do bar onde estava carregando e vi todas as mensagens. — Ele
olha para o meu lado e eu sigo seu olhar para a mancha vermelha que se
espalha rapidamente ao longo de outra camisa arruinada. — Jesus. Que
porra aconteceu?
— Parece pior do que é. — eu digo. Olho além dele para a sala onde
um dos homens está segurando uma Madelena inconsciente. — Vamos.
Precisamos aquecê-la.
Eu me movo para passar por ele, mas ele coloca a mão no meu ombro
para me impedir. — O que diabos aconteceu?
— Foi um acidente.
Ele olha para Madelena. — Tem certeza?
Eu estudo meu irmão nesta meia-luz, quando um raio cai, ele ilumina
seu rosto e a maneira como as sombras caem sobre ele lançam um olhar
estranho e sinistro para ele. Ficamos assim por mais um momento antes de
ouvir Madelena gemer.
— Vamos. — digo a ele e aos outros.
— Lugar esquecido por Deus, este. Deveríamos queimá-lo até o chão.
— Caius diz quando descemos as escadas e saímos pela porta. Eu entendo
de onde ele está vindo.
A estrada que leva ao farol fica cada vez mais estreita. Não é largo o
suficiente para um veículo. Fico feliz quando o vejo tirar o paletó e colocá-lo
sobre minha esposa inconsciente. É um gesto que não esquecerei, mesmo
que essa jaqueta esteja encharcada. Quando ele o faz, vislumbro seu pulso
enquanto deslizo minha mão para o bolso e envolvo meus dedos em torno
de meu achado.
Mas então Madelena faz um som, virando a cabeça, e minha atenção
se volta para ela.
— Pegue um carro. — digo a Caius. — Vamos levá-la para casa. Não
podemos carregá-la pelo clube com todas aquelas pessoas lá dentro. Faça
com que Cummings nos siga.
Ele concorda. — Te encontro em casa. — Ele para, coloca a mão no
meu ombro novamente e olha para mim. — Estou feliz que você esteja bem.
Eu aceno em reconhecimento e me movo rapidamente em direção a
um de nossos SUVs. Colocamos Madelena no banco de trás e eu a sigo,
deitando sua cabeça no meu colo. Meu estômago aperta quando eu olho
para aquela contusão ao longo de sua mandíbula. Impressões digitais. Só
poderia ser deixado por uma mão do meu tamanho.
Novamente as palavras de meu pai ecoam, seguidas pelo aviso de
Thiago, enquanto observo seu rosto muito jovem e inocente em seu sono
inconsciente.
CAPÍTULO DOIS
MADELENA

A chuva nos atinge como adagas de gelo. Esta tempestade será o


nosso fim. As tábuas de madeira são escorregadias. Os reparos deveriam ter
sido concluídos meses atrás, e não deveríamos estar aqui.
O grito se repete, não tenho certeza se é da minha mãe ou dele.
Santos? Não. Ele não gritou.
Santos.
Um lamento desesperado parece vir de dentro de mim. Eu estava me
apaixonando por ele todos esses anos. Estúpida, estúpida eu. Agora ele está
morto, seu sangue ainda quente em minhas mãos.
Olhos como aço cravados nos meus. Eles são tão frios que não sei se é
o olhar dentro deles ou a tempestade que me faz tremer. A pele de seu
pescoço está cheia de cicatrizes onde a corda a mordeu. É assustador ver,
mas quando eu mudo meu olhar para seus olhos, eles não são menos. Mas
ele me pegou quando escorreguei, não foi? Seu aperto forte era para me
puxar de uma morte certa naquelas rochas, naquelas águas geladas.
Repetição da história.
Tal mãe tal filha.
Alguém chama meu nome, mas não consigo abrir os olhos. A chuva
bate forte demais em minhas pálpebras.
O que estou fazendo no farol? Por que eu vim aqui?
Ouço o grito novamente, o grito de um homem.
Thiago.
A sensação de cair é terrível, mas não fui eu quem caiu. Quase, mas
não totalmente.
Eu sinto isso de novo, o aperto de Thiago em volta do meu pulso –
sendo içada e depois batendo contra a parede do farol. Minha cabeça
quicando na superfície implacável.
Então a sombra que apareceu atrás de Thiago, o outro homem cujo
rosto eu não vi.
— Eu não sou seu inimigo… Seu inimigo está muito mais perto de casa.
Em suas veias está o sangue de um monstro.
Thiago está muito perto da borda. Uma mão contra o peito. Um
grunhido. Um grito.
— Madelena! — Thiago grita antes de ir embora.
Minhas pálpebras se abrem e eu me levanto em um suspiro. É muito
rápido e me arrependo instantaneamente. Minha cabeça lateja e tenho que
fechar os olhos com força por causa da luz forte demais, do quarto girando.
Não há mais chuva. Nenhuma tempestade. Está quieto aqui e quente.
Eu toco minha cabeça. Parece que alguém está batendo um tambor
por dentro. Abro os olhos lentamente. A rotação começa a diminuir, as
bordas borradas da minha visão entrando em foco.
A primeira coisa que vejo é o edredom ricamente estampado. É
luxuoso com seu tom safira profundo, um padrão de entrelaçamento
delicado e detalhado. É caro, posso dizer. No criado-mudo à minha direita há
um copo d'água, dois pequenos comprimidos brancos em um prato bonito.
O quarto em si é mal iluminado, as paredes forradas com carvão escuro com
um padrão sutil que parece adicionar textura. A cômoda do outro lado
parece uma antiguidade. É tão primorosamente esculpida quanto a mesinha
de cabeceira. Pesadas cortinas do chão ao teto que cobrem as janelas estão
fechadas.
O cheiro e a sensação são distintamente masculinos - para não
mencionar familiares.
O latejar da minha cabeça se torna mais concentrado. Trago minha
mão para trás dela e toco suavemente a protuberância, que está sensível. Eu
bati minha cabeça duas vezes. Uma vez por acidente. Uma vez, quando o
homem sem rosto bateu contra a parede.
— A aspirina está na mesinha de cabeceira. — vem a voz rouca de uma
poltrona no canto mais distante.
Eu engasgo, surpresa, mas então um interruptor clica, Santos é
banhado pela luz amarela de uma lâmpada de leitura.
Santos.
Santos, vivo e bem.
Ele está vestido com um suéter carvão e calça preta. Seu cabelo está
penteado para trás do rosto, a sombra de sua barba permanente de cinco
horas ficou mais densa, escurecendo sua mandíbula. Em seus olhos há um
olhar tão negro que ao mesmo tempo faz os pelos dos meus braços se
arrepiarem e envia uma onda de calor para o meu núcleo. Estranhamente, é
semelhante à aparência dele quando está excitado.
Mas agora, não é excitação.
É raiva.
Eu lambo meus lábios, que estão tão secos que parecem rachados.
— Prossiga. — Ele aponta para a mesa de cabeceira com um aceno de
cabeça. — Você bateu a cabeça quando caiu.
— Caiu?
Ele me observa, sem piscar, eu não posso dizer o que está
acontecendo em sua mente. — Por que você iria lá fora? Qual era a sua
intenção?
Eu olho para ele, sem saber como responder. Não porque eu não saiba
a resposta, mas porque não posso dizer isso a ele. Não posso dizer isso em
voz alta.
— O que você ia fazer, Madelena?
— Eu... — eu começo, parando. O que deveria dizer?
Eu esfaqueei você. Eu vi você sangrando. Como você está vivo?
Ele suspira, então se levanta. Sinto-me encolher enquanto ele
atravessa o quarto, sem tirar os olhos de mim. Eu o sigo, segurando o
cobertor contra mim. Posso esperar que ele sinta qualquer coisa além de
raiva? Ele provavelmente pensa que tentei matá-lo.
Eu engulo e me forço a olhar para ele quando ele está diretamente ao
meu lado. Ainda sem sorrir e nunca quebrando o contato visual, ele pega a
aspirina e a estende para mim.
— Pegue-os.
Minha mão treme e tenho o cuidado de arrancar os comprimidos sem
tocá-lo.
Coloco os comprimidos na boca e estendo a mão para pegar o copo de
água que ele oferece. Quando nossos dedos se roçam, há uma faísca muito
clara de eletricidade.
Mantendo meus olhos nos dele, engulo as pílulas, bebo mais alguns
goles, então estendo o copo para ele pegar. Ele a coloca de lado, mas não
volta para seu assento do outro lado da sala. Eu quero que ele faça isso
porque preciso de espaço. O ar.
Mas ele prefere encostar-se à parede mais próxima, roubando o
oxigênio do quarto.
— Onde estou?
— Você está na minha cama na casa da família Augustine.
Eu olho em volta novamente. — Como eu cheguei aqui?
— Eu trouxe você. Você estava desmaiada na passarela do farol.
Importa-se de me dizer como chegou lá e quem fez os hematomas em você?
— Ele gesticula com um olhar em direção ao meu queixo.
Eu o toco, percebendo que a dor deve ser de quando o homem me
agarrou para bater minha cabeça contra a parede.
— Você... você está... eu pensei que tinha matado você. — digo a ele.
— Eu não sou tão fácil de matar, lembra?
Confusa, levo a mão à testa porque sei o que vi. Lembro-me de como
ele parecia ruim enquanto estava inconsciente, sangue escorrendo de seu
lado e seu rosto pálido.
Ele levanta o suéter. Por baixo, vejo a bandagem em seu lado, a
mancha escura de sangue. — Não atingiu nada vital. Perto embora. — Ele
me estuda por um instante antes de continuar. — Odeio desapontá-la.
Estávamos no jantar. Odin tinha vindo com notícias sobre a morte do
tio Jax... Sobre o envolvimento de Santos. Eu corri, mas Santos veio atrás de
mim e eu o esfaqueei. Foi um acidente, mas isso pouco importa.
Então havia o farol. Thiago. O estranho. Eu.
Thiago passando por cima.
Eu esfrego meus olhos fechados para limpar a imagem. Minha cabeça
dói. — Thiago? — Eu pergunto, olhando para ele.
Agora é Santos quem parece confuso. — E ele?
Alguém bate na porta e depois a abre. É o Caius. Ele espia lá dentro,
olha para mim, depois para o irmão. — Quer que eu volte?
— Não, entre. — diz Santos, enfiando a mão no bolso, a expressão
imutável, sem relaxar, enquanto observa o irmão entrar.
Uma mão estendida sobre um peito. Um grunhido. Um grito.
O cabelo da minha nuca se arrepia quando Caius me prende com seu
olhar.
— E o Thiago? — Santos repete a pergunta.
Caius enfia as mãos nos bolsos e me observa, a cabeça ligeiramente
inclinada para o lado.
— Ele passou dos limites. Ele…
Santos dá um passo em minha direção, aquele olhar de preocupação
se intensificando, aprofundando a linha entre suas sobrancelhas. — Thiago
não estava lá.
Balanço a cabeça, o que é um erro. O quarto se torna um borrão, eu
fecho meus olhos quando ela ameaça girar.
— Baseado no tamanho da protuberância na parte de trás de sua
cabeça, eu diria que ela bateu com força. Não tenho certeza de quão
confiável é a memória dela. — Caius oferece.
— Não. — eu digo. — Eu lembro. Eu sei o que aconteceu.
— Você está dizendo que Thiago estava no farol? — Santos pergunta.
Eu concordo.
— Tem certeza?
— Tenho certeza.
— Irmão...
— Conte-me toda a história. Do começo.
— Depois... — Eu aponto para onde eu inadvertidamente o esfaqueei.
— Fui ao farol. Thiago já estava lá. Na passarela.
Santos olha para o irmão, que dá de ombros.
— A princípio não percebi, quando o vi, já estava do lado de fora. Eu
fiquei com medo e queria ficar longe dele, mas a grade quebrou e eu... — Eu
paro porque meu estômago embrulha com a memória de escorregar para a
borda. — Ele me pegou e me puxou de volta. Mas então... Então havia outra
pessoa. — Olho para baixo e enfio as mãos no cabelo, por um breve
momento, tenho uma visão das mãos no peito de Thiago. De seu corpo
passando. Eu olho para Santos. — O outro homem o empurrou.
A mandíbula de Santos se contrai. É um músculo infinitesimal que
funciona, mas eu vejo.
— O que Thiago Avery estaria fazendo no farol? Que negócio ele teria
lá? Particularmente a última noite de todas as noites? — Caius pergunta.
— Juro. Eu lembro-me bem. — imploro a Santos. — Você tem que ir
procurá-lo. Se ele sobreviveu, ficará ferido.
— Ninguém poderia sobreviver àquela queda. Se houve queda. — diz
Caius.
Olho para ele, depois para Santos, que ainda me observa. — A água
estava alta. Se ele estivesse lá, se ele caísse, seu corpo teria sido arrastado
para o mar de qualquer maneira. — diz Santos ao irmão.
— Você quer que eu vá dar uma olhada? — Caius pergunta.
— Melhor. Pegue alguns homens. Procure no farol para ver se há
alguma evidência.
— Eu não estou mentindo!
— Não estou dizendo que você está mentindo. — diz Santos para
mim. — Mas você bateu a cabeça com força pelo que parece.
— Não. Eu não bati. Ele... Ele bateu na parede.
— Thiago? — Caius pergunta.
— Não. Eu... — Estou ficando confusa. — Não. — Faço uma pausa, me
recomponho. — O outro homem. Eu bati minha cabeça duas vezes. Uma
vez, quando Thiago me puxou de volta. Uma vez, quando o outro homem
bateu contra a parede depois de empurrar Thiago.
As sobrancelhas de Caius erguem-se bem na testa. Ele se aproxima de
seu irmão e vira as costas para sussurrar algo em seu ouvido. Santos me
observa, mas acena para Caius e um momento depois, Caius sai. Ele fecha a
porta atrás de si, deixando Santos e eu sozinhos mais uma vez.
— Diga-me o que você lembra sobre o outro homem que estava lá
fora.
— Não muito. Eu nunca vi o rosto dele. Estava muito escuro. Thiago
não pareceu surpreso em vê-lo, no entanto. — Faço uma pausa, lembrando-
me de um detalhe. — Ele me disse que eu não deveria estar lá antes que o
homem chegasse.
— Está tudo parecendo muito confuso, Madelena.
— É a verdade. — eu digo a ele.
— Você pode não se lembrar corretamente. Você estava chateada.
Compreensível.
Eu me lembro de porque eu estava chateada então. O que levou aos
acontecimentos da noite. Imagens de vigilância de Santos na casa do tio Jax
na noite em que ele foi morto. Meu marido matou meu tio?
Ele se senta de frente para mim na cama e eu o estudo, tentando
extrair a verdade de seus olhos.
— Estou feliz que você está segura. — diz ele, tocando a palma da mão
na minha bochecha.
É difícil entender como alguém pode possuir personalidades tão
extremas. Ele pode ser violento. Eu vi o resultado de sua violência. No
entanto, comigo, ele é tão terno, tão cuidadoso.
— Se Thiago estiver de alguma forma por aí, Caius vai encontrá-lo. —
diz Santos. — Mas você não pode mencionar isso para mais ninguém.
Ninguém, estou claro?
— Por quê?
— Porque se ele passou dos limites, quem você acha que a família
Avery irá atrás quando souberem o que aconteceu?
— Mas se ele estiver ferido ou pior… Ele salvou minha vida, Santos.
— Vamos investigar, mas por enquanto, você só fala comigo,
entendeu? Nem Caius.
Isso me faz olhar para ele interrogativamente. Não que eu fosse falar
com Caius a menos que fosse absolutamente necessário, mas por que ele
diria isso?
Santos coloca a mão em um padrão específico em meu queixo,
percebo que ele está alinhando os dedos com os do homem que me
agarrou. Seus olhos se estreitam infinitamente, me lembro novamente de
como ele é protetor comigo, mesmo que eu não entenda o porquê, porque
eu me lembro do que percebi depois que o esfaqueei.
Eu tenho que manter uma coisa em mente, no entanto. O que sinto
por ele não tem nada a ver com o que ele sente por mim.
— Eu não matei seu tio, Madelena. — ele diz abruptamente, me
tirando do momento. Eu o observo, mas não falo. Não sei o que dizer. — Seu
tio estava morto quando cheguei lá.
— O quê?
— Ele já estava morto. De bruços na piscina.
Ele está mentindo? Eu não posso dizer. Porque ele tem tudo a ganhar
e nada a perder mentindo.
— Eu pedi para você confiar em mim e você disse que queria. Estou
perguntando de novo.
— Como posso? Como posso confiar cegamente em você dado o que
sei, o que vi com meus próprios olhos? Você não me dá nada, Santos.
— Eu prejudiquei você depois do nosso juramento? Eu causei violência
a você?
Eu não respondo.
— Eu vou proteger você. Já lhe disse isso.
— Não é o suficiente.
Ele me estuda, o rosto ficando sério. Ele se levanta e anda pelo quarto.
Ele se vira para me estudar, uma mão na nuca e a outra no bolso. — Você
quer algo? OK. — Ele volta a se sentar na beirada da cama. — Uma vez você
me perguntou o que tínhamos sobre seu pai que o fez desistir de você tão
facilmente.
Um peso se instala no fundo da minha barriga.
— Você ainda quer saber disso?
Sinto o sangue escorrer do meu rosto enquanto meu coração para de
bater. Eu estremeço com um calafrio repentino e aceno com a cabeça.
Porque mesmo sabendo que vou odiar essa resposta, não posso voltar atrás
agora. Eu não posso não saber.
— Seu pai colocou um golpe em Jax Donovan.
— O quê? Não. — Eu balanço minha cabeça. — Isso é um absurdo.
— Seu tio estava chantageando seu pai. Ele ia tirar seu pai do negócio.
— Chantagem? Sobre o quê?
— Jax tinha provas físicas de algo que seu pai fez anos atrás e que seu
pai pensou ter apagado.
Fico muda, chocada pela segunda vez em poucos minutos. — Tio Jax
não teria feito isso. — eu digo, minha voz quase um sussurro.
— Você não conhece o mundo de onde você vem.
— Ele não faria isso.
Ignorando meu comentário, ele continua. — Seu pai entrou em ação.
Meu cérebro está lutando para acompanhar, para entender tudo isso.
— Agiu contratando alguém para matá-lo? Ele não faria isso mais do que o
tio Jax iria chantageá-lo ou qualquer um.
— Ele fez. Posso deixar você ouvir o telefonema, se quiser.
— O quê? Eu não... Como você teria isso?
— Tenho porque ele não sabia que tinha contraído o golpe com meu
pai.
Minhas mãos voam para minha boca. Eu sei o que é Santos. Eu sei o
que é a família Augustine. Por que isso ainda é um choque de se ouvir?
— Não tenho certeza se você queria saber tudo isso afinal, não é? A
verdade pode ser complicada, Madelena. Não há como voltar atrás. Sem
desconhecer. Lembre-se disso.
— Mas... Não. Não, não faz o menor sentido. Tio Jax... Meu pai não...
Ele toca meu rosto. — Você é muito inocente, eu gosto disso em você.
Mas, como eu disse, você não conhece o mundo de onde veio.
— Você estava lá para fazer isso então? — pergunto, irritada com o
comentário dele e afastando sua mão com um tapa. — É por isso que você
foi até a casa, mas descobriu que alguém já havia feito o seu trabalho para
você? Porque é nisso que você quer que eu acredite, certo?
— Não havia razão para matar seu tio. Tínhamos provas de que seu pai
contraiu um assassinato. Tínhamos o que precisávamos para fazê-lo se
curvar à nossa vontade. Era tudo o que queríamos.
— Por quê? Por que essa vingança pessoal contra meu pai?
— Essa é uma outra lata de minhocas que você não quer abrir. — diz
ele, fazendo uma pausa. Ele ergue as sobrancelhas e inclina a cabeça. — Ou
você quer que eu diga isso também?
Eu me afasto um pouco, minha resposta sem resposta é suficiente.
— Seu tio sabia que eu estava vindo vê-lo e combinamos que ele
desligasse as câmeras de vigilância.
— Eu não acredito que ele teria feito isso. Ele era obcecado por
segurança.
Ele continua, me ignorando. — Você ter recebido aquela foto minha
saindo de casa, isso é problemático. Significa que o assassino sabia que eu
faria uma visita a Jax. E ele ou ela também sabia que eu não cumpriria o
contrato. Então, eles executaram e fizeram questão de ter uma filmagem
minha chegando ao local.
— Então, você quer que eu acredite que você foi contratado para
matar meu tio, mas não ia, e outra pessoa o fez e eles estão incriminando
você? — Lembro-me de outra coisa que Odin me disse então. — Alguém
incriminou você por assassinato quando você sumiu com o Comandante
também?
Há um momento em que a situação vira e é Santos quem fica
surpreso. Mas é apenas por um momento antes que uma sombra se instale
em seus olhos. — O que você disse?
— Você matou um homem. — eu pressiono, sabendo que isso é
importante, embora não tenha certeza se é seguro continuar. Mas aposto
que Santos não vai me machucar. Ele nunca me machucou, não depois de
fazer nosso juramento de sangue. — Você o matou por causa da filha dele.
Santos aperta a mandíbula e se levanta. Suas mãos se fecham ao lado
do corpo enquanto ele vira as costas para mim, todos os músculos em seus
ombros e costas ficando rígidos, eu sei que isso é importante. Esta é uma
chave para algo. Santos Augustine é um homem com um passado sombrio.
Este é um de seus segredos. Preciso saber disso mais do que preciso saber
de qualquer outra coisa.
— Quem é ela? — Eu pergunto, meu coração é uma mera vibração de
batidas no meu peito enquanto espero por sua resposta.
Ele não se mexe. Não vira. Não fala.
— Ela é importante. Quem é ela? — Eu pergunto novamente, desta
vez sentindo uma pontada de algo que só posso chamar de ciúme.
— Era. — diz ele depois de um longo momento. — Não é. — Ele se vira
para mim, a mão ainda cerrada, o maxilar ainda tenso. Ele não fala de novo,
não imediatamente, como se esperasse que eu processasse.
Era.
Quem quer que ela fosse está morta. Esse ciúme se transforma em
culpa.
— Quem te contou sobre ela? — ele pergunta com firmeza.
Uma batida vem na porta antes que eu tenha que responder, estou
aliviada. Eu sei que se Santos descobrir que foi Odin quem me contou, ele
vai machucar meu irmão.
— Sim? — Santos rosna.
Val abre a porta e espia lá dentro. — Ele está aqui.
Santos se vira para mim, me estuda, estreitando os olhos. — Coloque-
o no porão. — ele diz a Val em voz baixa. Estremeço com a ordem porque
sei que nada de bom vai acontecer naquele porão. Com homens como
Santos Augustine, isso é certo.
Ele se aproxima e, com a mão sob meu queixo, inclina minha cabeça
para cima. — Seu irmão é rico em informações, não é?
Minha boca se abre e meu coração cai no meu estômago.
Ele sorri, minha expressão é a confirmação de que ele precisa. — Vou
ensiná-lo a cuidar da própria vida.
— Não! — Eu fico de joelhos e o agarro quando ele se vira para sair,
envolvendo meus braços em torno dele e usando todo o meu poder para
mantê-lo lá, porque é Odin que ele está enviando para o porão.
— Não? — Ele me desaloja facilmente e segura meus braços.
— Não. Por favor. Não!
— Seu irmão contou uma história para você e olha o que aconteceu.
Você colocou a porra de um abridor de cartas em mim. Então você quase se
matou naquele maldito farol. Qual, o que diabos você estava pensando indo
lá? Huh? O que eu te disse sobre ferir o que é meu?
Ele me dá uma sacudida que me faz segurar seus ombros enquanto o
quarto gira.
— Merda. — ele murmura, aquele aperto firme mudando para outra
coisa, algo mais gentil até que ele está simplesmente me segurando. Eu me
pergunto se ele percebe o quanto ele é mais forte do que eu. Com que
facilidade ele pode me machucar. Quebrar-me. — Você está bem,
Madelena?
— Sinto-me doente.
Ele range os dentes, os olhos fixos em mim. Eu vejo hesitação neles. É
tudo que eu preciso.
Estendo a mão para tocar seu rosto. — Por favor, não o machuque.
Por favor.
— Você pode ter uma concussão. Precisa de descanso.
Quando ele me solta, agarro seu suéter para impedi-lo de ir embora.
— Por favor. Por favor. Ele é tudo que eu tenho.
— Sim, é isso, Madelena. — ele começa, fechando suas mãos sobre as
minhas. — Ele não é tudo que você tem. Você tem a mim. Não sei o que será
preciso para enfiar isso na sua cabeça dura, mas você me tem. Você teve nos
últimos cinco anos. Você só precisa confiar em mim.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto, enrolo meus dedos em seu suéter.
Ele balança a cabeça, puxa minhas mãos, mas as segura. Sua expressão
suaviza, eu ouço aquelas palavras que ele acabou de dizer se repetirem.
Confiar nele.
Mas como posso confiar nele?
— Por favor, não o machuque. Eu farei o que você quiser. Qualquer
coisa que você quiser!
— Diga-me uma coisa então. Dê-me algo como eu te dei algo.
Responda a minha pergunta. Por que você foi ao farol? Porque lá?
Eu caio de volta em meus calcanhares, sentindo-me miserável, porque
essa é a única pergunta que não posso responder. Dizer isso em voz alta
tornaria tudo muito real. — Não sei.
— Isso é uma mentira.
— Não o machuque. Por favor. — eu imploro.
— Diga-me a verdade, e eu não vou machucá-lo.
— Você vai me chantagear? — Eu pergunto através das lágrimas.
— Diga-me, Madelena. Diga.
Eu empurro minha mão em meu cabelo, balanço minha cabeça. Não
posso. Ele não sabe disso?
Com um suspiro, Santos se vira para ir embora.
— Thiago disse alguma coisa. — eu deixo escapar, tropeçando para
sair da cama, mas sendo pega no edredom pesado. — Ele disse algo antes
que o outro homem saísse para a passarela. — Ele para. Apresso-me para
pronunciar as palavras, para lhe dar algo. — Ele disse que não era meu
inimigo. Que meu inimigo está mais perto de casa e que o sangue de um
monstro corre em suas veias.
Santos fica rígido.
— Não sei de quem ele estava falando. — acrescento, indo até ele. Eu
fico bem na frente dele e coloco minhas mãos em seus ombros para olhar
seu rosto, que ficou imóvel como uma pedra. — Vou aprender a confiar em
você. Essa sou eu tentando. Mas se você machucar Odin, qualquer coisa
entre nós acaba. Isso é certo, Santos.
Ele respira fundo e acena com a cabeça, mas eu não sei o que ele está
dizendo. Ele afasta minhas mãos e me solta. Sem dizer uma palavra, ele se
vira e vai embora, para fora do quarto, sem se importar que eu vá atrás dele,
sem ouvir meus apelos. Nada.
Ele só para por um momento para dizer ao guarda do lado de fora da
minha porta que sob nenhuma circunstância eu devo sair do quarto.
CAPÍTULO TRÊS
SANTOS

Eu sei por que ela foi lá, mas quero ouvi-la dizer isso. Talvez se ela o
fizer, e compartilharmos esse segredo obscuro, talvez ela possa começar a
confiar em mim.
Mas não é isso que está em minha mente enquanto caminho pelo
corredor mal iluminado da mansão que meu pai comprou há cinco anos. Foi
um momento decisivo para ele, a manifestação física de quão longe nós,
Augustines, havíamos chegado.
Na época, era um lugar degradado e esquecido. Ele foi abandonado
pela última família que morava aqui quando ficou sem dinheiro e o deixou
para apodrecer de volta a terra. Meu pai colocou seu coração e alma para
reconstruí-lo. Eu levo meu tempo enquanto me aproximo da grande
escadaria que levará ao andar principal e paro uma vez que estou lá. Olho as
paredes que me cercam, as pinturas, os vitrais. Eu amo esta casa. Eu tenho
desde o primeiro dia. Caius e minha mãe sempre deixaram clara a
preferência por algo mais moderno. Eu me pergunto se agora é a hora de
eles se mudarem para os apartamentos de luxo da Augustine's, de eu voltar
para casa com minha esposa.
Minha eventual família.
Eu balanço minha cabeça. De onde diabos veio esse pensamento?
Tenho cerca de mil e um problemas para resolver antes de começar a pensar
em uma família.
Enfio a mão no bolso, pego meu telefone e vou até um número que
não ligo há muito tempo. Minha respiração fica mais difícil quando aperto o
botão verde para fazer a ligação. Demora um pouco para conectar e vai
direto para o correio de voz. Não há saudação. Nunca houve. Apenas um
sinal sonoro para deixar uma mensagem.
Eu não.
Mudando para o texto, eu digito um.
Nós precisamos conversar.
A marca de seleção aparece quase instantaneamente informando que
a mensagem foi enviada. Mas é aí que termina. Não há uma segunda marca
de seleção para confirmar a entrega.
Claro, isso pode não significar nada. Thiago nunca deu a mínima para
atender o telefone ou mesmo ouvir mensagens. Inferno, pelo que sei, ele
mudou seu número anos atrás. Ou talvez o telefone dele esteja sem bateria.
Mas algo em meu interior me diz que não é nenhuma dessas coisas.
Eu disco outro número.
— Santos? — Addy pergunta quando ela atende.
— Oi Addy. — eu digo, ouvindo a música familiar do clube de strip ao
fundo. — Como estão as coisas?
— Não mudou muito desde a outra noite. Ou você esqueceu que você
e Thiago visitaram?
Eu me afasto da escada - não que alguém deva estar ouvindo, mas dou
alguns passos para o corredor escuro de onde vim antes de falar.
— Ele voltou?
Há uma pausa que eu não gosto, seu tom é mais pesado quando ela
responde. — Por quê?
— Só preciso verificar se ele está bem.
— Eu disse a você na outra noite que ele não estava. O que está
acontecendo?
— Não sei. Provavelmente nada. Olha, se você o vir, me avise, ok?
— Sim. Claro. Vocês dois precisam resolver suas merdas. Vocês já
foram como irmãos, lembra?
Não fui eu que esqueci. — Sim, eu me lembro. Avise-me. É importante.
— Eu vou, Santos.
Desligo a ligação e coloco o telefone de volta no bolso, descendo as
escadas. Encontro Val na cozinha comendo um sanduíche no balcão
comprido enquanto ele conversa com Melissa, uma das cozinheiras. Quando
ela me vê, seu sorriso desaparece e ela se endireita para voltar a trabalhar
lavando pratos. Val põe o resto do sanduíche na boca.
— Pronto? — Eu pergunto.
— Nasci pronto.
— Você sabe onde minha mãe está, a propósito?
— Fora para jantar.
— Tão tarde?
Ele encolhe os ombros, fazemos o nosso caminho para a porta do
porão. Antes de abrir, me viro para ele. — Eu preciso que você faça algo por
mim.
— Claro. O que é?
— Coloque um vigia no meu irmão.
Sua testa franze, mas ele acena com a cabeça uma vez. Val nunca
confiou em Caius, mas deixei claro que ele é meu irmão antes de tudo. Val já
existe há algum tempo. Papai também confiava nele, essa é uma das razões
pelas quais confio tanto nele.
— E minha mãe. — acrescento, não gostando disso. A traição é uma
coisa pesada. Enfio a mão no bolso, por mais que queira estar errado,
preciso ter certeza. Porque a pedra que encontrei na passarela é uma que
vejo todos os dias.
Eu uso uma pulseira com um conjunto dessas mesmas pedras.
Quando voltei para casa após o desaparecimento do Comandante,
livre de minha vida de servidão violenta, papai tinha um presente para mim.
Ele criou uma insígnia para a família Augustine, algo que seria apropriado
para nossa nova posição como parte da elite de nosso novo mundo. É um
coração trespassado por duas espadas. Quando ele me presenteou com isso,
ele me disse que era um símbolo antigo que ele adaptou com um significado
apropriado. Eu não tinha entendido isso, ainda não entendo. Ele também
fez questão de me dizer que era para mim e somente para mim, que meus
herdeiros também levariam a insígnia. Mas só eu. Caius havia sido
claramente excluído.
Foi depois disso que mandei fazer as pulseiras para Caius e para mim.
Escolhi o Lapis Lazuli porque a pedra representava a verdade. Eu queria que
ele soubesse, no que dizia respeito a mim, que não importava essa
reviravolta estranha com meu pai, ele e eu éramos irmãos. Ponto final. O
fim. Isso era tudo que havia para mim.
Sim, mais pessoas do que Caius e eu usamos essa pedra em particular,
mas o fato de tê-la encontrado na passarela na noite em que encontrei
Madelena desmaiada lá é preocupante porque a pulseira também sumiu
repentinamente do pulso do meu irmão. Caius usa essa pulseira todos os
dias desde que eu dei a ele.
Mas este não é o momento para refletir sobre isso. Tenho que lidar
com o irmão de Madelena agora.
— Como estava Odin quando você o pegou? — Eu pergunto enquanto
Val abre a porta do porão.
— Não surpreso.
— Hum.
Val abre a porta e descemos. Uma luz está acesa no grande espaço
inacabado. Está quase vazio, exceto pelos móveis sobressalentes
armazenados aqui. Um único homem fica de guarda. No meio da sala está
sentado Odin De Léon, os cotovelos apoiados na mesinha, os dedos unidos,
o queixo apoiado nas mãos. Ele se vira quando nos vê e se levanta, mas o
soldado atrás dele põe a mão no ombro de Odin e o empurra de volta para
baixo.
Ele olha para mim enquanto eu ando ao redor da pequena mesa e me
sento na cadeira oposta. Eu me inclino contra ela, deslizando minhas mãos
nos bolsos. O gesto deveria ser casual, mas meus dedos se curvam em torno
daquela pedra, me lembro de como as coisas podem ser fodidas.
— Onde está minha irmã? — ele pergunta, em tom hostil.
— Ela está na minha cama. — digo a ele com um sorriso.
Ele cerra os dentes, embora não diga uma palavra, seus olhos falam
por si.
— Ela provavelmente teve uma concussão, graças a você. Mas ela está
viva e segura. Não, graças a você nessa parte.
Ele está claramente surpreso, mas essa surpresa se transforma em
preocupação em uma fração de segundo. — Que diabos você está falando?
Eu coloco meus cotovelos na mesa e me inclino para ele porque estou
puto pra caralho. — Se você está tão preocupado com ela, por que você
contaria a ela sobre as imagens de vigilância sem ter a porra do contexto?
— Contexto? — Ele ergue as sobrancelhas. — Que contexto eu
preciso? Você estava na casa do nosso tio na noite em que ele foi
assassinado...
— Afogado oficialmente.
— Besteira.
— Aprovado.
Ele abre a boca e depois a fecha. Ele está claramente intrigado com
minha avaliação compartilhada de como seu tio morreu porque um
momento se passa antes que ele responda. — Você estava na casa dele.
Você passou uma maldita hora matando-o. Provavelmente torturando-o.
Limpando depois de si mesmo. Eu não tenho a porra da ideia do que você
fez. E então você saiu verificando a porra do seu relógio como se tivesse um
lugar para ir.
— São muitos espaços em branco que você está preenchendo
casualmente.
— Oh? Não é preciso ser um gênio para preencher esses espaços em
branco. Qualquer juiz e júri verão isso.
— Quem viu a filmagem? — Pergunto porque tenho dois problemas
aqui. Um sendo a pessoa ou pessoas que têm uma cópia dela e enviaram
aquela foto para Madelena, e o segundo sendo Odin e quem quer que ele
tenha trabalhado para colocar as mãos em uma cópia.
— Ninguém. — diz ele, desviando o olhar.
— Você é um mentiroso de merda, sabia disso? Tente novamente.
— Ou o quê? Você vai pregar minhas mãos na mesa?
— Não. Só farei isso se você tocar no que é meu.
Uma batida passa. Ele me estuda porque sabe do que estou falando.
De quem estou falando. — Minha irmã amava o tio. Ela era a pessoa mais
próxima dele.
— Vamos apenas esclarecer algumas coisas aqui. Você e eu sabemos
que seu tio Jax não era exatamente um santo.
Ele mantém a boca fechada e inclina o queixo teimosamente para
cima. Ele sabe do que estou falando.
— E você vai dizer exatamente isso à sua irmã.
— Porque eu faria isso?
— Porque eu sou o único que pode mantê-la segura, e não posso fazer
isso a menos que ela comece a confiar em mim.
— O que você quer dizer?
Inclino-me para trás novamente e olho para o soldado de pé contra a
parede. Ele está comigo há muito tempo, mas posso confiar nele? E se Caius
fosse o estranho mencionado por Madelena? E se a mensagem enigmática
de Thiago para Madelena fosse sobre Caius? Porque é muito parecido com a
mensagem do meu pai.
Naquele momento, minha mente evoca as palavras da carta que papai
deixou para ser lida após sua morte.
Eu sei o que você fez, e este é o seu castigo.
Ele estava se referindo a Caius? O que ele poderia ter feito?
— Do que você está falando, Santos? — Odin pergunta.
— Sua irmã e eu tivemos uma discussão na noite passada. — eu digo,
meu lado latejando como se afrontado por eu não reconhecer a ferida. —
Ela ficou chateada depois do que você disse a ela e não me deu chance de
explicar antes de sair para o farol.
— O farol? — Seu rosto perde um pouco de cor. — Por que ela...
— Ela não estava sozinha.
— O quê?
— Alguém a machucou, tenho certeza que ela viu algo que não deveria
ter visto. — O assassinato do Thiago. Porque eu sei no meu íntimo que Addy
não vai ligar para me dizer que o viu. Eu sei que a mensagem de texto nunca
será entregue. Porque o telefone dele provavelmente está quebrado em
algum lugar naqueles penhascos ou no fundo do oceano agora.
— Que porra está acontecendo?
Eu me viro para o soldado. — Saia.
Ele acena com a cabeça, sem questionar, faz o que mando. Pego meu
celular do bolso e o coloco sobre a mesa entre nós.
— Eu não matei seu tio. Ele já estava morto quando cheguei lá.
— Certo. — Odin bufa, inclinando-se para trás em uma tentativa
fracassada de parecer relaxado.
— Ele tinha muitos inimigos. Você sabe como ele operava. Ele não
estava acima da chantagem.
— Como eu disse, diga isso ao juiz e ao júri. Tenho certeza de que eles
vão acreditar em você.
Encontro à gravação no meu telefone. É uma cópia do original, que
está guardado no cofre. Aperto play, Odin perde o resto da cor em seu
rosto.
— Jax Donovan morre em três dias. — diz o pai de Odin. — Faça com
que pareça um acidente. Eu não quero a porra dos policiais envolvidos mais
do que você. Estou enviando o depósito agora.
Há uma pausa momentânea antes de ouvirmos a voz de meu pai. —
Recebido.
— Você receberá o segundo tempo assim que for considerado um
acidente. — diz Marnix De Léon.
— Vou pegá-lo quando o contrato for cumprido.
— Tudo bem. Apenas faça isso.
A gravação termina e eu pego meu telefone de volta.
— Jesus. — Odin passa as mãos pelos cabelos.
Dou a ele um minuto para processar o que acabou de ouvir e checo a
mensagem que enviei para Thiago. Como esperado, ainda a única caixa de
seleção cinza que foi enviada, mas fica em algum lugar no limbo esperando
para ser entregue. O que acontece com essas mensagens, eu me pergunto,
quando o destinatário não pode mais recebê-las? Quando ele ou ela morre.
A vida é passageira. Os corpos humanos são tão frágeis e ainda assim
passamos nossos dias alheios ao fato como se fôssemos imortais. Deuses.
Eu balanço minha cabeça. Ele se foi? Realmente se foi? O pensamento
de Thiago morto me faz engolir uma emoção que eu não sabia que sentiria
ao saber disso. Mas este não é o momento para emoção. Eu percorro as
imagens no meu telefone para uma pasta de cinco anos atrás. Uma que só
meu pai e eu sabemos que existe, agora que ele se foi, só eu sei.
— Isso não prova que você não o matou. — Odin finalmente diz,
embora mais calmamente agora que foi confrontado com evidências de que
seu pai planejou um golpe contra seu tio. — Se alguma coisa, isso ajuda no
caso contra você.
— Cristo. — Escolho uma das fotos e ergo meu telefone para que
Odin possa vê-la. — Que tal isso, então?
Odin parece confuso a princípio. Ele olha mais de perto, então vira o
rosto. — Jesus Cristo.
— Qual é a hora no relógio? Aliás, também está registrado no meu
telefone, caso você ache que eu organizei isso. — Ele mantém o olhar
desviado. Eu sinalizo para Val, que segura a cabeça de Odin e o força a olhar
para o telefone. Eu entendo que ele não quer olhar. Ampliei a foto de seu tio
flutuando de bruços na piscina, onde o relógio na parede mostra claramente
as horas. — Se você viu o restante das imagens de vigilância, saberá que
entrei cerca de três minutos antes. Quase não dá tempo de afogar um
homem, me secar e tirar uma fodida foto, não acha?
Odin olha para mim, confuso. — Por que você não mostra isso a
Maddy? Então ela não precisa saber o que o tio dela fez.
— Você acha que ver o corpo dele boiando na piscina é uma boa
ideia? — Ele é pra caralho real? Eu poderia ter mostrado isso a ela desde o
primeiro dia, prova de que o que eu estava dizendo era verdade. Mas de
jeito nenhum eu estava fazendo isso com ela. Inferno, se dependesse de
mim, ela nunca teria descoberto o tipo de homem que Jax Donovan era, mas
não havia outra maneira - ou se houvesse, eu não pensei nisso.
— Ela nunca vai saber da existência dessa fotografia, entendeu?
Ele concorda.
— E você vai dizer a ela o que o tio Jax fez. Como ele estava
chantageando seu pai, entre outros, e o deixou sem escolha a não ser se
retirar da empresa ou enfrentar a prisão.
Ele range os dentes.
— Agora me diga. Quem conseguiu as imagens de vigilância? Porque
não é suposto existir. Garantimos que fosse apagado no nível superior da
empresa de segurança.
— Ninguém.
Eu levanto minhas sobrancelhas e o estudo, dando-lhe a oportunidade
de encontrar a resposta certa sem eu ter que bater nele. Estou fazendo isso
pela minha esposa.
— Eu tenho. Está escondido. — ele finalmente diz.
— Onde?
— Casa.
— Nós vamos buscá-lo quando você terminar de falar com sua irmã.
Agora, quem pegou para você?
Ele desvia o olhar, o maxilar teimosamente definido novamente.
— É seu namorado? — Eu pergunto, porque sei algumas coisas sobre
Odin De Léon. Uma delas é que ele não está interessado em garotas. Eu não
dou a mínima para suas preferências sexuais, mas Marnix De Léon sim. Odin
foi forçado a manter isso escondido da sociedade da Avareza e espera-se
que se case com uma mulher de igual posição. Madelena ficou sabendo e
guardou seu segredo com ela. É uma das razões pelas quais Marnix está tão
desapontado com seu filho.
O que me importa é que o namorado dele, Rick Frey, é uma espécie de
mago do computador. Ele é a única pessoa em quem consigo pensar que
poderia invadir o banco de dados da empresa de segurança e encontrar o
que supostamente foi destruído anos atrás.
Odin tenta manter sua expressão neutra, mas vejo o brilho de emoção
em seus olhos, vejo a linha se formar entre suas sobrancelhas. Eu dou a ele
um minuto e com certeza, ele me encara, os olhos cheios de lágrimas.
— Ele não vai falar. Ele não é assim. Ele é confiável.
— Bem. — empurro a cadeira para trás e me levanto. — Depois que
você falar com sua irmã e nós pegarmos aquela filmagem de vigilância, você
e eu faremos uma visita a ele e eu decidirei então o quão confiável ele é.
CAPÍTULO QUATRO
MADELENA

Santos está sentado na mesma poltrona em que estava quando


acordei. Ele está me observando com uma expressão que não consigo
nomear enquanto Odin confirma o que ele me disse, que o tio Jax estava
chantageando nosso pai. Ele também se recusa a me dar mais detalhes, sei
que isso é ruim.
Meu olhar vacila entre meu irmão e meu marido enquanto a fachada
do mundo que eu sempre conheci é destruída, expondo uma verdade feia
por baixo. Enquanto ouço entorpecida, lembro-me das conversas ouvidas,
da desconfiança que remonta há anos, desde quando mamãe estava viva.
Não, não apenas desconfiança. Ódio.
— Sinto muito, Maddy. — Odin finalmente diz.
— Você sabia por todos esses anos.
— O que eu poderia fazer? Qual teria sido o sentido de contar a você?
Eu me pergunto se ele suspeitou que meu tio foi assassinado porque
sabia da chantagem. Ele sabia que tinha inimigos. Mas isso significa que ele
suspeitou de nosso pai? Não, nisso ele parece tão estupefato quanto eu, tão
atordoado.
Mas ele confirma que Santos não pode ter cometido o assassinato -
não com base na linha do tempo de sua chegada e no fato de nosso tio já
estar morto a essa altura. Há evidências fotográficas para provar isso.
Não peço para ver porque é o suficiente para uma noite. Inferno, é o
suficiente para uma vida inteira.
Um homem que eu achava honesto e honesto não era. Meu irmão
conhece a verdade há cinco anos e me protegeu dela. Eu entendo que ele
fez isso para me proteger, mas não me sinto bem.
E ainda há o fato de que meu próprio pai é capaz de matar.
Odin parece derrotado quando acaba. Ele se vira para Santos como se
perguntasse o que vem a seguir, Santos o dispensa. Val está do lado de fora
da porta, como sempre. Santos diz a ele para levar meu irmão para baixo
que ele desce logo, e mais uma vez fico sozinha com Santos, que vem se
sentar na beira da cama.
— Você pode simplesmente ir. Estou cansada.
— Ainda temos negócios, querida.
— Se você quer se vangloriar, pode esperar até amanhã de manhã?
Acho que não consigo processar muito mais esta noite.
— Eu não vou me vangloriar. Acredite ou não, não me deixa feliz ver
você infeliz. Não queria que você descobrisse isso.
— Não eu sei. Eu pedi, certo? — Eu balanço minha cabeça, empurro
minha mão em meu cabelo. — Estou cansada. — Eu encontro seu olhar de
floresta escura. Quantos segredos mais ele guarda que vão me desvendar?
Será que algum dia saberei tudo o que há para saber sobre esse homem?
— Você precisa aprender a confiar em mim. Porque sem mim você não
vai sobreviver.
— Isso é uma ameaça? — Eu pergunto, minha voz quase um sussurro.
Ele me dá um meio sorriso. — Não, gatinha. É um conselho que você
deve seguir.
— Ótimo, obrigada. Vou considerar isso. Você pode ir, por favor?
— Como eu disse, temos negócios entre nós. — Ele respira fundo,
levanta-se, atravessa o quarto e tranca a porta. Sento-me em alerta e
observo. Ele se vira para mim, arregaçando as mangas até os cotovelos
enquanto volta para a cama.
Algo sobre o gesto ameaçador envia alguma mensagem que contorna
meu cérebro pensante e atinge meu próprio centro. Meu estômago revira
quando, incapaz de sustentar seu olhar, olho para suas mãos, seus
antebraços expostos. Ele está usando o anel que eu lembro de nosso
primeiro encontro em seu dedo anelar direito, no esquerdo está nossa
aliança de casamento. Em um pulso está um relógio caro e aquela pulseira
de contas. A pele morena é salpicada de cabelos escuros e observar seus
músculos trabalharem e se flexionarem tem um poder estranho sobre mim,
como se houvesse algo em mim que não tivesse escolha a não ser se
submeter a esse homem, que quisesse fazer exatamente isso.
Santos Augustine é uma masculinidade crua e animalesca. Ele é todo
macho alfa, meu corpo está muito consciente dele. Nossa conexão é
inegável, os sentimentos que ele desperta dentro de mim são errados para
minha mente pensante e ainda assim muito reais.
Ele se senta na beira da cama e puxa o cobertor que cobre minhas
pernas para trás. Estou vestida com uma camiseta. Uma das dele, eu acho. É
enorme em mim. Ele deve ter colocado em mim quando me trouxe do farol.
Tenho certeza que meu vestido foi arruinado.
Observo enquanto seu olhar desliza para minhas pernas nuas. Ele
descansa uma mão na minha coxa, me lembro novamente da diferença de
tamanho entre nós.
A diferença de força e poder.
Mesmo isso faz algo para mim.
Quando olho para cima, ele está me observando. Eu engulo porque
seus olhos ficaram escuros, as pupilas dilatadas. Acho que estou lambendo
meus lábios em antecipação de uma coisa que eu não deveria querer.
— Tire a camisa. — diz ele.
Eu inclino minha cabeça em confusão porque acho que estava
esperando que ele me beijasse.
— Prossiga.
Alcanço a bainha da camisa e a tiro pela cabeça. Ele a pega de mim e a
coloca de lado, então deixa seu olhar deslizar sobre mim. Meus seios estão
nus, mas ainda estou de calcinha. Meus mamilos endurecem quando seu
olhar se move sobre eles e preciso de tudo para manter meus braços ao
meu lado.
Ele muda seus olhos para os meus.
— Eu sei que o que aconteceu não foi intencional, mas você nunca
deveria ter pegado aquele abridor de cartas e brandido como uma faca.
— O quê? — Eu pergunto, confusa. Isto não é onde eu pensei que isso
estava indo.
— E eu vou puni-la por isso agora. — Eu mal registrei suas palavras
antes que ele continuasse. — Deite no meu colo. Cara para baixo.
— Com licença? — Instintivamente, estendo a mão para trás para
agarrar um dos degraus de madeira esculpida da cabeceira da cama, porque
acho que sei o que ele pretende.
— Você me ouviu. Deite no meu colo. — Ele segura meu pulso e
delicadamente desenrola meus dedos do degrau enquanto tento tirar os
dele de cima de mim.
— Solte!
— Vai ser mais fácil se você não lutar comigo. — ele diz calmamente,
como se esta fosse uma conversa remotamente normal.
— Você está louco se pensa que não vou lutar com você! — Em um
minuto, estamos em uma luta completa. Bem, eu estou. Estou dando tudo
de mim. Estou de joelhos e ele segura meus pulsos enquanto tento afastá-lo.
Ele facilmente me domina, mas eu vejo o que custa a ele quando ele
estremece. Deve ser a ferida do lado dele. Isso me faria parar, talvez pare
por um momento, mas sei o que ele pretende e tenho que lutar.
— Mais uma chance, gatinha. — ele diz, colocando meus braços nas
costas e segurando os dois pulsos com uma mão. — Deite-se no meu colo e
receba seu castigo.
— Vá se foder! — Eu começo a dizer a ele, mas antes mesmo de
conseguir falar, estou de bruços em seu colo, meus pulsos presos na parte
inferior das costas. Ele usa o cotovelo do braço segurando meus pulsos para
me manter abaixada enquanto tira minha calcinha com a mão livre.
Eu chuto minhas pernas, ele bate na minha bunda com tanta força que
eu me inclino para frente, ofegante. Meu cérebro leva um momento para
processar o que acabou de acontecer. Aperto minhas pernas enquanto
minhas costas ficam retas como uma vareta, aperto minhas bochechas e
cerro os dentes para não gritar.
Ele esfrega o local que acabou de espancar e bate de novo, me
fazendo gritar enquanto cerro os punhos com as mãos. Mais uma vez, ele
esfrega, então se inclina sobre mim, então sua boca está na minha orelha.
— Aqui vai uma dica. Tente relaxar. Vai doer menos. — ele diz,
batendo novamente.
Eu viro minha cabeça para que eu possa vê-lo pelo canto do olho. —
Foda-se e foda-se sua punição!
Um largo sorriso se espalha em seu rosto, eu sinto exatamente o que
me espancar está fazendo com ele quando ele move meu corpo
ligeiramente e seu pau duro pressiona contra minha barriga. Renovo minha
luta, chutando, me contorcendo. Mas ele apenas ri disso, me segurando
com uma mão enquanto ele faz chover o inferno na minha bunda.
— Você está me machucando, porra! — Eu finalmente grito, odiando
porque não quero dar a ele a satisfação enquanto as lágrimas ardem em
meus olhos.
Ele para de bater por um minuto e eu olho para ele por cima do
ombro.
— Se eu não punir você, você não vai aprender. — diz ele, sem
brincadeira em seu tom. Ele bate em cada nádega novamente, eu grito. —
Se você tentar algo assim de novo, se levantar uma arma contra mim ou
contra si mesma novamente, vai perceber como estou sendo fácil com você
esta noite. Você me entende?
— Fácil? Você é um sádico!
Ele espanca. — Você entendeu?
— Sim, imbecil! Pare!
— Essas não são palavras de quem entendeu. — diz ele, pontuando
suas palavras com mais tapas.
Eu cerro os dentes, determinada a aguentar o resto de sua punição em
silêncio, determinada a não dar a ele a satisfação dos meus gritos, mas é
impossível pra caralho.
— Pare. Por favor. Dói. — eu finalmente imploro.
— Esse é o ponto. — ele diz, então me levanta e me senta em seu
colo. Suas calças irritam minha bunda em carne viva. Ele mantém meus
pulsos nas minhas costas, não consigo enxugar as lágrimas do meu rosto.
Santos as afasta, essa mão que acabou de me espancar é tão gentil que me
pergunto novamente como um homem pode ter tantas partes
contraditórias para si mesmo. — Estamos claros, Madelena? — ele
finalmente pergunta de novo, nível de tom. Mas isso é Santos. Controlada.
Mesmo essa surra foi controlada, eu sei no fundo do meu coração que era
ele pegando leve comigo.
— Sim. — eu forço para fora com os dentes cerrados, sentindo não só
a dor da surra, mas o constrangimento dela. Ele afrouxa seu aperto em
meus pulsos, então os libera completamente. Meu rosto queima com a
humilhação, eu rapidamente enxugo qualquer lágrima restante, odiando
que ele tenha me conquistado. — Te odeio.
— Você não. — diz ele, segurando a parte de trás da minha cabeça
suavemente, tomando cuidado com o ponto sensível. Ele me puxa para ele e
me beija, meu coração dispara em confusão, o sangue martelando em meus
ouvidos. Minha respiração falha quando sua língua toca a minha, não
entendo por que estou permitindo isso. Por que estou beijando-o de volta.
Está errado. Eu não deveria me sentir assim, especialmente depois do
que ele fez, mas meu corpo não é meu quando ele me toca, eu o quero. Eu
quero isso, o quero.
Como diabos eu estou excitada?
Ele desabotoa sua calça e muda seu aperto para meus quadris para me
levantar, então estou montando nele. Eu puxo seu suéter, precisando ser
carne a carne com ele. Sou desajeitada, ele me ajuda a puxá-lo. Eu vislumbro
a bandagem em seu lado, mas sou rapidamente distraída quando ele agarra
meus quadris, dedos massageando a carne, e encontra meus olhos antes de
empurrar para dentro de mim.
Esse impulso me fez gritar, a dor intensa, o prazer rastejando ao longo
de suas bordas quase insuportável.
Eu fecho minhas mãos em torno de seus ombros enquanto ele me
leva, me fodendo por baixo enquanto me beija e massageia minha bunda
dolorida.
— Foda-se, Madelena. — ele diz contra meus lábios, mordendo-os
antes de mudar nossa posição, virando-me de costas na cama. Mais uma
vez, eu o vejo estremecer, mas ele apenas geme, empurrando a dor que ele
deve estar sentindo e subindo em cima de mim. Suas estocadas aumentam
de intensidade conforme ele sobe e bate contra mim, balançando em mim.
Eu choramingo e me agarro a ele, solto tão perto. Eu fecho meus olhos
e mordo meu lábio.
— Abra os olhos. — diz ele. — Eu quero observar você. Abra os olhos e
olhe para mim.
Eu faço, nossos olhos se encontram, não sei o que é sobre este
momento porque eu deveria odiá-lo. Depois dessa humilhação, eu deveria
desprezá-lo. Mas quando olho para aqueles olhos escuros, tudo que consigo
pensar é que o quero. Eu quero estar aqui embaixo dele. Quero sentir sua
força ao meu redor. Seu peso em cima de mim. Sinto-me tão estranhamente
perto dele, mais perto do que jamais me senti de outro ser humano.
— Eu vou gozar. — eu grito.
— Goze, querida. Goze pra mim. — Ele morde meu lábio inferior, com
os olhos abertos, eu me desfaço, observando-o enquanto ele me observa.
Ele engrossa dentro de mim e um momento depois, ele está gozando
também, me agarro a ele porque eu quero isso. Não há mais nada no mundo
agora, além disso. Nós assim. Ele e eu sem nada entre nós.
Quando acaba, deito-me sem ossos na cama. Ficamos deitados em
silêncio por um longo momento enquanto recuperamos o fôlego antes que
ele se retire para o banheiro para voltar com uma toalha quente. Ele me
limpa, então me levanta para me deitar de modo que minha cabeça fique no
travesseiro.
Deito-me de costas enquanto ele apoia o queixo no cotovelo e me
olha. Quando uma mão desliza sobre mina barriga em direção às minhas
pernas, acho que ele vai nos cobrir, mas não o faz. Seu rosto fica sério
enquanto seu olhar segue seus dedos. Prendo a respiração e observo o topo
de sua cabeça.
Ele afasta um pouco minhas pernas, as pontas dos dedos traçando as
linhas finas cortadas no alto das minhas coxas.
Eu fecho minha mão sobre a dele para detê-lo. — Não.
Ele encontra meu olhar, mas então, ignorando meu apelo, muda sua
atenção de volta para minha coxa e continua.
Uma lágrima escorre pela minha têmpora.
— O que isso faz por você? — ele pergunta.
Engulo em seco. Como explico isso? Isso não faz sentido. Então, eu
desvio meu olhar em vez de responder.
— Não, Madelena. Olhe para mim. Não se esconda de mim. — Ele toca
minha bochecha para virar meu rosto para ele. — Diga-me.
Eu balanço minha cabeça, mordo meu lábio inferior, sentindo meu
rosto queimar. Sentindo-se exposto.
— Diga-me. Eu quero entender.
— Ele concentra tudo — ouço-me dizer — Torna isso administrável. Eu
acho.
Ele fica quieto por um momento. Acho que ele está processando. —
Quando foi a última vez? — Ele deve ver que não há cicatrizes recentes.
— Um tempo atrás. Dois anos talvez.
— Bom. — diz ele com um sorriso gentil. — Quando você sentir que
precisa cortar, você vem até mim, entendeu?
Eu enxugo as lágrimas. — Então você pode espancar isso de mim? —
Digo meio brincando, meio não sei o quê.
— Talvez. — Ele sorri, afasta minhas mãos e enxuga as lágrimas. — Se
acaba assim, por que não? — Ele beija minha boca, depois a ponta do meu
nariz antes de apagar a luz. Ele puxa os cobertores para nos cobrir. — Estou
feliz que você esteja segura, Madelena.
— Obrigada por vir me buscar. — eu digo, falando sério. Sentindo-o
em meu peito.
Se você pode ouvir um homem sorrir, acho que ouvi. — Boa noite,
minha doce gatinha.
Eu me enrolo nele, me aconchegando em seu peito, sem me importar
com o apelido enquanto ele envolve seus braços poderosos em volta de
mim, descubro que não há outro lugar que eu queira estar agora. Enquanto
ouço a batida de seu coração e sinto o calor de sua pele, não há outro lugar
senão aqui. Não há ninguém além dele.
CAPÍTULO CINCO
SANTOS

Estou sentado na sala, observando o fogo arder na lareira. Eu giro o


anel de insígnia repetidamente em meu dedo enquanto o tempo passa no
antigo relógio de pêndulo.
Depois que Madelena adormeceu, saí da cama e fui buscar as imagens
de vigilância com Odin. Ele a havia escondido no antigo quarto de Madelena
sob algumas tábuas do assoalho. Encontrei um velho diário lá, mas o deixei
sozinho. Quero que Madelena me conte seus segredos. Eu não quero tirá-los
dela.
O que aconteceu entre nós lá em cima foi inesperado. Pelo menos o
que aconteceu depois que eu bati nela foi. Espancar é uma punição fácil e
inofensiva, que a fará pensar duas vezes na próxima vez que ela considerar
fazer algo estúpido que irá prejudicá-la ou a mim. Mas a foda depois não foi
planejada.
Eu estava excitado por espancá-la. Que homem não estaria? Mas eu
não tinha a intenção de transar com ela. Isso confunde a mensagem.
Depois disso veio nossa conversa sobre os cortes. Não sei o que me fez
perguntar ou o que a fez responder.
Sua revelação sobre por que ela faz isso é interessante. Ela não tinha
controle sobre os eventos traumáticos de sua vida, eles continuaram vindo,
uma bola de neve crescendo em uma maldita avalanche e levando-a para
baixo. Não que seu trauma tenha sido do tamanho de uma bola de neve. Ela
não teve tanta sorte. Cortando ela podia controlar. A dor ela podia
controlar. Não tenho certeza se entendo completamente essa imposição de
dor a si mesmo quando não é uma punição, mas de certa forma também faz
sentido.
Se eu pensar nos cortes que fiz nos braços e ombros, foi diferente. Eu
tinha controle, até certo ponto. Aqueles deveriam infligir dor por punição. É
diferente do corte de Madelena centrar a dor, dar-lhe um foco, torná-la
administrável concentrando-a.
Eu respiro fundo e suspiro. Esse capítulo está fechado agora para ela. É
isso que importa. Isso e o fato de que ela me deu aquele pedacinho de si
mesma. Ela me deixou vê-la.
E ela me agradeceu por ter vindo buscá-la. Como se eu não fosse.
Ainda assim, a memória me faz sorrir, pelo menos momentaneamente até
que minha atenção se desloque para o coração perfurado do meu anel. Duas
espadas. Meu pai estava marcando alguma traição? Ele era um homem
forte, e cada golpe contra ele apenas o tornava mais forte, tornava sua pele
mais grossa.
Tornou-o menos indulgente.
A agitação no corredor me fez verificar a hora. É quase uma da manhã.
Ouço a voz do meu irmão perguntando a um dos guardas onde estou, um
momento depois, ele entra na sala.
— Qualquer coisa? — Eu pergunto.
Ele balança a cabeça. — Se ele estava lá, não há nenhuma evidência
física para provar isso.
— Ótimo. — eu digo por que isso será importante para a família Avery.
Ele vai até o bar para se servir de um uísque. — Quer um?
— Não, obrigado. — Não sei por que ele sempre pergunta. Ele sabe
que não vou aceitar. Não que eu não queira. Simplesmente não posso tê-lo.
Ele se inclina contra o bar e bebe. — Você acredita que ele estava lá
em cima? — ele me pergunta enquanto eu o estudo, pensando sobre o que
Madelena me disse que Thiago disse.
— Não sei por que ela inventaria isso. Ela estava muito abalada com
isso.
— Bem, boa viagem, eu digo, certo? — Eu não respondo e ele dá um
gole em seu copo, os olhos fixos em mim. — Não me diga que você vai sentir
falta dele.
— Ele não merecia morrer assim.
— Mas ele está morto. Quer dizer, se for verdade. E é isso que
importa. Uma pessoa a menos para causar problemas.
— Eu vou para a casa de Avery amanhã para ver o que está
acontecendo.
— Eu irei com você.
— Na verdade não. Preciso que você faça alguma coisa.
— O quê?
— Vou voltar para casa com Madelena.
— Oh? — Suas sobrancelhas se erguem em surpresa.
— Será melhor para ela ficar longe do farol.
— E você se importa com isso por quê?
— Porque atormentá-la não nos ganha nada.
— Mas é divertido.
— Não seja um idiota.
Ele dá de ombros. — Só brincando com você. Será mais fácil observá-la
aqui de qualquer maneira. Especialmente quando ela estiver grávida.
Minha mandíbula aperta, levo um minuto para falar. — Quero que
você e mamãe se mudem para os apartamentos da Augustine's.
Ele está a meio caminho de levar o copo aos lábios, mas para. — Por
quê?
A porta da frente se abre então, nós dois olhamos para o corredor
onde ouvimos claramente a voz de nossa mãe. Eu me levanto, enfio as mãos
nos bolsos, aquela conta queimando a porra de um buraco no meu cérebro.
— Mais fácil. Vocês não gostam daqui de qualquer maneira. — digo a ele
enquanto ouço seus saltos estalando no chão.
— Isso é verdade, mas você está nos expulsando por causa dela?
— Quem está expulsando quem? — vem a voz da minha mãe quando
ela entra na sala. Ela está usando um vestido que eu não tinha visto antes.
Eu me pergunto qual designer, mas posso adivinhar o preço.
— Mãe. — diz Caius, engolindo o conteúdo do copo. — Bebida? — Ele
dá a volta no bar para fazer um vodka martini para nossa mãe e se serve de
outro uísque. Ela me estuda enquanto ele carrega sua bebida para ela. —
Santos quer voltar para cá com a mulher. E ele nos quer fora.
Ela pega o copo e se vira para mim, as sobrancelhas franzidas. —
Porque você iria querer isso?
— Qual parte? — Eu pergunto.
— Não seja um espertinho. — ela me diz. — Se você quer morar aqui,
tudo bem. Eu queria isso de qualquer maneira, especialmente quando
passamos para a fase dois.
Eu respiro fundo e me forço a não comentar sobre essa fase dois.
Caius nos observa, quando abro a boca para responder, ele vem para
ficar ao meu lado. — Tenho boas notícias. — diz ele.
Ela ergue as sobrancelhas, surpresa com a interrupção.
— Thiago Avery está morto. — ele diz a ela, me poupando de ter que
responder. Porque a resposta é que quero manter minha esposa longe
deles. Eu sinto isso nas minhas entranhas.
— O quê?
— Acho que essa é uma das razões pelas quais meu irmão quer mudar
sua esposa para cá. Ela foi ao farol ontem à noite depois que eles... tiveram
um desentendimento.
— Você quer dizer depois que ela o esfaqueou. — mamãe diz, me
surpreendendo, mas também não. Cummings deve ter dito a ela que me
remendou. Tanto para a confidencialidade médico-paciente. — Eu ouvi esta
noite. Deixe-me ver.
— Não é nada. Ferida superficial.
Caius bufa.
— Não foi isso que o Dr. Cummings disse. Essa menina é perigosa,
Santos.
— O que você estava fazendo com Cummings? — Eu pergunto.
— Isso é problema meu, não é? Seu pai morreu há dois anos. Eu não
vou responder ao meu próprio filho.
— Ei vocês dois, parem com isso. Brigas internas não são boas,
lembra? — Caius diz casualmente. — Você não quer saber sobre o infeliz
acidente de Thiago?
— Diga-me.
— Aparentemente, ele estava no farol fazendo sabe-se lá o quê e caiu
da borda. — Ele coloca aspas no ar em torno de “caiu”.
Leva um minuto, é como se ela tivesse esquecido o esfaqueamento.
Ela inclina a cabeça e um pequeno sorriso começa a surgir nos cantos de sua
boca.
— Eu irei para a casa dos Avery amanhã, para ter uma ideia do que
está acontecendo lá. — eu digo. — Enquanto isso, ninguém menciona que
ele estava no farol. Não quero que ninguém saiba disso.
— Hmm. — mamãe murmura, tomando sua bebida, pensando. — É
uma reviravolta agradável, não é?
— Um homem provavelmente está morto. — eu a lembro.
— Provavelmente? — Ela olha para Caius em busca de
esclarecimentos, não para mim.
— Nenhum corpo. — Caius completa. — Mas a água estava alta
naquela tempestade. Ele provavelmente foi arrastado para o mar. Acabei de
verificar o farol e o perímetro. Nada.
— Bem, essa não é uma queda que alguém possa sobreviver. Você
ainda acha que sua esposa é inofensiva depois que ela esfaqueou você e
assassinou Thiago Avery? — ela me pergunta.
— Cristo. Ela não matou ninguém. Como Madelena mataria um
homem do tamanho de Thiago? Pense. — Eu bato no meu crânio.
— Você está muito na defensiva. Só estou tentando ajudar. Além
disso, estou preocupada com você — diz ela.
— Bem, não precisa. Estou bem. — Eu empurro a mão em meu cabelo.
— Eu estou indo para a cama. Vou arranjar alguém para tirar as coisas de
Madelena e minhas do apartamento. Não há muito.
Minha mãe me estuda, depois volta o olhar para Caius. — O que você
acha de se mudar?
Caius encolhe os ombros. — Você e eu nunca gostamos muito desta
casa, certo?
— Isso é verdade. — Ela engole a bebida e coloca o copo sobre a
lareira. — Mas é tarde para tomar essa decisão agora. Vou para a cama e
discutiremos isso amanhã. — Ela se vira para sair da sala.
— A decisão foi tomada. — eu digo em termos inequívocos. — Você
começará a fazer as malas amanhã e estará fora até o final da semana.
Ela para, olha de volta para mim, a expressão ilegível. Ela então se vira
para Caius e lhe dá um sorriso. — Acho que é você e eu de novo, garoto.
Ele sorri aquele sorriso encantador dele. — Você e eu.
CAPÍTULO SEIS
SANTOS

Minha mãe está chateada por ter sido convidada a se mudar, embora
ela tenha contratado designers para o apartamento para remodelá-lo
inteiramente ao seu gosto. Amo minha mãe, mas também a conheço. Evelyn
Thomas veio do nada. Ela teve Caius quando estava no final da adolescência
e teve que trabalhar em qualquer emprego que pudesse encontrar para
sustentar a si mesma, seu bebê e seus pais, de quem ela nunca fala. Tanto
quanto eu sei, eles morreram anos atrás.
Quando meu pai a conheceu, Caius ainda era um bebê. Ele se
encantou à primeira vista, e eu entendo. Minha mãe é uma mulher muito
bonita. Mas ela também é uma mulher confortável em manipular todas as
situações para melhor atender seus desejos e necessidades, ela é
incrivelmente protetora com seu filho primogênito.
Eu entendo e não guardo rancor contra meu irmão. Os dois estão
ligados de uma forma que ela e eu nunca estaremos. Tive um pai que me
amou desde o primeiro dia. Meu pai adotou Caius porque queria minha
mãe. Acredito que ela me ama, mas quando meu pai deixou Caius de lado e
o excluiu de seu testamento, as coisas mudaram, entendo a ferocidade de
seu instinto de protegê-lo.
Nos últimos dias em que ela está em casa instruindo o pessoal sobre
como fazer as malas, ela faz questão de me mostrar o quanto está se
sacrificando pelo conforto meu e de minha esposa, a inimiga.
Eu concordo com isso porque é temporário e é mais fácil assim. Além
disso, tenho coisas mais importantes para resolver no momento.
Val e eu paramos nos portões da propriedade Avery ao longo da
periferia da cidade no final da tarde, dois dias após o incidente no farol. Não
houve nenhum contato de Thiago. Essa mensagem que enviei ainda não foi
entregue em algum lugar do espaço sideral. Mais duas ligações para Addy
não resultaram em nada.
Val desacelera o carro enquanto chegamos aos portões. As câmeras de
segurança em cada pilar dão zoom em nossos rostos, fico surpreso quando
os portões se abrem antes de termos que nos anunciar aos dois soldados
armados que se aproximam da guarita. Nós dirigimos em direção à entrada
da casa opulenta enquanto eu observo o terreno, vendo na minha periferia
o fechamento dos portões e os dois homens parados do lado de fora da
guarita observando, rifles automáticos pendurados nos ombros.
A casa em si é uma estrutura de pedra em estilo francês. É linda, com
certeza, imagino que o interior seja tão luxuoso quanto a nossa. Tenho
certeza de que Bea Avery não aceitaria nada menos do que o melhor. Eles
podem pagar. O Comandante era um homem muito rico - o tipo de riqueza
que só se pode adquirir no ramo de trabalho em que ele trabalhava. O ramo
de trabalho em que minha família está.
Somos todos criminosos, não importa o quanto tentemos limpar o
sangue de nossas mãos.
— Espere aqui por mim. Eu não devo demorar muito. — eu digo a Val
uma vez que ele puxa o SUV para uma parada.
— Tem certeza disso? — ele pergunta, olhando para a entrada da
frente, cuja porta acaba de ser aberta.
— Eu vou ficar bem. — eu digo, observando Camilla e seu irmão
assustador saírem.
Saio e percebo os guardas armados na porta, que avançam enquanto
subo as escadas.
— O revistem. — Camilla ordena.
— Isso não é necessário. Estou desarmado.
— Nós não acreditamos em você. — ela diz, cruzando os braços sobre
o peito como sempre fazia porque ainda é uma pirralha de merda.
Antes que eu tenha a chance de responder, Bea Avery aparece. Ela
está usando um vestido preto e seus longos cabelos loiros estão soltos nas
costas. Ela ainda é atraente, mas deve estar ciente de que a beleza de sua
filha superou a dela.
— Não seja criança, Camilla. — diz Bea. Ela leva à boca o cigarro que
está segurando na piteira gravada em prata vintage e seu olhar se move
sobre mim. — Santos. Que surpresa. Entre.
Ela se afasta e os gêmeos entram na casa para que eu possa passar
pela porta. Eu noto outro soldado dentro da casa. O Comandante nunca
teve tantos homens armados tão visivelmente presentes. Thiago também
não.
Isso é porque ele se foi.
Assim que entramos, Bea Avery abre caminho para uma sala de estar
formal e se senta em uma poltrona perto da lareira. Ela não me convida para
sentar enquanto Camilla e Liam se sentam no sofá. Isso é bom. Não
pretendo ficar muito tempo. Além disso, isso é como nos velhos tempos.
Para eles, eu sou um servo. Aquele que lida com sangue, mas ainda assim
um servo.
— Estou aqui para ver Thiago. — eu digo categoricamente e os
observo de perto. Vejo como Liam olha para a irmã em busca de uma pista
de como reagir, vejo os olhos de Camilla se estreitarem acusadoramente e
observo o olhar frio de Bea Avery não se desviar de mim nem uma vez.
— Você está? Bem, lamento dizer que ele não está aqui.
— Não? Quando você espera que ele volte para casa? Eu voltarei.
— Por quê? Que negócios você tem com ele?
— Isso é entre nós.
Ela me estuda enquanto dá uma tragada no cigarro. — Qualquer
negócio que você tenha com meu filho é um negócio que você tem comigo.
— Até onde eu sei, Thiago é o chefe desta família desde a infeliz
ausência do Comandante. — Eu adiciono a última parte com um sorriso que
eu não gosto de sentir e um olhar para os gêmeos.
— Você quer dizer desde o assassinato dele? — Liam pergunta.
— Cale a boca. — sua mãe o castiga, exalando fumaça de cigarro
enquanto fala e parecendo a porra do dragão que ela é. — Meu filho estava
a caminho para jantar em seu clube há duas noites, mas infelizmente ele
nunca apareceu e não o vimos desde então. Ele parece ter desaparecido da
face da terra, de fato. Você não saberia nada sobre isso, não é?
Eu levanto minhas sobrancelhas. — Oh? Ele ligou?
— Claro que não. Eu não sou burra, Santos.
— Espero que ele não tenha desaparecido como o pai. Você tem um
talento especial para fazer as pessoas desaparecerem, não é? — Camilla
pergunta em um tom doce e doentio que me dá nos nervos.
— Aprendi com os melhores. — digo a ela.
Ela me dá um fora.
— Bem, se você puder avisar Thiago que vim vê-lo quando ele voltar,
eu agradeceria.
Bea está enrolando uma longa mecha de cabelo no dedo. Sempre me
perguntei sobre ela. Apesar de saber exatamente que tipo de homem era
seu marido, ela era devotada a ele de uma forma estranha e não natural.
Eles tinham uma dinâmica entre eles que era puro ódio em sua essência,
mas nenhum estava disposto a deixar o outro ir, como se o sofrimento do
outro tivesse precedência sobre sua própria felicidade. Eu nunca entendi
isso. Eu vi com meus próprios olhos como ele a tratava e ela sabia bem
quantas mulheres ele levava para a cama.
Também vi o que aconteceu com aquelas de quem ele gostava
particularmente quando sua esposa ficava sabendo.
Bea Avery sorri, me pergunto se meu rosto revela minha repulsa ao
lembrar do que ela é capaz. — Camilla, acompanhe o Santos.
— Sim, mãe. — Camilla diz, levantando-se. Ela odeia a mãe, mas
também tem medo dela. Acho que o medo e o Thiago são as duas únicas
coisas que mantêm a pequena psicopata na linha.
— Eu posso sair sozinho.
Como se não tivesse ouvido, Camilla dá um passo em minha direção,
ficando muito perto. Ela sorri, então desliza sua mão na minha. Quando tiro
a minha, ela passa o braço pelo meu e me segura com força enquanto me
leva para fora da sala e pelo corredor em direção à porta da frente. Seu
perfume familiar é enjoativamente doce, prendo a respiração porque me
lembra demais do passado. Da minha vida quando morei com essa família.
Do tipo de homem que me tornei durante aqueles anos.
Pouco antes de chegarmos à porta da frente, porém, ela se vira para
outra que um guarda está parado na frente e ela acena para ele abri-la. Ele
faz.
Eu levanto minhas sobrancelhas.
— Não quero ser interrompida, entendeu? — ela diz a ele em um tom
que não é malcriado nem nada parecido com seu tom normal. Eu estudo
Camilla Avery, imaginando como a dinâmica de poder da família vai mudar
agora que Thiago se foi.
— O que você quer, Camilla? — Pergunto quando ela fecha a porta e
estamos sozinhos em uma pequena biblioteca.
Ela deixa seu olhar se mover sobre mim, então tira fiapos inexistentes
do meu ombro. — Você parece bem, Santos. Você está envelhecendo bem.
Reviro os olhos. — Bom se ouvir. Agora, se me der licença. — Eu sigo
em direção à porta.
— Eu sei para onde ele estava indo. — diz ela.
Eu olho para trás, mantendo minha expressão mais divertida do que
qualquer outra coisa. — Com licença?
— Sua esposa é bonita. — ela começa assim que sabe que tem minha
atenção. Ela atravessa a sala para se jogar casualmente em uma poltrona
enorme. Ela pendura as longas pernas sobre um braço e deixa um sapato de
salto pontudo pendurado na ponta dos pés. — Você transa com ela ou deixa
seu irmão fazer isso como você costumava fazer com os presentes que papai
lhe mandava?
Presentes.
Mulheres.
Seres humanos.
Mas esta família nunca foi incomodada por tais distinções. Eu sei que
uma das razões pelas quais estar perto deles me impacta tão visceralmente
é que, por um tempo, eu me tornei como eles… e isso é uma coisa
assustadora de se ver em si mesmo.
Eu estreito meu olhar, minha mandíbula apertando, mas eu não
respondo. Ela sabe que nunca fodi nenhuma das mulheres que seu pai
enviou como recompensa. Ela também sabe que Caius fez. Camilla sempre
teve um jeito de descobrir as coisas, quase como se tivesse seu próprio
sistema de espionagem todos esses anos. Eu me pergunto se todos nós não
a subestimamos.
— Espero que não se importe que eu pergunte. Sou tão curiosa. — Ela
deixa seu olhar deslizar sugestivamente sobre mim.
— Você está fora de linha.
— Eu estou? É só uma pergunta. Você sabe que eu costumava me
perguntar se você não conseguia levantar, mas então eu ouvia você algumas
noites. — Eu deveria sair. — Sufocando seu pau até a morte quando eu
felizmente teria lhe dado prazer com minha boca. Ou qualquer outro
buraco.
Eu tento esconder minha surpresa com a grosseria dela, que é tão
oposta à aparência perfeita de boa menina que ela tem. — Meu pau teria
murchado e morrido assim que sua língua venenosa o tocasse. Com licença.
— Aposto que ela gosta de tirar isso dele. — diz ela inocentemente. —
Você assiste?
Acabei de colocar minha mão na maçaneta, embora devesse saber
melhor, embora todo instinto seja ir embora, eu reajo. Porque algo sobre o
pensamento de Caius tocando Madelena me deixa louco pra caralho. Antes
que ela possa pronunciar outra palavra, eu estou sobre ela, a coloco de pé,
minha mão em volta de sua garganta.
— Você não fala sobre minha esposa. Você não pensa na minha
esposa. Pensamentos sobre ela nunca passam por sua mente doente.
Entendeu?
Ela agarra meu antebraço, seu rosto ficando vermelho, olhos muito
arregalados. Eu afrouxo meu aperto, em seguida, libero-a completamente
antes de matá-la, porra.
Um canto de sua boca se curva para cima, ela lambe os lábios daquele
jeito que um predador lambe os dele antes de fechar suas mandíbulas ao
redor da garganta de sua presa.
— Você quer dizer pensamentos sobre sua esposa em geral ou
pensamentos sobre seu irmão transando com sua esposa?
Meus punhos cerram ao meu lado.
— Caius é muito talentoso com a língua. Tenho certeza que ela está
gostando... — Ela grita quando eu a pego pelo pescoço novamente e desta
vez, a empurro contra a parede.
— Você é filha de seu pai. Não é de admirar que ele estivesse tão
orgulhoso de sua pirralha psicopata. — Eu dou mais um aperto, ouço o som
estrangulado que ela faz antes de deixá-la cair no chão e me virar para ir
embora.
— Thiago recebeu uma ligação antes de sair. — diz ela, com um tom
áspero e não tão composto quanto momentos atrás.
Faço uma pausa, então decido continuar andando. Ela está brincando
comigo.
— Algo sobre uma reunião no farol. — acrescenta ela.
Isso me faz parar e fechar os olhos com força. Porque porra.
— Você sabia que quando eu ouvia você se masturbar, eu me
dedilhava e imaginava que era você me fodendo? — ela pergunta, toda
doçura novamente.
Eu olho de volta para ela. Ela está de pé e enrolando o cabelo como
sua mãe fazia momentos atrás. — Eu o ouvi. Ele ia encontrar alguém no
farol. E agora ele se foi. Era você que ele ia encontrar? Você o fez
desaparecer como fez o papai desaparecer?
— Você está mentindo.
— Eu acho que você sabe que eu não estou. Mas há uma pergunta
mais importante que você deveria estar me fazendo, não acha?
— O que é isso?
— Como posso saber o quão bom Caius é com a língua? — Ela me
observa de perto enquanto sorri como a porra do predador que ela é. Ela
desliza uma mão sobre o mamilo pontiagudo sob a blusa e desce pelo
abdômen até o cós da calça jeans. — Eu vou te dizer outra coisa também.
Ele é ainda melhor com seu pau.
CAPÍTULO SETE
MADELENA

Os próximos dias passam tranquilamente. Eu passo muito tempo


dormindo. Não sei se é porque aquela noite no farol cobrou seu preço ou
por causa do galo na cabeça - ou pode ser porque Caius e a mãe dele estão
fazendo as malas por aí, prefiro evitar os dois. Santos aparentemente está
mudando-os de casa para o apartamento de Augustines, ele e eu estaremos
morando aqui.
Confesso que gosto da ideia de não estar perto do farol. Assim como
quando ele me mandou para a faculdade, é um alívio para mim. Além disso,
eu gosto desta casa. Lembro-me de quando era pequena. Pertenceu à
família Valerian anos atrás, mas caiu em desuso quando eles perderam seu
dinheiro, eventualmente, o último deles desapareceu. Também não
faltaram rumores sobre o que aconteceu com eles.
Quanto a casa, sempre houve histórias de que pelo menos um dos
desaparecidos da família havia sido assassinado nela e ainda assombrava o
local. É um antigo gigante de estilo gótico e algo que sempre achei bonito,
mesmo quando caiu em decadência.
Espero que Santos me dê meu próprio quarto. Presumi que estava
dormindo no dele até que um fosse feito para mim, mas a governanta que
veio me ajudar a desfazer as malas me informou que eu deveria desfazer
minhas malas aqui. Estou surpresa, mas não infeliz com isso. Sinto-me mais
segura com Santos por perto e estranhamente ansiosa quando ele não está.
Eu sei que o que aconteceu entre nós na outra noite tem muito a ver com
isso, especialmente a pergunta dele sobre os cortes. Foi do jeito que ele
pediu. Ele parecia realmente querer entender, de certa forma, contar a ele
me ajudou a entender.
A surra também foi íntima, embora eu ainda não tenha certeza de
como fiquei excitada. Sentindo um rubor subir pelo meu pescoço com a
memória, eu mudo minha atenção para a tarefa em mãos.
Deixei a porta do quarto entreaberta, então tenho certeza de ouvi-lo
quando ele voltar. Ele está visitando a família Avery para saber o que eles
sabem. A imagem de Thiago passando do limite ainda me assombra e
sempre que fecho os olhos, vejo aquela mão em seu peito, ouço o grunhido
da respiração, o grito.
Na noite em que Caius foi ao farol procurar algo relacionado a Thiago,
voltou com a notícia de que não havia indícios de sua passagem por ali e
muito menos de seu falecimento. Ele não me contou isso, mas Santos me
transmitiu.
Independentemente disso, eu sei o que vi.
Thiago não merecia morrer assim. Ninguém sabe - e não vou esquecer
o fato de que ele salvou minha vida. Não sei se Santos acredita em mim ou
se acha que de alguma forma eu imaginei, como Caius, mas não me importo.
Eu não vou esquecer.
Estou desempacotando meus artigos de toalete no banheiro quando
ouço a porta do quarto fechar. Presumindo que seja Santos, saio correndo,
mas paro quando encontro Caius parado no quarto. Ele coloca uma caixa na
cama e se vira para pegar a outra do homem que a carrega.
— Toque-toque. — ele diz para mim, em seguida, dispensa o outro
homem, que fecha a porta atrás dele quando ele sai.
Fico tentada a ir até lá e abri-la, mas Caius está me observando e não
quero parecer fraca. Então, em vez disso, respiro fundo e coloco as mãos
nos bolsos para fazer algo com elas. — O que você está fazendo aqui? — Eu
pergunto.
— Entregando suas últimas coisas. — Ele aponta para as duas caixas.
Saindo de uma delas está a caixa trancada que encontrei quando estava
mexendo no armário de Santos no apartamento em nossa noite de núpcias.
Ele segue meu olhar em direção a ela. — Isso não deveria estar aqui. — diz
ele, levantando-a e colocando-a na cama. — Você reconhece?
— Não. — eu minto e caminho até minha mochila quase vazia,
pegando-a e me ocupando com os cadernos deixados dentro. Eu não ia
desempacotar meus cadernos de desenho daqueles dois anos na faculdade,
mas preciso ter algo para fazer até que ele vá embora. Eu os empilho sobre
a mesa e fecho a mochila vazia.
Caius me surpreende quando vem olhá-los. — Esboços, certo?
Eu coloco minha mão sobre a pilha quando ele pega um. — Eles não
são nada. Apenas trabalhos escolares.
— Você é muito boa. — diz ele.
Olho para ele com o canto do olho. — Como você sabe?
— Meu irmão me mostrou alguns dos que você mandou para ele. —
Ignorando minha óbvia tentativa de impedi-lo de pegar um dos cadernos,
ele faz exatamente isso.
— Ele fez?
— Sim. — Ele folheia as páginas. — Eles o fizeram sorrir. — diz ele,
olhando para mim momentaneamente, depois voltando sua atenção para o
meu livro. — Ele não faz isso com frequência suficiente, mas você conseguiu.
Ele empurra o cabelo para trás quando ele cai para frente, por algum
motivo, ao vê-lo, ao ver sua mão grande, me faz dar um passo para trás. Não
sei por que faço isso, mas ele percebe. Ele olha para mim, as sobrancelhas
levantadas em questão. Ele sorri com um canto da boca e aquela covinha se
forma em sua bochecha. Ele é tão diferente de Santos na aparência,
igualmente bonito, mas de uma maneira cativante, de um jeito inofensivo
tipo garoto da casa ao lado. Embora eu saiba no meu íntimo, ele é tudo
menos inofensivo.
— Eu te assusto, Madelena? — Ele pergunta, dando um passo em
minha direção. — Ou é outra coisa?
— O que seria? — Eu pergunto, mantendo minha posição.
— Então, eu te assusto.
— Não. Isso não foi o que eu quis dizer. — Eu limpo minha garganta.
— Não gosto que ninguém olhe para o meu trabalho. Não é realmente para
isso.
— Oh? Então para que serve senão para ser visto?
Eu dou de ombros. — Era só escola.
— Você não foi à escola para estudar arte para se tornar uma artista?
Ou eu estou esquecendo de alguma coisa?
— Posso ter isso de volta? — Aponto para o caderno.
— Sabe quais são os meus favoritos? Aqueles de vocês mostrando o
dedo pro meu irmão. — Ele estende o caderno. Estendo a mão para pegá-lo,
mas ele o segura, forçando-me a olhar para ele.
— Por que você gosta de foder comigo? — Eu pergunto a ele
abertamente porque foda-se ele.
Ele sorri, então solta. — Gosto de você. Você é divertida. E acredite ou
não, acho que você é boa para o meu irmão.
— Acho que você não gosta de mim, Caius.
— Então talvez você deva dedicar algum tempo para me conhecer e
perceberá seu erro.
— Como está Ana?
Suas sobrancelhas se erguem. — Ana? — Ele dá de ombros. — Bem eu
acho. Conte-me algo. Você enviava esses esboços para ele uma vez por mês.
Por quê?
Santos realmente contou tudo isso a ele? Ele mostrou todos a ele? O
que mais ele disse a seu irmão?
— Bem, ele queria cartas. — eu respondo com sinceridade porque
realmente não importa. Nem sei por que ele está perguntando, mas se eu
conheço Caius, ele tem uma agenda. — Eu tinha pouca escolha no assunto e
controlava o que podia. Então, em vez de cartas, ele recebeu esboços.
— Veja. — diz ele, apontando o dedo com um sorriso como se ele e eu
estivéssemos compartilhando alguma piada interna. Ele se move para trás e
se senta na beira da cama. — É por isso que eu gosto de você. Você não faz
exatamente o que lhe dizem. Não sem um pouco de atrevimento.
O olhar de Caius se move para aquela caixa trancada e vejo como sua
expressão escurece, seus olhos brilhantes ficam um pouco mais escuros,
ficando um pouco mais tristes.
— Vou levar isso para baixo e sair do seu caminho.
— O que há nela? — Eu pergunto antes que eu possa me impedir.
— Ele é sentimental, meu irmão. — diz ele, tocando a caixa. — Gosta
de suas amigas por correspondência. Você não saberia disso olhando para
ele.
— O que você quer dizer?
— Nada que seja da minha conta. Vou levá-la ao escritório dele.
— Mas você fez disso o seu negócio, e você claramente trouxe isso
para enviar alguma mensagem, então vá em frente e acabe com isso. — eu
digo abertamente porque Caius Augustine é um filho da puta manipulador –
e eu quero dizer puta. Não é possível que aquela caixa tenha chegado aqui
por acidente ou coincidência. Não existe tal coisa onde ele está preocupado.
A expressão de Caius muda, depois fica séria. Ele me estuda por um
longo minuto antes de um pequeno brilho iluminar seus olhos. — É justo. —
diz ele. — Você quer que eu seja direto? Ok, eu vou ser direto. Ele se
preocupa com você, o que significa que você pode machucá-lo, ele já foi
ferido o suficiente por toda a vida. Claro o suficiente?
— Isso é algum tipo de ameaça?
Ele suspira. — O que ameaçar você me traria? — Ele balança a cabeça,
então caminha ao meu redor para chegar à caixa, batendo no meu ombro
em seu caminho, embora haja muito espaço para passar. — Você sabe que
somos meio-irmãos, certo? — ele pergunta. Ele pega a caixa e vai até a
porta.
Eu o sigo. — O que isso tem a ver com alguma coisa?
— Vamos apenas dizer que eu sou a metade indesejada.
A maneira como ele diz isso me faz parar. Isso não é o que eu estou
esperando.
— Toda a minha vida eu lidei com pessoas que não me querem. Não
confiam em mim. Não sendo bom o suficiente para ninguém. — ele começa
de costas para mim, então me encara quando chega à porta. — Quando as
pessoas continuam assumindo o pior de você, você fica com uma pele
grossa. O problema é que isso o torna um pouco menos humano. E acho que
essa parte menos humana é tudo que você vê quando olha para mim. É uma
vergonha. — Ele gesticula para que eu abra a porta e continua antes de eu
me mexer: — Sou o resultado de uma decepção coletiva, Madelena. Você
pode relatar? — Outra pausa. — Mas meu irmão sempre esteve lá para
mim. Ele nunca me julgou, pensou qualquer coisa de mim que não diria na
minha cara. Isso significa muito para mim, sou leal a ele e muito protetor
com ele.
— Eu não iria machucá-lo. — eu digo me sentindo na defensiva.
— Você sabe sobre o Comandante. Mas você não sabe o que colocou
Santos sob o controle daquele bastardo. — Eu prendo a respiração e espero
e um momento longo o suficiente se passa e não tenho certeza se ele vai
continuar, então fico surpresa quando ele o faz. — Ele não tinha nem
dezoito anos quando encontrou a garota que amava assassinada, a palavra
puta escrita com o próprio sangue dela em sua barriga.
— O quê? — Encontro-me cobrindo minha boca com uma mão e meu
estômago com a outra.
— Ela estava nua, com as pernas bem abertas. Encenado dessa forma
depois de sua morte, como se o assassino quisesse que ele a encontrasse
naquela posição degradante.
Eu inclino meu peso contra a parede. — Oh Deus.
— O pai dela a matou na noite em que descobriu… — ele faz uma
pausa, balança a cabeça. — O Santos chegou horas atrasado e se culpou. E
então ele se vingou.
— Ele matou o pai dela.
Caius assente. — Então você sabe de uma coisa.
— Só isso.
— Esse ato fez com que sua vida mudasse para sempre - inferno, todas
as nossas vidas mudassem para sempre - porque o Comandante interveio.
— O que aconteceu?
— Os próximos cinco anos são muito feios para os seus ouvidos,
receio. Se você abrir a porta, eu irei.
— Por que você me disse isso? — Pergunto, bloqueando sua saída.
— Abre a porta, Madelena.
— Por quê?
Ele suspira. — Porque ele não vai. Ele quer proteger sua noiva
inocente. Mas você deve saber o quão danificado ele está. Isso, o que acabei
de dizer, é a ponta do iceberg. E ele não merecia nada disso. Nem um pouco.
Ele costumava ser bom. Eu deveria ter feito mais para protegê-lo do
Comandante. Afinal, eu era seu irmão mais velho. Mas não o fiz. Como o
próprio Santos, eu também falhei. Mas não vou falhar de novo. Então, acho
que o motivo pelo qual estou contando é para que você saiba de onde ele
vem, o dano que fez dele o que ele é.
— Como eu disse, eu não iria machucá-lo.
— Bom. Porque se você fizer isso, eu vou te machucar.
CAPÍTULO OITO
SANTOS

Depois de confirmar que Caius está a caminho do Augustine's, Val e eu


vamos para lá. Encontro mamãe parada no meio do que antes era uma sala
de estar organizada, olhando várias amostras de tecido para novas cortinas
que ela aparentemente mandou fazer.
— O que havia de errado com as antigas - que, aliás, eram novas?
— Nada. Apenas não é meu estilo. Você quer que eu fique confortável,
não é? Já que você está me mudando para fora da minha própria casa.
— Claro que sim. — eu me forço a dizer. Estou ficando sem paciência
com essa pobre rotina. — Cadê o Caius?
— Eu não sou a guardiã dele, caso você não tenha notado. Ele é um
homem adulto.
— Ele deveria estar aqui.
— E ele não está, mas eu estou. Estou feliz em vê-lo, a propósito. Você
não está feliz em me ver?
Com um suspiro, vou até a cozinha e pego uma garrafa de água com
gás na geladeira.
— Você está de mau humor. — diz ela. Ela se vira para a designer, que
está fazendo anotações em seu laptop. — Vá buscar os tecidos no quarto,
certo? — ela pergunta à mulher.
— Sim, Sra. Augustine. — diz a designer, pegando a dica.
Depois que ela sai, mamãe caminha em direção ao balcão que divide a
cozinha das salas de estar e de jantar. — Como foi sua visita aos Averys?
Antes que eu responda, a porta se abre e meu irmão entra. Ele para na
soleira, não tenho certeza se está surpreso de me ver aqui ou se é o estado
do lugar que o impede.
— Cristo. — murmura, tirando o casaco e pendurando-o no armário
antes de entrar, fazendo questão de dar passos exagerados em torno de
várias caixas e móveis que o designer deve ter trazido. — Há espaço para
mim? — ele pergunta em tom de provocação. Ele vai até a cozinha e abre a
geladeira. — Estou com fome. Alguém quer um sanduíche?
— Não, obrigado. — eu digo enquanto meu irmão pega os
ingredientes de um sanduíche de rosbife, que ele começa a montar.
— Santos estava prestes a nos contar sobre sua visita à casa dos Avery.
— diz a mãe.
— Como foi? — Caius pergunta enquanto passa mostarda no pão,
pega o sanduíche e dá uma mordida enorme. — Mmm. Vocês têm certeza
de que não querem?
— Limpe a boca. — Mamãe lhe entrega um guardanapo. Tenho
certeza que ele faz isso para irritá-la.
— Você e eu precisamos conversar. — digo a Caius.
— Espere. — mamãe interrompe. — O que aconteceu? Eles suspeitam
de alguma coisa?
— Bem, Camilla aparentemente ouviu Thiago marcando um encontro
no farol.
— Claro que seria aquela putinha a ouvir isso. — mamãe diz.
Caius murmura uma maldição com a boca gigante. — Então, eles
sabem que ele estava lá fora? — ele finalmente pergunta depois de engolir.
Eu balanço minha cabeça. — Aparentemente, apenas Camilla ouviu a
conversa, não parece que ela contou a alguém.
— Ainda não. — mamãe diz. — Tenho certeza que ela tem um plano.
Esperando o momento perfeito para causar o maior dano.
— Se eu conheço Camilla, ela vai ver como isso se desenrola para ela.
— diz Caius. — Thiago e Bea são as únicas pessoas capazes de mantê-la na
linha. Ela pode querer Thiago fora do caminho tanto quanto nós.
— O que você sabe sobre Camilla? — Eu pergunto, preso nisso.
Caius se vira para mim, confuso. Ele me estuda por muito tempo antes
de responder: — Além de ela ser uma porra de uma psicopata, você quer
dizer?
— Ele está certo. — mamãe entra na conversa. — Ela vai esperar.
Aguarde seu tempo. Quero ver o que Bea faz. Ela é quem deve ficar de olho
agora. De nada servirá para ela espalhar sua versão da história, não agora,
não sem Thiago para arcar com as consequências. Só precisamos garantir
que ela e Camilla saibam exatamente quais seriam essas consequências,
mais cedo ou mais tarde. Não podemos dar a eles uma chance de se
reagrupar.
— Quais seriam exatamente as consequências, mãe? — Eu pergunto.
Ela me dá um olhar exasperado. — Essa não é a sua área de
especialização?
— Minha área de especialização? — Eu pergunto, sentindo minhas
sobrancelhas se levantarem enquanto me pergunto sobre o significado dela.
É por causa do que fiz, do que tenho experiência em fazer? A violência que
cometi?
— Não sei. Trabalho de homem, quero dizer. Não é isso que seu pai
costumava dizer? — ela retrocede.
Com a morte de Thiago, a família Avery ficará vulnerável - pelo menos
até descobrirem que ele não voltará e se reorganizarem. Não tenho dúvidas
de que Bea Avery conseguirá assumir o cargo de chefe de família, mas levará
tempo. Ela trabalha melhor nos bastidores. Camilla é jovem, imatura e
mimada. Para ela, qualquer coisa que tenha a ver comigo é pessoal. Mas eu
vi como ela comandou aquele soldado mais cedo, acho que ela deve ficar de
olho porque ela pode ser a mais astuta de todas... sem mencionar a mais
perigosa.
— Vá cuidar de suas cortinas. — digo a ela. — Caius. Vamos conversar.
Eu me viro para caminhar em direção ao meu escritório. Bem, o
escritório de Caius agora, eu acho. Ele segue e vejo o rosto de mamãe pouco
antes de fechar a porta.
— Que porra é essa na sua bunda? — Caius pergunta.
— Vou fazer uma pergunta e espero uma resposta honesta.
— Porque eu costumo mentir para você? — ele pergunta, em tom
sarcástico.
Eu o encaro. — Você já tocou em Camilla Avery?
Ele leva um minuto e parece quase como se tivesse sido atingido
fisicamente. Suas sobrancelhas praticamente desaparecem na linha do
cabelo, e ele olha para mim em total descrença.
— Que porra você acabou de me perguntar?
— Se você alguma vez a tocou. Fez qualquer coisa com ela.
— Camilla Avery? Você está me perguntando se eu comi Camilla
Avery?
Concordo com a cabeça, mandíbula apertada, odiando isso.
— Eu não posso, porra… — Ele balança a cabeça, murmurando a
última parte. Ele enfia a mão no cabelo. — Não, eu nunca toquei naquela
cadela. Ela é a porra do veneno. Por que diabos você acha que eu fiz isso?
— Tem certeza, Caius? Porque ela mencionou algo.
— O que ela mencionou?
— Se você fez alguma coisa com ela, qualquer coisa, agora é a hora de
confessar.
— Não tenho certeza de quantas vezes posso dizer não. Ah, e a
propósito, foda-se! — Ele se vira para a porta. — Eu não tenho que ficar aqui
e aceitar isso, seu filho da puta. Tudo que eu já fiz foi proteger você e o quê?
Você vai até lá, ela vomita um pouco de veneno e você o come? Você é tão
ingênuo ou eu sou tão indigno de confiança? É assim que você pensa pouco
de mim? De nós?
— Arregace as mangas e estique os braços.
— O quê?
— Faça isso. Arregace as mangas e estique os braços.
— Você é louco pra caralho, sabia disso? — ele diz. Balançando a
cabeça o tempo todo, ele faz o que eu digo, arregaçando as mangas do
suéter. Ele estende os braços.
E foda-me.
Porque bem ali, exatamente onde deveria estar, está aquela pulseira.
CAPÍTULO NOVE
SANTOS

O sangue corre em minhas veias, o som é um rugido em meus ouvidos


enquanto olho para aquela porra de pulseira por uma eternidade. Eu
esfrego meu rosto, coloco minha mão em volta do meu pescoço e me viro,
batendo meu punho contra a mesa com tanta força que tudo em cima dela
chacoalha.
— Que porra é essa, Santos?
Eu balanço minha cabeça. Como pude pensar que era Caius? Como eu
poderia pensar que era meu próprio irmão lá em cima? Que ele mentiu para
mim? Que ele mata um homem e ignora como se não fosse nada?
Eu deveria saber melhor. Devo lembrar que sou o único em nossa
família capaz disso. Ele nunca foi tão longe.
Ele bate a mão no meu ombro. — Eu acho que você me deve uma
maldita explicação, não é?
— Eu preciso de uma maldita bebida. — Eu olho ao redor da sala, mas
tudo que vejo são caixas e caixas e mais malditas caixas.
— Vamos para o bar. Não consigo achar nada aqui. — diz Caius.
Eu ando rigidamente ao lado do meu irmão. Minhas mãos estão
enterradas dentro do meu bolso, aquela maldita pedra ali. Bem porra lá.
Não nos falamos no elevador. O saguão está moderadamente cheio de
homens vindo para jogos de cartas ou reuniões de conselho e senhoras a
caminho de algum almoço para algum evento de caridade ou chá ou o que
quer que os ricos ociosos façam para preencher seus dias.
Caius lidera o caminho para o bar escuro e elegantemente decorado.
Um fogo ruge na grande lareira de calcário situada no centro da parede dos
fundos. Cabines com encosto alto ao longo das paredes oferecem
privacidade. A própria barra de mogno abrange o comprimento de uma
parede. Copos de coquetel de cristal estão pendurados de cabeça para baixo
logo acima, atrás deles, prateleiras de vidro iluminadas de cima carregam
todas as bebidas conhecidas pelo homem.
Caius gesticula para o barman e nos leva até a mesa mais distante. Eu
deslizo na frente do meu irmão, enfio a mão no meu cabelo e penso que
idiota eu sou. Como pude suspeitar que meu irmão havia assassinado Thiago
Avery?
Porque é nisso que isso se resume.
Eu encontro seus olhos. Não falamos até que uma garrafa de uísque e
dois copos são colocados diante de nós e o barman sai. Caius serve para nós
dois e eu engulo o meu antes que ele pegue seu copo.
— Ok, o que diabos está acontecendo?
Eu não posso dizer a ele. Não sobre a conta, não que eu suspeitasse
que ele assassinou Thiago.
— Camilla. Ela disse algumas coisas.
— Sim, você mencionou. Comece do começo.
— Ela sugeriu que você estava com ela. Sexualmente.
— Oh, ela sugeriu isso? Ela é uma mentirosa, mas isso não é novidade
para você, é? Eu não tocaria naquela mulher com uma vara de três metros.
— Ele estende a mão e puxa a parte de trás da minha cabeça em sua
direção. O gesto é agressivo, quase violento, eu o mereço. — E você sabe
disso, porra. Então, que porra mais está acontecendo?
Quando ele se recosta, pego a garrafa e me sirvo de um segundo copo,
o ardor do primeiro tendo desaparecido rápido demais.
— Jax Donovan estava morto quando cheguei lá.
— Já sabia disso.
— As imagens de segurança foram apagadas.
— Novamente, velhas notícias.
— Exceto que não estava. Há um vídeo meu na casa.
Isso o detém. — Merda.
— Sim, merda.
— Isso foi destruído. — diz ele.
— Aparentemente não. A pessoa que tem essa filmagem, que
provavelmente matou Jax Donovan, enviou uma foto minha saindo da casa
de Donovan para Madelena logo antes do casamento. É por isso que ela
estava tão fora de si. Muito chateada. Ela pensou que eu tinha matado o tio
dela.
— Se ela viu você saindo de casa na noite em que ele foi morto, eu
entendo.
— Bem, para minha sorte, agora tenho uma cópia de todas as
filmagens.
— Por que sorte para você?
— Há uma coisa que o assassino não sabe. — Os olhos de Caius se
estreitam enquanto ele espera que eu tire meu telefone do bolso e vá até a
imagem que acabei de mostrar a Odin. Viro o telefone para ele. — Quando
vi o corpo de Donovan na piscina, tirei uma foto. É carimbo de tempo. Foi
três minutos depois que eu entrei.
— Oh? — Ele pega meu telefone e aumenta o zoom. — Ótimo. Isso foi
inteligente. Vai pelo menos provar que você não poderia ter feito isso. — Ele
devolve o telefone. — Você não sabe quem mandou a foto?
— Não.
— Quem teria algo a ganhar com isso? Se eles não sabem que você
tem a foto da morte de Donovan com carimbo de data/hora, quem teria
algo a ganhar enviando essa foto para Madelena?
Eu balanço minha cabeça. Estou cansado pra caralho. Muitas
perguntas de merda.
— Posso pensar em uma família. — diz ele, respondendo à sua própria
pergunta.
Ele quer dizer os Averys. — Como os Averys estariam envolvidos? Por
quê?
— Tenho certeza que Thiago ou Bea ou foda-se, Camilla até, poderia
ter te seguido. Talvez eles de alguma forma soubessem do plano.
— Eu não sei, porra.
— É possível que Thiago fosse se encontrar com quem quer que tenha
essa filmagem?
— Não consigo ver como isso faz sentido.
— Ou talvez dê essa filmagem para alguém. De Leon talvez? Quero
dizer, ele é a razão pela qual você estava lá em primeiro lugar.
— De Léon não é forte o suficiente para empurrar Thiago para fora da
passarela. — eu digo, com a voz baixa. — Ele não usa a mão dominante,
lembra?
— Não o velho, mas talvez Odin? Se ele tivesse motivos suficientes
para isso? Quer dizer, ele pode usar isso para chantagear você e salvar a
irmã dele.
Eu balanço minha cabeça. — Eu não acho.
— Porque você não consegue imaginá-lo sendo violento? Você está...
você, irmão... surpreso ao saber até onde as pessoas estão dispostas a ir
para proteger a si mesmas e àqueles que amam?
— Estou bem ciente, mas não é ele. Eu sei por que ele nunca teria
deixado sua irmã lá fora. Além disso, ele não é capaz de matar.
— Eu não teria tanta certeza.
— Estou ficando com uma baita dor de cabeça. — Eu respiro fundo. —
Entre aquela filmagem vindo à tona, Thiago encontrando Madelena
desmaiada lá em cima, e o que Camilla disse hoje, isso mexeu comigo.
— Você realmente considerou que eu era o estranho que sua esposa
tinha certeza de ter visto no farol? — Eu olho para ele por um momento
muito longo, porque ele balança a cabeça e dá um sorriso desapontado. Ele
engole mais uísque.
— Não, eu não acho isso, irmão. — eu finalmente digo. — Mas eu
acredito que havia alguém lá. E não acho que Camilla estava mentindo sobre
a ligação de Thiago. Ele não teria outro motivo para subir lá. Madelena não
poderia tê-lo empurrado. Ela simplesmente não é forte o suficiente.
— Se ele estava desequilibrado e ela assustada...
— Não. Não cabe. Eu sei disso, sei disso no meu íntimo.
— Mas você pensou que eu poderia fazer isso. — ele pergunta,
parecendo magoado. Eu esfrego meu rosto. — Por que você me pediu para
arregaçar as mangas?
Eu olho para ele, considero, então enfio a mão no bolso e coloco a
pedra na mesa entre nós.
Ele olha para ela e eu olho para ele. Não acredito que houve um
momento em que dei crédito a Camilla. Que eu acreditava que ele poderia
ter estado com ela sexualmente. Que eu acreditei que ele assassinou Thiago.
— Sinto muito, irmão. Eu estava errado. — eu digo.
Caius arrasta o olhar daquela pedra para mim. Um dos funcionários
coloca outra lenha no fogo. Ele sibila e incha lançando uma sombra que
obscurece as feições do meu irmão momentaneamente, mas eu vejo o
conjunto de sua mandíbula bem o suficiente. — Vamos apenas concordar
em confiar um no outro daqui para frente.
Eu aceno, me sentindo envergonhado. Sem outra palavra, eu me
levanto e saio.
CAPÍTULO DEZ
MADELENA

Não consigo parar de pensar no que Caius disse, não consigo parar de
ouvir sua ameaça como se estivesse repetindo na minha cabeça. A maneira
como ele olhou para mim quando disse essas palavras, a maneira como seus
olhos ficaram vazios, não tenho dúvidas de que ele me machucaria se Santos
não se interpusesse entre nós. Essa besteira sobre ele gostar de mim, eu não
acredito nisso, nem por um segundo. Ele deve pensar que sou
completamente crédula e sou, muitas vezes, mas não nisso. Embora eu
também ache que o entendo.
A relação entre os irmãos deve ser difícil. Santos foi favorecido por seu
pai. Caius foi posto de lado quando Santos apareceu, embora Brutus
Augustine tivesse oficialmente adotado Caius como seu filho. Acho que os
irmãos se amam sim, mas tem que ter ciúme também, da parte do Caius, e
com o Santos, culpa talvez?
A história de Santos encontrando a garota que amava assassinada
dessa forma, porém, é a visão que continuo tendo. Por que Caius me contou
isso com tantos detalhes? Para despertar minha curiosidade sobre aquela
caixa? Ele fez. Mas também pôs espaço entre mim e Santos porque sabe que
não vou perguntar ao Santos sobre a menina assassinada.
Assim que tenho certeza de que Caius se foi e que as únicas pessoas
na casa são um punhado de soldados e funcionários, saio do quarto de
Santos e desço as escadas, observando as paredes com painéis escuros e os
vitrais da casa, o hall que abrange os três andares completos da casa. Eles
filtram a luz do sol que se desvanece rapidamente, feixes de luz brilhantes
que parecem quase de outro mundo.
Eu levo um minuto para olhar do topo da escada para a grande
entrada da casa. Foi restaurado para parecer como era no auge da família
Valerian em Avarice, quando eles tinham os meios e o desejo de mantê-lo.
Havia um artigo em uma revista de arquitetura local sobre isso junto com
uma entrevista com Brutus Augustine. Lembro-me de como meu pai ficou
irritado com isso.
Enquanto desço as escadas, ouço o pessoal da cozinha trabalhando. A
grande lareira na grande sala de estar, que geralmente tem um fogo
crepitante, ainda está escura. Eles não vão acender isso até pouco antes do
jantar. A Sra. Augustine geralmente gosta de tomar um coquetel lá antes.
Embora agora que ela e Caius se mudaram, não tenho certeza se eles
voltarão para coquetéis ou jantares ou se Santos será formal se formos
apenas nós dois.
Passo pela sala a caminho do escritório de Santos, que era do pai dele.
Faço questão de pegar o caminho mais longo só para ter certeza de que a
costa está limpa, quando sei que não vou esbarrar em ninguém, abro a
porta. Fico feliz em encontrá-lo destrancado, mas, ao mesmo tempo, estou
olhando por cima do ombro enquanto corro para dentro. Sinto-me como
uma criminosa por isso.
Uma vez lá dentro, fico de costas para a porta e observo. A lâmpada da
mesa está acesa. Ela lança uma luz amarela suave, embora não seja
brilhante, é o suficiente para eu dar uma olhada.
As caixas esperando para serem desempacotadas estão encostadas
nas paredes e ao pé do sofá de couro contra a parede oposta à escrivaninha.
As estantes estão apenas meio cheias. Presumo que os livros que estão aqui
tenham pertencido a Brutus Augustine porque não acho que Santos tenha
estado em casa para desfazer as malas.
Ao pensar em Brutus, olho para o retrato pendurado sobre o manto da
lareira. Tem cerca de metade do tamanho do da sala, mas não é pequeno.
Brutus Augustine está olhando para mim de seu lugar lá no alto, seu olhar
não menos penetrante do que na vida, não menos ameaçador. Isso me dá
um arrepio na espinha e me viro porque preciso trabalhar.
Presumi que Caius teria colocado a caixa que carregava em cima da
escrivaninha ou em uma estante, mas não o fez. Eu tenho que puxar as
tampas das caixas móveis para procurá-la. Encontro a caixa em uma delas e
a levo até a mesa, olhando embaixo para ver se Santos pode ter colado a
chave nela. Isso seria muito fácil, porém, ele é mais esperto do que isso.
Enfio a mão no bolso para pegar os grampos de cabelo que carreguei.
Eu não sou ruim em desbloquear fechaduras simples. Foi assim que entrei e
saí do meu quarto trancado na faculdade. A garota que tinha o segundo
quarto no meu prédio, os únicos dois quartos na mansão original, também
ficava trancada à noite, mas ela tinha um telefone celular. Então eu mesmo
sairia e abriria a porta dela em troca do uso de seu telefone.
Nunca soube o motivo de seu confinamento, mas sei que ela odiava a
família, nesses dois anos, recebeu visitas poucas vezes. Não é como se ela e
eu nos tornamos amigas. Nenhum de nós queria a outra em nosso negócio.
Nós tínhamos um acordo. Eu a deixava sair. Ela me deixava usar o telefone
dela. Assim que eu terminasse de ligar para meu irmão, ela sairia do prédio.
Não sei para onde ela foi, se conseguiu sair da propriedade ou o quê, mas
não me importava. Não tinha nada a ver comigo.
Ajoelho-me para examinar a fechadura, torcendo os pinos para
prepará-los. Não deve ser muito difícil, me pergunto o que vou encontrar na
caixa. Caius fez parecer que era importante dar uma olhada, embora parte
de mim tenha medo de que sejam fotos da cena do crime. Mas não acho
que Santos as manteria. Por que ter um lembrete de como alguém que você
amava foi assassinado?
Caius havia mencionado amigos por correspondência. Presumo que
vou encontrar cartas entre Santos e a garota, há uma parte de mim que quer
vê-las. Quero conhecer a garota que ele amou tanto que cometeu um
assassinato para vingar sua morte e desencadeou o que aconteceu a seguir.
Eu empurro os pinos no lugar e começo a manipulá-los. Já faz um
tempo desde que fiz isso, mas é como andar de bicicleta. Você não esquece
depois de aprender. Um toque leve é melhor.
Mas essa fechadura é mais sofisticada do que as antigas nas portas dos
nossos quartos na faculdade. Depois de alguns minutos, quando ainda não o
tenho, ouço meu nome. Não reconheço a voz, mas é uma mulher e ela diz
muito claramente a quem está pedindo que os levará até o meu quarto.
Merda. Merda. Merda.
Eu olho em volta, não tenho certeza do motivo, mas ouço mais passos,
então corro para a porta e coloco meu ouvido contra ela. Espero até que os
passos se afastem, assim que fica quieto, abro uma fresta. Ouço passos na
escada e saio do escritório no momento em que uma das funcionárias
aparece na esquina. Ela para, claramente surpresa em me ver, eu sorrio e
vou em direção à cozinha como se estivesse indo para lá o tempo todo.
Meu coração martela. A equipe está ocupada cozinhando quando a
mulher que me viu no corredor me segue para dentro.
— Posso ajudá-la, Sra. Augustine? — ela pergunta. — Eu acredito que
você está sendo chamada lá em cima.
— Oh? Eu não percebi. Eu estava descendo para um lanche.
— Você não passou por eles na escada?
Eu limpo minha garganta e tenho certeza que é óbvio que estou
mentindo.
— O jantar é em uma hora. — diz ela, me salvando de ter que
responder. — O que você gostaria?
— Uma hora? Posso esperar então. Quem está aqui para me ver?
— Não tenho certeza, senhora. Talvez você devesse subir.
— Sim. Boa ideia. Obrigada. — Saio da cozinha e subo correndo as
escadas para encontrar duas pessoas paradas na porta aberta do quarto de
Santos.
— Eu pensei que ela estaria aqui. Sinto muito, doutor. — a garota mais
nova diz.
— Você está procurando por mim? — Eu chamo, colando o que eu
espero que pareça um sorriso relaxado no meu rosto.
— Aí está você. — diz a garota.
— Eu sou o Dr. Fairweather. — diz o médico, caminhando em minha
direção e estendendo a mão. — Seu marido me enviou.
Eu agito. — Ele fez? Ele não mencionou…
— Não?
— Quero dizer, estou bem. O Dr. Cummings disse que não achava que
eu tivesse uma concussão, então não sei por que Santos teria ligado para
você.
— Oh, isso não é para isso. — ele diz, olhando para a garota que está
por perto. — Talvez devêssemos entrar no quarto para conversar em
particular?
Eu concordo. — Obrigada. — digo à garota e convido o médico a
entrar.
— É uma bela casa, não é? — ele pergunta, olhando ao redor. —
Lembro-me deste lugar antes de ser abandonado. Era outra coisa. É tão bom
ver que foi reconstruído com tanto cuidado. É importante preservar a nossa
história. A avareza é um lugar especial. — É uma coisa estranha de se dizer,
mas não comento enquanto ele coloca a bolsa no chão e sorri para mim.
— Sinto muito, mas não sei por que você está aqui.
— Sr. Augustine me pediu para fornecer a você uma injeção
anticoncepcional.
Demoro um minuto. — Ele o quê?
— Ele está aqui? Talvez eu tenha entendido mal.
— Não. Não, você não tem. Eu só não sabia que ele tinha organizado
para você vir até aqui. — eu rapidamente compenso, não querendo perder a
oportunidade, embora eu esteja me perguntando por que ele não
perguntou ao Dr. Cummings ou apenas me deu de volta minhas pílulas.
— Não me importei. Eu queria dar uma olhada na casa, honestamente.
Eu sorrio, tentando processar isso.
— Vou precisar examiná-la e fazer algumas perguntas primeiro, mas
não deve demorar muito. Se você estiver pronta?
Eu concordo. — Qualquer coisa que você precise.
O exame dura cerca de vinte minutos, nesse tempo, ele me faz
perguntas sobre o meu ciclo e explica como funciona a injeção. Eu gostaria
que ele fosse uma mulher, mas se o resultado final for um controle de
natalidade confiável, eu aceito. Ele está apenas preparando a injeção
quando a porta do quarto se abre, e nós dois nos viramos para encontrar
Santos parado na porta. Ele parece impecável em um terno de três peças
sob medida em azul profundo.
Meu batimento cardíaco acelera e sinto meu rosto começar a queimar
de culpa pelo que fiz. Ele sabe? Não. Como ele poderia? Mas sua expressão
é sombria, vejo que o sorriso que ele dá para o médico é forçado quando ele
entra e fecha a porta atrás de si.
— Sr. Augustine, você tem uma casa adorável.
— Obrigado, Dr. Fairweather. Eu aprecio você ter vindo em tão pouco
tempo. — ele diz, as palavras forçadas.
— Como eu disse a sua esposa, minhas razões não eram totalmente
altruístas.
Santos abre um sorriso tenso.
— Bem, eu não quero me intrometer em sua noite. E estou quase
terminando aqui. — O médico desembrulha uma compressa com álcool e
limpa o local da injeção. É difícil manter o olhar de Santos, então olho para a
agulha, o que também não é uma boa ideia, então olho para a parede
oposta. — Eu estava apenas explicando para estar no lado seguro, você vai
querer usar anticoncepcional na próxima semana ou mais, mas depois disso,
isso deve protegê-la pelos próximos três meses. Vou deixar um panfleto com
mais detalhes e você pode sempre ligar para o meu escritório. Preparada?
— ele me pergunta.
Concordo com a cabeça e estremeço quando a agulha penetra, mas
então acabou e ele está arrumando sua bolsa.
Alguém bate na porta e Santos abre. Val está na porta.
— Tudo pronto. — diz o médico, fechando a bolsa.
— Obrigado, doutor. Val vai acompanhar você. — Santos dá um passo
para o lado e estende a mão para apertar a do médico, seu recado para
deixar claro e só um pouco grosseiro. Não acho que o Santos se importe
muito em ser rude.
Eles apertam as mãos e depois que o médico se despede de mim, ele
se foi.
Eu me levanto, ajustando minha blusa e abotoando os primeiros
botões enquanto Santos fecha a porta e se vira para mim. Ele enfia as mãos
nos bolsos, nada forçado em sua expressão agora. Nenhum sorriso. Sem
suavidade. Apenas o olhar de um homem que sabe o que eu fiz.
Mas isso não é possível. Isso é apenas minha própria culpa, digo a mim
mesma.
— Eu não sabia que você tinha organizado para a injeção. — eu digo,
minha garganta seca.
— Devo ter esquecido de mencioná-la com tudo o que aconteceu. —
Ele está quieto, o olhar me examinando. — Você está feliz com isso?
Eu concordo.
Ele momentaneamente levanta os lábios em um sorriso que não chega
perto de seus olhos. — Bom.
— O jantar cheira bem.
— Eles me disseram que você desceu para um lanche.
Eu limpo minha garganta, olho para a porta aberta do banheiro e
aceno com a cabeça. — Vou lavar minhas mãos rapidamente. — Eu não me
movo, porque a maneira como ele está olhando para mim me deixa presa.
Não é acusar. Isso seria mais fácil de lidar. É outra coisa. Desapontamento.
— Você estava ocupada hoje. — diz ele. Ele tira uma mão do bolso, e
meu sangue congela quando vejo o pequeno grampo de cabelo dobrado que
ele está segurando. Devo ter deixado cair na pressa.
Abro a boca para falar, para dizer o quê, sei lá, mas não importa
porque é como se eu tivesse engolido areia.
Há outra batida na porta então. Ele não se vira quando ela é aberta,
mas observo Val entrar, carregando aquela maldita caixa.
— Na cômoda, por favor. — Santos diz, sem tirar os olhos de mim.
Val faz o que ele manda e depois vai embora.
— Santos, eu posso explicar. — começo, encontrando minha voz.
— Não tenho certeza se você consegue. — ele diz, aquele não-sorriso
mais uma vez aparecendo e desaparecendo. Quando ele dá um passo em
minha direção, dou um pulo, solto um gritinho e corro para o banheiro. É
puro instinto, lutar ou fugir. Não estou pensando porque, se estivesse,
saberia como é estúpido tentar fugir dele. Além disso, não vou longe. Antes
de chegar ao banheiro, ele me pega com um braço em volta da minha
cintura e me puxa para ele.
— É assim que você confia? — ele pergunta, segurando aquele grampo
para eu ver.
Eu torço em seus braços. — Eu só... eu...
— Suas palavras foram apenas da boca para fora para salvar seu irmão
de uma surra que ele merecia? — Ele pergunta, me jogando na cama com
tanta força que eu quico antes de virar para o outro lado.
Mais uma vez, ele me pega facilmente e me deixa deitada de bruços
em um segundo, me arrastando para ele. Uma vez que minhas pernas estão
balançando para fora da cama, ele me prende com a palma da mão na parte
inferior das minhas costas.
— O que você vai fazer? — Pergunto torcendo para me libertar
enquanto ele puxa minha blusa, o som dele me arrancando me fazendo
gritar. Minhas leggings são as próximas. Ele tira isso, junto com minha
calcinha, eu fico curvada sobre a cama apenas com meu sutiã.
Eu ouço o desafivelar de seu cinto, viro minha cabeça para assistir.
— Você não é confiável, Madelena. — diz ele. Ele puxa o cinto para
fora de seus passadores, registrando o ruído. O que ele pretende fazer
registrando.
— Santos. — eu pergunto, o sangue escorrendo da minha cabeça
enquanto me lembro de seu aviso quando ele me puniu pela última vez.
Ele dobra o cinto, segurando a fivela na palma da mão e mesmo que
ele não esteja mais me segurando, eu não me mexo. Quando ele encontra
meu olhar, seu rosto é uma máscara apertada, sua mandíbula apertada. Em
seus olhos vejo o fogo da traição.
— Santos. — eu começo, minha voz um sussurro.
— Eu tenho que fazer de você uma prisioneira? Trancar minhas portas
em minha própria casa?
— Não. Não. — Eu balanço minha cabeça, fechando os olhos enquanto
ele arrasta o cinto sobre minha coxa, batendo levemente contra ela. — Por
favor!
— O que eu fiz para você desconfiar de mim?
— Desculpe. Desculpe!
— Responda-me! — Ele exige, estalando o cinto na minha bunda desta
vez, o contato me fazendo gritar enquanto o fogo puro atinge minha bunda.
— Nada! — Eu deveria correr. Tente fugir. Eu não, no entanto.
Continuo curvada sobre a cama esperando, punhos cerrados, todos os
músculos tensos. Porque mereço isso. Eu ganhei isso, não é? Fecho meus
olhos me preparando para a próxima chicotada.
— Então por que você me enganaria? — Ele pergunta, a voz mais
quebrada do que qualquer outra coisa. — Por quê?
— Desculpe. Eu sou…
— Encontrei seu diário sob as tábuas do assoalho do seu quarto, você
sabia disso? — ele pergunta, nenhuma chicotada segue a primeira ainda
queimando.
— O quê? — Estou confusa com essa virada na conversa. Eu olho para
ele, com medo do que vou ver, mas precisando ao mesmo tempo.
— Eu não peguei, no entanto. Não olhei através dele. Porque o que
tem dentro não cabe a mim. — diz ele e não sei o que espero ver, mas não é
a cara de um monstro. De jeito nenhum. — Esses são seus segredos para
guardar ou contar como quiser. Você não tem o mesmo respeito por mim,
tem?
A culpa se instala profunda e pesadamente em minha barriga.
— Desculpe. Eu sei. Não deveria ter feito o que fiz.
— Desculpe é fácil de dizer. — diz ele, com um tom estranho, sombrio,
mas também pesado com outra coisa. Algo que não tem a ver comigo,
conosco. Eu sinto. Ele balança a cabeça, larga o cinto e dá um passo para
trás. Quando me sento, ele não me impede. — A pergunta é, você sente
isso, aqui? — Ele pergunta, pressionando uma mão no centro do meu peito
e a outra na minha cabeça. — Você entende isso aqui? — E mesmo que ele
esteja certo em estar com raiva, ele é gentil e em seus olhos vejo desespero
e traição.
Eu abaixo minha cabeça de vergonha.
— Eu não sou um monstro, Madelena. E quer você acredite ou não, eu
não gosto de te machucar. O oposto. Eu faria qualquer coisa para protegê-la.
Ele balança a cabeça e caminha até a porta.
— O que você está fazendo? — Eu pergunto.
— Indo embora. — Ele estende a mão para a maçaneta e eu não sei o
que há nessas palavras que me deixa em pânico. Isso tornou meu batimento
cardíaco irregular e revirou meu estômago em nós.
— Você não pode ir embora!
Ele não responde.
— Espere. — Eu engulo. Eu vou fazer isso? — Não vá. Por favor!
Ele olha para mim. Ele está esperando que eu faça o próximo
movimento. Ele não vai me machucar. Eu sei disso. Sempre soube disso. Ele
fará de tudo para me proteger.
E eu o traí.
Então, sem dizer mais nada, pego seu cinto descartado e atravesso o
quarto para entregá-lo a ele.
Ele pega, me observando sem palavras.
— Você tem razão. A única razão pela qual parei foi porque fui
interrompida. Caso contrário, eu teria aberto aquela caixa e olhado dentro
dela. Eu teria pegado seu segredo. — As palavras são um peso no meu
estômago. Culpa e pavor. Eu o desapontei. Sinto meu rosto cair, sinto o
aperto no peito. — Também não gosto de te machucar, quer você acredite
ou não. E eu sinto muito.
Volto para a cama e me jogo sobre ela, meu peso nos cotovelos,
incapaz de olhar para ele, tensa enquanto me submeto ao seu castigo.
Ele leva uma eternidade para se mover. Ou talvez seja apenas o meu
terrível tempo de alongamento. Mas quando ouço sua aproximação, meu
batimento cardíaco acelera. Eu me preparo para uma surra, uma que
mereço, mas o que sinto não é o cinto dele. São os dedos dele no que tenho
certeza que é uma grossa faixa vermelha na minha bunda. Meus mamilos
endurecem enquanto ele o traça, eu tomo uma respiração irregular quando
ouço o cinto cair no chão. É quando eu viro minha cabeça para olhar para
ele e vejo como ele agarra minha bunda e me abre. Quando ele arrasta seu
olhar para o meu, seus olhos são brasas negras.
Algo chacoalha em seu peito. Eu observo da minha posição enquanto
ele tira o colete, a camisa, os olhos fixos em mim, antes de abrir a gaveta na
mesa de cabeceira e tirar um frasco de loção.
— Eu não vou bater em você. — diz ele, mudando seu olhar
momentaneamente para espremer uma quantidade generosa de loção na
parte inferior das minhas costas. Ele encontra meus olhos novamente
enquanto os dedos de uma mão começam a espalhar aquela loção na fenda
da minha bunda. Cada músculo fica tenso e minha ansiedade aumenta
enquanto ele circula o buraco que ainda não reivindicou e eu entendo o que
ele pretende fazer.
Engulo em seco.
Com essa mão livre, ele desabotoa a calça e sai. Ele está duro e não
posso deixar de olhar para seu pau enquanto minha mente tenta processar
exatamente como vou levá-lo lá.
— Você não vai gozar. — ele me diz enquanto espalha loção sobre seu
comprimento, arrastando a palma da mão para frente e para trás, para
frente e para trás. Ele muda seu foco para minha bunda, me espalhando e
empurrando seus dedos dentro de mim. Para minha surpresa, recebo a
intrusão com um gemido, mesmo quando meu corpo se contrai, cada
músculo tenso.
Santos não tem pressa, me lubrifica por dentro, me preparando. No
momento em que ele remove os dedos e traz seu pau para a minha bunda,
não tenho certeza se estou mais excitada do que com medo.
Eu arqueio minhas costas para tomá-lo, minha respiração treme
quando o sinto na minha entrada. Ele não é rude quando entra em mim,
mas também não é exatamente gentil e é grande. Deixo escapar um gemido,
agarro a cama, mas ele mantém meus quadris no lugar. O suor escorre pela
minha testa enquanto ele empurra, até o fim, um gemido baixo e gutural
vindo do fundo de seu peito.
Ele suga uma respiração irregular. Olho para trás para observá-lo e não
consigo desviar o olhar. Ele é lindo e poderoso e minha submissão neste
momento, esta oferta de mim mesmo, é como um sacrifício em um altar. A
sensação de me entregar a ele é indescritível e de alguma forma libertadora
e muito mais. Muito mais.
Porque o que quer que seja entre nós, não quero perdê-lo. Eu não
quero perdê-lo. Apesar de tudo.
Seus olhos são negros quando ele muda seu olhar para observar a si
mesmo. Ele aperta minha bunda contra si mesmo, empurrando
impossivelmente mais fundo antes de começar a puxar, mordendo o lábio e
tomando seu tempo, antes de empurrar com outro gemido.
— Você não goza. — Ele me lembra, abrindo minhas pernas,
levantando meus quadris apenas o suficiente para que meu clitóris não fique
mais em contato com a cama antes de começar a me foder e quando tento
deslizar minhas mãos entre minhas pernas, ele pega meus pulsos e os
prende para os meus lados, segurando meus quadris enquanto ele faz.
Eu entendo a tortura de sua punição. Entendo essa linha tênue entre
prazer e dor e sinto a tensão tão tensa que estou desesperada para liberar.
Desesperada por isso enquanto tira seu prazer de mim, me usando, me
negando.
— Por favor! — Eu grito, precisando de alívio quando seus impulsos
vêm mais fortes, mais profundos, sensações como nada que eu já senti
antes. O suor cai de sua testa nas minhas costas e quando ele solta uma mão
para dar um tapa na minha bunda, deslizo meus dedos entre minhas pernas.
No instante em que eles entram em contato com meu clitóris, eu gemo
minha liberação, não me importando que isso possa me render outro
castigo. Não me importando com nada além desse orgasmo.
Santos geme, batendo na minha bunda novamente antes de fechar os
dedos sobre os meus, o orgasmo se intensificando conforme ele engrossa,
deitando seu corpo sobre o meu e empurrando mais uma vez até que eu
sinto o pulsar de seu pau, sinto sua liberação dentro de mim, seu peso total
em mim, tudo enquanto meu próprio corpo é pura sensação, puro prazer,
minha visão embaçada com isso.
Quando acaba e nós dois estamos ofegantes, respiro fundo. Ele sai de
cima de mim e eu sinto falta de seu peso, seu calor. Ele sai de mim,
levantando-me. Meu corpo está flácido, minhas pálpebras muito pesadas.
— Eu disse para você não gozar. — ele diz enquanto me deita sob o
cobertor e se acomoda atrás de mim, seu braço sobre minha barriga.
Eu aceno com a cabeça, sonolenta. — Próxima vez.
Ele ri, puxa o cobertor sobre nós e me abraça forte.
Afasto-me, sentindo-me bêbada. É como se o orgasmo, a intensidade
dele, me fizesse flutuar entre os mundos. — Eu te amo. — Eu ouço as
palavras escaparem da minha língua, reconheço minha voz. Elas são um
sussurro em um sonho enquanto me deixo derreter no caloroso abraço dos
braços de Santos Augustine me sentindo protegida. Sentindo segura.
CAPÍTULO ONZE
SANTOS

Eu te amo.
Eu a seguro, seu corpo rendido a mim durante o sono, sua respiração
calma, pele quente e macia.
Ela quis dizer essas palavras? Como ela pode se sentir assim? Como ela
pode me amar? O pensamento disso, a ideia disso, é tão estranho e
estranho que não consigo processar. Eu me importo com ela. Eu quis dizer o
que eu disse sobre protegê-la. Mas amor?
Um meio sono me rouba, mas estou inquieto. O dia foi longo e meu
cérebro não desliga. Ele continua repassando tudo o que aconteceu, dando-
me flashes de imagens - algumas das quais eu já vi, enquanto outras são
inventadas ao longo do caminho.
Camilla com a língua de duas pontas de uma cobra enquanto semeia
dúvidas sobre meu irmão.
Thiago sentado à minha frente no clube de strip-tease, com a cabeça
esmagada, o rosto uma caveira parcial. O uísque que ele está bebendo está
saindo do corte aberto em seu pescoço, onde a corda cortou até o osso.
Thiago me dizendo que não posso confiar em ninguém.
O rosto de Caius nada diante dos meus olhos. Ele sorri, com covinhas
que o fazem parecer cinco anos mais novo do que é. Ele dá um tapinha nas
minhas costas e bagunça meu cabelo, o tempo todo, ele está com a mão no
bolso e a cabeça inclinada para o lado. Ele diz quando mente.
— Você sabe o que fez. Este é o seu castigo. — meu pai diz como se
fosse uma voz em um comercial.
O Comandante do jeito que estava no final. Na última noite de sua
vida. Rindo de nós. Postura casual e relaxada. Até Thiago atacar. Até que eu
fiz. Uma vida vivida em violência terminou em violência. Cada um de nós
colhe o que planta.
Madelena no farol. Madelena perseguiu, correndo para a passarela.
Madelena no lugar de Thiago muito perto do limite. Uma mão em seu peito.
Ela agarra o pulso daquela mão, mas não é forte o suficiente para se segurar
quando é empurrada e cai. Mil pedrinhas azuis saltam sobre a passarela,
chovendo sobre ela enquanto ela cai, cai, cai, o cabelo formando uma
auréola escura ao seu redor, os braços se estendendo, agarrando o ar, o
nada, a boca aberta em um grito.
Minhas pálpebras se abrem e eu me endireito. O suor me cobre da
cabeça aos pés enquanto eu respiro fundo. Meu peito parece que alguém
está sentado nele e não consigo respirar.
— Santos?
Eu pisco, então mudo meu olhar para Madelena. Ela olha para cima,
sonolenta, e sorri. Ela fecha os olhos e fica imóvel novamente.
Apenas um pesadelo. Apenas minha mente trabalhando horas extras.
Ela está aqui, ao meu lado, na minha cama. Ela está segura.
Eu sei de uma coisa com certeza. Sei disso no meu coração, na minha
cabeça. Eu acaricio seu cabelo, saio da cama e coloco o cobertor em volta
dela. Eu me inclino para beijar sua testa e sussurro as mesmas palavras em
seu ouvido que ela sussurrou para mim enquanto dormia.
— Eu também te amo.
Olho para ela por um longo, longo momento antes de me endireitar.
Visto a calça, a caminho da porta, olho para a caixa. Uma das funcionárias da
cozinha mencionou a Val que tinha visto Madelena sair do meu escritório.
Com uma rápida olhada ao redor, encontrei o grampo torto no chão em
frente à minha mesa e somei dois mais dois.
Enfio a mão no bolso para tirar a chave, ignorando a conta lisa e dura
da pulseira que pensei pertencer ao meu irmão. Deslizando a chave na
fechadura, viro-a e abro a caixa. Eu olho para dentro e descubro que os
sentimentos que geralmente surgem ao olhar para o conteúdo desta caixa
são diferentes... não tão poderosos, de repente.
Deixando assim, pego minha camisa ao sair do quarto. No final do
corredor, escolho um quarto de hóspedes vazio. Lá, tomo banho para não
acordar Madelena e coloco a mesma roupa de antes. Desço as escadas para
a cozinha, onde há um frango inteiro assado embrulhado na geladeira. O
jantar que perdemos.
Pego pão, preparo um sanduíche de frango e levo para o escritório. A
casa está silenciosa, toda a equipe foi para a cama horas atrás. Fecho a porta
atrás de mim e acendo a luz do teto. Coloco o prato na beira da minha mesa,
pego o sanduíche e dou uma mordida, olhando em volta para as caixas que
precisam ser desempacotadas. Não é tão ruim. A maior parte do que guardo
é eletrônico, qualquer coisa pertinente para se ter no papel está trancada no
cofre, apenas eu tenho a combinação para isso.
O frango está bom e estou com fome. Eu como o sanduíche e olho
para o retrato do meu pai.
— O que você quis dizer ao deixar aquela carta, meu velho?
Assim que termino o sanduíche, coloco o prato de lado e me sento na
minha cadeira. Eu me viro e deslizo a porta do armário para destrancar o
cofre. Dentro há pilhas de dinheiro - sempre à mão - e alguns documentos
pessoais. Há também vários pen drives contendo cinco anos de informações
altamente confidenciais sobre muitos funcionários de alto escalão para
contar, incluindo a família Avery, tudo isso coletado durante meu tempo
com eles.
Mas essas não são as coisas que me interessam.
Pego o envelope que quero e giro minha cadeira para trás para colocá-
lo sobre a mesa. Pego a carta de uma única frase dentro. Eu olho para a
escrita familiar do meu pai, a caneta forçando um pouco demais:
Eu sei o que você fez, e este é o seu castigo.
— O que você quis dizer? Quem você quis dizer?
Há uma batida suave na porta, eu olho para cima quando ela se abre.
Madelena está parada na porta, com o cabelo molhado do banho. Ela está
usando uma camiseta enorme que vai até o meio da coxa, percebo que é
uma das minhas. Provavelmente aquela em que a coloquei depois de trazê-
la do farol para casa. Em seus braços, ela está carregando a caixa.
— Você deveria dormir. — digo a ela, colocando a carta sobre a mesa
e me levantando para pegar a caixa dela.
Ela fecha a porta enquanto levo a caixa até minha mesa, quando me
viro, ela me envolve com os braços com tanta força que me pega
completamente de surpresa. Quando a ouço fungar, me vejo envolvendo
um braço em volta de sua cintura, segurando sua nuca com a outra e me
afastando para olhar para ela.
— O que é? — Eu pergunto, enxugando suas lágrimas.
— Ela estava grávida de seu bebê?
Eu estudo seus olhos, o castanho dourado tão quente, tão cheio de
emoção. Tão honesto. — Já faz muito tempo.
— Qual era o nome dela?
— Alexia. — Eu pego a mão dela, então dou a volta na mesa para
sentar na minha cadeira com ela no meu colo. — O pai dela a matou na
noite em que descobriu que ela estava grávida. E eu o matei por isso.
— Sinto muito. — diz ela.
— Como eu disse, foi há muito tempo. — Seu olhar se move para o
meu prato vazio e seu estômago ronca. Eu sorrio enquanto ela cora. —
Venha. Vou fazer um sanduíche para você.
Ficamos de pé, quando pego a carta, vejo que ela a examina. — O que
é isso?
Coloco de volta no envelope. — A enigmática carta de meu pai para
nós, lida pelo executor do testamento.
— A quem se destina?
Eu dou de ombros. — Minha mãe ou irmão. Inferno, talvez eu.
Ninguém sabe.
— Ou eles sabem e não estão dizendo.
Concordo com a cabeça. Esse é o cenário mais provável.
A imagem do rosto de Madelena no meu sonho, enquanto ela
mergulha naqueles penhascos, nas águas do oceano furioso, passa diante
dos meus olhos, tenho que fechá-los por um minuto.
— O que foi, Santos?
— Nada. — Coloco o envelope de volta no cofre e me lembro da pedra
em meu bolso. Eu tiro, viro para Madelena. Abro a palma da mão para que
ela possa ver e a observo, me perguntando se isso vai trazer uma lembrança.
Ela olha para ela e inclina a cabeça, franzindo a testa. Ela olha para
mim. — Onde você conseguiu isso?
— Você conhece?
Ela enfia a mão no cabelo. — Isso me faz pensar, me faz lembrar, a
mão no peito de Thiago. E então ouvir o estalo soa como quando um colar
ou uma pulseira se quebra e todas as contas se espalham, o som que elas
fazem. — Ela balança a cabeça. — Isso não faz sentido.
— Na verdade, sim. Encontrei na passarela quando te encontrei.
— Espere. — Ela pega meu braço e puxa minha manga para cima. Ela
toca a pulseira. — Você e seu irmão estão com elas. — Sua expressão muda
como se ela tivesse acabado de perceber algo. — Oh meu Deus, era ele?
— Não, Madelena. Não foi. Sua pulseira está intacta. Eu vi. — Demoro
um minuto porque pensei a mesma coisa.
— Mas…
Eu me viro para colocar a pedra no cofre junto com a carta e trancá-lo.
— Vamos pegar um sanduíche para você. — Pego sua mão para levá-la para
fora do escritório e para a cozinha.
— Você guardou todas as minhas cartas.
— Eu não chamaria de cartas. — eu digo com uma piscadela,
acendendo a luz e puxando uma cadeira no balcão. — Sanduíche de frango
ok?
— Parece ótimo, na verdade.
Pego o que preciso e começo a montar um sanduíche, depois coloco
na frente dela.
Ela o pega, mas não o morde. — O serviço fúnebre da minha mãe é na
próxima semana. Já se passaram dezesseis anos.
— Eu sei.
Ela encontra meus olhos. — Eu quero ir. Há uma cerimônia na igreja,
então meu pai oferece um almoço em sua memória.
— Você acha que eu diria não?
— É na casa do meu pai.
— É o aniversário da morte de sua mãe, Madelena. Claro que você
estará lá, e eu estarei ao seu lado.
Ela sorri. — Gostaria disso. Você estando comigo, quero dizer.
— Posso te fazer uma pergunta? — Ela balança a cabeça enquanto dá
uma mordida em seu sanduíche. — Você disse uma vez que não teria um
bebê. — O alarme a faz parar no meio da mastigação. — Não se preocupe,
não estou falando de agora. Eu só estava curioso porque você disse, se bem
me lembro, você nunca teria um, não com ninguém.
Ela engole o pedaço na boca e coloca o sanduíche na mesa.
— Por que não?
— Santos...
— Eu só quero saber seus motivos. Isso é tudo.
Seu rosto cora e seus olhos se enchem de lágrimas. — Não é óbvio?
— Diga-me.
Seus olhos ficam mais escuros, ela não segura meu olhar enquanto
responde. Ouvi-la dizer isso, vê-la reunir forças para isso, faz meu peito
apertar e minha garganta fechar.
— E se eu o machucar? — ela diz tão baixinho que quase não consigo
ouvi-la.
— Madelena...
Ela balança a cabeça. — Você não poderia ter certeza. Eu poderia estar
doente também, sabe? Mercadorias estragadas. Odeio ter que dizer isso a
você. — acrescenta ela, tentando sorrir, mas desviando o olhar para pegar o
pão do sanduíche enquanto uma lágrima cai na bancada.
Eu ando ao redor do balcão para pegar seu rosto em minhas mãos. —
Você não é uma mercadoria danificada. E você nunca machucaria uma
criança, nem a sua, nem a de ninguém. Você é incapaz. Simplesmente não
está em você. De jeito nenhum.
CAPÍTULO DOZE
SANTOS

A próxima semana passa estranhamente pacificamente. Minha mãe e


Caius ficam longe a maior parte do tempo enquanto se acomodam na casa
de Augustine. Thiago continua ausente, a família Avery está tranquila. Mas
não é como se eles chamassem a polícia ou registrassem o desaparecimento
de uma pessoa. Tenho certeza de que Bea Avery entrou em contato com os
velhos amigos do Comandante, mas se eles não conseguiram encontrar o
corpo do velho bastardo, nunca encontrarão o de Thiago porque tenho a
sensação de que já está no fundo do oceano.
O pensamento me incomoda, mas o afasto quando Madelena desce as
escadas vestida de preto da cabeça aos pés, que é o seu costume, só que
hoje está mais elegante. Não tão contrário. Ela está enrolando o cabelo em
uma trança solta enquanto desce e não me nota. Fico feliz em dizer que
acho que a mudança para a casa foi uma boa ideia. Ela parece melhor, não
olhando por cima do ombro o tempo todo.
O que ela me disse naquela noite na cozinha, uma semana atrás,
porém, me perturba. Ela realmente acredita que poderia ter a mesma
doença mental de sua mãe? O pensamento disso está em sua mente com
mais frequência do que eu imagino? Tenho feito algumas leituras sobre o
assunto. Embora seja um fato que essas coisas acontecem em famílias, não
gosto que ela esteja preocupada com isso, que ela já tenha decidido,
provavelmente em uma idade muito mais jovem do que eu sequer imagino,
que nunca terá filhos por precaução.
— Você está bonita. — eu digo a ela.
— Obrigada. Merda. — Ela começa a desfazer a trança e sacode o
cabelo para começar de novo.
— O que é?
— Eu continuo bagunçando tudo.
— Parecia bom.
— Minha mãe costumava trançar meu cabelo assim quando eu era
pequena. Ela faria o dela também, me diria que éramos gêmeas.
— Parecia bom, Madelena. Nós devemos ir. — Eu verifico meu relógio.
Depois de terminar a trança, ela respira fundo. Ela pega meu pulso e
verifica as horas porque não usa relógio e eu ainda não dei o telefone para
ela. Pretendo dar a ela um novo. Provavelmente é paranoia da minha parte
que o antigo possa ter sido adulterado, sua localização ou conversas
rastreadas, mas não vou correr nenhum risco.
— Mais alguns minutos. Eu gosto de chegar lá por último.
— Por quê?
— Eu não quero todo mundo olhando para mim.
Concordo com a cabeça e pego seu braço para conduzi-la até a sala de
estar para ter privacidade. — Eu queria mencionar algo de qualquer
maneira.
— O quê?
— A visita do Dr. Fairweather é entre você e eu. Ninguém sabe disso, e
tem que continuar assim.
— OK? — ela diz isso como uma pergunta.
— Nenhuma alma. Isso é muito importante. Nem mesmo seu irmão.
— Isso é bom. Quero dizer, eu não faria de qualquer maneira,
contracepção é uma conversa estranha para se ter com o irmão, você não
acha?
— Bom.
Ela verifica meu relógio novamente. — Agora podemos ir.
Dirigimo-nos à capela onde terá início a cerimónia. Terminará na casa
De Léon. Pelo que a Madelena me disse, estão à espera quase setenta e
cinco pessoas.
Assim que chegamos, vejo como Madelena cronometrou bem. A
maioria dos bancos está ocupada, todos de pé para observar os coroinhas e
o padre em sua procissão em direção ao altar. Suas velas tremulam
enquanto a música sombria do órgão diminui e o incenso enche o ar.
Respiro pela boca para bloquear as imagens que o cheiro evoca. As
lembranças de todas aquelas missas dominicais que eu não devia assistir,
não depois das coisas que fiz.
Odin, que está sentado no banco da frente, se vira para olhar para a
entrada. Ele parece aliviado quando vê sua irmã. Madelena levanta a mão
em uma saudação sutil. Ele está sentado ao lado do pai e há espaço
suficiente para mais uma pessoa do outro lado do Marnix De Léon. Eu sei
que é para a filha dele, mas ela não vai sentar nele por dois motivos - um é
que ele se esqueceu de reservar um espaço para mim e dois que Madelena
vai querer desaparecer ao longo da multidão em vez de se tornar seu peça
central.
Olho para os que chegaram, reconheço alguns rostos. Estou apenas
examinando os bancos do outro lado do corredor de onde os De Léon estão
sentados quando dou uma olhada dupla.
— Você está brincando comigo. — murmuro. As pessoas nos bancos
traseiros se viram para olhar. Acho que falei mais alto do que pensei. Eu não
poderia dar à mínima. O órgão se acalma e os bancos se movem enquanto
os devotos se sentam.
— O quê? — pergunta Madelena, recuando para o canto sombrio da
pia batismal.
Faço um gesto sutil com a cabeça em direção a Bea, Liam e Camilla
Avery, que estão se acomodando em seu banco, depois da frente. Liam está
folheando as páginas da Bíblia como nunca tinha visto antes. Os olhos de
Bea estão no altar. Seus lábios estão se movendo enquanto ela reza o
rosário. Nos cinco anos que passei com a família Avery, acho que ela ou o
Comandante não perderam uma missa dominical. Eles também nos
obrigariam a ir com eles, durante todo o tempo, murmurariam suas orações
como se essas palavras pudessem limpá-los de seus pecados.
Mas eu não me importo com Bea Avery. É Camilla que me faz deslizar
minha mão pelas costas de minha esposa e envolvê-la em seu pescoço para
puxá-la para mais perto, um movimento que a pequena víbora não perde.
Ela sorri largamente e até levanta a mão em um aceno de colegial.
— Que diabos? — murmura Madelena.
Por que diabos alguém compareceria a um serviço memorial para
alguém que não conhece, nunca conheceu, não tem nenhuma conexão e
não dá a mínima para isso?
— Ignore-os. — digo a ela enquanto Camilla, satisfeita consigo mesma,
se vira para o altar onde o padre está apenas começando o serviço.
Marnix De Léon olha para o relógio e olha para a porta. Presumo que
esteja procurando a filha. Quando ele nos vê, ele me dá um olhar zangado e
sussurra algo no ouvido de Odin. Odin se levanta e caminha pelo corredor
central em nossa direção. Eu observo, notando como ele ainda manca.
Embora esteja melhor do que quando o conheci, nunca vai desaparecer.
— Maddy, papai quer que você se sente conosco. — Ele olha para
mim, o convite muito claro para um.
As pessoas se viram para olhar, vejo os sussurros que começam assim
que a veem. Eu quero dizer a eles para se foderem e cuidarem de seus
próprios negócios.
Madelena balança a cabeça. — Não posso.
Eu a observo de perfil e acho que não percebi o quanto este dia é
difícil para ela. Eu sabia que não seria fácil, mas depois de dezesseis anos, a
dor dela é mais intensa do que eu imaginava.
Odin pega a mão dela. — Eu preciso de você. — ele diz a ela. Ele faz.
Eu vejo isso em seus olhos.
— Vá. Para o seu irmão. — eu digo a ela. — Estarei aqui quando
acabar.
Odin olha para mim. Acho que ele não esperava por isso, mas quando
sua irmã concorda, ele exala e pega a mão dela para guiá-la pelo corredor
central até seu assento. Enquanto eles sobem, o padre interrompe
momentaneamente a missa. Não sei se é de aborrecimento com a
perturbação ou simplesmente para ver como se ele, tal como o seu rebanho
de ovelhas, desfrutasse do espetáculo do sofrimento de outro ser humano.
Idiota.
Assim que ele retoma o serviço, meu telefone vibra no meu bolso. Eu
o tiro para silenciá-lo, mas quando vejo o que é, faço minha segunda tomada
dupla do dia.
Observo Madelena se acomodar em seu assento. Eu vejo o olhar que
ela envia de volta como se para ter certeza de que ainda estou aqui, como
eu disse que estaria. Uma vez que ela olha para frente, eu ando mais fundo
no canto escuro e olho para a tela novamente.
Porque a mensagem que mandei para o telefone do Thiago Avery dias
atrás acaba de ser entregue.
Já foi lida.
E os três pontos ondulantes sinalizando que uma mensagem está
sendo digitada me fazem prender a respiração.
CAPÍTULO TREZE
MADELENA

Tento bloquear todo mundo enquanto me sento entre meu pai e meu
irmão e ouço o padre dizer a missa. Ele é o mesmo padre que enterrou
mamãe há dezesseis anos.
Dezesseis anos.
Não me lembro do funeral em si, mas há um sentimento até hoje.
Uma escuridão. Hoje é um dia para superar, porque hoje minha vida está
exposta. Depois de dezesseis anos, eles não esperam mais lágrimas. Não que
eu tenha dado lágrimas a eles, nem mesmo quando eu era pequena. Acho
que estava entorpecida demais para chorar.
As pessoas sussurravam que eu não entendia o que havia acontecido,
eu apenas permanecia em silêncio segurando as mãos de meu irmão e de
meu tio. Não do meu pai. Ele não ofereceu nenhum conforto. Nunca. Mas
quando os adultos ao meu redor falavam sobre como eu era lamentável,
como eles sentiam por mim, como minha mãe era má, eu simplesmente
ficava como uma bonequinha de porcelana. Sem emoção. Olhos de vidro.
Depois que essas exibições públicas terminaram, fingi não ter ouvido
nada. Eu tranquei todas as suas palavras, todos os seus olhares ansiosos
também. Aprendi desde cedo o quanto as pessoas gostam de observar a dor
dos outros. Como se assistir isso acontecer com outra pessoa de alguma
forma diminuísse as chances de isso acontecer com eles.
A missa é longa, mais de uma hora. Olho para a fotografia da mamãe
no altar. Ela era tão bonita. Tão jovem.
Odin aperta minha mão e eu aperto de volta.
Terminada a missa e o padre sai da igreja, levantamo-nos e seguimos.
As pessoas que vieram ao culto esperam que saiamos antes de deixar seus
bancos com nosso respeito.
Posso ver os Averys com o canto do olho e penso em Thiago.
Como ele salvou minha vida.
Como ele perdeu a dele no processo.
Eu olho para eles. Não posso ajudar a mim mesma. O rosto da Sra.
Avery está impassível. Liam está entediado. Mas Camilla está com os olhos
fixos em mim. Do jeito que ela está sorrindo, me pergunto se ela sente
alguma coisa - se ela está preocupada com seu irmão, ou se ela ainda se
pergunta sobre o paradeiro dele.
— Você vai conosco até o cemitério. — papai diz sem se incomodar
em olhar para mim. — Seu marido pode nos encontrar em casa, já que você
insistiu em trazê-lo.
Procuro por Santos quando nos aproximamos da parte de trás da
igreja. Eu me pergunto se ele já está lá fora. O incenso está sufocando aqui.
Mas quando saímos, nosso carro e motorista já estavam esperando
por nós. Olhando rapidamente ao redor, vejo apenas Val. Ele acena para
dizer que me viu, mas quando meu pai me conduz para o banco de trás do
nosso sedã, Val simplesmente sobe em seu veículo. É um SUV, mas diferente
daquele em que viemos. Ele se mistura à fila de carros que seguirão para o
cemitério.
Senti saudades do Santos? Eu me viro para olhar pela janela traseira,
mas só vejo Val no banco do motorista. O lado do passageiro está vazio,
Santos não sentaria atrás se fossem só os dois.
— Posso pegar seu telefone? — Eu pergunto a Odin. Preciso
pressionar Santos para pegar meu telefone de volta.
Odin me entrega e eu digito o número de Santos para enviar uma
mensagem.
Eu: Onde você está?
Minha mensagem é enviada e entregue, mas as marcas de seleção
permanecem cinzas.
Mando outra.
Eu: Santos, cadê você?
Novamente entrega, mas é isso.
Papai pega o telefone de mim antes que eu possa impedi-lo. Ele está
sentado entre nós no banco de trás. — Não é hora para mensagens de texto.
— Ele enfia o telefone no bolso. — Ainda bem que não está chovendo. Ela
odiava a chuva. — ele diz, me pergunto se ele sente falta dela. Se ele pensa
nela. Se ele a amava. Mas então sinto o cheiro de uísque em seu hálito - ou
talvez esteja apenas saindo de seus poros porque ele bebe muito - acho que
provavelmente estou dando muito crédito a ele.
— Por que os Averys estão aqui? — Eu pergunto.
— Todo mundo que quiser se lembrar de sua mãe é bem-vindo.
— Eles não conheciam a mamãe.
Ele me dá um olhar desagradável e desvia o olhar pela janela da frente
enquanto o carro reduz a velocidade assim que passamos pelos portões do
cemitério. Assim que chegamos ao túmulo, Val vem para ficar ao meu lado,
ignorando meu pai completamente enquanto ele tenta se colocar entre nós.
— Santos vai encontrá-la na casa. — diz Val.
— Onde ele está?
— Surgiu uma coisa.
— Pelo amor de Deus, é da sua mãe que estamos falando. — meu pai
finalmente diz, pegando meu braço com força e me levando para o túmulo,
segurando as flores que o motorista lhe entregou com a outra mão. Ele a
está segurando com tanta força que os caules estão quebrados.
Não gosto de vir aqui com ele, mas sei o que fazer. Eu só tenho que
passar por isso.
Deixaremos as flores, faremos alguns momentos de silêncio e depois
voltaremos para casa, onde ele se servirá de um uísque. Eu odeio essa parte
porque requer socialização. Esperava sair dessa ou pelo menos ter Santos ao
meu lado. Estou desapontada por ele não estar aqui, mas Odin precisa de
mim e não vou decepcioná-lo.
Em menos de meia hora, estamos chegando em casa. Não venho aqui
há muito tempo, mas parece a mesma de antes. Os terrenos são mantidos
impecavelmente, a casa grande e imponente. Tem o mesmo cheiro também,
acho, quando entramos. Mesmo com toda essa gente já aqui, o cheiro sutil
de polidor de madeira misturado com uísque me faz voltar no tempo.
As pessoas vêm nos cumprimentar, lembrando-me que não temos
parentes separados de nós. Odin é o último De Léon. O que acontecerá com
nosso nome? A linha terminará com ele? Talvez devesse.
Alguns minutos depois de entrarmos em casa, a porta da frente se
abre. Val desliza para dentro, depois de me localizar, ele fica encostado na
parede. Meu pai também percebe, não perco seu aceno para um homem
que não reconheço. Acho que ele contratou segurança. Não sei. Mas Val
pode se controlar.
Roboticamente, assumo meu papel de boneca de porcelana com olhos
de vidro. Fico entre Odin e meu pai, com os braços ao lado do corpo, aceito
os abraços das pessoas, ignorando seus olhos compassivos, suas palavras
vazias. Tento lembrar-me se minha mãe tinha amigos, mas eu era muito
jovem para saber disso. Ela e eu ficávamos muito juntas, quase sempre
sozinhas. Odin e o tio Jax eram as duas únicas pessoas de quem me lembro
de estar por perto.
Tio Jax.
Outra onda de tristeza toma conta de mim e desejo novamente que
Santos estivesse aqui. Ele saberia como eu estou me sentindo. Ele seria a
rocha ao meu lado. Mas a irritação acompanha esse pensamento enquanto
me pergunto o que poderia ter sido tão importante que ele me abandonou
como fez antes.
— Desculpe-me. — eu digo. Meu pai interrompe a conversa
momentaneamente, mas saio de seu alcance antes que ele possa me
impedir de ir embora. Odin também observa enquanto eu me apresso no
meio da multidão na sala de estar em direção às escadas. Eu só preciso de
alguns minutos sozinha, então vou para o meu quarto.
Vozes carregam, me seguindo. As luzes estão apagadas aqui - o sinal
sutil de meu pai para que os hóspedes fiquem no andar térreo. Eu sou grata
por isso.
Meu quarto fica no outro lado, logo depois do de Odin. Corro até lá,
abro a porta e entro. Assim que a fecho, o som das vozes se reduz a um
murmúrio, paro um momento para expirar.
Exceto que, mesmo antes de soltar aquela única respiração, ouço o
som de água correndo e me viro para encontrar a porta do banheiro se
abrindo. Eu percebo então que o quarto não está escuro como breu. A luz
do criado-mudo está acesa. E eu observo incrédula enquanto Camilla Avery
sai do meu banheiro, não se assustando em me ver, ou escondendo bem se
ela está. Ela sorri, joga descuidadamente no chão a toalha em que estava
enxugando as mãos e entra no meu quarto.
— Eu espero que você não se importe. Tive que usar o quarto da
menina. — Ela pisca para mim como se fôssemos velhas amigas, seu olhar
permanecendo em mim um pouco antes de examinar meu quarto.
— O que você esta fazendo aqui?
Ela inclina a cabeça e atravessa o quarto para me encontrar. — Acabei
de te falar. A fila para o banheiro era tão longa lá embaixo. Você não odeia
isso? — Ela pega minha trança, estuda-a e a deixa cair novamente. Ela
caminha em direção à janela e olha para o nosso jardim dos fundos. — Não
é um quarto ruim. Mas você não levou nada quando foi morar com o
Santos? — ela pergunta, plantando-se na beirada da minha cama e pegando
um tubo de protetor labial. Ela abre, cheira e por um minuto me pergunto se
ela vai usá-lo.
Recuperando-me, ando até ela e pego o protetor labial de sua mão. —
Saia do meu quarto!
Ela ri, se levanta. — Melindrosa. Só estava vendo que perfume era.
— O que você quer, Camilla? O que você está fazendo aqui na minha
casa? No memorial da minha mãe? Por que você chegaria a algo assim?
Ela dá de ombros. — Mamãe. Ela acha que precisamos mostrar nossos
rostos, especialmente com meu irmão desaparecido. Integração. Você sabe.
— Ela revira os olhos. — Ah, meus pêsames. — Nem remotamente
incomodada, ela corre os dedos sobre as lombadas dos livros em minhas
estantes. — Cadê o Santos? — ela pergunta, me encarando novamente.
Hesito muito porque não consigo inventar uma resposta antes que ela
fale novamente.
— Ele desapareceu? Ele costumava fazer muito isso quando morava
conosco. Tinha todos esses trabalhos para fazer. — Ela coloca trabalhos em
aspas aéreas. — Posso pegar esse aqui emprestado? — ela pergunta,
segurando um livro que ela tira da minha estante.
Eu atravesso o quarto e pego dela. — Não. Saia.
— Isso é rude.
— Não, o que é rude é você entrar no meu quarto claramente para dar
uma olhada. Talvez pegue alguma coisa.
— Eu não preciso roubar de você. — Ela me dá um sorriso plano.
— Fico feliz em ouvir isso. Agora saia.
— Estou tentando ser amigável aqui, Madelena. Quer dizer, você é
casada com um homem de quem sou muito próxima.
Eu rio abertamente disso. — Próxima? Ele não suporta você.
Ela fica emburrada. — Isso não é muito legal. Além disso, acho que é
mais porque ele provavelmente está com um pouco de medo de mim.
— Por que ele teria medo de você?
— Eu sei das coisas. — Ela encolhe os ombros novamente.
— Que coisas você poderia saber que assustariam um homem como
Santos Augustine?
Ela me estuda com curiosidade, me pergunto o que acabei de revelar.
— Coisas sobre o que ele fez.
Eu forço um sorriso, puxo minha cadeira e sento de frente para ela.
Apoio o cotovelo na mesa, apoio o queixo na mão e bocejo para mostrar a
ela que estou entediada. — Você claramente quer entregar alguma
mensagem, então vá em frente e entregue para que você possa ir. Sei que
você pode não entender isso, mas hoje é um dia difícil para mim e eu
realmente gostaria de não estar com você.
— Lá vai você ferir meus sentimentos novamente. — Ela empurra o
lábio para fora, emburrada. O que tem de errado com ela? Santos a chamou
de psicopata. Achei que ele estava exagerando, mas estou me perguntando
agora. — Mas eu te perdoo porque eu entendo. Quero dizer, você tinha
cinco anos quando sua mãe se matou. — É preciso tudo o que tenho para
manter meu rosto neutro enquanto suas palavras atingem o alvo. — Agora,
se fosse minha mãe, posso te dizer uma coisa, eu não ficaria tão triste
quanto você se ela pulasse de um farol. — ela diz, suas palavras tão feias
que quase não acredito que ouvi direito.
— Jesus. — Eu esfrego minha nuca, me sentindo exausta e querendo
muito me deitar.
— De qualquer forma, escute, você parece doce e inocente, Madelena.
Você realmente faz. Santos não te merece.
— Bom de ouvir. É isso?
Ela vem se sentar na beirada da cama novamente. Ela está a poucos
metros de mim. Diante de mim como ela está, eu estudo seu rosto enquanto
ela estuda o meu e por um momento a máscara de vadia escorrega, vejo
uma linha se formar entre suas sobrancelhas. Veja como seus olhos
escurecem. Ela estende a mão para tocar meu joelho.
Eu a empurro para longe e ela parece magoada mais uma vez. É um
ato, e ela é muito boa. Eu abro minha boca para dizer a ela para sair pela
última vez, mas ela fala primeiro.
— Eu costumava observá-lo quando ele chegava em casa dos recados
que papai o mandava fazer. Seus trabalhos.
Eu mordo meu lábio e espero por mais. É o que ela quer, eu sei, mas
não consigo evitar.
— Ele estava um desastre depois. Quer dizer, nem sempre. Papai era...
Vamos apenas dizer que ele era olho por olho, dente por dente, mas
multiplicado por um milhão de zilhões. Ele nunca se esqueceu de nada.
Nunca perdoou nada. É como ele chegou ao topo, certo? Ele era implacável.
Até o Thiago tinha medo dele. Você sabia disso?
Eu balanço minha cabeça.
— Liam também, mas ele nunca admitiria isso. Não eu, no entanto.
Papai me amava mais. De qualquer forma, voltando para o seu marido. —
Ela enfatiza essa parte. — Alguns trabalhos que ele fazia, as pessoas eram
ruins, sabe? Eles mereceram o que receberam. Mas alguns deles tinham
esposas, filhos e famílias, sei que ele odiava muito essa parte.
— O que você quer dizer?
— Quando ele teria que machucá-los. Você sabe que ele fez isso,
certo? — ela diz com um olhar de pena, seu lábio curvado como se a ideia
de machucar alguém fosse intragável para ela. — Bom, às vezes ele tinha
que dar o exemplo, sabe? Para que os outros soubessem que se você
contrariasse meu pai, teriam que lidar com as consequências. Entre o Santos
e o Thiago, deixa eu te contar, pouca gente foi contra o meu pai. Quero
dizer, imagine, Thiago e Santos juntos espancando seu filho enquanto você
assiste. Fazendo coisas terríveis com sua esposa ou filha. — Ela se vira. —
Nenhum pai quer ver isso.
— Saia, Camilla.
— Aqueles cortes em seu corpo, era assim que ele manteve um
registro.
Estou prestes a repetir que ela dê o fora, mas isso me faz parar.
— Eles são os inocentes. Foi assim que ele os chamou. Ele chorava por
eles algumas noites. Eu o seguraria, mas ele não queria conforto. Caius,
agora ele levou todo o consolo que o papai mandou, todas aquelas
recompensas. Mas não Santos. Acho que se você pode ser bom neste
mundo, é ele. Quero dizer, se você pode ignorar todo o dano que ele fez. Eu
também entendo, sabe? O que aconteceu com Alexia, coitada. Assassinada
tão brutalmente. Isso o quebrou. Fez dele um assassino.
Eu empurro minha mão em meu cabelo e respiro fundo. Alguém bate
baixinho na porta e a abre, nós duas nos viramos para encontrar Liam
parado ali. Ele olha para mim, depois para a irmã.
— Estamos indo embora. — diz ele à irmã. — Finalmente.
— Só um segundo. Feche a porta atrás de você, Liam. — ela diz a ele,
claramente dispensando-o. Quando seu irmão sai obedientemente, ela olha
para mim. — Apenas tome cuidado com ele. Todos que se preocupam com
Santos Augustine desaparecem ou morrem. Alexia. O pai dele. Thiago. Como
eu disse, você parece doce. Tome cuidado.
Com esse aviso, Camilla se levanta, sorri para mim e vai até a
escrivaninha para pegar o livro que pediu emprestado.
— Posso? Eu vou devolver. Promessa.
— Pegue. Apenas vá.
— Ah, obrigada! — Ela olha para seu prêmio e eu esfrego minha testa,
uma dor de cabeça se formando. Sem outra palavra, ela se foi.
CAPÍTULO QUATORZE
SANTOS

A mensagem que recebo é um endereço a quatro horas da cidade.


Quando entro no Google Maps, aparece um motel que parece tão
convidativo quanto o Bates Motel. Por mais que eu odeie deixar Madelena
no funeral, não tenho escolha. Val estará com ela, porém, eu o instruí a
trazê-la para casa assim que ela estiver pronta.
Minha mente está correndo. Thiago sobreviveu à queda? Os
penhascos? A água estava alta. É possível - se você tiver muita sorte. Mas ele
devia ser um ótimo nadador, não me lembro se ele era... e nunca teve sorte.
Será que ele não estava com o telefone quando estava no farol?
Alguém mais o tem, eles estão me enviando em uma caça ao ganso
selvagem? Ou acessaram a conta dele e estão enviando as mensagens de
outra fonte? É uma possibilidade. Pode ser uma armadilha. Mas não posso
ignorar a mensagem.
Eu paro no estacionamento do motel em pouco menos de quatro
horas que meu GPS previu. Parece ter cinquenta quartos distribuídos por
dois andares. Cerca de um terço deles está ocupado, com base no número
de carros.
Eu verifico a mensagem e estaciono o SUV no final do estacionamento.
O quarto dezenove é o que me enviaram e fica no segundo andar.
Primeiro, mando uma mensagem para Val perguntando sobre
Madelena. Eles ainda estão na casa, aparentemente, o que me surpreende,
mas ele está de olho nela.
Tirando o revólver do porta-luvas, verifico se está carregado e o enfio
na parte de trás da calça. Eu não trouxe uma arma para o serviço fúnebre,
então não tenho meu coldre de ombro.
Depois de olhar ao redor, saio do SUV e caminho até as escadas.
Um SUV bege está estacionado algumas vagas abaixo e além dele está
um Toyota branco desgastado com fita adesiva segurando o para-choque
traseiro no lugar. Pontas de cigarro são esmagadas no asfalto. Na rodovia
em frente, os carros passam voando. Atrás do motel, a floresta de árvores é
densa. No final da escada, passo por cima de uma garrafa de uísque
quebrada. Passo de seis portas para dezenove.
Pelas grandes janelas, vejo que cada um daqueles quartos está vazio,
as camas feitas. As cortinas do quarto dezenove estão fechadas. Pego meu
revólver e o mantenho ao meu lado. Quando chego à porta, percebo que
não está totalmente fechada. Preparando a arma, abro a porta, deixando a
luz da tarde cair sobre a cama desarrumada lá dentro.
Eu não preciso da luz, no entanto. A porta do banheiro está aberta e a
luz fluorescente piscando é forte o suficiente para iluminar o quarto do
hotel. Eu entro, espreito o banheiro. Está vazio. Volto para o quarto. Quem
esteve aqui se foi, não deixaram nada para trás. Sento-me na beirada da
cama, o colchão muito macio pelo uso excessivo, coloco minha pistola na
mesinha de cabeceira. Releio o texto.
Este é o endereço.
Eu tento ligar para o número, que eu tentei várias vezes. Vai direto
para o correio de voz, como sempre. Eu digito um texto.
Eu: Quem é esse?
Porque estou pensando cada vez mais que não é Thiago, mas alguém
com acesso ao aplicativo de mensagens de seu telefone. Por que Thiago me
enviaria em uma busca inútil? Não é como ele.
A primeira caixa de seleção é exibida. Mensagem enviada. A segunda
aparece. Entregue. E é aí que termina.
Com um suspiro profundo, eu me levanto. Vou até a recepção para ver
quem ficou no quarto dezenove, embora eu tenha a sensação de que não há
nenhum rastro de papel.
Mas quando pego a arma para guardá-la, noto que a gaveta do criado-
mudo está entreaberta. Eu o puxo. É barata e gruda e quando eu a abro, ela
sacode com tanta força que o que quer que esteja dentro rola para trás.
Dentro, encontro uma bíblia. Padrão. Abaixo dela, no entanto, há um
envelope. Eu o tiro, deslizo meu dedo sob a aba para abri-lo. Nele há duas
folhas de papel, uma com as bordas chamuscadas que se desprendem em
meus dedos, a outra meia folha rasgada.
Com cuidado, desdobro aquele que parece ter sido arrancado do fogo.
É quase impossível entender o que diz, estou segurando menos de meia
página na mão. As bordas estão pretas, o que resta do papel amarelado está
muito danificado. Parece algum tipo de relatório. Não há nada escrito à mão
nele.
Há uma coisa, no entanto, que me faz parar, que me diz que isso foi
deixado para eu encontrar. Porque vejo um nome que reconheço. Evellyn
Thomas. Thomas é o nome de solteira da minha mãe. Além disso, consigo
distinguir uma marca d'água se repetindo em todo o pedaço de papel
danificado.
O que diabos Thiago Avery ou quem está se passando por ele tem com
o nome da minha mãe?
Nada bom.
Dobro-o novamente, coloco-o com cuidado no criado-mudo e olho
para o pedaço de papel rasgado. Eu sei o que é instantaneamente. Cerro os
dentes de raiva, uma dor antiga queimando meus olhos.
É um pedaço arrancado do relatório da polícia detalhando as
descobertas do legista após a autópsia de Alexia. Examino automaticamente
o texto que posso recitar de cor. Eu o memorizei anos atrás. Gostaria de
saber se esta é a mesma folha que guardei comigo durante os cinco anos em
que servi ao Comandante. Minha tortura secreta pior do que qualquer
outra. Minha falha em mantê-la segura.
Mas este é apenas um parágrafo do relatório de páginas. Um
parágrafo que foi especialmente selecionado. É para me atormentar?
Novamente, não é o MO de Thiago. O relatório nem começa com uma frase
completa, como se o início tivesse sido propositalmente arrancado.
…a vítima sofreu vários ferimentos causados por um objeto
pontiagudo, sete no total na região do estômago e tórax. Estes foram
infligidos de maneira consistente com um perpetrador destro. Ambas as
mãos da vítima foram feridas, indicando que a vítima tentou se proteger
de…
É aí que termina.
Isso eu não redobro cuidadosamente. Isso eu esmago na palma da
minha mão e enfio no bolso.
A visão de como a encontrei ainda é tão vívida como se fosse ontem.
Como seu pai deve ter colocado ela após a morte. Como um pai pode fazer
isso com a filha? Soletrar puta em seu próprio sangue ao longo de seu
estômago dilacerado? Abrir as pernas para desonrá-la na morte?
Engulo em seco. Antes de sair para matar seu assassino, certifiquei-me
de que ninguém a encontraria em uma posição tão degradante. Na loucura
do momento, tentei cuidar dela, mesmo sabendo que era tarde demais.
Eu forço uma respiração profunda para banir a imagem, as memórias,
enfio a mão no fundo da gaveta para pegar o que quer que seja que rolou de
volta. Meu coração dispara quando coloco minha mão em torno dos objetos
e os tiro, não preciso vê-los para saber o que são. Eu me familiarizei muito
com a textura deles. Mas eu olho de qualquer maneira.
Mais três pedras azuis. Três para combinar com a que encontrei
naquela passarela.
Meu estomago aperta. O cabelo na parte de trás do meu pescoço fica
em pé.
Eu me viro para olhar por cima do ombro através da pequena abertura
entre as cortinas, mas ninguém pode estar me observando. Ninguém podia
ver por dentro.
Volto-me para as contas em minha mão, por baixo da manga, vejo as
poucas que aparecem. Uma correspondência exata. Mas isso não significa
nada. A pulseira de Caius está intacta. Eu vi com meus próprios olhos.
Então, enfio as contas no bolso, coloco a folha de papel queimada em
seu envelope e saio daquela sala. Eu olho em volta enquanto vou em
direção ao escritório da frente, observando cada modelo de carro, cada
pessoa que vejo, o tempo todo me sentindo como se estivesse sendo
observada.
Um sino sobre a porta toca quando entro no escritório da frente.
Alguém está pegando troco para a máquina de lavar com o atendente, que
não deve ter mais de dezessete anos. Quando o homem sai, vou até o
balcão.
O garoto me olha, confuso. — Você precisa de um quarto? — Não
devo parecer com sua clientela habitual.
— Não. Pergunta para você. Quem estava hospedado no quarto
dezenove? — Eu pergunto, pegando minha carteira e tirando algumas notas,
parecendo que estou contando.
— Oh. Hum. — Seu olhar se move das notas em minha mão para seu
computador. — Aaron Anon. — diz ele. — O cara faz check-out de manhã.
Pediu para não ser incomodado.
— Aaron Anon. Foi isso que a identidade dele disse?
O garoto cora. — Talvez eu tenha esquecido de verificar.
— Como ele pagou?
Ele aperta alguns botões, embora seja para se exibir. Ele e eu sabemos
a resposta. — Dinheiro.
— Como ele era?
Seu olhar cai para as notas na minha mão novamente e eu deslizo um
pouco do dinheiro para ele.
Ele pega. — Cara grande. Boné de beisebol, moletom. Manteve a
cabeça baixa, então não consegui dar uma boa olhada.
— Hm. Ele tinha alguma cicatriz? No pescoço, talvez?
— Chegou tarde algumas noites atrás. Não consegui vê-lo muito bem.
— Você se lembra de que tipo de carro ele dirigia?
— Eu sei que um táxi o deixou.
— Check-out amanhã, você disse? Ele tinha uma bolsa com ele?
— Não me lembro. Talvez. Eu não sei, cara. Não devo falar sobre
nossos clientes.
— Eu aposto. Obrigado por nada. — Eu saio. Isso foi inútil, não faz
sentido esperar que Aaron Anon, também conhecido como Aaron
Anonymous, volte. Ele não vai voltar. Ele só queria me dar tempo suficiente
para encontrar o que ele me deixou.
Tiro o celular do bolso para ver minha troca com Thiago ou quem quer
que tenha acesso ao aplicativo de mensagens dele. Aperto o botão de
chamada uma última vez e acho que sei o que vou conseguir - e estou certo.
Desta vez, o telefone não toca, não cai na caixa postal. Uma
mensagem gravada aparece para me dizer que o número não está mais em
serviço.
O sol da tarde está se pondo no horizonte. Eu fico do lado de fora
naquele estacionamento e vejo-o descer. Eu encontrei o que eu deveria
encontrar. Não terei mais mensagens do número do Thiago.
As luzes do estacionamento piscam quando atravesso para o meu SUV.
Val me manda uma mensagem enquanto subo. Ele me diz que está levando
Madelena para casa. Peço a ele para avisá-la que estarei de volta em
algumas horas e começarei a longa viagem de volta para Avarice, mas ainda
não vou para casa.
Passa um pouco das dez da noite quando chego à casa de Rick Frey.
Rick Frey é o namorado de Odin e o mesmo homem que conseguiu invadir o
site da empresa de segurança Jax Donovan usado para acessar arquivos que
deveriam ter sido destruídos anos atrás. Ele mora em um apartamento
modesto com sua mãe. Entro no prédio de três andares e subo até o terceiro
andar. Está quieto lá dentro quando toco a campainha, então me lembro da
última vez que Odin e eu estivemos aqui que estava quebrada e bato na
porta.
A primeira vez que visitei Rick Frey, Odin estava ao meu lado. Se não
estivesse, tenho certeza de que Rick teria um ataque cardíaco. Ele é arisco,
uma daquelas pessoas cujo QI é tão alto que pagam o preço socialmente. Eu
me pergunto como ele e Odin se conheceram, na verdade.
Eu bato novamente, mais alto desta vez, ouço alguém correndo para a
porta.
— Quem é esse? — Rick pergunta.
— Santos Augustine.
Passa-se um momento em que as coisas ficam completamente
paradas. É como uma criança fechando os olhos, pensando que está segura
se não consegue ver o perigo.
— Abra a porta, Rick. Eu preciso de sua ajuda.
Eu me pergunto se ele está chamando Odin quando ouço sua voz em
pânico do outro lado, mas quando eu bato novamente, a fechadura estala e
ele abre a porta até onde a corrente permite.
— Seriamente? — Eu pergunto. Ele acha que aquela corrente ridícula
vai me manter fora?
— O que você quer?
— Eu preciso de sua ajuda. Por favor.
Ele hesita, mas fecha a porta e ouço a corrente deslizar antes que ele a
abra. Rick está parado de camiseta preta e jeans escuro, com o telefone na
mão. Parece que ele tomou muito café e não dormiu o suficiente, como da
última vez que estive aqui.
— Odin está a caminho! — ele diz, recuando como se isso pudesse
significar algo para mim.
— Relaxe. Como eu disse, preciso da sua ajuda. — Abro a porta e
entro, observando o minúsculo apartamento, a mobília gasta, mas
arrumada. O cheiro de café queimado vem da cozinha.
— Minha mãe está dormindo. — diz ele. — Ela não gosta de visitas
tão tarde. Você pode, hum, talvez voltar amanhã...
— Não, medo não. Vamos. — Aponto para o quarto dele, que é onde
ele tem o computador. — Calma, Rick. Eu vou te pagar pelo trabalho.
Nisso ele para. — Você irá?
— Se você puder me ajudar.
— Hum. OK. — Ele se move em direção à porta da frente, mantendo
um amplo espaço ao meu redor. Ele a tranca, mas não coloca a corrente e
caminha em direção ao seu quarto.
— Rick? Quem é esse? — Uma mulher chama por trás de uma porta
fechada.
— Apenas um amigo de Odin, mãe. Estou bem. Volte a dormir. — Ele
se vira para mim. — Ela ama Odin.
— Ela faz.
Ele fecha a porta atrás de nós e se senta na cadeira em frente ao
computador. O quarto é pequeno e péssimo, tudo velho e usado, mas é
limpo e arrumado. Novamente, eu me pergunto como ele e Odin De Léon se
conheceram. O que Marnix faria se soubesse que esse é o cara por quem
seu único filho, o homem que deveria levar o nome De Léon, está
apaixonado.
— O que você precisa? — Rick pergunta.
— Isto. — eu digo, tirando a carta do envelope e estendendo-o para
ele ver. — Preciso descobrir o que é esse logotipo. O que o relatório
significa. E eu preciso que você mantenha isso entre nós.
— Sim, sim, cara. Não disse uma palavra sobre a outra coisa.
— Bom. — Eu o pago para manter a boca fechada, então espero isso.
Ele pega a carta. — Tirou do fogo ou algo assim?
— Ou alguma coisa. Você consegue descobrir de quem é essa marca
d'água?
Ele o coloca em sua mesa, coloca os óculos e olha de perto, então
começa a digitar usando os dois dedos indicadores. Ele digita em um ritmo
muito mais rápido do que eu esperava, considerando. Ele olha de volta para
a folha de papel e as teclas continuam clicando enquanto eu olho ao redor
de seu quarto. Não é apenas arrumado, mas estranhamente limpo, quase ao
ponto de ser obsessivamente. São pobres, isso é óbvio, mas fazendo o
melhor que podem com o pouco que têm.
Sento-me na beirada da cama e espero enquanto ele trabalha. Tento
não pensar nas pedras ou naquela folha de papel amassada em meu bolso.
Quinze minutos se passam e ele ainda está nisso. Ele está tão
concentrado em seu trabalho, na verdade, que não reage quando alguém
entra no apartamento. Eu me levanto para verificar quem é assim que Odin
abre a porta do quarto. Ele ainda está vestindo o terno que vestiu para o
serviço, menos a jaqueta.
— O que você está fazendo aqui? — ele me pergunta, então se vira
para Rick. — Você está bem, Rick?
Rick olha para cima e sorri para Odin. — Sim. Eu entrei em pânico.
Desculpe-me, cara.
— Sem problemas. — Odin se vira para mim. — O que você está
fazendo aqui, Santos?
— Eu precisava da ajuda de Rick.
— Você não pode vir aqui. Ele não precisa do seu tipo de problema.
— Está tudo bem, Odin. — Rick diz, dando um tapinha em seu braço.
— Estou bem.
Odin olha dele para mim. — Aonde você foi, afinal? Ela precisava de
você.
Eu respiro fundo me sentindo culpado.
— Por que você não está em casa com ela agora? — ele continua.
— Vou para casa assim que Rick me der o que preciso.
Como se fosse uma deixa, Rick gira a cadeira, com a carta na mão. —
Esse logotipo é de uma empresa privada chamada Illuminate. — Ele aponta
para a tela do computador.
— Illuminate? O que eles fazem?
— Pesquisa genômica principalmente.
— O que isso significa? Como o DNA?
— Sim e não. Um genoma é o conjunto completo de DNA de um
organismo. É principalmente pesquisa para fins médicos, doenças e
tratamento, acredito.
— Doença?
— Pesquisa de câncer para um, eu acho.
Câncer? Vejo o nome da minha mãe naquele pedaço de papel
novamente. Mas isso não faz sentido.
— Isso é uma coisa. Eles fazem um monte de outras coisas.
— Essa folha parece algum tipo de relatório. Você pode dizer o que é
isso?
— Ainda não, mas vê isso aqui em cima? Parece que é um número de
paciente, talvez. Dê-me alguns dias e verei se consigo descobrir quem é e se
consigo acessar os arquivos.
— Eu preciso saber mais rápido. Algumas horas.
— Eu tenho trabalho. Não acho que posso...
— Diga que está doente. — Pego minha carteira e tiro as notas que
sobraram depois de pagar o idiota inútil do hotel. — Me ligue assim que
souber. Odin tem meu número. E não perca isso. — eu digo, apontando para
o relatório carbonizado. — Eu quero de volta.
— Tudo bem, cara. Sem problemas.
Eu olho para Odin que está me observando, ainda parecendo
chateado, mas também preocupado. — Você me liga assim que ele tiver
alguma coisa. Eu não me importo que horas sejam. Entendeu?
— Sim.
— E nem uma palavra a ninguém. Nem mesmo sua irmã.
— O que está acontecendo?
— Nada.
— Certo.
— Nenhuma palavra, fui claro? — Eu pergunto, indo até ele. — Eu não
quero que ela se preocupe.
— Sim. Tudo bem. Claro. Eu já liguei para ela antes de vir para cá,
então ela sabe que você está aqui.
— Por que diabos você faria isso?
— Porque ela é minha irmã e você a deixou sozinha quando ela
precisou de você, idiota. — ele diz, sem recuar. Acho que o respeito mais
por isso.
Cerrando os dentes, saio pela porta.
CAPÍTULO QUINZE
MADELENA

Estou sentada no escuro na sala observando as brasas moribundas do


fogo quando ouço a porta da frente finalmente se abre, as vozes de Santos e
Val enquanto Val diz a Santos onde estou. Provavelmente também como
estou chateada. Dois conjuntos de passos se aproximam, eu me viro para
observar Val continuar enquanto Santos, parecendo um pouco pior pelo
desgaste, para na entrada em arco da sala de estar. Ele faz questão de olhar
o relógio enquanto joga o paletó pendurado no braço por cima do sofá.
— Madelena.
Eu me levanto, largo o lance que tinha no colo no chão e vou até ele.
Estou descalça, então tenho que esticar o pescoço para olhar para ele, o que
é irritante. Colocando minhas mãos em seu peito, eu o empurro,
conseguindo empurrar um ombro para trás, mas sem movê-lo.
— Você desapareceu! De novo!
Ele respira fundo. — Não poderia ser evitado.
Eu bufo, em seguida, empurro para ele novamente. Mas, novamente,
não posso movê-lo. Estou com tanta raiva que não consigo pensar direito.
Minha conversa com Camilla, as coisas que ela me contou sobre o que ele
fez, o que são aquelas cicatrizes, o pensamento de que ela sabe disso sobre
ele, sabe mais sobre Alexia do que eu... é demais. O fato de ele ter contado
a ela sobre alguém tão importante para ele é incompreensível.
Depois, há o fato de que, pela segunda vez desde que o conheço, ele
desapareceu quando eu mais precisava dele - e quando ele voltou para a
cidade de onde quer que estivesse, ele não veio até mim. Ele foi encontrar
Rick para resolver algum novo mistério.
— Que diabos, Santos? Vou precisar de mais do que isso? O que não
poderia ser evitado exatamente?
— Madelena...
Eu levanto minha mão para detê-lo e balanço minha cabeça, com
tanta raiva que não consigo formular meus pensamentos em frases. — Você
sabe o quê? Deixa para lá. Não vale a pena. — Eu passo por ele, mas antes
que eu dê dois passos, ele me segura pelo braço e está me puxando para
trás.
— Não vale a pena? O que isso significa? Isso não vale a pena?
— Me deixe ir!
— Tem sido um dia longo, porra...
— Você sempre parece ter dias longos, porra!
— Pelo amor de Deus! — Ele balança a cabeça, exasperado, e respira
fundo antes de continuar. — Você está errada. Vale a pena. Sinto muito por
ter deixado você sozinha, mas não pude evitar.
— O que não poderia ser evitado?
Seus lábios se apertam e ele leva um momento. — Eu não posso dizer.
Eu preciso descobrir isso primeiro.
— Não é bom o suficiente, Santos. Deixe-me ir. — Eu tento me livrar
de seu alcance, mas ele não me solta.
— Fale-me sobre o serviço. Diga-me...
— Se você se importa tanto, deveria ter ficado para ver por si mesmo.
Deixe-me. Ir.
Ele me leva de costas para a sala, só quando estou encurralada em um
canto ele me solta, colocando as mãos na parede em cada lado do meu
rosto para me prender.
— Eu me importo. Você ainda não sabe disso? Você consegue essa
parte aqui? — Ele enfia um dedo na lateral da minha cabeça e eu levanto o
braço para esbofeteá-lo. No meio do golpe, ele pega meu pulso, sem tirar os
olhos de mim. — Não.
— Você me bateria de volta, não é?
Ele balança a cabeça. — Realmente? Você realmente acredita que eu
faria isso com você? Cristo, Madelena. Você ouviu o que acabei de dizer?
Eu fiz, mas estou com raiva e tenho o direito de estar. Lágrimas não
derramadas obscurecem a visão dele. Tento me libertar, mas ele não me
deixa ir. Eu procuro seu rosto, o verde floresta de seus olhos que ainda são
um mistério para mim. Isso sempre pode ser um mistério para mim, porque
ele não consegue me deixar entrar. Parece que não consegue me deixar vê-
lo, realmente vê-lo, mesmo que ele tenha me visto em meu estado mais
vulnerável.
Mas quando estamos tão perto e posso sentir o calor entre nós e
inalar o perfume que tanto amo, o perfume que se tornou um refúgio ao
longo dos anos, sinto minha determinação desmoronar.
— Maldito seja, Santos!
— Madelena. — ele começa, tom diferente, não tão bravo. Eu desvio
o olhar. Não quero que ele me veja chorar. Mas ele solta meu pulso e toca
meu queixo, virando meu rosto para que eu olhe para ele. — Diga-me que
você sabe que eu me importo com você.
— Apenas me deixe ir.
— Diga-me.
Só quando encontro seus olhos ele tira a mão do meu queixo.
— Então por que você foi embora? — Eu pergunto, deslizando sob seu
braço e correndo em volta dele, sem saber por que estou correndo, para
onde estou indo. Não sei por que tenho medo disso. Lembro-me vagamente
da noite passada, lembro-me de adormecer em seus braços e de ouvir
minha própria voz enquanto falava aquelas três pequenas palavras. Eu
pensei que elas eram um sonho. Esperava que fossem. Mas eu sei melhor.
— Venha cá, querida. — O braço de Santos envolve minha cintura e
ele me puxa de volta. Colocando a palma da mão contra o meu abdômen,
ele examina meu rosto, enxugando uma lágrima perdida, então me beija
profundamente. — Eu ouvi o que você disse. — diz ele, como se estivesse
lendo minha mente. Ele se afasta apenas o suficiente para que possamos
olhar um para o outro.
Eu pisco, deslocando meu olhar para sua boca, seu ombro, qualquer
lugar, menos seus olhos.
— Você não sabe. — ele começa, aquela mão na minha barriga
deslizando para minha coxa, no cós da legging que eu coloquei quando
cheguei em casa. Quando ele se ajoelha diante de mim, ele a puxa para
baixo, minha calcinha com ela. Ele beija meu umbigo, minha barriga, mais
embaixo.
Eu respiro fundo, meus dedos rastejando em seu cabelo. Pretendo
arrancá-lo, mas não o faço.
— Você não sabe que eu sinto o mesmo. — ele sussurra, sua
respiração quente contra meu clitóris. — Você ainda não sabe disso? — Seus
olhos seguram os meus enquanto ele beija, então lambe, então leva a
protuberância dura em sua boca. Estou ofegante, os joelhos tremendo. —
Estou de joelhos diante de você, minha Madelena. Tudo o que você precisa
fazer é abrir os olhos e ver. — ele respira contra mim. Eu gemo de prazer,
dedos entrelaçados em seu cabelo enquanto ele faz amor comigo com sua
língua. Porque é isso. Este é Santos Augustine fazendo amor.
Quando gozo, é um orgasmo lento e profundo que dura e dura. Eu me
torno pura sensação, um coração batendo muito forte, muito rápido, o
sangue correndo em meus ouvidos. E quando acaba, minhas pernas estão
fracas demais para me carregar.
Santos se levanta, me segurando e me beija com força na boca. Ele
pressiona-se contra mim, levantando-me, levando-me para uma mesa
lateral contra a parede. Ele me coloca na beirada dela, me beijando
novamente enquanto empurra minhas pernas. Eu me atrapalho com a fivela
de seu cinto, sua calça. Ele empurra minhas mãos para fazer isso sozinho e
eu observo enquanto ele me puxa para frente e empurra para dentro de
mim.
— Diga por mim. Diga as palavras. — ele diz contra a minha boca, o
pau entrando em mim enquanto eu me agarro a ele. A mesa balança,
instável abaixo de nós. Ele desenha, virando-me. Eu me apoio contra a
parede enquanto ele me empurra por trás. — Diga as palavras. — ele me
diz, seu peito pressionado nas minhas costas, uma mão no meu quadril, a
outra vindo para segurar minha mandíbula, para manter meu rosto virado
para ele enquanto ele me penetra. — Diga-me novamente que você me
ama, Madelena. Porque eu te amo e preciso ouvir você dizer isso. Diga
agora.
Eu faço. Digo a ele que o amo, ele engole o som, suas estocadas vindo
mais fortes, mais profundas. Ele geme em minha boca, os dedos de uma
mão cavam em meu quadril enquanto ele se aproxima de sua liberação. —
Eu te amo. — digo a ele novamente, ele coloca as mãos sobre as minhas na
parede e cerra os dentes sobre a curva do meu pescoço, murmurando uma
maldição enquanto se acalma, latejando dentro de mim, as batidas de seu
coração poderosas contra minhas costas.
Quando acaba, quando recuperamos o fôlego, ele fala.
Eu me viro para observar seu lindo rosto, a suavidade em seus olhos
depois que ele goza, o jeito que ele olha para mim nesses momentos. Eu
amo isso também.
Depois de colocar-se de volta em suas calças, ele me vira de frente
para ele e desliza minha calcinha e leggings de volta. Ele me beija.
— Você entende? — ele pergunta sério. — Você entende que eu te
amo?
Meu coração palpita, perdendo uma batida. — Por quê? — Eu me
ouço perguntar. Que pergunta estúpida.
Ele parece momentaneamente confuso. — Esqueci que você não está
acostumada a ser desejada. Ser amada. Isso acaba aqui e agora.
Antes que eu possa processar, ele me levanta em seus braços e me
carrega escada acima para o banheiro do nosso quarto. Lá, ele prepara um
banho, enquanto enche, tira minhas roupas e as dele e entramos juntos.
Sento-me de costas para sua frente, suas longas pernas embalando as
minhas. Ele envolve seus braços em volta de mim e segura minhas mãos. Eu
percebo as diferenças entre nós, minha pele pálida contra seu tom de oliva,
seus músculos contra minha suavidade. Eu me viro em seus braços e o
encaro porque preciso de mais, então me sento em seu colo para estudar
seu rosto. Quando eu coloco minhas mãos em seus ombros e ele captura
meus pulsos para me parar, eu balanço minha cabeça.
— Deixe-me vê-lo.
— Madelena. — ele começa, soando mais velho.
— Camilla me contou o que eram. — eu o interrompo. — Preciso ouvir
você.
— Camilla? — Ele endurece. — Por que você falaria com ela?
Eu encontro seus olhos. — Não tive muita escolha quando ela me
emboscou no meu quarto.
— Ela foi à sua casa?
— Junto com todos os outros após a missa. Mas isso não importa. Ela
não me assusta. — Eu mudo meu olhar para suas cicatrizes, aquelas linhas
precisamente desenhadas. Deslizo as pontas dos dedos sobre elas, quando
subconscientemente começo a contar, paro. Não quero saber o número.
— Diga-me o que são. — Eu encontro seus olhos. — O que você fez.
Seus lábios se apertam em uma linha, observo sua garganta trabalhar
enquanto ele engole. Ele examina meu rosto, então toca minha bochecha.
— Diga-me, Santos.
— Depois do assassinato de Alexia, depois que matei o pai dela, o
Comandante fez um acordo com meu pai. Eu trabalharia para ele por cinco
anos em vez de passar o resto da minha vida na prisão. Ele poderia
providenciar isso. Ele garantiu que meu pai e eu soubéssemos a extensão de
seu poder. — Santos suspira profundamente, sei que está fazendo um
grande esforço para ele sustentar meu olhar. — O trabalho que fiz para ele
era um trabalho feio - do tipo que deixa suas mãos manchadas para sempre,
não importa o quanto você as esfregue. Thiago e eu éramos seus
executores. Nós… eu machuquei muita gente, Madelena. Talvez se você
soubesse do que eu sou capaz, você não estaria aqui agora. Certamente não
me deixaria tocá-la, não com essas mãos que tanto odeio.
Ele vira o rosto, mas eu o viro de volta. — Estou aqui, não estou? —
Trago aquelas mãos que ele odeia aos meus lábios e as beijo. — E eu amo
essas mãos que me fazem sentir tão segura.
Ele parece confuso. — Eu não mereço você. Eu sei disso.
— Você está tão desacostumado a ser desejado? — Ele apenas me
observa, os olhos tão cheios de ternura. — Diga-me o resto, Santos.
Ele respira fundo. — Havia criminosos com os quais lidamos, é claro.
Mas essas linhas são para os outros. Os inocentes. Os peões nos jogos dos
homens maus. Todas as noites eu voltava para aquela casa miserável depois
de ferir um dos inocentes, eu esculpia uma linha na minha pele. Eu fiz isso
para sentir a dor deles. O terror deles. Para manter uma parte deles em
minha própria pele, porque eles mereciam isso, pelo menos, e eu merecia
ser lembrado.
Eu seguro seu rosto em minhas mãos e me inclino em sua direção para
beijá-lo suavemente nos lábios. Então mudo minha posição para colocar
minha bochecha contra seu peito enquanto ele me embala.
— Isso não muda nada. — digo a ele. — O Comandante foi o
responsável.
— Não querida. Eu poderia ter escolhido um caminho diferente.
Aquele que teria me levado à prisão.
— Ele teria encontrado outra pessoa.
— Não importa. Eu escolhi egoisticamente. Posso admitir isso. Eu
tento fazer reparações agora, reparações financeiras. Não vai trazer
ninguém de volta, mas eu tento. E ele não pode mais machucar ninguém.
Thiago e eu garantimos isso.
— Você o fez desaparecer.
— Qual é o ditado? Viva pela espada, morra pela espada? Quando
meus cinco anos terminaram, ele decidiu acrescentar mais cinco. Ele poderia
fazer isso. Ele detinha todo o poder. Mas ele cometeu um erro. Foi
ultrapassado. Veja bem, Thiago estava tão preso quanto eu. Sozinhos, ele e
eu ainda seríamos os cachorros do Comandante. Mas juntos, éramos mais
fortes do que ele. Eu sabia que sempre poderia haver mais cinco anos, e
outro depois disso, e outro depois disso. E eu estava acabado.
— Estou feliz que ele se foi. — Eu olho para ele. — Camilla estava
apaixonada por você ou algo assim?
Ele olha para mim, uma sobrancelha escura levantada. — Você dá
muito crédito a ela. Uma cobra não pode sentir emoção. Ele só quer afundar
suas presas venenosas em sua presa. O que mais ela disse?
— Não importa. Nada importante. Você vai me dizer onde você
estava?
— Madelena...
— Estamos aprendendo a confiar um no outro, certo? Diga-me.
Ele hesita, mas depois concorda. — A mensagem que mandei para o
Thiago na noite em que você me disse que ele passou pela passarela
finalmente foi entregue. E recebi uma resposta.
— O quê? — Sento-me tão rápido que a água espirra para fora da
banheira. — Ele está vivo? Graças a Deus!
— Não querida. Pelo menos, eu não sei. É improvável. Acho que
alguém está jogando um jogo conosco. E eu não gosto disso.
CAPÍTULO DEZESSEIS
SANTOS

Na hora do almoço do dia seguinte, meu telefone toca. Vejo o nome


de Odin no visor e respondo.
— Rick descobriu o que é esse relatório. — diz ele sem cumprimentar.
Ele soa estranho.
— Bem, o que é isso? — Eu pergunto depois de uma longa pausa do
lado dele.
— Acho que você deveria nos encontrar.
— Por quê?
— Apenas…
— Tudo bem. Onde você está? — Eu pergunto, o medo se instalando
em meu estômago.
— Em um bar chamado Brady fora da cidade. Fica na saída quatorze da
rodovia 85.
— Estarei aí em vinte minutos.
Desligo a ligação, pego meu casaco e saio de casa. Conheço o bar por
ter passado por ele, mas nunca estive lá dentro, estou preocupado por que
eles escolheram aquele local para se encontrar. Claramente, tudo o que Rick
encontrou é delicado.
Chego ao bar, estaciono e entro. Lá dentro, o lugar é mal iluminado, as
janelas escuras. Cheira a cerveja velha e cigarros fumados há uma década.
Música country está tocando e as luzes da discoteca transformam a pista de
dança vazia em vários tons de vermelho. Rick e Odin estão sentados em uma
mesa na extremidade do bar, me aproximo, olhando para cada um dos
poucos clientes e não reconhecendo ninguém. Mas a classe alta de Avarice
não frequentaria este lugar. Inferno, eles não seriam pegos mortos aqui.
Puxo a única cadeira vazia da mesa, tiro o casaco, coloco-o nas costas
e me sento.
— Posso pegar algo para você? — uma garçonete pergunta.
— Club soda. — eu digo, levantando minhas sobrancelhas para os dois.
Cada um deles tem uma cerveja quase vazia à sua frente e pedem
outra rodada. Rick parece nervoso e Odin engole o que resta em seu copo.
— O que você achou? — Eu pergunto quando ela se foi.
Rick abre sua mochila que está no chão ao lado dele e me entrega o
envelope que contém a folha de papel queimada. Junto com ela, ele estende
outra, esta mais grossa.
— O que é isso? — Eu pergunto, não querendo pegá-lo.
— O relatório. O relatório completo.
Aquele sentimento de pavor que eu sentia desde que Odin ligou
piorou. É o jeito que eles estão olhando para mim. Pego o envelope, mas
não tiro o que está dentro dele.
— Eu disse a você o que o Illuminate faz no que diz respeito ao
público. Mas eles também fornecem testes de DNA discretos. — diz Rick.
A garçonete traz nossas bebidas. Rick para de falar e não percebo
como Odin está me observando.
— Desembuche, Rick. — digo assim que a mulher sai.
Odin continua quando Rick não. — Essa é uma cópia do relatório que
foi queimado. — diz Odin. — Rick conseguiu acessar o arquivo.
— O que tem nele?
— É do Caius.
— Caius? — Eu pergunto, confuso.
— Abra. — Odin gesticula para o envelope enquanto Rick pega seu
copo com as palmas das mãos suadas e esvazia o conteúdo ruidosamente.
Pego os papéis, desdobrando-os. Reconheço a marca d'água que se
repete por toda parte. Posso ver uma marca semelhante à carbonizada,
embora esta folha seja de um branco imaculado, as bordas não tenham sido
transformadas em cinzas, o papel não amarelado pelo tempo.
Eu leio o nome completo da minha mãe nele. Evellyn Thomas. Ela está
na coluna intitulada Mãe. Sob a coluna intitulada Criança está o nome de
Caius.
Um suor frio brota em minha testa, sob meus braços. Arrasto meu
olhar para a coluna rotulada como suposto pai, meu mundo vai para o lado.
Nunca soube quem era o pai de Caius. Mamãe nunca falou sobre ele.
Papai nunca fez. Eu nunca tive certeza se ele sabia.
— Isso não pode estar certo. — digo a Rick, virando o papel, virando-o
de volta para ver a data do relatório. Tem onze anos. Caius teria então quase
vinte e um anos.
— Está certo, cara. — diz Rick. — Essas coisas estão 99,999999% ok.
Minha mão se transforma em um punho. Estou esmagando o relatório
na palma da mão. — Não pode ser. — Eu empurro minha cadeira para trás
ruidosamente e me levanto, então preciso segurar a borda da mesa porque
é como se eu tivesse me levantado rápido demais.
— Você vai ficar bem? — Odin pergunta, ficando de pé.
Eu olho para ele, então para Rick. Eu me inclino para ele, o pego pelo
colarinho. — Se você estiver errado, porra...
— Eu não estou. — diz ele, parecendo apavorado.
— Ele não está, Santos. Você pode não gostar do resultado, mas ele
não está errado.
— Eu preciso ir. — Eu começo a sair.
— Espere. — Odin corre para o meu lado. — Preciso falar com minha
irmã. Ela está em casa?
— Você não pode dizer a ela. Você não pode respirar uma palavra
sobre isso. Eu vou te matar se você fizer isso.
— Eu não vou. É outra coisa.
Eu não respondo a sua pergunta. Não consigo pensar em nada além do
que está naquele relatório agora.
— Seu casaco. Você esqueceu seu casaco. — Rick diz, empurrando
meu casaco em minhas mãos.
Saio em meio à neblina, entro no carro e dirijo, e dirijo com aquele
maldito relatório no banco ao meu lado, constante na minha periférica. Eu
não quero ver isso. Pensar nisso. Eu não quero saber disso.
Porque se o que está naquela coisa for verdade, isso muda tudo.
CAPÍTULO DEZESSETE
MADELENA

Encontrei a biblioteca há alguns dias, mas hoje é o primeiro dia que


posso explorá-la. Esta casa é quase como voltar ao passado. Nunca sei o que
vou encontrar quando ando por um corredor ou abro uma porta. O estilo
gótico combina com ela, a família Augustine não poupou despesas.
A biblioteca é uma grande sala que se estende por dois andares.
Estantes revestem três das quatro paredes. No lugar onde deveria estar o
segundo andar, há uma passarela, no térreo, uma escada de correr para
acessar os livros nas prateleiras mais altas. É como algo saído de um conto
de fadas. As janelas revestidas de ferro e o que parecem ser cadeiras de
leitura de couro antigo, juntamente com o cheiro do lugar, gritam história.
Vou perguntar a Santos quanto do cômodo estava intacto quando seu
pai comprou o imóvel. Vejo que algumas das estantes estão levemente
danificadas e foram consertadas. Eu acho que elas podem ser originais desta
casa.
Santos saiu há pouco, mas disse que voltaria para o jantar. Estou
sentada em uma daquelas cadeiras com um caderno de desenho no colo,
olhando para a luz do entardecer, me preparando. O que Santos pensava ser
um diário escondido sob o assoalho do meu quarto é, na verdade, meu
primeiro caderno de desenho. Trouxe-o para casa comigo depois do serviço
fúnebre.
Eu toco a capa. É um caderno espiral barato, nada de especial, a capa
azul clara desbotou com o passar dos anos. Eu abro, meu batimento
cardíaco acelera quando eu faço e vejo o primeiro esboço. Era jovem
quando desenhei, e é infantil, mas não é ruim. Não sei por que desenhei
essa coisa em particular, mas me lembro de fazê-lo. Eu estava no clube
sozinha depois da escola enquanto papai participava de uma reunião. Minha
babá estava doente e papai foi forçado a me levar junto.
Ainda me lembro do momento claro como o dia, embora já se
passaram anos. Ao sentar-me naquela mesa e tentar não ver o farol, fiz uma
escolha. Abri meu caderno e do meu estojo, tirei um lápis da Hello Kitty e
apontei. Então, me obriguei a olhar para o enorme edifício à distância. Isso
me aterrorizou. Isso sempre me aterrorizou. Mas me obriguei a isso. Eu
esbocei o farol.
Essa foi a primeira vez.
Eu desenhei de novo e de novo e de novo ao longo dos anos.
Cada página que você vira neste caderno é outro esboço do mesmo
assunto. Você pode ver minha progressão ao longo do tempo, mas não é
isso que me interessa. O que é tão poderoso neste caderno é que posso me
lembrar de todos os sentimentos que senti quando desenhei cada um deles.
É por isso que eu o escondi assim que a última página foi preenchida. Eu não
conseguia olhar para ele por um longo tempo. Mas agora, descobri que
quero.
Uma batida na porta da biblioteca me assusta, eu me endireito
quando Jocelyn, a mesma mulher que me pegou saindo do escritório de
Santos na outra noite, abre. Não gosto dela, embora saiba que ela estava
apenas fazendo seu trabalho quando relatou que eu estava no escritório.
— Aí está você. — diz ela. — Você tem um visitante.
Odin entra antes que eu possa perguntar quem é, me levanto
enquanto ela se retira.
— Esta é uma boa surpresa. — Eu vou abraçá-lo, ele me abraça de
volta, então entra na sala.
— Uau.
— Eu sei.
Ele me olha, os olhos fixos no caderno ao meu lado. Ele sabe o que é e
não menciona.
— O que você está fazendo aqui? — Eu pergunto, levando-o para
dentro. — Tudo bem?
— Sim. Eu precisava falar com você sobre uma coisa.
— OK. Você quer algo para beber ou comer?
Ele balança a cabeça enquanto cada um de nós se senta em uma
poltrona. — Eu tive uma reunião com o Sr. Jamison. Lembra-se dele?
— Eu devo?
— Acho que não. Ele era o advogado do tio Jax e executor de seu
testamento.
Isso não é o que eu estou esperando.
— Você fará vinte e um anos em breve. — ele diz.
— Eu sei.
— Sr. Jamison não conseguiu falar com você porque você não tem
telefone, se seu marido não cuidar disso, eu cuidarei.
— Ele vai me dar um. E a reunião?
— A casa do tio Jax esteve sob custódia todos esses anos. Eu não
sabia. Presumi que papai a assumiu, embora me pergunte por que ele nunca
a vendeu.
— Ainda não estou entendendo.
— Bem, de acordo com o advogado, o tio Jax deixou para você.
— O quê?
— Sim. Quando você fizer vinte e um anos, é sua. O Sr. Jamison disse
que o tio Jax se certificou de que a casa deveria ser mantida em seu nome
caso algo acontecesse com ele.
— Por que ele deixou para mim?
Odin encolhe os ombros. — Eu herdarei nossa casa. Talvez ele
soubesse disso e quisesse ter certeza de que você estava bem.
— Não tenho certeza se quero. Ele morreu nela.
— Eu sei. É muito para processar. Há mais uma coisa. É estranho,
embora eu ache que não, agora que sabemos. Tio Jax havia deixado
instruções específicas de que o Sr. Jamison deveria lidar apenas com você ou
comigo. Não nosso pai. Não importa o que. Eu me pergunto se ele sempre
soube que as coisas poderiam dar errado com o papai, e considerando...
Ele não termina. Ele não precisa, eu não quero que ele faça. — O que
acontece agora?
— Este é o cartão dele. — diz ele, enfiando a mão no bolso para
entregar um cartão de visita.
— Ele marcou um encontro no seu aniversário. — diz ele. — Eu
gostaria de estar lá com você.
— Claro. Eu não quero ir sem você. Mas o que vou fazer com isso? —
Não entro desde que ele faleceu.
— Ele queria que você a tivesse. Você pode decidir o que fará com ela
mais tarde.
Concordo com a cabeça e enfio o cartão de visita no bolso. — Papai
sabia?
Odin hesita.
— Diga-me.
— Ele tentou assumir o controle com a desculpa de que cuidaria dela
até você atingir a maioridade, mas o testamento do tio Jax era muito
específico para proteger contra isso.
— Deus. Não gosto de pensar nisso.
— Então não faça isso. Ainda não. Você tem tempo para processar.
Santos está aqui? — Odin pergunta.
Eu balanço minha cabeça. — Não. A propósito, por que ele foi à casa
de Rick?
— Oh nada. — Odin não consegue segurar meu olhar, mas confessa
em um minuto porque nunca mentimos um para o outro. Não podemos
começar agora. — Eu vou deixar ele te contar.
— Isso soa ameaçador.
— Não tem nada a ver com você ou comigo. — Eu levanto minhas
sobrancelhas e abro minha boca, mas Odin se levanta. — Afinal, estou com
fome. Podemos comer alguma coisa?
— Você está tentando me distrair.
— Está funcionando? — Ele estende a mão, com a palma para cima. —
Apenas deixe ele te contar, Maddy. Acho que isso é com ele.
Coloco minha mão na dele. — OK.
Saímos da biblioteca, assim que viramos a esquina, paro de repente.
Eu ouço Odin murmurar uma maldição atrás de mim. Ele põe a mão no meu
ombro como se quisesse me puxar de volta.
— Lá está ela. — diz Caius. Ele está parado dentro do hall conversando
com Jocelyn - ou mais precisamente, ouvindo-a falar. Ele se endireita, então
se afasta dela. Ele me olha, muda seu olhar além de mim para Odin e sorri.
Ele dispensa Jocelyn com apenas um aceno de cabeça. Ela se afasta,
obediente. Acho que ela ainda sente que trabalha para ele desde que ele
morava aqui.
Lembro-me de nossa última conversa, duas partes distintas dela vindo
à mente. Uma foi onde ele fez o comentário sobre se tornar menos humano.
A outra, a ameaça de que me machucaria se eu machucasse o Santos.
— Caius. — eu digo, forçando um sorriso e caminhando em sua
direção.
Odin acompanha o passo ao meu lado.
— Bom te ver, Madelena. — diz Caius. Ele beija minha bochecha e
estremeço ao ver como sua pele está fria. Embora seja um raro dia
ensolarado, está abaixo de zero. — Odin. — Ele embaralha o pacote e o que
parece ser uma correspondência para apertar a mão de Odin.
Odin hesita, me lembro de outra coisa que Caius disse sobre não ser
bom o suficiente. Não sendo desejado. Observo o rosto de meu cunhado e
descubro que não consigo sentir pena dele. Não sei o que há com ele, mas
não posso. Embora eu seja grata quando eles apertam as mãos e não é
estranho.
— Onde está meu irmão? Trouxe algumas correspondências que
chegaram ao apartamento. — Ele aponta para as cartas e o pacote que está
segurando.
— Ele não está aqui. Vou levar. — eu digo, ele entrega tudo.
— Algumas coisas são dirigidas a você.
— Oh?
— Se importa se eu entrar? Eu queria pegar mais algumas coisas do
meu quarto.
— Vá em frente. — eu digo a ele, então me viro para Odin quando
Caius sobe as escadas. — Eu volto já. Vou deixá-las no escritório.
— Claro. — ele diz, olhando para Caius escada acima. Ele não gosta
dele mais do que eu.
Levo as coisas para o escritório de Santos e as coloco sobre a mesa,
olhando casualmente para elas. Encontro uma caixa endereçada a mim.
Quando a abro, vejo que é um iPhone. Santos comprou. Eu o tiro da caixa e
aperto o botão para ligá-lo. Quando a mensagem de boas-vindas pisca na
tela, Odin aparece na porta.
— Ei. O que é?
Pego o telefone e saio para o corredor. — O telefone que Santos
encomendou.
Ele sorri amplamente. — Vou ajudá-la a prepará-lo durante o almoço.
— Alguém disse almoço? — Caius pergunta, descendo as escadas com
uma mochila.
Odin e eu trocamos um olhar.
— Oh vamos lá. Não sejam assim. Sinto falta de comer aqui. — Ele
deixa cair sua mochila na porta e caminha em nossa direção. — Além disso
— ele começa, colocando-se entre nós e colocando a mão na parte inferior
das minhas costas para me guiar em direção à cozinha como se eu fosse
uma inválida. — Eu poderia usar alguma companhia. Ana e eu terminamos
hoje de manhã.
Eu olho para ele. Ele tem a mão livre sobre o coração como se
estivesse ferido. Ele não está. Posso ouvir em seu tom frio.
— Você fez? — Eu pergunto, me afastando e cruzando os braços sobre
o peito.
Ele sorri. — Ela é muito pegajosa e possessiva. Nunca gostei desse tipo
de mulher. E ela tem uma queda por você, Mad Elena.
— Por que você é tão idiota? — Eu me afasto dele.
Ele me alcança, pega meu braço e me gira. — Isso foi de mau gosto.
Desculpe.
— Tudo bem. Solte-me.
— Ela é uma cadela. — diz ele. — Você estava certa sobre ela.
— Eu nunca disse que ela era uma vadia. — Eu puxo me soltando. E
quanto a ser uma vadia, ela é, mas eu nunca disse isso a ele, disse?
— Mas você pensa isso, ela é. Apenas sendo honesto. Vamos comer.
Estou morrendo de fome.
CAPÍTULO DEZOITO
SANTOS

Entro na sala privada do spa que atende à elite de Avarice e encontro


minha mãe relaxada em uma cadeira com quatro atendentes ao seu redor.
Duas estão polindo as unhas das mãos, as outras duas, as dos pés.
— Santos. — Ela se senta de sua posição inclinada, claramente
surpresa.
— Fora. Todas. Agora. — eu ordeno.
As quatro atendentes olham de mim para minha mãe e uma para a
outra.
— Eu disse para fora!
— Vão. — mamãe diz a elas enquanto elas estão se levantando,
tropeçando umas nas outras para sair.
Uma vez que a porta está fechada, puxo uma cadeira e sento de frente
para minha mãe, olhando para sua expressão confusa enquanto ela balança
as mãos no ar para secar as unhas.
— Eu gostaria de poder dizer que é bom ver você, mas isso foi
simplesmente embaraçoso.
— Constranger você era a última coisa que me passava pela cabeça.
— Elas vão ter que começar do zero. — diz ela, olhando para as unhas.
— Espero que você tenha uma boa razão para isso.
Ela mal terminou quando eu coloco o relatório que Rick imprimiu para
mim na mesa na frente dela. É uma coisa frágil e chacoalha, um frasco
aberto de esmalte vermelho-sangue voando pela borda e caindo de lado. Ele
não quebra, mas o esmalte começa a escorrer dele.
Mas minha mãe nem olha. Não tenho certeza se ela ouviu o estrondo.
Seus olhos estão grudados naquele relatório, seu rosto ficou mortalmente
branco.
— Ele sabe? — Eu pergunto, minha voz soando estranha. A traição
parece uma porra de uma faca nas minhas costas.
Ela leva uma eternidade para olhar para mim, quando o faz, seus olhos
azuis vívidos nadam em lágrimas.
— Onde você conseguiu isso? — ela pergunta, a primeira daquelas
lágrimas caindo em seus cílios.
— Ele sabe?
Ela balança a cabeça, enxugando as lágrimas com as costas das mãos,
tomando cuidado para não manchar o rosto com esmalte ainda úmido.
Eu expiro. Porque estou aliviado. Se Caius soubesse e escondesse de
mim, seria uma verdadeira facada nas minhas costas. Porque meu irmão e
eu sempre fomos nós. Não importa o quê. Ele sempre esteve ao meu lado
em tudo, eu preciso dele.
— Onde você conseguiu isso?
— Papai sabia?
— Não. Ninguém o fez.
— Que tal o Comandante Avery?
Ela me observa, me estudando, seus olhos claros novamente. Eles
saltam entre os meus como se ela estivesse tentando descobrir a melhor
forma de responder.
— Não é uma pergunta difícil. O Comandante Avery sabia que Caius é
filho dele?
Ouvir isso em voz alta é como um tapa na cara tanto para mim quanto,
ao que parece, para ela. Ela balança a cabeça lentamente.
Levanto-me, passo a mão pelo cabelo e ando pela sala uma, duas
vezes. — Eu não entendo.
— Santos, sente-se.
Eu balanço minha cabeça.
— Sente. Vou explicar, mas apenas sente-se. Dê-me um minuto.
Olho para minha mãe e vejo algo que nunca vi antes. Temor. Está nos
olhos dela. Se ela não mantivesse as consultas regulares de Botox, acho que
sua testa ficaria cheia de rugas. Então é isso.
Ela empurra o cabelo para trás das orelhas, algo que nunca faz porque
está muito consciente da cicatriz ao longo de sua têmpora. Ela pega a taça
de vinho branco ao lado dela e bebe tudo como se fosse água antes de me
encarar e pegar minhas mãos.
— Eu trabalhei para eles. Era uma criança. Quase dezessete anos.
— Você trabalhou para a família Avery? — O choque é óbvio em meu
tom.
Ela acena com a cabeça, penso nas poucas vezes em que minha mãe
esteve na mesma sala que eles. Se ela tivesse apenas dezessete anos, Liam e
Camilla ainda não teriam nascido. Thiago sim, embora fosse muito jovem
para ter qualquer lembrança dela.
Mas Bea se lembraria dela.
— É por isso que não pude mostrar meu rosto quando ele veio para te
levar. Tive medo de que ele me reconhecesse.
— Não estou acompanhando.
— Eu trabalhava como parte do pessoal doméstico. Fazia apenas
alguns meses que eu estava lá quando ele... me notou. — Ela desvia o olhar
para baixo e vejo outra coisa que nunca vi em minha mãe. Vergonha.
— Mãe?
— Ele gostava de certas mulheres jovens. Mulheres que estão sob seu
controle. Quem não pode recusar. Isso não pode ser uma surpresa para
você.
Não é. Mas foda-se. Minha mãe?
Ela engole em seco e olha para cima, vejo o esforço que ela faz para
encontrar meus olhos. — Ele não aceitava não como resposta. Você sabe
disso melhor do que ninguém. — Ela está tentando conter as lágrimas, mas
um soluço sai de sua garganta. Ela enxuga furiosamente os olhos.
— Jesus. — Estou de pé novamente. Andando. Jesus. Porra. Não. Isso
não.
— Eu precisava do trabalho. Meus pais dependiam de mim. Eu não
podia sair. E ele sabia disso. — Ela leva um minuto para se servir de outro
copo cheio de vinho e bebe também. — Durou seis semanas. Quando soube
que estava grávida, fui embora. Eu fugi antes que ele pudesse descobrir.
Porque eu não iria deixá-lo colocar seus ganchos em meu bebê.
— Bea sabia?
— No que dizia respeito a ela, eu estava indo de bom grado para a
cama dele. Mas nunca foi uma escolha.
— Como você conseguiu se livrar dele?
Ela põe a mão na boca e a leva à testa. Ela prende o cabelo para trás
para que eu possa ver a cicatriz completamente. A pele é mais pálida do que
o resto do rosto e irregular.
— Ela me ajudou.
A bile sobe na minha garganta.
Minha mãe bufa, uma risada feia acompanhada de lágrimas. —
Embora eu suponha que 'ajudou' não seja bem a palavra. — ela continua. —
Ela encontrou o teste de gravidez e me procurou com uma solução. Ela
queria que eu fosse embora tanto quanto eu queria ir embora, mas não é
como se você pudesse se afastar daquele homem. Essa família. Então, ela
me fez uma oferta.
Ela pega a garrafa de vinho, mas eu pego dela e coloco de lado. Eu
seguro suas mãos trêmulas.
— Diga-me.
Ela demora muito para continuar. — Ela me ofereceu uma saída.
Dinheiro. Um meio de desaparecer. — Ela diz tudo isso com os olhos baixos,
quando os vira para mim, vejo como seu habitual azul-celeste é escuro.
Como nublado na sombra. — Mas havia um preço. Eu tive que ser punida
primeiro.
— Ela fez isso com você. — Não é uma pergunta.
Ela acena com a cabeça. — Poderia ter sido pior. Ela poderia ter tirado
um olho. Ela sempre foi uma cadela ciumenta, com ciúmes de qualquer
mulher que seu marido porco olhasse duas vezes. Como se alguma de nós
quisesse sua atenção. — Sua voz é amarga no final, mas mais forte, mais
parecida com a mulher que conheço.
— Ácido?
— A especialidade dela. E sei que tenho sorte, Santos. Eu vi o que ela
fez com as azaradas.
— Papai nunca soube?
— Não. Nunca.
— O Comandante vindo atrás de mim, atrás de Alexia... Como ele me
encontrou?
Ela me estuda por um minuto, então balança a cabeça. — Tenho
certeza que ele ouviu o que você fez e quem era seu pai, o que era seu pai.
Naquela época, Brutus era um bandido de baixo escalão, o Comandante
deve ter pensado que você seria igual a ele. Por que não ter um homem
jovem e forte que está em dívida com ele como seu executor? Se ele pode
fazer isso com Thiago, seu próprio filho, por que não você?
Eu processo isso, tentando dar sentido a isso. O mundo está cheio de
gente. Por que chamei a atenção dele?
— Ele me levou para puni-la? — Eu pergunto.
— O quê? Você acha que eu...
— É uma estranha coincidência, não acha? Que ele prejudicaria nossa
família não uma, mas duas vezes?
— Você acha que estou mentindo? — Ela puxa as mãos das minhas.
— Eu te perdoaria. Você sabe disso. E eu prefiro que ele me castigue a
você mil vezes.
— Mas você acha que estou mentindo.
Balanço a cabeça, sentindo culpa. Mas não acredito em coincidência.
Nunca fiz.
— Você acha que eu tive uma escolha e deixei-o levar você? — ela
pergunta. Seus olhos são pires e as lágrimas escorrem livremente deles.
— Não. Não, eu não. Desculpe, não quis inferir isso. Pare de chorar,
mãe. Eu não quero fazer você chorar. Isso já é ruim o suficiente. — Pego
suas mãos novamente.
— Na verdade, é um alívio que alguém além de mim saiba.
— Mas você tem certeza que Caius não?
— Ele não pode saber, Santos. Não quero pensar no que isso faria com
ele. Onde você conseguiu o relatório?
— Não importa. Eu o destruirei.
O celular da minha mãe, que está ao lado da garrafa de vinho, toca. Ela
olha para mim antes de responder. Eu olho para a tela. É Cummings. — Vá
em frente. — digo a ela, levantando-me e virando as costas para lhe dar um
pouco de privacidade.
Ela funga, preparando-se, suponho, e responde. Ela soa como ela
mesma, não como a mulher que acabou de desmoronar diante dos meus
olhos. Ela diz a ele que está atrasada e que estará lá em breve.
— Vocês dois estão namorando ou algo assim? — Eu pergunto uma
vez que ela desliga a chamada.
— Ele não é um homem mau.
— Se você está feliz, então estou feliz por você. Vá em frente. Vá ao
seu encontro. — Eu ando até a porta.
— Santos? — ela chama, de pé.
Eu viro.
Ela caminha até mim, me abraça. — Você é um bom filho. Tenho sorte
de ter você e Caius.
Eu a abraço de volta. — Obrigado, mãe.
CAPÍTULO DEZENOVE
MADELENA

Odin, Caius e eu sentamos no balcão da cozinha. Caius é o único de


nós que parece estar se divertindo enquanto come um sanduíche, embora
seja fim de tarde.
— Se adaptando bem? — ele pergunta.
— Estou, obrigada. Você e sua mãe?
Ele dá uma mordida em seu sanduíche. — Para ser honesto, nós dois
preferimos. Um pouco mais animado do que este lugar. Mais pessoas
zumbindo por aí.
— Hum.
— O quê?
— Não tenho a impressão de que você gosta de muita gente, Caius.
— Ah, eu não. Mas torna as coisas interessantes. — Ouço o toque de
uma mensagem de texto e ele enfia a mão no bolso para pegar o telefone.
Quando ele lê o texto, seu sorriso fácil desaparece e sua mandíbula aperta.
— Ana? — Pergunto apenas para provocá-lo. — Ela quer você de
volta?
Ele nem olha para mim. Em vez disso, ele coloca o sanduíche na mesa
e digita uma resposta antes de colocá-lo de volta no bolso. Ele escorrega do
banquinho e limpa a boca. — Eu tenho que correr. — diz ele com um sorriso
tenso.
— Correr para onde? — Santos pergunta. Todos nos viramos para
encontrá-lo parado na entrada da cozinha. Ele entrou tão silenciosamente
que nenhum de nós notou. Seu cabelo está arrepiado em alguns lugares
como se ele estivesse passando as mãos por ele repetidamente, sua
expressão é cansada. Essa linha entre as sobrancelhas parece ter se
estabelecido permanentemente.
— Ei, irmão. — diz Caius.
Santos entra na cozinha. Ele estuda o irmão e não consigo ler a
expressão em seu rosto.
— Para onde você está correndo? — Santos pergunta.
— Algum problema com a entrega no apartamento. Acho que mamãe
não está em casa para cuidar disso.
— Ela saiu com Cummings. Deixe outra pessoa lidar com isso. Fique
por perto. Eu vou acompanhá-lo.
O telefone de Caius vibra novamente. Ele não o tira, mas enfia a mão
no bolso, presumo que seja para silenciá-lo. — Mais tarde. Venha ao clube.
Vamos tomar uma bebida. — Ele olha para mim, em seguida, de volta para
Santos. — Traga sua esposa. Será uma festa de aniversário antecipada. Vinte
e um em breve, certo?
Concordo com a cabeça, confusa por ele ter lembrado a data.
Ele se volta para Santos, que está parado como uma estátua, os olhos
fixos no irmão. — Tudo certo? — Caius pergunta a ele. Ele coloca a mão em
seu ombro e Santos olha para ela, depois de volta para seu rosto.
— Sim. Tudo certo. Bem, vejo você mais tarde.
Caius assente, dá um tapinha no braço do irmão e vai embora. Santos
o observa sair e só quando ouve a porta da frente fechar é que se volta para
Odin e para mim. Odin, como se entendesse alguma dica não dita, se
levanta.
— Eu preciso sair também. Ligue-me mais tarde. — ele me diz.
— Eu vou. — Levanto-me para abraçar meu irmão e ele também sai.
Santos respira fundo quando somos nós dois. — Peguei meu telefone.
Obrigada. — Eu mostro o novo e mais recente modelo de iPhone.
— Bom. Estou feliz que chegou aqui. Você pode configurá-lo?
— Sem problemas. Seu número já estava programado nele, então
presumo que você tenha o meu.
Ele concorda.
— Você está bem? — Eu pergunto, indo até ele.
Ele parece distraído. É isso que é. Ele está distraído, mas também
triste, como se carregasse um novo peso nas costas.
Ele pega meus braços, então me puxa para perto para me segurar por
um longo minuto. — Vamos sair daqui. — Ele se afasta para olhar para mim,
apertando meus braços gentilmente. — Vamos só um pouco.
Eu aceno porque algo está errado.
Ele pega o telefone e digita uma mensagem. Eu ouço o ding de uma
resposta momentos depois. Ele me leva escada acima até o quarto, onde
jogamos roupas e artigos de higiene em uma mochila. Ele me deixa na porta
da frente para conversar com Val por alguns minutos, então ele e eu saímos.
— Onde estamos indo? — Eu pergunto enquanto ele sobe no lado do
motorista do SUV e liga o motor.
— Norte. Tem um lugar que eu conheço. — Ele olha para mim. — Você
vai gostar.
— O que está acontecendo, Santos? Por que essa viagem repentina?
Suas sobrancelhas se juntam e ele mantém o olhar fora do para-brisa
dianteiro. — Eu quero levar você embora, ter você só para mim, para variar.
Não posso fazer isso com minha esposa?
— Claro, mas você disse a seu irmão que o encontraríamos.
— Está bem. Eu ligo para ele mais tarde. — Ele sorri para mim quando
entramos na rodovia. — Seu aniversário está chegando. Este pode ser um
presente antecipado.
— Não preciso de presente. Você me deu um telefone. Tem certeza de
que está bem?
Ele concorda.
— Odin me disse uma coisa hoje.
— Odin? — ele vira seu olhar escuro para mim.
— Sobre o testamento do meu tio.
Leva um momento, mas ele relaxa, eu explico sobre o testamento do
tio Jax . — Isso é inesperado. Você não tinha ideia?
Eu balanço minha cabeça. — Papai aparentemente fez e estava
tentando colocar as mãos na casa pelo menos até que ela fosse transferida
para mim. Não tenho certeza do que ele teria feito com isso.
— Assim como ele.
Acomodo-me no banco, hiperconsciente de Santos, que está perdido
em seus próprios pensamentos com as mãos apertadas no volante e o corpo
todo tenso.
Dirigimos em silêncio, quando chegamos a uma cidade chamada Hells
Bells, estou com fome e pronta para esticar as pernas.
— Nunca ouvi falar desse lugar. Nome bonito.
— Cidade menos conhecida do que as que a rodeiam. Espero que
continue assim. O turismo arruinaria o lugar.
Santos dirige mais alguns minutos até chegarmos a uma pequena
estrada que leva à menor capela que já vi.
Eu olho para ele enquanto ele faz a curva, em seguida, dirige o SUV
para uma casa atrás da capela. Ela também é pequena - uma casinha
modesta que parece pertencer a uma floresta de conto de fadas aninhada
entre grama alta e arbustos. É um jardim natural e selvagem através do qual
um caminho de pedra curvo leva à porta da frente.
As luzes estão acesas por dentro e parece convidativo e aconchegante.
Santos estaciona o SUV, pega nossa bolsa na parte de trás e vem para
o meu lado quando estou saindo.
— Uau. Isso é adorável. — eu digo. Uma brisa fresca levanta meu
cabelo de meus ombros e eu me aconchego em meu casaco.
— Venha, Madelena. — diz Santos, envolvendo a minha mão na sua.
Subimos o caminho.
— Ela tem vista para a água? — Pergunto quando nos aproximamos da
porta da frente porque com o vento ouço o barulho das ondas e sinto o
cheiro do ar salgado.
— Sim. As vistas são acidentadas e incríveis. — Ele sorri e a porta se
abre como se alguém estivesse esperando por nós. Um homem de cerca de
cinquenta anos o vê e para, depois abre um grande sorriso e vem abraçar
Santos, dando-lhe tapinhas nas costas como os homens fazem quando se
abraçam.
Observo os ombros de Santos relaxarem, quando ele recua, dou uma
boa olhada no homem. Ele tem uma cicatriz que divide o lado direito do
rosto. Levo tudo o que tenho para não olhar para isso e para o colar que ele
está usando. Ele é um padre.
— Bem, eu estarei. — diz o homem, olhando-o de cima a baixo. —
Santos Augustine. Há quanto tempo, meu amigo?
É fácil ver o carinho entre eles.
— Alguns anos. — Santos sorri para ele. — Muitos.
O homem estuda Santos, quando sorri, a pele ao redor dos olhos
enruga. Ele é gentil. Eu sei disso sem ter que saber mais nada sobre ele.
Ele se vira para mim e aquele sorriso se espalha. — Bem-vinda minha
querida. Saia do frio. — Ele sai do caminho para nos convidar a entrar no
chalé.
— Espero que não estejamos nos intrometendo. — diz Santos
enquanto o homem fecha a porta. Inalo o cheiro delicioso da comida e
aspiro o crepitar do fogo quente e brilhante na lareira da sala. Entramos na
sala circular com seus móveis aconchegantes. A luz está acesa na pequena
cozinha ao virar da esquina.
— De jeito nenhum. A casa estava vazia. Só precisava de um pouco de
arrumação. — Ele se vira para mim e espera com expectativa.
— Madelena, este é o Padre Michael. Padre Michael, minha esposa,
Madelena.
— Esposa? — As sobrancelhas do padre Michael se erguem em
surpresa. — Essa é uma boa notícia. Estou muito feliz em conhecê-la. Você
deve estar cansada depois da viagem. Eu vou sair do seu caminho. O jantar
está no forno. Não se preocupe, eu não assei. — Santos ri disso, mas é
forçado. — Torta de frango da Mary. Sua favorita.
— Você lembrou.
— Lembro-me de como você mesmo devorou uma inteira uma vez. A
geladeira está abastecida e a cama feita.
— Obrigado padre. Deixe-me instalar Madelena e eu irei.
Padre Michael olha para mim e depois de volta para Santos. — Não há
necessidade. Vamos conversar amanhã de manhã. Vocês dois aproveitem a
noite tranquila.
Santos acena com a cabeça e tenho a sensação de que vir aqui é
exatamente o que ele precisa. Mas o pensamento me preocupa mais agora
do que em casa. Algo aconteceu, e não é bom.
Depois que o padre Michael sai, Santos leva nossa mochila para o
quarto e me mostra o local.
— Espero que você não se importe com a acomodação simples. — diz
ele.
— Está perfeito. Eu amo isso.
Ele sorri, satisfeito. — Bom.
— Deixe-me apenas deixar Odin saber onde estou. — digo, pensando
em enviar-lhe um texto rápido.
— Ah. — diz Santos com um sorriso. — Isso faz parte da beleza de
Hells Bells. Sem serviço de celular.
— O quê?
— Você pode usar o telefone fixo da reitoria. Se você puder encontrar
o telefone, claro. Padre Michael tem o hábito de escondê-lo. Não há silêncio
suficiente no mundo, de acordo com ele.
— Há alguma verdade nisso. Ele sempre foi padre? — Pergunto
porque aquela cicatriz em seu rosto conta uma história diferente.
Santos me estuda. Ele balança a cabeça. — Ele fez votos há cerca de
dez anos. Antes disso, bem, digamos que ele tem sua história. Mas ele
encontrou Deus.
Meu estômago ronca, embora eu queira saber mais, vejo que Santos
está aliviado por não ter que falar sobre isso.
— Você está com fome. Vamos comer. Você pode ligar para Odin
amanhã. — Ele pega minha mão e descemos juntos para a cozinha. Uma vez
lá, ele me diz para sentar, eu observo enquanto ele tira a torta do forno e a
coloca no suporte no meio da mesinha redonda com suas duas cadeiras. Há
uma garrafa de vinho aberta e duas taças.
— Você gostaria de um pouco de vinho? — ele me pergunta.
— Você não está bebendo, está?
— Não. Mas você pode, Madelena.
— Estou bem. A água está bem. Sente-se comigo.
Ele faz e me serve então ele mesmo. Eu o observo dar sua primeira
mordida.
— Você não me parece um amante de torta de frango. — digo,
comendo minha primeira garfada e fechando os olhos enquanto saboreio a
textura perfeita e o sabor rico.
— Mary faz o melhor. Padre Michael costumava trazer minha própria
torta para o jantar quando eu vinha. Melhor comida caseira em qualquer
lugar.
E ele precisa de conforto. Eu posso ver isso. — Você costumava vir
muito aqui?
Ele está quieto, o rosto escurecendo. — Não muito, mas quando
estávamos no norte.
— Nós?
— O Comandante. — Uma sombra cai sobre suas feições. — Encontrei
o padre Michael uma noite, quando estava na praia depois de um evento
particularmente ruim. Eu estava bêbado. Sendo um idiota.
— Um idiota como?
Ele termina a torta, olha para mim. — Entrando na água no inverno.
— Santos...
— Se ele tivesse me encontrado alguns minutos depois, eu teria
morrido.
Estendo a mão para pegar sua mão, lágrimas quentes enchendo meus
olhos. Perco o apetite ao vê-lo assim.
— O que aconteceu? — Pergunto baixinho quando ele deixa cair o
guardanapo em cima do prato e o afasta.
Ele balança a cabeça parecendo muito triste e eu me levanto,
puxando-o comigo. Sem dizer uma palavra, eu o conduzo escada acima e
para o quarto, onde tiro suas roupas e as minhas e nos deitamos na cama.
Não acendo nenhuma luz. As cortinas não estão fechadas e a luz da lua
brilha sobre nós. Deitamos juntos ouvindo o vento e as ondas enquanto eu o
abraço, ele me abraça.
Ele está distante, sua mente está em algo que eu não sei. Então pego
seu rosto em minhas mãos, sinto a barba por fazer e o beijo. Os beijos são
suaves no início, mas à medida que ficam quentes, quando o sinto
endurecer, afasto o cobertor e subo em cima dele. Seu aperto em mim
muda e nosso beijo fica mais faminto. Ele me puxa de volta para olhar para o
meu rosto por um momento, então desliza as mãos sobre meu corpo nu até
meus quadris, para me guiar para si mesmo. Ele olha para mim enquanto se
embainha em mim e eu me sento, montando nele, minhas mãos em seu
peito enquanto me aperto nele.
— Foda-se, Madelena. Você é tão perfeita, sabia disso? — Ele
pergunta, movendo-me ao longo de seu comprimento antes de enrolar uma
mão no meu cabelo, envolvendo-o em torno do primeiro e me puxando para
si. — Perfeita pra caralho. — diz ele, mudando nossa posição para que ele
esteja em cima de mim, fodendo-me profunda e lentamente. Estamos tão
próximos, mais próximos do que duas pessoas podem estar, eu acho, com
ele dentro de mim, seu peso sobre mim, nossos olhos abertos enquanto nos
observamos, nos vemos nestes nossos momentos mais vulneráveis. — Tão
perfeita. — ele murmura enquanto sua forma de fazer amor se transforma
em algo mais duro, mais sombrio.
Ele abre meus braços sobre a cama e entrelaça seus dedos com os
meus e eu olho para o rosário enorme pendurado sobre a cama. Seu olhar
segue o meu e ele olha para cima também, há outra mudança em sua
expressão, um tipo diferente de escurecimento.
Ele resmunga uma maldição para a coisa, arranca-o da parede e joga-o
com tanta força contra o canto que as contas se soltam e quicam no chão.
Ele me vira de bruços e puxa meus quadris para cima enquanto empurra
para dentro de mim por trás, me fodendo com força, beliscando meu clitóris
dolorosamente para me fazer gritar. Eu agarro as barras de ferro da
cabeceira da cama para pegá-lo enquanto ele me penetra, me punindo.
Eu me viro para observá-lo. Ele precisa disso, eu acho, dessa foda
bestial. Ele pode ter precisado de momentos amorosos suaves atrás, mas
agora, ele precisa foder. Eu subo em meus cotovelos e encontro seus
impulsos, a velha armação da cama rangendo tão alto embaixo de nós que
temo que possa quebrar.
— Santos. — eu ofego porque estou perto.
Seus dedos machucam meus quadris e eu olho para trás para ver seu
rosto, vejo-o assistir a si mesmo me fodendo, grunhindo, o suor escorrendo
de sua têmpora até meu quadril.
Ele é tão lindo assim, tão cru. Quando ele desliza os dedos mais uma
vez para o meu clitóris e aperta, eu grito, gozando forte, meu corpo
vibrando com o orgasmo enquanto observo seu rosto, observo o esforço
que ele está fazendo para segurar sua liberação enquanto gemo sob ele,
minhas paredes pulsando ao seu redor.
Quando estou exausta, Santos se alonga, pegando-me pelos cabelos e
virando-me para encará-lo. Ele se senta sobre os calcanhares, me puxando
para ele. Ele beija minha boca, então empurra meu rosto para baixo. Eu sei o
que ele quer, eu abro para ele, levando-o em minha boca, saboreando-me
nele enquanto ele fode meu rosto com força, tão forte quanto ele fodeu
minha boceta. Eu ofego enquanto ele geme, a besta agora no lugar do
homem. Quando eu cavo minhas unhas em suas coxas, isso o empurra para
a borda e eu sinto os primeiros jorros de sua liberação na minha garganta,
seu pau latejando, muito grosso para respirar. Mas eu quero isso. Eu o
quero. Quero esse homem-fera, meu marido.
Eu engulo, gananciosa, até que eu não posso, ele me afasta e traz meu
rosto para o dele e me beija profundamente. Ele recua, recuperando o
fôlego enquanto eu recupero o meu.
— Eu machuquei você? — Ele pergunta, a voz crua, os olhos escuros
nos meus.
Balanço a cabeça porque sei que ele precisava disso. Precisava de nós
assim. Mas com o canto do olho vejo o rosário que ele quebrou contra a
parede oposta.
Ele me deita e puxa os cobertores sobre nós, deslizando atrás de mim
para me abraçar forte.
— Por que você me trouxe aqui?
— Porque este lugar é bom. Ele cura. Ele perdoa. — Ele me abraça
forte contra ele. Tem mais então aguardo. Ele suspira. — E porque ninguém
pode nos encontrar aqui.
CAPÍTULO VINTE
SANTOS

Contas se espalham por um piso de madeira. O vento chicoteia meu


rosto, a chuva gelada o atinge. Todos os reunidos se movem em um ritmo
frenético lá embaixo, indo e vindo, como se tudo estivesse acontecendo em
tempo duplo. Movimentos espasmódicos e não naturais me deixam confuso,
pois vejo tudo de uma vez e muito rápido.
Palavras em uma página. As mesmas palavras aparecem,
desaparecem, reaparecem uma e outra vez como se fossem datilografadas
por um digitador fantasma. Palavras que memorizei. O registro do
assassinato de Alexia. O esfaqueamento brutal como se o assassino fosse
matar não apenas a mãe, mas também o feto dentro de seu ventre.
Contas saltam, centenas delas. Milhares. O som que eles fazem é de
outro mundo, de alguma forma mais alto do que o barulho das ondas
quebrando. Eles desaparecem no abismo abaixo. A água negra bate contra
as rochas batidas ao longo dos tempos.
Um homem grita. Um corpo cai.
As unhas vermelho-sangue de uma mulher deslizam pelas contas de
um rosário. Os lábios se movem, murmurando orações. As mãos
ensanguentadas de um homem contam orações nessas mesmas contas. Ou
talvez esteja contando o número daqueles que derrubou.
Minha mãe está perfeitamente imóvel. Ela é jovem, a barriga inchada.
Ela está em silêncio, seus lábios grosseiramente costurados, olhos
sanguíneos olhando diretamente para o nada.
Ao lado dela, meu irmão segura sua mão. Ele é uma criança em um
momento, um homem no seguinte. Em sua outra mão, ele também segura
um pedaço dessas contas, de cuja ponta saem um suprimento incontável e
inesgotável delas. Saltando em pranchas de madeira. Desaparecendo com o
homem gritando sobre o abismo.
Eu vejo a conexão então. As contas que cada um segura vêm de uma
fonte. Unidos. Eterno.
A escuridão envolve todos eles.
E eu estou no topo do mundo assistindo.
Assistindo.
É como se tudo estivesse repetido.
Até que uma porta se abre, dela sai Madelena. Ela parece um
fantasma aqui usando um vestido branco simples de algodão gasto. O vento
chicoteia o vestido ao redor dela. Cabelo comprido emaranhado como uma
corda em volta do pescoço. Seus pés estão descalços. Ela está nua sob o
vestido de algodão.
Eu grito para ela parar, para não sair por aí, mas ela não me ouve.
Estendo a mão e vejo minha própria mão longe demais para alcançá-la. Para
tocá-la. Para puxá-la de volta, longe da borda. Longe dessas pessoas.
— Madelena!
Eu grito e grito, minha garganta rouca com o esforço. E ela
simplesmente continua andando em direção a eles, em transe, o colar
interminável de contas em sua mão como aquele do meu irmão. O filho do
Comandante. Meu meio-irmão.
Ninguém a vê embora. Ninguém se vira quando ela passa. Respiro
aliviado.
Mas então há outra pessoa. Outra figura entra em cena. O homem que
está caindo. Quem caiu. Sua cabeça está afundada. Seu corpo está mutilado.
Mas ele caminha em direção a ela pelo outro lado da passarela.
— Madelena! — Eu chamo de novo e de novo, mas minha voz é
arrancada de mim, o vento roubando-a, quebrando-a contra aquelas rochas
como faz com o oceano. Eu luto contra os laços invisíveis que me prendem
no lugar. As palavras detalhando o esfaqueamento de Alexia nadam diante
dos meus olhos, cegando-me momentaneamente. Os olhos de Thiago
assumem aquele olhar que tinham antes de fazermos o pior do que fizemos.
Antes de machucarmos os inocentes e deixarmos corpos mutilados para trás
como o que ele está entrando agora.
Com o tempo, cada um de nós recebe o que merece.
— Madelena!
Mas eles continuam fazendo o que estão fazendo.
Os dois rezando.
Aquela olhando para a escuridão com seus lábios sangrando.
Meu irmão uma criança.
E então não.
E então olhando para mim, um homem, vendo-me onde estou acima
do mundo. Enquanto Thiago alcança Madelena e Madelena alcança Thiago
e as contas caem, caem, caem, Caius enfia a mão no bolso e inclina a cabeça
para o lado como o Comandante sempre fazia e o sorriso fácil se transforma
em um sorriso que se estende da orelha ao ouvido, dentes inumanos
brilhando diante do som de seus gritos. Antes que Madelena e Thiago se vão.
Ambos caindo sobre a borda, ambos estendendo os braços frenéticos, os
olhos arregalados de terror enquanto desaparecem naquele abismo.
Eu suspiro para respirar quando minhas pálpebras se abrem. O suor
me encharca, encharca os cobertores, os lençóis. Eu olho para o teto,
confuso. A luz da lua se filtra, uma nuvem lançando sombras ao longo da
parede. Um murmúrio ao meu lado me fez virar para encontrar Madelena
dormindo ao meu lado, seu doce rosto relaxado, macio. Inocente. Tão
inocente.
Minha garganta fecha.
Deslizo silenciosamente para fora da cama, quando vejo o rosário que
esmaguei contra a parede, me afasto dele.
As tábuas do assoalho rangem quando ando descalço pelo quarto.
Vesti as roupas que havia levado na mala, um par de jeans, um suéter e
botas. Lá embaixo, pego o casaco pesado que padre Michael deixou para
mim. Era dele. Ele me deu na noite em que me encontrou na água, nadando
até o peito. Buscando minha própria morte. Perseguindo-a. Ousando.
O antigo relógio antigo marca meia hora. São quatro e meia da manhã.
Enrolo-me no casaco velho, o cheiro nele familiar, antigo, um estranho
conforto. Abro a porta e saio para a noite fresca, fechando-a atrás de mim e
contornando a casa pela duna até a praia.
Apenas algumas nuvens estão no céu esta noite. Daqui, posso ver mil
estrelas. É tão lindo que quase dói. Até o frio, o vento constante, o vasto
oceano são demais. Começo minha caminhada ao longo da praia de
quilômetros de extensão. Eu preciso pensar. Para limpar a cabeça e pensar.
Quem me contatou pelo aplicativo de mensagens do Thiago? Poderia
ter sido ele me alertando? Tentando me dar uma pista? Ele poderia ter
sobrevivido à queda? Por que não se vingar, então, do homem que o
empurrou? Tenho certeza de que era um homem. Thiago é muito grande,
muito forte para uma mulher dominá-lo. Sem mencionar que ele é um
lutador treinado, um executor.
A menos que ele tenha sido pego de surpresa.
Se, como diz Madelena, ele a tivesse salvado de cair, teria sido
surpreendido por um ataque antes de estar pronto. A passarela no alto do
farol é o lugar perfeito para emboscar um homem como ele.
Por que ele estava lá? Camilla estava contando a verdade sobre a
ligação que ouviu? Alguém marcou um encontro com ele? Sobre o quê?
Tinha que ser algo clandestino para acontecer ali mesmo.
Madelena interrompeu o encontro, mas sua presença ajudou o
homem errado?
Se eu presumir que Thiago sobreviveu e me atraiu para aquele quarto
de motel para me deixar aquelas pistas, por que ele faria isso? Ele achava
que ainda me devia. Conheço Thiago o suficiente para saber que ele sempre
paga suas dívidas, boas ou más. Era ele que estava pagando aquela dívida?
Tornar as coisas equilibradas, como ele costumava dizer?
Supondo isso, ele sabia que Caius era filho do Comandante o tempo
todo?
Que ele e eu estávamos ligados por esse meio-irmão em comum? Por
que me diga? Que finalidade serve? E as contas. São iguais aos que
encontrei na passarela. Ele pode tê-las arrancado do pulso do homem que o
empurrou.
Eu balanço minha cabeça porque isso está me apontando mais uma
vez para Caius. Por que Caius estaria lá em cima? Que negócio ele teria com
Thiago?
A menos que Caius soubesse de sua linhagem. A menos que minha
mãe esteja mentindo. Mas então me lembro de suas lágrimas, do jeito que
ela olhou para mim. Seu medo. Sua vergonha. Ele pode ter descoberto por si
mesmo de alguma forma e nunca disse a ela, no entanto. Nunca disse a
ninguém.
— Não. — Digo isso em voz alta contra o vento. Caius não. Suspeitei
dele e provei que estava errado, esse sonho foi apenas um sonho - minha
mente fodendo comigo. Isso é tudo.
Havia uma coisa, porém, que é confusa. Todas as coisas que eu achava
adequadas. Os lábios costurados da minha mãe. O segredo que ela foi feita
para manter. Bea e o Comandante e suas orações eternas após seus atos
horrendos. Caius quando menino, segurando a mão da nossa mãe. Caius um
homem. Thiago. Madelena. O comprimento eterno de contas conectando-
os. Tudo se encaixa. Tudo pertence junto.
Só uma coisa não. Uma coisa não tinha lugar no meu sonho.
O relatório da polícia.
Eu paro.
Uma luz se acende, como se fosse uma deixa.
Já andei tanto que estou quase no centro da cidade. É a luz da padaria.
Gustavo começa seus dias no meio da noite.
Naquele momento, lembro-me de algo, como se a luz acesa na padaria
acendesse uma luz em meu cérebro.
Alexia era canhota. Ela disse que muitos de seus primos também eram.
Um fato estranho, mas talvez essas coisas ocorram em famílias.
O sangue congela em minhas veias.
Quase tudo na cozinha deles era ao contrário, feito para canhotos.
Coisas inócuas como o abridor de latas, um copo medidor, uma tesoura.
Lembro-me de minha frustração ao tentar realizar as tarefas mais simples e
Alexia vindo em meu auxílio.
Porque ela e o pai eram canhotos.
E, de acordo com o relatório da polícia, quem assassinou Alexia não
era.
CAPÍTULO VINTE E UM
MADELENA

Acordo porque estou com frio. Eu me viro na cama, uma cama de casal
que é apenas um pouco maior do que aquela em que dormi na faculdade.
Quero abraçar o Santos para me aquecer, mas percebo porque está tão frio.
Ele se foi.
Enrolo o cobertor em volta de mim, sento e olho para fora, para o céu
laranja, o oceano azul profundo. O chão de madeira está frio em meus pés
descalços quando me levanto e caminho até a janela e olho para o lindo dia
amanhecendo diante de mim, água até onde a vista alcança, mas diferente
dos penhascos de Avarice. Uma praia selvagem. Picos espumosos de ondas
quebrando na areia macia. Grama verde no alto das dunas ao vento e milhas
e milhas de nada, de ninguém. Ao longe, as luzes do coração da pequena
cidade vão se acendendo uma a uma. Eu fico lá por um minuto e vejo o sol
nascer antes que eu fique com muito frio. Há uma lareira neste quarto, mas
não a acendemos. Eu me pergunto se as lareiras são a única fonte de calor
para o pequeno chalé.
Visto-me rapidamente, grata pelas grossas meias de lã que Santos me
disse para trazer, e desço as escadas.
— Santos? — Eu chamo, mas não há resposta e nenhuma luz está
acesa. Usando meu novo telefone, procuro o nome dele, que é apenas um
de dois - o segundo sendo Odin - e aperto o botão de chamada. Mas nada
acontece porque não há serviço de celular. Coloco o telefone na mesa de
centro.
Aqui também está frio, vou até a lareira, onde atiro as brasas do fogo
da noite anterior. Ao lado dela, a cesta em que são guardadas as toras está
vazia, exceto por alguns galhos menores para gravetos. Fico olhando em
volta tentando lembrar se vi lenha empilhada do lado de fora.
Só então há uma batida na porta.
— Santos? — Eu chamo, pensando que ele se trancou do lado de fora,
mas a porta está destrancada e quando eu a abro, padre Michael está
parado lá carregando uma pilha de toras nos braços.
— Bom dia, Madelena. Espero não ter acordado vocês, mas queria
trazer isso logo de cara.
— Bom Dia, Padre. Entre. Eu estava acordada.
Ele sorri, mas vejo que ouviu o eu, não nós.
— Santos não está aqui. Não sei onde ele está, na verdade. Ele tinha
ido embora quando me levantei.
— Bem, deixe-me acender o fogo e vamos fazer café. O carro está lá
fora, então acho que ele caminhou pela praia até a casa do Gustavo.
— Gustavo?
— Ele é o padeiro local. Seus rolos de canela são pecaminosos. — Ele
pisca para a piada de mau gosto, não posso deixar de sorrir.
— Tem certeza de que foi para lá que ele foi? Não é muito cedo? — Eu
pergunto enquanto ele se agacha para fazer uma fogueira.
Uma vez que a chama pega, ele se endireita, limpando as mãos. Ele
olha para mim. — Se ele veio aqui, ele precisa do oceano. O frio. O espaço
vazio. — Ele deve ver meu rosto se transformar em um de preocupação
quando me lembro do que Santos me contou sobre como o padre Michael o
encontrou pela primeira vez. — Não se preocupe, Madelena. Ele está
andando. Ele percorrerá a praia até a cidade e voltará com aqueles rolinhos
de canela que mencionei. Venha, vou fazer café.
— Você tem certeza? — Eu pergunto.
Ele olha para mim, depois sorri. — Conheço Santos há uma década. Ele
ficou aqui mais de uma dúzia de vezes. Acho que ele vem para clarear a
cabeça. Processo. E ele anda. Bastante.
— Ele confia em você.
— Espero que sim.
Sigo o padre Michael até a cozinha, onde nossos pratos do jantar ainda
estão na mesa.
— Como foi? — ele pergunta gentilmente, sem julgamento sobre a
bagunça que deixamos.
— Delicioso. — eu digo, e começo a limpar.
Padre Michael abre um armário para tirar uma grande cafeteira de
fogão, depois de adicionar café moído e água, coloca-a no fogão e me ajuda
a tirar a mesa.
— Vou lavar a louça. — digo a ele quando ele começa a arregaçar as
mangas.
— Então eu vou pôr a mesa para os rolinhos de canela se você
prometer guardar um para mim. Tenho que rezar a missa antes do café da
manhã. — acrescenta, consultando o relógio.
— Você está confiante de que é para onde ele foi? — Pergunto
enquanto termino de lavar os poucos pratos que havíamos usado.
— Estou confiante. Ele precisa de espaço, mas também precisa de
casa. E eu não acho que ele teve muito do último. — Ele me estuda. — Eu
acho que você vai mudar isso, Madelena. Vejo você depois da missa, a
menos que você queira ouvir também?
— Hum, acho que vou esperar o Santos aqui. Se você não se importa.
— Claro que não. Vejo você mais tarde.
— Obrigada, padre.
Ele sai, eu olho pela janela sobre a pia enquanto espero o café coar.
Uma vez que isso acontece, me sirvo de uma caneca e coloco meu casaco e
sapatos. Saio de casa e entro nas dunas da praia. Está um frio de rachar, eu
coloco minhas mãos em volta da caneca, olhando na direção da cidade. Tem
que cerca de três quilômetros para andar. Ele andou no escuro? O que ele
estava pensando?
Encontrando um banco pelo menos parcialmente protegido do vento,
sento-me e espero por ele.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
SANTOS

A música de órgão da missa matinal do padre Michael sopra ao vento


quando me aproximo da pequena cabana. Eu paro para absorvê-la, o som é
um conforto. Todos os anos que venho aqui, tem sido a mesma coisa. Assim
como o incenso grudou na pedra das paredes, na madeira dos bancos.
Mesmo enquanto eu observava os dedos contando conta após conta
enquanto os devotos rezavam, estar aqui, ouvindo a missa aqui, era um
conforto. Um que eu não merecia.
Isso tinha tudo a ver com o Padre Michael. Ele é um bom homem. Ele
nunca fez perguntas, nem uma vez. Ele simplesmente me acolheu e cuidou
de mim.
Na primeira manhã, eu rastejei para fora de manhã cedo, minha
cabeça latejando, meu estômago embrulhado com a quantidade de álcool
que eu bebi... e a memória do que eu tentei fazer. Foi depois disso que
comecei a cortar as linhas em minha pele para lembrar os mortos - para
lembrar que eles estavam mortos por minha causa.
Padre Michael salvou minha vida, mas eu sabia em meu coração que
não era porque Deus havia intervindo para salvar minha alma. Não. Eu vivi
porque não merecia morrer. Naqueles dias, a morte teria sido uma
misericórdia.
O sofrimento é para os vivos. Então, marquei minha pele com cada
vida inocente que tirei.
Levei três anos para confessar meus pecados a ele. Eu esperava que
ele olhasse para mim com horror, para me expulsar. Mas tudo o que vi em
seus olhos foi bondade, mesmo depois de ouvir minha confissão. Sabendo o
que eu tinha feito e o que eu era, ele apenas olhou para mim com bondade.
Não é pena. Nunca isso. Apenas aceitação gentil.
Estar aqui agora tem a mesma sensação, então. É um porto seguro.
Ao aproximar-me da entrada da cabana, a porta abre-se, vejo
Madelena a olhar-me preocupada. A visão dela me faz parar. Ela é a única
pessoa na minha vida que eu trouxe aqui, que conhece a existência deste
lugar ou o seu significado para mim.
— Madelena.
Vou até ela, abraço-a e afasto a imagem de seu rosto em meu sonho
enquanto ela cai.
Ela resiste a princípio, depois se deixa derreter em mim. — Você se foi.
Recuando, eu olho para ela. — Você estava preocupada?
— Claro. Acordei e a cama estava vazia. Sem nota, sem nada. Claro, eu
estava preocupada.
Eu a conduzo para dentro, sinto o cheiro do café, vejo o fogo. —
Desculpe. Eu não queria te acordar. Tive um pesadelo e precisava clarear a
cabeça.
Ela me estuda, me lembro do que ela me contou que Thiago lhe disse
naquela noite no farol.
Em suas veias está o sangue de um monstro.
Thiago sabia sobre Caius. Ele sabia que eles eram meio-irmãos. Eu
estou certo disso. Thiago considerava o sangue em suas próprias veias o de
um monstro. Tenho certeza que ele sentia o mesmo por Caius. Mas ele
estava se referindo a Caius quando disse essas palavras a Madelena?
— Sinto cheiro de café? — Quero perguntar sobre aquela noite, mas
não quero preocupá-la mais do que já fiz.
Ela acena com a cabeça e pega a caixa de doces para que eu possa
tirar meu casaco. Ela abre, seus olhos ficando maiores ao ver os pãezinhos
de canela rechonchudos e recém assados. Quando ela respira o cheiro de
canela, açúcar e manteiga, ela geme.
A visão de seu prazer me faz sorrir. — Eles são melhores frescos. — eu
digo, levando-a para a cozinha.
— O padre Michael os mencionou. — diz ela, colocando a caixa sobre
a mesa. Ela toca meu rosto, depois pega minhas mãos. — Você está
congelando.
— O café vai me aquecer.
— Sente-se, Santos. — Eu faço e a observo enquanto ela faz um novo
lote de café. Ela me estuda em silêncio enquanto ele ferve, então me serve
uma caneca e a traz para a mesa. — Qual era o sonho?
Vejo o rosto dela de novo como era no sonho, acho que Thiago e eu
não somos mesmo equilibrados. Nunca seremos. Porque ele salvou a vida
dela, sempre serei grato a ele por isso.
— O farol. — Estendo a mão para pegar a mão dela e apertar. — Eu
continuo vendo você passar por cima. Você e Thiago.
— Jesus.
— Tudo bem. Você está segura. Eu sei disso. Coma, Madelena.
Ela olha para os rolinhos de canela, então estende a mão para pegar
um que está pegajoso com açúcar de canela amanteigada. Ela morde. — Oh.
Uau.
Eu sorrio. — Teremos que guardar um para o padre Michael. Ele tem
uma fraqueza por essas coisas. Surpreso que ele não seja grande como uma
casa, considerando.
— Ele mencionou isso. Ele veio mais cedo com lenha e me disse que
você sempre caminha pela praia quando está aqui e volta com pãezinhos de
canela.
Concordo com a cabeça, bebendo meu café e observando-a comer.
— Da próxima vez que você tiver um pesadelo, me acorde, ok? — ela
pergunta enquanto coloca o resto na boca.
— Você tem uma coisinha. — eu começo, me levantando e me
movendo em direção a ela. Eu inclino meu rosto perto do dela. — Açúcar e
canela. — Eu beijo sua boca, provo a doçura pegajosa de seus lábios. —
Vamos subir, Madelena.
Ela olha para mim. Eu a coloco de pé e a levo até o quarto. Eu preciso
que ela não se preocupe. Para não fazer perguntas que ainda não quero
responder.
Eu simplesmente preciso estar perto dela porque, como este lugar, ela
cura.

Passamos uma semana inteira na casa de campo. Eu pretendia passar


uma noite, mas não consigo sair, não me canso de ver Madelena como ela
está aqui. Suave, relaxada, ela mesma. É uma semana em que, depois de
deixar recados para Caius e Odin avisando que estamos fora da cidade,
Madelena e eu passeamos pela praia, comemos muitos rolinhos de canela e
passamos as noites fazendo amor em frente ao fogo. É fácil, simples. É uma
vida que nunca pode ser minha, não fora deste pequeno chalé, desta
pequena cidade esquecida.
Na manhã do oitavo dia, com um clima visivelmente diferente dos dias
anteriores, colocamos nossa mochila no carro e nos despedimos
relutantemente do padre Michael. Sinto-me melhor do que há muito tempo
quando abraço meu velho amigo e salvador. Mas não consigo impedir que a
sensação de pavor se insinue enquanto subo no SUV e começamos a viagem
de volta para Avarice. De volta à realidade.
— Você gosta disso aqui? — Eu pergunto a ela.
— Eu amo isso aqui. Na verdade, não quero ir embora.
— Bem vinda de volta. É o nosso lugar secreto. Ninguém sabe disso.
Hells Bells é só para nós, só você e eu, ok?
Ela estuda meu rosto. Ela ouve o que não estou dizendo? Ela acena
com a cabeça.
Assim que estamos a cerca de vinte minutos fora da cidade e ao
alcance de uma torre de celular, a enxurrada de mensagens de texto e e-
mails incendeia meu telefone. A falta de conectividade é uma das coisas que
sempre fez de Hells Bells um paraíso para mim, mas quando a realidade
bate, bate forte.
Depois de ler algumas mensagens de Caius perguntando onde estou e
por quanto tempo pretendo sumir, ignoro todas as mensagens. Envio uma
mensagem de texto rápida para Val contando a ele nosso tempo de
chegada, em seguida, enfio o telefone no bolso.
— Sabe, não precisamos voltar. — diz Madelena.
Eu olho para ela. — Acho que sim. Além disso, tenho certeza que seu
irmão vai querer te ver hoje. A propósito, feliz aniversário. — Eu sorrio para
ela. Ela tenta um sorriso. — E, claro, há a reunião com o advogado do seu
tio.
— Tenho certeza de que podemos fazer isso outro dia. — Ela se vira.
Eu olho para o espelho retrovisor. A placa de boas-vindas aos
visitantes de Hells Bells mal desapareceu no fundo e já tudo parece
diferente.
— Eu estou nervosa. — Ela mantém o olhar pela janela lateral.
Aperto seu joelho. — Eu estarei lá com você. E você não precisa fazer
nada além de assinar a papelada e pegar a chave. Isso é tudo.
Ela me encara e está mordendo a parte interna da bochecha. — Eu
quero vê-la.
— A casa?
Ela acena com a cabeça.
— Tem certeza disso?
— Acho que eu deveria. E eu sei que Odin também quer. Tivemos
memórias felizes lá. É só... elas estão nublados, sabe?
— Você não tem que ir hoje. Vou levá-la quando estiver pronta.
— Não sei se algum dia estarei pronta para entrar na casa onde ele foi
assassinado. Eu só tenho que fazer isso.
Suas palavras me fazem apertar o volante com mais força. Ela não
merece isso.
Seu telefone apita com uma mensagem. Ela lê e um pequeno sorriso
aparece em seu rosto. — Você se importa se eu almoçar com meu irmão?
Exceto nos últimos dois anos, costumávamos fazer isso em nossos
aniversários. Apenas nós dois.
Nos últimos dois anos, quando a mantive trancada.
— Eu não quis dizer… — ela começa como se estivesse lendo meus
pensamentos.
— Está tudo bem. — Eu a tive só para mim por uma semana. Posso
deixá-la almoçar. — Onde?
— Ele fez uma reserva na Trattoria Maria. Fica no centro da cidade. —
Eu verifico meu relógio. — Ele vai me levar ao escritório do advogado
depois.
— Eu disse que levaria você.
— Isso é bom. Eu só quero facilitar.
— Vou deixar você na Trattoria. Você terá um soldado...
— É um almoço de meio dia no meio da cidade.
— Ele vai ser sutil.
— Santos...
— Até descobrirmos quem estava no farol, você não ficará
desprotegida. Essa é a minha condição, Madelena. Se você quiser almoçar
com seu irmão, será acompanhado por um soldado.
— Tudo bem. — Ela cruza os braços sobre o peito, a tensão entre nós,
a facilidade da última semana desapareceu.
Eu aperto seu joelho. — Não vou me arriscar com você.
Ela exala. — Você está exagerando.
— Faça-me feliz.
— Tudo bem.
Seguimos em silêncio, cada um de nós perdido em seus próprios
pensamentos. Quando chegamos à Trattoria, um soldado já está esperando
lá. Prefiro Val, mas preciso dele para outra coisa. Eu estaciono o SUV e
caminho para o lado de Madelena. Ela já está fora quando eu a alcanço.
— Eu vou acompanhá-la. — Eu coloco minha mão na parte inferior de
suas costas e seguimos em direção à porta de vidro do restaurante. Ele está
localizado em um shopping center. Eu não olharia para ele duas vezes, mas
assim que entramos, percebo por que está tão cheio. A comida cheira
deliciosa.
— A avó de Maria abriu este lugar antes de eu nascer. — diz Madelena
. — Não parece muito por fora, mas a comida é a melhor.
— Eu posso sentir o cheiro disso. — Olho em volta para as doze mesas,
todas ocupadas. Eu localizo Odin na parte de trás. Quando ele me vê, ele faz
uma careta, mas se levanta.
Viro Madelena para mim e beijo sua bochecha. — Lembre-se, Hells
Bells é o nosso segredo.
— Temos tantos. — ela me diz quando Odin se aproxima.
— Feliz aniversário. — Odin diz à irmã, beijando-a na bochecha. — A
mesa está posta para dois. — diz ele, segurando uma das mãos de
Madelena.
— Não se preocupe, estou indo embora.
Madelena revira os olhos. — Estou morrendo de fome.
Uma mulher nos observa por trás da caixa registradora. Madelena
olha.
— Maria? — eu pergunto a Madelena.
Ela acena com a cabeça. — Quer que eu te apresente?
— Não. Vou me apresentar.
— Santos...
— Vá, coma seu almoço. Você tem pouco mais de uma hora antes de ir
ao escritório de advocacia.
— Vamos, Maddy. — diz Odin. Ele a leva até a mesa deles. Uma vez
que ela está acomodada, me aproximo de Maria, que está me medindo.
— Então, você é o Augustine de quem todos estão falando. — ela diz.
— Esse provavelmente é meu irmão. — eu digo, estendendo a mão. —
Santos. Prazer em conhecê-la.
— Maria. — Ela o sacode. — Conheço essas crianças desde que eram
pequenas. — Nós dois olhamos para Odin e Madelena. — E desde que a
Trattoria está aberta, nunca tivemos um soldado estacionado do lado de
fora. — Ela me lança um olhar de desaprovação.
— Primeira vez para tudo. — Pego minha carteira e coloco notas de
duzentos dólares no balcão. — Se isso não cobrir a conta, ele cuidará do
resto. — digo, apontando para o soldado.
Ela empurra as notas de volta. — Os almoços de aniversário são por
minha conta. E de qualquer maneira, quanto você acha que custa o almoço?
Eu não extorqui dinheiro de meus patronos. Eu não sou a máfia.
— Touché. Pense nisso como uma gorjeta generosa então. — Deixo o
dinheiro no balcão e caminho até minha esposa. Eu a beijo no topo da
cabeça, memorizando o perfume floral de seu shampoo, digo a ela para ter
um bom almoço, depois vou embora. Mal saio da porta quando meu
telefone toca. Tiro-o do bolso e descubro que é Val.
— O que é? — Eu pergunto, entrando no carro.
— Você tem visita. Bea Avery.
— Na casa? — Eu pergunto, surpreso.
— Você quer que eu me livre dela?
— Não. Estou a cerca de dez minutos. Coloque-a em meu escritório,
mas fique com ela.
— Vou fazer.
Eu vou para casa, vendo a sombra sempre presente do farol iminente.
Odiando isso. Eu poderia derrubá-lo, fazer uma estrutura moderna para
funcionar como um farol. Decido investigar.
Quando chego em casa, dois soldados que não conheço estão do lado
de fora de seu SUV na minha porta. Preciso fechar a propriedade. Entrego as
chaves para um dos meus homens e entro, direto para o meu escritório.
Cumprimento Val, liberando-o enquanto Bea Avery vira a cabeça para me
ver aproximar. Ela não se levanta.
Val fecha a porta e eu atravesso a sala para me sentar atrás da mesa.
As mesas viraram. Eu me pergunto o que ela quer.
Também penso no que minha mãe me disse. O que Bea fez com ela.
Isso e o fato dela saber que Caius é filho do Comandante.
— Que surpresa desagradável. — digo para iniciar a conversa.
— Você esteve em contato com ele.
— Com licença?
Ela enfia a mão na bolsa, tira uma folha de papel que parece estar
amassada na bolsa dela há dias e a joga na minha mesa. — Você e meu filho
estão em contato.
Eu olho para a folha de papel, entendendo uma parte da minha
conversa de texto com Thiago - embora conversa seja uma palavra
importante aqui.
— Que jogo vocês dois estão jogando? — ela pergunta.
— Nenhum jogo. E eu não diria que estivemos em contato. Eu tenho
um endereço. É isso. Se Thiago quer sumir, é uma prerrogativa dele. — Devo
lembrar que ela não sabe da presença de Thiago no farol.
Ela se levanta, coloca as mãos na beirada da mesa e se inclina para
mim. Ela é uma mulher pequena. Eu realmente nunca notei isso. Eu sei que
não devo subestimá-la, no entanto. Bea Avery é perigosa.
— Thiago pegou algo que não é dele.
— E o que é isso?
Ela olha. — Isso não é da sua conta.
— Agora estou confuso. Se não é da minha conta, por que você está
aqui? — Minha pergunta, feita casualmente, a irrita. Esse fato me faz sorrir.
— Ele está em contato com você. Eu sei disso pelos registros
telefônicos dele. Onde ele está?
— Não tenho ideia, no que me diz respeito, espero que ele continue
fora porque parece que é isso que ele quer.
— Bem, todos nós queremos coisas, não é, Santos? Mas todos nós
temos um dever. — Ela se senta e me estuda. — Obrigações para com a
nossa família. Thiago me deve.
— O que ele deve a você, exatamente? — Isso parece surpreendê-la.
— Ele é meu filho. Ele me deve sua lealdade.
— E a vida dele?
Ela sorri.
— Eu acho que ele está mais do que pago, não é? Você deixou o
Comandante fazer dele um executor. Você sabe o que ele fez. Você sabe o
que isso custou a ele.
— Me esclareça.
— A alma dele.
— Isso é dramático, não é?
— Cabe.
— Você também perdeu sua alma, então?
Eu cerro os dentes, me forço a arquivar suas palavras para outra hora.
Mas ela vê o impacto que eles têm sobre mim e seu sorriso se alarga.
— Vocês dois vão queimar no inferno pelo que fizeram todos esses
anos.
— E você acha que suas orações vão te salvar? Vamos queimar todos
juntos, Bea. — Eu me levanto e me inclino para ela sobre minha mesa. — Eu
sei o que você fez. — eu digo em voz baixa.
— O que eu fiz?
— Minha mãe veio até você para pedir ajuda. Eu sei o que você fez
com ela.
Seus olhos se arregalam, as sobrancelhas desaparecendo na linha do
cabelo. Então ela me surpreende rindo alto.
— O que eu fiz com ela? O que ela te disse exatamente? Deixe-me
adivinhar, uma mentira. — Sou pego de surpresa, ela vê e continua. — Você
acha que ela veio me pedir ajuda? Foi isso que ela te disse? Deixe-me contar
como foi realmente, Santos. — Ela se recosta na cadeira, inclina a cabeça
para o lado. — Ela veio até mim por dinheiro. Dinheiro para manter a boca
fechada sobre quem era o pai de seu bastardo. Ela não veio me pedir ajuda.
Ela veio me chantagear. Ela pensou que se Alistair descobrisse, ele me
deixaria de lado e se casaria com ela. Ela era uma garota estúpida então,
uma mulher estúpida agora. O que eu fiz foi explicar a realidade para ela.
— E qual era a sua versão da realidade?
— Ele pegaria o bastardo e se livraria dela, você sabe disso. — Eu faço.
É como o Comandante operava. Ele se sentiria dono de Caius. — E o que
você acha que ele teria feito com seu irmão? Quer que eu soletre?
— Saia, Bea.
— Ele faria dele outro Thiago. Então, eu a ajudei, mas não da maneira
que ela queria. Eu a ajudei a ir. Mas não sem deixar minha marca nela.
Assim, toda vez que ela se olhasse no espelho, o que a mulher vaidosa
costuma fazer, tenho certeza, ela se lembraria de mim. Sua mãe não é nada.
Ela sempre foi nada. Uma prostituta. Uma mentirosa que venderia o próprio
filho para salvar seu pescoço. Que vendeu o próprio filho.
— Ela fez o que fez para salvar seu filho.
Ela abre a boca, fecha e abre um sorriso largo, os olhos brilhando. —
Peça a ela para lhe contar toda a história um dia desses, Santos. Porque ela
tem dois filhos.
Estou sem palavras e ela sabe disso. Satisfeita com sua vantagem
sobre mim, ela se levanta.
— Encontre Thiago, e eu vou te dizer o que sua mãe não quer,
embora você não queira ouvir. A verdade costuma ser uma pílula amarga de
engolir, não é?
Ela caminha em direção à porta, eu ando atrás dela, agarrando seu
braço e girando-a para me encarar.
— Que diabos você está falando?
— Tire a mão de mim.
— O que você está falando?
— Aquele lugar italiano é bom? — ela pergunta casualmente. Suas
palavras transformam o sangue em minhas veias em gelo. Eu aumento meu
aperto, mas ela apenas sorri mais largamente. — É tão difícil quando os
inocentes são feridos por nossa causa, não é?
— Val! — Ele abre a porta em um instante, eu a jogo para ele. — Tire-a
da minha propriedade! — Eu ordeno, sem olhar para trás, mas saindo pela
porta da frente e voltando para o meu carro. Eu ligo para o celular de
Madelena enquanto saio da garagem e dirijo como um morcego fora do
inferno de volta para o centro comercial.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
MADELENA

Estou agradecendo ao garçom que acabou de colocar minha panna


cotta na mesa quando a porta de vidro do restaurante bate contra a parede
com tanta força que estala. Eu pulo, junto com todos os outros no lugar.
Odin murmura um xingamento baixinho e dois marmanjos, irmãos de Maria,
saem da cozinha. Um deles estende a mão sob o balcão para pegar o que
uma rápida olhada no metal preto brilhante me diz que é uma arma antes
que Maria estenda a mão para detê-lo.
— Você só pode estar brincando comigo. — Odin diz, se levantando
enquanto Santos entra no restaurante, a testa franzida de preocupação ou
raiva, ou ambos, só quando seus olhos pousam em mim ele exala. Ele entra
na sala de clientes em pânico, vários dos quais estão correndo para pegar
seus casacos e bolsas e ir embora. Quatro soldados seguem Santos para
dentro e vejo mais do lado de fora. Eles parecem completamente
deslocados no shopping enquanto se espalham, espiando cada loja, cada
café.
Santos abre caminho para os que escapam, depois olha para Maria e
seus irmãos - um deles ainda com a pistola na mão, enquanto o outro
contorna o balcão com um taco de beisebol na mão.
Eu me levanto, meu guardanapo escorregando para o chão, enquanto
Santos caminha em minha direção.
— O que diabos está acontecendo? — Eu pergunto enquanto ele pega
meu braço e me entrega a um de seus homens.
— Leve-a para o carro. — ele diz a ele, sem se preocupar em dizer uma
palavra para mim. Eu resisto, quando saio, vejo Maria e seus irmãos
encarando Santos.
— O que está acontecendo? — Eu chamo enquanto sou conduzida por
um de seus capangas, que me coloca no banco de trás do SUV mais próximo
da trattoria e tranca a porta. Ele tranca a porra da porta! Vejo daqui a
conversa que estão tendo e quando Santos fica cara a cara com um dos
irmãos, bato na janela para chamar sua atenção, mas ele não me ouve. Ou
se ele faz, ele não se vira. Odin olha para o SUV, mas ninguém se move. Mais
minutos se passam e observo a conversa continuar até que, finalmente,
Santos pega sua carteira e entrega um maço de dinheiro para Maria. Ele diz
algo para os clientes restantes no restaurante. Ele e Odin conversam antes
de Odin pegar minha bolsa, que Santos rouba dele, eles saem.
— Que diabos? — Eu grito com Santos quando ele abre a porta do
SUV.
— Quando eu te der um telefone, porra, você atende! — Ele vasculha
minha bolsa em busca do telefone, joga a bolsa no chão quando o encontra
e o estende para mim. — Você entendeu, porra?
— Eu entendo que você é louco! Você sabia onde eu estava. Você
tinha um soldado na porta! — Pego o telefone dele e olho para a tela, vendo
uma dúzia de chamadas perdidas.
Um de seus soldados vem em sua direção, falando em seu fone de
ouvido como se fosse a porra do FBI. — Está claro. Se eles estavam aqui, eles
se foram. — diz o soldado.
Santos acena com a cabeça, mandíbula firmemente cerrada enquanto
examina o estacionamento.
— O que está acontecendo? — Eu pergunto, olhando para Odin, que
parece um pouco pálido.
Santos olha para mim. — Nada. Está tudo bem.
— Nada? Está bem? Você não apenas quebra a porra da porta do
restaurante, mata os clientes de susto e me arrasta para fora antes mesmo
de eu terminar e depois me diz que não é nada!
— O quê? Quer sobremesa?
— Não! Foda-se! Você me deve respostas, Santos!
— Eu pago pela porta. Cobri todas as refeições. — Ele fecha a porta e
fico boquiaberta por ele ter acabado de falar no meio da conversa, mas
então ele entra no SUV pelo outro lado. Ele verifica o relógio. — Mova-se. —
ele diz ao motorista, em seguida, se vira para mim. — Por que você não
atendeu minhas ligações?
— Eu não as ouvi. Meu telefone estava na minha bolsa no modo
silencioso.
— Por que foi silenciado?
— Porque... não sei! Eu nem percebi que estava. Não é como se eu
tivesse um monte de amigos me ligando o dia todo. O que está
acontecendo?
Ele enfia a mão no cabelo. O movimento empurra sua jaqueta para
trás e vejo a coronha de sua arma.
— Que diabos está acontecendo, Santos?
— Você não vai a lugar nenhum sem Val de agora em diante. Val e
mais dois homens. E saberei onde você está o tempo todo, você não
silenciará seu telefone. Você entende? — Ele pergunta, pegando meu
telefone e ligando o botão para que não seja mais silenciado.
— O que aconteceu? — Eu pergunto, preocupada agora enquanto o
estacionamento e todos aqueles soldados e Odin desaparecem na distância.
Santos suspira. — Bea Avery sabia onde você estava.
— O quê? Ela está me seguindo?
Ele me puxa para ele, beija minha testa, em seguida, olha para o meu
rosto, os olhos procurando os meus. — Não se preocupe. Não vou deixar
que te machuquem. Juro pela minha vida.
— Não tenho medo deles. — digo, mas não tenho certeza se é
verdade. Se alguém estava me seguindo, eu não sabia. Só há uma razão para
ela me seguir. Sou um alvo fácil e se eles querem chegar ao Santos, também
sou o alvo perfeito.
Estou sendo ingênua em pensar que estou segura. Conheço o mundo
de onde vêm as famílias Avery e Augustine. Ele me tirou disso nos últimos
dois anos, nossos sete dias em Hells Bells me fizeram esquecer. Mas não
posso perder de vista do que essas pessoas são capazes. Se eu precisava de
um lembrete brutal disso, consegui um no farol.
— Não se preocupe, Madelena. Vamos levá-la ao escritório do
advogado. — ele diz distraidamente enquanto seu telefone toca. Vejo que é
Val antes que ele responda. — Sim.
Val fala, mas não consigo ouvir o que ele diz. Eu observo o rosto de
Santos, porém, enquanto sua mandíbula aperta e seus olhos se estreitam
infinitamente.
— Quando isso aconteceu? — ele pergunta. Val atende, mas não
consigo ouvir. — Olhe para isso para mim. Quero todos os detalhes. — Ele
olha para mim, então se vira. Eles falam sobre aumentar a segurança na
casa, ele desliga quando entramos no estacionamento do prédio que abriga
os escritórios do advogado do tio Jax.
— O que é? — Eu pergunto.
Ele balança a cabeça, esfregando o ponto entre as sobrancelhas como
se estivesse com dor de cabeça. — Vamos fazer isso. — diz Santos, saindo
do carro sem responder. Odin estaciona no estacionamento enquanto estou
saindo, a mão de Santos firme em volta do meu braço. Soldados nos
flanqueiam enquanto Santos me leva para dentro sem esperar por Odin.
Assim que entramos, uma recepcionista ergueu os olhos de sua grande
mesa.
— Minha esposa tem um encontro marcado com o Sr. Jamison. —
Santos diz antes que eu possa falar.
A mulher sorri. — Srta. De Léon.
— Sra. Augustine. — corrige Santos.
— Relaxe. — digo a Santos.
Ele se vira para mim e abre a boca, mas ela pigarreia, ele força um
sorriso tenso em sua direção. Eu diria que o olhar dela fica um pouco mais
apavorado quando ela vê aquele sorriso. Ela pede desculpas por seu erro.
— Vou avisar o Sr. Jamison.
Odin entra nesse momento e vem ficar ao meu lado apenas quando o
soldado recebe a permissão de Santos para permitir.
— O que você está fazendo? — Eu sussurro para Santos. — Diga a eles
para se afastarem de mim. E solte meu braço. Sou sua esposa, lembra? Não
sua prisioneira.
Ele cerra os dentes, mas antes que possa fazer qualquer coisa, a porta
do escritório se abre e um homem que presumo ser o Sr. Jamison sai para a
área de recepção e caminha em nossa direção. Ele observa os homens
reunidos e apenas momentaneamente mostra preocupação. Eu me
pergunto se ele está acostumado com esse tipo de coisa.
— Sra. Augustine. — diz ele, claramente avisado pela recepcionista. —
É maravilhoso conhecê-la. — Ele aperta minha mão.
— Prazer em conhecê-lo, Sr. Jamison. Hum, este é meu marido, Santos
Augustine.
— Sr. Augustine. — diz ele com um sorriso e um aperto de mão. —
Odin. — Ele acena para Odin com quem não aperta a mão por causa do
número de soldados entre eles. — Receio que apenas os irmãos De Léon
poderão estar presentes. Foi uma exigência do seu tio. — ele diz essa última
parte para mim e Odin.
— Provavelmente para o papai. — digo a Santos. — Está bem. Você
pode esperar por mim.
— Não gosto disso. — diz Santos.
— Não seja ridículo. Eu estarei ali. — Aponto para o escritório.
— Verifique a sala. — Santos diz a dois soldados que passam por
Jamison e fazem exatamente isso.
As sobrancelhas do Sr. Jamison se erguem, mas ele não comenta.
Assim que os homens de Santos o liberam, o Sr. Jamison pigarreia e
gesticula para o escritório.
— Você vai atacar em todo o estilo Rambo? — Pergunto a Santos
quando ele me solta.
Ele apenas gesticula para o escritório com um aceno de cabeça. Reviro
os olhos e entro no escritório seguido por Odin e o Sr. Jamison. Antes que o
Sr. Jamison feche a porta, vejo Santos acomodar-se no meio do grande sofá
de couro da sala de espera, da janela, vejo as cabeças de dois de seus
homens.
— O que é que foi isso? — Odin pergunta.
Eu dou de ombros quando o Sr. Jamison se acomoda em seu assento e
abre uma pasta. — Algo com a família Avery. Acho que estão me seguindo.
A testa de Odin franze. Ele abre a boca para perguntar alguma coisa,
mas o Sr. Jamison pigarreia e nós dois nos voltamos para ele.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
SANTOS

Espero impaciente para levar minha esposa para casa, irritado por não
estar no escritório do advogado com ela, mas também precisando desse
tempo para colocar meus pensamentos em ordem. Hoje está virando um
show de merda, como se eu fosse pagar os últimos sete dias de paz apenas
com este.
Bea Avery saber onde Madelena estava não deveria ser uma surpresa
para mim. Encontre a fraqueza do seu inimigo. Explore essa fraqueza. É a
sua maneira de entrar. Aprendi isso antes mesmo de conhecer o
Comandante. Mas minha reação ao comentário dela? Isso foi apenas
estupidez da minha parte. A maneira como saí de lá confirmou para ela que
Madelena é minha fraqueza.
Eu fiz dela um alvo.
Enquanto me sento olhando para aquela porta fechada, repasso nossa
conversa. Eu não esperava que ela confessasse sobre minha mãe. Mas o que
ela disse e sua expressão satisfeita? Isso está me incomodando. Ela me
irritou hoje e sabe disso.
Eu fico de pé e empurro a mão no meu cabelo, andando de um lado
para o outro. Meu telefone apita com um e-mail. É o relatório da polícia. Eu
disse a Val para me colocar em contato com o detetive Hayes, o agente que
trabalhou no caso de Alexia. Tenho a versão em papel do relatório do legista
em casa. Quero falar com Hayes sobre as facadas e o fato de que, de acordo
com o legista, foram feitas por uma pessoa destra. Mas acontece que não
posso falar com Hayes. Ninguém pode, porque ele morreu em um acidente
de caminhada semanas depois de encerrar o caso de Alexia. Ficou muito
perto da beira de um penhasco, aparentemente.
E se eu estivesse errado sobre o pai de Alexia? E se não tivesse sido ele
quem a matou? Então quem? Quem iria matá-la tão violentamente, tão
cruelmente, então posá-la do jeito que eles fizeram? Alexia não tinha
inimigos. Ela era gentil, amigável e calorosa, havia raiva na mão do
assassino.
Meu telefone apita com uma mensagem.
Caius: De volta dos mortos?
Eu: Não seja idiota.
Caius: Que diabos está acontecendo, Santos? Costumávamos
conversar, lembra?
Eu esfrego minha têmpora latejante.
Caius: Bebidas para comemorar o aniversário da esposinha?
Eu: Esposinha?
Caius: Erro de digitação. Polegar gordo. Bebida?
Eu: Amanhã. Tem sido um longo dia.
Caius envia dois emojis de polegar para cima e segue com o dedo
médio. Isso me faz sorrir porque é ele.
Eu: Encontro você no clube, irmão.
Caius: Augustine’s lembra? Papai vai se revirar no túmulo se ouvir você
chamá-lo de clube.
A porta do escritório se abre, então digito uma resposta rápida
informando a hora, depois enfio o telefone no bolso.
Madelena aperta a mão de Jamison e agradece. Ela está segurando
uma pasta e parece um pouco mais pálida do que quando entrou, mas
quando ela encontra meus olhos, ela reúne sua raiva. É bom. A raiva a torna
forte. Eu preciso dela forte agora.
Eu vou até ela, fico a alguns centímetros dela, então me viro para
Jamison. — Tudo pronto aqui?
Ele concorda.
Eu olho para Madelena. — Casa ou a casa do seu tio?
— Casa.
— Podemos ir juntos quando você estiver pronta. — Odin diz a ela.
— Acho que não. — digo a ambos.
Jamison pigarreia e pede licença. — O que você quer dizer com você
acha que não? — Madelena pergunta-me.
— Eu mesmo levo você. Eu já disse que faria isso. — coloco minha mão
em suas costas e a empurro para frente.
— Quero ir com meu irmão. — diz ela, sem se mexer.
— Ele pode estar lá. Isso é bom. Mas estarei lá também. Vamos. — Eu
mudo meu aperto para o braço dela para levá-la para fora, querendo-a em
segurança dentro de casa.
— Qual é o seu problema? Por que você está assim? — Ela tenta se
soltar, mas eu a coloco no banco de trás do SUV. Odin fecha a mão sobre
meu braço e eu me viro para ele, surpreso.
— Não a machuque.
— Eu não estou machucando-a. — Eu o encaro, bloqueando a saída de
Madelena com meu corpo. — Estou tentando levá-la para casa, onde posso
garantir sua segurança. Vá.
Ele dá um passo em minha direção como se estivesse procurando uma
briga, o que seria idiota da parte dele, mas acho que vou me envolver. Por
que diabos não?
— Eu e somente eu decidirei como manter minha esposa segura.
Agora vá antes que eu bata na sua bunda.
— Não toque nele! — Madelena diz atrás de mim, com as mãos nos
meus ombros.
— Vá embora, Odin. — digo a ele.
— Vá, Odin. Eu ligo para você. — ela diz.
Odin olha para sua irmã.
— Você a ouviu. — eu digo.
— Odin, por favor. — Madelena diz ao que ele relutantemente
responde, me dando um olhar final antes de se virar e ir embora. — Fodido
valentão. — ela murmura uma vez que eu subo no SUV.
Eu fecho minha mão sobre sua coxa, aperto. — Como eu disse a ele, e
já disse várias vezes, você já deveria saber: farei o que for preciso para
mantê-la segura. — Um dos meus homens fecha minha porta e partimos.
Madelena cruza os braços sobre o peito e mantém o olhar pela janela.
Vou esperar até chegarmos em casa para falar com ela. Além disso,
minha mente está ocupada tentando conectar todos os malditos pontos.
Mas assim que entramos em casa, Madelena sobe as escadas sem olhar para
trás. Eu a sigo até nosso quarto e fecho a porta.
— Você está bem? — pergunto a ela, observando-a tirar os sapatos e
puxar os cobertores. Acho que ela vai me ignorar, mas ela deixa cair o
cobertor, balança a cabeça e atravessa o quarto para ficar cara a cara
comigo.
— Quero o Santos de ontem de volta. Dos dias anteriores. Não gosto
de estar aqui em Avarice com você. Você é diferente quando está aqui. Você
se torna um valentão do caralho, eu já lidei com tantos deles na minha vida
que não preciso de outro! Eu não vou permitir isso!
Ela gira nos calcanhares para ir embora, mas eu pego seu braço e a
impeço. Ela coloca as mãos no meu peito para manter distância entre nós.
— Você me perguntou qual era o meu problema, então vou lhe dizer
qual é. Sou um marido tentando proteger a esposa. Se você acha que isso é
bullying, que seja. Você é minha, Madelena. Eu trouxe você para o meu
mundo, um mundo que você não conhece. E quando se trata de sua
segurança, eu tomarei as decisões porque sou o único de nós dois equipado
para fazê-lo.
— Se eu gostar ou não?
— Goste você ou não.
— Veja, essa é a coisa. Você me trouxe para o seu mundo. Você me
forçou a isso. Por que você não pode simplesmente me deixar em paz?
Apenas deixe-me viver minha vida sem você?
Suas palavras atingiram seu alvo. Ferem, mas também enfurecem. —
Você quer uma vida sem mim? — Eu a puxo para mais perto. — É assim que
suas palavras são rasas? Porque eu não achava que o amor funcionasse
assim.
— Me deixe ir.
— Estou errado? Dizer a alguém que você os ama não significa nada
para você? Essas palavras são apenas da boca para fora? Vazio e sem
sentido? Diga-me. Estou morrendo de vontade de saber.
— Estou cansada, Santos.
— Sim, eu acho que você está. Mas estamos nisso juntos agora,
Gatinha. Você é minha, goste ou não, eu sou seu.
— Quer eu goste ou não. De novo.
— Correto.
— Vá para o inferno, Santos.
Ela tenta se soltar, mas eu a puxo para mim. — Quando faço uma
promessa, Madelena, isso significa alguma coisa. Achei que você soubesse
disso. Ou você esqueceu?
Eu a levo de costas para a cama giro-a e seguro seus dois pulsos em
uma das minhas mãos em suas costas. Eu os puxo para baixo, forçando seus
ombros para trás. Quando coloco minha boca em seu ouvido, ela vira o
rosto para mim, sua respiração superficial. Estar tão perto faz com ela
exatamente o que faz comigo, a batida selvagem do pulso em seu pescoço
me diz que este momento não é exceção.
— Você precisa de um lembrete? — Eu pergunto em um sussurro
baixo.
Ela estremece.
Eu deslizo minha mão ao longo de sua coxa, sob sua saia e em sua
calcinha. Por trás, meus dedos fazem cócegas na fenda de sua bunda, as
pontas dos meus dedos mais longos se fechando sobre seu clitóris, meu
polegar esfregando seu cu.
Sua respiração treme.
— Você está molhada. — Eu pressiono meu pau contra suas costas
enquanto brinco com ela. — Eu sei que o voto de casamento foi forçado,
mas as palavras 'eu te amo' não foram. Não me diga que você já esqueceu
de tê-las dito. — Empurro meu polegar em seu cu, circulo quatro dedos
sobre seu clitóris inchado e a ouço gemer de prazer.
Eu sorrio.
— Você é minha, Madelena. — Eu a curvo sobre a cama, solto seus
pulsos e tiro minha mão de sua calcinha.
Ela faz um som de protesto quando empurro sua saia para cima e sua
calcinha para baixo.
— Não se preocupe, querida. Eu vou te mostrar o que significa ser
minha.
Eu desfaço meu cinto, minha calça, liberando meu pau e empurro para
dentro dela em um impulso duro que a faz grunhir. — Minha. — Eu recuo,
deslizo um dedo em sua bunda apertada, observando-me fodê-la enquanto
ela agarra os cobertores.
Eu a tomo forte e profundamente, não é para fazê-la gozar. Ela não
merece gozar. É para garantir que ela saiba a quem pertence e que as
palavras tenham peso em mim.
— Você e eu pertencemos um ao outro agora. Por bem ou por mal.
Até que a morte nos separe. E eu quero dizer cada palavra disso.
— Santos. — ela começa, arqueando as costas.
— Você quer gozar? — Pergunto antes de cerrar os dentes sobre a
curva de seu pescoço.
Ela acena com força.
— Você merece gozar?
Ela olha para mim. — Por favor. — ela murmura, arqueando em meu
pau, meu dedo, seus músculos apertados em torno de ambos. Eu me xingo
porque não consigo resistir a ela. Quando deslizo minha mão livre para seu
clitóris, ela grita, seus joelhos dobram. Seu corpo se aperta ao meu redor,
latejando, forçando minha liberação enquanto me coloco sobre ela e me
esvazio em seu calor apertado.
Nós dois estamos ofegantes quando eu saio para virá-la de costas. Eu
procuro seu rosto, beijo-a, observando seus olhos enquanto ela olha nos
meus.
— Eu não posso mais ficar sem você. Você sabe disso, não é? — Eu
pergunto.
Ela me beija, então deixa sua cabeça cair para trás enquanto sua boca
se abre em uma respiração ofegante. Eu beijo sua garganta exposta, coloco
seu lábio inferior em minha boca e mordo apenas com força suficiente para
fazê-la olhar para mim novamente.
— Diga-me que você sabe disso.
— Eu faço. Eu sei. — Ela sorri, as pálpebras pesadas.
Eu sorrio também. Tudo o que eu disse é verdade, está certo. Ela me
pertence tanto quanto eu pertenço a ela. E destruirei qualquer um que
tente machucá-la, que tente tirá-la de mim.
CAPÍTULO VINTE E CINCO
MADELENA

As próximas semanas passam tranquilamente. É estranho e tenho


medo de me acomodar ou abaixar a guarda, mas entre eu e Santos está
tudo bem. Já vimos à família dele algumas vezes, mas tenho a sensação de
que Santos os está evitando tanto quanto eu sempre fiz. Ele não vai falar
sobre o motivo, mas sei que algo aconteceu com o assassinato de Alexia que
ele não gostou. Eu o ouvi discutindo com Val uma noite. Mas isso não é
tudo. Há algo mais que pesa sobre ele, tem a ver com Caius.
Santos fica me olhando na mesa da sala de jantar enquanto eu dou
uma mordida na minha segunda fatia de lasanha, sobras da noite anterior.
Ele balança a cabeça, verifica o relógio e se vira para mim.
— Onde você coloca isso? — ele pergunta com um sorriso.
— Você está dizendo que eu como muito? — Eu pergunto, pegando
meu copo de água e bebendo antes de sentar e esfregar meu estômago.
— Você pode guardá-lo por ser tão pequeno.
Eu o desligo.
Ele pisca, então se levanta e vem até mim. Segurando a parte de trás
da minha cabeça, ele planta um beijo na minha testa. — Devemos ir se você
quiser encontrar Odin a tempo. A menos que você queira outra fatia, é
claro.
— Ha-ha. — Eu me afasto da mesa. Vamos nos encontrar com Odin na
casa do tio Jax. Será a primeira vez que colocarei os pés lá dentro desde sua
morte. O dia está claro e ensolarado, embora ainda esteja frio, juro que
sinto o cheiro da primavera. É a minha época favorita do ano, especialmente
depois dos invernos em Avarice, que parecem intermináveis. A primavera é
esperançosa. É um novo começo.
Val e outro soldado nos acompanham no SUV, outros dois seguem em
um veículo separado. Santos anda sempre armado e parece estar sempre a
esquadrinhar a zona, onde quer que estejamos e não importa quantos
homens estejam conosco. Desde o dia em que Bea Avery o avisou que tinha
alguém me seguindo, nada aconteceu, nas poucas vezes que estivemos na
casa de Augustine, nenhum membro da família Avery esteve presente.
Eu peso a chave da casa do tio Jax na palma da minha mão. Bem, não é
mais do tio Jax . É minha casa agora.
— Preparada? — Santos pergunta quando entramos no que parece ser
uma estrada de quilômetros de extensão.
— Sim. — eu digo, embora não tenha certeza se algum dia estarei
pronta. Mas o tio Jax me deixou em casa para garantir que eu fosse bem
cuidada, sou grata por isso. Por ele.
Odin está encostado em seu carro quando chegamos à entrada da
frente. Eu saio do SUV quando estacionamos, ele vem até mim.
— Oi Maddy. — diz ele com um abraço. Ele olha para a casa vazia. Ele
está tão ansioso quanto eu. Posso ver em seu rosto, ouvir em sua voz.
— Estamos atrasados?
— Não. Acabei de chegar cedo.
Santos o cumprimenta com um aceno de cabeça e Odin faz o mesmo.
Desde o dia no escritório do Sr. Jamison, os dois só falam em grunhidos, na
melhor das hipóteses. Eu gosto que Odin enfrente Santos, no entanto.
Santos é facilmente duas vezes maior que meu irmão, mas Odin não se
intimida, acho que Santos respeita isso.
Reviro os olhos para eles de qualquer maneira e vou até a porta, a
chave pesada em minha mão úmida enquanto a deslizo na fechadura. Estou
com náuseas. Ansiosa. É estranho estar aqui. Respiro fundo e viro a chave,
no instante em que abro a porta, o alarme começa a soar. Pego uma das
folhas de papel que o Sr. Jamison me deu e digito o código para silenciá-la.
Depois de respirar, me viro e observo a ampla casa estilo rancho que
foi um paraíso para mim por anos. Abrange uma porção generosa de um
acre de terra com uma parede de janelas na parte de trás. Lembro-me de
como a piscina externa brilhava no verão. Você pode vê-la de todos os
ângulos do piso plano aberto, mas foi drenada agora. Presumo e espero que
a piscina coberta, aquela em que ele se afogou, também tenha sido
drenada. Essa é uma sala na qual não tenho certeza se conseguirei entrar.
— Tem o mesmo cheiro. — Odin diz ao meu lado. Ele está absorvendo
tudo, assim como eu.
Concordo com a cabeça porque ele está certo, embora a casa esteja
praticamente fechada há anos. O Sr. Jamison providenciou sua manutenção
e limpeza mensal, mas ninguém viveu aqui desde a morte do tio Jax. Sempre
me perguntei por que papai não a vendia. Eu nunca tinha percebido que ele
não podia.
Odin e eu caminhamos juntos pela casa. Depois de um rápido olhar ao
redor, Santos permanece na sala, mas manda dois homens conosco
enquanto passeamos pelas memórias. Tudo é exatamente o mesmo. As
fotos nas paredes. A coleção de discos que ele apreciava, junto com os
próprios toca-discos. Ele só os usava em ocasiões especiais, mas era uma de
suas paixões. Ele era um colecionador.
— Vou para a biblioteca. — digo a Odin. Era meu lugar favorito. Ele
acena com a cabeça, preso em suas próprias memórias, eu ando pelo
corredor em direção à biblioteca. Logo depois estão os quartos. Eu não vou
lá ainda, no entanto.
Isso não tem nada a ver com a biblioteca dos Augustine. A casa em si é
mais no estilo dos anos 70, mas eu sempre amei a biblioteca principalmente
porque todos os livros que estavam nela foram selecionados a dedo pelo tio
Jax ou pela mamãe. Cada um foi lido e amado, devo ter passado horas aqui e
lido metade da biblioteca.
Abro as cortinas. A luz do sol faz manchas de diamante de partículas
de poeira flutuando no ar. Na mesinha ao lado da cadeira favorita do tio Jax
está um thriller que reconheço que me faz parar, me faz sentir falta dele de
novo. Ele estava lendo antes de morrer. Ele estava no meio do caminho, me
lembro de como ele me disse apenas algumas noites antes de sua morte que
achava que havia descoberto o mistério, mas não tinha certeza.
O pego e verifico a página. Eu me pergunto se ele adivinhou certo.
Memorizo o número da página e fecho o livro para levá-lo para casa comigo.
Vou ler esta noite.
Na parte de trás da biblioteca há uma porta escondida que é a entrada
do escritório de Jax. Eu só sei disso porque passei muito tempo aqui
crescendo e o peguei entrando ou saindo uma ou duas vezes. Ele sempre foi
muito reservado sobre seu escritório em casa, o que não era característico.
Raramente estive dentro dele. Quando eu era pequena, ele fazia disso um
jogo e o chamava de seu esconderijo secreto que eu não podia contar a
ninguém.
Atrás de um pequeno painel feito para parecer às lombadas dos livros
está a fechadura eletrônica da porta. Na mesma folha de papel onde estava
o código do alarme da casa, digito o código para destrancar a porta. Ouço
um zumbido, depois um clique, e a porta secreta se abre.
— O que é isso? — Santos pergunta, me fazendo pular e se
desculpando ao ver que me assustou. — Tudo bem?
— Estou bem. Apenas perdida em pensamentos, eu acho.
— O que é isso? — Ele olha além de mim para o quarto escuro.
— É o escritório doméstico do tio Jax. — eu digo.
Ele acena com a cabeça, quando entro, ele me segue. Acendo a luz do
teto porque este quarto não tem janelas. Sempre achei isso estranho, mas
tio Jax dizia que isso o ajudava a manter o foco. Há uma mesa de grandes
dimensões. Não é antigo nem bonito, apenas funcional. Ao longo das
prateleiras nas paredes estão alguns livros sobre negócios, mas a maioria
são caixas. Uma delas está aberta em cima da mesa de Jax. Percebo que não
há lugar para sentar, exceto a grande cadeira atrás da mesa.
Santos está ocupado olhando uma fotografia. Pego a cadeira e me
sento. Seu computador era de última geração há seis anos, mas agora
parece obsoleto. Em cima da mesa estão algumas pastas de arquivo, eu olho
dentro delas para descobrir que são documentos de trabalho.
Santos olha para a caixa sobre a mesa e folheia algumas das pastas.
Observo enquanto ele lê uma, franzindo a testa. Ele vira para outra página.
— O que é?
— Finanças de oito anos atrás. — Ele a guarda e olha para outra, mas
perde o interesse rapidamente. — Acho que ele não tinha companhia aqui.
— Não, nunca. Não fomos autorizados a entrar. Tenho certeza de que
ele manteve sua existência em segredo.
Ele dá a volta na mesa e repara nas fechaduras das gavetas. — Alguma
ideia do que tem aí dentro?
— Nós vamos descobrir. — Abro uma das duas gavetas. Elas são
profundas e contêm pastas suspensas.
Santos se aproxima, inclina-se para dar uma olhada nas linguetas. Ele
muda seu olhar para mim, eu sei por quê. As pastas são marcadas com
nomes. Alguns eu reconheço, a maioria não.
Mas há um que me chama a atenção. Isso me faz sentir aquela náusea
de novo. Eu olho para Santos, então de volta para ele. Esta pasta tem o
nome do meu pai na guia.
— Tem certeza que quer olhar esses arquivos, Madelena? — Santos
pergunta.
Meus olhos estão fixos naquela pasta. Eu não respondo Santos. Em vez
disso, eu estendo a mão para puxá-la para fora. Mas antes que eu possa, ele
coloca a mão sobre a minha.
— Seu tio está morto e se foi. Ele não será capaz de explicar o que
você encontra aí dentro, isso pode ser perturbador.
— Eu tenho que fazer isso.
— Você quer que eu dê uma olhada primeiro?
— Não tenho certeza se você deveria olhar alguma coisa. — diz Odin a
Santos da porta. — Nosso tio era um homem muito reservado.
— Não quero fazer mal. Madelena sabe disso.
Odin o ignora. — O que é? — ele me pergunta.
Eu coloco a pasta na mesa, então Odin vê a guia também. O telefone
de Santos toca e ele pede licença, deixando Odin e eu sozinhos.
— Não sabemos o que há aqui, Maddy. — diz ele, olhando para a
porta onde podemos ouvir Santos atender a chamada. — Você e eu
deveríamos dar uma olhada primeiro, antes que mais alguém veja.
— Você pode confiar nele. Eu faço. — Eu percebo enquanto digo isso
que é verdade.
Odin me estuda, mas não diz nada. Em vez disso, ele abre a pasta e
nós lemos. Eu vejo o rosto de Odin pálido em minha visão periférica e sinto
o sangue drenar do meu. Penso no que o Santos acabou de dizer. Mesmo
quando viro a página, minha mão tremendo, a temperatura na sala parece
cair. Porque eu entendo o que as pastas contêm. O que Santos uma vez me
contou sobre o tio Jax, sobre o que ele fez, está bem aqui, com mais
detalhes do que Santos compartilhou, do que eu gostaria que ele
compartilhasse, com fotos coloridas para comprovar.
— Odin. — murmuro.
Termino de ler antes de Odin e coloco a mão na testa para sentir o
brilho do suor ali.
Os olhos de Odin estão arregalados quando ele fecha a pasta. — Jesus.
— diz ele, envolvendo a mão em volta do pescoço. — Jesus Cristo. — Ele
olha para mim.
— É isso. A coisa que conecta tudo. É por isso que tudo aconteceu.
— Vingança. É tudo por causa do que nosso pai fez.
Eu fico de pé, segurando a borda da mesa para me firmar.
— Você está bem, Maddy?
— Vou vomitar. — digo e saio correndo da sala para o pequeno
banheiro anexo, chegando ao banheiro antes de vomitar.
CAPÍTULO VINTE E SEIS
SANTOS

— O que você quer dizer com ela acabou de sair de lá? — Eu pergunto
Val.
— Você me pediu para segui-los, lembra? — Val me pergunta.
Lembro-me de ter dado a ordem para que Caius e minha mãe fossem
seguidos. Eu fiz isso depois de encontrar a pedra familiar na passarela
quando suspeitei que meu irmão estava lá em cima. Eu nunca os cancelei.
Isso havia escapado da minha mente.
— Sim, eu me lembro. — eu suspiro. — Me diga de novo.
— Sua mãe acabou de sair do consultório do Dr. Fairweather. Achei
que você deveria saber, considerando.
— Você tem certeza?
— Tenho certeza. Ele poderia ser o médico de sua mãe?
— Não sei. — Será essa outra coincidência? — Onde ela está agora?
— Parece que ela está voltando para casa.
— Deixe-me saber quando ela estiver lá. E coloque alguém no
consultório do médico. Fique de olho em seus movimentos até que eu diga o
contrário. — Eu desligo e volto para o escritório de Jax para encontrar
Madelena desaparecida e Odin parado na porta do banheiro. — O que é? —
Corro para o banheiro, empurrando-o para fora do caminho no momento
em que Madelena se levanta de sua posição ajoelhada no chão para dar
descarga. Ela se recosta, limpando a boca com as costas da mão e
parecendo mortalmente pálida. — O que aconteceu? — Eu me agacho para
ajudá-la a se levantar.
Ela me afasta quando está na pia e se abaixa para enxaguar a boca,
depois lava as mãos e joga água no rosto.
— Madelena?
— Só preciso de um minuto. — Ela olha para Odin, que está parado
atrás de mim. Ele volta para o escritório.
Gotas de suor pontilham sua testa, a pele ao redor de seus olhos rosa.
O que quer que ela tenha visto naquela pasta a perturbou.
— Podemos ir? — ela pergunta.
Concordo com a cabeça, passo um braço em volta da cintura dela,
quando entro no escritório, vejo Odin enfiando uma pasta de volta na
gaveta. Eu posso adivinhar qual. Ele olha para cima.
— Você está bem? — ele pergunta a ela.
— Eu estou indo para casa, na verdade. Não me sinto bem.
— Quero ficar um pouco. Examinar mais algumas coisas.
— Tem certeza? — ela pergunta.
— Sim. Vou trancar quando terminar.
Ela acena com a cabeça. — Todas as chaves e códigos estão lá. — Ela
aponta para o envelope. — Te ligo mais tarde. — Ela se vira para mim e eu a
levo para fora do escritório. — Faça com que dois homens fiquem aqui com
o irmão dela. — digo a um dos soldados. Levo Madelena até o SUV e a ajudo
a entrar. Ela fica em silêncio no caminho para casa, com a testa franzida de
preocupação. Chegando lá, subimos para o quarto, onde ela puxa as
cobertas e se senta na beirada da cama.
— Você quer que eu chame um médico?
— Não. Eu vou ficar bem. Eu só... Foi muito.
Eu a estudo. — O que foi exatamente?
Ela leva um minuto para olhar para mim e ainda mais para falar. — A
chantagem... O que ele tinha sobre o papai.
Eu levanto minhas sobrancelhas. — Ele tinha um arquivo físico com
detalhes?
— Eu entendo porque seu pai estava obcecado com o meu agora. Meu
tio também sabia. Ele tinha um relatório. E... fotografias.
— Merda. — Não sabia que havia fotos. Mas porra, ele manteve
arquivos físicos?
Não era assim que ela deveria ter descoberto. O pai dela é um
monstro, sim. Assim como o meu, de uma forma diferente.
Eu também, pelas coisas que fiz.
Seu tio, assim como meu pai, era um coletor de informações. Eu já
disse isso antes, e vou dizer de novo. Nenhum homem pode ter tanto poder
e ter as mãos perfeitamente limpas. É impossível.
A família Augustine viveu em Avarice por um tempo, mas não estamos
fundando famílias como as famílias De Léon ou Donovan - e certamente não
na mesma classe. Nós apenas aumentamos nossa riqueza para onde está
agora com meu pai no comando. Antes disso, os Augustines serviram aos De
Léons deste mundo.
Minha tia teve a infelicidade de chamar a atenção de Marnix De Léon -
Marnix De Léon e seus amigos. Eles, assim como o Comandante, não
aceitam bem a palavra não, naquela época, não havia muito que um
humilde Augustine pudesse fazer contra uma legião de De Léons.
Mas nós, Augustines, temos memória longa e somos muito pacientes.
Nós esperamos. Nós vigiamos. Porque com o tempo todo mundo tropeça.
Cada um desses homens foi tratado, mas no leme daquele navio estava
Marnix De Léon. Ele demorou um pouco mais para tropeçar, mas tropeçou.
Agora, por causa disso, por causa dele, somos donos do mundo deles - um
mundo que não nos pertence, um mundo que tiramos deles. Assim como
tiraram o que não era deles da irmã do meu pai.
Mas dizer que tudo o que fizemos foi para vingar minha tia é uma
forma generosa de ver as coisas. Ele nos lança em uma luz nobre. Quase.
Não tenho certeza se um Augustine pode ser verdadeiramente nobre.
Às vezes me pergunto qual era o plano de meu pai. Foi para acabar
com a Avarice completamente? Para apagar a elite da cidade? O que se
tornou é outra coisa. Intenções e motivações se confundem com o tempo,
se transformam em obsessão. E a obsessão é um outro animal.
Qual é o meu plano, meu objetivo? Agora que meu pai se foi e Marnix
De Léon foi punido, aqueles homens foram punidos, o que eu quero? O que
acontece depois da vingança?
Eu estudo Madelena, observo sua beleza sombria, sua fragilidade. Não
sou obcecado pela Avarice ou seu povo. Não me importo com sua existência
ou destruição. Minha obsessão é totalmente diferente.
— Você não deveria ter descoberto esses detalhes. — digo a ela.
— Eu gostaria que você tivesse me contado.
— Não, você não. Há algumas coisas que é melhor deixar em paz.
Ela olha para mim. — Você estava certo sobre ele.
— Não faz diferença, Madelena. Seu tempo com ele, suas memórias
dele, são coisas separadas. Eles estão limpos.
— Como é isso?
Eu vou até ela, pego suas mãos. — Jax Donovan, pelo menos no pouco
tempo que o conheci, não era um homem perverso. Ele era implacável
quando se tratava de seus inimigos. Qualquer um em sua posição teria que
ser. E ele protegeu aqueles que amava ferozmente, o melhor que pôde.
Ela tira as mãos das minhas e esfrega o rosto, os olhos, indiferente ou
indiferente ao delineador manchado.
— Deite-se, querida.
Ela o faz, me inclino para beijar sua testa, sua boca. Ela toca minha
bochecha, prolongando nosso beijo. Quando me afasto, afasto uma mecha
de cabelo escuro de seu rosto e olho para ela.
Seu tio a mantinha segura. Ele a protegeu da escuridão de seu mundo,
a manteve separada dele. Já fiz metade?
Pego a mão dela, viro-a para olhar a cicatriz em sua palma.
A marca que eu coloquei lá.
Eu a sigo.
Ela vira a mão para segurar a minha, eu encontro seus olhos.
Assim como a Avarice e a destruição dela e de seu povo eram a
obsessão de meu pai, Madelena também é minha obsessão. Há um peso
profundo em meu estômago ao pensar nela, ao vê-la. Vou garantir que ela
sobreviva a isso, sobreviva à minha família. A mim.
Mas mesmo assim, sua inocência se foi, roubada por monstros. Vou
mantê-la segura agora, mas o dano causado antes de mim não pode ser
apagado. De certa forma, era seu destino pelo simples fato de ter nascido
filha de Marnix De Léon. Eu sou parte desse destino, nossos destinos
combinados selados. Para melhor ou pior. Até que a morte nos separe.
— Quero ficar um pouco sozinha. — diz ela. Abro a boca para
protestar, mas ela coloca um dedo em meus lábios. — Estou cansada.
Relutantemente, eu aceno e ela fecha os olhos. Observo uma lágrima
deslizar sobre sua têmpora e preciso de tudo para me virar e sair do quarto
e não subir na cama para segurá-la, enxugar suas lágrimas e lutar contra
seus demônios.
Enquanto desço as escadas, meu telefone vibra com uma mensagem.
Faço uma pausa para lê-la. É Val me dizendo que minha mãe está em casa.
Eu olho para as escadas para a porta do nosso quarto. O homem pode
vencer o destino?
Balançando a cabeça, continuo descendo as escadas e saio pela porta
da frente, sem levar nenhum homem comigo. Eu dirijo até o Augustine's. É
uma daquelas viagens em que você não tem certeza de como chegou lá
quando chega, mas meu humor muda, escurecendo na chegada. Estou com
um mau pressentimento sobre o que está por vir.
Saio, entrego as chaves a um manobrista e entro no prédio, no
elevador privativo que leva ao último andar. Um soldado está parado na
porta do apartamento onde vivem Caius e minha mãe. Ele acena com a
cabeça, bate na porta, sem esperar resposta, abre e se afasta.
Entro e encontro a sala vazia.
— Mãe? — Eu chamo, caminhando em direção ao quarto dela.
— Santos? Isso é você? — ela pergunta do escritório. Eu entro para
encontrá-la sentada atrás da mesa. — O que você está fazendo aqui?
Fecho a porta e olho para ela. Não consigo ler minha mãe. Nunca
consegui lê-la, a não ser naquele dia em que ela confessou sobre Caius - o
momento em que vi seu medo, sua vergonha.
Eu sei o que você fez, e este é o seu castigo.
A frase lida em voz alta pelo executor do testamento de papai se
repete em minha cabeça, exceto que desta vez ouço meu pai dizer as
palavras. Ele sabia sobre Caius? Ele não iria punir mamãe pelo que o
Comandante fez com ela quando ela não passava de uma menina. Meu pai
era justo.
Mas se ele descobrisse a verdade sozinho, se pensasse que ela mentiu
para ele... isso ele iria punir. Ele não tolerava mentiras. Traições. Ele não
tinha piedade de mentirosos e traidores.
Eu balanço minha cabeça para limpar os pensamentos e foco meu
olhar nela, no agora.
— O que você estava fazendo no escritório do Dr. Fairweather? — Eu
pergunto sem rodeios.
Se ela está surpresa por eu saber, isso não transparece em seu rosto.
Mas há um momento de silêncio antes de ela se recostar na cadeira e
inclinar a cabeça.
— Fase dois. — diz ela categoricamente.
Demoro um minuto. Acho que espero que ela negue sua presença ali.
Ou, não, ela não faria isso. Ela é esperta demais para isso. Espero que ela me
diga que Fairweather é o médico dela e me pergunte o que é da minha
conta, porque é isso que eu quero que seja. Uma coincidência. Não um ato
malicioso cometido contra mim ou minha esposa por minha mãe. Não uma
traição.
— Há quanto tempo você está me seguindo? — ela pergunta.
— Elabore a fase dois. — eu digo, sem me preocupar em responder a
sua pergunta.
— Lawrence, Dr. Cummings. — ela esclarece. — Ele conhece
Fairweather. É uma cidade pequena.
— E?
— Eles estavam bebendo e Fairweather aparentemente mencionou a
casa para ele. Disse que estava ansioso para ver as reformas que seu pai fez.
A porta se abre atrás de mim, mas não me viro. O olhar da minha mãe
move-se momentaneamente por cima do meu ombro.
— O que é isso? — Caius pergunta.
— Continue. — digo à minha mãe.
— Eu só estava perguntando ao seu irmão há quanto tempo ele está
me seguindo. — ela diz a Caius, que se move para ficar contra a parede para
que ele esteja na minha linha de visão.
— Mãe. — eu pressiono.
— Como eu disse, é uma cidade pequena. Então, quando Fairweather
mencionou sua próxima visita e o propósito dela, bem, Lawrence ficou
confuso. Ele presumiu que era o médico de sua esposa, não esse tal de
Fairweather. Mas aparentemente você não confiava nele.
Olho para Caius que está com os braços cruzados sobre o peito, pés
cruzados na altura dos tornozelos, nos observando. A pulseira em seu pulso
chama minha atenção antes de me virar para nossa mãe.
— O que aconteceu com a fase dois, Santos? — ela pergunta.
— O que aconteceu com a confidencialidade médico-paciente, mãe?
Ela bufa, se levanta para caminhar até a mesa lateral contendo várias
garrafas de vodka e uísque em uma bandeja de prata. Ela se serve de uma
bebida e se vira para mim.
— Você sabe que essa merda não se aplica a nós.
Eu paro, apenas ouvindo algo que ela disse. — Cummings viu
Fairweather antes de Fairweather chegar em casa?
Ela me estuda por um longo minuto. — O que aconteceu com a fase
dois? Porque uma injeção anticoncepcional certamente não iria engravidar
sua esposa, não é?
— Foi?
Ela pisca, bebe o resto da vodca em seu copo e fica mais alta quando
ela me encara novamente. — Foi. Como sua esposa está se sentindo esses
dias? Alguma notícia feliz para nós? Vocês dois tiveram aquela segunda lua
de mel, outro segredo que vocês guardaram, então diga-nos, o feliz casal
tem notícias de um nascimento iminente?
Foi.
Meu estômago revira enquanto processo a palavra. Seu significado.
Cummings sabia sobre o que eu havia conversado com Fairweather.
Ele sabia e intercedeu.
Eu fico de pé, meu estômago apertado, minhas mãos em punhos ao
meu lado. — O que você fez, mãe?
Ela engole, se vira para se servir de uma segunda vodka e bebe antes
de me encarar. Eu rastejo em direção a ela. — O que você fez?
— Certifiquei-me de que permanecemos no caminho certo para a fase
dois, é isso.
Minha mão está em volta de sua garganta antes que eu possa registrar
o movimento. Estou com tanta raiva, acho que não. Não posso. Eu mal
posso respirar. Seus olhos se arregalam e seu copo cai no chão, mas em um
instante, Caius está me puxando. Ou tentando. Ele está gritando para eu
deixá-la ir, mas sua voz é um eco distante porque foda- se! Porra! Porra!
Porra!
O apetite de Madelena ultimamente. Nas poucas manhãs ela não se
sentiu bem, embora esses surtos passassem tão rápido que nenhum de nós
pensou nisso. Hoje, vomitando como ela estava, era por causa do que ela
havia visto? Ou foi porque minha mãe interferiu? Porque a injeção
anticoncepcional não era uma.
— O que é que você fez?
Caius me arranca dela e me empurra pela sala.
— Mãe. Saia. — Caius diz a ela.
— Eu não vou... — ela começa, mas ele a interrompe.
— Saia! — ele ordena a ela, segurando-me pelo colarinho enquanto eu
caminho em direção a ela.
— Eu te disse... Foda-se! Eu disse que faria isso no meu tempo. Meu.
Não é seu. Não do meu irmão. Meu. Como você ousa? Como você ousa?
— Como ouso? — ela pergunta. Ela está meio dentro, meio fora da
porta. Está levando tudo que Caius tem para me segurar. Se ele me soltar,
não tenho certeza do que farei. — Como você ousa escolher a cria do
homem que estuprou a irmã de seu pai, que a passou para seus amigos para
ser estuprada por todos e cada um deles, ao invés de sua própria família? —
ela cospe, olhos em chamas, feia agora. Odiosa. Vingativa.
— Irmão, acalme-se. — tenta Caius. — Mãe. Saia já daqui!
— Você a escolhe novamente, agora. Sobre nós! — minha mãe sibila.
— Saia! — Caius ruge, ela corre no momento em que me desvencilho
de meu irmão. Ele está mais perto da porta e a fecha, bloqueando meu
caminho.
— Saia do meu caminho. Saia do meu caminho! — Eu ordeno.
— O que você vai fazer? Matar sua própria mãe? — ele pergunta.
Dou mais um passo antes que suas palavras penetrem em meu crânio.
Então paro. Eu empurro minhas mãos em meu cabelo, puxando-o, porque o
que diabos eu vou fazer?
Os seios de Madelena parecem mais cheios. Estávamos brincando
sobre o quanto ela pode comer esta tarde. Deus. Eu sou um maldito idiota.
Ela está gravida? Madelena está grávida?
Eu giro e envolvo minha mão em torno da garganta do meu irmão. Eu
o seguro contra a porta. — Você sabia?
— Não. Porra, não. — Ele me puxa. Nós lutamos enquanto tento
colocar minhas mãos em volta de sua garganta, ele luta para me manter
afastado.
— Você tem certeza? — Eu pergunto.
— Você já não sabe? Você acha que eu não percebi que estou sendo
seguido também?
Eu viro minha cabeça para sacudi-la, mas meu olhar se fixa em algo.
Durante nossa luta, a manga de seu suéter foi levantada, posso ver a
pulseira, ver o fecho que a mantém fechada.
Paro assim que o faço, confuso.
A resistência de Caius desaparece e eu olho para ele, depois desço.
Pego seu braço, afasto o suéter e seguro meu braço contra o dele. Eu
comparo as pulseiras. Os fechos são diferentes.
Os fechos são diferentes pra caralho.
— Eu vou atrás da mamãe. Vá a algum lugar e se acalme. — diz Caius,
mas não solto seu braço.
— É diferente. — eu digo.
Ele ergue as sobrancelhas, parecendo irritado e confuso ao mesmo
tempo. — O que é diferente?
— Esta não é a pulseira que te dei.
Ele olha para ele, então de volta para mim. — Voltamos a isso?
— Foi você? Você estava lá em cima na passarela? Você empurrou o
Thiago?
Ele bufa, balança a cabeça, o olhar em seus olhos é de um homem
traído. — Mandei consertá-la depois da escalada, alguns anos atrás. Eu
quebrei. Porra procurei por uma hora para todas as contas. Não pensei em
que tipo de fecho o joalheiro estava colocando nela. Não achava que isso
importava. Se eu soubesse que você me acusaria de assassinato, teria
prestado mais atenção. Pediria a porra de um recibo. — Ele me empurra
para longe. — Quer saber, foda-se. Foda-se, Santos. Mamãe está certa. Você
esqueceu de que lado está. Por que estamos fazendo isso. Você se perdeu
naquela garota anos atrás, sabia? Antes mesmo de você dormir com ela,
você estava sob o feitiço dela. Eu sabia desde o primeiro dia. Eu sabia pelo
jeito que você olhou para ela. Outra Alexia, uma segunda chance. Você é um
idiota, irmão. Dê o fora daqui, e se você tocar um fio de cabelo na cabeça da
nossa mãe, eu juro, vou fazer sua esposa pagar. Olho por olho.
Eu bato minhas mãos contra seu peito e o empurro contra a parede.
— Você chega perto dela, não importa em tocá-la - você chega perto dela, e
eu vou rasgar você membro por membro. Você me escuta? Eu vou te matar,
Caius. Marque minhas palavras. Vou te matar. Fique longe da minha esposa.
Fique longe de nós. Isto está acabado.
Eu o empurro para fora do caminho e saio daquele apartamento,
daquele prédio. Enquanto nuvens escuras engolem o azul brilhante deste
dia outrora promissor, eu ando e ando porque falhei com Madelena... e
perdi minha família.
CAPÍTULO VINTE E SETE
SANTOS

Eu me dirijo em uma névoa cheia de raiva até o consultório de


Fairweather. Val me encontra lá e entramos junto com mais um soldado. A
recepcionista olha para cima de seu lugar atrás de uma mesa que se estende
por quase toda a extensão da parede, o alarme é registrado imediatamente
em seus olhos. Duas mulheres sentadas na sala de espera olham para nós de
suas revistas.
— Posso ajudar? — a recepcionista pergunta, olhando de mim para
Val e vice-versa.
— Fairweather. Onde ele está?
— Hum, ele está com uma paciente. Você… — Eu acho que ela vai me
perguntar se eu tenho hora marcada, mas como é óbvio que eu não tenho
vagina, por que eu teria? Fairweather é ginecologista.
Eu levanto minhas sobrancelhas e ela limpa a garganta.
— Onde ele está?
— Sala 1. — Ela aponta para um corredor, onde posso ver quatro
portas. Duas são numeradas, uma tem o nome de Fairweather e a outra, a
única sem porta, parece ser um posto de enfermagem. — Mas ele está com
uma paciente. Você não pode entrar.
— Você vai precisar cancelar os outros compromissos dele. — eu digo
a ela depois de olhar para as mulheres esperando. — Provavelmente para a
semana. Vou esperar em seu escritório. Há outra saída? — Pergunto
enquanto as mulheres que estavam sentadas em silêncio se levantam e se
dirigem para a porta sem que precisem ser convidadas.
— Por lá. — Ela aponta.
Faço um gesto para o soldado ir para aquela saída. — Encerre. O dia
acabou. — digo à mulher.
Val paira na área de espera enquanto a recepcionista se prepara para
sair. Entro no consultório do médico e dou uma olhada. É a minha segunda
vez aqui. Eu me encontrei com ele sobre o controle de natalidade de
Madelena. É um bom escritório com móveis decentes, limpo e organizado.
Ele se sai bem e mora com sua esposa em uma McMansion, mas não serve à
elite da cidade. É por isso que eu o escolhi, pensando que era minha aposta
mais segura para a privacidade.
Tiro o paletó e vou até a mesa de Fairweather para ler os diplomas
pendurados ali. Ele se formou com honras em uma universidade de
prestígio. Bom para ele.
Colocando minha jaqueta nas costas de uma cadeira, vou até a janela
para ver o estacionamento enquanto arregaço as mangas da camisa.
Um movimento no corredor me alerta que o bom médico terminou
seu exame. Eu ouço a voz de uma mulher, uma porta se fechando, então
alguém tropeçando. Um momento depois, a porta do escritório se abre e Val
dá um empurrão em Fairweather para dentro. Val o segue, fecha a porta e
fica com os braços cruzados na saída.
Fairweather empalidece quando me vê e lança um olhar de pânico
para trás, então me encara novamente.
— Sr. Augustine. Eu não esperava vê-lo. — Ele tenta dar um sorriso
vacilante.
— Não, acho que não. Sorte sua, dois Augustines em um dia. Minha
mãe esteve aqui mais cedo.
— Oh. Sim. Ela é, uh, uma nova paciente.
— Ela é?
Ele engole em seco, apoiando-se no encosto de uma das cadeiras em
frente à mesa.
— O que você injetou na minha esposa?
Ele abre a boca, gagueja. Vou até ele, agarro-o pela nuca e o empurro
para uma cadeira. Eu puxo seu cabelo para puxar sua cabeça para trás,
então ele olha para mim.
— Dr. Fairweather, o que você deu à minha esposa?
— Nada que pudesse machucá-la. Juro.
Eu sorrio, então o deixo ir. — Fique de pé.
— Juro. Não era nada que a machucasse. Juro!
— Este aqui é difícil de ouvir. — digo a Val, que se aproxima, agarra
Fairweather pelos ombros e o põe de pé. Ele tem mais ou menos a minha
altura, não é bem o meu corpo e é macio no meio, mas isso não é problema
meu. Eu puxo meu braço para trás e dou um soco no estômago dele. Ele
ofega, se dobra, tropeçando para trás e derrubando a cadeira de lado.
— Sente-se. — digo a ele enquanto Val endireita sua cadeira.
Ele tenta, eu vou dar a ele isso. Eu aceno para Val que, com uma mão
em seu ombro, o coloca de volta na cadeira.
— O que. Você. Deu. Para. Minha. Esposa?
— Uma... fer ... injeção de fertilidade.
Meu mundo anda de lado. Meu cérebro literalmente bate contra o
meu crânio e faz a porra do mundo se inclinar em seu eixo.
— Levante-se. — eu digo a ele, de alguma forma conseguindo soar
calmo.
Ele balança a cabeça, levantando as mãos em sinal de rendição, mas,
novamente, Val o ajuda, eu acerto um segundo golpe em seu estômago.
Chamo seu nome e ele olha para mim, quando o faz, dou um soco nele. Sua
cabeça estala para trás e novamente, ele tropeça para trás. Desta vez, ele cai
em cima da cadeira, ficando com as pernas emaranhadas nela.
— Levante.
Ele gagueja alguma coisa quando Val o puxa para cima, endireita a
cadeira e o senta.
— Por ordem de quem? Cummings ou minha mãe?
Ele abre a boca, empurrando um dente para fora na palma da mão. Ele
parece horrorizado, eu não mencionei que ainda não comecei. Este não terá
uma linha esculpida em minha pele quando eu terminar com ele. Este é
culpado como o inferno.
Eu me inclino, seguro seu cabelo e puxo sua cabeça para trás. Ele
choraminga, levanta as mãos, as lágrimas escorrendo pelo rosto.
— Por favor. — ele implora.
— Cummings ou minha mãe? — Porque se Cummings ordenou, ele é
um homem morto.
Ele balança a cabeça. Bem, ele tenta. Ele choraminga e Val, sempre
prestativo, vai até a pequena geladeira de vidro e traz uma garrafa de água
para ele, abrindo-a para ele. Eu solto seu cabelo e ele bebe um gole,
derramando um pouco no queixo e na frente da camisa.
Eu me inclino contra sua mesa e observo o filho da puta. — Vou
perguntar mais uma vez, depois vou direto ao assunto. Cummings ou minha
mãe?
— Sua mãe. Cummings… Ele… Eu disse a ele que ia ver a casa. Sempre
adorei aquela casa. — Ele começa a chorar, é patético pra caralho. — Sra.
Augustine, ela disse... ela disse... — Ele balança a cabeça.
— Quanto você recebeu?
Com isso, ele para de soluçar e olha para mim, uma preocupação real
fazendo-o parecer mais velho.
Eu levanto minhas sobrancelhas. — Eu odeio me repetir.
— Dez mil dólares.
Eu assobio. — Deixe me perguntar algo. Você precisa desse dinheiro?
Porque se eu olhar em volta, você parece estar bem. Sua casa é boa o
suficiente. É a esposa? Ela gosta de coisas caras?
Ele apenas soluça como um covarde patético.
— Você não tem filhos. Um irmão doente, talvez? Pais mais velhos?
Nada que encontrei quando investiguei quem você era. Então, por que você
precisava desse dinheiro?
— Eu só... sinto muito, Sr. Augustine. Desculpe.
— Diga-me por que você precisava desse dinheiro.
— Eu... eu...
— Você quer que eu te diga? Isso seria mais fácil? Tudo bem. É a
mesma merda que todos nesta cidade esquecida apropriadamente chamada
por Deus são obcecados. Você não é diferente. Isso foi minha culpa. Eu
deveria ter saído da Avarice.
— Por favor, eu....
Eu o interrompo e continuo: — Ganância, Dr. Fairweather. Ambição. É
por isso que você pegou o dinheiro e fez algo que mudará irrevogavelmente
a vida de uma jovem. — Faço um gesto para Val, que o levanta mais uma
vez. — Uma jovem com quem me importo. E então, agora, você paga. E eu
vou extrair cada centavo desses dez mil e mais alguns, seu filho da puta filho
bastardo.
CAPÍTULO VINTE E OITO
MADELENA

Já é tarde quando Santos finalmente chega em casa. Eu vou até ele


quando ele e Val entram. Val me dá um aceno de cabeça e desaparece. A
testa de Santos está franzida de preocupação, seus olhos escuros. Mas
quando vejo os respingos de vermelho em sua camisa, eu paro.
— Santos?
Ele fecha o espaço entre nós. Pego suas mãos, ignoro o saco de papel
marrom que ele está segurando e olho para seus dedos inchados e
vermelhos, o sangue em seus punhos.
— O que aconteceu? Onde você estava?
— Venha, Madelena. — Ele move a mão para a parte inferior das
minhas costas em um esforço para me guiar em direção às escadas.
— Por que você está sangrando?
— Lá em cima. Vamos.
Eu estudo seus olhos, o verde escuro como uma floresta nas sombras.
Deixo que ele me leve para cima. Uma vez que estamos no quarto e a porta
está fechada, ele pega minhas mãos e olha para mim com algo que não vejo
frequentemente nele. Algo como remorso.
— O que é? De quem é esse sangue?
— Fairweather.
— Dr. Fairweather? Por quê?
Ele respira fundo, suspira ao expirar e tira o que está dentro da bolsa.
Eu o encaro. Fecho meus olhos. Abro-os. Porque isso não pode ser o
que eu penso que é. Eu olho para ele. — Santos?
— Pegue. — diz ele.
— Não. — Eu recuo um passo.
Ele me segue. — Pegue, Madelena. Precisamos saber com certeza.
Eu balanço minha cabeça. — Não é possível. Ele me deu uma injeção
anticoncepcional. Não tem jeito.
Mas enquanto examino as manchas de vermelho escuro e os respingos
em sua mandíbula também, acho que talvez haja um jeito. Talvez.
— Não. — eu digo, a palavra soando como um apelo.
— Aparentemente ele é amigo do Dr. Cummings, que está com minha
mãe.
— Com sua mãe?
— Namorando. Acho que é assim que você chama. Eu não sei, porra.
— Eu não entendo.
— Ele disse a Cummings que viria para cá. Ele estava animado para ver
a casa. Cummings transmitiu a informação à minha mãe, ela fez uma visita a
Fairweather. O que ele te deu não foi anticoncepcional.
— O quê? — Tropeço nas palavras que ouço enquanto meu cérebro
destaca todos os sinais que apontam para o que não quero saber. Ver. A
náusea leve, mas consistente. Os seios inchados, sua sensibilidade
aumentada. Meu apetite. Mas eu balanço minha cabeça novamente em
negação. — Ele me deu a injeção. Você estava aqui. Você o viu fazer isso.
— Foi uma injeção de fertilidade.
— O qu... — Minha garganta está seca demais para terminar.
— Faça o teste, Madelena. Então saberemos com certeza.
— Então o quê? E se eu estiver… E se eu estiver grávida? Oh Deus. —
Eu caio na beirada da cama.
Santos vem se sentar ao meu lado. Ele pega uma das minhas mãos nas
suas. — Então vamos lidar com isso.
— Lidar como?
— Basta fazer o teste. Por favor. Talvez seja negativo.
Não será. Eu sei disso com tanta certeza quanto sei meu nome. Mas eu
pego o pacote dele, ele se levanta enquanto eu atravesso o quarto para o
banheiro. Entro e fecho a porta porque quero fazer isso sozinha. Eu tenho
que.
As instruções são simples: faça xixi no palito. Uma linha significa que
não estou grávida. Duas significa que eu estou. Uma mulher feliz é retratada
olhando para seu teste. Eles não mostram o resultado que ela está vendo.
Tiro o primeiro dos dois testes da embalagem e sento no vaso sanitário.
Estou tremendo enquanto faço xixi, meu coração batendo forte quando
seguro o teste no fluxo. Quando termino, coloco-o em cima da caixa e não
olho para ele enquanto lavo as mãos. Eu não olho enquanto as seco. Em vez
disso, eu me sento na beirada da banheira e penso.
Nós vamos lidar com isso, ele disse. Puxo as mangas do meu suéter
para as palmas das mãos e mordo uma unha.
Lidar com isso.
Eu não deveria engravidar. Sempre me assegurei de que nunca o faria,
não importa o que acontecesse. Não que eu fosse sexualmente ativa, mas
não queria correr nenhum risco. Como vou lidar com isso se forem duas
linhas?
Eu me levanto, saio do banheiro e passo por Santos que não se mexeu.
Não olho para o teste. Ele entra no banheiro e volta um momento depois.
Ele vem até onde estou na janela olhando para o quintal. É uma propriedade
enorme com uma piscina coberta, folhas mortas pesando na lona. Não
posso ter uma piscina sem um portão em volta com uma criança correndo
por aí, eu acho, ainda roendo aquela unha. E mais atrás, a área arborizada.
Quão grande é isso? Quanta área cultivada? Uma criança pode se perder.
Esta casa é muito perigosa para uma criança. Este mundo inteiro é.
— Faremos o que você quiser. — diz Santos, puxando-me para ele.
Não olho para ele e não preciso perguntar o resultado. Eu apenas
enterro meu rosto em seu peito e deixo que ele me abrace. Eu nem choro.
Não posso.
— Eu não entendo por que sua mãe iria querer isso. — eu digo em seu
peito. — Você tem a mim. Você tem o controle da empresa do meu pai.
Você praticamente possui Avarice. — Eu recuo. — Uma criança não faz
diferença, de forma alguma. Não entendo por que ela faria isso.
Ele segura meu rosto, passa os polegares em minhas bochechas. Acho
que eu estava chorando, afinal. Ele me puxa para ele novamente e descansa
o queixo no topo da minha cabeça. — Não sei, Madelena. Mas você não
precisa se preocupar com isso. Nós cuidaremos disso. Se você quiser isso.
Eu viro minha cabeça, então meu ouvido está em seu peito. Seu
coração está batendo rápido. Eu escuto o baque dele. Ele é tão forte. Forte o
suficiente para nós dois. Para nós três. A imagem do outro bebê que ele
perdeu vem à mente, a imagem borrada do ultrassom. Eu olho para ele e ele
olha para mim.
— Você teria ficado com o bebê de Alexia? Quero dizer, vocês eram
tão jovens, vocês dois. Vocês teriam, ficado com ele?
Ele acena com a cabeça sem hesitar e parece quase confuso com a
pergunta. Como se ele ou eles não tivessem considerado a alternativa.
Eu me afasto e estudo seu rosto. — Faz alguma coisa para você se eu
estiver grávida? Algo que eu não sei?
— O que você quer dizer?
— Você tem algo a ganhar se eu estiver grávida?
— Claro que não. — ele diz, se afastando. — Eu não queria isso para
você. Eu não teria feito isso. Assim não.
— O Dr. Fairweather está vivo?
Ele acena com a cabeça uma vez.
— Esse é o sangue dele.
Outro aceno.
— Como você descobriu? — Eu pergunto, olhando para aquelas
manchas. Ele derrotou Fairweather. Ele não queria isso. Eu tenho que
confiar nisso. Confiar nele.
— Eu estava seguindo minha mãe.
— O quê?
— Ela fez uma visita a Fairweather, quando a confrontei, ela me
contou o que tinha feito. Foi assim que descobri, Madelena. Então, não, eu
não sabia e não planejei isso para você. Portanto, se é para onde sua cabeça
está indo, pare agora. Entendeu? — Sua voz endurece no final de seu
discurso.
Eu concordo.
— O que eu disse-lhe? — Ele pergunta, pegando-me em seus braços
novamente, uma mão no meu cabelo para puxar minha cabeça para trás um
pouco. Não é doloroso, mas ele está fazendo questão. — Você é minha e eu
sou seu. Diga.
— Você é meu e eu sou sua. — repito.
— Você confia em mim?
— Estou grávida, Santos. — Dizer as palavras em voz alta torna isso
mais real de alguma forma.
— Você confia em mim?
Eu concordo. Eu tenho que.
— Me diga o que você quer.
Eu me viro, respiro fundo. Esta não é uma decisão que eu sempre quis
tomar. Na verdade, é exatamente por isso que nunca quis estar nesta
posição. Eu empurro as palmas das minhas mãos em meus olhos para evitar
lágrimas estúpidas e inúteis.
Não quero machucar meu bebê, mas tenho medo. Tenho medo de
machucá-lo, assim como minha mãe quase me machucou. Porque e se eu
for como ela? E se eu estiver doente também?
— Venha cá, querida. — Ele me puxa para ele, ignorando minha luta
para me libertar, me segura com tanta força que tudo que posso fazer é
segurá-lo, agarrar-me a ele. Deixo-me render a ele. É um pouco de peso,
pelo menos, essa rendição. Para que ele me abrace.
CAPÍTULO VINTE E NOVE
SANTOS

Não vejo meu irmão ou minha mãe nas próximas duas semanas.
Minha mãe não está no apartamento, segundo Val. É só Caius lá. Mas sei
que ela estará de volta amanhã à noite. Ela precisa estar. Ela está
organizando um evento especial no Augustine's. Ela se preocupa demais
com as aparências para não perceber.
Eu observo Madelena de perto. Ela está quieta, mas fico feliz em vê-la
comer pelo menos um pouco. A náusea que vem pela manhã é mais forte
agora, ou talvez estejamos mais conscientes dela, embora não pareça
incomodá-la quando ela come alguma coisa. Não perguntei o que ela quer, e
ela não disse, mas temos um compromisso amanhã para saber de quanto
tempo ela está. Aprenderei então quais são nossas opções e quanto tempo
ela tem para decidir.
Hoje, no entanto, estou indo para Mansfield, Connecticut, para ver o
garoto que prestou depoimento à polícia sobre a morte de Hayes. Essa
declaração foi enterrada no arquivo que consegui colocar em minhas mãos,
cortesia de Rick. Deixei Val em casa. Ele é o único em quem confio
totalmente para cuidar de Madelena e considerei mandá-la para Hells Bells,
onde ninguém sabe onde ela está. Porque meus inimigos podem chegar até
ela. Bea Avery me mostrou isso. E minha mãe... ela é minha inimiga? Ou ela
está agindo para o bem da família, tanto quanto ela vê? Mas por que isso?
Por que a gravidez? Não agrega valor. Estou perdendo alguma coisa.
Dois soldados seguem em um carro separado. Eu precisava ficar
sozinho para pensar durante as três horas de carro até aqui. Eu verifico o
endereço que tenho de Mitch Forest. Ele é o homem que estava
caminhando perto de onde Hayes estava no dia em que foi morto. Mitch,
que tem vinte e cinco anos agora, teria cerca de quinze na época. Ele
atualmente mora com a mãe em uma casa estilo rancho que parece precisar
de reforma. Ele trabalha no turno da manhã no supermercado local. Eu
cronometrei minha chegada e quando eu estaciono no meio-fio na frente de
sua casa, eu vejo o modelo antigo de jipe de Mitch entrando na garagem.
Dou-lhe um minuto para estacionar. Quando ele olha para os dois
SUVs pretos na rua, eu saio. Os homens do outro veículo sabem que devem
ficar parados dentro para não assustar Mitch.
A entrada de automóveis é longa e desce um declínio gradual em
direção à casa comum. Vejo uma cortina se mover lá dentro enquanto Mitch
caminha até a caixa de correio para pegar a correspondência, sem tirar os
olhos de mim enquanto faz isso. É um dia claro e fresco e ele não está
usando óculos escuros. Ele semicerra os olhos ao sol para me ver.
— Mitch? — Eu pergunto, estendendo minha mão. — Eu sou Santos
Augustine. Prazer em conhecê-lo.
Ele olha para ela, para o meu terno e óculos escuros, depois de volta
para os SUVs antes de acenar com a cabeça e enxugar a mão na calça antes
de apertar a minha. Ele está com o uniforme da loja.
— Acho que não te conheço.
— Eu era amigo do detetive Hayes.
Ele é rápido em reconhecer o nome e seu olhar nervoso volta para os
SUVs.
— Como você me achou?
— Não foi muito difícil.
Ele engole em seco, tenho certeza de que consegue distinguir a
silhueta dos homens dentro do segundo veículo estacionado.
— Não se preocupe com eles. Podemos entrar? Gostaria de lhe fazer
algumas perguntas.
— Você é um detetive? — ele pergunta, mas ele não pensa assim.
— Não. — Eu considero minha resposta por um minuto e decido
aceitar a verdade. — Hayes estava investigando a morte de alguém próximo
a mim quando sofreu o acidente. — Enfio as mãos nos bolsos. — Está frio
aqui fora. Podemos entrar?
— Minha mãe está lá dentro.
Coloco a mão em seu ombro. — Só tenho algumas perguntas sobre o
que você disse à polícia que viu. Isso é tudo. Só alguns minutos, Mitch. Vim
de muito longe para falar com você.
Ele acena com a cabeça porque tenho certeza de que ele sabe que não
vou embora. Eu o sigo até a porta da frente, que ele abre. Ele chama sua
mãe para dizer a ela que ele está em casa. Entro atrás dele e fecho a porta,
observando a velha casa com suas cortinas de renda amarela cobrindo as
janelas, os móveis parecendo estar aqui há décadas.
— Mitch. — uma mulher mais velha diz, saindo da pequena cozinha.
Seu olhar está diretamente em mim. — Quem é?
— Santos Augustine, Sra. Forest. — eu digo, caminhando em sua
direção e estendendo a mão.
Ela me olha da cabeça aos pés e não aperta minha mão. Em vez disso,
ela olha por cima do ombro para o filho.
— Está tudo bem, mãe. O Sr. Augustine era amigo daquele homem
que morreu.
— Ele era? — ela pergunta, olhando para mim. — Ele tinha muitos
amigos bem vestidos, aquele homem.
Estou prestes a perguntar o que ela quer dizer quando anda ao meu
redor. — Cinco minutos. — ela diz a Mitch.
Ele balança a cabeça e eu posso ver que ele está ansioso. — Está tudo
bem, mãe, prometo.
Ela me dá mais uma olhada antes de desaparecer em um corredor.
Eu me viro para Mitch. — O que ela quis dizer sobre muitos amigos?
Ele balança a cabeça e aponta para a sala de estar, eu o sigo para
dentro. Ele se senta na beirada do sofá e eu pego a poltrona. Mitch apoia os
cotovelos nos joelhos e a cabeça entre as mãos. Ele tenta não olhar
diretamente para mim.
— Depois daquele homem... Alguns caras vestidos como você vieram
dizer que queriam ter certeza de que eu estava bem. O trauma e tudo. Eles
vieram algumas vezes.
— Oh? Você sabe quem eles eram?
Mitch balança a cabeça. — Não, mas eles não pareciam muito legais.
— Eu espero. — Eu disse à polícia que vi o homem antes de ele cair.
— Você quer dizer antes de ele cair?
Ele olha para o corredor onde sua mãe desapareceu. — Ele não caiu.
— O que aconteceu?
— Eu sou um caminhante e costumávamos morar lá. Ainda faria se
dependesse de mim. Conheço muito bem a área. Eu estava caminhando por
um caminho menos conhecido em direção ao ponto do penhasco onde ele
estava e quando os ouvi, algo me disse para parar. Sendo um caminhante
por conta própria, você ouve seus instintos, sabe?
— Mhm, continue.
— Ele não estava sozinho como disseram no noticiário. Havia outros
dois homens lá. Surgiram do nada quando aquele cara estava olhando para a
vista. Apenas absorvendo. Ele os viu e ficou com medo. Ele deixou cair o
telefone, ele estava tão assustado e estava olhando em volta como se fosse
fugir.
— Você viu isso?
— Sim. — Ele morde a ponta da unha do polegar, olhando para longe,
mas posso ver o medo em seus olhos.
— O que aconteceu depois?
— Foi muito rápido. Um deles disse algo. O outro riu, eu pensei que
eles se conheciam, mas... — Ele balança a cabeça. — Eles o agarraram e o
pobre rapaz mal teve chance de gritar antes de jogá-lo no chão. — Ele se
levanta, enfia as mãos nos cabelos e anda pela sala antes de retornar. Ele
não se senta e está pulando de ansiedade.
— Continue, Mitch.
— Eu esperei. Eu estava em uma área arborizada, então eles não me
viram e… Eles jogaram o telefone dele depois de esmagá-lo com as botas. —
Ele inspira profundamente. — Eu não sabia o que fazer. Tinha quinze anos. E
estava assustado pra caralho. Caminhei até a borda para ver se conseguia
vê-lo ou ouvi-lo. Estava totalmente escuro, porém, eu não queria ficar por
ali. Não havia som de qualquer maneira. Não há como alguém ter
sobrevivido a uma queda ali, disso eu sabia. Voltei para casa mais tarde,
quando tinha certeza de que ninguém me veria. Mamãe estava fora de si.
Policiais estiveram aqui. Foi quando contei a eles o que tinha visto. No dia
seguinte, alguns outros homens voltaram e me disseram que também eram
amigos do Sr. Hayes e que eu não podia falar com ninguém. Mas tenho
certeza de que não eram amigos dele. Então, alguns meses depois disso, os
mesmos homens vieram para garantir que eu não tivesse contado nada a
ninguém. — Ele me examina. — Eles estavam vestidos como você. Isso é o
que mamãe quis dizer. Eles fizeram alguns comentários sobre incêndios na
área e casas virando fumaça, eles eram apenas bandidos, sabe?
— É por isso que você se mudou?
Ele olha novamente para onde sua mãe desapareceu e acena com a
cabeça. — Mamãe e papai se divorciaram, então me mudei para cá com
minha mãe. Eles venderam a casa. Papai está em Utah.
— E você mudou seu nome para o nome de solteira de sua mãe?
Ele concorda. — Eu pensei que talvez... se aqueles caras tentassem me
encontrar, não seria tão fácil.
— Você reconheceria algum daqueles homens que passaram por aqui?
Ou quem empurrou Hayes? Você pode descrever algum deles?
Ele balança a cabeça. — Só sei que se os encontrasse em uma rua
escura, atravessaria para o outro lado. Esse é o tipo de pessoa que eles
eram.
— Tudo bem. Aqui. — Entrego a ele um cartão com meu número,
apenas isso, sem nome. — Se mais alguém vier ver você, me ligue.
— Você acha que eles vão voltar?
— Eu não acho. Eu só estava curioso. — Olho em volta, pego minha
carteira e deixo várias notas de cem dólares na mesa de centro. — Obrigado,
Mitch. Eu sairei sozinho.
— Eles o assassinaram. — diz ele quando chego à porta. — Eu estava
com muito medo de voltar para a polícia, mas eles mataram aquele homem.
E eles riram depois como se fosse engraçado, um deles assobiando e depois
fazendo barulho como se fosse a porra de um desenho animado.
Eu olho para o garoto, vejo como seus olhos parecem assombrados,
vejo os incontáveis garotos que testemunharam coisas semelhantes ao
longo dos cinco anos em que fui o executor do Comandante.
— Me ligue se precisar de alguma coisa, ok? Nada mesmo.
Ele concorda.
Eu saio.
CAPÍTULO TRINTA
MADELENA

Santos e eu temos consulta pela manhã com um ginecologista de fora


da cidade. Depois do que aconteceu com Fairweather, ele não quer correr
nenhum risco. Nós dirigimos junto com dois soldados e Val para o escritório
da Dra. Amelia Moore.
Eu gosto da Dra. Moore imediatamente. Ela parece calorosa e é mais
jovem que Fairweather e Cummings. O fato dela ser mulher também ajuda.
Santos fala mais. Ainda estou processando tudo para ser honesta. Ele
quer saber quanto tempo eu estou e quanto tempo eu tenho para decidir
que caminho estamos tomando. Ele quer dizer interrupção, embora nenhum
de nós esteja dizendo a palavra.
Depois de tirar esses detalhes do caminho, a Dra. Moore me examina,
explica que fará um ultrassom transvaginal porque o bebê provavelmente é
muito pequeno para ver o contrário.
Santos se senta em uma cadeira enquanto eu deito na mesa e olho
para o teto, minha mente não processando bem o que está acontecendo.
Que estou aqui neste consultório, nesta mesa. Que estou grávida.
A sonda é desconfortável e a Dra. Moore sente isso.
— Está frio, eu sei, querida. — ela diz levemente. — Aqui vamos nós.
— Ela vira o monitor para nós. Ainda não olho, mas Santos observa com
atenção. Eu apenas ouço o estranho som parecido com um eco. Ela descreve
as coisas para Santos, que faz perguntas enquanto eu fico olhando para o
teto.
Então algo acontece que me faz morder o interior da minha bochecha
enquanto ouço.
O som de eco muda. A Dra. Moore diz algo, mas não consigo ouvir o
que é. Estou ouvindo outra coisa.
Um batimento cardíaco.
Sinto uma lágrima escorrer pela minha têmpora, Santos pega minha
mão, aperta.
— Seu coração batem rápido, como se estivessem participando de
uma corrida. — diz o Dra. Moore. — Tudo parece bem com o seu bebê.
Nosso bebê.
— É muito cedo para dizer o sexo ainda, se você quiser saber isso, mas
eu diria que você está com quase sete semanas. Vou imprimir algumas fotos
para vocês. — ela diz, removendo a sonda. — Venha ao meu escritório assim
que estiver vestida, Madelena.
— Obrigada. — eu digo, espero até que ambos saiam para sentar e
olhar para a tela. Na pequena bolha congelada ali que definitivamente não
parece humana ainda. Eu toco minha barriga. É um pouco mais redonda do
que o normal, mas provavelmente mais inchada do que qualquer outra
coisa. É muito cedo para eu estar aparecendo.
Tenho certeza de uma coisa quando me levanto e me visto
novamente. Eu sei que não vou interromper esta gravidez. Não posso fazer
isso. Não sei por que e não julgo nenhuma mulher que escolha esse
caminho, mas sei que não posso.
Antes de sair daquela sala, eu jogo um pouco de água no meu rosto,
em seguida, endireito e endureço minha coluna. Eu pareço a mesma,
embora esteja usando menos maquiagem. Não tive energia. E talvez eu
esteja um pouco mais pálida. Mas a mesma principalmente. Eu fecho minha
mão sobre minha barriga e olho para baixo.
— Pobre você. — eu digo a ela. Ela é ela por algum motivo. Então saio
da sala de exames e entro no consultório da Dra. Moore, onde Santos está
olhando para cada uma das fotos que a médica imprimiu. Ele está
maravilhado. Eu o observo por um minuto, vejo como as linhas aparecem ao
redor de seus olhos enquanto ele sorri e faz perguntas, apontando coisas no
pontinho que é nosso bebê. Ele vai ser um bom pai, eu acho. Bom o
suficiente para me compensar como mãe.
Naquela noite, a mãe de Santos oferece um jantar no Augustine's. Há
uma parte de mim que quer rastejar para a cama e se esconder daquela
mulher, mas há outra parte, a mais forte e rebelde, que quer mostrar a ela
que ela não venceu.
Santos me disse que cabe a mim me juntar a ele ou não, mas ele
estará lá. Ele não parece feliz com isso, no entanto.
Não conversamos sobre o ultrassom, mas às vezes o vejo me
observando ansiosamente. Devo dizer a ele que não quero interromper a
gravidez. Sei que ele também quer ficar com o bebê e também sei que, se eu
decidisse terminar, ele me apoiaria. Há algo que me impede de falar sobre
isso, porém, não é para puni-lo ou algo assim. Eu simplesmente não consigo
abrir minha boca sobre isso ainda.
— Você vai vir hoje à noite? — Santos pergunta quando ele entra no
quarto e me encontra me vestindo.
— Sim. — eu digo, me olhando de perfil no espelho de corpo inteiro.
— Não posso me esconder para sempre. — Eu o encaro. — Além disso, não
quero que ela pense que tem algum poder sobre mim. Ela não tem.
Santos está atento. — Tem certeza? — ele pergunta depois de um
minuto. — Ainda é cedo. Se você precisa de tempo para processar, você
tem. Tanto quanto você precisa.
Eu respiro fundo e expiro. — Estou bem.
— Tudo bem. Estou feliz que você estará lá. E podemos voltar para
casa quando você estiver pronta.
— Obrigada.
Santos passa o braço em volta de mim aparentemente ainda mais
cuidadoso comigo agora do que sempre foi - e ele sempre foi cuidadoso.
Desde o primeiro momento que nos conhecemos, quando ele pediu perdão
antes de fazer o que tinha que fazer, ele sempre cuidou de mim.
Eu me inclino para ele. Dirigimos juntos para o evento com Val e outro
soldado seguindo em um segundo veículo.
O evento em si é uma instituição de caridade para crianças em países
devastados pela guerra, pelo qual a Sra. Augustine aparentemente se
apaixonou. Eu não acredito nisso. Nem por um segundo. A única coisa pela
qual aquela mulher tem algum sentimento é ela mesma, talvez Caius.
Santos? Eu não tenho tanta certeza.
Ainda bem que o salão está cheio de gente, quando Santos
discretamente me entrega uma taça de água com gás, eu a pego e fico ao
seu lado enquanto ele conversa com todos que estão esperando para falar
com ele. Ele é um elemento fixo agora, um homem importante para o povo
de Avarice. Eu sei que ele está indo em direção a sua mãe, porém, que está
mantendo a corte no canto mais distante. Posso ver que ela também está
esperando a chegada dele. Eu me pergunto se ela está ansiosa com isso. Se
ela tem medo dele.
A família Avery também está aqui, estranhamente, acho que não me
importo muito. Não sobre eles. Não sobre a Sra. Augustine. Nada disso.
Porque essa é uma coisa que essa gravidez não planejada fez, não acho que
era a intenção de Evelyn Augustine. Isso mudou minhas prioridades. De
certa forma, isso me trouxe de volta a mim mesma.
— Desculpe-me. — eu digo. Santos faz uma pausa no meio da frase e
olha para mim, as sobrancelhas levantadas. Eu aceno para dizer a ele que
estou bem, ele me deixa escapar. Sinto seus olhos nas minhas costas
enquanto atravesso a sala, mesmo quando o ouço retomar a conversa.
Eu ando até a parede de janelas na parte de trás. A noite é clara e a
água calma. A luz do farol varre o horizonte alertando qualquer navio que
possa estar nas águas próximas para não chegar muito perto. Esses
penhascos significam negócios. Eu sei.
Bebo do meu copo enquanto observo o farol, forçando-me a olhá-lo,
vê-lo. Talvez sejam as circunstâncias que mudaram ou esse novo peso de
uma vida novinha em folha que dependerá exclusivamente de mim pelos
próximos sete meses ou mais. Para os próximos anos. Mas enquanto eu olho
para ele, é apenas um farol. Um prédio com um passado de merda. Um
presente de merda. Mas não pode me machucar. Ele, como Evelyn
Augustine, não tem poder sobre mim.
— Você deveria estar bebendo isso? — vem uma voz suave tão perto
de mim que sinto a respiração na minha pele. Os cabelos da minha nuca se
arrepiam e me viro para encontrar Ana parada a apenas alguns centímetros
de mim. Ela cortou o cabelo em um ângulo agudo e tem uma franja nova e
grossa que chega ao topo das sobrancelhas quase como se alguém tivesse
pegado uma régua para torná-la tão precisa. É recém-tingido de preto-
azulado e passado com chapinha tão liso que juro que posso sentir o cheiro
de como ele fritou.
— Você gosta disso? — ela pergunta, alisando a franja com o dedo
indicador.
— Você está ótima. — eu digo, me virando.
Ela agarra meu ombro e me dá um sorriso estúpido. Ela levanta as
sobrancelhas para a minha bebida. — Isso não é ruim para o bebê? — ela
sussurra alto.
— O que você está falando? — Eu pergunto, porque como diabos ela
sabe?
— Não se preocupe, vou manter o seu segredo. — diz ela, enrolando
os dedos em volta da minha mão. Ela vem ficar ombro a ombro comigo e
olha para o farol.
— Ouvi dizer que você e Caius terminaram. — Afasto meus dedos com
esforço.
Ela dá de ombros. — Ele veio desde então. Não se preocupe conosco.
Nós vamos resolver isso. Ele não consegue resistir a mim. Ou minha cama.
Você conhece os homens. — ela diz com uma piscadela, então gesticula para
a estrutura imponente do farol. — Você deve se preocupar em ser como sua
mãe. — Ela sorri aquele sorrisinho cruel dela. — Deve estar na sua cabeça
aquele medo de machucar o pacotinho?
Eu não consigo formular uma resposta de puro choque que alguém
diria algo assim.
— Quero dizer. — ela começa, encolhendo os ombros. — Isso ocorre
em famílias, certo? Doença mental?
Eu a observo, não acreditando no que estou ouvindo.
— Não se preocupe. Caius e eu podemos adotá-lo. Tirá-lo de suas
mãos. Mantê-lo seguro. — Não sinto falta de como ela se refere ao bebê
como um bebê. — Quer dizer, eu sei que o Caius vai querer ter o nosso, mas
ele vai precisar desse. Triste fato. — Ela faz uma cara triste fingida. — Vou
tratá-lo como se fosse meu, não se preocupe.
Agora isso, isso me deixa com raiva. Eu saio do alcance do braço
porque não posso ficar perto dela por mais um segundo. — Jesus. O que há
de errado com você?
— Que porra você está fazendo? — diz Caius, agarrando Ana com
força pelo braço e puxando-a para longe.
Ana parece surpresa, então inclina a cabeça e dá aquele sorriso
estúpido e falso. — Eu estava conversando com minha amiga. Você está me
machucando, Caius.
Ele torce a mão em volta do braço dela e a leva para longe de mim,
apoiando-a contra a parede. Ele fica bem na cara dela, vejo um lado de Caius
que não vejo com frequência. Porque quando ele está sendo um idiota
comigo, o que costuma acontecer, ele é controlado. Quase se divertindo.
Agora, porém, ele é violento. Furioso. E eu posso ver o que ele está levando
para dominar a si mesmo.
— Porra, não chegue perto dela. Você está me ouvindo, sua puta
maluca? — ele sibila as palavras, Ana parece chocada e depois apavorada.
Dou um passo em direção a eles para detê-lo, mas uma mão fria envolve
meu pulso. Eu me viro para encontrar Camilla Avery ao meu lado.
Esta deve ser a minha noite de sorte.
— Ele é muito protetor com você para um cunhado. Você quase
pensaria que ele é seu marido.
— Oh meu Deus. Saia de cima de mim!
Seu aperto aumenta. Ela sorri e mostra o livro que pegou emprestado
do meu quarto. — Eu tenho o seu livro! Não foi tão bom quanto eu
esperava, mas você sabe como são essas coisas. Eu prometi devolver. Aqui.
Ela o estende para mim no momento em que Caius volta, sem Ana. —
Pelo amor de Deus. — Ele fica na cara de Camilla, ela recua, direto para
Liam. — O que é isso, Grande Estação Central para malucos?
Eu olho para ele, vejo como ele não se parece com o que costuma
fazer também. A barba por fazer em seu maxilar não está tão arrumada, seu
cabelo está mais bagunçado do que o normal e sinto cheiro de álcool em seu
hálito.
— Não precisa ser grosseiro, Caius. — Camilla diz a ele. — Eu só estava
devolvendo um livro. — Ela se vira para mim. — A página setenta e sete é
onde fica interessante. Tchau! — Ela exagera na palavra, acena, se vira e vai
embora, minha mente fica confusa.
— Aberração do caralho. — Caius murmura. Ele me examina. — Você
está bem?
— Estou bem. Não preciso que você me resgate. — Eu olho para o
livro que parece ter passado por uma guerra. — E não seja um idiota com
Ana. Ela é apenas... — Eu balanço minha cabeça porque eu realmente não
sei o que ela é.
— Ela é uma vadia para você. Você não precisa defendê-la.
— E você é meu amigo de repente?
— De repente? Você está me dizendo que nem sempre fomos amigos?
— Eu pensei que vocês dois tivessem terminado de qualquer maneira.
— Foder não tem nada a ver com nada.
— Você é outra coisa, Caius. — Expiro, exasperada, me viro para olhar
pela janela novamente. Eu gostaria que ele me deixasse em paz. Gostaria
que todos me deixassem em paz.
— Eu ouvi... Você se sente bem? — ele pergunta em um tom mais
calmo e bem menos arrogante do que o normal.
— Estou bem. Como se você se importasse se eu não fosse. A
propósito, obrigada por contar a Ana — digo a ele.
— Se faz alguma diferença, se eu soubesse que minha mãe iria
interferir assim, eu a teria impedido.
— É, não faz diferença, Caius. Com licença.
Eu faço menção de ir embora, mas ele me impede. — Eu quero dizer
isso, Madelena. Eu posso entender que não é o que você quer.
— Você não me conhece, e nós não somos amigos. Com licença. — Eu
me afasto, colocando meu copo em uma bandeja e encontrando Val de pé
contra a parede quando não consigo encontrar Santos. — Você pode me
levar para casa?
Ele vasculha a sala, acena com a cabeça uma vez. — Só um minuto. —
Ele pega o telefone, manda alguma mensagem. Presumo que ele esteja
contando a Santos ou pedindo permissão ou algo assim. Eu realmente não
me importo. Eu só quero ir. Um momento depois, ele tem uma resposta. —
Tudo bem. — diz ele, e gesticula para que eu vá em frente.
Olho para trás mais uma vez porque acho que esperava que Santos
viesse, mas não o vejo, então saio sozinha com Val atrás de mim e outro
soldado esperando por mim na entrada da frente, tão acostumada com eles
agora que mal consigo perceber.
CAPÍTULO TRINTA E UM
SANTOS

— Sua esposa parece bem. — minha mãe diz quando eu a alcanço. Seu
olhar está em Madelena, que está saindo com Val. Eu me pergunto o que se
passa na cabeça dela. — A gravidez a transformou.
Eu mudo meu olhar para minha mãe, pego seu cotovelo e a levo para
um canto tranquilo.
— Não é hora, Santos. — Ela sorri para alguém por cima do meu
ombro e tenta passar por mim. Eu não a deixo ir.
— É o momento perfeito.
Ela olha para onde eu a estou segurando, então de volta para mim. —
Você está cada dia mais parecido com o Comandante, sabia?
— Que diabos isso significa?
— Isso significa que você já deixou hematomas no meu pescoço. Você
vai me dar novos no meu braço? — Eu a solto, percebendo as sombras
escondidas pela maquiagem em seu pescoço.
Encontro seus olhos duros. Eu não peço desculpas. — Ajude-me a
entender uma coisa, mãe. — Preciso falar com ela para tentar entender por
que ela faria isso, o que há a ganhar. Porque estou perdendo uma peça do
quebra-cabeça.
— O que você não entendeu, Santos? Que parte do plano de seu pai
você esqueceu?
— Sim, essa é a coisa. Conseguimos o que nos propusemos a fazer.
Nós possuímos a Avarice. Olhe para as pessoas ao seu redor. Eles aceitam
qualquer migalha da sua mesa, desde que você jogue uma na direção deles.
Marnix De Léon? Nós o temos. Temos o controle da empresa. É tudo nosso.
Tudo é nosso.
Ela levanta um pouco o queixo, sorrindo vitoriosamente enquanto
seus olhos se abrem para estudar aqueles caçadores de migalhas que
compõem o quarto dos convidados.
— O que eu não entendo, porém, é a gravidez. Não agrega valor.
— Você não valoriza uma criança?
Eu bufo. — Você não está fazendo isso para se tornar avó. Eu te
conheço, mãe. O que é? O que estou perdendo?
— Se sua esposinha decidir se divorciar de você, o que acontece
então?
— O quê?
— Com uma criança, ela está trancada. Nós a pegamos. Temos o nome
De Léon.
— Não precisamos mais disso. Esse é meu argumento.
— E quanto à irmã de seu pai e o que aqueles homens fizeram com
ela?
— Você está falando sobre vingança por minha tia? Para uma mulher
com quem você não tem nenhuma conexão. Uma mulher que morreu antes
de eu nascer.
— Ela é seu sangue.
— Essa é a questão. Ela não é seu sangue. Posso entender que papai
queira ir mais longe. Mas não consigo entender por que você faria isso. Não
cabe.
Ela me estuda, é quase como se isso fosse novidade para ela, como se
ela não tivesse pensado nessa parte. Isso me diz algo. Esta não é a
motivação dela. É outra coisa.
— Você não quer um filho depois do que aconteceu com Alexia? Para
o seu bebê? — ela pergunta.
Eu paro. Pisco. Porque eu não estou esperando isso. Isso é muito
longe, mesmo para ela. Mas fui pego de surpresa e ela interpretou mal meu
silêncio.
— Você não? — ela empurra. — Talvez você devesse me agradecer.
Mas então eu percebo algo. — Como você sabe disso? — A única
pessoa a quem contei sobre a gravidez foi Caius.
Ela balança a cabeça e olha para o copo quase vazio. — Caius me
contou depois de tudo. Ele me pediu para não contar a você que eu sabia.
— Caius te contou?
— Ele estava preocupado com você. Todos nós estávamos. A maneira
como você a encontrou, a palavra puta escrita em seu estômago, ela não
merecia isso. E para você tê-la visto assim, visto o que seu pai fez com ela,
sabendo que ela estava grávida de seu filho. — Ela balança a cabeça. —
Pude entender melhor a violência que se seguiu.
Meu cérebro chacoalha dentro do meu crânio com essa memória
forçada muito vívida.
— Caius se culpou por não estar com você. E então não protegendo
você contra o Comandante. Ele agiu como um covarde, pelo menos em sua
própria mente. Todos nós te amamos muito, Santos. Acho que às vezes você
se esquece disso.
— Eu não esqueço. — digo as palavras e estou olhando para ela, mas
quase não consigo vê-la. Estou vendo outras coisas. Lembrando-me de
outras coisas.
— Seu irmão não está bem desde a noite em que você lutou. Ele está
bebendo. Bastante. E ele está de volta na cama daquela Ana. Ela não é boa
para ele.
Procuro por ele na sala, mas não o vejo.
— Ele não tinha nada a ver com Fairweather. — diz ela. — Esse era o
meu plano. Só meu. Não o castigue pelo que eu fiz.
Eu empurro minha mão em meu cabelo assim que Cummings caminha
até minha mãe com um casal a reboque.
— Evelyn, aí está você. Quero te apresentar…
Eu me afasto, saio daquele salão de baile e me deparo com um dos
meus soldados. — Onde está meu irmão?
— Saiu há cerca de vinte minutos, senhor.
— Fora? Para que lado?
— Disse que ia apreciar a vista.
— Merda. — Eu saio pelo caminho que Caius foi porque tenho certeza
das vistas que ele quer dizer.
O vento uiva como sempre faz aqui. Parece que almas penadas estão
gritando. Eu excluo o pensamento, afasto a sensação de pressentimento que
o aviso carrega enquanto olho para a estrutura iminente do farol. Não
consigo vê-lo separado de sua história. Primeiro a mãe da Madelena, depois
o Thiago. Madelena quase morreu lá fora uma vez quando ela tinha cinco
anos e uma vez apenas algumas semanas atrás.
Paro um minuto e observo a noite negra, as águas mais negras. As
ondas castigam os penhascos, me pergunto quantos séculos levará para o
sal quebrar a rocha. Para o mar engolir a cidade de Avarice com seus
moradores e sua história.
Madelena tem razão. Eu sou diferente aqui. Não gosto de mim aqui.
Ao longe, mais perto do farol, vejo movimento. Uma figura.
Reconheço meu irmão e sigo a borda sinuosa do penhasco em sua direção.
Gotas de água salgada espirram em meu rosto em intervalos. Perdido em
seus próprios pensamentos, Caius só me nota quando estou a alguns metros
dele. Ele parece levar um minuto para me reconhecer. Quando o faz, volta-
se para o mar sem sorrir.
— Calmo esta noite. — diz ele. — Se isso é calmo. — Ele leva a garrafa
de uísque aos lábios e bebe.
Enfio as mãos nos bolsos e fico ao lado dele para olhar o horizonte.
Nada além de escuridão por quilômetros e quilômetros.
— Sinto muito sobre o outro dia. — eu digo. Da minha periférica eu o
vejo se virar para olhar para mim, as sobrancelhas erguidas.
— Você sente agora? — Ele me estuda.
— Não seja um idiota. Estou me desculpando.
Ele bebe da garrafa.
— Você não sabia que ela fez o que ela fez? — Eu pergunto.
— Mãe?
Eu concordo.
— O que você acha?
Pego a garrafa e ele a entrega para mim. Percebo quanto tem ali e me
pergunto se ele bebeu o terceiro que falta, depois bebo um gole antes de
devolver. É uma sensação boa, a queimação. Tem dias que sinto falta
daquele ardor. O esquecimento que chega disso traz.
— Então, eu vou ser tio. — diz ele.
— Cabe a Madelena.
— O que você quer dizer?
— O que você acha que eu quero dizer?
Ele me considera. — Ela não vai se livrar dele, se é isso que você está
pensando.
— Como você sabe disso?
— Eu sei. Ela é mais resistente do que você pensa. Você a trata como
se ela fosse quebrar a qualquer segundo. Ela não vai.
— Você tem todos os insights esta noite.
Ele pega a garrafa de volta e a segura. — O uísque vai fazer isso. — diz
ele e bebe. Ficamos em silêncio enquanto ele observa o mar e eu o observo.
— Você se acha um monstro, Santos?
Sua pergunta é estranha, ele muda seu olhar para mim para esperar
por uma resposta que demora muito para ser formulada.
— Sei que mereço queimar no inferno pelas coisas que fiz quando
chegar a minha hora.
— Quem é responsável? Você pelos atos que cometeu? O
Comandante por ordená-los?
— Acabei de ter essa conversa com minha esposa.
— Então, você sabe a resposta?
— Sou responsável pelas minhas escolhas. Eu sei disso. Eu aceito.
Somos todos responsáveis pelas escolhas que fazemos. Por que você está
perguntando isso?
Ele bebe. — Ser cúmplice mesmo não sendo você que está cometendo
o crime também te torna um monstro, concorda?
— Aonde você quer chegar?
Ele balança a cabeça. — Você acha que os monstros nascem ou são
feitos? Acha que está em nosso DNA?
— O que está acontecendo, Caius?
Ele exala em uma risada, uma piada particular, bebe três goles de
uísque e depois se vira para mim. — E se eu disser que está no meu? — Seu
rosto está sério. Eu o observo e espero. — O que você diria?
— Eu diria que você está bêbado. — Estendo a mão para pegar a
garrafa, mas ele a segura, então tropeça para trás. — Cristo! — Eu pego seu
braço para puxá-lo para longe da borda.
— Eu sei que você sabe, Santos.
— Me dá a garrafa, Caius.
Ele balança a cabeça, se afastando de mim. Vou até ele, agarro-a e
jogo-a na beira do penhasco. Nós dois nos viramos para vê-la partir, mas não
a ouvimos quebrar sobre o som das ondas.
— Bem, isso é um desperdício de bom uísque.
— Estou levando você para dentro. Você está bêbado pra caralho e
não deveria estar aqui fora. — Eu coloco minhas mãos em seus ombros, mas
ele me impede.
— Você ouviu o que eu disse?
— Ouvi dizer que você está bêbado. Vamos.
— Eu sei que você sabe. — ele diz com mais força enquanto tento
acompanhá-lo em direção ao prédio. — Eu sei que você sabe que sou filho
dele.
Eu paro. Fecho meus olhos. Meu peito está apertado. Meu estômago
também. E eu não posso olhar para o meu irmão.
— Sou filho dele. O sangue de Alistair Avery corre em minhas veias.
Olhe para mim. — ele diz quando eu balanço minha cabeça. — Porra, olhe
para mim.
Eu faço.
— Você vê? A semelhança?
— Não, eu não. Não seja um maldito idiota.
— Está nos olhos. No abismo dos olhos. — Ele aponta para os olhos.
Não sei se ele está ciente de que sua mão tem a forma de uma arma
apontada para o cérebro.
— Não há nenhum fodido abismo em seus olhos. Cale a boca. Você
está bêbado. Vamos.
— Eu sei que ela te contou. E ela também disse que eu desconhecia o
fato.
Mais uma vez, eu paro.
— Sempre protegendo seu bebê. Ah, quero dizer eu. Você não. Ela
fará qualquer coisa por mim, hein? Qualquer merda. Está fodida.
— Há quanto tempo você sabe?
Ele balança a cabeça, olha para o céu como se estivesse fazendo
cálculos. — O que eu sou, trinta e dois? Digamos que um pouco.
— Você sabia quando tudo aconteceu? Quando ele me levou?
Ele acena um aceno pesado.
— Não importa, Caius. Você ainda é meu irmão.
Ele ri, dá um tapinha no meu braço, balança a cabeça. — Santos. Você
não sabe nem a metade. — Suas palavras enviam um arrepio através de
mim.
— Então me diga.
Ele me estuda por um longo, longo tempo, então ri novamente. —
Você se lembra de quando me contou o que Camilla disse? Aquela putinha,
eu compartilho sangue com ela. Você acredita nisso? Ela tentou fazer você
pensar que ela e eu... Jesus. Maldita aberração da natureza, essa.
— Eles sabem? Camilla e Liam? Thiago?
— Thiago sempre soube.
Isso é uma surpresa para mim, uma surpresa que dói porque Thiago e
eu éramos próximos - como irmãos. Mas olho para o meu outro irmão e
penso que talvez seja assim que as coisas funcionam. Irmãos também
guardam segredos, assim como mães e pais.
— Camilla e Liam, eu não sei. Não me importo. — ele diz. Ele respira
fundo. — Eu vou entrar. Estou cansado pra caralho e pronto para esta noite
acabar. — Ele se afasta, mas para, volta para mim e coloca as mãos em meus
ombros. — Vou te dizer uma coisa, irmão. Para você e ela. Pela história.
Porque fica em loop, não é?
— O quê?
— Você não quer que o que aconteceu com Alexia se repita.
— Que porra é essa, Caius? — Eu o empurro.
— E os favores nunca vêm de graça. Eles também estão em um loop.
O mundo gira e gira. E o amor é um filho da puta. Torna-se ódio quando
você não está prestando atenção.
— Caius, o que diabos está acontecendo?
— Tire ela daqui. Tire sua esposa daqui. Leve-a para algum lugar onde
nenhum de nós possa encontrá-la e esconda-a. É a única maneira de salvá-
la.
Então, sem esperar por mim, ele marcha de volta para o prédio. Eu o
sigo, mantendo alguns passos para trás e não nos despedimos quando ele
entra no elevador para subir. Eu o observo subir, vejo o olhar em seus olhos
como o de um homem condenado enquanto as portas se fecham.
Ele sabia todos esses anos que era filho do Comandante. Ele é
conhecido. O que isso deve ter feito com ele... E que diabos foi esse aviso?
Porque parecia exatamente isso: um aviso.
Eu sinto isso nas profundezas de mim mesmo.
Saio daquele prédio, meus passos apressados enquanto me movo em
direção ao SUV, soldados em meus calcanhares. Eu preciso chegar até ela.
Preciso tirá-la da Avareza. Ele tem razão. Eu nunca deveria ter trazido
Madelena de volta aqui.
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
MADELENA

Estou me preparando para dormir quando Santos entra no quarto. Seu


cabelo está desgrenhado pelo vento e suas mãos, quando ele vem pegar as
minhas, estão geladas. Ele procura meu rosto, olhos selvagens.
— O que é? — Eu pergunto. — Aconteceu alguma coisa?
— Você está bem?
— Estou bem. Eu só queria ir e Val...
— Eu sei. — Ele continua balançando a cabeça como se sua mente
estivesse em outra coisa.
— Santos? — Ele leva um minuto para focar seus olhos em mim. Eu
coloco uma de suas mãos sobre a minha barriga. — Quero ficar com o bebê.
OK? — Ele engole um caroço e apenas dá um meio sorriso. Eu esperava
mais. — Você não quer? Eu pensei...
— Eu quero. Eu quero, acredite em mim, eu quero. Mas há algo...
preciso tirar você daqui agora.
— O quê?
— Vou embalar algumas coisas e enviar mais tarde. Mas preciso tirar
você da Avarice.
Ele se afasta de mim para o armário e volta com a mesma mochila que
levamos para Hells Bells. Ele começa a arrumar coisas, roupas íntimas,
camisolas, coisas aleatórias que não fazem sentido. Eu o sigo pela sala.
— Santos, o que está acontecendo?
— Vou assim que puder. — Ele entra no banheiro e volta um momento
depois com uma sacola de produtos de higiene pessoal. Ele pega o frasco de
vitaminas que a Dra. Moore me deu. Ele olha para ele, acena com a cabeça.
— Vou reabastecer isso.
— Santos. Pare. — Eu vou até ele, tomo seu rosto em minhas mãos. —
O que está acontecendo?
Ele olha para mim, mas está distraído. Eu posso ver isso em seus olhos.
Mas um momento depois, é como se ele tivesse pegado alguma coisa, e o
que quer que seja o fez tropeçar dois passos para trás antes de cair na
beirada da cama.
— O que é? — Eu pergunto.
Ele olha para mim, com a testa franzida, sem me ver, embora esteja
olhando diretamente para mim.
— Santos?
— Val! — Ele se levanta rapidamente, abre a porta e chama Val
novamente. Alguns minutos depois, ouço os passos pesados de Val subindo
as escadas. Ele chega ao nosso quarto no momento em que Santos fecha a
mochila e me pega pelo braço.
— Senhor? — Val pergunta.
Ele entrega a bolsa a Val. — Pegue dois homens. Homens em quem
você confia. — Os olhos de Val ficam preocupados. — Nós estamos indo
para Hells Bells. Você vai ficar com ela. Entende?
— O quê? — Eu pergunto.
— Temos que ir, Madelena. Agora. — Ele me leva para fora do quarto
e desce as escadas, Val em nossos calcanhares.
— Por quê? O que está acontecendo?
Val sai pela porta da frente. Santos finalmente para e olha para mim.
— Acho que Caius estava tentando me avisar esta noite. Eu acho... — Ele
balança a cabeça. — Não sei. Eu não sei, porra. Mas preciso de você em
segurança. Eu mesmo vou levar você. Val vai ficar com você. Podemos
confiar no Padre Michael e Val. Você entende?
— Não, eu não. E eu não quero ir...
— Você tem que ir.
— Não quero ficar aí sem você. — Ele me puxa para ele, me abraça tão
apertado, mais apertado do que nunca.
— Eu te amo, querida. E eu vou manter minha promessa para você.
Vou mantê-la segura. Não importa o quê. — Ele recua quando Val sobe as
escadas depois de separar o SUV e os soldados adicionais.
— Pronto. — Val diz quando um segundo SUV estaciona atrás do que
já está lá.
Santos acena com a cabeça e me leva para a parte de trás de um dos
SUVs. Ele fecha minha porta e abre a do lado do motorista. — Sente-se no
banco de trás com ela. — ele instrui Val, então sobe no banco do motorista.
— O que está acontecendo? — Eu pergunto novamente enquanto Val
está sentado ao meu lado.
Santos não me responde, no entanto. Sua mandíbula está apertada,
olhos escuros, seu olhar fixo na estrada à frente enquanto ele coloca o carro
em movimento e sai. Sou sacudida para trás, Val passa um braço sobre mim
enquanto me prende.
Durante toda a viagem até Hells Bells, Santos não fala. Não para nós,
pelo menos. Quando ele diz alguma coisa, está falando consigo mesmo e
está com raiva. Ele bate o punho contra o volante e percorre trinta
quilômetros acima do limite de velocidade durante todo o trajeto. Estou
surpresa por não termos sido parados por excesso de velocidade.
Quando chegamos ao pequeno chalé, a sensação é completamente
diferente da outra noite. Não há calma, não há sossego. As luzes estão
acesas e o Padre Michael corre ao nosso encontro. Até ele está preocupado.
— Padre. — diz Santos, pegando minha mão, segurando-me com
força. — Sinto muito por acordá-lo tão tarde.
O padre Michael se livra de sua preocupação ao receber a tripulação.
Santos pega minha mochila enquanto Val dá instruções aos dois soldados,
que devem incluir a verificação do perímetro.
— Estamos em perigo? — Pergunto a Santos quando o padre Michael
se vira para liderar o caminho.
Santos olha para mim. — Você estará segura aqui.
Eu me afasto quando ele me leva para a entrada da frente. — Diga-me
o que se passa. O que aconteceu.
— Sem tempo. — diz ele, entramos no chalé. Santos me solta, entrega
a mochila para Val que a leva para cima. Onde os três vão dormir? Há
apenas um quarto.
O rosto do padre Michael está preocupado enquanto Santos o leva
para fora. Eu tento seguir, mas Val bloqueia meu caminho, então tudo que
posso fazer é assistir da porta da frente. Não os ouço falar, mas posso vê-los
quando Santos abre o porta-malas. Ele diz alguma coisa, mas o padre
Michael balança a cabeça e dá um passo para trás. Santos o segue, põe a
mão em seu cotovelo e parece implorar a ele. Um momento depois, o padre
Michael olha para Santos e estende a mão para aceitar o que quer que
Santos lhe entregue. A princípio não vejo, mas depois o padre Michael olha
para a casa, para mim. Ele acena com a cabeça e se vira e eu percebo o que
é quando ele começa a caminhar de volta para sua própria casa.
— Isso era uma arma? — Pergunto a Santos que volta para mim. Val
sai do caminho e Santos me acompanha até o chalé.
— Eu estarei de volta para você assim que eu puder. — Ele pega meus
braços, esfrega-os e me olha com tanta tristeza que fico em silêncio. — Eu te
amo, Madelena. Você sabe disso, certo?
Eu aceno com a cabeça, lágrimas enchendo meus olhos. — Fique
comigo. — Sua testa franze e eu juro que há mais cinza em sua barba esta
noite do que dias atrás. — O que é? O que aconteceu?
Ele fica com a mesma aparência de antes, como se estivesse
percebendo algo, processando algo. Eu me pergunto se há toda uma
segunda conversa acontecendo em sua cabeça.
Ele abre a boca, fecha-a novamente e balança a cabeça. — Desculpe.
Antes que eu possa entender o que aconteceu, antes que eu possa
perguntar a ele pelo que ele sente muito, ele me entrega a Val e vai embora.
Dou um passo para ir atrás dele, mas Val tem suas ordens porque seu aperto
é como um torno em volta do meu braço.
— Santos?
Ele se vira quando chega à porta, mas o que quer que esteja em sua
mente é pesado. Então ele se foi. Simples assim, sem outra palavra, ele se
foi.
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
SANTOS

Minha mente é um borrão de fatos e rostos, minha cabeça cheia de


palavras ditas pelos mortos e pelos vivos.
O aviso de Thiago para Madelena quando a terceira pessoa apareceu
na passarela. O sangue de um monstro corre em suas veias. Ele saberia
melhor do que ninguém. Ele também compartilhava esse sangue. O mesmo
que Caius.
Caius me contando que mandou consertar a pulseira depois que
quebrou escalando. Lembro-me daquele evento de escalada. Foi há anos.
Mas ele recuou depois de chegar lá. Lembro-me de tê-lo pego em algum bar,
onde havia passado à tarde. Caius tem medo de altura. Ele sempre teve
medo de altura.
Então, como ele estava na passarela?
Camilla me dizendo que Thiago estava encontrando alguém no farol.
Thiago sabia o tempo todo que Caius era filho do Comandante. Ele ameaçou
expô-lo? Caius sentiu que era uma possibilidade? Mas quem se importaria?
Eu? O que ele achava que eu faria com a informação?
Não. Há mais. Estou perdendo peças vitais.
As últimas palavras de meu pai para nós. Eu sei o que você fez, e este é
o seu castigo.
Ele sabia que minha mãe mentiu para ele sobre quem era o pai de
Caius? Isso é uma punição e tanto para cortar Caius quando o próprio Caius
não era culpado de nada. Ele simplesmente nasceu do que equivalia a
estupro.
Estupro.
A versão da história de Bea Avery varia da de minha mãe. Mas ambas
contam uma parte exatamente da mesma maneira. O Comandante não
sabia da existência de Caius. Se o fizesse, teria exigido levá-lo. Inferno, ele
não teria se incomodado em exigir. Ele simplesmente teria aceitado.
Mas ele me levou. Que coincidência ele ter me encontrado, que meu
crime atendesse perfeitamente às suas necessidades.
— Caramba! — Eu bato meu punho no volante.
Já é tarde quando chego em casa de Hells Bells. Desligo o motor, mas
instruo o soldado na porta a deixar as chaves na ignição. Acho que não vou
ficar aqui por muito tempo. Eu não tenho certeza porque eu vim de
qualquer maneira. Sei que o que procuro só vai confirmar o que já sei.
Tenho o relatório policial do assassinato de Alexia memorizado.
Além disso, sei o que fiz quando a encontrei, e só eu sei.
Enfio as duas mãos no meu cabelo e puxo quando chego à porta do
escritório. Porque o que isso significa? O que isso significa?
Entro no escritório e fecho a porta. Na verdade, não estou aqui para
olhar o relatório, embora seja o que me ocupo fazendo, abrindo o cofre,
tirando-o, colocando-o sobre a escrivaninha. Estou tentando entender o fato
de que fui traído.
A pasta está fechada na minha mesa. Levanto-me, vou até a sala e
estendo a mão por cima do balcão para pegar a garrafa de uísque. É do
Caius. Bebo um longo gole, levo-o de volta para o escritório e sento-me
novamente à minha mesa. Eu olho para o retrato do meu pai e juro que seus
olhos são diferentes. Juro que ele está olhando para mim, me fazendo as
mesmas perguntas que eu me faço.
Que porra eu vou fazer?
Porque o relatório da polícia não contém os detalhes que minha mãe
sabia. Caius não poderia saber. Eu nunca disse isso a ele. Eu nunca disse a
ninguém. Porque era muito vergonhoso, muito errado. Demasiada
exposição de Alexia.
Ao abrir a pasta e reler o relatório que sei de cor, sinto um aperto no
estômago e no peito. Eu me pergunto se foi isso que papai sentiu quando
descobriu sobre Caius, supondo que foi isso que desencadeou a mudança do
testamento.
Uma pessoa destra matou Alexia.
Matei o pai dela porque estava louco de raiva e fúria e convenci-me de
que era ele. Não havia mais ninguém que poderia ter sido. Caius até me
disse para ir buscar Alexia, para não deixá-la lá com o pai por causa do que
ele faria com ela se descobrisse. Foi tudo planejado para mim. Tudo o que
eu tinha que fazer era desempenhar o meu papel – e eu fiz, exatamente
como o roteiro foi escrito.
Mas depois de encontrá-la e antes de ir atrás de seu pai, fechei suas
pernas e limpei a palavra P-U-T-A que o assassino havia escrito com sangue
em sua barriga. Eu limpei porque ela não era assim, eu não queria que
ninguém pensasse que ela era.
Como minha mãe sabia? Caius disse isso a ela também, assim como
disse a ela que Alexia estava grávida? Ele disse isso a ela depois de matá-la e
escrever aquela palavra para me provocar? Para me empurrar tão longe, eu
não poderia voltar disso?
Mas por quê?
Por quê?
A coincidência do Comandante ter me escolhido entre todas as
pessoas - eu para ser seu executor. Eu, que ele não poderia ter conhecido,
exceto que agora sei que ele e eu estávamos conectados muito antes de eu
nascer.
Com um rugido, me levanto e jogo a garrafa pela sala. Ela quebra,
deixando um líquido marrom escorrendo pela parede. Eu saio da sala e
chamo dois soldados para me seguirem até o SUV. Eu dirijo até o
Augustine's, quando chego lá, não me importo de que a maioria das luzes do
prédio esteja apagada. As únicas que ainda estão acesas são uma janela
aleatória no terceiro andar e as luzes fracas do saguão da frente.
Saio do carro e bato a porta. Ele ecoa na escuridão, até mesmo o
barulho das ondas distantes e abafadas pelo volume do prédio entre mim e
os penhascos. Mal sinto o frio enquanto caminho em direção à porta da
frente.
As portas de vidro se abrem e ouço o aviso de Caius para tirar
Madelena de lá. Longe daqui. Isso é remorso?
O velho que trabalha no turno da noite ergue os olhos surpreso ao me
ver. Ele leva um momento para me reconhecer.
— Sr. Augustine, um prazer...
Estou no elevador e as portas estão se fechando antes que ele
termine. No último andar, o soldado designado para ficar de guarda acorda
assustado. Ele é rápido para se levantar.
— Senhor. Desculpe, eu…
— Saia do meu caminho.
Ele acena com a cabeça, dá um passo para o lado antes que eu alcance
a porta. Está destrancada e eu a empurro para abri-la. O apartamento está
silencioso e escuro, uma lâmpada solitária acesa no canto.
— Fiquem aqui. — eu digo aos soldados e sigo em direção ao quarto
de Caius.
— Caius! — Eu chamo, ligando os interruptores de luz enquanto eu
vou. Ele pegou meu antigo quarto, que fica no final do corredor. Abro e
acendo a luz. Fico surpreso quando ouço o suspiro assustado de uma
mulher.
Lá, sentada na cama, está uma Ana nua cobrindo os seios. Mas ela está
sozinha. — Onde está meu irmão? — Eu exijo.
Ela balança a cabeça, claramente apavorada.
A luz do farol chama minha atenção, eu a observo varrer o horizonte
das janelas do chão ao teto. As roupas estão espalhadas nas costas de uma
cadeira, ao pé da cama. Há uma garrafa de uísque pela metade no criado-
mudo.
— Caius? — Eu caminho em direção ao banheiro, mas está quieto.
Quando abro a porta, está escuro e vazio. — Onde diabos ele está?
— O que diabos está acontecendo? — um homem pergunta, eu me
viro para encontrar Lawrence Cummings parado na porta com uma camiseta
e boxers. Ele está segurando uma pistola ao seu lado.
— O que você está fazendo aqui? — Eu pergunto a ele, sem medo dele
ou de sua pequena arma estúpida, que eu tenho certeza que ele não sabe
como usar.
— Santos? — Minha mãe vem correndo atrás dele. Ela está amarrando
o roupão. — Como…
Cummings parece que vai mijar nas calças e recua para o corredor.
— O que está acontecendo? — minha mãe me pergunta.
— Onde está meu irmão? — Eu pergunto, quando eu passo por ela
para entrar no corredor, ela pressiona as costas contra a parede.
— Você sabe que horas são? — ela pergunta, juntando coragem para
me seguir até o escritório.
— Caius? Onde diabos você está? — Empurro a porta do escritório
com tanta força que ela bate contra a parede e faz barulho. Mas também o
acho escuro e vazio. Há mais dois quartos no outro corredor. — Veja se meu
irmão está em um dos quartos. — digo a um dos soldados.
— O que está acontecendo? — minha mãe exige.
Eu me viro para ela, que se encolhe um pouco. Bom. Eu caminho em
direção a ela. — Como você sabia?
— Como eu sabia o quê?
— Você quer que eu chame a polícia, Evelyn? — Cummings pergunta.
Eu me viro para ele, sem nem mesmo ter tempo de repreendê-lo antes
que minha mãe retruque: — Vá para a cama. Não seja idiota!
— Seu irmão não está aqui. — o soldado me diz.
Eu me viro para minha mãe, me viro contra ela. — Como você sabia o
que o assassino tinha escrito na barriga dela?
Sua boca se abre. Fecha. Ela engole. — Eu não sei do que você está
falando. Você está me assustando, Santos. Você fala como seu pai. Seu
temperamento...
— P-U-T-A. — Eu soletro, interrompendo-a. — Como você sabia?
Porque eu limpei isso dela antes que os policiais chegassem lá. Ninguém
sabia. Ninguém além de mim e do assassino. Nem mesmo Alexia. Ela estava,
felizmente, morta até então. — Os olhos da minha mãe se enchem de
lágrimas, eu sinto isso torcendo no meu peito. — O assassino dela era
destro. O pai dela não conseguia assoar o nariz com a mão direita. — Há
uma pausa longa e pesada e foda-se, isso está acontecendo? Isso está
realmente acontecendo? — Mãe? — Eu pergunto, ouvindo a falha na minha
voz.
Ela balança a cabeça, enxuga uma lágrima.
— Seu irmão...
Eu bato meu punho na parede a apenas uma polegada de sua cabeça.
Ela grita, pula e eu puxo minha mão para trás. Ela lateja e há um buraco do
tamanho de um punho na parede.
— Onde ele está?
Seu lábio inferior treme. Uma coisa que nunca vi antes.
— Onde diabos ele está?
— Não sei. Ele estava falando sobre aquele farol. Eu fui para a cama.
Ai, meu Deus, você acha... — ela se interrompe, passando correndo por mim
em direção ao quarto de Caius e indo direto para as janelas. — Ele estava
bêbado. Ele era...
— Foi ele? — Eu pergunto a ela.
Ela se vira para mim. — Vá atrás dele. Por favor. Vá atrás dele. Santos,
o que você pensa, não é verdade. Apenas vá atrás dele, traga-o de volta. Por
favor!
Eu olho por cima do ombro dela para o enorme farol. Ele saiu por aí?
Por que razão? Sei em que estado ele estava quando o deixei. Se ele está lá
em cima... merda! Eu giro nos calcanhares e corro pelo apartamento até a
porta da frente. — Mantenha-a aqui. Ela não vai a lugar nenhum. Você está
comigo! — Eu digo a um dos soldados, estou no meio do corredor quando
alguém grita para eu parar.
Eu faço e me viro para encontrar Ana com o cobertor enrolado em
volta dela, minha mãe em seus calcanhares.
— Ele não está no farol. Ele disse que voltaria amanhã.
Eu caminho em direção a ela. — Onde ele foi?
— Algum lugar estranho. Eu nunca tinha ouvido falar disso. — Ela
balança a cabeça, tentando se lembrar, uma sensação doentia supera a de
traição como um peso em meu estômago, um punho em volta do meu
coração.
— Onde? — Eu pergunto, minha voz estranha.
Ela olha para mim. — Hells Bells.
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO
MADELENA

Eu tento dormir. Não há mais nada que eu possa fazer. Não posso nem
ligar para Santos para falar com ele. Nenhum dos nossos celulares funciona
e é madrugada. Não vou perturbar o padre Michael agora... não depois do
que ele já teve que fazer.
O único problema é que, depois de me virar e virar por mais de uma
hora, ainda estou bem acordada. Acendo a luz da mesinha de cabeceira e
me levanto. Quando coloco meus pés no chão de madeira, fico grata pelas
meias grossas que Santos trouxe, surpresa por ele ter pensado nisso em sua
corrida louca. Saio da cama e vou até a janela. Parece diferente da última
vez que estive aqui; apenas uma lua parcial brilha sobre a água esta noite.
Eu envolvo meus braços em volta de mim enquanto aprecio a vista,
percebendo como estamos completamente sozinhos aqui.
Depois de vestir um suéter por cima da camiseta, uma das de Santos,
desço as escadas em silêncio, sem saber se vou dar de cara com Val ou com
os outros soldados. Eles estavam fazendo turnos, pelo menos um deles iria
dormir no sofá, então no meio do caminho eu espiei para ver se ele estava
lá. Ele está. Não é Val, mas um dos outros que não conheço. Ele está
encolhido sob o cobertor grosso, dormindo. O fogo está reduzido a suas
brasas moribundas.
Eu olho para fora da janela olhando para a parte de trás da
propriedade e vejo o outro soldado. Ele está de costas para mim e deve
estar congelando. Mas então noto a nuvem de fumaça. Ele está lá fora
fumando seu cigarro. Sentindo-me um pouco menos culpada, vou até a
cozinha e abro os armários até encontrar saquinhos de chá e canecas.
Despejo água na chaleira e ligo o fogão a gás, estremecendo com o som que
o velho fogão faz porque é alto. Mas o homem no sofá não se mexe,
enquanto espero a água esquentar, olho pela janela sobre a pia e aprecio a
beleza absoluta do lugar. Posso imaginar um Santos mais jovem aqui. Posso
vê-lo como o santuário que era para ele. Estar isolado na natureza e ser
perdoado e aceito pelo homem que o acolhe. Acho que ele precisava disso
mais do que qualquer outra coisa naqueles anos.
Santos. Minha preocupação volta quando a chaleira ferve. Desligo o
gás e despejo a água fervente na minha caneca. O que aconteceu esta noite
que ele precisava para me tirar da Avarice do jeito que ele fez? Com o que
ele está lidando que eu nem acho que Val saiba? Porque Val é
possivelmente seu confidente mais próximo. Acho que sim, pelo menos. Eu
me pergunto onde Caius cai. Eles são próximos, mas há algo entre eles, um
ciúme, uma acusação? Algo que eu não consigo colocar uma palavra. Eu me
pergunto se o que o levou a esse frenesi tem a ver com Caius.
Uma vez que o chá está pronto, eu jogo fora o saquinho de chá e volto
para o quarto porque não sei mais para onde ir. Eu ateio o fogo e coloco
outro pedaço de lenha nele. Antes de voltar para a cama, noto algo na
mochila. É o livro que Camilla me devolveu. Santos deve ter embalado sem
querer na pressa.
Eu o escolho agora e volto para a cama. Depois de arrumar os
travesseiros, coloco o livro no colo e minha mente evoca a imagem de
Camilla. Ela é estranha. Linda e perversa, mas também um pouco estranha.
Mas acho que ser a filha do Comandante fará isso com você.
Viro o livro e me pergunto o que ela fez com ele. Soltá-lo na água e
depois pisoteá-lo? Pelo menos não é um que eu amei. Li anos atrás e tenho
que concordar com Camilla que não foi tão bom quanto eu esperava, mas
não há mais nada para ler. Então, eu abro e paro imediatamente. Porque eu
vejo o que ela fez. Por que o livro parece tão deformado e na verdade
parece mais pesado do que deveria. É um livro de capa dura, mas ainda
assim.
Ela imprimiu uma foto em papel comum, cortou grosseiramente e
colou no livro. Ela basicamente usou meu livro como um álbum de fotos.
Que diabos?
Eu olho para a primeira foto. É uma casa - bem, uma mansão - e posso
ver palmeiras no jardim. Miami? Talvez a casa deles em Miami. Santos disse
que era lá que morava o Comandante, né? Na frente, pequena demais para
ver seus rostos, está uma mulher e uma criança muito pequena ao seu lado.
Ele está segurando a mão dela. Ele tem talvez dois anos. Está muito borrado
e pequeno para eu ver quem é, Camilla não forneceu uma legenda. Bem,
acho que sim nos destaques de certas palavras e letras. Deixo o livro de lado
e saio da cama para ir até a pequena escrivaninha encostada na parede
oposta. De dentro da única gaveta, tiro um lápis e um bloco de papel, que
levo de volta para a cama.
Deitada na cama, escrevo as letras que ela destacou em ordem.
Miami. Lar. Mamãe e T.
O T deve ser Thiago.
Não tenho ideia do que ela estava fazendo ou qual era sua intenção,
mas viro para a próxima página. Este é de três gatos, mas não há destaques.
Apenas uma coleção de corações desenhados em torno dos gatos formando
um coração. É algo que uma criança faria. Eu viro a página.
Algumas delas têm fotos aleatórias, mas parecem seguir uma linha do
tempo porque logo vejo uma rotulada de gêmeos. Nesta Thiago é mais
velho, talvez uns sete anos. Ele está de pé ao lado da mãe, novamente, ela
está segurando os dois bebês, um em cada braço. Ele parece miserável, eu
me pergunto se ele já sorriu enquanto crescia.
Deixo o livro de lado por um minuto porque me lembro daquela noite
na passarela. Lembre-se de seu rosto quando ele foi empurrado. Eu ouço
seu grito. Ele não merecia o que aconteceu com ele, mas estou esperando
que ele esteja vivo, que de alguma forma tenha sobrevivido.
Depois de mais algumas dessas páginas, tento me lembrar da parte
que ela disse ter gostado. Página setenta e alguma coisa. Assim que chego
ao que ela mencionou, eu sei disso, isso faz meu coração acelerar porque lá
é o Santos. Ele deve ter dezoito anos e está infeliz. Ele está mais magro do
que agora, menos musculoso, posso ver as sombras sob seus olhos mesmo
nesta impressão granulada e de baixa qualidade. Seus ombros estão caídos e
sua aparência geral é desleixada, mas ele está olhando para a câmera. É que
o olhar em seus olhos é vago, como se o homem estivesse ausente mesmo
estando ali. Ao lado dele está uma jovem Camilla. Ela está segurando uma
das mãos de Santos e ao lado dela está seu irmão gêmeo, Liam. Thiago fica
do outro lado de Santos. A única pessoa que sorri é Camilla.
Eu escrevo as letras do marcador. Santos no dia em que entrou na
nossa pequena família.
É difícil olhar para as próximas páginas, mas os anos avançam
rapidamente. Santos envelhece, sua expressão mais feroz. Ele perde a cara
de menino enlutado e se torna o homem a ser considerado - um homem
que eu atravessaria para o outro lado da rua para evitar, especialmente
quando ele e Thiago são retratados juntos.
Há uma legenda abaixo de uma foto dos dois juntos que explica os
melhores amigos. Neste, chifres foram desenhados saindo da cabeça de
Thiago e um adesivo de uma pistola foi adicionado à mão de Santos. É
estranho, ela é estranha, e este livro me deixa enjoada de certa forma. Ela
está tentando enviar alguma mensagem ou apenas sendo uma idiota? Eu
vou com o último.
Eu viro para mais uma página antes de fechá-la. Esta é uma imagem
clara. Uma fotografia. E eu posso sentir o mal saindo do homem retratado.
Sei sem dúvida, sem ter que ler as letras destacadas, que este é o pai dela.
Este é o Comandante.
O diabo que roubou a alma de Santos.
Fecho o livro e me levanto para jogá-lo no fogo porque é nojento. O
fogo sibila quando coloco o livro dentro, deslocando a tora que ainda está
um pouco úmida. O livro cai sobre a lombada e cai aberto naquela página
com o Comandante sorrindo um sorriso largo e maligno.
Algo me faz arrancar a foto assim que o resto do livro pega fogo. Não
sei o que é, mas quando me ajoelho no chão e o estudo, de certa forma é
familiar. Ele é familiar. É do Thiago que estou me lembrando? Não, Thiago
não se parece com ele. Ele se parece com a mãe. Não é exatamente o rosto
dele. É outra coisa, algo que não consigo identificar.
Um baque alto vem do andar de baixo, eu me assusto, meu olhar
estalando para a porta. Alguém murmura uma maldição e me pergunto se é
o segundo soldado ou mesmo Val. Está bem escuro lá embaixo e cheio de
móveis. Acho que um deles esbarrou em alguma coisa.
Passos começam a subir as escadas, me levanto, pegando aquela foto
e colocando-a no criado-mudo. Puxo meu suéter para mais perto e conto os
passos. Treze para chegar ao segundo andar. Uma batida suave vem.
Presumindo que seja Val vindo me ver, estou prestes a abrir, mas ele abre
pelo lado de fora. Ele range nas dobradiças quando o topo de sua cabeça
aparece.
Exceto que não é a cabeça de Val. Também não é nenhum dos
soldados. Nenhum deles tem cabelo loiro.
Um arrepio percorre minha espinha, fazendo os cabelos da minha
nuca se arrepiarem. Quando ele olha ao redor e nossos olhares se
encontram, percebo o que era familiar na foto do Comandante. Não, isso
não está certo. Não é então. É quando ele entra e enfia uma mão no bolso e
inclina a cabeça na direção oposta. É exatamente como o Comandante está
nessa foto. Caso contrário, não há semelhança física. Até que ele sorri e
aquela covinha se forma em sua bochecha.
Eu olho para a foto e a vejo então, clara como o dia. Como Santos não
percebeu? Eu pisco e mudo meu olhar da foto para Caius e sinto o sangue
escorrer do meu rosto, sinto minha boca se abrir e minha garganta secar
enquanto eu olho em choque para o que está bem diante dos meus olhos o
tempo todo.
— Espero não ter acordado você. — diz Caius numa falsa tentativa de
ficar quieto. — Eles estão frios lá embaixo. Alguns guardas, hein?
— O quê... você está fazendo aqui? — pergunto, parando na frente do
criado-mudo e virando a foto de cabeça para baixo atrás de mim.
Ele entra no quarto, olha em volta, acena com a cabeça. — Bonitinho,
eu acho. Não é meu estilo, mas fofo. Também não achei que fosse o estilo
do meu irmão, mas mostra que você nunca conhece ninguém de verdade.
Ele está bêbado. Eu posso ouvir em sua voz, ver em seus movimentos.
Ele se vira para mim e vejo como seus olhos estão vermelhos quando ele se
aproxima. É quase de manhã. Ele não dormiu. Como eu.
— Sabe o que desejo, Madelena? — ele pergunta, vindo em minha
direção. Eu não tenho para onde ir. Estou presa na cama e no criado-mudo,
para fugir teria que pular na cama.
— O quê? — Eu pergunto, parada onde estou, tentando parecer
normal.
— Eu gostaria... — ele começa, chegando perto o suficiente para
enfiar um dedo na minha barriga. — Eu gostaria que você nunca tivesse
engravidado. Isso é o quê.
Eu me pego empurrando sua mão e colocando a minha sobre meu
abdômen para proteger o pequeno ser dentro. O bebê de Santos. Meu
bebê.
— Santos mandou você me trazer de volta? — pergunto, sabendo que
não, sabendo que o Caius está aqui e o Santos não, é uma coisa muito,
muito ruim.
Ele sorri para mim, muda o olhar por cima do meu ombro e estende a
mão ao meu redor para pegar aquela fotografia. Ele a segura entre nós, olha
para ela. Eu observo seu rosto, sua expressão, vejo como ela escurece.
Quando ele encontra meus olhos novamente, engulo em seco.
— Onde você conseguiu isso?
— Sua irmã.
Um canto de sua boca se levanta e meu sangue se transforma em gelo.
Ele me estuda, parecendo mais do que qualquer outra coisa, triste.
Miserável mesmo. Ele balança a cabeça. — Não, ele não fez. — ele diz, eu
estou momentaneamente confusa. — Santos não me mandou. — esclarece,
deixando a foto de lado, ignorando completamente o comentário sobre a
irmã. — Onde estão suas roupas? — ele pergunta, olhando ao redor. Ele
encontra a mochila sem que eu tenha que apontar e vai tirar algumas
roupas, jeans, outro suéter, mas quando ele vê que estou usando um suéter,
ele o enfia de volta na bolsa e volta para mim.
— Coloque isso. Está congelando aqui. Pior que na Rocha Suicida. —
ele diz, segurando o jeans para mim.
Eu pego o jeans. — Há soldados lá embaixo. — Eu não digo a ele
quantos.
— Como eu disse, frio. Vamos. O sol está nascendo.
— Onde?
— Um passeio. Na praia. Vamos tomar um pouco de ar fresco. Ver o
novo dia começar. É bom para o bebê. — acrescenta.
— Devemos ligar para Santos. — eu começo, lambendo meus lábios,
minha garganta seca.
— Claro, — ele diz, pegando seu telefone. — Exceto nenhum serviço
de celular. Que tipo de cidade não tem serviço de celular?
Estou prestes a sugerir ir à reitoria, mas então penso no padre
Michael. Eu o colocaria em perigo se fizéssemos isso. Se o Caius ainda me
levasse lá para fazer a ligação, isso é. Não posso arriscar a vida dele porque
Caius está aqui para fazer estrago. Hoje à noite ele vai provar o quão
perigoso ele é.
— Me dê um minuto. Vou me trocar e já saio. — eu digo a ele.
Ele sorri, senta-se na cama. — Basta colocá-los aqui.
— Só vou...
— Eu disse para fazer aqui.
Eu puxo o jeans. Uma vez que ele está fechado, ele se levanta e pega
minha mão. Quando tento me soltar, ele aperta mais.
— Não torne isso mais difícil do que precisa ser.
Descemos as escadas onde as luzes estão acesas. Eu suspiro quando
vejo o que está na sala de estar. O baque que ouvi, percebo, não foi alguém
andando contra a mobília. Era um corpo. De Val.
— Oh meu Deus.
Ele está encostado na parede como se estivesse sentado lá, exceto
que sua cabeça caiu para frente. Em seu estômago há um buraco pelo qual
ele sangrou. Suas mãos estão em concha em torno de uma faca em seu colo.
Ele deve ter puxado para fora. Não que isso importasse muito.
— Fodido idiota. — Caius balança a cabeça.
E o outro homem, aquele no sofá. Ele não se moveu. Bem, isso não é
verdade. Ele se moveu e vejo agora a mancha vermelha escura que se
espalhou como um círculo no sofá estampado com flores.
— O que você fez? — Eu cubro minha boca.
— Não vomite em mim agora, mamãe. Além disso, não é nada
comparado ao que meu irmão fez, você felizmente se arrastou para a cama
dele. Venha, Madelena. — Caius me puxa para ele. — Coloque suas botas.
— Caius. Oh Deus…
Ele me empurra para o banco e me entrega uma bota. Eu a pego e ele
gesticula para que eu a coloque. Eu faço. Ele me entrega a outra. Percebo a
arma enfiada na parte de trás de sua calça, vendo o cabo dela ao seu lado.
Eu mudo meu olhar para os dois soldados mortos, então até o dele para
encontrá-lo me observando. Ele não precisava de uma arma para fazer o que
fez com aqueles dois homens treinados e armados. Ele certamente não
precisa que alguém faça o mesmo comigo.
— Caius? O que está acontecendo?
Ele olha para os casacos pendurados ali e pega o meu. Percebo que ele
não está usando um. Ele está com uma camisa de botão e calça. A camisa é
preta e agora vejo as manchas escuras nela. Sangue dos homens que ele
matou.
— O que está acontecendo? — Ele me levanta e coloca o casaco em
mim. Eu deslizo meus braços e ele fecha meu zíper, ficando tão perto que
tenho que esticar meu pescoço para olhar para ele. Ele é tão grande quanto
o Santos, tão poderoso quanto ele. Sem falar na arma. Sem contar sua
determinação.
— O que você quer, Caius? — Eu pergunto, imaginando onde está o
terceiro soldado. Se ele está vendo isso, se ele está nos observando e
ganhando tempo.
— O que eu quero? Isso não tem nada a ver com o que eu quero, só
para ficar claro. É o que precisa ser. Eu não quero machucar você. Não vou
gostar. Eu realmente não vou.
— Você não precisa me machucar.
— Essa é a coisa, eu faço. É você ou Santos...
Ele é interrompido então por um carro parando do lado de fora, portas
abrindo e fechando.
Abro a boca para gritar, mas ele está com a arma na mão e aponta
para a minha barriga antes que eu consiga respirar fundo.
— Eu vou te matar aqui mesmo. Vou matar a porra do seu bebê aqui
mesmo. Agora, porra!
Coloco minhas mãos sobre minha barriga e balanço minha cabeça.
— Fique quieta, está me ouvindo? Eu não tenho nada a perder.
Concordo com a cabeça violentamente quando uma lanterna brilha
contra a janela. As cortinas estão fechadas, então não há muito que eles
possam ver. Alguém bate na porta, Caius olha de mim para ela e depois de
volta.
— Pergunte quem é. — ele me diz, antes que eles batam uma segunda
vez, ele engatilha a pistola que está segurando na minha barriga.
— Quem é esse? — Pergunto o mais calmamente que posso.
— Polícia, senhora. Fomos chamados sobre um distúrbio.
Olho para Caius que só precisa estreitar os olhos para eu responder
aos policiais. — Não. Está bem. Só... está tudo bem.
Silêncio do outro lado. — Se você abrir a porta, senhora.
— Diga a eles para esperar. — Caius sussurra para mim.
— Só um minuto. — eu digo, observo enquanto Caius coloca o que eu
acho que é um silenciador em sua arma. Antes que eu possa dizer outra
palavra, ele me empurra para trás com tanta força que eu bato contra a
parede, minha cabeça quicando. Enquanto eu observo, ele abre a porta.
Antes que os policiais possam piscar, ele dispara dois tiros.
Eu grito, tentando me levantar.
Caius espia, depois enfia a pistola de volta na calça. Enquanto estou
me endireitando, ele me segura novamente.
Olho, paralisada de horror, para os dois mortos.
— Onde eu estava? Agora que você está grávida, a próxima parte
entra em jogo. Fase dois, como diz minha mãe. — Ele desvia o olhar por um
momento, balança a cabeça. Eu posso ver sua exaustão quando ele se vira
para mim. — Vamos. Vamos.
— O que você quer dizer? Qual é a fase dois? — Eu pergunto,
cravando meus calcanhares quando ele tenta me puxar para fora.
— Você o ama? — ele pergunta.
Eu não respondo, mas olho para ele, tentando não ver os corpos no
chão. O movimento na grama alta me faz olhar por cima do ombro.
Caius se inclina na minha cara quando não respondo. — Você ama
meu irmão?
— Sim.
— Essa é a coisa. Eu também. E sei que o que tenho que fazer vai
machucá-lo, mas é melhor do que a alternativa.
— O que você acha que tem que fazer?
Ele não responde, mas balança a cabeça infinitamente.
— Você não tem que me machucar. — digo a ele.
— Mas a alternativa é machucá-lo. E você não iria querer isso, não é?
— Eu não entendo. Por que você tem que machucar qualquer um de
nós? Ele te ama.
— E como eu disse, eu o amo. E é por isso que estou escolhendo você.
Porque se não houver bebê, ele não precisa morrer.
— O quê?
Ele abre um sorriso que não é presunçoso, nem feliz. Não
remotamente. Ele parece o oposto, na verdade. Como se ele estivesse com
muita dor.
— A vontade. As palavras exatas que Brutus Augustine escolheu.
Apenas um Augustine de sangue pode herdar. Esse não sou eu, querida. —
ele diz e fecha os olhos com força.
— Porque você é filho do Comandante. — eu digo.
— Como você descobriu? Estou curioso. Quer dizer, graças a Deus eu
não compartilho nenhuma semelhança física.
— Caius, por favor...
— Como? — ele grita, me fazendo pular.
— É o jeito que você fica às vezes.
— Ah.
— O Santos sabe?
— Ele sabe agora. Mas isso não importa mais. A propósito, tio Jax? Era
eu. Te enviei a foto também. Presente de casamento antecipado. Não é
legal, eu sei.
— Você? Você m-matou meu tio.
— Aproveitando. Enfim. — diz ele, brincando casualmente com a
palavra. — De volta ao assunto em questão. O fato é que não posso herdar a
porra de um centavo. Ele me cortou. Minha mãe também. Se não fosse a
generosidade do Santos, estaríamos na rua.
— Então por que você faria o que está fazendo?
— Você tem alguma ideia sobre a escala da fortuna dos Augustine?
Eu balanço minha cabeça. — Eu não ligo.
— Sim, você faz. Dinheiro faz o mundo girar. E você pode dizer que
não se importa o quanto quiser, mas se importaria se isso impactasse sua
vida cotidiana. Já que você não sabe, deixe-me dizer-lhe. Meu irmão, minha
mãe e eu não poderíamos gastá-lo nem em mil vidas. Mas o velho armou
tudo do jeito que fez para proteger seu filho. Seu único filho. E os
descendentes de seu filho, é claro. E para punir minha mãe. — Ele muda seu
olhar para minha barriga. — Você pode imaginar como isso aconteceu com
ela.
Quando ele me puxa para fora daquele chalé, sei que é isso. Eu sei o
que ele vai fazer quando eu estiver naquela praia. Abro minha boca para
gritar, mas ele é rápido e em um instante, ele me puxa para si e coloca a
mão sobre minha boca.
— Cale-se. Apenas cale a boca. Você não quer que eu machuque
aquele pobre vigário ou seja lá o que ele for, quer? Dediquei um tempo para
colocar o silenciador para o bem dele. Não faça com que eu me arrependa.
Tento balançar a cabeça, mas ele está me segurando com muita força,
e não consigo.
— Se eu o vir, eu o matarei, Madelena, isso cairá sobre você. Então,
você vai calar a boca ou não?
Eu tento acenar com a cabeça.
— Porra me responda.
Eu faço um som e aceno com mais força.
— Bom. — Ele move a mão da minha boca, mas a envolve em meu
braço em um aperto mortal. — Vamos à praia.
Ele me puxa para frente e nós andamos pela casa. Eu cuido do
soldado. Ele deve estar aqui. Ele tem que estar. Mas Caius se inclina para
mim.
— Procurando o terceiro homem? — ele pergunta. — Não se
preocupe. Ele não pode ajudá-la.
— Você o machucou também? — Eu pergunto, tentando tirar a mão
dele de cima de mim agora que estamos nos fundos da casa.
— Santos confiava mais neles do que em mim. — Ele continua me
puxando para frente em direção à duna que vai dar na praia.
— Posso ver por quê. — grito por cima do vento, caindo quando ele
me dá um empurrão no topo da duna. Eu luto para ficar de pé, tropeço, mas
ele me segura antes mesmo que eu esteja de pé.
Ele agarra minha mandíbula, dedos cavando dolorosamente em meu
rosto. — Você não pode dizer isso. Você pode calar a boca e morrer, e se
você for boa, eu não vou fazer doer mais do que o necessário. Pelo bem do
meu irmão. Mova-se.
Ele me arremessa para frente, então eu tropeço e deslizo até a metade
do caminho antes de conseguir me levantar.
— O que você vai dizer a ele? Como você vai explicar isso? — Correr é
impossível nesta areia fofa, ele é apenas mais rápido e mais forte do que eu.
Mas continuo tentando. Eu tenho que.
— O que vou dizer a ele? — Ele pergunta, sua grande mão pousando
entre minhas omoplatas e me empurrando com força. Eu caio de mãos e
joelhos, sem fôlego. Ele se inclina sobre mim, pega um punhado de cabelo e
me puxa de volta para cima. Ele não solta meu cabelo enquanto me leva até
a água.
— Caius. Por favor! — Eu grito, minha voz perdida sobre o som das
ondas enquanto eu envolvo uma mão em torno de seu antebraço, tentando
ficar de pé enquanto ele me leva para frente.
— As pessoas se afogam o tempo todo, Madelena.
Ele me empurra de joelhos na água gelada e eu grito. Ele também se
ajoelha e não sei como não sente frio. Ele aproxima meu rosto do dele, mas
mal consigo vê-lo através do jato d'água.
— Além disso, você está doente, não está? Como sua mamãe. Talvez
você mesma tenha entrado na água. De boa vontade.
— Eu não faria isso. Ele sabe...
Ele empurra minha cabeça para baixo com força. A areia molhada
entra em meu nariz, meus olhos, mas é quando a água corre para mim que o
verdadeiro pânico me faz girar meus braços tentando puxá-lo de cima de
mim, tentando colocar minha cabeça acima da água.
Então eu estou de novo. Ele está me puxando para fora. Eu tusso água
salgada e areia. Eu o agarro, tento deixar alguma marca. Algo. Qualquer
coisa. Porque eu não vou sobreviver a isso. Eu sei. E Santos não pode pensar
que eu matei o bebê dele. Ele não pode.
— Talvez. — diz ele, puxando-me para os meus pés, arrastando-me
mais fundo na água, então estamos na altura da cintura. — Talvez você
tenha se afogado agora porque não queria cair como a mamãe.
— Eu não faria isso. Não faria isso! — Mas estou afundado de novo, a
água borbulha ao meu redor, me sufocando. Ele me empurra para baixo,
vejo sua forma escura acima de mim antes que uma onda o desequilibre e
ele perca o controle sobre mim. Eu suspiro por ar, engulo a água, engasgo
ruidosamente enquanto tento correr para a praia.
Eu não vou conseguir embora. Sei disso.
Ele está de pé novamente e me agarra. Desta vez, seu rosto está
definido quando o vejo pela última vez. Sua boca é dura. Sua raiva faz seus
olhos azuis brilharem mesmo nesta escuridão.
Enquanto a água borbulha ao meu redor, eu paro de lutar. Porque não
sobra ar e não dá tempo. Mesmo quando me sinto escorregar, mesmo
quando meus braços param de se agarrar e minhas pernas flutuam na água
salgada, ele me mantém no chão. Mantém-me sob controle.
E continuo pensando no meu bebê. Sobre Santos. Até eu ir embora.
CAPÍTULO TRINTA E CINCO
SANTOS

Não pode ser tarde demais. Eu não posso chegar tarde demais.
Continuo tentando o telefone fixo do Padre Michael. Eu continuo
ligando e ligando, mas ele deve ter desligado. A polícia da cidade vizinha foi
até a casa de campo. Pelo menos tem isso. Eu dirijo como um louco para
Hells Bells.
O sol desponta no horizonte quando viro para a rua onde a capela está
silenciosa, as janelas dos aposentos do padre Michael ainda escuras. Posso
ver daqui, porém, que as luzes da cabana estão acesas. Quando paro, vejo a
viatura da polícia.
Por um momento, fico aliviado.
Eu estaciono e abro a porta do SUV. Está quieto. Mantendo os olhos
na janela com as cortinas fechadas, alcanço o porta-luvas e tiro minha arma
antes de sair do veículo. A primeira luz da manhã brilha na entrada da
garagem. Não faço nenhum som enquanto caminho em direção à casa
silenciosa demais, com a arma ao meu lado. É quando dou a volta na viatura
que o vejo. Lá, no chão, estão os policiais. Não preciso verificar nenhum de
seus pulsos. Eu sei como parece um morto, eles estão mortos.
Algo afiado perfura minhas entranhas enquanto me aproximo e vejo
os buracos de bala. Um foi baleado no meio da testa. O outro homem no
coração. Aquele que levou a bala no cérebro não teria previsto.
A porta da cabana está aberta, eu me movo em direção a ela,
preparando minha arma, meu coração batendo forte no meu peito.
A visão que me cumprimenta me faz parar.
— Não. Porra, não! Corro para Val, que está caído contra a parede, a
faca que o matou em suas mãos. Ele parou de sangrar faz um tempo. Um
homem jaz morto no sofá. Não sei onde está o terceiro soldado. —
Madelena! — Eu grito enquanto subo as escadas. Mas a casa está muito
quieta. Ela não está aqui. Eu sei disso antes de entrar no quarto. Antes que
eu veja o fogo moribundo, a cama desarrumada.
Não perco tempo aqui. Desço as escadas correndo e saio pela porta da
frente. Não há carro. Ele a levou para algum lugar? Mas então ouço algo, um
som fraco no vento. Está vindo da praia.
Com a pistola ao meu lado, contorno rapidamente a lateral da casa e
me dirijo ao caminho que vai dar na praia. O vento é sempre mais forte nas
manhãs aqui. Ele morre assim que o sol nasce completamente. Ele chicoteia
meu cabelo e meu rosto, soprando areia em meus olhos enquanto dou a
volta no chalé. Lá eu vejo o terceiro soldado deitado de bruços, meio
escondido pela grama alta. Como os policiais, não preciso verificar se ele
ainda está vivo. Eu vejo o buraco de bala na parte de trás de sua cabeça.
Madelena.
Não pode ser tarde demais. Por favor, não me deixe chegar tarde
demais. Não para mim, mas para ela. Para ela e para o bebê.
Uma visão do cadáver de Alexia dança diante de meus olhos enquanto
corro em direção à praia, escalando a duna de areia. No topo, paro para
apreciar a praia enquanto a luz do sol torna o céu nublado laranja e o mar
azul profundo. E lá eu o vejo.
Caius.
Ele está na água, até a cintura. Ele parece quase desorientado. E ele
está sozinho.
Meu peito aperta, um punho torcendo meu coração, torcendo-o.
— Caius! — Eu grito, correndo em direção a ele, a areia macia
tornando isso muito mais difícil, me deixando muito mais lento. — Caius! —
Eu grito de novo porque não, ele não está sozinho. Eu vejo isso quando ele
me vê. Quando ele olha e me vê correr em sua direção. Ele não está sozinho.
Ela também está lá. Ela está flutuando de bruços ao lado dele.
Não.
Não.
— Afaste-se dela!
Ele parece atordoado quando eu largo minha pistola na areia e corro
para a água.
— Irmão. — ele começa, uma onda impulsionando-o para frente. — É
tarde demais.
Eu perco o equilíbrio, me endireito, a mesma onda traz o corpo de
Madelena para mais perto. Agarro seu tornozelo e a puxo para mim. Mas
Caius me puxa para longe.
— É tarde demais. Deixe-a ir!
Eu tento empurrá-lo para longe, mas ele está segurando minha
camisa, então eu o soco com força e o jogo na água. Eu viro Madelena e a
pego. Suas roupas a pesam. Sua cabeça pende do meu braço e seus olhos
permanecem fechados, o rosto pálido.
— Madelena? — Falo com ela enquanto a carrego para fora da água,
mas seus braços pendem flácidos ao lado do corpo, seu corpo pesado com
as roupas encharcadas pelo mar. — Abra os olhos, querida. Abra os olhos
para mim.
— Tentei impedi-la. — diz Caius enquanto me arrasto para fora da
água. — Cheguei tarde demais.
Eu não olho para ele. Não perco tempo. Eu deito-a na areia e alguém
chama meu nome. Eu olho para cima para encontrar o padre Michael
correndo em nossa direção.
— Afaste-se! — ele chama, tirando o casaco grande e colocando-o
sobre as pernas dela. Ele cai de joelhos ao lado dela e ouve a respiração,
ouve o coração dela e começa as compressões.
Eu observo, atordoado demais para agir. Tudo o que posso fazer é
observar seu rosto pálido, seu corpo imóvel.
— Maddy. — eu digo, sabendo que ela odeia qualquer um, exceto
Odin chamando-a assim, como se eu pudesse enfurecê-la para abrir os
olhos. Para me dizer fora.
— Respire por ela. — padre Michael me diz depois de uma contagem.
— Aperte o nariz dela, incline a cabeça para trás e respire por ela.
Eu faço como ele diz. Eu sei como isso funciona. Toco meus lábios em
seus lábios frios e fecho seu nariz e respiro em sua boca até que ele me diga
para parar e recomeçar com as compressões novamente, apoiando todo o
seu peso nela. Ela é tão pequena. Tão frágil.
— Ela está grávida. — digo a ele.
Ele não perde o ritmo enquanto acena com a cabeça, continua sua
contagem.
— Respire. — diz ele. Eu faço. Não sei quanto tempo, mas tudo que sei
é que não consigo parar.
— Eu não posso te perder. Não posso. — eu digo a ela quando ele
começa as compressões novamente, seus lábios muito frios, muito azuis. —
Não a deixe morrer. — digo ao padre Michael, que está alheio a tudo menos
a ela. Mas sua contagem. O trabalho dele. — Por favor, Deus, não a deixe
morrer.
E então um milagre ocorre.
Eu observo seu rosto, seu lindo rosto, branco desbotado.
A luz do sol incide sobre ela, quando o padre Michael pressiona seu
peito novamente, quando ouço o som doentio de costelas quebrando
enquanto ele força seu coração a bater, ela tosse.
Nós dois paramos e olhamos para o rosto dela e a observamos virar a
cabeça e vomitar água.
— Madelena! Jesus. Madelena. — Eu seguro sua cabeça, puxo-a para o
meu colo, virando-a de lado enquanto ela vomita mais água misturada com
areia. Ela suspira entre as tosses, é o som mais doce. Deus. É a porra do som
mais doce. Porque ela está viva. Ela está viva.
— Santos? — ela diz fracamente enquanto eu a levanto, a abraço para
mim, afastando o cabelo molhado de seu rosto para beijar sua testa, suas
bochechas, sua boca, suas mãos. Mas então vejo o horror tomar conta dela
enquanto seu olhar se move por cima do meu ombro.
Eu endureço.
— Santos. — padre Michael diz, seguindo a linha de visão de
Madelena.
Levanto-me, pego-a em meus braços e uma vez que o padre Michael
está de pé, eu a entrego a ele.
— Leve-a para dentro. Aqueça-a.
— Santos. — ele começa, tirando-a de mim porque não tem escolha.
— Não faça nada precipitado.
Irritação na pele. Não haverá nada precipitado no que farei.
— Leve-a para dentro. Agora.
Eu olho mais uma vez para minha Madelena afogada antes de virar as
costas para eles para enfrentar meu irmão.
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
SANTOS

— Você contaminou este lugar. — eu digo.


— Isso é um pouco dramático, você não acha? — Caius pergunta, não
muito firme em seus pés.
— Foi você. Era você o tempo todo.
Pego minha pistola na areia, enfio-a no cós da calça e caminho em
direção ao meu irmão. Ele se mantém firme. Ele parece tão afogado quanto
Madelena. Tenho certeza de que pareço muito igual.
— Eu não tive escolha, no final das contas. — diz ele, uma defesa
patética. Eu bato nele, o pego no queixo. Ele gira, tropeça, se endireita. —
Era ela ou você. E eu não ia perder você. De novo não.
Eu bato nele de novo, do outro lado do rosto dessa vez. Sou destro,
mas meu gancho de esquerda é tão poderoso quanto o de direita. Grato
para o treinamento do Comandante.
— Você teve uma escolha. Você sempre tem a porra de uma escolha.
— Eu o soco novamente. O sangue respinga na parede de areia às suas
costas.
— Não, realmente não. — Ele toca o rosto, os dedos saindo
vermelhos.
— Que porra você quer dizer com não vai me perder de novo? — Eu
pergunto. — Você nunca me perdeu, seu idiota. — Repito o gancho de
direita. Desta vez, ele cai de bunda e eu seguro sua camisa para levantá-lo
porque ainda não terminamos. Estamos apenas começando. — Quer saber,
não importa. Só me diga uma coisa. Só uma merda. Por que Alexia? O que
ela fez com você para merecer o que você fez?
— Oh. — Ele balança a cabeça. — Alexia não fui eu.
Eu paro, sem esperar isso. Mas então balanço a cabeça. — Você está
mentindo. — Eu puxo meu braço para trás e enfio em seu estômago.
Ele grunhe, se dobra. — Eu não estou, irmão. — ele diz depois de um
minuto, cuspindo sangue quando ele se endireita para me encarar
novamente. Ele não está lutando comigo. Ele está levando a surra. Não é
como ele.
— Não me chame assim. Não somos mais irmãos.
— Eu não estou mentindo. Não sobre Alexia. — Eu o observo e
percebo que ele não está mentindo. Eu sei o que ele diz. É consistente. Mas
não, estou errado. Eu devo estar errado.
— Então quem? Quem iria querer machucá-la? Ela não fez nada a
ninguém!
— Você realmente não quer saber, Santos.
Eu o empurro para trás contra a duna. — Sim, eu realmente quero.
Realmente quero saber antes de espremer o último suspiro de você.
— Essa é a coisa. Eu não me importo se eu morrer.
— Eu não dou a mínima para o que você se importa. Diga. Quem.
Ele desvia o olhar por um longo momento, as emoções guerreando em
seus olhos. No rosto dele. Quando ele me encara novamente, ele parece
uma década mais velho.
— Nossa mãe.
Eu paro morto. — O quê? — Eu me ouço perguntar enquanto meu
braço cai ao meu lado.
— Veja, disse que você não gostaria de saber. — Caius desliza para
baixo na areia. — Ele veio atrás de mim. Era a mim que ele queria. — diz
Caius, vejo o esforço que ele está fazendo para manter os olhos nos meus.
— Quando o Comandante soube de mim, veio me levar. Nossa mãe fez um
acordo com ele. Ela trocou você por mim.
Suas palavras são como um soco no estômago que não entendo.
— Eu disse que você não queria saber.
— Eu não acredito em você.
— Sim, você faz. Você sabe que não tenho motivos para mentir sobre
isso. Não mais.
— Diga-me. Conte-me tudo. — Minha garganta está apertada. Estou
enjoado.
— Você é um masoquista do caralho. Quantas vezes você quer que eu
repita? Ela vendeu você para me salvar.
— De. Tudo. Isso. — Eu exijo.
— Tudo isso? — Ele pergunta. Eu concordo. — OK. Tudo isso. — Ele
leva um minuto. — Ela fez um acordo com aquele bastardo, ela precisava de
um evento. Algo para colocar você e Brutus em uma posição em que teriam
que fazer um acordo.
— Nossa mãe não é uma assassina.
— Não?
Não, ela não é. É ela? Meu peito aperta, a traição torcendo meu
coração. — Por que Alexia?
— Bem, eu deveria fazer a ação, mas fiquei melindrado. Acredite ou
não, assassinato me deixa enjoado.
Eu bufo.
Ele tenta dar um sorriso arrogante, mas fica um pouco verde. — Então,
ela fez isso sabendo que você pensaria que era o pai de Alexia. Ela a
posicionou do jeito que ela fez. Escreveu o que ela queria na barriga.
Eu assisto e ouço... e não consigo respirar.
— Pronto! — Ele faz um grande gesto com o braço. — O Comandante
tinha seu executor.
Eu o encaro, tentando entender isso. — Nosso pai descobriu. — eu
digo. — É por isso a mudança no testamento. É por isso que aquela carta
enigmática.
— Seu pai. Não nosso. Mas sim. É por isso. Thiago? — Ele levanta o
pulso onde fica a pulseira. — Pulseira nova. Aquele filho da puta sabia de
tudo. Ele ia nos chantagear. Deveríamos nos encontrar no farol, mas sua
esposa apareceu.
— Você poderia tê-la machucado então. Matado-a. Você não fez. Por
que machucá-la agora?
Ele encolhe os ombros. — Era ela ou você, e como eu disse, eu não iria
perder você de novo. — Ele deve ver a confusão no meu rosto. — A fase
dois da mamãe não foi o que você pensou. Pelo menos você não sabia de
tudo. Você precisava engravidá-la. Então nós tiraríamos você do caminho.
Eu me casaria com Madelena, adotaria o garoto com sangue Augustine em
suas veias. — Ele levanta as sobrancelhas para se certificar de que estou
seguindo. — Exatamente ao pé da letra, como afirma o testamento de
Brutus Augustine. Ela o odiava no final. Você sabia disso?
Eu processo isso. Fiz de certa forma. Eu não entendia por que, mas o
relacionamento deles nos últimos anos de sua vida havia se deteriorado a
ponto de terem quartos separados e raramente ficarem juntos no mesmo
quarto.
Mas minha própria mãe? — Ela não faria isso.
Seu rosto fica muito sério, vejo algo em seus olhos que nunca vi antes.
Não no dele. Renúncia. Ele desistiu.
— Você não a conhece, Santos. Você não sabe nada sobre ela. Agora.
— ele se levanta cambaleando, começa a remexer no bolso e tira um
canivete. Ele o abre, eu o observo e me preparo para um ataque.
Exceto que não vem.
Em vez disso, ele vira a faca e a estende para eu pegá-la. Eu olho para
ele, eu entendo.
Ele espera que eu o mate e quer morrer.
— E você também não me conhece, irmão. — diz ele.
Eu olho para aquela faca novamente e a pego. Eu passo em direção a
ele. Ele respira fundo e espera pelo ataque.
Mas fecho o canivete e o enfio no bolso. Em vez disso, pego minha
arma.
— Vire-se. — eu digo a ele.
Ele olha para a arma, depois para mim, sabe que não vou matá-lo. Não
vou dar a ele o presente da morte.
— Vire-se, irmão.
Ele engole. Eu observo sua garganta trabalhar. Ele acena com a cabeça
uma vez. Ele sabe o que vou fazer? Ele deve. Ele já me viu fazer isso antes.
Todo aquele assassinato o deixa enjoado, besteira? É exatamente isso.
Besteira. E a tortura nunca o incomodou.
Ele se vira lentamente. Ele abaixa a cabeça.
Aponto a arma para a parte de trás de seu joelho direito. E eu atiro.
CAPÍTULO TRINTA E SETE
MADELENA

Um tiro perfura o silêncio pesado da capela. Padre Michael também


ouve. Eu vejo sua cabeça bater no vitral. Estou sentada no banco da frente,
enrolada em um edredom pesado. Ele está acendendo todas as velas do
altar. Quando chegamos aqui, ele me deixou na capela, trancou a porta e
desapareceu por alguns minutos para me trazer roupas secas. Não tenho
certeza de quem são, mas são cerca de três tamanhos maiores. Eu não me
importo embora. Elas estão secas.
Eu tento ficar de pé. Preciso chegar a Santos, mas minhas costelas
doem.
— Ele pode se machucar. — eu digo. — Temos que ajudá-lo.
Ele balança a cabeça, segura minhas mãos enquanto se agacha diante
de mim. Estou tremendo, embora não esteja frio aqui, não sei se vou sentir
calor novamente.
Ainda posso ouvir o eco da água, ouvir meu grito sob a superfície.
Sinta meu terror enquanto Caius me segurava, enquanto me afogava.
— Santos sabe se cuidar, Madelena.
— Caius…
Ele balança a cabeça. — Shh. Seu bebê já está estressado.
O bebê sobreviveu? Eu não sinto nada. Mas nunca senti nada.
Uma eternidade depois, alguém tenta abrir a porta trancada. Observo
o padre Michael correr pelo corredor em direção a ela enquanto ouço a voz
de Santos.
— Sou eu. Padre Michael. Deixe-me entrar. — ele grita, sacudindo as
portas.
O alívio traz novas lágrimas escorrendo pelo meu rosto, eu me levanto
e deixo o edredom cair de meus ombros quando a porta é destrancada e
Santos entra na capela. Ele para por um momento, apenas um momento,
olha para mim e então ele está ao meu lado, me pegando em seus braços,
sentando comigo em seu colo e me embalando. Eu me agarro a ele, beijo
sua bochecha e então enterro meu rosto em seu pescoço.
— Eu confiei nele. — Santos diz em meu ouvido.
— Ele está... Você? — Eu olho para ele, vejo o respingo de sangue em
sua camisa.
Ele olha para mim, então se levanta comigo em seus braços. —
Precisamos levá-la a um médico. — Ele e o padre Michael trocam um olhar,
Santos me carrega para fora da capela. Ele me coloca no lado do passageiro
do SUV e se vira para o padre Michael.
— Vou enviar algumas pessoas, mas precisamos mover os coisas. —
diz Santos.
— Eu vou cuidar disso. — diz o padre Michael, me surpreendendo,
fazendo-me pensar novamente sobre seu passado.
— Val era um amigo. — diz Santos.
— Eu sei. — O padre segura os ombros de Santos, tira algo do bolso e
coloca nas mãos de Santos.
— Eu não quero isso. — diz Santos.
Padre Michael fecha as mãos sobre o que quer que seja. — Você
testemunhou um milagre hoje. — Ele olha para mim. — Você sabe disso.
Santos está quieto.
— Vá. Cuide de sua esposa.
Santos assente. Eles se abraçam, um momento depois, ele fecha
minha porta e sobe no banco do motorista enquanto enfia a coisa que o
padre Michael lhe deu no bolso.
É um rosário.
CAPÍTULO TRINTA E OITO
SANTOS

Envio soldados à casa de Augustine para proteger o apartamento e


garantir que minha mãe fique parada até eu chegar lá.
Quando chegamos ao estacionamento do pequeno prédio que abriga
o consultório da Dra. Moore, três SUVs estão estacionados no
estacionamento, cada um com dois soldados dentro. Quando paramos, eles
saem de seus veículos e esperam.
A Dra. Moore abre a porta e olha ansiosamente para os homens. Ela
cancelou seus primeiros compromissos para nos ver quando liguei e
expliquei que era uma emergência.
Eu sei que ela sabe quem eu sou, o que eu faço. Então, quando ela vê
o estado em que nós dois estávamos quando chegamos ao consultório dela,
ela não faz nenhuma pergunta, mas nos leva para a mesma sala de exame
da última vez.
— Estou bem. Estou bem. — Madelena insiste como médica e eu a
ajudo a tirar a roupa, ela a examina. Vejo os hematomas por todo o corpo
dela e conheço a dor de costelas quebradas. — Mas o bebê.
A Dra. Moore não parece convencida de que ela está bem. — Eu sou
um obstetra e ginecologista. Você precisa levar sua esposa a um médico de
verdade para ser examinada. — ela me diz.
— Eu vou. O bebê.
A Dra. Moore assente. Meu telefone toca enquanto a observo arrumar
os estribos e preparar a sonda.
— Sim? — Eu respondo, virando as costas para as mulheres.
— Senhor, ela se foi. Eu tenho Cummings aqui e a garota. Ana.
— Perdida?
— O soldado disse que ela saiu logo depois de você.
— Santos? — pergunta Madelena.
— Mantenha-os aí. Eu venho em breve. — Desligo a ligação e volto
para minha esposa. Desta vez, quando pego a mão dela, ela segura a minha
e também olha para o monitor comigo. Meu coração está acelerado e tenho
certeza que ela pode ver a ansiedade em meu rosto.
— Aqui vamos nós. — diz a Dra. Moore e insere a sonda. Prendo a
respiração. Acho que Madelena está segurando a dela também. Mas em um
instante, aquele batimento cardíaco acelerado preenche a sala. A expiração
de Madelena coincide com a minha. Quando mergulho minha cabeça em
seu pescoço, ela o envolve com a mão e me segura para si mesma, porque o
peso disso e o alívio são quase insuportáveis. E eu estou grato pra caralho.
— Ela está bem. — Madelena me diz. — Ela está bem. — Ela está me
confortando para variar.
— Ela? — Dra. Moore diz, tentando aliviar o clima.
Eu levanto minha cabeça e minhas sobrancelhas. Madelena se vira
para a Dra. Moore e dá de ombros. — É só um sentimento.
A médica sorri também. — Bem, você pode descobrir em mais
algumas semanas, se quiser. — Ela guarda a sonda e tira as luvas.
Madelena toca meu rosto e eu forço um sorriso, mas ela vê o esforço
que isso exige de mim. Porque isso não acabou.
— Você precisa de um encaminhamento para um bom médico nas
proximidades? — Dra. Moore pergunta.
— Sim, na verdade. — eu digo, de pé. Porque não confio em ninguém
na Avarice.
— Vou te dar um cartão. — Ela olha para nós dois, sorri e sai.
Madelena vira-se para mim. — Caius?
— Caius nunca mais se aproximará de você.
Sei que ela quer perguntar o que isso significa, mas eu a ajudo a se
levantar, ajudo-a a se vestir com as roupas horríveis fornecidas pelo padre
Michael.
— Vamos para casa. Vou mandar o médico vir vê-la lá.
Ela acena com a cabeça, depois de pegar o cartão da Dra. Moore,
saímos para o estacionamento. Madelena recolhe a coleção de soldados.
Enviei o dobro do número e uma faxineira para Hells Bells. Ter policiais
mortos envolvidos vai complicar as coisas, mas entre minhas conexões e as
do Padre Michael, vamos resolver isso.
O fato de Val ter ido embora me atinge enquanto a ajudo a entrar no
SUV, mas deixo o pensamento de lado por enquanto. Ainda não é hora de
lamentar os mortos. Ele virá, mas ainda não.
— O que aconteceu? O que foi aquela ligação? — Madelena pergunta
enquanto subo para o lado do motorista e vamos para casa.
— Nada.
— Não é nada.
Eu mantenho meus olhos na estrada e sinto os dela queimando em
mim. Ela tem perguntas, mas ainda não estou pronto para respondê-las.
— Santos. — Ela toca minha mão e eu me viro para ela. — Quase
morri hoje. Quase perdemos o bebê. Talvez eu quase tenha perdido você.
Por favor, fale comigo. Sem segredos.
Eu cerro os dentes, mas ela está certa. — Minha mãe. Isso tudo
começou com ela anos atrás. Mais de uma década atrás.
— Sua mãe?
— E meu irmão. Em uma medida diferente. Mas culpado é culpado.
— Qual foi a ligação?
— Ela se foi.
— Fugiu?
Concordo com a cabeça, respiro fundo e expiro. — Eu irei para
Augustine mais tarde. Entender. — Paramos em um semáforo e eu me viro
para ela, toco sua bochecha. — Deixe-me cuidar de você primeiro. —
Balanço a cabeça, puxo-a para mim e beijo sua testa. — Eu pensei que tinha
perdido você.
— Você não fez. — Uma lágrima rola por sua bochecha. — Estou aqui.
Nós dois estamos aqui.
Eu concordo.
— Seu irmão. Você vai ficar bem?
— Eu tenho que estar. Te amo, querida. Eu te amo muito. Você sabe
disso, certo? — Ela sorri, olha para mim com tanto calor que é quase difícil
olhar para ela. — Eu não mereço você.
— Eu também te amo, Santos. E eu estou aqui com você. Não estamos
mais sozinhos. Nenhum de nós.
O carro atrás de nós buzina.
Madelena olha para trás, em seguida, mostra o dedo do meio para ele,
o que me faz rir. Caius estava certo sobre ela. Ela é dura como pregos.
Quando chegamos em casa, preparo um banho quente para ela
enquanto a cozinheira prepara uma refeição quente. Dou banho nela, tomo
banho sozinho e a ajudo a comer um pouco antes da chegada do médico. Eu
fico na sala enquanto ele a examina. Ela vai se curar, mas vai levar tempo e
ela está exausta quando ele sai. Deito-a na cama e deito ao seu lado.
— Você vai, não é? Quando eu adormecer. — ela diz enquanto eu a
seguro para mim.
Estou totalmente vestido, então é bem óbvio, eu acho. — Estarei aqui
quando você acordar e coloquei dois homens na porta, mais por toda a casa
e do lado de fora. Você estará segura.
— Eu sei. Só não quero que você vá.
— Eu tenho que ir.
— Eu sei disso também. — Suas pálpebras se fecham. — Posso dormir
por dias.
Beijo sua testa e nem sequer tenho a chance de responder antes que
ela caia no sono.
Cummings está suando, ele está tão ansioso. Ana, por outro lado, está
parada calmamente perto das janelas, os braços cruzados sobre o peito,
olhos semicerrados enquanto me estuda. Ela está emoldurada pela luz do
sol na janela do chão ao teto da sala de estar. Eu me pergunto sobre ela. Ela
me lembra um pouco a Camilla.
— Então ela não disse a você para onde estava indo? — Pergunto a
Cummings novamente.
— Ela nem me disse que estava indo. Acordei e ela se foi. Isso é tudo.
Posso ir? Estou atrasado em meus compromissos.
— Claro. — digo a ele porque não acho que ele saiba de alguma coisa.
Acho que mamãe o usou.
Ele se levanta, ajusta o paletó.
Eu me aproximo dele. — Se você ouvir dela, eu adoraria saber. Você
me entende?
Ele pigarreia, o rosto corado de nervoso. — Claro.
— Bom. Eu odiaria estar em lados opostos, Dr. Cummings.
— Entendido.
Faço um gesto para o soldado que está por perto para deixá-lo sair e
me viro para Ana.
Ela inclina a cabeça, deixa seu olhar se mover sobre mim. Um canto de
sua boca se levanta sugestivamente. Ela não acha que estou remotamente
atraído por ela, acha?
— Sente-se. — digo a ela, apontando para o sofá.
— Seu irmão também gosta de dar ordens. Deve correr na família. —
Ela se senta e eu apenas a observo, confuso.
— Achei que você e Caius tivessem terminado.
Ela dá de ombros. — Foi temporário.
— Foi isso?
Ela põe a unha do polegar na boca e vejo como ela é jovem. Ela tem a
idade de Madelena , mas é uma pessoa muito diferente.
— Ele não vai voltar. Ele nunca mais voltará para Avarice. Você
entende isso, não é?
— Por que não?
Eu ignoro a pergunta dela. Eu sei que ela era apenas um peão, alguém
que Caius e minha mãe usaram. — Você deveria ir para casa, Ana. Esqueça-
o. E esqueça minha esposa. Não quero que você a perturbe.
— Porque ela está grávida.
Não confirmo nem nego.
— Ele está morto? — ela pergunta.
— Não, ele não está morto. Mas se ele mostrar sua cara aqui, ele
estatá. Há uma coisa, no entanto. Se minha mãe ou Caius tiverem contato
com você, você me avisará. Assim como o Dr. Cummings. Você entende?
— Por quê?
— Isso não importa. O que importa é que você me entenda. Você?
Ela acena com a cabeça.
— Bom. Você precisa de uma carona para casa?
Ela balança a cabeça. — Preciso pegar minhas coisas. — diz ela,
levantando-se e dando um passo em direção ao quarto de Caius.
Estendi o braço para detê-la. — Vou mandá-las para você. Meus
homens a acompanharão. Eu não quero ver você de volta aqui em um futuro
próximo, fui claro?
— É isso que Madelena quer?
— É o que eu quero. Estamos claros, Ana?
— Sim.
— Bom. Vá.
O soldado a escolta para fora, eu me viro e ando pelo corredor vazio
em direção ao escritório. Eu já examinei isso. Não há nada aqui. Nenhuma
nota, nenhuma carta. Nada. O quarto de Caius também estava vazio.
Não é com Caius que estou preocupado. Ele não vai voltar. Não há
nada para ele aqui exceto inimigos. Minha mãe é uma história diferente.
Sento-me atrás da mesa, vejo o copo vazio manchado de batom. Ela é uma
mulher diferente do que eu pensava, e vou alcançá-la. Ela e eu temos uma
coisa em comum. Nós dois temos memórias longas, não vou esquecer tão
cedo o que ela fez.
Por enquanto, porém, dou uma última olhada ao redor e me levanto
para ir para casa, para minha esposa.
CAPÍTULO TRINTA E NOVE
SANTOS
TRÊS MESES DEPOIS

Leva três longos meses para localizar minha mãe. Nesse tempo, não
ouço nada do meu irmão. Ele desapareceu, como eu esperava. Ele pode
lamber suas feridas e fazer o que for preciso, desde que não o envolva se
aproximar de minha esposa, minha família.
Val deveria estar comigo quando saio do SUV do lado de fora da casa
indefinida nos arredores de uma cidade esquecível no meio da Flórida. Eu
olho em volta, pensando em como isso é diferente da minha mãe.
Não que tenha sido aqui que a encontrei. Não. Ela estava em Mônaco
vivendo uma vida que ela havia se acostumado com meu pai. Ela só chegou
aqui, escoltada, duas noites atrás.
O céu está nublado, as nuvens pesadas e o calor desconfortável. Eu
fico em um pôr do sol que pode ser bonito em qualquer lugar, menos aqui e
ouço a cadência constante do que soa como mil cigarras. À minha frente
está a casa em que minha mãe cresceu. A própria casa está enterrada por
um matagal de árvores, arbustos e ervas daninhas. Era uma vez, pode ter
sido aninhada na folhagem, mas agora está velha e muito cansada.
É cercada por três acres, a maioria dos quais é um pântano inutilizável,
tenho a sensação de querer ir embora, antes mesmo de colocar os pés lá
dentro. Posso imaginar o desespero de minha mãe crescendo aqui.
Sentindo-se presa aqui.
Eu nunca soube nada sobre meus avós por parte de mãe. Eles estavam
mortos e minha mãe não tinha um bom relacionamento com eles quando
estavam vivos. Ela os apoiou é tudo que eu sabia, ou tudo que me disseram.
Mas não tenho certeza se muito do que sei sobre minha mãe é verdade.
Trazê-la de volta para esta casa é um castigo cruel, mas é melhor do
que ela merece. Esta é a minha misericórdia, embora eu duvide que ela veja
isso como tal. Meu pai comprou a casa no ano em que se casou com minha
mãe. Eu não tinha percebido o significado disso quando estávamos
examinando suas propriedades após sua morte. Não sei se minha mãe sabia
que ele tinha feito isso porque os soldados que a escoltaram de volta me
contaram sobre sua surpresa quando ela percebeu para onde estava sendo
levada.
Um segundo carro para na entrada ao lado do meu. O motorista sai,
cumprimenta com um aceno de cabeça e abre o banco de trás para pegar
uma bolsa preta. Eu ando em direção à porta da frente, ele me segue. Os
dois homens parados na porta me cumprimentam e abrem para me deixar
entrar. O homem segue, absorve o espaço, a mulher sentada no velho sofá
no meio da sala empoeirada e abandonada e se recosta nas sombras para
esperar suas ordens.
Eu observo a casa velha, sinto o cheiro antigo. Os trabalhadores
começarão a trabalhar no interior em breve, embora não seja nada como
minha mãe está acostumada. Eles já começaram no exterior. É inabitável
como está.
Os olhos de minha mãe estão fixos nos meus quando volto meu olhar
para ela. Como de costume, ela é ilegível.
Eu me aproximo dela, levantando uma cadeira da velha mesa de
jantar, colocando-a a alguns metros dela e sentando-me.
Seu olhar cauteloso se move por cima do meu ombro para o homem
com a bolsa antes de se fixar em mim, e é como se ela fosse uma estranha,
como se eu não conhecesse essa mulher.
— Mãe. Eu tive um inferno de tempo rastreando você.
Ela lança um olhar desdenhoso para os dois homens atrás dela. — Não
gosto de ser sequestrada e trazida aqui contra minha vontade por meu
próprio filho.
Eu expiro, achando difícil impedir minhas mãos de cerrar, minha boca
de jorrar acusação após acusação.
— Eu não me importo muito com o que você aprecia. Eu sei o que
você fez, e este é o seu castigo. — As palavras de meu pai, repetidas em
minha própria voz; meu coração, torcendo dentro do meu peito. — Foi você
o tempo todo. Você que começou tudo.
Ela tem a graça de baixar os cílios por um instante. Mas talvez eu
esteja dando muito crédito a ela. Talvez seja justamente o momento em que
ela precisa reunir suas defesas, preparar sua negação.
Mas, para seu crédito, quando ela abre a boca, não é para negar. —
Não tive escolha, Santos. Era você ou Caius.
— Isso em si é uma escolha.
— Então você preferia que eu o deixasse levar Caius?
— Você se ouve? Como você justifica a venda de um filho em
detrimento de outro?
Seu olhar vacila momentaneamente, apenas momentaneamente. —
Você teve seu pai. Quem Caius teve além de mim?
— Eu também sou seu filho. — eu digo, as palavras saindo mais
quebradas do que com raiva porque eu sinto o peso de sua traição tão
agudamente, é como sal em uma ferida aberta.
Ela cruza os braços sobre o peito e se recosta na cadeira. — O que
você quer de mim? Uma desculpa? Tudo bem. Lamento ter de fazer uma
escolha impossível. Mas olhe para você agora. Veja até onde você chegou.
Abro a boca, mas estou sem palavras. — Você sente algum remorso
por alguma coisa? — Eu finalmente pergunto.
— Por que eu deveria? Eu salvei um filho. Eu só poderia salvar um
filho.
— Alexia. Nossa criança. Foi você.
Sua mandíbula aperta. Vejo uma gota de suor em seu couro cabeludo,
mas quando ela fala há um toque de desgosto em suas palavras, pelo menos
na primeira parte. — Seu irmão não aguentou o pensamento. Eu tive que
intervir. Eu o salvei do Comandante. Você gostaria que fosse ele e não você?
— Não se atreva a mudar isso.
— Ele não merecia o que você fez com ele.
— Ele afogou minha esposa. Ele merecia pior. Papai descobriu. Foi por
isso que ele cortou você e Caius.
— Ele descobriu que Caius era filho do Comandante e que eu tinha
feito um acordo com ele para negociar com você.
— Diga-me, por que Alexia. Por que simplesmente não me mandar até
ele se você estava tão desesperado para salvar Caius?
— Você acha que seu pai teria permitido que você, seu amado
herdeiro, seu filho nascido de sangue, partisse? Eu não poderia deixá-lo com
uma escolha. Alexia foi um dano colateral.
— Alexia era um ser humano! Assim como nosso filho! E o jeito... —
Levo um minuto para continuar, para encontrar as palavras. — O jeito que
você a colocou para eu encontrar. Por quê?
— Eu precisava de você com raiva. Sabia que você pensaria que era o
pai dela. Eu sabia que você se culparia e iria atrás dele, sabia que era a única
maneira de salvar um de vocês.
— Não finja nem por um segundo que você pensou em me salvar, que
até ocorreu a você que você estaria me enviando, seu outro filho, devo te
lembrar, para aquele monstro.
Ela abre a boca, fecha-a novamente, pela primeira vez, parece
castigada. Não arrependida embora. Ela passou muitos anos justificando seu
crime para si mesma.
Eu me levanto. — Nós terminamos aqui. Não suporto olhar para você
nem mais um minuto.
Ela olha para o homem com a bolsa que sai das sombras. Recoloco a
cadeira na mesa de jantar, que fica a apenas alguns passos de distância
porque a casa é muito pequena.
— O que você quer dizer com nós terminamos? — ela pergunta,
olhando para aquele homem enquanto ela se levanta. Um dos soldados
atrás dela coloca sua grande mão em seu ombro, mantendo-a sentada.
— Quero dizer que você e eu terminamos. Mas sua punição apenas
começou. — Isso não me traz nenhuma alegria. Não que eu esperasse. Não,
parece que aconteceu quando eu machuquei os inocentes, mesmo sabendo
que ela está tão longe de ser inocente quanto qualquer um pode ser.
Inferno, ela é o catalisador de tudo.
— E o que é isso, filho? — ela pergunta, com os dentes cerrados
enquanto tenta parecer zangada e não assustada.
— Você vai morar aqui, na casa da qual você estava tão desesperada
para escapar.
— É inabitável...
— Os reparos começaram. Você terá o mínimo. Você estará sob
guarda constante. Você estará sozinha.
— Prisão.
— E ninguém saberá onde você está.
Nisso ela engole. — Você não pode fazer isso. Você não vai.
— Eu posso. Eu vou.
— Quanto tempo?
— Para o resto da sua vida. Eu pensei que era autoexplicativo.
— Santos, eu…
— Eu não terminei. — Eu aceno para o homem com a bolsa. Ele o
coloca na mesinha de centro, espalhando partículas de poeira no ar. Ele abre
o zíper, eu sei que ela precisa de tudo para não espiar, porque uma mochila
preta nunca é um bom sinal, não é?
Espero até que ela encontre meus olhos novamente para falar.
— Você é uma coisa conivente e rastejante. Uma cobra. Embora uma
cobra esteja agindo apenas no instinto de sobreviver. Uma cobra não é má.
— eu digo, me sentindo mal pelas palavras. — Você machucou tantos, levou
muito. Até Caius, você o danificou além do reparo.
— Eu...
Balanço a cabeça e ela se acalma. — Mas você ainda é minha mãe. E
ainda sou misericordioso, apesar do Comandante. — Eu me viro para o
homem. — Eu a quero nocauteada durante o procedimento. Certifique-se
de que há antibióticos. Eu não quero infecção. Mas sem analgésicos.
Entendido?
— Sim, senhor.
— Santos! — Minha mãe está de pé, a mão em seu ombro é a única
coisa que a segura.
Eu me viro para ela.
— O que você vai fazer?
— Você usará a língua de uma serpente. Por todas as mentiras que
você contou, por todos os danos que você causou.
Ela empalidece, mas espera. Eu não terminei e ela sabe disso.
— E você perderá a mão que começou isso.
— O quê... o quê?
Dou um passo em direção a ela, mas descubro que não quero ficar
muito perto. — Mas você vai viver. Não como tantos outros que morreram
há muito tempo.
Seu rosto perde o que resta de sua cor.
— Essa é a minha misericórdia. É mais do que você merece.
— Por favor...
— Foi o que aprendi todos esses anos. Olho por olho, dente por dente.
Mas como eu disse, você é minha mãe, e talvez nessa sua mente distorcida,
você pensou que estava fazendo a coisa certa. Vou me esforçar muito para
acreditar nisso.
— Santos, não pode.
Não consigo olhar para ela nem mais um minuto, porque quanto mais
o faço, mais sujo me sinto.
— Adeus, mãe.
— Não! Espere!
Mas eu não paro. Viro as costas para minha mãe quando ela chama
por mim, em pânico, e saio daquela casa. Eu quero correr, para ficar longe
dela. A partir dele. Eu quero queimar minhas roupas e esfregar minha pele e
esquecer este dia. Decido fazer exatamente isso, mesmo quando seu grito
perfura minha orelha muito depois de fechar a porta, muito depois de estar
a quilômetros de distância. Muito tempo depois de deixar a doença que é
minha mãe para trás para sempre.
Juro que não importa o que aconteça, não deixarei meus filhos e filhas
conhecerem o sangue que nos mancha a todos, que nos suja, que nos trás
feiura.
Juro mantê-los inocentes, mantê-los bons.
Como Madelena é inocente, é boa.
E eu volto para casa, para ela. Para minha salvação.
EPÍLOGO
MADELENA

É um dia quente e estou sentada do lado de fora em uma das cadeiras


do pátio, bebendo limonada em um copo alto e observando os operários
encherem a piscina. Odin está sentado na cadeira ao lado da minha, com os
óculos escuros no lugar, observando um homem em particular. Santos está
em viagem de negócios, embora a palavra negócios seja usada de forma
bastante vaga, estou aprendendo com ele. Eu me pergunto se ele encontrou
sua mãe.
Inclino meus óculos escuros para cima e olho para meu irmão. — Eu
pensei que você estava em um relacionamento. — eu digo a ele.
Odin saiu algumas semanas atrás, quando nosso pai decidiu que era
hora de ele se estabelecer. Odin concordou de todo o coração e anunciou
que iria se estabelecer com Rick - não exatamente o que nosso pai quis
dizer, mas não importa. Ele vai superar isso. Além disso, o pior que ele pode
fazer é cortar Odin de sua vida e de seu testamento. O primeiro não
importa, e o último não acontecerá. Se ele eliminar Odin, para quem ele
deixará a fortuna De Léon? Eu não. E certamente não uma instituição de
caridade. Ele é muito ganancioso para isso.
Além disso, quando mencionei o que o tio Jax tinha guardado, ele
encolheu o rabo como o covarde que é. Quase não o vemos.
Odin olha para mim. — Pensei que você fosse casada.
Eu empurro meus óculos de sol de volta para baixo.
Odin ficou mais forte nos últimos meses. Menos medo de nosso pai.
Acho que Santos deve agradecer por isso, mas não porque o ajudou
voluntariamente. Mais porque forçou Odin a se tornar o homem que é
agora.
— Eu vejo você olhando também, a propósito. Você não está
enganando ninguém com esses óculos enormes.
Bebo o último gole da minha limonada e sorrio, colocando a mão na
minha barriga redonda para sentir o bebê dar uma cambalhota.
— Nunca vou me acostumar a ver isso. — diz Odin, parecendo um
pouco assustado.
— Nunca se acostuma a ver o quê? — Santos pergunta. Eu olho para
ele. Ele acabou de tomar banho, o cabelo ainda molhado. Acho que ele
tomou banho antes de sair para nos ver.
— Quando é que voltou?
— Apenas vinte minutos atrás. Queria tirar a sujeira.
Sujeira. Eu não empurro.
Ele se inclina sobre minha cadeira para me beijar na boca e ergue as
sobrancelhas ao perceber o movimento sob o tecido fino do meu vestido.
Observo meu marido, que hoje em dia está com o cabelo um pouco
mais grisalho. Cujos olhos, embora acostumados ao riso, ainda carregam
dentro de si a sombra do passado. Mas comigo, é quase como se ele se
apegasse à luz, como se ele tivesse a luz não importa o que acontecesse.
— Estou fora, mana. — Odin diz e se levanta. — Você vem amanhã?
Eu levanto meus óculos para cima e olho para ele. — Sim. Eu estarei lá.
— Odin e Rick se mudaram para a casa do tio Jax há algumas semanas e
acabaram de começar a reforma. Transferi o título para o nome dele e
entreguei as chaves e não poderia estar mais feliz com isso. Não parecia
certo vender o lugar, mas eu nunca moraria nele. Além disso, eu amo esta
casa. Percebo que não é a Avarice que muda o Santos. É a família dele, a
ausência deles faz toda a diferença.
— Vejo você. — Ele aperta a mão de Santos. Os dois estão em termos
um pouco mais amigáveis nos dias de hoje.
Assim que ele sai, Santos se senta na cadeira ao lado da minha, de
frente para mim.
— Então. Se divertindo enquanto estou fora? — Ele pergunta,
apontando para um dos homens.
— Ele é muito jovem para mim. Prefiro os velhos. — digo a ele,
levantando-me para sentar em seu colo. — Como você.
— Velho, hein? — Ele me beija e o bebê dá uma cambalhota.
— Uau. — eu digo.
— Ela é ativa. — acrescenta. Eu tinha razão. Ela é uma garota.
— Encontrou o que procurava? — Eu pergunto, incapaz de não fazê-lo,
embora sem vontade de abrir mão da facilidade do momento.
Ele me contou o que fez com Caius naquela praia. Disse-me que o
deixou vivo. Fico feliz por isso porque não quero que ele tenha o sangue de
seu irmão em suas mãos. Caius merecia ser punido, sem dúvida, mas
também foi manipulado, de certa forma, os irmãos sim se amam.
Santos considera minha pergunta por um longo minuto. — Encontrei o
que precisava encontrar. — diz ele, enigmático. Algo em seus olhos me diz
para não pressionar por mais.
Evelyn Augustine desapareceu na noite em que Caius me emboscou
em Hells Bells. Ninguém ouviu falar dela em três meses, embora Santos
tenha notado o pedaço de dinheiro que desapareceu com ela. Ela vinha
roubando a herança de Augustine por anos – por uma década,
provavelmente se preparando para quando seria descoberta. Não sei o
castigo que ele planejou para ela, e por mais que não queira o sangue de
Caius em suas mãos, também não quero o de sua mãe nelas.
Santos sorri, a luz voltando aos olhos. Ele olha para os trabalhadores e
se levanta, envolvendo os braços em volta de mim e segurando minha
bunda. — Sra. Augustine, você parece distraída.
— Eu, Sr. Augustine? Você esteve ocupado. Estou apenas passando o
tempo…
Ele assumiu a administração da Augustine & Donovan Media e
removeu papai do negócio. Ele também empregou Odin em uma posição de
gerenciamento. Embora Santos nunca consiga apagar seu passado, ele está
criando um futuro diferente. Um legítimo.
A família Avery está por aqui. É um aborrecimento, mas não muito
mais. Depois de tudo o que aconteceu, não me sinto ameaçada por eles.
Eles são impotentes para nos machucar, assim como Ana. Assim como Caius.
Assim como sua mãe.
— Só passando o tempo, hein? — Ele me levanta em seus braços me
fazendo gritar. — Deixe-me ajudar com isso.
— Estou muito pesada. — eu protesto enquanto ele me carrega para
dentro de casa e sobe as escadas.
— Dificilmente. — Quando chegamos ao nosso quarto, ele me levanta
e faz um trabalho rápido de me despir, demorando um longo momento para
olhar para mim, para ver minha barriga cada vez maior. O olhar em seus
olhos quando ele faz isso é tão lindo e terno que eu estendo a mão para
tocar sua bochecha.
— Você está bem? — Pergunto-lhe.
Ele muda seu olhar para o meu, seus olhos um pouco tristes. — Eu
estou perfeito quando estou com você, meu amor.
Meu amor.
Essa é nova. Mas não tenho tempo para pensar quando ele inclina a
cabeça para beijar minha boca, meu pescoço, meus seios. Ele me deita na
cama, tirando a camisa enquanto se inclina sobre mim para me beijar na
boca, tomando cuidado para não apoiar todo o seu peso em mim. Ele é
sempre protetor comigo e com o bebê, meu Santos.
Depois que ele faz amor longo e lento comigo, ficamos deitados de
lado, perdidos nos olhos um do outro, ele me beija de novo e diz essas
palavras de novo. Meu amor.
E sei que cumprimos nossos destinos, que ele e eu nos libertamos das
garras do mal e fizemos luz nas trevas. Fizemos amor onde só havia ódio.
— Eu te amo. — sussurro antes de derreter em seu abraço caloroso.
— Eu te amo. — diz ele, envolvendo seus braços grandes, poderosos e
quentes em volta de mim.

FIM

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