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APÊNDICE A – A era mercantilista e o processo de

acumulação de capitais primitivos


em branco
APÊNDICE A

A ERA MERCANTILISTA E O PROCESSO DE ACUMULAÇÃO DE CAPI-


TAIS PRIMITIVOS

Ao iniciar o século XV, muitos traços da era mercantilista encontravam-se


esboçados. A construção e o fortalecimento do Estado Moderno, elemento central na
condução da sociedade, sob o ponto de vista econômico, social e político; a constitui-
ção de uma sociedade urbana e comercial; a formação da burguesia enquanto classe
social; as alterações tecnológicas e a necessidade de ampliação dos mercados, colo-
caram em relevo esta fase.

A análise da época mercantilista deve ser situada dentro de um contexto


histórico, na qual sua expansão foi assegurada por imprimir um caráter transitório a
este período (FALCOM, 1989). É, portanto, a transição do feudalismo até a ascensão
do capitalismo que dá sentido aos elementos históricos norteadores deste período.

Trata-se de elaborar, num primeiro momento, uma conceituação para o


mercantilismo. Será utilizada a visão de Falcom, que coloca:

Do nosso próprio ponto de vista acreditamos que o mercantilismo deve ser


entendido como um conjunto de idéias e práticas econômicas que caracteri-
zaram a história econômica européia e, principalmente, a política econômica
dos Estados Modernos Europeus durante o período situado entre os séculos
XV, XVI e XVII. (FALCOM, 1989, p. 11)

Desta forma, o mesmo autor conclui sua análise conceitual acerca do mer-
cantilismo:

Concluímos assim que [...] as idéias e práticas econômicas que, durante três
séculos, estiveram sempre ligadas ao processo de transição do feudalismo
ao capitalismo e, mais particularmente aos problemas dos Estados Moder-
nos Absolutistas, e a expansão comercial e colonial européia iniciada com
as grandes navegações e descobrimentos do século XV e XVI. (FALCOM,
1989, p. 17)

Partiremos nesta trajetória histórica das transformações técnicas que pro-


moveram os grandes descobrimentos por meio das grandes navegações e que finda-
ram modificando o processo de interação dos mercados em nível mundial. Algumas
transformações tecnológicas ganharam expressão neste período, como os avanços
na cartografia, o aperfeiçoamento de instrumentos de navegação como a bússola, a
utilização das caravelas e naus (de acordo com a figura 1), entre outros, contribuíram
de forma decisiva para ampliação dos mercados.

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Fig. 01 – A Caravela.
SCHMIDT, Furley. Nova Histórica crítica. São Paulo: Nova Geração, 1999, p. 13.

A expansão ultramarina européia também foi resultado de demandas que


impulsionaram a busca de mercados como a elevação geral nos preços dos alimen-
tos – em particular o trigo –, as especiarias utilizadas como cosméticos, condimentos
e medicamentos, mas fundamentalmente as razões desta expansão estão na busca
por metais preciosos, a chamada “fome por metais preciosos” [...] “O ouro, observava
Cristóvão Colombo, é a melhor coisa do mundo, ele até pode enviar as almas ao pa-
raíso”. (BEAUD, 1987, p. 21)

Os países ibéricos foram os pioneiros neste processo, isto se deve a uma


conjunção de fatores favoráveis como as condições geográficas privilegiadas para a
navegação, os avanços na cartografia, a precoce centralização política e sua aliança
com a burguesia, se lançaram primeiramente no além mar. “Capitais, mercadorias
mais abundantes, navios e armas: eis os meios do desenvolvimento do comércio, das
descobertas, das conquistas”. (BEAUD, 1987, p. 19)

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É dentro deste processo de transformação histórica que se constituiu o
Mercantilismo, no plano das doutrinas econômicas adotadas, pode-se identificar al-
guns traços que o definem.

Primeiramente identificamos como uma das características que marcaram


este período o Metalismo que por meio da descoberta do novo mundo1 resultou num
afluxo de metais preciosos canalizados para a Europa. Os mercantilistas viam o ouro
“como os mais perfeitos instrumentos de acumulação de riqueza”. (FRANCO JÚNIOR,
1990, p. 164).

Outro mecanismo utilizado foi a Balança Comercial favorável que objeti-


vava o incremento as exportações e o desestímulo às importações. Segundo Rezen-
de: “A idéia básica mercantilista era que o volume das exportações superasse sempre
o das importações, que deveria ser o mais reduzido possível; ou seja, deveria exportar
o máximo e importar o mínimo necessário.” (REZENDE, 1991, p. 123).

Para que o mecanismo acima fosse atingido, era de fundamental impor-


tância a utilização de outro instrumento de ação: a política protecionista que visava
vedar o mercado interno às economias estrangeiras. O protecionismo garantia, de um
lado, a expansão do nascente processo de industrialização2 e de outro contribuía para
o crescimento do mercado interno por meio do setor secundário3.

E, por último, o colonialismo, mecanismo fundamental no processo de acu-


mulação de capitais gestados na Europa, na era mercantilista. Franco Júnior (1990)
aponta o mercantilismo como:

A saída natural [...] foi a do colonialismo, elemento que permitiu a articula-


ção do conjunto mercantilista. Nas colônias em que houvesse metais nobres
atingia-se de forma direta e imediata o objetivo último do mercantilismo, sa-
tisfazendo a premissa metalista. Nas colônias em que eles não existissem,
procurava-se produtos que pudessem ser revendidos a bom preço na Europa
ou trocados vantajosamente em outra região. (FRANCO JÚNIOR, 1990, p.
167)

Segundo Marx, o processo de acumulação de capitais deve-se, em grande


medida, ao saque, a pilhagem a que as colônias de exploração foram submetidas,
1
O termo Novo Mundo foi empregado a partir da incorporação das diversas regiões do mundo, que passaram a integrar o pro-
cesso de expansão comercial, são elas: Ásia, África e Américas. Todas as regiões passaram a estabelecer relações comerciais
em favor da Europa, cada área foi utilizada neste processo de acordo com sua vocação natural, quer como produtora de metais
preciosos, de gêneros tropicais, de mão-de-obra etc.

2
Para alguns autores o industrialismo faz parte do conjunto de práticas adotadas pelos estados nacionais. Ver FALCOM, Fran-
cisco. Mercantilismo e Transição. São Paulo: Brasiliense, 1989. (Coleção Tudo é História).

3
Mais detalhes sobre a expansão do setor secundário ver sobre a política econômica de Colbert, na França. HUNT, E, K. Histó-
ria do Pensamento Econômico. Lisboa: Livros Horizonte, 1990.

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que por meio do domínio formal – político e econômico – transferiram as riquezas
coloniais, e promoveram, em última instância, um amplo processo de acumulação
primitiva de capitais4.

A exploração colonial definiu uma nova divisão internacional do trabalho,


fazendo com que cada área do mundo participasse deste processo, por meio de rela-
ções comerciais em favor da Europa. As colônias deveriam ser produtoras de gêneros
que atendessem demandas européias, e neste sentido, tinham um papel formal de
economias complementares5. O exclusivo comercial garantia a relação econômica de
dominação e transferência de riquezas coloniais, na medida que, as colônias, somen-
te, poderiam comercializar com suas respectivas metrópoles6.

Conquista, pilhagem, exterminação; esta é a realidade de onde vem o afluxo


de metais preciosos para a Europa no século XVI. Mas o oceano é imenso e,
através dos tesouros reais da Espanha e de Portugal, das caixas dos merca-
dores, das contas dos banqueiros [...] chegam às mercadorias para revendê-
las com lucro. (BEAUD, 1987, p. 30)

No plano histórico concreto, tais mecanismos foram absorvidos pelos Esta-


dos Nacionais, responsáveis pela condução desta política, logo este momento históri-
co foi marcado por um forte intervencionismo estatal e protecionismo econômico.

Os principais traços desta política econômica foram assim delineados:

a) O estado deveria incrementar o bem-estar nacional ainda que em detri-


mento de seus vizinhos;

b) A riqueza da economia nacional depende do aumento de toda a popula-


ção e do aumento do volume de metais preciosos no país;

c) O comércio exterior deve ser estimulado, pois é por meio de uma balan-
ça comercial favorável que se aumenta o estoque de metais e proporciona a acumu-
lação de riquezas de um país;

d) O comércio e a indústria são mais importantes para a economia nacional


que a agricultura.

4
Ver: MARX, Karl. O Capital. L. I, Vol. II, cap. XXIV. A Chamada Acumulação Primitiva de Capital.

5
No ciclo definido por produção, circulação e consumo, as colônias tinham o papel de realizarem apenas a primeira etapa deste
ciclo: a produção, as etapas posteriores: circulação e consumo seriam realizadas na Europa, efetivando, assim, a lógica mercan-
tilista do processo de acumulação de riquezas em favor dos países mercantilistas.

6
Outros traços foram impressos às colônias como o trabalho escravo, a grande propriedade, a especialização produtiva, a pro-
dução voltada para o mercado externo, entre outros. Todos estes traços tem forte conotação econômica. Ver FRANCO JÚNIOR,
Hilário e PAN CHACON, Paulo. História Econômica Geral. São Paulo: Atlas, 1990.

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A adoção destas políticas, proporcionou um amplo processo de acumula-
ção de capitais, o incremento do comércio internacional, a intensificação da figura do
empresário, que determinava os novos processos de produção e, por fim, a organiza-
ção comercial passou a ser o centro das atividades e da vida econômica, e a riqueza,
o centro da vida social. (HUNT, 1990)

O quadro a seguir apresenta alguns exemplos de ações estatais utilizadas


por países europeus:
Quadro 01 – Ações Estatais
1 – O estabelecimento de monopólios comerciais pelo governo inglês – visava ampliar o valor das exporta-
ções e redução das importações.

2 – O governo da Inglaterra proibiu a exportação de grande parte das matérias-primas e produtos semi-aca-
bados, indispensáveis à indústria têxtil, tais como ovelhas, lã, fios e tecidos de lã.

3 – Também no caso inglês, foram adotadas medidas visando desestimular as importações. A importação de
determinadas mercadorias foi proibida e sobre outras recaiam taxas alfandegárias tão elevadas que essas
mercadorias praticamente desapareceram da pauta de exportação.

4 – Atos de navegação, promulgados pela Inglaterra em 1651 e 1660, tinham por finalidade promover a utili-
zação de navios ingleses – fabricados pela Inglaterra e tripulados por súditos da Inglaterra – no comércio de
importação e exportação.

5 – Na França, Luis XIV foi o responsável por uma longa e minuciosa legislação que tornava métodos de
produção e qualidade de produtos, obrigatórias em todas as indústrias nascentes: amplas medidas e controle
adquiriram força de lei especificando rigidamente as dimensões e o número de fios que as peças de tecidos
deveriam ter.

Fonte: Exemplos extraídos HUNT, E. K. História do Pensamento Econômico. Lisboa: Livros Horizontes, 1990, p, 42, 43.

É necessário ressaltar que os mercados e a classe capitalista em formação,


muitas vezes, encontraram no controle do Estado um obstáculo ao desenvolvimento
de suas atividade e a expansão da lucratividade. Esta tensão resulta do controle
imposto pelo Estado. Pouco a pouco esta dominação sobre a vida econômica foi se
tornando incompatível com o avanço no processo de acumulação de riquezas.

Não está exatamente claro até que ponto o pensamento mercantilista foi sin-
ceramente motivado pelo desejo de aumentar o poder do Estado ou até que
ponto foi um esforço mal disfarçado para promover os interesses especiais
dos capitalistas [...] os mercantilistas acreditavam que a melhor maneira de
promover os interesses do estado era promover políticas que aumentassem
os lucros dos mercadores-capitalistas. (HUNT, 1989, p. 43)

Beaud (1987) demonstra que todo este processo em curso promoveu a


“afirmação da burguesia” européia. A expansão das manufaturas, gradativamente,
modificou a paisagem econômica e instalou novos papéis sociais. De um lado, a re-
dução do campesinato existente na Europa fez com que, pouco a pouco, as famílias
camponesas fossem cedendo lugar a produção agrícola em escala, resultando na
concentração fundiária e na produção agrícola em termos capitalistas.
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A face mais visível deste fenômeno aparece na expropriação do campe-
sinato também denominada, segundo expressão inglesa, enclosure. O processo de
eliminação dos campos comuns por meio do cercamento de terras que passaram a
constituir propriedade privada, e provocou a substituição das lavouras por pastagens
para a produção de lã (matéria-prima da nascente indústria têxtil).

Por minha fé! essas enclosures serão nossa perda! Por causa delas paga-
mos arrendamentos cada vez mais pesados pelas nossas fazendas, e já não
encontramos terras para cultivar. Tudo é tomado para pastagens, para a cria-
ção de carneiros e gado: Tanto assim que em sete anos eu vi, num raio de
seis milhas em torno de mim, uma dúzia de charruas postas de lado; no mes-
mo lugar onde mais de quarenta pessoas tiravam seu sustento, agora um só
homem com seus rebanhos tem tudo só para ele. São esses carneiros que
fazem nossa infelicidade. Eles escorraçaram deste país a agricultura, que até
pouco tempo atrás nos fornecia todos os tipos de alimentos, ao passo que
presentemente, só há carneiros, carneiros e mais carneiros. (BEAUD, 1987,
p. 43)

Por outro lado, percebe-se que os resultados históricos da apropriação pri-


vada das terras, o forte protecionismo imprimido às manufaturas nacionais – no plano
interno – e as riquezas acumuladas com afluxo de metais, tráfico de escravos e o
saque colonial – no plano externo – produziram a outra face deste processo: a con-
centração da riqueza e da propriedade.

O resultado da era mercantilista, pôde, portanto, ser mensurado em termos


históricos como o período que criou todas as pré-condições para instalação da era
capitalista, quer pela integração dos mercados em escala mundial, quer pelas alte-
rações imprimida a Europa Ocidental definida como Acumulação Primitiva de Capital
(MARX, 1980).

Essa concepção é primitiva porque antecede a era capitalista e cria todos


os elementos capazes de gestar o salto qualitativo, com a acumulação de capitais, de
um lado, e com a expropriação e proletarização7 das massas, de outro. Têm-se, as-
sim, os elementos históricos viabilizadores da transformação histórica subseqüente:
o Capitalismo8.

7
Dentro desta concepção a proletarização tem um papel histórico importante, na medida em que transformou os produtores
autônomos – quer artesãos independentes, vinculados as corporações de ofício, ou mesmo sistemas intermediários como o
Sistema Doméstico – em assalariados.

8
Mais detalhes sobre este tema ver: VILAR, Pierre. A Acumulação Primitiva de Capital. In: Do Feudalismo ao Capitalismo.
uma discussão histórica. Org. Theo Santiago. São Paulo: Contexto, 1999.

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Como você observou, a partir de 1800 ocorreu uma intensificação do incre-
mento populacional, viabilizando, assim, a Revolução Industrial. Verificamos, portan-
to, que os séculos que precederam a Revolução Industrial e, conseqüentemente, a
implantação do capitalismo tiveram a função histórica de preparar o ambiente históri-
co, constituindo os elementos que formariam a sociedade capitalista.

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REFERÊNCIAS

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