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CSE Trabalho Individual
CSE Trabalho Individual
Naufrágio de Sewol MV
201904512
O desastre do MV Sewol fez 304 vítimas diretas, das quais 299 mortos e 5
desaparecidos (Lee et al., 2018). Dos 476 passageiros, 325 eram estudantes na escola
secundária de Danwon, sendo que 250 destes acabaram por falecer na tragédia (34 raparigas e
41 rapazes) e apenas 75 alunos sobreviveram (Yang et al., 2015; Lee et al., 2018). No geral,
172 pessoas foram salvas, sendo que 3 eram professores que acompanhavam os alunos na
visita à ilha de Jeju (Lee et al., 2018; Oh et al., 2019). Utilizando a definição de Lourenço &
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Amaro (2018) este acidente marítimo pode ser classificado como uma catástrofe de grande
escala, dado que resultou num número de mortalidades superior a 100 pessoas, para além de
que, pode ser categorizado como uma catástrofe tecnológica dado que a sua etiologia está na
ação humana, embora não haja intenção de causar dano (Everly & Lating, 2022).
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Outro estudo (Choi & Cho, 2020) que investigou o impacto após 2 anos do incidente
em pais de vítimas diretas, identificou que a maioria apresentava sintomas clínicos de
perturbação de stress pós-traumático e de luto complicado, evidenciando-se a sua vitimação
secundária (Azevedo, 2023). Esta realidade, marcada por sofrimento intenso, parece
acentuar-se devido ao facto da morte dos filhos ter sido súbita, inesperada e por ter sido
provocada pela ação do ser humano (Choi & Cho, 2020). As famílias nucleares das vítimas
apontaram mudanças significativas nos seus relacionamentos interpessoais, reportando
mudanças nos papéis sociais e uma dificuldade generalizada em falar sobre o assunto (Cho et
al., 2017). Embora se sentissem apoiados por outras famílias enlutadas, pela comunidade e
pelos sul-coreanos em geral, a alienação e o desconforto tornaram-se duráveis na adaptação à
perda dos filhos (Cho et al., 2017). É de apontar que poucos estudos abordam a saúde mental
dos sobreviventes no pós-catástrofe, talvez devido a dificuldades logísticas em reunir
participantes para os mesmos. Apesar disto foi possível reunir que 20 meses após a catástrofe
cerca de 26% de 57 alunos sobreviventes, manifestaram sintomas clínicos de PTSD (Lee et
al., 2018). Adicionalmente, através de entrevistas realizadas com 21 dos 75 alunos
sobreviventes, 31 meses após o naufrágio, identificaram-se sintomas depressivos, insónias,
fobias e comportamentos agressivos e aditivos nesta população afetada (Lee et al., 2018).
Estes dados concedem-nos uma visão da complexidade e idiossincrasias associadas ao
impacto psicológico do naufrágio do ferry, assim como, da necessidade de intervir, tanto a
longo prazo como a curto prazo. No caso dos alunos da escola secundária de Danwon, em
Ansan, cerca de metade foi aconselhada e encaminhada para psicoterapia (Oh et al., 2019), o
que nos permite compreender o forte impacto que esta tragédia teve.
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intervenção em crise prestada culminou na referenciação de cerca de metade dos estudantes
acompanhados para tratamento psicológico contínuo. No entanto, e tal como apontado por Oh
et al. (2019), uma intervenção mais imediata é importante na mitigação do impacto
psicológico provocado pelo naufrágio e na prevenção do desenvolvimento de quadros
patológicos mais graves. No que se refere às melhorias do ponto de vista psicológico, o apoio
social informal também foi apontado como importante pelas famílias das vítimas e pelos
sobreviventes. A criação de um comitê para as famílias das vítimas permitiu a partilha de
experiências de sofrimento e de adaptação à perda dos filhos, que fomentou o
estabelecimento de um clima de entreajuda e solidariedade (Cho et al., 2017). Os jovens
sobreviventes também apontaram a importância das relações de companheirismo com outros
sobreviventes para o seu bem-estar (Lee et al., 2018). Embora este recurso não constitua uma
tratamento psicológico propriamente dito, creio que face à ausência aparente de protocolos de
intervenção em crise e catástrofe com vítimas, o apoio social pode adquirir uma ferramenta
fundamental na adaptação psicológica à tragédia, especialmente considerando que o baixo
suporte social pode constituir um fator de risco pós-catástrofe (Young et al., 2001, como
citado em Azevedo, 2023). Quanto às intervenções formais disponibilizadas aos
sobreviventes, embora vários serviços de avaliação e intervenção tenham sido oferecidos,
algum desgradado foi apontado. Falhas foram referidas ao nível da avaliação psicológica
feita, que compreendeu a administração de um questionário longo numa fase de adaptação
precoce ao desastre, para além de que, a maioria do apoio oferecido aos estudantes foi em
formato de grupo, que foi alvo de insatisfação de muitos sobreviventes que preferiam um
acompanhamento individual (Lee et al., 2018). Apesar da oferta, a eficácia dos serviços de
apoio psicológico pareceram ficar aquém, sendo que 75% dos estudantes sobreviventes
apontam a necessidade de cuidados de saúde mental reforçados (Lee et al., 2018).
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mitigação dos impactos e a estimulação de um funcionamento adaptativo nos indivíduos.
Como meio para atingir estes e outros outcomes, os autores definem 5 fases do modelo. Estas
são o rapport, que integra o estabelecimento de uma conexão interpessoal entre o profissional
de socorro e a vítima; o assessment, que diz respeito à avaliação da situação e das
necessidades do indivíduo, através da escuta ativa; a prioritization, que compreende a triagem
psicológica e a necessidade de intervir com a vítima; a intervention, que se trata da atuação
em catástrofe propriamente dita, procurando-se a estabilização psicológica do indivíduo e
mobilização dos seus recursos; e por fim, a disposition, que diz respeito ao encaminhamento
do caso ou a ajuda em questões logísticas. Reconhece-se que a aplicação deste modelo nos
serviços de apoio psicológico na Coreia do Sul poderiam ser úteis. Desde já, o modelo
reconhece a importância da gestão do tempo na intervenção em catástrofe, apresentando um
modelo A-B-C na hierarquização do atendimento nestes contextos. Ao fazer-se esta
avaliação, consegue-se mobilizar a intervenção primeiramente junto de indivíduos que
apresentem um nível de disfuncionalidade mais elevado, o que permite uma maior eficácia
dos serviços. A má coordenação que caracterizou a gestão da catástrofe poderia beneficiar
deste aspeto. Ademais, este modelo oferece o que parece ter faltado nas respostas
disponibilizadas - uma verdadeira intervenção em catástrofe que procura orientar os
indivíduos numa jornada caótica e atender às suas necessidades psicológicas, através da
escuta ativa. Tal como supracitado, os serviços mostraram-se ineficazes e muitos
sobreviventes continuavam a reportar a necessidade em prolongar o apoio psicológico.
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explicada pela auto-culpabilização dos pais em procurar ajuda, antes de procurar justiça pelos
filhos (Choi & Cho, 2020). Este tipo de desafio técnico dificultou a atuação adequada junto
dos pais enlutados, sendo que a ausência de acompanhamento psicológico em catástrofe pode
ter impossibilitado uma adaptação saudável à perda e a mitigação do impacto psicossocial da
catástrofe. Para além do mais, outro obstáculo no acesso a cuidados de saúde mental
compreende as dificuldades na gestão financeira dos gastos associados a este contexto, o que
levou à desistência de acompanhamento por alguns sobreviventes (Lee et al., 2018). Torna-se
também interessante apontar, que um desafio técnico inerente ao naufrágio do MV Sewol
deve-se ao facto do incidente ter ocorrido em alto mar, o que dificultou o acesso imediato a
intervenções psicológicas em catástrofe pelas vítimas.
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IV. Referências Bibliográficas
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