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Apoio:

Este trabalho é financiado pelo CIEC - Centro de Investigação em Estudos da Criança, Instituto
de Educação, Universidade do Minho, através de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT, bolsa de
investigação referência UI/BD/154382/2022.
Enquanto eu e a professora trocávamos nossas primeiras
palavras, já pude perceber os sons animados que ecoavam do
portão. As crianças começavam a chegar para o primeiro
ensaio do coro infantil. Eram risos e gritos, anunciando a
chegada com entusiasmo. Observando-me com um olhar entre
risos, a professora Meire perguntou-me de maneira
descontraída: “Ah lá, vai começar... Tá preparado?” (Notas de
campo, 17.06.2021).
PRIMEIROS PASSOS...

“Não como se faz uma etnografia, mas do que ela pode ser feita”
(Souza, 2014, p. 50)

- Especialização em Educação Musical (2017)


- Itambé – interior do Paraná – Brasil
- Ausência da formação em Música – Licenciatura em Pedagogia
- Projeto Social Piá – Profa. Aparecida Mollo Jorge
- Alunos do curso de Música da Universidade Estadual de Maringá - UEM
A (INEVITÁVEL) ETNOGRAFIA COM CRIANÇAS

- Direito de voz das crianças e o conceito de Polifonia (James, 2007; 2009; Hanna & Lundy,
2021)
- A EC como recomendação nas pesquisas interpretativas da SI (Prout; James, 1990)
- As vozes das crianças nas pesquisas científicas
- Crítica ao modelo clássico da Etnografia (Geertz, 2009; Marchi, 2018)

Esta investigação é desenvolvida a partir de um caminho etnográfico na busca por


uma compreensão mais rica e contextualizada das dinâmicas sociais e
culturais que permeiam a vida das crianças.
Construir uma etnografia com crianças implica muito mais do
que apenas relatar eventos, fatos e dados. Trata-se de uma
história real a ser narrada. Este processo demanda não
apenas o domínio da narrativa que se almeja expor, mas
também a sensibilidade em criar caminhos, inventar atalhos,
engendrar acessos inusitados, lidar com imprevistos,
escolher imagens, desenhar lugares e compreender
momentos de silêncio.
O MODELO CLÁSSICO DA ETNOGRAFIA

O modelo clássico, inaugurado no início do século XX por antropólogos


pioneiros como Margaret Mead, Bronislaw Malinowski, Franz Boas e Alfred
Radcliffe-Brown, estabeleceu as bases da etnografia com sua ênfase na
observação participante e na compreensão aprofundada das práticas
culturais de sociedades distantes.

Necessidade de adaptar essa metodologia à investigação em contextos mais


próximos e específicos, levando à expansão do paradigma etnográfico para
além da antropologia.
O MODELO CLÁSSICO DA ETNOGRAFIA

- Transição dos estudos sociológicos na década de 20, nos Estados Unidos


(Bogdan; Biklen, 1992)
- Instigação crítica a partir do conceito de cultura como uma rede complexa de
significados, expressos por meio de símbolos e práticas sociais (Geertz, 2019)
- A descrição densa.

“Praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever


textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por diante.
Mas não são essas coisas, as técnicas e os processos determinados, que definem o
empreendimento. O que o define é o tipo de esforço intelectual que ele representa:
um risco elaborado para uma ‘descrição densa’” (Geertz, 2019, p. 4).
O MODELO CLÁSSICO DA ETNOGRAFIA

O modelo clássico de autoridade etnográfica nem sempre foi adequado para


analisar representações holísticas de povos não ocidentais, gerando críticas por
parte dos estudiosos "pós-modernos".

- Novos modelos e abordagens para conduzir etnografias, reconhecidas como


reflexivas, dialógicas ou polifônicas (Marchi, 2018).

“A discussão central e a principal mudança ocorrida se deram em torno da


questão da voz: quem e de onde se fala. Essa reflexão sobre a relação de poder
entre pesquisador e pesquisado e a consideração das diversas vozes
(polifonia) presentes no campo da pesquisa vai incidir diretamente sobre as
pesquisas etnográficas realizadas com crianças a partir da década de 90 do
século XX” (Marchi, 2018, p. 728).
A ETNOGRAFIA COM CRIANÇAS

- Convenção Internacional sobre o Direito das Crianças (CDC, 1989)


- Compreensão mais holística e autêntica das experiências e realidades infantis

Artigo 13°:

A criança tem direito à liberdade de expressão. Este direito


compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações
e ideias de toda a espécie, sem consideração de fronteiras, sob
forma oral, escrita, impressa ou artística ou por qualquer outro meio à
escolha da criança (CDC, 1989).
A ETNOGRAFIA COM CRIANÇAS

- Segundo a reflexão de Prates (2007, p. 31), “no entendimento dos teóricos da


SI, a utilização dos métodos tradicionalmente utilizados pela Psicologia do
Desenvolvimento e pela própria Sociologia eram insuficientes para dar conta
das especificidades da infância”.

- A utilização da etnografia com crianças emergiu como uma metodologia


frutífera na busca por compreender as crianças e “especialmente útil para o
estudo da infância”, permitindo “às crianças uma voz e uma participação
na produção de dados sociológicos mais diretas do que são
normalmente possíveis através de estilos de investigação experimental”
(Prout; James, 1990, p. 8-9).
ALGUNS ELEMENTOS SIGNIFICATIVOS

- Inserção reflexiva do adulto atípico no ambiente infantil (Corsaro; 2003);


- Reflexividade do investigador (Roberts, 2005; Marchi, 2018)
- Definição clara do papel do pesquisador (Grau; Walsh, 2003);
- Ativa participação das crianças no desenvolvimento da pesquisa e, principalmente, da
vigilância ético-metodológica em relação às crianças (Marchi, 2018);
- Esforço epistemológico no que diz respeito à compreensão do universo infantil (Souza,
2014; Nunes, 2017)
- A ética na relação adulto-criança (Souza, 2014);
- A importância da descrição sobre os contextos sociais das crianças (Nunes, 2017).
A ETNOGRAFIA COM CRIANÇAS E A PANDEMIA

- Limitações na escolha do campo


- O contato com o Projeto Social Piá
- Entrada no campo “virtual” e “presencial”
- As relações do pesquisador com as crianças por meio de telas
- O consentimento e assentimento virtual
- A descrição da investigação para os responsáveis
- A descrição da investigação de modo lúdico para as crianças
- O levantamento de dados sobre o perfil das crianças.
“ELES SÃO OS ARTISTAS DA CIDADE”:
quem são as crianças da investigação?

Uma abordagem multidimensional, que considera idades, gêneros, raças,


classes sociais e localização geográfica, proporciona compreensão mais
completa e contextualizada das experiências infantis dos sujeitos da pesquisa
e dialoga com os preceitos éticos.

Idades
Gênero
Raça
Classe social
Localização geográfica
Anonimato e confidencialidade
Nome Gênero Idade Etnia Classe Social

Bella Feminino 7 anos Parda Classe Média-Baixa

Mia Feminino 8 anos Parda Classe Baixa

Nina Feminino 11 anos Parda Classe Média-Baixa

Kai Feminino 12 anos Parda Classe Média-Baixa

Lua Feminino 8 anos Parda Classe Baixa

Ben Masculino 7 anos Parda Classe Média-Baixa

Luca Masculino 10 anos Parda Classe Média-Baixa

Mavi Feminino 7 anos Negra Classe Média-Baixa

Alex Masculino 12 anos Negra Classe Baixa

Jay Feminino 8 anos Parda Classe Média-Baixa

Sofi Feminino 9 anos Parda Classe Média-Baixa

Zoe Feminino 9 anos Negra Classe Baixa

Ivy Feminino 12 anos Parda Classe Baixa

Estela Feminino 11 anos Negra Classe Baixa

Maju Feminino 9 anos Parda Classe Média-Baixa

Sam Masculino 8 anos Parda Classe Média-Baixa

Lia Feminino 9 anos Negra Classe Baixa


TÉCNICAS DE PRODUÇÃO DE DADOS NA
ETNOGRAFIA COM CRIANÇAS

- Observação participante
- Descrição densa
- Compreensão da realidade do campo
- O que emerge?

Os desenhos das crianças como produção


simbólica (Sarmento, 2011)
A incorporação dos desenhos infantis como uma forma significativa de
produção de dados na etnografia com crianças revela-se como uma
estratégia valiosa e enriquecedora para compreender suas
experiências, perspectivas e expressões dentro do contexto
investigado. A importância desse mecanismo transcende a simples
captura visual, adentrando a esfera da linguagem simbólica e
emocional das crianças.

Através dos desenhos, as crianças tiveram a oportunidade de


comunicar, de maneira única e autêntica, suas percepções sobre a
prática coral e o que almejavam como o “coral dos seus sonhos”.
NOTAS FINAIS E PRÓXIMOS PASSOS...

Análise minuciosa de todos os dados coletados até o momento, incluindo as


descrições detalhadas do perfil das crianças, as reflexões sobre as técnicas de
produção de dados, a consideração ética e a abordagem não-adultocentrada na
pesquisa. Será realizado um exame cuidadoso dessas informações para identificar
padrões, tendências e insights relevantes que possam contribuir para uma
compreensão mais profunda do contexto estudado.

Além disso, os desenhos infantis serão examinados de forma aprofundada, buscando-


se compreender as percepções, emoções e narrativas das crianças por meio de sua
expressão artística. A análise integrada desses elementos permitirá uma visão mais
abrangente e significativa das experiências e vivências das crianças no contexto da
pesquisa, fornecendo subsídios importantes para a construção de conhecimento e a
formulação de conclusões fundamentadas.
POR FIM...

A descrição detalhada do perfil das crianças na etnografia com crianças desempenha


um papel crucial na compreensão holística e contextualizada de suas experiências e
práticas. Esse cuidado permite uma análise mais aprofundada das interações e
dinâmicas sociais no contexto investigado, proporcionando insights valiosos sobre
suas perspectivas e vivências. Além disso, ao adotar técnicas de produção de dados
sensíveis e éticas, respeitando a autonomia e a voz das crianças, fortalece-se uma
relação de confiança e colaboração mútua entre pesquisador e participantes.

A abordagem não-adultocentrada reconhece as crianças como agentes ativos em seu


próprio ambiente, valorizando suas contribuições e promovendo uma pesquisa mais
inclusiva e participativa. Assim, ao considerar esses aspectos, a etnografia com
crianças torna-se não apenas uma ferramenta de investigação, mas também um meio
de autoridade infantil e respeito aos direitos e dignidade das crianças.
REFERÊNCIAS
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• Sarmento, M. J. (2008). Sociologia da Infância: correntes e confluências. In: Sarmento, M. J.; Gouvea, M. C. S. Estudos da Infância: educação e
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OBRIGADO!

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