Você está na página 1de 51

NÚMERO

>>
72
conteúdo exclusivo em
www.revistapatio.com.br ANO XVIII Novembro 2014/Janeiro 2015
ISSN 2179-0248 R$ 37,00

capa
Fernando Hernández-Hernández
e Juana María Sancho-Gil
Howard Gardner e Katie Davis
José Armando Valente

ensino fundamental

entrevista
António Nóvoa

PANORAMA
Como os professores
usam as tecnologias
digitais

O futuro da sala de aula


Pátio EF72 - Capa1.indd 1 28/10/2014 15:39:05
CONTEÚDO PUBLICITÁRIO

+
SAIBA UMA INICIATIVA DA PÁTIO PARA SEUS ASSINANTES
INTELIGÊNCIAS INTELIGÊNCIAS
MÚLTIPLAS MÚLTIPLAS:
AO REDOR A TEORIA
DO MUNDO NA PRÁTICA

Howard Gardner, Jie-Qi Howard Gardner


Chen, Seana Moran e cols. 17,5x25 cm // 356p.
16x23 cm // 432p.
Assinantes da DE: R$ 79,00
DE: R$ 82,00 POR: R$ 55,30
Revista Pátio têm POR: R$ 57,40 ISBN: 9788573074130
ISBN: 9788536322513
* Promoção válida enquanto durarem os estoques.

LIVROS COM TECNOLOGIAS TRANSGRESSÃO

30% PARA TRANSFORMAR


A EDUCAÇÃO
E MUDANÇA
NA EDUCAÇÃO:
OS PROJETOS
E-BOOKS COM Juana María Sancho,
DE TRABALHO

10%
Fernando Hernández e cols.
16x23 cm // 200p.
Fernando Hernández
Formato digital
DE: R$ 56,00
DE DESCONTO POR: R$ 39,20 DE: R$ 45,60
ISBN: 9788536307091 POR: 41,04
ISBN: 9788573074406
sobre o preço de
catálogo do Grupo A
NASCIDOS NA ERA APRENDIZAGEM
para publicações
+
DIGITAL: ENTENDENDO BASEADA
indicadas no SAIBA A PRIMEIRA GERAÇÃO EM PROJETOS:
DE NATIVOS DIGITAIS EDUCAÇÃO
DIFERENCIADA
John Palfrey e Urs Gasser
PARA O SÉCULO XXI
16x23 cm // 352p.
William N. Bender
DE: R$ 69,00 17,5x25 cm // 156p.
POR: R$ 48,30
ISBN: 9788536324838 DE: R$ 49,00
POR: R$ 34,30
ensino fundamental

ISBN: 9788584290017

PENSANDO NO FUTURO LIÇÕES DA SALA


DA EDUCAÇÃO: DE AULA VIRTUAL:
Orientações UMA NOVA ESCOLA AS REALIDADES
sobre aquisição: PARA O SÉCULO XXII DO ENSINO ON-LINE

Beatriz Jarauta e Francisco Rena M. Palloff e Keith Pratt


● Os pedidos, um exemplar Imbernón (orgs.) 17,5x25cm // 212p.
de cada livro/e-book por 16x23cm // 160p.
assinatura, devem ser DE: R$ 64,00
DE: R$ 42,00 POR: R$ 44,80
feitos ao Grupo A, através POR: R$29,40 ISBN: 9788584290208
do 0800703-3444. ISBN: 9788584290109

● Os descontos valem por três


meses, até o lançamento competências modelos
do próximo número da em educação pedagógicos
Pátio, ou seja, de novembro a distância EM EDUCAÇÃO
de 2014 a janeiro de 2015. a distância
Patrícia Alejandra Behar (org.)
16x23 cm // 312p. Patrícia Alejandra Behar
● O desconto é válido e cols.
para compras feitas DE: R$ 59,00 16x23 cm // 316p.
com depósito bancário POR: R$ 41,30
ISBN: 9788565848428 DE: R$ 69,00
e cartão de crédito, POR: R$ 48,30
sem parcelamento. ISBN: 9788536316420

Pátio EF72 - Saibamais.indd 1 27/10/2014 15:29:12


Pátio EF72 - Capa3.indd 1 27/10/2014 15:28:16
06 Capa
A geração aplicativo e o superaplicativo da vida
Howard Gardner
Katie Davis

10 O que é preciso mudar e conservar na escola


Fernando Hernández-Hernández
ensino fundamental Juana María Sancho-Gil

14 A proposta da sala de aula invertida


José Armando Valente

18 Entrevista
Nada será como antes
António Nóvoa

3 Carta ao leitor
22 enfoque
4 Quadro de Avisos Uma experiência diferente e transformadora
Kieran Egan
48 recreio
25 cotidiano
Aprendizagem além das fronteiras
Rocsana Marino Denis
Maria Nazareth Guedes da Silva
Luiz Antonio Gerardi Junior

28 Educação integral com sucesso


Devanir Rodrigues de Oliveira

32 arte na escola
A arte, o eterno e o efêmero
Alberto Rodrigues dos Santos

36 CONSELHO DE CLASSE
Novas possibilidades para a ciberinfância
Patricia Alejandra Behar
Caroline Bohrer do Amaral
ANO XVIII Nº 71 ago/out 2014

40 panorama
Falha na conexão
Marcos Giesteira
Foto: Anatoliy Babiy/iStock/Thinkstock

44 curriculo vivo
Em um novo tom
Henrique Koifman
PÁTIO

PátioEF72 - 01-03.indd 1 27/10/2014 15:30:42


Coordenação Editorial Conselho Consultivo
e Jornalista Responsável Ana Rosa Abreu (SP)
Priscila Zigunovas — MTB 16476 Andrea Cecilia Ramal (RJ)
(pzigunovas@grupoa.com.br) Augusto Silva Triviños (RS)
Beatriz Vargas Dorneles (RS)
Comissão Editorial Elvira Lima (SP)
Adriane Kiperman Estela Kaufman Fainguelernt
Beatriz Vargas Dorneles
Maria Lúcia Badejo
(Sociedade Brasileira de Educação)
Evelyn Berg Ioschpe (Instituto Arte na
ensinoFUNDAMENTAL
ENSINO fundamental Escola)
Edição João Batista Araújo e Oliveira (MG)
Maria Lúcia Badejo — Badejo Comunicação José Armando Valente (SP)
José Juvêncio Barbosa (FDE)
Capa e Projeto Gráfico Katia Stocco Smole (SP)
Tatiana Sperhacke — TAT Studio Léa da Cruz Fagundes (RS)
Lino de Macedo (SP)
Diagramação e Editoração Gráfica Lourdes Atié (RJ)
Uma publicação trimestral Ethel Kawa — Eska Design Maria da Graça Souza Horn (RS)
do Grupo A Educação S.A. Maria Teresa Eglér Mantoan (SP)
Ano XVIII Nº 72 Colaboradores (neste número) Maria Thereza Marcílio (BA)
Novembro 2014/Janeiro 2015 Alberto Rodrigues dos Santos Marta Kohl de Oliveira (SP)
Impresso no Brasil António Nóvoa Michèle Sato (MT)
Grupo A Educação S.A. Caroline Bohrer do Amaral Moacir Gadotti (SP)
Devanir Rodrigues de Oliveira Nilson José Machado (SP)
Fernando Hernández-Hernández Paulo Périssé (BA)
Howard Gardner Rosa Iavelberg (SP)
José Armando Valente Tânia Maria Baibich (PR)
Juana María Sancho-Gil Vital Didonet (DF)
Para anunciar, contate: Katie Davis Yves de La Taille (SP)
publicidade@grupoa.com.br Kieran Egan Zélia Cavalcanti (SP)
Luiz Antonio Gerardi Junior
e receba informações sobre Maria Nazareth Guedes da Silva Conselho Internacional
formatos, preços, prazos e Patricia Alejandra Behar Alicia Fernández (Argentina)
o que mais lhe interessar. Rocsana Marino Denis Ana Teberosky (Espanha)
Andy Hargreaves (Canadá)
Fone: 0800703-3444 Reportagem (neste número) António Nóvoa (Portugal)
Fax: (51) 3027-7070 Henrique Koifman Bernard Charlot (França)
Marcos Giesteira César Coll (Espanha)
Fernando Hernández (Espanha)
Atendimento ao Assinante Tradução Isabel Alarcão (Portugal)
patio@grupoa.com.br Daniel Bueno Jésus-Nicásio García (Espanha)
Juliana Padilha José Gimeno Sacristán (Espanha)
SAC 0800703-3444 Josette Jolibert (Chile)
Revisão Juan Delval (Espanha)
Elisângela Rosa dos Santos Juan Ignacio Pozo (Espanha)
Juana María Sancho (Espanha)
Assistente editorial Mario Carretero (Argentina)
Paola Araújo de Oliveira Peter Lucas (Estados Unidos)
Peter McLaren (Estados Unidos)
Foto de Capa Philippe Perrenoud (Suíça)
scyther5/iStock/Thinkstock Rosa María Torres (Equador)
Séraphin Alava (França)
Grupo A Educação S.A. Ilustração Terezinha Nunes (Inglaterra))
Av. Jerônimo Ornelas, 670 Sérgio dos Santos Júnior
90040-340 Porto Alegre, RS
Fone: (51) 3027-7000 Charge
Fax: (51) 3027-7070 Juliano Trentin
www.grupoa.com.br
Impressão
Gráfica Editora Pallotti


http://twitter.com/revistas_patio http://www.facebook.com/revistaspatio

Critérios para
o recebimento ● Os artigos deverão ser inéditos.
de artigos ● Os originais não serão devolvidos.
● Os artigos serão previamente submetidos à avaliação da comissão editorial e,
quando aceitos, serão publicados de acordo com a programação da revista.
● Os artigos deverão ser enviados em arquivo Word, com extensão de no máximo
10 mil caracteres com espaços, para: redacaopatio@grupoa.com.br

A revista não se responsabiliza por opiniões expressas em artigos assinados.

PátioEF72 - 01-03.indd 2 27/10/2014 15:30:42


CARTA
AO

Foto: Prykhodov/iStock/Thinkstock
LEITOR

Sem limites
para aprender
sala de aula como um espaço físico Complementando esse olhar, o professor José

A
delimitado e alunos sentados em Armando Valente, da Universidade Estadual de
fila está com os dias contados. Esse Campinas (Unicamp), aborda a aprendizagem ativa
modelo de classe, tendo o quadro e o uso de ações pedagógicas inovadoras, enquanto
e o professor como centro das aten- o canadense Kieran Egan apresenta o programa
ções, não atende mais às demandas Aprendizagem em Profundidade, que leva os alunos
da geração atual e tornou-se ultrapassado a se tornarem experts em algum assunto
diante das evidências sobre a manei- durante seu percurso escolar, desen-
ra como se dá a aprendizagem volvendo várias competências.
e dos recursos pedagógicos Para que se efetivem to-
disponíveis. das as mudanças previstas e
O educador português necessárias, os professores
António Nóvoa, entre- são o fator mais importan-
vistado nesta edição, é te. Como eles estão se
taxativo: para ele, no adequando a essas novas
futuro, não haverá salas demandas, especial-
de aula, nem sequer mente ao uso das tec-
“aulas” no sentido tra- nologias digitais na sala
dicional do termo. Nesse de aula? Esse é o tópico
exercício de antecipação tratado pela reportagem
das tendências para a da seção Panorama.
educação do futuro, Nóvoa Os assuntos aborda-
tem a companhia do criador dos nesta edição não se
da teoria das inteligências encerram por aqui. Você vai
múltiplas, Howard Gardner. Em encontrar muitos outros temas
seu artigo, escrito em coautoria importantes nas páginas a seguir e
com a pesquisadora Katie Davis, Gardner também na internet, no nosso site e nas
discute a aprendizagem da chamada “geração apli- redes sociais. Continue conectado conosco!
cativo”. Nesse mesmo viés, os professores Fernando
Hernández-Hernández e Juana María Sancho-Gil, da
Universidade de Barcelona, destacam o que é preciso
conservar na escola atual e o que deve ser mudado. Adriane Kiperman

PátioEF72 - 01-03.indd 3 27/10/2014 15:30:43


QUADRO
DE biblioteca
AVISOS
O carvalho falante
Texto: George Sand
Ilustrações: Rogério Borges
Editora: Autêntica
Formato: 21x24 cm
Páginas: 40

Neste clássico da literatura francesa, escrito


no século XIX, o jovem Emmi refugia-se na
floresta de Cernas e transforma em sua morada
o oco de um lendário carvalho encantado. Lá
ele aprende a interpretar os sinais da natureza,
mas precisará vencer a malícia dos adultos e
compreender a importância de valores como
lealdade, honestidade e responsabilidade.

Memórias mal-assombradas
de um fantasma canhoto
Texto: Luiz Antonio Aguiar
Ilustrações: Guto Lins
Editora: Saraiva
Formato: 14x21 cm
Páginas: 96

O autor conta o que acontece quando a turma dos Achudos, um destemido


grupo de jovens nerds, resolve desvendar os segredos de uma mansão
abandonada e lá encontra um fantasma nada convencional.

Rimas de lá e de cá
Texto: José Jorge Letria e José Santos
Ilustrações: Yara Kono
Editora: Peirópolis
Formato: 17,5x27,5 cm
Páginas: 44
2014/JAN 2008
2015

Nessa obra, dois Josés, um português e outro brasileiro, encontram-se para


NOVFEV/ABR

falar sobre seus países. Juntos, os personagens abordam paisagens, além


de elementos da história e da cultura tanto do Brasil quanto de Portugal,
com a admiração de quem vê tudo pela primeira vez.
XVIIIXII
PÁTIOANOANO
PÁTIO Nº45
Nº 72

PátioEF72 - Quadro de avisos.indd 4 29/10/2014 12:02:23


AGENDA

9º ENCONTRO IBERO-AMERICANO VI CONGRESSO INTERNACIONAL DE LETRAS


DE EDUCAÇÃO (EIDE) Buenos Aires (Argentina), 25 a 29 de novembro
Bucaramanga (Colômbia), 5 a 8 de novembro Organização: Universidade de Buenos Aires
Organização: Universidade de Alcalá e Unesp Informações: http://cil.filo.uba.ar
Informações: secretaria8eide@gmail.com
http://iage.fclar.unesp.br/eide I SIMPÓSIO NACIONAL DE LITERATURA,
LINGUÍSTICA E ENSINO (SINALLE)

NOVEMBRO
VII TROCANDO EM MIÚDOS Mossoró (RN), 26 a 28 de novembro
Intercâmbio Internacional Brazil’s Eduretrear 2014 Organização: UERN
Salvador (BA), 8 a 23 de novembro Informações: http://sinalle.blogspot.com.br
Organização: Avante — Educação e Mobilização Social
Informações: www.avante.org.br/conheca-a-programacao- IV SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO
do-vii-trocando-em-miudos DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
Ponta Grossa (PR), 27 a 29 de novembro
XVII ENDIPE — ENCONTRO NACIONAL Organização: PPGECT
DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Informações: (42) 3235.7018 ou sinect-pg@utfpr.edu.br
Fortaleza (CE), 11 a 14 de novembro www.sinect.com.br/2014/index.php
Organização: UECE
Informações: www.uece.br/eventos/xviiendipe
V ENCONTRO NACIONAL DAS LICENCIATURAS (ENALIC)
IV SIMPÓSIO INTERNACIONAL IV SEMINÁRIO NACIONAL DO PROGRAMA INSTITUCIONAL
DEZEMBRO

DE DESENVOLVIMENTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA (PIBID)


São Paulo (SP), 12 e 13 de novembro XI SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA
Organização: Núcleo Ciência pela Infância
NOVEMBRO

Natal (RN), 8 a 12 de dezembro


Informações: (11) 3330.2888 ou ncpi@ncpi.org.br
http://www.ncpi.org.br Organização: UFRN, UFERSA, UERN e IFRN
Informações: http://enalic2014.com.br
XVII CONGRESSO INTERNACIONAL EDUTEC
Córdoba (Espanha), 12 a 14 de novembro
Organização: Universidade de Córdoba CONGRESSO PEDAGOGIA 2015
Informações: www.uco.es/edutec2014 Encontro pela união dos educadores
Havana (Cuba), 26 a 30 de janeiro
JORNADA DE EDUCAÇÃO DE NATAL Organização: Ministério da Educação
JANEIRO/ 2015

Natal (RN), 13 e 14 de novembro da República de Cuba


Organização: Futuro Eventos
Informações: www.eventosemcuba.com.br/bkp/new/
Informações: www.futuroeventos.com.br/eventos/
detalhe-evento.php?conteudo=&evento=494 public/calendario/2015/pedagogia-2015.html

X FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PERNAMBUCO XXI SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DA FÍSICA


Olinda (PE), 13 a 16 de novembro Uberlândia (MG), 26 a 30 de janeiro
Organização: Ministério da Cultura Organização: Sociedade Brasileira de Física
Informações: www.fliporto.net Informações: snef2015@sbfisica.org.br
www.sbfisica.org.br/~snef/xxi
III CONGRESSO INTERNACIONAL TIC E EDUCAÇÃO
Lisboa (Portugal), 14 a 16 de novembro
Organização: Universidade de Lisboa
7TH INTERNATIONAL DEAF ACADEMICS
ANO XII Nº 45 FEV/ABR 2008

Informações: ticeduca2014@ie.ul.pt
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

http://ticeduca2014.ie.ulisboa.pt/index.php/pt AND RESEARCHERS CONFERENCE


FEVEREIRO/ 2015

Leuven (Bélgica), 5 a 7 de fevereiro


CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO (CONAE) Organização: Deaf Academics
Brasília (DF), 19 a 23 de novembro Informações: info@deafacademics2015.com
Organização: Ministério da Educação http://deafacademics2015.com
Informações: http://conae2014.mec.gov.br
IX CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIN
Belém do Pará (PA), 25 a 28 de fevefereiro
Organização: Associação Brasileira de Linguística
Informações: www.ixcongresso.abralin.com.br
PÁTIO
PÁTIO

PátioEF72 - Quadro de avisos.indd 5 29/10/2014 12:02:25


a geração aplicativo
CAPA

e o superaplicativo da vida

Howard Gardner
Katie Davis
ANO XVIII Nº 72 nov 2014/jan 2015
PÁTIO

Pátio EF72 - Capas.indd 6 27/10/2014 15:33:12


Deveríamos parar de hiperplanejar e dar
às crianças espaço para escrever um roteiro de
sua autoria, em vez de seguir um que tenha sido
desenvolvido por um programador ou que seja
uma projeção da mitologia de seus pais

E
m 1950, com dois colegas mais jovens, o advo- na mão, ativados por um toque do dedo e capazes
gado que se tornou sociólogo David Riesman de realizar um número cada vez maior de tarefas e
publicou A multidão solitária (Riesman, solicitações da vida diária. De fato, em homenagem
Glazer e Denney, 1950). Esse retrato das mu- a Riesman e colaboradores, nós a chamamos de
danças nos valores americanos teve a rara distinção geração orientada aos aplicativos.
de ser tanto um recordista de vendas, na época, Nascidos após 1990, os pertencentes a essa gera-
quanto um clássico da escrita erudita. ção cresceram cercados e imersos pela tecnologia em
Ainda que sem a brevidade do Twitter, um grau sem precedentes: laptops, tablets,
o argumento apresentado no livro smartphones e dispositivos móveis de
pode ser facilmente resumido. todos os tamanhos e formatos.
No século XVIII, os americanos Diferentemente dos chamados
das colônias eram orientados imigrantes digitais, eles não
pela tradição: eles iam bus- têm recordação de uma
car nos que vieram antes, época menos tecnológica;
geralmente da Europa, na verdade, diferente-
modelos para aquilo em A orientação mente de qualquer ge-
que acreditar e como se a aplicativos ração anterior, a maioria
comportar. No século XIX, deles nem sabe como é
afeta todos

Foto: Anatoliy Babiy/iStock/Thinkstock


os novos americanos eram estar perdido: se por
orientados para o interior.
Tendo rompido os grilhões
os aspectos algum motivo estiverem
sem seus celulares ou
dos costumes europeus, da vida GPSs, seus pais e amigos
com frequência partindo ainda têm os seus.
para a fronteira remota, Indagados sobre os fa-
eles procuraram desenvolver tos mais importantes em
sua própria bússola interna. Na suas vidas, eles são a primeira
metade do século XX, os ameri- geração a não mencionar eventos
canos tornaram-se orientados pelo políticos, econômicos ou culturais; em
outro. Vivendo basicamente em cidades e vez disso, falam sobre o domínio da internet
subúrbios, eles consumiam comunicação de massa e e de uma torrente de mídia social sempre em evo-
procuravam comprar, comportar-se e acreditar da lução. Contudo, não se trata apenas da tecnologia
maneira como faziam seus vizinhos. em seu sentido mais amplo. Essa geração espera
ANO XVIII Nº 72 nov 2014/jan 2015

Cerca de 60 anos depois, é certamente possível que tudo na vida seja rápido, eficiente, funcional,
distinguir vestígios de estadunidenses orientados à imediatamente disponível sempre que se desejar;
tradição e orientados para o interior. E a influência que lhe diga o que fazer, como fazer, como outros
duradoura do comportamento e dos valores dos se sentem em relação a isso e, ao menos implicita-
pares sublinha a presciência da análise de Riesman: mente, como você deve se sentir a respeito disso e
continuamos nos comparando com os vizinhos e, como você deve se sentir a respeito de si mesmo.
cada vez mais, com os vizinhos de outras culturas. A orientação a aplicativos afeta todos os aspectos
Contudo, na atualidade, o comportamento dos da vida. Nossa identidade, da maneira como é apre-
americanos, especialmente dos jovens, está cada sentada em redes sociais, como o Facebook, deve
vez menos orientado a outros seres humanos, do ser limpa, organizada, fácil de entender e exibida de
passado ou do presente, e cada vez mais a aplica- maneira positiva; não há tempo nem espaço para a
PÁTIO

tivos (apps), artefatos tecnológicos que são levados exploração de identidades alternativas ou complexas.

Pátio EF72 - Capas.indd 7 27/10/2014 15:33:13


CAPA

Nossa relação com os outros deve ser facilmente des- Hoje, em nossa sociedade meritocrática, famí-
crita, executada com eficiência, facilmente adotada lias de antecedentes culturais variáveis acreditam
e descartada com igual facilidade; encontros face a que podem garantir que seus filhos tenham essas
face difíceis devem ser evitados ao máximo, assim oportunidades. Assim, esses pais gerenciam — na
como a sondagem profunda de motivações. verdade, muitos deles microgerenciam — os horários
Também fizemos uma descoberta inesperada, e as amizades de seus filhos, tentando, de todas as
que chamamos de “superaplicativo”. Veja este formas possíveis, promover o sucesso que acreditam
depoimento de uma mãe: “Bem, primeiro precisa- que lhes é de direito, para si e para a sua prole. Sua
mos garantir que ele entre na pré-escola certa e grande necessidade de ingressar nas melhores facul-
no melhor grupo de recreação. A escola de ensino dades, estágios e empregos, especialmente em uma
fundamental pode ser um pouco mais tranquila, em- época de tensões econômicas, exacerba uma cultura
bora eu não tenha certeza de qual esporte ele deva de impiedosa competição.
praticar. E ele precisa de algum tempo nos fins de Realizamos mais de uma centena de entrevistas
semana para descontrair e brincar, mas não demais. com adultos que trabalharam com jovens durante
As coisas ficam sérias quando ele se matricula ao menos duas décadas. Nessas entrevistas,
em um colégio interno. Seria melhor se observamos um consenso inesperada-
2
ele tivesse um programa IB , no mente forte: comparados a seus
mínimo três cursos de colocação predecessores, os jovens de hoje
avançada, um acampamento são muito menos propensos a
de verão de matemática, e correr qualquer tipo de risco
é melhor garantirmos que (a menos que sejam expli-
o primo Phillip tenha uma Os jovens começam citamente instruídos para
conversa séria com o res- isso, em cujo caso, evi-
ponsável pelas admissões
a pensar em dentemente, não é mais
da Universidade X (inte-
3
suas vidas um risco). Em qualquer
grante da Ivy League ). tarefa, em qualquer jogo,
Depois de entrar nessa e nas dos outros querem saber exatamen-
universidade, uma equipe
de squash, duas especia-
como uma série te o que se espera deles,
como serão avaliados, o
lizações, um ano fora, um de aplicativos que vem depois e por quê.
estágio de verão em Wall Qualquer noção de “desco-
Street e uma carreira em fi- brir por si mesmo” ou trilhar
nanças. Na verdade, seria bom um caminho inexplorado e ines-
que, antes de ir para Wall Street, perado tornou-se uma raridade.
ele atuasse um período — ainda que Voltando aos aplicativos: os jo-
4
apenas um! — no Teach for America !”. vens hoje não apenas usam um aplicativo
Já ouvimos esse monólogo, ou variantes dele, atrás do outro, como se virassem as páginas de um
inúmeras vezes. Cada ano que passa, nós o ouvimos livro. De um modo ainda mais impressionante, eles
com mais frequência. Também ouvimos as últimas começam a pensar em suas vidas, e nas vidas dos
frases (na primeira pessoa) dos próprios jovens. Co- outros, como uma inevitável série de aplicativos;
meçamos a pensar de onde vem isso e o que significa. a sequência imaginária de etapas apresentada no
ANO XVIII Nº 72 nov 2014/jan 2015

E a resposta, acreditamos, está intimamente ligada início deste artigo. Chamamos isso de “superapli-
ao ubíquo “aplicativo”. cativo da vida”.
Temos de admitir que sempre existiram adultos É claro que, se a vida realmente prosseguisse
cheios de planos, tanto nos Estados Unidos quanto como um aplicativo pré-embalado, não haveria pro-
em outros países. Sem dúvida, um século atrás, blemas. Afinal, é mais fácil seguir um roteiro do que
sabia-se de pais de recém-nascidos que os ma- escrever um novo; evidentemente, porém, nenhuma
triculavam nas escolas secundárias “certas” que, vida pode ser completamente planejada; sempre
por sua vez, praticamente garantiam o ingresso existem acidentes, perdas e retornos inesperados,
na faculdade “certa” e um cargo no escritório de decepções e reorientações. Se você espera que tudo
advocacia ou banco “certo”. Porém, esses caminhos prossiga de maneira inflexível, estará totalmente
eram reservados a indivíduos de origem correta: despreparado para as reviravoltas que fazem parte
PÁTIO

anglo-saxônicos brancos protestantes. da condição humana; aqueles ziguezagues que,

Pátio EF72 - Capas.indd 8 27/10/2014 15:33:13


quaisquer que sejam as dores associadas, são o que de outra pessoa. De fato, em sua vida, podemos ver
fazem valer a pena viver — na verdade, o que cons- sinais de orientação à tradição (seu interesse pela
titui a vida. espiritualidade oriental), orientação ao interior (se-
Existe uma moral na história. Talvez haja um guir sua alegria através de uma longa peregrinação)
pequeno número de pessoas que podem realmente e orientação ao outro (sua grande atenção ao que
seguir o superaplicativo, do berço a Wall Street e a as empresas de mídia e tecnologia concorrentes
uma configuração familiar de livro, com filhos e netos estavam fazendo).
um após o outro realizando seus superaplicativos. Talvez esta seja a melhor lição de uma análise de
As sagas das dinastias Rockefeller, Kennedy e Ford Riesman: deveríamos tentar combinar as virtudes da
sugerem que esse é um desfecho improvável — e 99% tradição, nossos próprios esforços, os exemplos dos
das pessoas, talvez até 99,9%, não realizarão seus outros e as funcionalidades da tecnologia.
superaplicativos e, por consequência, sentir-se-ão
decepcionadas, frustradas e deprimidas.
Como seria melhor se pudéssemos parar de
hiperplanejar, dar às crianças espaço ao longo de
sua vida e deixar que elas, na plenitude do tempo, NOTAS
desenvolvam e escrevam um roteiro de sua autoria, 1. Partes deste artigo foram publicadas em The Huffington Post
e WBUR’s Cognoscenti.
em vez de um desenvolvido por um programador da 2. O International Baccalaureate Diploma Programme (IBDP) é
Apple ou que seja uma projeção da própria mitologia um programa educacional de dois anos voltado a estudantes
de seus pais! de 16 a 19 anos que oferece uma qualificação internacional
É impressionante como as pessoas hoje têm vi- para o ingresso no ensino superior e é aceito por muitas uni-
versidades ao redor do mundo.
sões diametralmente opostas dessa tendência, desse 3. A expressão Ivy League refere-se às oito melhores universi-
fenômeno, dessa nova variedade de orientação. dades dos Estados Unidos e tem conotação de excelência no
Para alguns, um mundo de aplicativos aproxima-se ensino superior.
da utopia: como é maravilhoso poder realizar pron- 4. Organização que recruta recém-graduados e profissionais
de diferentes áreas para lecionar por dois anos em escolas
tamente o que quer que se deseje e, então, passar públicas rurais e urbanas.
para a próxima tarefa ou sedução! Para outros, um
mundo coberto de aplicativos é uma distopia: todos
os aspectos da agência humana, da individualidade
e da criatividade foram reduzidos a uma fórmula
algorítmica. REFERÊNCIA
Adotamos uma postura menos apocalíptica. Em RIESMAN, D.; GLAZER, N.; DENNEY, R. The lonely crowd: a study of
the changing american character. New Haven: Yale University
nossa visão, os aplicativos não criam nem destroem Press, 1950.
utopias. Preferimos contrastar uma vida de capaci-
tação em relação aos aplicativos com uma vida de
dependência dos aplicativos. A pessoa dependente de
aplicativos depende completamente de um conjunto l Howard Gardner é doutor em Psicologia
existente de aplicativos; logo, se um aplicativo não Social e professor de Cognição e Educação
está disponível ou não é suficientemente ágil, ela na Havard Graduate School of Education.
simplesmente muda de direção. Uma pessoa capa-
citada por aplicativo faz amplo uso de aplicativos; l Katie Davis é professora na Information School,
ANO XVIII Nº 72 nov 2014/jan 2015

todavia, em vez de seguir um aplicativo cegamente, University of Washington, em Seattle (Estados Unidos).
ela faz com que este libere seu tempo e sua energia
para que ela possa absorver mais do mundo, ter ex-
periências mais ricas (sozinha ou com outras pessoas)
e tratar as opções dos aplicativos como dicas e não

+
como ordens. SAIBA
Gostamos de pensar no caminho tomado por
GARDNER, H.; CHEN, J.; MORAN, S. e cols.
Steve Jobs em sua vida. Com certeza, Jobs admira- Inteligências múltiplas ao redor do mundo.
va os aplicativos e provavelmente tem tanto a ver Porto Alegre: Artmed, 2010.
com sua invenção e proliferação quanto qualquer GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria
pessoa no planeta. Entretanto, com a mesma cer-
PÁTIO

na prática. Porto Alegre: Artmed, 1995.


teza, Jobs jamais seguiu com submissão o roteiro

Pátio EF72 - Capas.indd 9 27/10/2014 15:33:13


CAPA
O que é preciso mudar
e conservar na escola

Fernando Hernández-Hernández
Juana María Sancho-Gil
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015
PÁTIO

10

Pátio EF72 - Capas.indd 10 27/10/2014 15:33:16


Cabe perguntar se tem sentido que o espaço
da sala de aula tenha sido pensado como o lugar
privilegiado para se instruir, educar e aprender

C
om alguns colegas finlandeses, com os de indagação como forma prioritária de aprendizagem.
quais participamos de um projeto sobre o De novo se faz evidente a colaboração e o intercâmbio
1
que a filosofia DIY (Do it yourself) pode entre os estudantes como modo de gerar conhecimen-
oferecer para pensar outra escola e outra to. O papel dos docentes não é o de dizer, explicar a
educação, vimos um vídeo (https://www.youtube. todos da sala, mas sim o de acompanhar e promover
com/watch?v=G_j5f-3TJqM), produzido no projeto processos de indagação e autoria. Agitação, movimen-
UBIKO EU 2013 Inspired Learning. Quem assistir ao to, vida: isso é o que parece refletir tal experiência.
vídeo verá que o espaço escolar que pouco aparece
está relacionado com o que estamos acostumados Transitar entre o dentro e o fora
em nossas escolas. Esses dois exemplos, escolhidos entre outros
No vídeo, os alunos movem-se por ambientes possíveis, demonstram que, em diferentes lugares,
em que são realizadas diversas tarefas; a está sendo levada a sério a ideia de que é
ideia da sala de aula como um conjunto necessário promover espaços de apren-
de cadeiras direcionadas para a dizagem que permitam incorporar
lousa e o professor não existe. os saberes das crianças e dos jo-
A sensação de transparência, vens. Ao mesmo tempo, estão
de que se aprende mediante sendo propiciadas algumas
a indagação e a colabora- condições favoráveis de

Foto: Ximagination/iStock/Thinkstock
ção, também se faz pre- espaços, meios, relações
sente. Os recursos digitais O papel dos docentes pedagógicas que possibi-
são a fonte principal de litem aprender mediante
busca de informação. O é o de acompanhar o desenvolvimento de
docente é quem dá apoio
e ajuda a organizar um
e promover processos projetos de indagação
que deem sentido às in-
processo que tem como de indagação quietações dos apren-
finalidade que as crianças dizes. Além disso, essas
aprendam a dirigir a própria e autoria experiên­c ias educativas
aprendizagem. Tudo isso em colocam os estudantes em
uma escola pública, em um contato com modos de apren-
país onde se leva a educação der que rompem os limites das
muito a sério e onde, apesar dos disciplinas e dos livros didáticos.
excelentes resultados do PISA, ques- O que acontece nessas escolas e o que
ANO XVIII Nº 72 nov 2014/jan 2015

tiona-se o que se faz e propõem-se novas promovemos e aprendemos em cinco escolas


2
metas para serem alcançadas em 2016. de ensino médio com o projeto In-Out é que hoje,
Esses mesmos colegas nos enviaram um vídeo mais do que nunca, é necessário assumir desafios e
de uma escola de ensino médio nos Estados Unidos desenvolver a imaginação pedagógica para pensar
(http://tvnz.co.nz/seven-sharp/schools-ditch-pens- em outros modos e espaços de educar.
-and-paper-cutting-edge-technology-video-6040727). Nesse projeto, convidamos cinco grupos de jovens
Nele se pode observar como o planejamento da ar- de cinco escolas para participar de uma pesquisa
quitetura da escola e dos seus espaços reflete que em de caráter etnográfico sobre como se comunicam,
seu interior os jovens estão experimentando outros aprendem e transitam dentro e fora das escolas.
modos de aprender. Surpreende aqui a amplitude O que vivemos com eles continua confirmando para
PÁTIO

dos ambientes, a diversidade de espaços pelos quais nós que é possível administrar de outra maneira as
os estudantes transitam, o papel que os dispositivos relações pedagógicas. A pesquisa também serviu para
eletrônicos têm no momento de possibilitar projetos confirmarmos que eles se envolvem bastante quando
11

Pátio EF72 - Capas.indd 11 27/10/2014 15:33:17


CAPA

aprendem a partir da indagação, quando se sentem idade — um grupo de alunos junto a um ou vários
desafiados pelo que aprendem, e que acompanham adultos, foi uma das tecnologias ou um dos dispo-
processos sobre problemáticas que lhes afetam e sitivos mais econômicos e eficazes que os sistemas
sabem que tudo o que fazem é para compartilhar e educacionais geraram. Sabemos que a forma como
fazer em público em diferentes formatos e contextos. se organiza e o que enche a sala pode marcar a di-
Já tínhamos conhecimento de grande parte dis- ferença quanto àquilo que acontece nela. O projeto
so; esse é um pensamento compartilhado com ou- Classroom Portraits 2004-2012, do fotógrafo inglês
tros colegas professores, com os quais nos opomos Julian Germain, membro do grupo Olho da Rua, que
a que tudo permaneça como era há 30 anos, como visitou as salas de aula em diferentes países, ilustra
nos dizia, dias atrás, um professor. No entanto, as variedades e similitudes desse espaço para onde
como somos conscientes de que as escolas de ensino convergem desejos, experiências, tédio e expec-
fundamental e médio têm muitas dificuldades para tativas (http://www.juliangermain.com/projects/
enfrentar, resolvemos nos questionar: o que vale classrooms.php).
a pena conservar e o que é totalmente Em muitos cenários percorridos por
necessário mudar? Germain, a sala de aula é a única
possibilidade que um sujeito
Mudar ou conservar: pode ter para expandir seu co-
that is the question tidiano, para entrar em con-
A escola, como instituição tato com outras histórias.
pensada para instruir me- É necessário O filme Buda explodiu por
ninos (mais tarde meni- promover espaços vingança (Buda az shar-
nas) e jovens, não apenas mforurikht), da diretora
em algumas matérias es- de aprendizagem iraniana Hana Makhmal-
pecíficas, mas na manei-
ra de ser cidadão, articu-
que permitam baf (2007), poderia ser
um exemplo de como a
lou-se pela primeira vez incorporar os saberes sala de aula, apesar de
com o projeto da Prússia suas limitações, oferece
nos anos de 1750. Desde das crianças à menina protagonista a
então, cumpriu diversas e dos jovens possibilidade de escutar
funções: instruir para ade- histórias que a liberam do
quar as populações (sobretudo destino ao qual estaria presa
homens) ao sistema produtivo; por ser mulher e viver em um
formar cidadãos de acordo com a país em guerra; histórias que lhe
ideologia dominante dos Estados nacio- permitem principalmente sentir-se a
nais; contribuir para a classificação social salvo das ameaças exteriores.
dos indivíduos; impulsionar os valores democráticos; Ao sairmos dessa situação extrema, cabe per-
favorecer a mobilidade social. guntar se tem sentido que o espaço da sala de aula
Enfim, em cada época, em cada país, sob uma tenha sido pensado como o lugar privilegiado para
reforma, educar teve certos fins que vão além se instruir, educar e aprender. É como nos indica-
da aprendizagem de conteúdos disciplinares e de vam os jovens da pesquisa que mencionamos: “As
modos de ser. Nesse sentido, a escola, como dis- coisas importantes você não aprende na escola”.
ANO XVIII Nº 72 nov 2014/jan 2015

positivo de caráter simbólico, foi planejando ou Essa fala leva-nos a perguntar o que deveria per-
utilizando estratégias e tecnologias (simbólicas, manecer e o que deveria mudar para que o lugar
organizativas e artefatuais) que serviram para que dos aprendizes tenha sentido, quando a escola já
hoje, em muitos países, a maioria dos cidadãos te- não constitui, junto com a família e a Igreja, os
nha sido escolarizada. Eles receberam, assim, uma espaços que mais configuram os modos dos sujeitos
educação/instrução que lhes permite ampliar seus de ser e de dar sentido ao mundo.
horizontes e, talvez, escrever sua própria história. O que propomos a seguir é uma hipótese de
Contudo, ao longo desse tempo, a escola, como trabalho, baseada na pesquisa da qual estamos
metáfora privilegiada de promover a educação, falando, que precisa ser debatida e explorada. Para
também recebeu um bom número de críticas. tanto, convidamos um grupo de colegas europeus.
PÁTIO

A sala de aula como espaço fechado, em que Enquanto isso, tomamos coragem para esboçar
é colocado — normalmente segundo o critério da algumas ideias.

12

Pátio EF72 - Capas.indd 12 27/10/2014 15:33:17


A escola, como instituição e dispositivo educa- Pensamos que essa conclusão não é casual nem de-
cional, ainda contribui para: riva de uma obsessão crítica; ela resulta de nosso
l facilitar o acesso a uma informação selecionada contato com os educadores de diferentes lugares,
e a alguns conhecimentos básicos; mas sobretudo da escola atenta ao que hoje sentem,
l ajudar a estruturar e dar sentido não apenas à in- vivem e demandam as crianças e os jovens que,
formação, mas também às relações dos indivíduos às vezes iludidos e outras resignados, continuam
consigo mesmos, com os outros e o mundo; recorrendo a cada dia à escola, com a esperança
l favorecer a coesão social e, em certas ocasiões, de que alguém olhe para eles, acompanhe-os nessa
a mobilidade social; caminhada pelo mundo complexo em que vivem e
l dar apoio emocional e cuidado, sobretudo aos proporcione experiências que lhes permitam apren-
mais vulneráveis; der com sentido.
l possibilitar vínculos entre iguais nos espaços onde
a escola converteu-se no único lugar em que crian-
ças e jovens, de distintos grupos sociais NOTAS
e culturais, podem encontrar-se. 1. DIYLab − Do It Yourself in Education:
Expanding Digital Competence to Foster
Para isso, a escola necessi- Student Agency and Collaborative
Learning. Comissão Europeia. Agência
ta revisar e mudar: Executiva de Educação, Audiovisual
l sua ancoragem no pas- e Cultura. 543177-LLP-1-2013-1-
sado, tanto no que se ES-KA3MP.
aprende, que não cos- A lista do que 2. Viver e aprender com novas
alfabetizações dentro e fora da
tuma prestar atenção
no atual, quanto nas
precisa ser mudado escola de ensino médio: contri-
buições para reduzir o abando-
concepções que guiam é mais extensa no, a exclusão e a aversão dos
jovens pela escola (MINECO.
os modos que facili-
tam a aprendizagem; que a lista do que EDU2011-24122). Disponível
em: <http://www.ub.edu/es-
l a compartimentação
dos conhecimentos,
precisa ser conservado brina/proj-inout.html>.

tempos e espaços, que


não permite aprender
mediante a indagação e a
partir da envolvimento dos
alunos com o que aprendem;
l a tensão entre homogeneização e di-
versidade no olhar sobre as aprendizagens;
l as maneiras de tornar a aprendizagem um simu- l Fernando Hernández-Hernández é professor
lacro, mediante o mantra “explicação-demons- da Universidade de Barcelona (Espanha).
tração-prática-exame”; fdohernandez@ub.edu
l as relações baseadas na competitividade e na não
colaboração; l Juana María Sancho-Gil é professora
l a falta de imaginação pedagógica para inventar da Universidade de Barcelona (Espanha).
ANO XVIII Nº 72 nov 2014/jan 2015

e criar, o que faz com que a vida escolar tenda à jmsancho@ub.edu


rotina e à repetição;
l a fantasia de que tudo pode ser controlado e me-

+
dido, tão querida da psicologia, da pedagogia e
hoje das empresas, que publicam listas e rankings SAIBA
de países e escolas; SANCHO, J.M.; HERNÁNDEZ, F. e cols.
Tecnologias para transformar a educação.
l a expectativa de que os estudantes sejam o que
Porto Alegre: Artmed, 2006.
não são, deixando de culpá-los se não se adaptam
ao que os adultos esperam deles. HERNÁNDEZ, F.
Transgressão e mudança na educação:
Ao tornar públicas essas contribuições, perce- os projetos de trabalho.
bemos que a lista do que precisa ser mudado é mais
PÁTIO

Porto Alegre: Artmed, 1998.


extensa que a lista do que precisa ser conservado.

13

Pátio EF72 - Capas.indd 13 27/10/2014 15:33:17


CAPA
A proposta da sala
de aula invertida
José Armando Valente
ANO XVIII Nº 72 nov 2014/jan 2015
PÁTIO

14

Pátio EF72 - Capas.indd 14 27/10/2014 15:33:20


Na aprendizagem ativa, o aluno assume uma
postura mais participativa, resolve problemas,
desenvolve projetos e cria oportunidades
para a construção de conhecimento

O
aluno deste início de século XXI tem um Essas estratégias não são novas. No entanto, elas
comportamento diferente, especificamente têm sido adaptadas para uso conjunto com as TDIC,
com relação ao uso das tecnologias digitais gerando novas modalidades de ensino, como o apren-
de informação e comunicação (TDIC). Nesse dizado por pares (peer instruction − PI) ou a sala de
sentido, o que as escolas, mesmo as mais conectadas aula invertida (flipped classroom), implantadas tanto
tecnologicamente, têm feito para se adequar a essa na educação básica quanto no ensino superior. A sala
nova realidade? O foco não deve estar na tecnologia, de aula é invertida no sentido de que o conteúdo e as
mas sim no fato de as TDIC terem criado novas pos- instruções são disponibilizados on-line, usando-se as
sibilidades de expressão e comunicação que podem TDIC antes de o aluno frequentar a sala de aula, que
contribuir para o desenvolvimento de novas aborda- agora passa a ser o local para trabalhar os conteúdos
gens pedagógicas. já estudados, realizando atividades práticas, como
Exemplos dessas novas possibilidades são a capaci- resolução de problemas e projetos, discussão em
dade de animar objetos na tela, recurso essencial para grupo, laboratórios, etc.
complementar ou mesmo substituir muitas atividades A inversão ocorre uma vez que, no ensino tradicio-
que foram desenvolvidas para o lápis e o papel; a pos- nal, a sala de aula serve para o professor transmitir
sibilidade de novos letramentos além do alfabético, informação para o aluno, que, após a aula, deve
como o imagético, o sonoro, etc.; a criação de contextos estudar o material abordado e realizar alguma ativi-
educacionais que começam a despontar, os quais vão dade de avaliação para mostrar que esse material foi
além das paredes da sala de aula e dos muros da escola. assimilado. Na abordagem da sala de aula invertida, o
Os caminhos possíveis são inúmeros, mas o aluno estuda antes da aula e a aula torna-se o lugar de

Foto: Fuse/Thinkstock
caminho que interessa consiste na implantação da aprendizagem ativa, onde há perguntas, discussões e
aprendizagem ativa e na criação de ambientes de atividades práticas. O professor trabalha as dificulda-
aprendizagem que promovam a construção de co- des dos alunos, em vez de fazer apresentações sobre
nhecimento e permitam a integração das TDIC nas o conteúdo da disciplina (Educause, 2012).
atividades curriculares. Para tanto, as instituições As regras básicas para inverter a sala de aula,
devem ser repensadas — em particular, a sala de aula. segundo o relatório Flipped Classroom Field Guide
Uma das práticas pedagógicas alternativas é a (2014), são as seguintes:
aprendizagem ativa. Em vez da aprendizagem passi- 1. as atividades em sala de aula envolvem uma quan-
va, bancária (Freire, 1987), baseada na transmissão tidade significativa de questionamento, resolução
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/jan 2015

de informação, na aprendizagem ativa o aluno assume de problemas e outras atividades de aprendizagem


uma postura mais participativa, na qual ele resolve ativa, obrigando o aluno a recuperar, aplicar e
problemas, desenvolve projetos e, com isso, cria ampliar o material aprendido on-line;
oportunidades para a construção de conhecimento. 2. os alunos recebem feedback imediatamente após
Diversas estratégias têm sido utilizadas para pro- a realização das atividades presenciais;
mover a aprendizagem ativa, como aprendizagem 3. os alunos são incentivados a participar das ativi-
baseada em projetos (project based learning − PBL); dades virtuais e presenciais, que são computadas
ensino e aprendizagem por meio de jogos (game na avaliação formal, ou seja, “valem nota”;
based learning − GBL); método do caso ou discussão 4. tanto o material a ser utilizado on-line quanto os
e solução de casos (teaching case); aprendizado em ambientes de aprendizagem em sala de aula são
PÁTIO

equipe (team-based learning − TBL). altamente estruturados e bem-planejados.

15

Pátio EF72 - Capas.indd 15 27/10/2014 15:33:20


CAPA

A abordagem da sala de aula invertida não deve não é substituir a aula presencial por vídeos, pois
ser novidade para professores de algumas disciplinas, os alunos reclamam do fato de a aula expositiva ser
nomeadamente no âmbito das ciências humanas. Nes- chata, e essa mesma aula transformada em vídeo
sas disciplinas, em geral, os alunos leem e estudam ficar mais chata ainda!
o material sobre literatura, filosofia, etc., antes da É importante o professor pensar que as TDIC
aula e, em classe, os temas estudados são discutidos. oferecem outros recursos a serem explorados pe-
A dificuldade da inversão ocorre especialmente nas dagogicamente — como animações, simulações e
disciplinas das ciências exatas, nas quais a sala de laboratórios virtuais —, que o aluno pode acessar e
aula é usada para passar o conhecimento já acumu- complementar com as leituras, ou mesmo os vídeos
lado. Assim, a maior parte dos exemplos de inversão mais pontuais a que ele assiste. A proposta é real-
da sala de aula ocorre nessas disciplinas. mente integrar as TDIC às atividades curriculares, tal
Mesmo nas disciplinas das ciências exatas, muitos como proposto por Almeida e Valente (2011).
professores podem usar estratégias de ensino que têm Finalmente, para que o professor saiba o que o
alguma semelhança com a sala de aula invertida. aluno absorveu do estudo realizado on-line, pratica-
Talvez eles não estejam conscientes dessa mente todas as propostas de sala de aula
terminologia ou das concepções aqui invertida sugerem que o estudante
apresentadas. Porém, como men- realize um teste, elaborado na
cionam Bergmann e Sams em própria plataforma on-line, de
seu livro Flip your classroom: modo que possa avaliar sua
reach every student in every aprendizagem. Os resultados
class every day (2012), ba- A sala de aula dessa avaliação, quando
seado no trabalho pioneiro passa a ser o local registrados na plataforma,
sobre a implantação da permitem ao professor
sala de aula invertida em para trabalhar acessá-los e conhecer quais
suas disciplinas do ensino os conteúdos foram os pontos críticos do
médio americano, os pro- material estudado, os quais
fessores podem iniciar com já estudados devem ser retomados em
o básico sobre a inversão da sala de aula.
sala de aula e, à medida que Sobre o planejamento
vão adquirindo experiência, das atividades presenciais em
passam a usar a aprendizagem ba- sala de aula, o mais importante
seada em projetos ou na investigação é que o professor explicite os obje-
e, com isso, vão se reinventando, criando tivos a serem atingidos com sua disciplina
cada vez mais estratégias centradas nos alunos ou e proponha atividades coerentes, que auxiliem os
na aprendizagem, em lugar das aulas expositivas que alunos no processo de construção do conhecimento.
costumavam ministrar. Essas atividades podem ser hands on, discussão em
Os aspectos fundamentais da implantação da grupo, resolução de problemas, etc. Em todos esses
sala de aula invertida são a produção de material casos, é fundamental que o aluno receba feedback
ANO XVIII Nº 72 nov 2014/jan 2015

para o aluno trabalhar virtualmente e o planeja- sobre os resultados das ações realizadas. A sala de
mento das atividades a serem realizadas na sala aula presencial assume um papel relevante nessa
de aula presencial. A maior parte das estratégias abordagem pedagógica pelo fato de o professor
implantadas utiliza vídeos que o professor grava a estar participando das atividades que contribuem
partir de aulas presenciais ou softwares como, por para o processo de significação das informações que
exemplo, o Camtasia Studio, que capta qualquer os alunos adquiriram estudando on-line. Por isso, o
informação da tela do computador que o professor feedback é fundamental para corrigir concepções
esteja usando, sua voz e sua imagem através da equivocadas ou mal-elaboradas.
câmera do computador e qualquer anotação feita Algumas atividades em sala de aula podem ser
na tela com a caneta digital. Contudo, é preciso mais estruturadas, como a proposta por Bergmann
PÁTIO

dosar o número e o tamanho dos vídeos. A ideia e Sams (2012), denominada flipped mastery, um

16

Pátio EF72 - Capas.indd 16 27/10/2014 15:33:20


modelo no qual os alunos progridem em seu ritmo de ações pedagógicas inovadoras na instituição educa-
para novos objetivos somente após ter dominado os cional como um todo e a sustentabilidade de processos
anteriores. Outras atividades são mais desafiadoras, inovadores necessita de uma boa infraestrutura e de
como as propostas por Driscoll (2014), que usou os suporte aos professores. De qualquer modo, o impor-
conceitos de jogos para transformar todas as avalia- tante é começar, e alguém deve fazer isso.
ções em missões que proporcionam pontos à medida
que os alunos progridem.
A proposta da sala de aula invertida está surgindo
em um momento de grandes oportunidades do ponto REFERÊNCIAS
de vista educacional, principalmente com a dissemi- ALMEIDA, M.E.B.; VALENTE, J.A. Tecnologias e currículo: traje-
tórias convergentes ou divergentes? São Paulo: Paulus, 2011.
nação das TDIC e o fato de elas estarem adentrando BERGMANN, J.; SAMS, A. Flip your classroom: reach every student
a sala de aula. Os alunos, em sua maioria, dispõem in every class every day. Eugene, Oregon: ISTE, 2012.
DRISCOLL, T. Gamification Series Part 4: Our Quest (Flipped 101 −
dessas tecnologias, e os que frequentam as aulas as
Flipped Mastery − Gamified Flip). 2014. Disponível em: <http://
estão usando, mas como e com que objetivo? Em al- www.flipped-history.com/2014/03/gamification-series-
guns casos, os professores estão sabendo -part-4-our-quest.html>. Acesso em abril de 2014.
EDUCAUSE things you should know about
explorar esses recursos, integrando- flipped classrooms. 2012. Disponível em:
-os às atividades que realizam, <http://net.educause.edu/ir/library/
porém a maior parte sente-se pdf/eli7081.pdf>. Acesso em julho
de 2013.
desconfortável com o fato de FLIPPED Classroom Field Guide. Por-
o aluno não estar “prestando tal Flipped Classroom Field Guide.
atenção” ao que está sendo A dificuldade Disponível em: <http://www.cvm.
umn.edu/facstaff/prod/groups/
exposto. da inversão ocorre cvm/@pub/@cvm/@facstaff/
Esses fatos têm mobi- documents/content/cvm_con-
lizado muitos gestores das especialmente tent_454476.pdf>. Acesso em
abril de 2014.
escolas de ensino básico, nas disciplinas FREIRE, P. Pedagogia do oprimi-
bem como os coordenado- do. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz
res e professores dos cursos das ciências exatas e Terra, 1987.

de graduação das institui-


ções de ensino superior. Há
um grande interesse em mudar
e propor algo inovador, que possa
resolver o problema da evasão, da
falta de interesse dos estudantes pelas aulas
e, consequentemente, o alto índice de repetência, l José Armando Valente é professor
sobretudo em disciplinas das ciências exatas. Para livre-docente do Departamento de Multimeios,
as instituições que têm a intenção de implantar Mídia e Comunicação do Instituto de Artes
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
essa abordagem pedagógica, convém iniciar com jvalente@unicamp.br
um conjunto de professores que têm interesse de
ANO XVIII Nº 72 nov 2014/jan 2015

inverter suas salas de aula. Portanto, não deve ser


algo imposto ao professor.
Outro fator importante é iniciar com um pequeno
grupo de professores antes de adotar soluções por

+
meio das quais todos embarquem nessa nova proposta. SAIBA PALFREY, J.; GASSER, U. Nascidos na era
É possível que essas iniciativas mais pontuais sejam digital: entendendo a primeira geração de
passíveis de serem implantadas sem que haja uma nativos digitais. Porto Alegre:
Artmed, 2011.
reestruturação educacional e sem que seja montada
BENDER, W. Aprendizagem baseada
a infraestrutura tecnológica e de apoio para a pro- em projetos: educação diferenciada para
dução de material educacional. O envolvimento de
PÁTIO

o século XXI. Porto Alegre: Penso, 2014.


um grande número de professores, a implantação

17

Pátio EF72 - Capas.indd 17 27/10/2014 15:33:20


Entre
vista
Fo t

antónio nóvoa
o:
di
vu
lg

çã
a

o/
Re
ito
ria
da U a
nive o
rsi dad e de Lisb

Nada será como antes


“Há cerca de 150 anos, em meados carreira, António Nóvoa tem-se
do século XIX, inventou-se a escola dedicado a estudos de história da
tal como a conhecemos. Foi uma educação e de educação comparada.
enorme transformação. Depois disso, Um dos focos de suas reflexões
houve muitas tentativas de mudança atuais encontra-se no futuro da
e de inovação, mas os seus traços educação e da sala de aula, tema
fundamentais não se alteraram”, desta entrevista, realizada por
afirma o educador português e-mail. “A nossa geração será
António Nóvoa. contemporânea de uma nova
Doutor em Ciências da Educação transformação radical na forma como
pela Universidade de Genebra as sociedades educam os seus filhos.
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

e em História pela Universidade Devemos abraçar esse futuro com a


de Paris IV/Sorbonne, ele foi reitor certeza de que a escola, sobretudo
da Universidade de Lisboa entre a escola pública, é uma instituição
os anos de 2006 e 2013, além de central para construir um século XXI
ter lecionado em universidades de em paz com a Terra e em paz com os
diversos países. Ao longo de sua outros”, afirma.
PÁTIO

18

Pátio EF72 - Entrevista.indd 18 27/10/2014 15:34:14


Com as transformações que estão acontecendo em dispositivo “vertical”. A sua localização no topo da sala
todo o mundo, a escola tem ficado para trás, espe- de aula induz inevitavelmente uma comunicação “ver-
cialmente no que se refere aos meios de acesso à tical” e determinada ação didática do professor. Não
informação. Como sair dessa situação difícil? há comunicação “horizontal” entre alunos.
Sairemos de qualquer maneira, porque o mundo não fica
à espera da escola. O problema é saber como sairemos. E na sala de aula do futuro não haverá espaço para
Será que a escola se tornará uma instituição inútil? Será o quadro-negro?
que a educação se fará por outros meios? Será que a Exatamente. Mudemos de metáfora: do quadro-negro
escola se tornará inútil apenas para os ricos e cumprirá para o tablet.
sobretudo funções sociais e assistenciais para os pobres? O quadro-negro é um dispositivo “vazio”; o tablet é
Ou será que conseguiremos, como eu desejo, que haja “cheio”. Enquanto o quadro-negro requer alguém que
uma profunda renovação da escola, da escola pública, nele inscreva um conhecimento, o tablet está repleto
do espaço público da educação? de todos os dados e informações possíveis e imagináveis,
Uma coisa é certa: nada será como antes. Desde aos quais os alunos têm acesso direto.
meados do século XIX, a educação foi pensada a partir O quadro-negro é um dispositivo fixo; o tablet é mó-
de uma matriz escolar. Hoje tem de ser “desescolariza- vel. Enquanto o quadro-negro fixa e define o espaço da
da”, tem de valorizar outros espaços sociais e culturais. sala de aula, o tablet traz mobilidade e pode ser utilizado
Precisamos de um novo contrato social pela edu- nos mais diferentes espaços físicos e virtuais.
cação, que explore todas as possibilidades O quadro-negro é um dispositivo “ver-
educativas da cidade e da sociedade. tical”; o tablet é horizontal. Enquanto
Apesar de generoso, o conceito de o quadro negro provoca formas
“educação integral” é perigoso. É “verticais” de comunicação, a
preciso acabar com os discursos partir de um centro, o tablet
excessivos sobre a escola. Se sugere formas individualizadas
tivermos a ilusão de que a de estudo e relações “hori-
escola pode tudo, acabare- “Precisamos zontais” entre alunos, entre
mos na desilusão de que não de um novo alunos e professores, entre
conseguiu nada. pessoas que estão dentro e
contrato social fora da escola.
O senhor tem afirmado que pela educação” É muito difícil imaginar
o atual modelo de sala de como serão os novos espaços
aula está prestes a acabar. de conhecimento e aprendiza-
Como podemos imaginar a gem; contudo, a partir dessas
sala de aula do futuro? três ideias, é possível vislumbrar
A pergunta é fácil de responder, como será a educação futura.
pois, no futuro, não haverá “salas
de aula”, nem sequer “aulas” no sentido O modelo atual, que não condiz mais
tradicional do termo. Tentarei responder a essa com a cultura contemporânea nem com as
pergunta contando a história de uma extraordinária no- informações que temos sobre como se aprende, ainda
vidade tecnológica que se difundiu por todo o mundo há é o que vemos na maior parte das escolas. O que é
150 anos em meados do século XIX: o quadro-negro. Vou preciso para construir tal mudança?
inclusive argumentar ter sido o quadro-negro a inventar o É preciso haver três respostas que são três prioridades:
modelo escolar que perdura até os dias de hoje, mesmo primeira, os professores; segunda, os professores; ter-
que, por vezes, tenha se tornado verde ou branco. ceira, os professores. É preciso reforçar a autonomia e
a centralidade dos professores, valorizar o magistério.
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

De que modo isso aconteceu? É inútil procurar outras soluções. Os professores são a
O quadro-negro é um dispositivo “vazio”. Por defini- peça central de qualquer mudança, mas não podemos
ção, trata-se de uma superfície vazia. É necessário um exigir-lhes tudo e dar-lhes quase nada.
professor, que detém o conhecimento, para que ele se É preciso compreender a importância do novo papel
torne útil do ponto de vista pedagógico. O quadro-negro do professor. Os alunos têm acesso direto, individual, às
é um dispositivo fixo. Ao ser colocado em uma parede, informações que estão na teia (web), porém necessitam
ele define um espaço — a sala de aula. Os prédios es- da mediação do professor para transformá-las em conhe-
colares, o mobiliário escolar e a organização dos alunos cimento e aprendizagem. É preciso colocar em prática
são feitos para uso do quadro-negro. Além disso, é um uma verdadeira revolução na formação de professores.
PÁTIO

19

Pátio EF72 - Entrevista.indd 19 27/10/2014 15:34:15


A situação atual é muito frágil e deficiente, tanto na não sabem como utilizar esses recursos em seu trabalho
formação inicial quanto na formação continuada. pedagógico. Falta-lhes uma vivência própria, não no
plano pessoal, mas no plano acadêmico e profissional.
Como oferecer esse suporte de que os professores Os programas de formação de professores têm falhado
necessitam? nessa missão.
O trabalho dos professores deve ser apoiado e continuado
por três movimentos. Primeiro, uma organização mais O que deveria ser feito nesse sentido?
aberta e diversificada dos espaços e dos tempos esco- Seria preciso que, na formação inicial, houvesse um
lares. Segundo, um currículo centrado nos alunos e em ambiente inovador e que a pedagogia estivesse organi-
suas aprendizagens, e não em listas intermináveis de zada de maneira semelhante àquela que pretendemos
conhecimentos ou competências. Terceiro, uma pedago- ver os futuros professores realizarem, mais tarde, em
gia com dimensão fortemente colaborativa, que utilize suas escolas. Sabemos, porém, que não é assim. Na
a relação (as redes) como dispositivo de comunicação maioria dos cursos de licenciatura, diz-se aos futuros
e aprendizagem. Uma coisa é certa: não podemos con- professores o que devem fazer, mas faz-se o contrário
tinuar a reproduzir e a justificar modelos escolares e do que se diz.
pedagógicos que fazem parte de um tempo que já não Seria preciso, além disso, que a formação conti-
é o nosso, que se dirigem a jovens que já não pensam, nuada fosse organizada nas escolas em torno de uma
nem agem, nem aprendem como nós. reflexão conjunta dos professores sobre o
próprio trabalho. Nessas sessões, po-
O senhor acredita que os recursos deriam experimentar novas práticas
digitais podem ser utilizados am- e novos processos pedagógicos.
plamente na educação básica, Sabemos, porém, que não é
ou crianças e adolescentes assim. A formação continuada
necessitam de interação tem sido construída a partir
presencial mais intensiva? “É preciso colocar de uma insuportável lista
Não se deve estabelecer uma em prática uma de cursos, certamente in-
oposição entre presencial e teressantes, mas inúteis do
virtual. Temos de recorrer a verdadeira revolução ponto de vista profissional
todos os meios que promo- na formação e pedagógico.
vam a educação e a apren-
dizagem. É errado reduzir o de professores” Ao mesmo tempo em que
debate sobre o digital a uma não pode ficar alheia às
questão meramente tecnológica. tecnologias digitais, a escola
Estamos diante de uma mudança não pode considerá-la uma
de fundo em nossos hábitos e manei- panaceia contra todos os males.
ras de viver, o que tem consequências O que mais, além das ferramentas
profundas na educação. A relação presencial tecnológicas, está faltando para a cons-
é fundamental, mas ela pode ser intensificada e trução de uma escola que seja um espaço de
enriquecida através dos recursos digitais. aprendizagem plena?
Isso é verdade para o ensino superior e para a O que mais se vê, pelo mundo afora, é uma ilusão tec-
educação básica. Infelizmente, sabemos bem que as nológica que estranhamente reproduz, na teia e nas
práticas de educação a distância têm sido frequente- telas, a pedagogia mais tradicional e conservadora que
mente abastardadas, com o único propósito de baratear se possa imaginar. Há duas questões que me parecem
os custos do ensino superior e de alimentar um mercado decisivas. A primeira é a consciência de que “apren-
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

altamente lucrativo. Devemos denunciar essas práticas, der” é o contrário de “prender”, de que aprender é
sem, contudo, recusar as imensas possibilidades que libertar; é dar a cada um os instrumentos, sobretudo
existem no mundo digital. de conhecimento, que lhe permitam fazer o seu cami-
nho e chegar aonde sozinho nunca chegaria. A segunda
Apesar de usarem os recursos digitais em sua vida é a certeza de que vale mais um produto pedagógico
pessoal, os professores ainda têm resistência para “artesanal”, construído localmente através do trabalho
utilizá-los na sala de aula. Por que isso acontece? conjunto de professores, do que produtos comerciais
Não podemos esquecer que estamos diante de novidades ou tecnológicos, por mais sofisticados que sejam. Nada
extraordinárias e que todos precisamos de um tempo de substitui a experiência concreta desse trabalho de
adaptação. O problema principal é que os professores criação pedagógica.
PÁTIO

20

Pátio EF72 - Entrevista.indd 20 27/10/2014 15:34:15


Que transformações estruturais e referentes ao pro- instituições que têm de assumir a sua responsabilidade na
jeto político-pedagógico são necessárias para que a educação das crianças. A escola transbordante, faz-tudo,
escola se torne um espaço adequado às necessidades que assume todas as missões, não tem qualquer sentido na
do aluno contemporâneo? era digital e na chamada “sociedade do conhecimento”.
Em 2011, numa conferência proferida na Academia
Francesa, mais tarde publicada em livro (Polegarzinha), Como o avanço trazido pela neurociência pode ajudar
Michel Serres falou de três grandes revoluções na his- a organizar a sala de aula do futuro?
tória da humanidade: a invenção da escrita, a difusão Historicamente, a pedagogia teve como principais
do livro e a expansão da internet. Assim como o modelo fundamentos teóricos a psicologia e a sociologia. Hoje
escolar é, em grande parte, fruto da escrita e do livro, há outros referenciais de grande relevância, como,
também a revolução digital traz, inevitavelmente, novas por exemplo, a neurociência, sobretudo como espaço
formas de organizar a educação e as aprendizagens. de convergência interdisciplinar capaz de mobilizar a
A questão já não é apenas o conhecimento e a sua linguística, a matemática, a química, a computação,
transmissão, mas a maneira como nos apropriamos dele a antropologia, a psicologia, etc., mas é preciso ter
e com ele nos relacionamos, o que dele fazemos, como cuidado para não transformar os estudos sobre o
o transformamos. Estamos diante de uma “congestão” cérebro em mais uma moda. Não se podem transpor
de informação, imensa e superficial, que nos traz mecanicamente certos conhecimentos científicos
certa ilusão de conhecimento. No entanto, para o campo educativo. Foi esse o erro
para que essa massa de informação de vários construtivismos e de vários
se transforme em conhecimento sociologismos. É preciso que os
e aprendizagem, é preciso um professores se apropriem dos
trabalho sistemático de reflexão referenciais científicos e a eles
e de apropriação, o qual só deem sentido do ponto de
pode ser levado a cabo com vista pedagógico. O que faz a
o apoio de um professor. A “A relação presencial diferença é esse trabalho de
tecnologia, por si só, não é fundamental, mas pode apropriação, de reflexão,
resolve nenhum problema. de contextualização. Só
Porém, ignorar as mudanças ser intensificada assim conseguiremos ima-
digitais em curso seria esco- e enriquecida através ginar e organizar um outro
lher a cegueira em relação tipo de educação.
ao que se passa à nossa volta. dos recursos digitais”
Essa revolução, que já está na O senhor afirma que a escola,
sociedade, tem de ser trazida sobretudo a pública, é uma
para dentro das escolas. instituição fundamental para a
construção da paz com a Terra e
O conceito de escola hoje está muito com os outros. O que é preciso para
ligado a um espaço físico delimitado por atingirmos tal objetivo?
paredes e muros e, em muitos contextos, desco- Para a paz com a Terra, precisamos de um novo
nectado da realidade além desses muros. Como isso conhecimento, de tecnologias que nos permitam viver e
deveria mudar? produzir de outra maneira, sem a exploração selvagem
Há duas ações simples que podem começar a ser feitas, de recursos que não são ilimitados. Para a paz com os
uma interna e outra externa. Internamente, é possível outros, precisamos da cultura, do diálogo, de compre-
introduzir mudanças progressivas na sala de aula e na ender e valorizar a diferença. A mudança da escola tem
organização dos horários, tornando mais flexível a utili- de estar ao serviço desse futuro. l
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

zação dos espaços e dos tempos. Permitir que os alunos

+
possam aprender sozinhos ou em grupo, tenham momentos
diferenciados de estudo, possam trabalhar com os seus SAIBA
professores (na turma, em pequenos grupos ou individual- JARAUTA, B.; IMBERNÓN, F. (orgs.). Pensando
mente), tenham acesso a salas com recursos digitais, etc. no futuro da educação: uma nova escola para
o século XXII. Porto Alegre: Penso, 2015.
Tudo isso exige um reforço da colaboração e da cooperação
entre os professores em cada escola. PALLOF, R.; PRATT, K. Lições da sala de aula
Externamente, é necessário desenvolver os princípios virtual: as realidades do ensino on-line.
da “cidade educadora” ou, como eu prefiro dizer, do Porto Alegre: Penso, 2015.
espaço público da educação. Há muitos outros lugares e
PÁTIO

21

Pátio EF72 - Entrevista.indd 21 27/10/2014 15:34:15


ENFOQUE Uma experiência diferente
e transformadora

● Kieran Egan

O programa Aprendizagem em Profundidade


permite que os alunos tornem-se experts
em algum assunto durante a sua educação,
envolvendo-se em atividades autodirigidas
de aprendizagem

V
incent Van Gogh afirmou que, se somos assunto durante a sua educação no ensino funda­
mestres em alguma coisa e a compreen­ mental e médio. Durante as primeiras semanas do
demos bem, temos ao mesmo tempo ano letivo, os alunos comparecem a uma cerimônia
perspicácia e compreensão a respeito de em que recebem o tema sobre o qual se tornarão
muitas coisas. Essa afirmativa constitui a base do experts. Os temas podem incluir maçãs, ferrovias,
programa Aprendizagem em Profundidade (LiD), besouros, sistemas numéricos, cavalos, o sistema
que desenvolvi em 2007 para oferecer aos alunos solar, a roda, e assim por diante. Os pais, irmãos e
oportunidades de se envolverem em aprendizagem amigos são convidados para a cerimônia. No trans­
profunda autodirigida enquanto adquirem novos co­ correr de sua educação, os alunos se envolverão em
nhecimentos sobre determinado assunto. Se nosso atividades de aprendizagem autodirigidas profun­
objetivo é reconsiderar a sala de aula para o futuro, das sobre o seu tema — com o tempo desenvolven­
podemos considerar novos programas como o LiD, do um nível profundo de conhecimento.
os quais são uma ruptura com as usuais formas roti­ Os professores ajudam os alunos a explorar
neiras de ensino e aprendizagem cotidianos. seus tópicos durante cerca de uma hora por se­
O programa Aprendizagem em Profundidade mana. Contudo, em alguns meses, cada aluno sa­
teve início em setembro de 2008, em duas tur­ berá mais sobre o seu tema do que o professor,
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

mas, na província canadense de British Columbia. de modo que o papel do professor é mais o de um
Atualmente em seu sexto ano, mais de 20 mil facilitador. Uma vez por ano, os estudantes fa­
crianças por ano estão participando de programas zem uma apresentação sobre o seu tema — e es­
Aprendizagem em Profundidade ao redor do mun­ sas apresentações com frequência são exibições
do — da Austrália ao Japão, do Chile à China, da impressionantes de aprendizagem. As crianças
Inglaterra às Filipinas. costumam aderir ao programa com grande entu­
O programa Aprendizagem em Profundidade siasmo, e, em pouco tempo, o programa Aprendi­
permite que os alunos tornem-se experts em algum zagem em Profundidade transforma radicalmente
PÁTIO

22

PátioEF72 - Enfoque.indd 22 28/10/2014 15:44:25


Ilustrações: Sérgio dos Santos Júnior
suas experiências como aprendizes. Idealmente, tra que essa estratégia funciona. Embora alguns
os alunos iniciam o programa em seus primeiros professores sintam que escolher é fundamental,
anos na escola, mas muitos iniciam nos anos mais isso pode ser problemático — é comum que, en­
avançados do ensino fundamental. tre as crianças pequenas, cinco desejarão se con­
centrar em cavalos, seis em princesas, oito em
Preocupações comuns dinossauros, e assim por diante. Constatamos que
Algumas pessoas imaginam que os alunos se en­ o programa funciona melhor quando os temas são
tediarão com seus temas de estudo após alguns distribuídos aleatoriamente. Em pouco tempo, os
meses — para não dizer anos —, mas o enfado alunos desenvolvem dedicação total ao seu tema;
é um produto da ignorância, e não do conheci­ eles compreendem que é seu assunto e que, no
mento. Quanto mais os alunos aprendem sobre transcorrer de sua educação, eles se tornarão es­
os seus temas, mais interessados eles ficam. Às pecialistas no assunto. Se os alunos iniciam o pro­
vezes, um aluno pode ficar “emperrado”, tendo grama em torno de 8 ou 9 anos, constatamos que
concluído uma exploração e sentindo incerteza funciona melhor permitir alguma escolha — talvez
sobre como prosseguir. Nesse ponto, os profes­ a partir da lista de 150 tópicos no site do LiD.
sores oferecem sugestões, e o site do programa E quanto à avaliação? Os professores não dão
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

na internet (www.ierg.net/LiD) e outros recursos nota ou avaliam formalmente o trabalho dos alu­
oferecem dicas para explorar qualquer tema em nos completado como parte do programa Apren­
uma nova direção. O enfado muito raramente é dendo em Profundidade — algo que talvez con­
um problema. tribua para o efeito transformador do programa
Os educadores ficam muito surpresos porque na experiência de aprendizagem dos alunos. Uma
os temas são distribuídos aleatoriamente quando avaliação informal é obviamente útil para que o
os alunos iniciam o programa no jardim de infân­ professor possa fazer sugestões aos alunos para
cia até a 3ª série. Porém, nossa experiência mos­ futuras direções a serem exploradas.
PÁTIO

23

PátioEF72 - Enfoque.indd 23 28/10/2014 15:44:27


Uma experiência positiva não lhe dei muita atenção. À medida que eles
para professores, pais e alunos estudavam seus tópicos, comecei a perceber
As escolas constataram que o programa LiD cria que meu filho estava comandando minha aten­
novos espaços para troca e cooperação entre alu­ ção com uma nova excitação em sua voz. Não
nos de diferentes séries, enriquece a cultura da pude deixar de ficar impressionada com as con­
escola e fornece um foco de interesse na comu­ versas... Fiquei espantada com o que ele sabia
nidade. Uma superintendente escolar de British e como era capaz de articular seu conhecimento
Columbia relatou-me que havia ouvido comentá­ com tanta confiança”.
rios positivos sobre o programa LiD e visitou duas Administradores, professores e pais ao redor
escolas em seu bairro para vê-lo em ação. Ela do mundo estão vendo os muitos benefícios do
se lembra de ter conversado com um menino de programa. Para os alunos, ele oferece uma opor­
6 anos sobre o tema dele, que era árvores, e ficou tunidade única para:
encantada com a profundidade do conhecimento ● adquirir conhecimento específico a respeito de
que ele tinha adquirido e com o seu entusiasmo um assunto;
para aprender mais. Ela estava gostando tanto da ● desenvolver habilidades de aprendizagem apli­
conversa que ficou fazendo mais perguntas. De­ cáveis a todas as áreas de conhecimento;
pois de um tempo, ele parou e agradeceu-lhe por ● envolver sua imaginação e suas emoções na
seu interesse, mas disse que precisava ir porque aprendizagem;
“tinha trabalho a fazer”. (Ele só tinha uma hora ● construir sua confiança como aprendizes;
por semana para se dedicar ao seu projeto e não ● compartilhar conhecimentos e aprender
podia mesmo gastá-lo conversando com superin­ com uma diversidade de pessoas de diversas
tendentes escolares!) maneiras;
Para os professores, o programa abre novas ● fazer parte de uma comunidade de aprendizes.
direções empolgantes para a turma. Ele posicio­
na o professor como um aprendiz ao lado Os comentários dos alunos sobre o programa
do aluno, retira a pressão das notas, demonstram muita empolgação: “Eu que­
proporciona o prazer de trabalhar ria que toda quarta-feira viesse mais
com aprendizes entusiasmados rápido para que o dia do LiD chegas­
e enriquece o currículo regu­ se logo e que os dias da semana
lar. Linda Holmes, professora só passassem devagar quando eu
de Langley, B.C., escreve: Quanto mais os estivesse me divertindo muito
“Eu nunca vivenciei o tipo
de perguntas e interações
alunos aprendem ou em um dia de LiD” (aluna
da 3ª série); “O LiD significa
que agora tenho com meus sobre seus temas, que eu tenho a chance de ex­
alunos”. Sheri Dunton, mais interessados plorar o que eu quero saber. Eu
professora em Corbett, tenho que fazer o LiD sozinho.
Oregon, declara: “O projeto eles ficam Eu aprendi a explorar as coisas
trouxe a nossos alunos uma à minha maneira, no meu ritmo
relação totalmente nova com e no meu próprio tempo” (aluno
a aprendizagem que tem sido da 6ª série); “O LiD é meu modo de
surpreendente por sua profundida­ aprender sobre alguma coisa que me
de e qualidade”. Muitos professores re­ interesse. Fiz cartazes, poemas e todo tipo
petem o sentimento compartilhado por Christa de atividade sobre ele. Eu gosto muito do projeto
Rawlings, de Surrey: “Foi para isso que eu entrei porque você pode aprender tanto quanto quiser. Eu
no magistério, para trabalhar com aprendizes entu­ gosto muito de aprender. O LiD me deu a oportuni­
siasmados, sem as pressões das notas, trabalhar ao dade de aprender sobre muitas coisas interessan­
lado das crianças e poder ajudá-las a fazer um pro­ tes” (aluno da 5ª série).
gresso tangível em seu trabalho e desenvolvimento
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

de habilidades. É simplesmente ótimo!”.


Os pais são muitas vezes os maiores apoia­
dores do programa. Os comentários de Nicole
Clydesdale, mãe de um aluno da escola de en­
sino fundamental Gordon Greenwood, perto de
Vancouver, B.C., não são incomuns: “Meu filho
foi introduzido no projeto por seu professor na
2ª série. Quando foi iniciado, veio uma carta l Kieran Egan é professor na Faculdade de Educação
para casa explicando o programa. Confesso que da Simon Fraser University (Canadá).
PÁTIO

24

PátioEF72 - Enfoque.indd 24 28/10/2014 15:44:27


COTIDIANO

aprendizagem além
das fronteiras
● RoCsana marino denis
● maria nazareth guedes da silva
● luiz antonio gerardi junior

A feira de ciências realizada no Colégio Mater Amabilis,


de Guarulhos (SP), misturou alunos do 6º ao 8º ano, que também
contaram com a colaboração de professores do ensino médio
e viram que a ciência vai além do que é ensinado na sala de aula

ue professor não sofreu com a pressão propósito de complementar a formação do aluno, estimu­

Q
de uma iminente feira de ciências? lar a pesquisa, o trabalho em grupo, o aprender a fazer.
Diante dessa situação, como en­ Também deve desafiar o estudante com um projeto novo
frentar tal desafio? Não há muito e despertar os talentos que antes lhe eram desconhecidos.
ma­terial disponível para nos auxiliar Assim, ao planejar a feira, deparamo-nos com os
e, em geral, aprendemos fazendo. No primeiros desafios: como organizá-la com poucos profes­
intuito de contribuir com nossos colegas,
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

sores de ciências e muitos alunos? Onde encontrar temas


compartilhamos nossa proposta de organização e adequados? Como obter o apoio da escola e dos pais?
apresentação da 1ª Feira de Ciências do Colégio Mater O passo inicial foi a elaboração do planejamento. De­
Amabilis, em Guarulhos (SP), realizada em 2013 com pois o apresentamos à direção, convidamos professores
os alunos do 6º ao 8º ano do ensino fundamental. de outras matérias a participar, explicamos aos alunos
Sempre fizemos projetos de ciências inseridos nos todo o projeto e, por fim, enviamos aos pais o projeto
eventos culturais da escola; porém, dessa vez, ele foi final. Feito isso, conquistamos o apoio da equipe dos
apenas de ciências. O evento superou as expectativas professores e das famílias.
e agradou tanto à direção quanto aos alunos e seus fa­ O projeto foi dividido em quatro etapas e cada
miliares. Acreditamos que uma feira de ciências tem o uma delas foi minuciosamente discutida.
PÁTIO

25

Pátio EF72 - Cotidiano.indd 25 27/10/2014 15:38:53


COTIDIANO

Fotos: arquivo Mater Amabilis


Os grupos
foram formados
por estudantes
de diversas idades

Primeira etapa: tema e solucionaram-se as dúvidas. Os alunos trou­


escolha dos temas e organização dos grupos xeram as pilhas de casa e realizaram a experiência,
Nos grupos de trabalho, professores e alunos deter­ surpreendendo-se quando as viram abertas. Na ele­
minaram os temas. Os estudantes inscreveram-se em trólise, fizeram a deposição de cobre em uma moeda
seu assunto de interesse. Nesse momento, decidimos e ficaram fascinados com o resultado.
fazer um relatório com todos os temas e então o
afixamos nos murais. Os alunos faziam sua escolha Segunda etapa:
livremente, não precisando limitar-se a uma série ou ampliação do repertório do grupo
sala. Os professores do ensino médio e fundamental Cada professor orientou seus alunos com leituras,
trabalharam em equipe. livros e pesquisas, e o próprio grupo determinou como
A seguir, fizemos o orçamento, estabelecendo seria o seu trabalho. No decorrer do projeto, fizemos
um limite máximo de gasto para todos os trabalhos. um concurso para a escolha da logomarca da feira.
Priorizamos o uso de materiais alternativos (sucata, Surgiram muitas ideias interessantes, então fizemos
materiais recicláveis, aquilo que se encontra fora de um livreto com os desenhos vencedores e os resumos
uso em casa) e determinamos o prazo para a realização de todos os projetos, que foi entregue como lembran­
dos trabalhos de cada etapa. ça para os visitantes no dia do evento.
Cada grupo escolheu seu aluno representante,
que fazia a mediação do grupo com o professor orien­ Terceira etapa:
tador. Os organizadores e os alunos representantes planejamento e execução do trabalho
reuniam-se periodicamente para a troca de experiên­ Cada grupo, junto com o professor orientador, fez o pla­
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

cias. Trabalhamos com 29 projetos diferentes. Alguns nejamento do projeto antes de sua execução. No pla­
se destacaram, como Os sentidos, Armas químicas, nejamento constavam resumo, conteúdo que o grupo
Robótica, Animais abandonados, C.S.I. (solução de desejava transmitir ao público, materiais, montagem
um crime), Vulcanismo, Espelho, espelho meu e e um desenho de como ficaria o estande ou a sala de
Terapia do riso. aula no dia da apresentação. Durante os preparativos,
A professora Rocsana, orientadora do grupo Pilha os alunos fizeram registros em cartazes, banners ou
e eletrólise, iniciou o trabalho indicando a pesquisa painéis para se sentirem mais bem representados. Eles
de assuntos relacionados, como átomo, corrente elaboraram vídeos, maquetes, experimentos, lembran­
elétrica, funcionamento da pilha e usos da eletró­ ças do projeto para o público, fantasias e enfeites.
lise. Posteriormente, nos encontros, discutiu-se o Demos espaço para a criatividade deles.
PÁTIO

26

Pátio EF72 - Cotidiano.indd 26 27/10/2014 15:38:53


Os alunos
apresentaram
suas pesquisas
aos visitantes

Quarta etapa: A importância da feira para os professores


apresentação do resultado Alguns paradigmas ou conceitos que aplicamos em
da pesquisa ao público nossos eventos ou aulas, muitas vezes, obedecem a
Um dia antes da feira, os alunos preparam a sala de aula modelos que podem ser revistos e melhorados. Por
ou o estande para receber os visitantes e ensaiaram a exemplo, misturamos alunos de séries diferentes, en­
apresentação. As salas ficaram muito bonitas. No dia quanto professores de ensino médio orientaram alunos
do evento, eles estavam animados e felizes por mostrar do 6º ao 8º ano. Hoje, muitos alunos do ensino funda­
o resultado do trabalho. A feira recebeu centenas de mental olham para os professores do ensino médio e os
visitantes. Pais, tios e avós tiravam fotos dos alunos, reconhecem, assim como os professores percebem que
que estavam orgulhosos em apresentar sua pesquisa, contribuíram para a formação de seus futuros alunos.
falando com a propriedade de quem realmente faz.
NOTA
A importância da feira para os alunos 1. Os autores agradecem a colaboração da diretora do Colégio
Os grupos foram formados por alunos de diversas ida­ Mater Amabilis, Adélia Toba, da professora de espanhol Yisely
M. Denis e de todos os funcionários e professores que contri­
des, o que possibilitou que aprendessem uns com os buíram para a realização do evento.
outros. Ao trabalhar com pessoas de diferentes, eles
tiveram de gerenciar conflitos. Muitos aprenderam a
ter autonomia, ganhando mais experiência e respon­ l Rocsana Marino Denis é graduada em Pedagogia,
sabilidade, fatores essenciais à formação. O projeto Química e Engenharia Química e professora
despertou líderes e talentos; dessa experiência tam­ de química no Colégio Mater Amabilis.
rocsana.denis@gmail.com
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

bém nasceram novas amizades.


Os alunos entraram em contato com uma diversi­
l Maria Nazareth Guedes da Silva é bacharel
dade de temas, outras tecnologias, novos mundos, e
em Biologia, especialista em Educação Ambiental
puderam ver que a ciência vai além do que é ensinado
e professora de ciências no Colégio Mater Amabilis.
na sala de aula. Eles perceberam como é difícil começar nazarethguedes@hotmail.com
um novo projeto (assuntos novos, colegas novos, pro­
fessores novos); porém, com empenho e dedicação, no l Luiz Antonio Gerardi Junior é biólogo,
final as expectativas são alcançadas e os desafios podem mestre em Ciências e professor de ciências
ser superados. No dia do evento, todos testemunharam e laboratório no Colégio Mater Amabilis.
o que os alunos são capazes de realizar. lagerardi@gmail.com
PÁTIO

27

Pátio EF72 - Cotidiano.indd 27 27/10/2014 15:38:54


COTIDIANO

EDUCAÇÃO INTEGRAL
COM SUCESSO
● Devanir Rodrigues de Oliveira

Atividades como oficinas eletivas e recreio dirigido


fazem parte do currículo do Colégio Estadual
do Criméia Oeste, de Goiânia (GO)

Colégio Estadual do Criméia Oeste, lo­ Os(as) professores(as) devem desenvolver pro­

O
calizado no bairro do mesmo nome em jetos em conjunto, estimulando os(as) estudantes a
Goiânia (GO), atende alunos do 1º ao pesquisar mais sobre as áreas abrangidas pela matriz
9º ano do ensino fundamental, sendo curricular, bem como aprofundar seus conhecimentos
415 do 1º ao 5º ano e 363 do 6º ao 9º. no campo das artes e da cultura. A ideia é que o ensino,
A instituição compreende que a educa­ por meio dos projetos educacionais desenvolvidos, pro­
ção integral não deve ser somente a ampliação do tempo picie uma educação para vida, uma formação cidadã.
escolar, mas sim um espaço de convivência, troca de Para que fosse possível essa aplicação metodológica,
experiências e aprendizagem, onde o(a) educando(a) organizamos o quadro de ensino da seguinte forma:
possa desenvolver sua formação social, cultural, cogni­ l Currículo básico e atividades curriculares:
tiva e psicológica. A experiência de educação integral das 7h às 11h25min ocorre a aplicação das disciplinas
teve início no ano de 2005, por acreditarmos na ideia obrigatórias da matriz curricular. Das 13h às 15h, são
do espaço educacional como propiciador de atividades realizadas atividades complementares de pesquisa,
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

formativas para crianças e adolescentes. reagrupando os(as) estudantes nas atividades de


Com o número de crianças e adolescentes atendi­ estudo dirigido, apoio ao letramento, matemática
dos em um espaço de 2.983 m², o desafio foi construir prática, iniciação científica e vivências.
uma metodologia interna provedora de atividades cog­ l Oficinas eletivas: são realizadas entre 15h e
nitivas e lúdicas que levasse em consideração o caráter 16h45min. Nelas os(as) estudantes são esti­mulados(as)
formativo da escola integral, viabilizando a formação a aprender e praticar atividades no campo das artes
do ser humano. Dadas essas condições, optamos por visuais, capoeira, circo, contação de histórias, coral,
desenvolver uma metodologia de trabalho que tem a dança, flauta, futsal, jogos recreativos, caratê, per­
interdisciplinaridade como meta. cussão, teatro, tênis de mesa e violão.
PÁTIO

28

Pátio EF72 - Cotidiano.indd 28 27/10/2014 15:38:54


Foto: Rita Lotti
As atividades complementares
incluem apoio ao letramento,
matemática prática
e iniciação científica

l Recreio dirigido: os(as) professores(as) das l Projeto Sistema Solar: as professoras de geo­
oficinas eletivas desenvolvem projetos de artes e grafia e de ciências trabalham a teoria do Big Bang;
brincadeiras para o período do recreio escolar. a professora de artes aborda as formas e cores do
l Atendimento especializado educacional: sistema solar e a professora de língua portuguesa
a escola dispõe de professores(as) de apoio para 32 trabalha a oralidade dos(as) estudantes, que apre­
estudantes portadores de necessidades especiais, sentam uma exposição oral para finalizar o projeto.
contribuindo para a sua inclusão na comunidade l Projeto Egito e a Matemática: reconstrói os cál­
escolar e na sociedade. culos matemáticos com base nas figuras geométricas
l Planejamento: cada professor(a) dispõe de oito das pirâmides. A professora de história introduz o con­
horas e meia semanais, em sua carga horária, para texto social e econômico do Egito e a de língua inglesa
o planejamento das atividades, individual ou co­ apresenta o vocabulário egípcio na língua inglesa.
letivamente. Essa atividade é acompanhada pela l Projeto Corozum: trata-se de um coro cênico
coordenação pedagógica. que em 2013 fez o resgate de cantigas populares.
As professoras do 1º ao 5º ano trabalharam a inter­
Currículo básico e atividades curriculares pretação do texto poético das cantigas, enquanto a
Nosso colégio estabelece uma íntima relação entre os professora de coral trabalhou ritmo, canto, técnica
conhecimentos científicos e a realidade do(a) estu­ vocal e memorização das letras e a de dança, as
dante. Propõe trabalhar os conteúdos curriculares da gesticulações e os movimentos.
base nacional comum e da parte diversificada a partir Em 2014, a professora de futsal desenvolveu um
de temas, em coerência com o Currículo Referência projeto sobre a Copa do Mundo no Brasil, abordando os
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

do Estado de Goiás. Visa desenvolver com o(a) estu­ jogos, a história e a importância desse evento, enquan­
dante a criatividade, o dinamismo, a participação no to a professora de arte trabalhou com as ilustrações e
contexto social, introduzindo valores éticos, morais as reproduções dos símbolos da Copa.
e de respeito aos direitos humanos. Nesse ambiente,
o(a) educando(a) constrói-se como cidadão, em pleno Oficinas eletivas
uso de seus deveres e direitos. Procura-se desenvolver O(A) estudante é convidado(a) a escolher as oficinas
um espaço que promova a reflexão para a formação que pretende cursar durante o ano letivo. Caso não
cidadã. Estes são alguns exemplos de atividades se adapte à escolha, podem ser feitas alterações no
desenvolvidas. início do processo de ensino. Às 15h, os(as) estudantes
PÁTIO

29

Pátio EF72 - Cotidiano.indd 29 27/10/2014 15:38:54


COTIDIANO

Foto: Devanir Rodrigues de Oliveira


Os alunos são estimulados
a aprender e praticar atividades
como capoeira, circo, contação
de histórias, coral e dança

organizam-se em grupos no pátio da escola e seguem Recreio dirigido


para a sala onde ocorre sua oficina, acompanhados(as) Por haver muitos alunos, optamos por direcioná-los
pelo(a) professor(a) que ministra a atividade. durante o recreio, e essa foi uma ideia que superou
Para direcionar os trabalhos desenvolvidos com os(as) as expectativas. Os(as) professores(as) responsá­
estudantes durante o ano letivo, define-se um eixo temá­ veis pelas oficinas desenvolvem atividades dinâmi­
tico, a partir do qual os(as) professores(as) responsáveis cas atraindo o interesse dos(as) estudantes durante
pelas oficinas planejam suas aulas de acordo com a sua todo o recreio. Saliento que os(as) estudantes não
área de atuação, buscando promover a convergência com são obrigados(as) a participar de nenhuma ativida­
as atividades desenvolvidas pela comunidade escolar a de. Eles participam voluntariamente e têm liberdade
fim de estreitar as relações interpessoais. para transitar entre as atividades sem nenhuma res­
É responsabilidade dos(as) professores(as) a orga­ trição. Toda atividade desenvolvida conta com um(a)
nização da Mostra Cultural da Escola, momento que se professor(a) responsável, que organiza o espaço e os
unem para organizar um evento que abranja as áreas materiais necessários para a ação e orienta os(as) es­
de conhecimento desenvolvidas pelo grupo de oficinas tudantes durante as brincadeiras.
eletivas. Além de garantir a inclusão durante as aulas da Além de pula-cordas, amarelinhas, bolas e outras
tarde, compete aos(às) professores(as) de oficinas reali­ brincadeiras do universo infantil, contamos também
zar, durante a manhã de um dos dias da semana, um tra­ com roda de capoeira, roda de hip hop, coreografias de
balho individualizado com um(a) estudante portador(a) músicas populares, caracterizações/pinturas, espaço
de necessidades especiais na área em que atuam. musical, onde os(as) estudantes podem tocar instru­
Os(as) professores(as) responsáveis pelas oficinas mentos musicais e cantar músicas populares, cantinho
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

também desenvolvem projetos educacionais em con­ da leitura, tênis de mesa, entre outros.
junto com os(as) professores(as) do currículo básico Por ser esta uma escola com mais de 700 estu­
e do atendimento especializado educacional voltados dantes, o recreio dirigido é um recurso inovador, que
à formação do(a) estudante na busca pela qualidade mobiliza professores(as) de diversas áreas para o en­
social da educação integral. Uma formação de quali­ tretenimento dos alunos, transformando esse momento
dade, em qualquer área de conhecimento, acontece de descanso em algo prazeroso sem que haja problemas
a partir do fortalecimento do diálogo e da experiência de interação entre eles.
no trato pedagógico e da busca do prazer no ato de Comparado com o recreio usual, o recreio diri­
ensinar e aprender. gido cria possibilidades de lazer mais direcionadas
PÁTIO

30

Pátio EF72 - Cotidiano.indd 30 27/10/2014 15:38:54


Foto: Rita Lotti

A participação é voluntária,
e os alunos têm liberdade
para transitar
entre as atividades

criativamente em um momento que antes era ocioso. Considerações finais


Contudo, ele continua sendo o horário em que os(as) Conforme foi descrito, conseguimos manter uma
estudantes podem exercitar a capacidade de escolha educação integral de qualidade. A equipe do Colégio
e de tomada de decisões. É como uma festa diária, Estadual do Criméia Oeste prima pela formação cidadã,
com várias atividades entre as quais eles podem ir e aprendendo a conviver com as diferenças, integrali­
vir de acordo com os seus interesses. zando o ensino por meio do trabalho em conjunto,
desenvolvido pelas áreas de ciências humanas, exatas,
Atendimento especializado educacional (AEE) biológicas e artes.
O AEE é um ponto de apoio com a função pedagógica Ainda estamos em construção, buscando métodos
de atender estudantes diagnosticados com algum tipo que nos aproximem mais do ensino interdisciplinar,
de deficiência. Para isso, contamos com um quadro de porém acreditamos que o caminho que estamos tra­
professores(as) pós-graduados(as) em ensino especial, çando é o que melhor possibilita chegarmos a esse fim.
que realizam o apoio pedagógico a essas crianças e, Estamos sempre pesquisando, pois acreditamos que o
junto com os(as) professores(as) regentes e respon­ ensino é processual e está em constante transforma­
sáveis pelas oficinas, promovem a inclusão desses(as) ção; logo, não existem métodos fixos, e sim profissio­
estudantes na comunidade escolar. nais que procuram capacitação constante, sempre em
Esse trabalho é desenvolvido por meio de diálogos busca de métodos inovadores.
específicos, materiais didáticos/pedagógicos adapta­
dos de acordo com a necessidade e atividades que
estimulem a autoestima dos(as) estudantes especiais, nota
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

promovendo a sua interação com os demais. O autor agradece a colaboração da diretora Neuva Pereira e das
Também é oferecido atendimento psicológico e professoras Dalva Vieira, Fabíola Pereira e Letícia Reis.
fonoaudiológico a qualquer estudante do colégio que
necessite de encaminhamento para os profissionais
dessas áreas. A excelência da qualidade no atendi­
l Devanir Rodrigues de Oliveira é graduado
mento especializado é uma conquista da escola junto em Educação Artística com Habilitação
à Secretaria de Estado de Educação (SEDUC), que em Artes Cênicas e professor de teatro
disponibilizou os recursos devido ao elevado nível do do Colégio Estadual do Criméia Oeste em Goiânia.
trabalho desenvolvido pela equipe do AEE do colégio. devs.teatro@gmail.com
PÁTIO

31

Pátio EF72 - Cotidiano.indd 31 27/10/2014 15:38:55


A arte, o eterno
e o efêmero
O projeto “Arte e materialidade, que seja eterno
enquanto dure” nasceu da necessidade de refletir
sobre a destruição causada por um tornado
no município paulista de Taquarituba

l Alberto Rodrigues dos Santos

passagem de um tornado pelo município e possibilitando um olhar atento e afetivo para as

A
de Taquarituba (SP), onde está loca- coisas do mundo. A proposta foi refletir sobre a eter-
lizada a E.E. José Pires de Carvalho, nidade e a efemeridade, partindo dos monumentos
deu origem ao projeto “Arte e mate- construídos para registrar e homenagear fatos ou
rialidade, que seja eterno enquanto pessoas da história da humanidade. Além de abrir
dure”. Em 22 de setembro de 2013, espaços para as potencialidades criativas dos alunos,
Taquarituba foi atingida por um tornado o projeto permitiu que eles se identificassem com o
que devastou a cidade, destruindo a rodoviária, o patrimônio cultural, criando uma relação afetiva e
parque industrial, o ginásio de esportes e várias casas, compreendendo a democratização do espaço público.
causando a morte de duas pessoas e deixando muitos
feridos. O tornado passou muito perto da E.E. José PERPLEXIDADE
Pires de Carvalho, onde leciono, e vários alunos que Assim que voltamos às aulas, percebi que os alunos
moram nas redondezas foram afetados. estavam perplexos com o estado em que se encontrava
O projeto nasceu da necessidade de se trabalhar a cidade. Havia ferros retorcidos; telhas, chapas de
nas aulas de arte um modo de pensar, materializar e zinco e árvores arrancadas por todos os lados; pes-
catalisar os sentimentos de espanto que ficaram na soas desabrigadas morando em casas de parentes ou
memória das vítimas do tornado. A ideia foi utilizar amigos. Percebi que eles precisavam expor esses sen-
o patrimônio público destruído durante esse episó- timentos de medo, espanto e angústia. Então propus
dio como mecanismo facilitador para possibilitar a que observassem a obra O grito, de Edward Munch,
entrada em vários territórios da arte: materialidade, que estávamos estudando naquele momento, e então
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

forma-conteúdo, processos de criação, saberes esté- a relacionassem com o tornado e com o que haviam
ticos e culturais. Segundo Dewey, “toda experiência presenciado naqueles dias.
é resultado da interação entre uma criatura viva e Discutimos sobre as ilustrações, sobre o sentimen-
algum aspecto do mundo em que ela vive” (2010, p. to de medo e pânico perante as forças da natureza e,
122). Assim, o projeto propôs uma experiência esté- em determinado momento, o assunto voltou-se para
tica completa, propiciando uma interação dinâmica a fragilidade do ser humano em tais circunstâncias e a
e ativa entre os alunos do ensino fundamental da perenidade das coisas materiais. Lancei uma reflexão
escola e seu ambiente. para a turma: as coisas materiais que o homem produz
Para tanto, utilizamos os diversos caminhos (casas, prédios, monumentos, etc.) são eternas ou
que a arte proporciona, explorando seus territórios não? O que fica é a memória? A discussão estendeu-se
PÁTIO

32

PátioEF72 - Arte na Escola.indd 32 28/10/2014 15:42:40


por um bom período. Refletindo sobre as respostas MATÉRIAS RESISTENTES
dos alunos, comecei a pensar em uma maneira de Iniciei a primeira etapa explicando que os monumen-
catalisar os sentimentos deles por meio da arte. tos podem ser esculturas talhadas em materiais como
Em meu caminho para a escola, observei inúmeros pedra, ferro, mármore, aço, bronze, madeira e osso,
materiais que o vento havia espalhado pelos campos, ou edificações como o Taj Mahal, reiterando que a
pastos, ruas e esquinas, o que me permitiu traçar o expectativa é de que durem para sempre. Apresentei
percurso do projeto — um monumento em homena- a Vênus de Willendorf e depois esculturas egípcias
gem às vítimas do tornado, construído a partir desses e gregas, obras de artistas como Rodin, Brecheret,
objetos, que deveriam ser recolhidos pelos alunos. Aleijadinho e Franz Weissmann.
Após explicar a importância da materialidade Fizemos uma expedição cultural pela cidade para
na arte e falar sobre os diversos materiais que conhecer seus principais monumentos. Discutimos
podem ser usados como veículos de expressão nas sobre os significados, os materiais empregados na
linguagens artísticas, introduzi os conceitos de construção das obras e os artistas que os criaram. Após
monumento, sua função e suas características. Ao algumas reflexões, solicitei que os alunos, seguindo o
finalizar a aula, propus outra reflexão: o monumen- exemplo de Franz Weissmann, criassem uma maque-
to é eterno ou não? Para que eu pudesse avaliar te do monumento que construiríamos. Observando
o andamento do projeto, solicitei que os alunos o resultado, notei que eles tinham uma necessidade
escrevessem suas impressões em uma ficha, que imensa de narrar os acontecimentos que presenciaram.
denominei Relato de Experiência. Por isso, decidi acrescentar ao projeto uma instalação,
No período de recesso escolar, refleti sobre as com o objetivo de servir como instrumento narrativo
questões levantadas por nós e comecei a traçar os dos acontecimentos, visto que meu foco não era obter
caminhos que percorreríamos. Dividi o projeto em um “produto final”, e sim proporcionar aos alunos
três fases: matérias resistentes, arte efêmera e cria- formas de canalizar suas emoções no intuito de cessar
ção do monumento com instalação em homenagem o movimento interno iniciado com a tragédia vivida.
às vítimas do tornado. A ideia era apresentar aos
alunos os materiais resistentes e o efêmero, sempre ARTE EFÊMERA
estabelecendo conexões para comparação e reflexão Busquei nas esculturas efêmeras uma maneira de
por meio de experimentos artísticos. Trabalhei com mostrar aos alunos os diversos materiais que não
diversos artistas, tentando salientar suas singula- são duráveis. Assim, experimentamos a areia como
ridades. Utilizei-me de experimentos com diversos matéria-prima. Após apresentar a obra Monumento
materiais — ferro, aço, argila, gelo, areia, papel mínimo, da artista Néle Azevedo (http://nelea-
alumínio, tela de galinheiro, silicone, alginato, ovo zevedo.com.br), recriamos as esculturas de gelo.
— a fim de contextualizá-los no universo presente dos Fizemos negativos com alginato e borracha de
alunos: o tornado. silicone das esculturas feitas anteriormente em

O grupo fez uma expedição


cultural pela cidade
para conhecer seus
principais monumentos
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015
Fotos: Alberto Rodrigues dos Santos

PÁTIO

33

PátioEF72 - Arte na Escola.indd 33 28/10/2014 15:42:42


Materiais não duráveis,
como areia e gelo,
serviram para
fazer esculturas

argila. Gravamos o gelo derretendo, as esculturas


se desfazendo e os depoimentos dos alunos. Depois
refletimos sobre a experiência.

O MONUMENTO E A INSTALAÇÃO
Reunimos os objetos recolhidos nas ruas pelos alunos
para conversarmos sobre a construção de um monu-
mento. Um deles sugeriu que um ferro em formato de
“V”, lembrando vítima, poderia ser utilizado como base
(suporte). Fitas cortadas de chapas de zinco foram retor-
cidas em torno desse “V”, como se o tornado estivesse
envolvendo as vítimas. As partes da escultura foram
soldadas por um serralheiro, e os alunos acompanharam
o processo. Recebemos autorização — e os parabéns — do
prefeito, que se comprometeu a instalar a escultura em
um parque afetado pelo tornado, que será reformado. por considerarem esse um local seguro. Sugeri que
Com isso, ela se transformará em um monumento. criássemos a instalação dentro de um banheiro desa-
tivado na escola, pois ele resumiria simbolicamente
INSTALAÇÃO as histórias. Os alunos foram incumbidos de gravar
Nas aulas seguintes, voltamos a pensar nas possibilidades os depoimentos das vítimas com seus celulares, que
de criação artística com os outros objetos recolhidos seriam posteriormente projetados na instalação.
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

pelos alunos. Era chegado o momento de adentrar em Como a ideia do projeto era trabalhar a mate-
outro território: a instalação. Portanto, nas aulas expo- rialidade e suas possibilidades, produzirmos nossas
sitivas, utilizei vídeos para detalhar o conceito. próprias tintas, assim como Nuno Ramos. Inicialmente,
Nossa inspiração foi o artista contemporâneo apresentei a têmpera, e fizemos vários experimentos
Nuno Ramos, cuja obra é caracterizada pelo acúmulo com pigmentos naturais e industrializados. Em segui-
de materiais. Apresentei diversos vídeos e documen- da, pintamos alguns objetos para a instalação e os
tários e refletimos sobre suas obras. Que espaços amarramos, com o auxílio de arame, em um painel de
poderíamos utilizar para narrar as histórias das ví- papelão. Com pincéis, espátulas e as próprias mãos,
timas do tornado? Um aluno comentou que muitas usando outra tinta preparada por nós, os estudantes
pessoas se esconderam nos banheiros de suas casas criaram um painel para colocar no fundo do banheiro.
PÁTIO

34

PátioEF72 - Arte na Escola.indd 34 28/10/2014 15:42:48


Objetos recolhidos
nas ruas pelos alunos
serviram para a construção
de um monumento

Inauguramos a instalação e, nos finais de semana, A experiência provou que é possível desenvolver
durante o programa Escola da Família, registramos as ações que viabilizem o diálogo e a participação con-
visitas em um livro de presença e colhemos tanto os junta de todos os envolvidos, promovendo os três
depoimentos dos visitantes quanto suas impressões eixos de um aprendizado significativo: contextuali-
sobre a obra. zação, produção e apreciação.
Após a finalização do projeto, conversamos sobre as
produções realizadas. Os alunos registraram nas fichas
suas conclusões finais. O que mudou ou poderia ser
mudado? Também voltamos à questão inicial: o monu-
mento é eterno ou não? As impressões foram bastante REFERÊNCIAS
satisfatórias, pois percebi que houve uma modificação CLARO, A.M. (dir.). Monumentos de Franz Weissmann. SescTv,
no modo de ver as aulas de arte em todos nós. São Paulo, 2001. DVD 23 (23 min). Material educativo para
professor-propositor. DVDteca Arte na Escola.
DEWEY, J. Arte como experiência. São Paulo: Martins Editora
Conclusão Livraria, 2010.
O projeto proporcionou o estudo da matéria fazendo RABELLO, M.E. (dir.). Arte e materialidade. Rede SescSenac de
conexões com a construção do objeto de arte. Percebi Televisão, São Paulo, 2000. DVD 7 (23 min). Material educativo
que, quando os alunos experimentam e vivenciam a para professor-propositor. DVDteca Arte na Escola.
arte, saem do lugar comum para pensar como cidadãos ____. Nuno Ramos: arte sem limites. SescTv, São Paulo, 2000. DVD
que fazem parte de uma sociedade, pois, a partir do 23 (23 min). Material educativo para professor-propositor.
DVDteca Arte na Escola.
momento em que atribuíram significado aos objetos que
SECRETARIA Estadual de Educação. Currículo do Estado de São
o tornado jogou pela cidade, eles certamente saíram Paulo — Arte. São Paulo, 2008.
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

modificados para a vida. Isso é perceptível nos relatos


de experiência registrados durante todo o percurso.
Os alunos vivenciaram uma experiência estética
completa. Ao concluirmos o projeto, observei que
houve a consumação do movimento inicial. Eles não
só se reconheceram, mas também se colocaram re-
ceptivamente para absorver, por meio dos sentidos
(corpo-mente), o objeto de arte criado. Destaco l Alberto Rodrigues dos Santos é graduado em arte,
ainda a ressignificação que os alunos atribuíram a ator e professor de arte da rede municipal de Taquarituba (SP).
objetos comuns. albertorodrigues1000@ig.com.br
PÁTIO

35

PátioEF72 - Arte na Escola.indd 35 28/10/2014 15:42:53


conselho de classe

Patricia Alejandra Behar


Caroline Bohrer do Amaral

Novas possibilidades
para a ciberinfância

Os docentes, de modo geral, falam a respeito


das tecnologias na sala de aula a partir do senso comum.
Suas argumentações demonstram a necessidade
de aprofundar seus conhecimentos na área

Atualmente, a maioria das crianças utiliza artefatos tecnológicos (Amaral, 2010). Diante das
celulares, notebooks, tablets e computa- necessidades desse tipo de infância e das apren-
dores com acesso à internet. Portanto, dizagens potenciais a partir dos artefatos, o pro-
não se podem mais negligenciar os aparelhos e as fessor precisa entender mais sobre o contexto em
competências dos estudantes. Os professores dos que nascem e vivem as crianças, participar de
anos iniciais do ensino fundamental devem aproxi- suas culturas e, com isso, repensar suas práticas
mar-se da ciberinfância, conhecer e analisar arte- pedagógicas e, muitas vezes, (re)inventá-las.
fatos tecnológicos e pensar sobre o planejamento A prática pedagógica com artefatos tecnoló-
pedagógico de práticas ativas e dinâmicas a partir gicos requer procedimentos indispensáveis à ação
dos saberes sobre/com as tecnologias. do professor. Conforme Zabala (1998), a prática
O conceito de ciberinfância refere-se às crian- deve ser reflexiva, prevendo planejamento e ava-
ças que lidam com as tecnologias desde muito liação, pois o que acontece nas aulas, a própria
cedo, e essa infância é apenas uma entre tantas intervenção pedagógica, precisa de uma análise
outras que constituem a nossa sociedade. O que que leve em conta as intenções, as previsões e a
avaliação dos resultados. Ao planejar, é preciso
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

foi entendido como infância no século passado foi


construído culturalmente a partir de necessida- perguntar-se para quem está sendo criada a aula
des sociais que surgiram na modernidade (Ariès, e quais são os objetivos. A intencionalidade é in-
1981). Hoje é possível dizer que não existe ape- trínseca à prática, visto que esta não se restringe
nas uma infância, mas sim múltiplas infâncias, ou à ação docente, mas contempla suas concepções
seja, diversos modos de ser criança. teóricas. Sendo a prática um encontro das ações
O computador, a internet e seus conteúdos do educador com as ações dos estudantes, cada
digitais são recursos presentes na vida da ciberin­ contexto em que ela ocorre constitui uma relação
fância. Esses artefatos fazem parte da cultura, específica. Nesse sentido, faz-se necessário coor-
carregam significados e podem ser analisados denar planejamento e fazer pedagógico com os
pedagogicamente, por isso foram denominados pensamentos e as culturas dos alunos.
PÁTIO

36

Pátio EF72 - Conselho.indd 36 27/10/2014 15:41:33


Professores mostram-se
incomodados porque as crianças
encontram a informação pronta
na internet e então a copiam

Os artefatos tecnológicos potencializam as Certas concepções dos docentes e a resis-


práticas pedagógicas e, para isso, é necessário tência a mudanças na prática podem levá-los a
inovar as formas de pensar, ensinar e aprender. pensar que somente os recursos tradicionais são
Segundo Behar (2009), o atual momento é de eficazes no processo de ensino e aprendizagem.
transformação, no qual os paradigmas presentes No entanto, entende-se que a ciberinfância re-
na sociedade já não estão dando mais conta das quer práticas pedagógicas que também contem-
relações, das necessidades e dos desafios sociais. plem a dinâmica e os recursos que fazem parte

Ilustração: iStockphoto.com/bubaone
Os artefatos, como a internet, na medida em que de sua época. As possibilidades de gestão de cria-
educam e produzem subjetividades, também são ção, publicação e compartilhamento de informa-
considerados pedagógicos. Isso significa que não é ções na web tornam os usuários sujeitos ativos:
apenas a escola e a família que educam as crian- autores, produtores de imagens e vídeos, atores,
ças, mas também outros meios. comentaristas. A escola precisa incorporar essas
O estudo de Amaral (2010) procurou conhecer novas configurações às suas aulas, já que a fala,
os entendimentos de professores da educação in- a troca, a colaboração, a cooperação podem ser
fantil e dos anos iniciais do ensino fundamental so- produzidas em ambientes nos quais os estudantes
bre a ciberinfância e como estes planejam práticas encontram-se no ciberespaço.
pedagógicas com artefatos tecnológicos. Em um Esses recursos podem ser direcionados para
curso de extensão realizado com docentes, abor- os objetivos educacionais. Uma possibilidade para
dou-se o tema da infância atual, sendo possível esses encontros são os ambientes virtuais de
ver o entusiasmo que demonstraram ao descrever aprendizagem, que, graças às suas diferentes fun-
atitudes de seus alunos relacionadas à tecnologia. cionalidades, permitem a criação e o comparti-
A ideia do enfrentamento de um período de lhamento de materiais. Neles podem ser postados
mudança, que transforma o conceito de infância arquivos, vídeos e imagens, trocadas mensagens
e influencia as experiências vividas pelas crian- por meio de debates, comentários, postagens,
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

ças, é compartilhada entre os professores. Por além de organizados aulas e conteúdos. Como se
outro lado, eles comentam, um tanto incomoda- restringem a grupos fechados de professores e
dos, o fato de as crianças encontrarem a infor- alunos de escolas, os ambientes virtuais de apren-
mação pronta na internet e então a copiarem; de dizagem são considerados seguros para serem uti-
fazerem “tudo” ao mesmo tempo; de utilizarem lizados na prática pedagógica com as crianças.
demais a internet e não saberem desfrutar de um Um deles é o Planeta ROODA 2.0, um ambiente
livro impresso. Diante disso, foi possível conhe- de aprendizagem on-line que tem como finalidade
cer um pouco do que tomam como dificuldades principal possibilitar o trabalho coletivo, interdis-
para a presença dos artefatos tecnológicos no ciplinar e de autoria na internet com alunos e pro-
contexto escolar. fessores da educação infantil e dos anos iniciais do
PÁTIO

37

Pátio EF72 - Conselho.indd 37 27/10/2014 15:41:33


olhar crítico sobre os artefatos contribui para
um trabalho pedagógico mais consistente e am-
plia as perspectivas dos professores.
Nesse sentido, os estudos também possibilita-
ram o destaque de aspectos que precisam ser arti-
culados pelo professor da ciberinfância, tais como:
A resistência a mudanças ● o interesse em investigar e analisar materiais
pode levar a pensar que disponíveis na web (softwares, conteúdos,
sites, artigos, jogos, ambientes virtuais de
somente os recursos aprendizagem, objetos de aprendizagem);
tradicionais são eficazes ● a exploração de artefatos tecnológicos atuais (ce-
lulares, tablets, computadores e seus aplicativos);
● o planejamento de práticas pedagógicas que
envolvam os alunos de maneira ativa e coo-
perativa no processo de aprendizagem;
ensino fundamental. Trata-se de sua segunda ver- ● a atenção e a preparação para a construção
são, que está sendo desenvolvida por uma equipe coletiva através da interação entre os alunos;
de programadores, educadores e webdesigners do ● a problematização durante o processo de
Núcleo de Tecnologia Digital Aplicada à Educação aprendizagem, lançando desafios que sejam
(www.nuted.ufrgs.br), vinculado à Universidade significativos para cada aluno.
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e disponível
em http://www.nuted.ufrgs.br/planeta2. Tal preparação pode viabilizar práticas vol-
Atualmente, estão sendo ministrados diver- tadas à ação e à autoria, por meio da criação e
sos cursos de extensão destinados a professores do compartilhamento de produções, como tex-
da rede pública e privada de ensino para forma- tos, imagens, áudios e vídeos. No entanto, essas
ção e uso do Planeta ROODA 2.0. O objetivo é novas formas de ensinar e aprender são bastan-
levar para as escolas os artefatos tecnológicos te complexas e exigem diferentes competências
desenvolvidos na universidade a fim de que elas do professor. Para atender à demanda, enfren-
possam utilizá-los gratuitamente, experimen- tar a rápida atualização dos artefatos e contem-
tando os sistemas e dando feedback às institui- plar a curiosidade dos alunos, é preciso manter
ções brasileiras sobre o seu real uso nas práticas sempre o desejo de aprender, buscando-se a
pedagógicas. Dessa forma, vislumbra-se que o formação continuamente.
estudo científico de pesquisadores da área con- Outro aspecto observado é que os docentes,
tribui tanto para a construção de ambientes de modo geral, são receptivos e interessados em
virtuais inovadores, com fundamentação peda- qualificar sua prática, porém falam a respeito
gógica e tecnológica, quanto para a capacitação das tecnologias na sala de aula a partir do senso
de docentes para integrar os artefatos tecnoló-
gicos em suas práticas cotidianas.
Essa aproximação entre a academia e os
profissionais atuantes nas escolas é um caminho
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

que ainda deve ser construído. Uma das grandes


dificuldades apontadas por professores nos es-
tudos realizados por nós é a escolha dos artefa-
tos tecnológicos para suas práticas. Verificamos
que, por falta de conhecimento e alternativas,
muitos docentes optam por softwares com ativi-
dades prontas, como de perguntas e respostas,
nos quais, apesar de cenários atrativos, há pou-
co espaço para criação, construção e descober-
tas. Observar características didáticas, infor-
PÁTIO

máticas, de interface e ter especialmente um

38

Pátio EF72 - Conselho.indd 38 27/10/2014 15:41:33


Por falta de conhecimento
e alternativas, muitos docentes
optam por softwares com REFERÊNCIAS
atividades prontas
AMARAL, C.B. do. Desafio da ciberinfância: modos de com-
posição de práticas pedagógicas utilizando artefatos
tecnológicos. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre,
2010. Faculdade de Educação, Universidade Federal
comum. Suas argumentações demonstram a ne- do Rio Grande do Sul.
cessidade de aprofundar seus conhecimentos na ARIÈS. Ph. História social da infância da família. 2.ed. Rio
área, embora seja apontada por eles a falta de de Janeiro: Guanabara, 1981.
BEHAR, P. et al. Objetos de aprendizagem para educação
tempo para leituras teóricas fora do horário de a distância. In: Modelos pedagógicos em educação a
trabalho. Também é imprescindível que a socie- distância. Porto Alegre: Artmed, 2009.
dade esteja interessada na valorização docente ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto
Alegre: Artmed, 1998.
para que se criem oportunidades e estratégias
para qualificar sua carreira e para transformar o
educador em produtor de conhecimento.
Há de se investir, portanto, na aproximação
da prática docente com a produção de conheci-
mentos científicos, apostando na relação entre
teoria e prática. Acredita-se que os profissionais
da educação, ao conhecer a ciberinfância, pos-
sam conviver melhor com ela, criando condições Patricia Alejandra Behar é mestre
de aprendizagem mais desafiadoras a seus alu- e doutora em Ciências da Computação
nos. Ao analisar criticamente os artefatos tec- e professora da Faculdade de Educação
nológicos, será possível potencializar suas ca- e dos cursos de Pós-graduação em Educação
e em Informática na Educação da UFRGS.
racterísticas para introduzi-los em suas aulas e
pbehar@terra.com.br
qualificá-las, e não simplesmente mudar do de-
senho no papel para um desenho no computador Caroline Bohrer do Amaral é licenciada
ou, ainda, da escrita no caderno para a digitação em Pedagogia, especialista em Tutoria
em um editor de texto. Para ampliar e renovar em Educação a Distância, mestre em Educação,
suas próprias ideias, é preciso garantir a forma- pesquisadora do Núcleo de Tecnologia Aplicada
à Educação (Nuted) da UFRGS e coordenadora
ção continuada, a participação em eventos na
de tecnologia e ensino adistância do Detran/RS.
área, a prática de grupos de estudos e de traba- carol.bba@gmail.com
lho, a leitura de artigos, a consulta a objetos de
aprendizagem voltados a professores e a troca
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

de ideias com os colegas — prática que é sempre


muito válida.
A escola do presente precisa ser um lugar que
possibilite novos tipos de encontros entre alunos e
professores. Logo, é preciso pensar nesse presen-

+
te e rever o modo como são usados e integrados
os artefatos tecnológicos às práticas pedagógi- SAIBA
cas para construir uma sala de aula para a gera-
BEHAR, P. (org.). Competências em educação
ção que pensa e vive a ciberinfância plenamen- a distância. Porto Alegre: Penso, 2013.
te. O futuro dessa geração? Ainda não se sabe, BEHAR, P. e cols. Modelos pedagógicos em
PÁTIO

mas, com certeza, não é a escola do presente. educação a distância. Porto Alegre: Artmed, 2009.

39

Pátio EF72 - Conselho.indd 39 27/10/2014 15:41:33


P A N O R A M A

● reportagem // Marcos Giesteira

Falha na conexão
Insegurança, falta de capacitação, deficiência
nos equipamentos e no acesso à internet nas escolas
ainda impedem que a maioria dos educadores utilize
plenamente as tecnologias digitais como recurso pedagógico

M
esmo com uma relativa intimidade com pinas (Unicamp) e da Université Aix-Marseille, na Fran-
programas de edição de texto, planilhas ça, mostrou que, dos 253 professores de ensino médio
eletrônicas e navegação na internet, o de escolas da rede pública entrevistados, 85% não se
professor de matemática Adilson Roveran, sentiam plenamente confiantes em utilizar o computa-
que leciona no ensino fundamental II da rede pública dor e seus recursos como ferramenta pedagógica. Para
estadual de São Paulo, não esconde que ainda tem li- a pesquisadora, a insegurança pode ser explicada pelo
mitações para lidar com algumas tecnologias digitais. fato de muitos não terem preparo pedagógico suficien-
“Mesmo com dificuldades em dominar recursos mais te para usar tais recursos, nem apoio técnico que lhes
recentes, como tablets, tento enfrentá-los seguindo a permita ter auxílio imediato no caso de algum proble-
máxima ‘se tiver medo, vá adiante com medo mesmo’”, ma. Ainda faltam incentivos por parte da direção e dos
conta. Foi assim que ele já superou muitos receios e colegas. Com isso, os professores sentem-se ainda me-
hoje prepara todas as suas avaliações no Word, utiliza a nos confiantes para integrar os recursos às suas aulas e
planilha Excel para fazer cálculos de tabelas ou mostrar pouco motivados a investir tempo preparando uma ati-
aplicações de gráficos e faz apresentações em Power vidade diferenciada que envolva o uso da tecnologia.
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014 /JAN 2015

Point para aulas que sejam beneficiadas pela exposição O professor Luciano Meira, da Universidade Federal
de slides. Também se mantém conectado com seus alu- de Pernambuco (UFPE), entende que parte considerável
nos pelo Facebook para publicar curiosidades, piadas e do suposto receio dos professores com as tecnologias
fatos matemáticos. digitais resulta de uma inadequação dessas ferramen-
Roveran é um exemplo de superação; porém, para tas, elas próprias desenvolvidas sem foco específico
muitos professores, incorporar tecnologias digitais ao co- na cultura da escola e das práticas didáticas mais fa-
tidiano pedagógico continua sendo um grande desafio, miliares aos docentes. Sócio de uma empresa que de-
seja na tentativa de usar novos dispositivos em ativida- senvolve plataformas educacionais lúdicas, ele afirma
des educativas, seja na integração de mídias digitais e que a tradição de desenvolvimento de ambientes di-
redes sociais ao processo de ensino e aprendizagem. gitais na forma de softwares, jogos e aplicativos para
PÁTIO

Um estudo realizado entre 2009 e 2011 pela pes- educação não envolve, de modo geral, uma articulação
quisadora Cacilda Alvarenga, da Universidade de Cam- sofisticada entre designers, engenheiros e educadores.

40

Pátio EF72 - Panorama.indd 40 27/10/2014 15:45:50


P A N O R A M A

Para Luciano Meira,


muitas ferramentas
são desenvolvidas sem
foco na cultura da escola

s
dare
a
Val
G.
“O resultado são artefatos bastante pobres, muitas

do
al
vezes excessivamente pedagógicos e pouco atraentes

in
eg
para as crianças, os jovens e seus professores”, aponta. :R
to
Fo

Escolas mais conectadas


Ao que tudo indica, os últimos anos contribuíram para
melhorar esse quadro. Ao menos foi o que concluiu a pes- principais fatores: falta de suporte e manutenção dos
quisa TIC Educação 2013, realizada pelo Comitê Gestor equipamentos existentes, muitas vezes inoperantes ou
da Internet no Brasil (CGI.br): professores e alunos brasi- desconfigurados, além de carência de softwares e me-
leiros cada vez mais utilizam computador e internet em todologias adequadas.
suas atividades escolares. Na rede pública, 46% dos pro- Cacilda Alvarenga acrescenta que muitos dos pro-
fessores declararam utilizar ambos em atividades com fessores que usam as tecnologias ainda exploram pouco
os alunos na sala de aula — um aumento de 10 pontos seu potencial, como, por exemplo, a interatividade de
percentuais em relação ao ano de 2012. Outro destaque determinado recurso. A estratégia de ensino, em mui-
foi o crescimento do uso de tablets nas escolas públicas. tos casos, envolve simplesmente apresentar o recurso
Enquanto em 2012 apenas 2% delas possuíam esse tipo de ou objeto de aprendizagem, sem demandar aos alunos
equipamento, em 2013 esse número chegou a 11%. que interajam com ele e construam conhecimentos a
A pesquisa apontou ainda que a internet está pre- partir de um contato mais direto com a tecnologia.
sente na maior parte das escolas que dispõem de com- “Há professores que utilizam os recursos em especial
putador na rede pública (95%) e na rede privada (99%), para o planejamento de suas aulas, sem necessaria-
porém a baixa velocidade de conexão à rede ainda é um mente compartilhá-los com os alunos”, observa.
desafio. O estudo mostrou também que 96% dos profes-
sores de escolas públicas usam recursos educacionais Disponibilidade e manutenção
disponíveis na internet, como imagens, textos e vídeos, Não há dúvidas de que a falta de equipamentos e de
para preparar aulas ou atividades com os alunos. uma boa conexão à internet são limitadores do uso das
Para a educadora e consultora em educação An- tecnologias digitais no ambiente escolar, sobretudo
drea Ramal, o uso de tecnologias na educação básica na esfera pública. “É absolutamente necessário que
avançou bastante nos últimos anos, mas ainda é redu- sejam resolvidos os problemas relacionados à disponi-
zido. Embora os professores utilizem as ferramentas bilidade de equipamentos, sua manutenção e conecti-
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014 /JAN 2015

em si, como internet e redes sociais, ainda há pouca vidade, inclusive num modelo que não isole os usuários
aplicação dos recursos digitais às formas como o aluno em laboratórios de informática, que são peças anacrô-
aprende e constrói conhecimento. “A atuação em sala nicas”, afirma Luciano Meira.
fica, muitas vezes, na experimentação”, destaca. Para driblar a falta de recursos, Cacilda Alvarenga
O professor Silvio Henrique Fiscarelli, do Depar- sugere trabalhar com mais de dois alunos por computa-
tamento de Didática da Universidade Estadual Paulis- dor e revezar grupos para ir ao laboratório ou usar os
ta Júlio de Mesquita Filho (Unesp), lembra que o uso equipamentos. Outra dica é fazer o download de deter-
de tecnologia na escola vem sendo discutido desde minados conteúdos para o trabalho off-line, solicitando
a década de 1990, embora os progressos efetivos te- atividades possíveis de serem realizadas com esses con-
nham sido pequenos em quase duas décadas. Segun- teúdos nos casos em que ainda não é possível utilizar a
PÁTIO

do ele, pesquisas realizadas na universidade indicam internet, um recurso importante, mas não pré-requisito
que grande parte dessa estagnação deve-se a dois para usar a tecnologia como aliada ao ensino.

41

Pátio EF72 - Panorama.indd 41 27/10/2014 15:45:51


P A N O R A M A

Silvio Fiscarelli acredita


que existe um grande potencial
para explorar os celulares

s
ve dar uma resposta incoerente e perder a credibilidade
te
Es

d es perante alunos altamente conectados o tempo todo”,


n an
er alerta. A seu ver, ainda que o acesso à informação seja
oF
olf
Ro d muito maior hoje, a maioria dos alunos ainda não con-
Foto:
segue transformar toda a informação disponível em
conhecimento, precisando da mediação do professor.
O fato de o professor ter deixado de ser a fonte Para José Francisco Vinci de Moraes, coordenador
exclusiva do saber na sala de aula pode ser positivo. do Ambiente Virtual de Aprendizagem da Escola Supe-
No entendimento de Fernanda Tardin, criadora do blog rior de Propaganda e Marketing (ESPM), a dificuldade
Utilizando as Mídias na Educação (utilizandomidias. está relacionada muito mais à ausência de projetos e
blogspot.com), a antiga postura do profissional não procedimentos metodológicos adotados pelas institui-
cabe mais hoje em dia. “O professor precisa estar ções de ensino. “Entregar um tablet para cada aluno
em constante aprendizado, estar atualizado, e não e dizer ao professor que ‘se vire’ me parece muito
ter medo de dizer ‘não sei’, o que é melhor do que inadequado”, opina.

Vantagens na sala de aula


Não basta usar porque é moda; é preciso que as ferramentas façam a diferença
O estudo Objetos de aprendizagem em sala de sula: re- mental. “O material em formato digital facilita a cons-
cursos, metodologias e estratégias para a melhoria da trução de novos conhecimentos, torna concretos temas
qualidade de ensino, coordenado pelo professor Silvio abstratos, por meio da visualização em formatos digitais,
Fiscarelli, do Departamento de Didática da Universidade desenvolve a colaboração e a investigação, além de esti-
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), mos- mular a comunicação”, afirma.
trou que o uso de ferramentas tecnológicas educativas Ana Paula destaca inúmeras possibilidades de inserir
melhorou em 32% o rendimento dos alunos em matemá- a tecnologia na sala de aula. Na educação infantil, por
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014 /JAN 2015

tica e física se comparado à apresentação dos conteúdos exemplo, é possível fazer uso das ferramentas audiovi-
de maneira expositiva na escola. A pesquisa foi desenvol- suais, explorar animações, objetos de aprendizagens e
vida durante dois anos e avaliou o desempenho de 400 jogos educativos, gravar as criações dos alunos durante
estudantes de oito turmas de 2º e 3º anos de um colégio o desenvolvimento e a exploração, criar podcast e livros
estadual em Araraquara, no interior de São Paulo. falados. Com os alunos do fundamental I, ela observa
A educadora Ana Paula Costa Souza, que hoje tra- que é extremamente importante desenvolver pesquisas
balha como coordenadora pedagógica no Colégio Anglo orientadas e roteiro de estudo; por isso, recomenda usar
Cassiano Ricardo, em São José dos Campos (SP), é uma WebQuest e WebGincana (pesquisas na internet orien-
incentivadora do uso das tecnologias. Até dois anos atrás, tadas de maneira divertida e lúdica), desenvolver ati-
ela era professora de informática para alunos do 1º ao 5º vidades utilizando planilhas, editor de texto e apresen-
ano e ensinava-os a pesquisar, explorar, criar e utilizar os tações. No fundamental II, a dica é explorar os recursos
recursos em função da aprendizagem. Agora o seu papel digitais on-line. “Podemos nos beneficiar da computação
PÁTIO

no colégio é tentar inserir a tecnologia no planejamento na nuvem, pois há inúmeros aplicativos disponíveis gra-
dos professores da educação infantil e do ensino funda- tuitamente”, recomenda.

42

Pátio EF72 - Panorama.indd 42 27/10/2014 15:45:52


P A N O R A M A

Cacilda Alvarenga sugere


que os professores participem

nga
de cursos de formação para

are
o uso didático das tecnologias

Alv
na
Se
Aula no celular

de
k
an
r
:F
to
Fo

Em vez de pedir que desliguem seus smartphones,


os professores podem aproveitá-los como recurso na aprendizagem
Quando se fala em incentivar o uso de tecnologias pe- Silvio Fiscarelli, professor da Unesp, acredita que
los alunos, logo surge a dúvida sobre o uso dos telefones existe um grande potencial para explorar os celulares,
celulares com internet ou dos games em sala de aula. Nes- já que esses dispositivos estão cada vez mais parecidos
se sentido, José Francisco Vinci de Moraes, coordenador do com pequenos tablets. Os jogos, principalmente os que
Ambiente Virtual de Aprendizagem da Escola Superior de simulam a realidade física ou social, permitem ao aluno
Propaganda e Marketing (ESPM), é taxativo. Para ele, em experimentar contextos virtuais que ajudam a desenvol-
vez de solicitar aos alunos que desliguem seus smartpho- ver o raciocínio, a tomada de decisão, a autonomia e a
nes, os professores deveriam aproveitá-los para a interati- capacidade de concentração.
vidade em atividades que podem ser realizadas com esses No entanto, pondera a consultora Andrea Ramal, é
dispositivos, como enquetes, jogos, exercícios e pesquisa. necessário criar regras de convivência no ambiente esco-
Quanto aos games, ele explica que o termo também tem lar. “Um celular tocando em sala ou um aluno responden-
outro sentido na educação. “Gamificar” pode significar a do a mensagens causam distração e perda de foco para
lógica dos jogos no desenvolvimento de conteúdos e exer- ele e para os demais, por isso atrapalha as aulas”, ponde-
cícios. O professor pode, por exemplo, oferecer prêmios ra. Ela sugere que o professor combine que os celulares
ou classificações aos seus alunos à medida que eles alcan- sejam desligados em alguns momentos, sobretudo duran-
cem resoluções mais avançadas para problemas ou tarefas. te explicações, trabalhos e exercícios.

Perca o medo
Na opinião da pesquisadora Cacilda Alvarenga, é im- vel para que o professor possa capacitar-se”, aponta.
portante que os docentes participem de cursos de “Existem cursos livres e gratuitos sobre o tema”.
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014 /JAN 2015

formação para o uso didático de tecnologias, tendo Fernanda Tardin, criadora do blog Utilizando as Mídias
interesse em aprender sobre novas estratégias de ensi- na Educação, também recomenda os recursos disponibili-
no que envolvam o uso de recursos tecnológicos. Além zados por sites e blogs, além da a troca de informações
disso, devem buscar conteúdos e recursos de modo in- com colegas. “Quando se posiciona como um aprendiz in-
dependente, considerando o conteúdo a ensinar e os teressado, sempre em busca de novas descobertas, o cami-
objetivos pedagógicos. nho se torna muito mais fácil para o profissional”, destaca.
Para José Francisco Vinci de Moraes, coordenador Ana Paula Costa Souza, coordenadora pedagógica
do Ambiente Virtual de Aprendizagem da Escola Supe- no Colégio Anglo Cassiano Ricardo, em São José dos
rior de Propaganda e Marketing (ESPM), o maior obs- Campos (SP), comprovou a importância do intercâmbio
táculo ao uso de tecnologias digitais pelos professores com educadores depois de ter criado o blog minhacaixa-
pode ser a falta de motivação, competência, planos de magica.blogspot.com. “Minha prática pedagógica apri-
carreiras, incentivo e projetos por parte das institui- morou-se, pois passei a ter contato com inúmeros pro-
PÁTIO

ções de ensino. “A própria internet é uma fonte incrí- fessores inovadores e conteúdos diferenciados”, conta.

43

Pátio EF72 - Panorama.indd 43 27/10/2014 15:45:52


CURRÍCULO VIVO

V
● Reportagem // Henrique Koifman

Em um novo tom
Um parecer e um projeto de resolução
do Conselho Nacional de Educação indicam
o caminho para cumprir a obrigatoriedade
do ensino de música nas escolas.
Será que estamos prontos para
seguir essa nova partitura?

N
o dia 4 de dezembro de 2013, a Câmara de de elaboração das novas definições, estas trazem um
Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional grande estímulo e um desafio de igual tamanho. “Essa
de Educação (CNE) aprovou por unanimidade característica do trabalho colaborativo e em rede é um
um parecer e um projeto de resolução que grande mérito do documento, mas também representa
definem as diretrizes para a operacionalização do um grande desafio”, afirma. Segundo ele, a dificuldade
ensino de música na educação básica nas escolas bra- está em promover a integração necessária para que
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

sileiras. Essas definições têm como objetivo orientar todos os órgãos e instituições relacionados à educação
a aplicação da Lei nº 11.769/2008, que estabelece a básica atuem de maneira coesa, fazendo com que, a
obrigatoriedade do ensino de música, algo que já es- partir das políticas públicas educacionais definidas
tava definido — embora de forma menos explícita — na para o Brasil, os conselhos, as secretarias e as escolas
Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 e que depende trabalhem integradamente para atingir esse objetivo
tanto da vontade política quanto do comprometimento comum proposto pelas Diretrizes.
das equipes nas esferas federal, estadual e municipal Queiroz explica que o projeto de resolução atri-
de educação para sair do papel e chegar a todas as bui a cada escola incluir o ensino de música em seu
escolas brasileiras. projeto pedagógico como parte do conteúdo curricu-
Para Luis Ricardo Silva Queiroz, professor da UFPB lar obrigatório. “Essa é uma demanda que apareceu
PÁTIO

e presidente da Associação Brasileira de Educação com destaque nas audiências públicas realizadas pelo
Musical (ABEM), entidade que participou do processo CNE: que o ensino e as atividades musicais sejam

44

Pátio EF72 - Currículo vivo.indd 44 28/10/2014 15:40:25


Para Iveta Fernandes, da Unifesp,
é importante que o professor conheça
os alunos em cada fase e saiba que
tipo de música eles estão ouvindo

contemplados na escola como conteúdo curricular,


atendendo ao alunado sem qualquer tipo de seleção
ou exclusão”, destaca.
Neste campo, situa-se também a definição dos con-
textos educacionais em que, além das aulas dedicadas à
disciplina, a música possa ser complementar, atendendo
ao que o documento define como “projetos e ações
como complemento das atividades letivas, alargando o
ambiente educativo para além dos dias letivos e da sala

es
nd
de aula”. Luis Ricardo Queiroz explica que, ao alargar as

na
er
fronteiras do ensino de música, é dada aos professores

.F
rR
a possibilidade de estabelecer parcerias em projetos e sa
ul oC
diversos, como, por exemplo, com mestres e músicos : Pa
Foto
das comunidades. “Mediado por um docente formado
para esse fim, o ensino de música poderá transcender
os limites da escola, inserindo-se na vida cotidiana de tamente possível. “Os professores estão interessados,
alunos, professores, gestores e comunidade escolar em estão em salas de aula com o desejo de aprender e
geral”, explica. trabalhar com música, mas não sabem onde fazê-lo”,
O professor ressalta ainda a definição no projeto afirma Iveta, autora da tese Música na escola: desafios
da responsabilidade das instituições para comporem e perspectivas na formação contínua de educadores da
quadros de profissionais de educação com professores rede pública. “Esse, portanto, não é um problema do
licenciados em música: “Isso, porém, não exclui a par- professor, mas do sistema, de como se olha a questão”,
ticipação legítima e relevante de mestres, músicos e alerta. “Muitas vezes, vemos projetos de gestão que
outros profissionais relacionados à área”. contemplam somente o investimento no professor que
está na sala de aula, e isso é um grande erro. Quando
FALTA DE PROFESSORES pensamos em um sistema público, municipal ou esta-
A presença dos especialistas com licenciatura em músi- dual, temos de pensar também na direção, na super-
ca em todas as escolas não deverá acontecer antes de visão, que são muito importantes nessa articulação”,
alguns anos, ainda que as instituições se esforcem para esclarece a professora.
ampliar a oferta de cursos de licenciatura, inclusive para Segundo ela, na prática, as alterações na legislação
bacharéis, e ofereçam cursos de segunda licenciatura servem para desfazer o que fora estabelecido durante
em música para professores e demais profissionais da o período militar, com a Lei nº 5.692/1971, que reunia
educação básica. “Neste momento, não temos pro- em educação artística os conteúdos antes contempla-
fessores com licenciatura em música suficientes para dos nas disciplinas de música, desenho, artes visuais,
atender sequer a 1% do alunado brasileiro — e essa é teatro, etc. “Tal media trouxe uma falta de qualidade”,
uma estatística do MEC”, afirma o maestro e professor pondera Iveta.
Ricardo Prado, criador do Programa Repertórios para Ela revela que o perfil atual de seus alunos de licen-
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

educação musical nas escolas. Ele tem esperança de ciatura em música é diferente do de quem está em um
que a própria existência da Lei nº 11.769/2008 seja, curso de um instrumento, como violino ou piano, com
ao longo do tempo, uma indutora de novas gerações foco mais específico. “Eles costumam ter um leque mais
de professores com licenciatura em música. “Abre-se aberto, porque terão de trabalhar com tudo isso”, ob-
um mercado de trabalho até para o jovem, o estudante serva. “Costumo dizer para os estudantes que nós somos
que nem pensava em seguir a carreira musical, pois não ‘clínicos gerais’: tudo o que aprendem na universidade
tinha perspectiva de poder viver de música”, observa. será para ajudá-los na formação desse ‘geral’, do qual
“A carreira pode vir a se tornar mais atraente”. irão precisar nas escolas para poder abarcar essa varie-
Para a professora Iveta Maria Borges Ávila Fernandes, dade de vertentes e possibilidades que existem”.
da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Esse leque de possibilidades será especialmente
PÁTIO

Filho (Unesp), implementar o ensino de música nas importante mais tarde, nas escolas de ensino funda-
escolas representa um enorme desafio, porém é perfei- mental, onde há uma grande diferença entre o trabalho

45

Pátio EF72 - Currículo vivo.indd 45 28/10/2014 15:40:27


V Não há professores com licenciatura em
música suficientes para atender
sequer a 1% do alunado brasileiro,
afirma o maestro Ricardo Prado

desenvolvido pelos professores das séries iniciais e os


das séries finais. “É importante que o professor conheça
os alunos em cada fase, que saiba que tipo de música
eles estão ouvindo”, diz a especialista.

SAMBA-ENREDO NO CURRÍCULO
Embora não fosse exigido formalmente, o ensino de

a

música não foi suprimdo nem perdeu sua importância Co
r
lo
em algumas escolas. Um exemplo disso é a carioca rce
Ma
o:
Sá Pereira, que trabalha com crianças da educação Fot
infantil e do ensino fundamental. “Na Sá Pereira, existe
a real valorização da música e da arte como um todo, LIBERDADE DE ESCOLA
tão importantes e tão formadoras quanto a matemática A pluralidade e a variedade de estilos são um dos pontos-
ou o português”, diz Manoela Marinho Rego, professora -chave do Programa Repertórios, criado e implementado
do Primeiro Segmento da escola. pelo maestro e professor Ricardo Prado, inicialmente
Licenciada em Música, Manoela cursa o mestrado em escolas do SESI no Rio de Janeiro e, mais tarde,
em Educação Musical na UNIRIO e tem em seu currículo em parte da rede pública municipal carioca. O projeto
a participação em projetos com crianças e jovens em começou a nascer em 2007, a convite do SESI nacional,
comunidades carentes do Rio de Janeiro. Ela explica devido à experiência do maestro em diferentes formas
que, na Sá Pereira, além de uma ótima estrutura, com de ensinar música — entre outras, como diretor da tra-
espaço adequado e instrumentos, as escolhas curricu- dicional Escola Villa-Lobos no Rio de Janeiro.
lares são voltadas para que essa importância da música Para desenhar a sua proposta, ele partiu de duas
seja percebida. “As disciplinas acabam conversando premissas. A primeira é de que o ensino da música tem
todas entre si, o que não engessa o trabalho”, conta. de ser “ônibus”, tem de ser para todos, não só para
“Abordamos a música valorizando muito o fazer musical. alguns que têm maior facilidade ou estão particular-
Os desdobramentos teóricos vêm a partir da prática”, mente interessados. A segunda é de que o ensino de
relata a professora. música deve ser barato e, também por esse motivo, não
Um exemplo da abordagem e da prática musical pode, ao menos neste momento, ter como exigência
na escola é o Bloco da Sá Pereira, que congrega toda a professores com licenciatura em música.
comunidade escolar e inclusive a vizinhança do bairro Ricardo Prado afirma que, com o seu programa, pre-
do Humaitá, onde se situa a instituição e por cujas ruas tende que os alunos entendam que a música prescinde de
o grupo desfila como parte do calendário carnavales- filiação ou fidelidade. “É possível ouvir a cada momento
co oficial da cidade. A escola fez da folia um evento do dia o que você escolher. E, quanto mais variedades
didático muito bem-aproveitado. Hoje, ele já é uma conhecer, mais escolhas você terá, trocando de música
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

tradição na instituição, marcando a abertura do projeto como troca de roupas”, exemplifica. “Pretendemos levar
que será trabalhado ao longo do ano. “O samba-enredo para os alunos mais oportunidades para que ouçam uma
do bloco aborda o tema que será desenvolvido nas salas maior variedade de música. A cultura que queremos pro-
de aula”, conta Manoela. mover é a da escolha”, define. Ele destaca que a música
O canto coral — que costuma ser associado por não é um bem universal. “Nem todo mundo quer música.
muitos a uma prática conservadora de ensino — também Embora seja uma linguagem, ela não é apreciada por todos
é utilizado na Sá Pereira. Embora mantenha algumas da mesma maneira. Então, é preciso mobilizar e atrair o
de suas principais características, como a de exercitar aluno”, salienta o maestro.
o trabalho coletivo das crianças, ali o coro procura A forma escolhida para fazer essa atração é a litera-
permitir que seus participantes contribuam com suas tura, através da saga de um personagem, que se chama
PÁTIO

peculiaridades pessoais, tanto musicais quanto pessoais, Léo, em uma série de livros que são levados às salas de
funcionando como um canal para a diversidade. aula. Os alunos acompanham as experiências que ele

46

Pátio EF72 - Currículo vivo.indd 46 28/10/2014 15:40:29


Manoela Marinho Rego, professora
de música da escola Sá Pereira,
destaca a valorização dada
à disciplina no currículo

vai vivendo, desde menino, depois como jovem, com os


amigos, a família e com outros personagens que vão aos
poucos descobrindo a variedade musical. Nessa vivência, a
música também se relaciona com fatos históricos, cultura e
outros aspectos da experiência humana em seus contextos.
O programa inclui um sistema de capacitação para
o professor, presencial e a distância, que é organizado
conjuntamente e especificamente para a rede que vai
adotá-lo. Além disso, a cada livro está associada uma
espécie de rádio, hospedada na internet, na qual os
alunos ouvem todas as músicas mencionadas no texto.

o al
ss
pe
As escolas são aconselhadas e incentivadas a manter u ivo
salas de música com instrumentos, embora isso não arq
o:
Fot
seja considerado obrigatório. “Como uma resultante
do processo, propomos um festival de talentos, não
somente os musicais”, conta Ricardo Prado. O evento passando por bairros e favelas em todas as regiões do
é produzido pelos próprios alunos, com o auxílio dos estado, incluindo escolas dentro de fábricas, em cursos
professores e das equipes escolares, com todos os alunos diurnos, noturnos e de madrugada. Em 2011, após dois
que queiram participar. anos de aplicação, o SESI fez um estudo e concluiu que
Em 2010, o SESI contratou o Programa Repertórios o grau de satisfação com o programa entre alunos,
para fazer um piloto em todas as suas escolas no Rio de professores, familiares e equipes pedagógicas era de
Janeiro, com aproximadamente 11 mil alunos, do 6º ano 97,4%. “Há muito talento e desejo musical no Brasil. Dê
até o ensino médio e à educação de jovens e adultos um incentivo pequeno, ligeiro, e logo vai aparecer uma
(EJA), com perfis diferentes e distribuídos em locais porção de gente querendo aprender a tocar melhor, a
que iam da Zona Sul carioca até a Baixada Fluminense, aprender mais”, destaca o maestro. l

Em pauta desde os tempos do Império


A criação de leis sobre o ensino de música no Brasil objetivos ordenados e hierarquizados. O primeiro era
não é recente e tem origem nos tempos do Império. criar disciplina, o segundo era desenvolver o civismo.
Já em 1854, o Decreto nº 1.331 apresentava as pri- “Apenas em terceiro lugar é que o canto orfeônico
meiras definições para o ensino da disciplina nas esco- propunha-se a desenvolver o canto e a prática musi-
las. “Muita gente pensa que esse movimento começou cal, o prazer pela música”, esclarece.
com o maestro Villa-Lobos, durante o Estado Novo, O maestro explica que também havia propósitos
sendo depois interrompido no governo militar, mas implícitos em outros discursos da época. Rui Barbo-
não foi bem assim”, explica o maestro Ricardo Pra- sa, por exemplo, defendia que um dos objetivos do
do. O próprio canto orfeônico, que muitos também canto orfeônico nas escolas era o de ensinar às crian-
ANO XVIII Nº 72 NOV 2014/JAN 2015

atribuem a uma iniciativa de Villa-Lobos, já constava ças “melhores usos da língua pátria” e afirmava ainda
em uma legislação que ordenava sua aplicação, e o que cantar ajudaria a respirar melhor; portanto, as
que o ele fez foi instituir um meio de se cumprir a lei. crianças que cantassem nas aulas desenvolveriam uma
Para Ricardo Prado, as legislações que tratam da espécie de defesa natural contra um dos maiores dra-
educação traduzem o entendimento que a sociedade mas da saúde pública daquela época — a tuberculose.
daquele momento tem em relação ao país, a seus Prado aponta que, já em meados da década de
desejos e intenções. “As sociedades ainda em for- 1930, textos publicados por Villa-Lobos demonstra-
mação, como a nossa, atribuem à escola as funções vam sua preocupação com questões como a razão
civilizatórias ou, quando não delegam essa função, de se fazer música nas nossas escolas, que melodias
acabam compartilhando-a com a escola”, afirma. Ele do repertório nacional as crianças deveriam cantar,
exemplifica com a legislação anterior a Villa-Lobos, como escolher esse repertório e com quais professo-
a qual determinava que o canto orfeônico tinha três res isso seria trabalhado nas instituições.
PÁTIO

47

Pátio EF72 - Currículo vivo.indd 47 28/10/2014 15:40:33


RE
CREIO
juliano trentin
ANO XVIII Nº 72 nov 2014/jan 2015
PÁTIO

48

Pátio EF72 - Recreio.indd 48 27/10/2014 15:54:25

Você também pode gostar