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"diteito a "-
ça

Já bastante conhecido no meio riscos de se eleger a atenção social


acadêmico das Ciências Sociais, o à diferença como um princípio das
livro Ciladas da Diferença, de An- lutas políticas.
tônio Flávio Pierucci (Dep. de Soci- Formalmente, este livro se divi-
ologialUSP) ainda não teve a mere- de em sete capítulos distribuídos em
cida divulgação no contexto da Edu- duas partes e resulta da compilação
cação. Embora o autor desenvolva de artigos já publicados pelo autor em
temas mais conhecidos na Sociolo- periódicos, conferências e capítulos
gia, suas análises transcendem este de outros livros. Grande parte dos ar-
campo disciplinar, à medida que fo- gumentos desenvolvidos por Pierucci
caliza criticamente a questão da di- tem o apoio de dados empíricos co-
ferença e os discursos que a enun- lhidos e analisados pelo autor em pes-
ciam. Sua importância para os pro- quisas anteriores, tendo como sujei-
fissionais envolvidos com a educa- tos pessoas pertencentes às camadas
ção reside na possibilidade de suas médias urbanas da cidade de São
teses servirem ao aprofundamento Paulo. A seguir, destaco os principais
das implicações de todo discurso que temas e teses em que o autor se de-
demanda a atenção à (sua) "diferen- tém, sem necessariamente seguir a
ça" como bandeira de luta. Creio que ordem em que eles aparecem. Inte-
no momento que se enfatiza a ne- ressa mais, para os fins dessa rese-
cessidade de uma educação voltada nha, sublinhar a necessidade de ana-
à diversidade, que atenda a todo tipo lisarmos com maior cuidado o "dis-
de "diferença", temos que ampliar o PIERUCCI, Antônio F. (1998) Ci- curso da diferença". Vale dizer, an-
debate em torno dos efeitos políti- ladas da diferença. São Paulo: tes de tudo, que o autor não está ques-
cos e das conseqüências sociais des- Editora 34. tionando a diferença de fato, a con-
te discurso. Ciladas da diferença dição singular de cada pessoa, mas a
é um livro que se presta a fomentar emergência de "novos" modos de se
esse debate, e como o próprio título exigir o reconhecimento político e
nos sugere, aponta os dilemas e os social da diferença.

, Doutorando no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFSC e professor do Curso de Psicologia da UNISUL.

floMo de Vista 61 v. 2. n. 2 • janeito/dezernbto de 2000


a primeiro argumento desenvolvido por Pierucci é das da diferença". Um deles é a efervescência política
na verdade uma lembrança, encoberta pelo "charme" e e conceitual gerada no campo jurídico norte-americano
"fasCÍnio" dos discursos de esquerda que afirmam o pri- através do Caso Sears, onde duas posições opostas de
mado da diferença. Trata-se do fato de que a obsessão diferentes vertentes do movimento feminista entraram
pela diferença é originalmente uma característica da di- em confronto, no intuito de verificar a presença de dis-
reita política. É a direita que, historicamente, nega-se a criminação sexual nos processos de contratação em uma
aceitar o princípio de igualdade entre os seres humanos, grande empresa varejista nos Estados Unidos. Entre a
justificando a desigualdade pelo fato "concreto" das dife- demanda política pela igualdade dos sexos e a emergên-
renças entre os grupos coletivos étnico-culturais. Assim, cia do discurso da "diferença" da experiência das mu-
tudo que parece inovador nos discursos da diferença é na lheres, engendrou-se um debate histórico de repercus-
verdade um retorno a uma velha pauta de princípios da sões até hoje discutidas 3 .
a
direita. próprio racismo está centrado na ênfase à dife- É na tese da produtividade da diferença que o autor
rença, no caso, rejeitando-a e a indicando como a fonte sofistica sua análise, mostrando o quanto a diferença se
"natural" da desigualdade social. Em razão disso, Pierucci destina a gerar mais diferença. a discurso do direito à
assinala a aproximação dos discursos de esquerda que diferença tem como pauta principal a contraposição ao
enunciam o "direito à diferença" aos velhos argumentos princípio universalista moderno, defendendo que a condi-
da direita, pelo fato de ambos apoiarem a diferença em ção específica de alguns sujeitos não está contemplada
um dado natural e sensível: o corpo. nesse âmbito social e político. É o caso do movimento
a contraste entre a direita e a esquerda em relação feminista de "segunda onda", nos termos do autor, cuja
à diferença se realiza pelo fato de que, para a segunda, ênfase na não adequação dos "direitos humanos" à con-
não há razão em se optar ou pela igualdade ou pela dife- dição da mulher resulta por exigir o "direito à diferença".
rença. Supõe-se, inclusive, nos meios intelectualizados de Afirmando que os sujeitos são sexualmente engendrados,
esquerda, que a desigualdade não tem nada a ver com a esta vertente do movimento feminista aponta a inexistência
diferença. Para Pierucci, é nesse ponto que reside o equí- do sujeito abstrato dos direitos humanos e a necessidade
voco que constitui uma das "ciladas" da diferença: a crença de se incluir a "diferença" das mulheres nesse contexto.
de que a defesa da diferença possa se desvincular das É nesse ponto que se produz a grande "cilada da diferen-
relações de valor que fundamentam a desigualdade. A ça" proposta por Pierucci, instalando-se um dilema entre
partir do antropólogo Luis Dumont 2 , o autor demonstra abstrato/universal e concreto/particular. Esse discurso, ao
que não há como enfatizar a diferença sem afirmar ao se desvincular do compromisso com a abstração das par-
mesmo tempo uma distinção de valor. Por essa razão, ticularidades, assume a demanda em reconhecer e valori-
anunciar a condição de "diferentes, mas iguais", ou de zar novas diferenças que atravessam seu caminho. No
"igualdade na diferença" é correr o risco de eleger uma exemplo de Pierucci, tão logo se observou a diferença
luta mais possível no discurso do que na realidade. Nesse das mulheres, emergiram as "diferenças de dentro": as
sentido, a avaliação do autor é que anunciar o "direito à mulheres não-brancas passaram exigir que se contem-
diferença" é uma postura mais coerente na direita do que plasse a sua diferença, não mais de gênero, mas de etnia.
na esquerda política. a argumento permanece o mesmo: a noção de "mulher
Estranha Pierucci que certos movimentos identitários universal" é criticada como mera abstração válida ape-
de esquerda tenham como mote a ênfase de uma diferen- nas para as mulheres brancas. É próprio da diferença,
ça sensível (cor da pele, sexo etc), através de discursos portanto, abrir demandas ao aparecimento de outras dife-
pautados em políticas do corpo que lembram o peso for- renças, sempre pautadas no que é no fundo um dado na-
necido pela direita aos dados naturais. Para o autor, a a
tural e visível. aspecto irônico de todo esse processo,
esquerda sempre esteve mais próxima das lutas pela igual- para o autor, traduz-se no fato de que são esses mesmos
dade, que implicam uma postura de abstração das parti- discursos os primeiros a se contraporem a todo tipo de
cularidades, enquanto que a direita é que tem enfatizado essencialismo.
os dados concretos oferecidos à esfera sensível. Se antes No apogeu da produção da diferença Pierucci iden-
era a direita que exigia a manutenção de mecanismos de tifica as perspectivas que se anunciam como
pertencimento dos sujeitos que valorizam dados naturais, "multiculturalistas", tão comentadas no meio acadêmico
agora é a esquerda que defende políticas do corpo que se atual. Junto com as críticas pós-modernas ao sujeito uni-
utilizam destas estratégias políticas. versal, afirma-se cada vez mais o primado da diferença,
Pierucci esforça-se em elucidar seus argumentos onde as "múltiplas etnicidades", "múltiplas culturas" são
à luz da análise de acontecimentos de nível internacional categorias de análise que caracterizam todo o processo
e que demonstram como podem se evidenciar as "cila- gerado pela valorização da diferença no mundo contem-

2 Antropólogo famoso pelos estudos etnográficos na índia onde investiga a constituição da sociedade de castas. Também é
bastante conhecido como um dos grandes analistas do individualismo moderno.
3 Para maiores detalhes veja também SCOTT, Joan. W. Igualdade versus diferença: os usos da teoria pós-estruturalista. In:
Debate feminista (cidadania e feminismo), nº especial, 2000. p. 203-222.

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porâneo. o autor resume esse processo dizendo que se superarmos os dilemas da diferença é reconstruir o "ge-
trata do desdobramento da igualdade na diferença e des- ral", sem essencializar as diferenças. Reconhece o au-
ta última nas diferenças presentes em todo tipo de "múlti- tor que, a despeito de seus efeitos perversos, o discurso
plos" que se defende nas teorias pós-modernas. Por isso, da diferença tem produzido interessantes formas de
diz Pierucci "a diferença já mais é uma só, mas sempre emancipação humana. No entanto, ao denunciar os labi-
já-plural, sempre sobrando, muitas; sem unidade e rintos que construímos pela ênfase na diferença, alerta-
sem união alguma possível." (p. 150). nos contra as ciladas que possamos eventualmente cair
Pierucci não se arrisca tão explicitamente a apon- sem considerar as implicações dos lemas que
tar algum caminho, mas dá indícios de que um modo de embandeiramos.i!f

A inclu!:ão como ba!:{! da

Este livro constitui-se num con- põe que as escolas deverão se mo-
junto de textos organizados por Susan dificar para atender estes alunos, o
Stainback e William Stainback, com que fará com que se realize uma re-
a participação de 35 colaboradores forma na escola que beneficie todos
norte-americanos e canadenses. Os os alunos. Entretanto, o manual
organizadores participam da autoria apresenta ações estratégicas indivi-
ou co-autoria em 9 títulos. A obra está dualizadas quando se trata dos alu-
composta de 26 capítulos distribuídos nos portadores de deficiência. O mo-
em 6 partes. A consultoria, supervi- mento em que os autores desenvol-
são, revisão técnica e apresentação vem uma proposta mais voltada ao
à edição brasileira foram realizadas conjunto de alunos de uma escola é
pela professora Maria Teresa Eglér quando propõem que a presença de
Mantoan (Unicamp). um aluno portador de deficiência em
A obra é apresentada, confor- sala de aula pode servir para desen-
me o próprio título, como um manual volver habilidades em seus colegas
ou guia para que os professores pos- não deficientes) no sentido de que
sam realizar a inclusão escolar. Nes- aprendam a lidar com a diversidade
te sentido, apresenta uma proposta e com a resolução de problemas.
de ação no estilo de um planejamen- Do ponto de vista da concep-
to estratégico. A inclusão escolar ção de inclusão, a proposta é mais do
dos portadores de deficiência é men- STAINBACK, Susan e STAIN- que uma escola inclusiva, mas uma
cionada como uma estratégia para BACK, William. Inclusão - um perspectiva de comunidade escolar
criar uma nova consciência de que guia para educadores. Tradu- inclusiva. A idéia difundida é que as
é preciso lidar com a diversidade. E, ção: Magda França Lopes. Porto escolas são comunidades e como tais
ao propor esta nova consciência, pro- Alegre: Artes Médicas Sul) 1999. devem ser geridas pelos membros da

I Professora do Curso de Pedagogia da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL e Doutoranda em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.

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