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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS


Curso de Graduação em Farmácia-Bioquímica

APLICAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS INDÚSTRIAS

FARMACÊUTICAS

Samira Alves Abou Arabi

Trabalho de Conclusão do Curso de Farmácia-


Bioquímica da Faculdade de Ciências
Farmacêuticas da Universidade de São Paulo.

Orientador(a): Prof. Dr. Marco Antonio Stephano

São Paulo
2020
DEDICATÓRIA

Foram 6 anos de muito aprendizado, crescimento e amadurecimento. Muitos


sorrisos, abraços, festas e diversões. Anos também de muita correria, insanidade
e lágrimas. Mas não lágrimas só de tristeza e desespero, muito pelo contrário.
Foram principalmente de orgulho, alívio, felicidade e de amor.

Se estamos falando de amor é impossível não dedicar esse trabalho aos meus
pais e irmãos. A família é realmente nossa base e nossa essência. Agradeço por
cada colo e apoio emocional, cada incentivo e cada ajuda que precisei.

Dedico aos meus amigos, meus fiéis companheiros de cada aventura dentro e fora
da faculdade. Sem aquele empurrão nos estudos de última hora, eu
definitivamente não estaria aqui. Obrigada de todo meu coração.

Dedico também à Farmatuque e à todas as pessoas que fizeram parte dela.


Cultura e Extensão são o diferencial da USP. O que aprendemos não se restringe
às salas de aula. Obrigada por tornarem meus anos mais leves com tanta música.

Por fim, dedico e agradeço à FCF e todo o corpo docente. Ensinar é uma dádiva.
Vocês, professores, fazem a diferença no mundo e merecem tal reconhecimento.
Obrigada por me acolherem e ensinarem tantas maneiras de ajudar e tornar vidas
melhores.
1

SUMÁRIO

Pág
.

LISTA DE ABREVIATURAS ............................................................................ 2

RESUMO ......................................................................................................... 3

1. INTRODUÇÃO.............................................................................................. 4

2. OBJETIVO ................................................................................................... 7

3. MATERIAIS E MÉTODOS ........................................................................... 8

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................... 9

5. CONCLUSÃO .............................................................................................. 29

6. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................ 30
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LISTA DE ABREVIATURAS

ADME Absorção, Distribuição, Metabolismo e Excreção

CNN Convolutional Neural Network

DNN Deep Neural Network

HTS High Throughput Screening

IA Inteligência Artificial

IPP Interações Proteína-Proteína

IUPAC International Union of Pure and Applied Chemistry

KNN K- Nearest Neighbors / K- vizinhos mais próximos

LR Logistic Regression / Regressão logística

NBC Naive Bayes Classifier / Classificação Bayesiana Ingênua

NBCI National Center for Biotechnology Information

OMS / WHO Organização Mundial da Saúde / World Health Organization

P&D Pesquisa e Desenvolvimento

PLS Partial Least Squares / Mínimos Quadrados Parciais

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

QSAR Quantitative Structure – Activity Relationships

RF Random Forest / Floresta Aleatória

RNA Rede Neural Artificial

SVM Support Vector Machine

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância


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RESUMO

ARABI, S. A. A. Aplicação da inteligência artificial nas indústrias


farmacêuticas, 2020, 33p. Trabalho de Conclusão de Curso de Farmácia-
Bioquímica – Faculdade de Ciências Farmacêuticas – Universidade de São Paulo,
São Paulo, ano.

Palavras-chave: Artificial intelligence; machine learning; deep learning; prediction;


drug designing.

INTRODUÇÃO: A inteligência artificial (IA) está sendo cada vez mais aplicada em
diversos setores, inclusive nas indústrias farmacêuticas, auxiliando no tratamento e
na pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos fármacos. Assim, a IA apresenta-
se para tornar a P&D mais eficiente, uma vez que permite a predição de
propriedades físico-químicas e atividades biológicas, bem como a avaliação in silico
de propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas. OBJETIVO: Analisar e
discutir o avanço da Inteligência Artificial, seu amplo uso nas indústrias
farmacêuticas e seu consequente impacto na pesquisa e desenvolvimento de novos
fármacos, influenciando direta e indiretamente na saúde mundial. MATERIAIS E
MÉTODOS: Foram utilizados artigos dos últimos 20 anos acerca da inteligência
artificial, usando bases de dados como PubMed, SciELO, Web of Science e Science
Direct. RESULTADOS: Foram discutidos estudos relacionados à aplicação da IA
nas indústrias farmacêuticas, principalmente no que concerne ao desenvolvimento
de novos medicamentos. Diversas estratégias tecnológicas foram abordadas, bem
como o impacto da IA na otimização da P&D. CONCLUSÃO: Por meio da
bibliografia consultada, foi possível compreender a importância do investimento em
IA nas indústrias farmacêuticas, uma vez que pode resultar em maior produtividade
e diversidade de medicamentos, e em menor custo e viés humano. Além disso, ficou
ainda mais claro a importância da pesquisa colaborativa para maiores avanços na
saúde mundial.
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1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o mundo tem testemunhado o grande aumento da


complexidade e do refinamento dos algoritmos de aprendizagem de máquina
usados diariamente, desde a pesquisa básica na Internet, até robôs que permitem
um ambiente totalmente automatizado e carros autônomos (Ekins, 2016).
Toda vez que utilizamos nossos smartphones com software de
reconhecimento de voz ou fazemos uma pesquisa ou compra na Internet, ou mesmo
usamos nossas redes sociais, seja Facebook, Instagram, Twitter ou qualquer outra,
é certo que nos deparamos com sugestões de amigos para conectar e de produtos
semelhantes que possamos comprar, em questão de pouquíssimos minutos.
Portanto, estamos inteiramente cercados por softwares que usam aprendizagem de
máquina para prever nossas necessidades antes mesmo de sabermos quais são.
Mas o que significa aprendizagem de máquina? Aprendizagem de máquina,
comumente chamada de machine learning, é um exemplo de ferramenta que surgiu
a partir da chamada inteligência artificial (IA), a qual se refere à área computacional
que busca meios para ter, melhorar, ou, ainda, multiplicar a inteligência humana e
sua capacidade racional de exercer comportamentos e resolver problemas. A IA
está sendo cada vez mais aplicada nos mais diversos setores, como, por exemplo,
na assistência pessoal, robotização, gestão empresarial, educação e na saúde e
biotecnologia, que abrangem desde dispositivos médicos até indústrias
farmacêuticas, auxiliando no tratamento e na pesquisa e desenvolvimento (P&D) de
novos fármacos (Tsang et al, 2017).
O processo de P&D de novos fármacos abrange desde a identificação do
fármaco até os estudos clínicos, e requer um altíssimo investimento financeiro em
longo prazo. Segundo Zhong et al., 2018, o gasto médio é de aproximadamente três
bilhões de dólares, com demanda de 10 a 15 anos, e com apenas 13% de
probabilidade de sucesso e aprovação, o que se deve, na maioria dos casos, a
problemas relacionados à biodisponibilidade e toxicidade. Ou seja, o
desenvolvimento, aprimoramento e aplicação da IA no processo de descobrimento
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de fármacos é bastante ambicioso, uma vez que torna o processo mais eficiente e
menos oneroso.
Dentro do escopo da IA para a P&D de novos fármacos está atualmente a
predição das propriedades das moléculas em questão e seu comportamento futuro.
Isto é, previsão de propriedades físico-químicas, como solubilidade, lipofilicidade,
higroscopicidade, perfil térmico e velocidade de dissolução; de formulações mais
eficazes e seguras; avaliação in silico de propriedades farmacocinéticas e
farmacodinâmicas, como absorção, distribuição, metabolismo e excreção (ADME),
eventos adversos, regiosseletividade do alvo e toxicidade (Kumar et al. 2016).
Todas essas facilidades contribuem para o melhor aproveitamento das pesquisas e
do tempo investido, dado que as moléculas são mais bem aproveitadas, como, por
exemplo, quando ocorre rejeição para um alvo ou tratamento específico, a IA pode
mostrar outras possíveis aplicações da mesma molécula.
Atualmente, com os avanços na informática, química computacional e
estatística, já existem diversas metodologias e softwares que podem ser utilizados
para auxiliar na P&D, principalmente no âmbito da relação quantitativa entre
estrutura e atividade e da toxicidade, através da chamada Toxicologia
Computacional. Segundo a International Union of Pure and Applied Chemistry
(IUPAC), a toxicologia computacional é definida como a abordagem na qual são
aplicados modelos computacionais e matemáticos para a predição de efeitos
adversos e para o melhor entendimento dos mecanismos através dos quais uma
determinada substância provoca o dano (IUPAC, 2007). Assim, o uso da toxicologia
computacional, além de permitir uma triagem refinada para substratos e produtos
com menor potencial tóxico, busca dados de testes anteriormente realizados, que
combinados com resultados in vitro, evitam ou, ao menos, racionalizam e
direcionam a necessidade de testes in vivo em animais ou outras matrizes
biológicas (Santos, 2012).
Outro método computadorizado de extrema importância e utilizado pelas
grandes indústrias farmacêuticas para a descoberta de novos fármacos é o High
Throughput Screening (HTS), que como o próprio nome diz, trata-se de uma
“triagem de alta produtividade” de moléculas. O HTS utiliza sistemas robóticos que
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permitem analisar cerca de 300 mil compostos por dia, equivalendo a milhões de
compostos por semana, utilizando quantidades mínimas de reações, processo este
que demoraria meses ou até anos para que os pesquisadores alcançassem
resultados semelhantes (Nunes et al., 2019). Mais um exemplo de ferramenta muito
usada na P&D é o Quantitative Structure – Activity Relationships (QSAR), que
constrói modelos virtuais para prever a afinidade de ligação entre as moléculas com
base nas propriedades das mesmas, bem como seu potencial tóxico. Mais
recentemente, o uso de QSAR foi ampliado para a predição das propriedades
farmacocinéticas (ADME) e da biodisponibilidade oral, repercutindo diretamente na
eficiência das pesquisas (Lill, 2007).
Alguns dos algoritmos usados na IA, mais especificamente na aprendizagem
de máquina, que permitem essas predições tão relevantes, incluem técnicas como
floresta aleatória (RF), rede neural artificial (RNA), regressão logística (LR),
classificação bayesiana ingênua (NBC), k vizinhos mais próximos (KNN) e mínimos
quadrados parciais (PLS). Entretanto, diferentemente dos métodos tradicionais de
aprendizagem de máquina que utilizam recursos programados manualmente, os
métodos de aprendizado profundo, conhecido como deep learning, vêm para
revolucionar, uma vez que podem aprender recursos automaticamente a partir de
dados de entrada. Isto é, podem transformar recursos simples em complexos
através da extração de recursos em camadas, apresentando menores erros de
generalização (Zhong et al., 2018). Isso mostra que praticamente qualquer área que
exija padrões identificados e conexões encontradas em grandes conjuntos de dados
está pronta para ser aprimorada pela IA.
Em resumo, a Figura 1 elucida perfeitamente como a IA é definida e aplicada
na área da saúde, compreendendo os dois grandes subconjuntos: aprendizagem
de máquina e aprendizado profundo. Além disso, é detalhada a categorização da
aprendizagem de máquina com algumas de suas atribuições, que serão
posteriormente discutidas.
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Figura 1

Figura 1: Aplicação da inteligência artificial na área da saúde e seus subconjuntos:


aprendizagem de máquina e aprendizado profundo (Mak et al., 2019, adaptada).

Portanto, tendo em vista o grande impacto que a IA tem e ainda terá na área
da saúde, faz-se necessário um levantamento de dados e estudo mais profundo
acerca do tema para enfatizar a importância do investimento nesta área, uma vez
que, como discutido anteriormente, pode diminuir o tempo de pesquisa, os custos e
principalmente o uso de animais para testes in vivo, que demanda maiores
exigências regulatórias. Além disso, o presente trabalho pode esclarecer possíveis
polêmicas em relação ao futuro da mão de obra humana.

2. OBJETIVO

Este trabalho tem como objetivo analisar e discutir o avanço da Inteligência


Artificial, seu amplo uso nas indústrias farmacêuticas e seu consequente impacto
na pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos, influenciando direta e
indiretamente na saúde mundial.
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3. MATERIAIS E MÉTODOS

No presente trabalho, foi realizada uma revisão bibliográfica do tipo narrativa


acerca do tema proposto utilizando-se as palavras-chave artificial intelligence;
machine learning; deep learning; prediction; drug designing, pharmaceutical
research, nas seguintes bases de dados: US National Library of Medicine -
National Institutes of Health (PubMed), Scientific Electronic Library Online
(SciELO), Web of Science e Science Direct. Além disso, também foram utilizados
sites de instituições nacionais e internacionais, públicas e/ou privadas.

3.1. Critérios de inclusão

Foram incluídos neste estudo artigos publicados nos últimos vinte anos (2000
a 2020) pertinentes à aplicação da inteligência artificial na área da saúde,
principalmente acerca da pesquisa e desenvolvimento de um novo medicamento. O
estudo se restringiu aos artigos escritos em inglês e português.

3.2. Critérios de exclusão

Foram excluídos do estudo os artigos publicados anteriormente a 2000, os


não relacionados à finalidade deste trabalho, os relacionados à aplicação da IA no
diagnóstico e tratamento de doenças e os artigos escritos em outras línguas que
não a inglesa e portuguesa.

3.3. Coleta e análise dos dados

Os artigos que cumpriram os critérios de aceitação discutidos anteriormente


foram analisados por meio da leitura dos seus respectivos títulos e resumos. Assim,
36 publicações foram pré-selecionadas para serem lidas na íntegra e suas
contribuições foram discutidas neste trabalho.
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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dado o aumento na competitividade do mercado, o avanço da tecnologia tem


facilitado cada vez mais a produtividade e as inovações na ciência da saúde,
provendo mudanças drásticas no diagnóstico e tratamento de diversas doenças e
melhorando a qualidade de vida de forma antes inimaginável. Desta forma, o
investimento em novas tecnologias e facilidades médicas têm sido o foco de
discussão em grandes indústrias farmacêuticas, tanto no aspecto inovador e
promissor quanto nos custos gerados (Nunes et al., 2019).
No entanto, para uma indústria farmacêutica manter-se inovadora é
complexo, principalmente porque requer um altíssimo investimento financeiro na
P&D de um novo fármaco, sabendo que a probabilidade de sucesso é de apenas
13%, conforme citado anteriormente.
O processo completo de pesquisa e desenvolvimento de medicamento,
desde a fase pré-clínica até a aprovação do mesmo para o uso clínico, está
explanado na Figura 2. A aplicação da IA em cada etapa possível atualmente está
perfeitamente apontada, juntamente com as estratégias que podem ser utilizadas
durante todo o desenvolvimento de medicamento. Vale ressaltar que os termos lead
e hit-to-lead referem-se a um composto químico ou ligante potencial que pode levar
ao desenvolvimento de um novo medicamento. Uma vez identificados, suas
estruturas químicas são usadas como ponto de partida para futuras modificações
em direção ao objetivo terapêutico (Mak et al., 2019).
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Figura 2

Figura 2: Utilização da IA no processo de desenvolvimento de medicamentos (Mak et al.,


2019, adaptada).
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Para detalhar as diversas aplicações da IA nas indústrias farmacêuticas, com


ênfase na P&D de novos fármacos, é imprescindível destacar primeiramente a
criação e aperfeiçoamento constante dos bancos de dados bioquímicos, que
fornecem ferramentas para a busca de novos medicamentos. O alvo molecular
selecionado nem sempre tem sua estrutura tridimensional (3D) conhecida, o que
impacta diretamente na priorização das estratégias de planejamento. No entanto,
os grandes avanços da genômica e proteômica, aliados aos avanços
computacionais, proporcionaram um aumento significativo no número de alvos
moleculares com estrutura 3D disponíveis em bancos de dados. Nesse contexto, o
Quadro 1 mostra resumidamente alguns exemplos de bancos de dados e seu uso
majoritário.

Quadro 1.

Banco de Dados Descrição


Com mais de 160000 macromoléculas (proteínas e ácidos nucleicos), é
Protein Data Bank
um banco de dados 3D que fornece informações de alvos moleculares
(PDB)
(https://www.rcsb.org/).

Contém informações de alvos moleculares com foco em doenças


Tropical Disease
negligenciadas. É patrocinado pela UNICEF, PNUD, OMS e Banco
Research (TDR)
Mundial (https://www.who.int/tdr/en/).

Mantido pelo Instituto Europeu de Bioinformática, fornece informações


ChEMBL sobre moléculas bioativas, com objetivo claro de auxiliar no processo de
P&D in sílico (https://www.ebi.ac.uk/chembl/#).

Banco oficial com informações robustas de sequenciamento genético de


PlasmoBD
Plasmodium falciparum (https://plasmodb.org/plasmo/).

Banco com aproximadamente 13600 medicamentos, com informações


DrugBank ricas de vias metabólicas, eventos adversos, classificação do
medicamento, farmacogenômica etc. (https://www.drugbank.ca/).

Banco atrelado ao NBCI riquíssimo em informações sobre propriedades


PubChem físico-químicas, atividade biológica, segurança e toxicidade das moléculas
(https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/).

Quadro 1: Resumo de alguns dos principais bancos de dados bioquímicos.


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Os bancos de dados, contendo informações detalhadas sobre medicamentos


e outras moléculas bioativas, são verdadeiras minas de ouro para os cientistas. Mas
como relacionar os bancos de dados diretamente com a IA? Em princípio, a
necessidade de armazenar, gerenciar e analisar estes recursos deu origem ao
CADD (desenho de medicamentos assistido por computador), um software que,
além destas facilidades, traz também a capacidade de modelagem de compostos
de alta afinidade e seletividade para alvos específicos. Alguns dos numerosos
relatos de sucesso de medicamentos projetados no CADD são a Dorzolamida,
indicado para tratamento da pressão intraocular, o Sildenafil, para o tratamento de
disfunção erétil, o Zanamivir, para profilaxia ou tratamento de infecção por influenza,
e o Amprenavir, inibidor de proteases para o tratamento de HIV (Song et al., 2009).
Em seguida, a Figura 3 representa perfeitamente a relação dos bancos de
dados com a IA. O aprendizado profundo, assim como a RNA, foi inspirado pelo
sistema nervoso central que é capaz de reconhecer padrões e correlacionar dados
brutos, a partir de uma camada de entrada. A diferença entre as duas estratégias é
que RNA usa uma camada de entrada, uma camada oculta e uma camada de saída,
enquanto o aprendizado profundo usa diversas camadas ocultas. As camadas de
entrada se referem às bases de informações, como bases de dados. As camadas
ocultas são o cruzamento dessas informações, resultando nas respostas mais
adequadas para o problema, através da camada de saída (Ekins, 2016).
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Figura 3

Figura 3: Representação das camadas do aprendizado profundo usando bancos de dados


públicos e privados (Ekins, 2016, adaptada).

4.1 Aplicação da IA no Design de Medicamentos

4.1.1 Estrutura e função das proteínas

Sabe-se que a maioria das doenças está relacionada, de certa forma, às


mutações ou disfunções de proteínas, e que uma das estratégias de design de
medicamentos é baseada na estrutura proteica e nas interações proteína-proteína
(IPP). No entanto, para aplicar a IPP no design de medicamento, é preciso ter um
bom conhecimento de interface de IPP, a qual é definida como os locais de ligação
proteína-proteína compostos por muitos resíduos (Cukuroglu et al., 2014). Em
virtude do constante avanço tecnológico, atualmente existem alguns softwares para
prever a interface, como por exemplo o eFindSite. Este software, que utiliza também
métodos avançados de aprendizagem de máquina como um recurso, é capaz de
superar os algoritmos de detecção de bolsos geométricos em 5 a 40%, tanto na
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detecção do sítio de ligação quanto na predição dos resíduos, com 75 a 78% de


precisão, que pode ser melhorada em 4% se alimentada com dados da bibliografia.
Sua primeira aplicação foi na descrição da estrutura da Escherichia coli e na
predição do sítio de ligação para todo o seu proteoma (Brylinski et al., 2013).
Bai et al. desenvolveram um software de acoplamento molecular, iFitDock,
que estima posições de ligação energeticamente favoráveis para, então, identificar
os pontos quentes de uma estrutura proteica. Estes chamados pontos quentes são
alvos potenciais para novos medicamentos e sua coevolução é deduzida para
formar uma interface IPP. A coevolução de aminoácidos é quantificada pelo DCA a
partir de alinhamentos de múltiplas sequências de proteínas. Na Figura 4 é possível
visualizar o resultado destas duas ferramentas na identificação de possíveis
interfaces heterodiméricas CDK1 – CKS1.
Para o monômero de CDK1 (A) há quatro candidatos a sítios de ligação,
enquanto para CKS1 há três. A avaliação da pontuação da interação da interface
coevolucionária entre os sítios candidatos de CDK1 e CKS1, realizada e plotada no
gráfico pelo DCA, revela a presença de duas interfaces altamente coevoluídas. No
entanto, a pontuação mais alta de interação sugere que a ligação do sítio 2 de CDK1
ao sítio 1 de CKS1 pode ser funcionalmente mais importante, como é mostrado em
(C). Já em (B) estão plotados os 50 principais pares de resíduos em coevolução
para ambas as interfaces. (Bai et al., 2016)
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Figura 4

Figura 4: Identificação de possíveis interfaces heterodiméricas CDK1 – CKS1 (Bai et al.,


2016, adaptada).

4.1.2 Identificação de Hits (ligantes)

▪ Triagem virtual
A triagem virtual tornou-se amplamente usada em 1990 durante as fases
iniciais da pesquisa em relação a identificação de novas moléculas bioativas. Sendo
assim, a triagem virtual representa um dos maiores avanços no planejamento de
fármacos, visto que através de algoritmos e softwares é capaz de direcionar a
seleção de moléculas bioativas para modular a atividade biológica dos alvos
desejados, aprimorando a busca de novos candidatos a fármacos e acelerando todo
o processo de planejamento (Rodrigues et al., 2012). Esta estratégia compreende
dois tipos principais: triagem baseada em estrutura do alvo molecular (Figura 5),
que considera estrutura tridimensional do alvo molecular para predizer os
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compostos capazes de interagir com o sítio receptor de acordo com sua afinidade,
através de cálculos de acoplamento (docking), e triagem baseada em ligantes
(Figura 6), que mapeia características moleculares com bioatividade, partindo do
princípio que estruturas semelhantes podem ter atividades semelhantes, através de
bancos de dados.

Figura 5 Figura 6

Figura 5: Triagem baseada em estrutura Figura 6: Triagem baseada em ligantes. Em


do alvo molecular. Modo de ligação A, um modelo farmacofórico e em B, as
experimental (orientação cristalográfica) e interações dos grupamentos farmocofóricos
a orientação de docking (cálculo com o (Rodrigues et al., 2012).
GOLD) (Rodrigues et al., 2012).

Desta maneira, métodos computacionais combinados com a aprendizagem


de máquina têm sido frequentemente usados para a triagem virtual, mostrando altos
rendimentos. Em consequência disto, os bancos de dados de ligantes nos estudos
de HTS têm sido enriquecidos constantemente, colaborando com menores custos
em P&D de novos medicamentos. Além do mais, um modelo de autoencoder
adversário (tipo especial de RNA) pode ser treinado e aplicado para gerar
impressões digitais moleculares e refinar a busca na base de dados e em menos
tempo, assim como foi feito com potenciais agentes antineoplásicos, treinando o
algoritmo com dados de linhagem celular NCI-60 (tumoral) para 6252 compostos
perfilados na linhagem celular MCF-7. A camada de saída foi utilizada para rastrear
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moléculas com potenciais propriedades antineoplásicas dentre 72 milhões de


compostos no PubChem (Kadurin et al., 2017).

▪ Funções de pontuação
O principal fator para o encaixe molecular é a função de pontuação de
energia, uma vez que descreve e estima a afinidade de ligação das moléculas
candidatas a novos fármacos em relação a um alvo de interesse. Quando estas
pontuações são baseadas em aprendizagem de máquina, extraem diversos
recursos geométricos e químicos de maneira rápida e precisa, exibindo um melhor
desempenho (Zhong et al., 2018).
As funções de pontuação são classificadas em três categorias: análise de
campo de força, função de pontuação empírica e função de pontuação baseada em
conhecimento. Resumidamente, a análise do campo de força se restringe ao cálculo
e otimização das forças reais de van der Waals, eletrostáticas e à hidrofobicidade
dos campos de força. Já a função de pontuação empírica otimiza conteúdos
empíricos, como energias de ligação de hidrogênio e dessolvatação, para calcular
as interações intermoleculares. Em contrapartida, a função de pontuação baseada
em conhecimento utiliza dados da estrutura molecular, a partir de bancos de dados,
e os converte em potenciais emparelhados dependentes da distância. A
combinação das três categorias provou ter resultados mais completos e precisos
(Wang et al., 2018).

▪ Reaproveitamento de medicamentos
Também chamado de reposicionamento de medicamentos, o
reaproveitamento de medicamentos é o processo de encontrar novas indicações
para medicamentos já aprovados, podendo reduzir tempo e financiamento no
desenvolvimento de uma nova molécula, uma vez que os testes se iniciam já na
fase clínica ll. Este processo é extremamente viável, uma vez que os alvos podem
facilmente corresponder a múltiplos efeitos. A pesquisa para o reaproveitamento é
feita através de análise de redes para representar as interações da molécula em si,
sejam elas redes metabólicas, redes proteína-proteína, redes doença-fármaco,
redes de eventos adversos ou redes doença-doença (Shahreza et al., 2017). Como
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as informações da rede individual são limitadas, para redirecionar um medicamento


é preciso integrar todas elas, formando uma rede heterogênea e obtendo uma visão
bem mais ampla e completa das possibilidades. O DTINet, um exemplo de rede
heterogênea, sugeriu que telmisartan (anti-hipertensivo), alendronato (inibidor de
reabsorção óssea) e clorpropamida (hipoglicemiante) pudessem ter um novo efeito
inibidor da ciclooxigenase, que posteriormente foram verificados e comprovados
experimentalmente com alta qualidade para prevenção de inflamação (Luo et al.,
2017). O resultado em rede das interações medicamentos-alvo gerado pelo DTINet
pode ser visualizado na Figura 7.

Figura 7

Figura 7: Resultado em rede das 150 principais interações medicamentos-alvo. Os círculos


roxos representam os alvos moleculares e os quadrados amarelos, medicamentos (Luo et
al., 2017).
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Aliper et al. demonstraram que os DNNs (tipos de RNA) são capazes de


classificar os medicamentos em categorias terapêuticas de acordo com seu
mecanismo de ação, eficácia, toxicidade e uso terapêutico. Combinando dois DNNs,
como um jogo de oposição, onde cada um avalia a saída do outro de forma
interativa, tem-se uma rede adversária generativa (GAN), que usa o aprendizado
profundo de forma extraordinária para produzir imagens foto realistas a partir de
descrições de texto. Além disso, um DNN é capaz tanto de reconhecer propriedades
farmacológicas de medicamentos em diferentes condições biológicas, se treinado
com dados transcriptômicos, quanto de sugerir um reposicionamento de
medicamentos (Aliper et al., 2016).
Os mais novos exemplos de reaproveitamento de medicamento, porém ainda
em fase experimental sem aprovação para tratamento, são os relacionados ao vírus
SARS-Cov-2. Atualmente há estudos em andamento com 28 medicamentos, entre
eles estão a Cloroquina, para tratamento de malária, artrite reumatoide e lúpus
eritematoso, o Lopinavir, o Ritonavir e o Darunavir, que são inibidores de proteases
direcionados para o tratamento de HIV. Além desses medicamentos, diversas
moléculas antes pesquisadas para Ebola estão sendo reavaliadas para COVID-19,
comprovando mais uma vez a importância e o impacto na saúde mundial da
aplicação da IA nas indústrias farmacêuticas (DrugBank, 2020).

4.1.3 Otimização hit-to-lead

▪ QSAR
A relação estrutura-atividade quantitativa (QSAR) é uma ferramenta
comumente utilizada para mapear propriedades estruturais / físico-químicas e
biológicas de compostos não testados ou para projetar novos componentes com
propriedades desejadas. Sua análise compreende principalmente a coleta de
dados, seleção e geração de descritores moleculares, além de estabelecimento,
avaliação, interpretação e aplicação de modelos matemáticos. É necessário que
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esses modelos matemáticos se ajustem adequadamente às relações estrutura-


atividade, após a seleção dos descritores moleculares (Damale et al., 2014).
Sabe-se que o primeiro modelo de QSAR surgiu em 1964, quando Hansch e
colaboradores propuseram a equação de Hansch para descrever a relação
estrutura-atividade com base em uma única propriedade físico-química (1D-QSAR).
A partir de então, QSAR vem sendo constantemente aprimorado e amplamente
aplicado no design de medicamentos. Poucos anos depois, a equipe de Hansch
desenvolveu modelos matemáticos que correlacionam atividades físico-químicas
com padrões estruturais, lançando então o 2D-QSAR. Entretanto, sua popularidade
se instaurou de fato com sua versão 3D, que permite estabelecer uma relação entre
as atividades biológicas dos ligantes (com estruturas 3D) e as impressões digitais
moleculares de diversas propriedades de campo, como campo estérico e
eletrostático. Além disso, o 3D-QSAR pode identificar o grupamento farmacofórico
das moléculas, auxiliando ainda mais na identificação de compostos bioativos
(Wang et al., 2017).
4D-QSAR foi desenvolvido para aprimorar a versão anterior, proporcionando
maior flexibilidade e liberdade conformacional das moléculas a partir de descrições
mais robustas das conformações e orientações moleculares, estereoisômeros e
estados de protonação. Apesar desta evolução, ainda era necessário adaptar a
flexibilidade da proteína alvo e reduzir o viés associado à seleção das conformações
de ligantes, o que corroborou para o desenvolvimento do 5D-QSAR. Não satisfeitos,
mais uma dimensão foi incorporada ao QSAR: a função de solvatação. O 6D-QSAR
é sugerido para identificar um potencial de desregulação endócrina associado a
medicamentos e produtos químicos (Wang et al., 2017).
A otimização constante do QSAR possibilitou a predição virtual simultânea
de diversas propriedades biológicas do alvo. O sucesso desta ferramenta tão
valiosa e essencial para as pesquisas fez com que se tornasse um componente
indispensável nos pacotes computacionais de softwares comerciais (Wang et al.,
2017).
21

4.1.4 Avaliação das propriedades ADME/T

Um candidato a medicamento deve não apenas ser eficaz o suficiente contra


o alvo, mas também mostrar propriedades ADME/T adequadas em doses
terapêuticas. Farmacocineticamente, a absorção de medicamentos é o processo
pelo qual os medicamentos entram no fluxo sanguíneo a partir do local de
administração, e seu grau é refletido através da biodisponibilidade. Fatores como
solubilidade, estabilidade química, tempo de esvaziamento gástrico e
permeabilidade intestinal influenciam na absorção. A distribuição, por sua vez,
refere-se à maneira em que os medicamentos, já na corrente sanguínea, circulam
pelo organismo e são transferidos para o líquido intersticial e intracelular de outros
compartimentos. A distribuição no estado estacionário (VDss) é um índice
importante que representa a extensão em que um medicamento é distribuído no
tecido (Zhong et al., 2018).
Já o metabolismo é a etapa em que a degradação do medicamento ocorre,
podendo, em alguns casos, inativar o fármaco ou produzir metabólitos tóxicos. Por
fim, a excreção se encarrega da eliminação do fármaco e seus metabólitos do corpo,
que geralmente são solúveis em água. Portanto, ADME aborda as questões
farmacocinéticas que determinam se uma molécula de medicamento atingirá a
proteína alvo no corpo e quanto tempo permanecerá na corrente sanguínea.
Durante o processo de P&D de novos medicamentos, estima-se que
aproximadamente um terço das moléculas são reprovadas por problemas de
toxicidade, tanto na fase pré-clínica quanto na fase clínica. A avaliação toxicológica
é realizada em diversas etapas do desenvolvimento, até mesmo após a
comercialização do medicamento. No entanto, a identificação tardia da toxicidade
torna o processo mais custoso (Guengerich, 2011). Desta maneira, a predição da
biodisponibilidade, das propriedades físico-químicas, do VDss, do local do
metabolismo, do mecanismo de excreção primária e da toxicidade é capaz de
otimizar os leads e reduzir significativamente o risco de falhas e o gasto de recursos,
uma vez que permitirá decisões mais precisas no início do desenvolvimento do
fármaco.
22

Os modelos in sílico relacionados ao ADME/T são comumente usados para


uma triagem rápida e preliminar antes dos testes in vitro. No entanto, apesar das
diversas ferramentas computacionais já existentes no mercado e do amplo
progresso nos últimos anos, a predição das propriedades ADME/T ainda é um
desafio, tanto em relação à precisão das predições e às limitações dos softwares
quanto em relação ao custo e à necessidade de treinamentos profundos das bases
dos softwares (Dong et al., 2018).
Xu et al. desenvolveram um modelo aprimorado de predição de toxicidade
oral aguda (TOA) com base em redes neurais convolucionais de codificação
molecular (MGE-CNN). O modelo MGE-CNN superou as predições dos modelos
tradicionais baseados no Support Vector Machine (SVM) e é altamente flexível, já
que as impressões digitais moleculares podem ser ajustadas conforme
necessidade. Além disso, esta arquitetura de aprendizado profundo permite que o
software mapeie e derive subestruturas químicas relacionadas à TOA pela
mineração reversa dos recursos (Xu et al., 2017).
Dentro da comunidade científica, há um desafio para comparar métodos
computacionais para predição de toxicidade chamado Tox21 Data Challenge. Na
edição de 2016, o DeepTox, desenvolvido por Mayr et al. e baseado em DNN de
múltiplas tarefas, venceu a competição por sua inovação e por sua impressionante
capacidade de treinar modelos, os avaliar e combinar o melhor deles em conjuntos,
para, então, predizer a toxicidade (Mayr et al., 2016).
Em um estudo, Wenzel et al. desenvolveram um modelo preditivo e
escalonável de ADME/T, com base em conjuntos de dados de diferentes fontes,
para otimizar a farmacocinética e a segurança das moléculas. Para isso,
construíram e comparam um modelo DNN multitarefa a um de tarefa única e
investigaram os modelos ADME/T quanto à labilidade / depuração metabólica,
permeabilidade ao Caco-2 e logD. Como resultado, os modelos DNN construídos
com dados internos da empresa superaram ou, ao menos, se igualaram em níveis
de qualidade aos modelos derivados de aprendizagem de máquina, mostrando que
o aprendizado profundo realmente trará resultados melhores e mais precisos nas
futuras aplicações (Wenzel et al., 2019).
23

A Figura 8 mostra um exemplo de como o DNN gera o resultado das


predições em porcentagem. Há predição de quatro propriedades diferentes
acrescentando uma ligação -CN a um composto de nefazodona obtido através do
ChEMBL (ChEMBL623): labilidade metabólica humana (hlm), labilidade metabólica
de camundongo (mlm), permeabilidade passiva (logPTmax) e hidrofobicidade
(logD). Os círculos verdes e respectivos números indicam o aumento ou decréscimo
na predição caso a ligação -CN seja no local indicado.

Figura 8

Figura 8: Predições geradas pelo DNN multitarefas para ligação -CN a nefazodona
(ChEMBL623) (Wenzel et al., 2019, adaptada).

4.1.5 Outros softwares disponíveis para design de medicamentos

A exploração das mais diversas ferramentas baseadas em IA, desde as mais


simples as mais complexas, tornou-se um componente-chave da P&D de
medicamentos nas indústrias farmacêuticas, uma vez que vem reduzindo
obstáculos e acelerando todo o processo de desenvolvimento de fármacos. O
Quadro 2 mostra o uso de alguns softwares, categorizados por área.
24

Quadro 2
Software Uso majoritário
DDDPlus Estudo de dissolução e desintegração
Correlação in vitro e in vivo para
Parâmetros Farmacocinéticos GastroPlus
formulações
MapCheck Calibração de dose ou fluência

AutoDock Avaliação da interação ligante-proteína

Interações de Ligantes e Schrodinger Ligação receptor-ligante


Dinâmica Molecular GOLD Ligação proteína-ligante

BioSuite Análise de genoma e de sequência


Maestro Análise de modelagem molecular
Modelagem molecular e cálculos de
ArgusLab
acoplamento
Acoplamento proteína-proteína e
Modelagem Molecular e GRAMM
proteína-ligante
Relação de Atividade
Estrutural Modelagem molecular e desenho
SYBYL-X Suite
baseado em ligantes
Predição da afinidade de ligação
Sanjeevini
proteína-ligante
PASS Criação e análise de modelos SAR
Análise de imagens médicas em
AMIDE
imagens moleculares
Discovery Studio® Visualização e análise de dados de
Análise de Imagem e Visualizer proteínas
Visualizadores Imaging Software
Análise citogenética e de danos ao DNA
Scge-Pro
Xenogen Living Visualização e análise de imagens in
Image Software vivo
Identificação da variação entre o
GeneSpring conjunto de amostras e o método de
correção nas amostras
Análise de Dados
QSARPro Estudo de interação proteína-proteína
REST 2009
Análise de dados de expressão gênica
Software
Ethowatcher Análise de comportamento

Estudo comportamental Rastreamento de atividade animal, de


MARS atividade enzimática e de
nanopartículas

Quadro 2: Uso majoritário de alguns dos softwares mais conhecidos na área de design de
medicamentos (Jamkhande et al., 2017, adaptada).
25

4.2 Aplicação da IA na Farmacovigilância

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a farmacovigilância é


definida como “a ciência e atividades relativas à identificação, avaliação,
compreensão e prevenção de efeitos adversos (EA) ou quaisquer problemas
relacionados ao uso de medicamentos”. Em 1962, após o desastre da talidomida, o
Food and Drug Administration (FDA) passou a exigir estudos mais rigorosos dos
fabricantes de medicamentos. Então, em 1978, a OMS instaurou o Programa
Internacional de Monitorização de Reações Adversas a Medicamento (Who, 2020).
As informações acerca dos medicamentos, incluindo EA, e os relatórios de
consumidores são registradas em um documento chamado ICSR (Relatório
Individual de Segurança de Casos). No entanto, com o crescente número de ICSR
gerados em todo o mundo, seu manuseio e processamento tornou-se uma tarefa
trabalhosa e demorada. Como trata-se de uma função que possui padrões, a IA
pode facilmente ser aplicada para auxiliar na tomada de decisões e automatizar a
extração e processamento de informações de ICSR, reduzindo o custo, a força e o
tempo de trabalho, além de melhorar a qualidade e precisão das informações. O
banco de dados central instaurado pela OMS, em 1978, é chamado de VigiBase e,
atualmente, conta com mais de 20 milhões de relatórios de EA registrados (Murali
et al., 2019).

4.3 Aplicação de IA na Inteligência Regulatória

As indústrias farmacêuticas, juntamente a órgãos reguladores a níveis


globais, regionais e nacionais, estabelecem assuntos regulatórios para garantir a
segurança, a qualidade e a eficácia dos medicamentos que pretendem ser
comercializados. A inteligência regulatória é o grupo funcional dentro dos assuntos
regulatórios responsável por coletar e analisar as informações de fontes internas e
externas e gerar um resultado expressivo, que é comunicado às partes interessadas
(Mayer el al., 2019).
26

Visto a enorme quantidade de dados frequentemente acumulados para a


inteligência regulatória analisar, Mayer et al. conduziram uma pesquisa preliminar
com 22 grandes indústrias farmacêuticas para investigar a possibilidade de criar um
consórcio pré-competitivo. A ideia central deste consórcio colaborativo é unir
recursos e esforços para desenvolver e aplicar a IA na inteligência regulatória.
Nesta pesquisa, 19 das 22 empresas declararam interesse em participar do
consórcio colaborativo, caso seja construído de fato. Este interesse se deve à
possibilidade da IA melhorar e aprimorar a qualidade, velocidade, eficiência e
habilidades gerais da inteligência regulatória (Mayer el al., 2018). A Figura 9 mostra
brevemente os seis benefícios que as empresas farmacêuticas usufruiriam do
consórcio e aplicação da IA nos assuntos regulatórios.

Figura 9

Figura 9: Seis benefícios que as empresas participantes do consórcio colaborativo usufruiriam, com
a aplicação da IA na inteligência regulatória (Mayer el al., 2018, adaptada).
27

4.4 Exemplos da Aplicação da IA nas Grandes Indústrias

Após discorrer detalhadamente sobre as diversas estratégias de aplicação


da IA nas indústrias farmacêuticas, especialmente durante o desenvolvimento de
medicamento, as Figuras 10 A e 10 B abrangem concisamente alguns exemplos de
joint-ventures entre empresas especializadas em IA e empresas farmacêuticas.

Figura 10 A

Figura 10 A: Parcerias entre empresas de IA e empresas farmacêuticas e suas respectivas


áreas de colaboração no desenvolvimento de medicamentos (Mak et al., 2019).
28

A Atomwise, por exemplo, conhecida por sua extraordinária velocidade,


precisão e diversidade na química estrutural usando o aprendizado profundo, é
pioneira na IA para descoberta de novas moléculas. Seu potencial é atualmente
refletido nas parcerias com grandes instituições e empresas, como Harvard
University, Stanford University, Eli Lilly, Merck e Abbvie (Mak et al., 2019).

Figura 10 B

Figura 10 B: Parcerias entre empresas de IA e empresas farmacêuticas e suas respectivas


áreas de colaboração no desenvolvimento de medicamentos (Mak et al., 2019, adaptada).
29

5. CONCLUSÃO

As informações levantadas neste trabalho proporcionam uma visão geral do


atual cenário da inteligência artificial nas indústrias farmacêuticas, desde o
desenvolvimento do medicamento até a sua aprovação regulatória e
farmacovigilância. Fica evidente, então, que a presença crescente e iminente da IA
promete transformar o futuro.
Implementar cada vez mais a IA nas indústrias farmacêuticas não somente
revolucionará a maneira como são descobertos e desenvolvidos os medicamentos,
como também a experiência dos pacientes e o trabalho mundano. Os estudos
abordados reforçam o quão a IA pode impactar na saúde mundial, uma vez que
pode aumentar a produtividade, precisão, eficiência e diversidade do mercado, além
de diminuir os custos e o viés humano. Além disso, a IA traz a esperança de que
doenças raras e negligenciadas também são passíveis de atenção. As empresas
que não se adaptarem à nova realidade e não implementarem a IA, estão
destinadas a competir com menos recursos pelo mercado, correndo sérios riscos
de insucesso.
Há quem tema o pesadelo da ficção científica de que estamos criando uma
inteligência que possa superar a nossa, um robô que pode facilmente substituir o
nosso trabalho. Entretanto, a narrativa social mais ampla girará em torno de como
nós, humanos, podemos trabalhar em conjunto com a IA e como podemos usá-la
somente a nosso favor, sem ceder o controle. Embora os modelos de aprendizado
profundo superem muito os métodos tradicionais de aprendizagem de máquina,
ainda há uma imensa necessidade de uma matriz rica em recursos para um
treinamento qualificado. Enquanto a IA pode auxiliar na análise de grandes
conjuntos de dados e na tomada de decisão, a comunidade científica pode treinar
máquinas, definir algoritmos e realizar os testes in vivo, que ainda são
indispensáveis. Por fim, para que esse futuro tão promissor seja alcançado o quanto
antes, é imprescindível a colaboração humana. Se o egoísmo for deixado de lado e
a comunidade científica compartilhar constantemente seus avanços, a evolução
será mais rápida e benéfica para a saúde mundial.
30

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____________________________ SP,____________________________
26/06/2020

Data e assinatura do aluno(a) Data e assinatura do orientador(a)

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