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ANTROPOLOGIA
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Orientação de:
R o b e rto A u g u s to da M a tta
e
Luiz de C a s tro F a r ia
FICHA CATALOGRAFICA
( Preparada pelo Centro de Cataloçaçáona-fonte do
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, GB)
A. R. RADCLIFFE-BROW N
Professor Emérito
da Universidade de Oxford
Fred Eggan
Professor de Antropologia
na Universidade de Chicago
Tradução de
Nathanael C. Caixeiro
P e tr ó p o lis
EDITORA VOZES LTD A.
0° 1973
O ♦
0 m useu r
5 «BUOTECA ^
a * q . h is t. •
Introdução
T oda a m a té r ia aqui r e im p r e s s a é de c ir c u n s tâ n c ia ,
no mais pleno sentido do termo; cada um dos ensaios
foi escrito para circunstâncias especiais. Apesar disto,
conservam certo grau de unidade visto que foram ela
borados de determinado ponto de vista teórico.
Entendemos por teoria um esquema de interpretação
aplicável, ou supostamente aplicável à compreensão de
fenômenos de determinada espécie. Uma teoria consiste
de um conjunto de conceitos analíticos, que devem ser
claramente definidos em relação com a realidade con
creta e conservar uma mútua conexão lógica. Propo
nho-me, portanto, a dar definições de certos conceitos
que emprego para fins de análise dos fenômenos so
ciais, à guisa de introdução a estes ensaios diversos.
Deve-se ter em mente que poucas vezes concordam en
tre si os antropólogos quanto a conceitos e expressões
que empregam, de modo que esta Introdução e os es
critos que se seguem devem ser considerados como ex
posição de uma teoria particular, e não teoria aceita de
modo geral.
HISTÓRIA E TEORIA
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rica, ou a história do direito com a jurisprudência teó
rica. Na antropologia, porém, sempre houve e persiste
ainda muita confusão através de discussões em que ter
mos icomo «história», «ciência» e «teoria» são empre
gados pelos contendores nos mais diferentes sentidos.
Tais confusões poderiam ser evitadas em considerável
grau pelo emprego de termos aceitos de lógica e meto
dologia e pela diferenciação entre pesquisas idiográficas
e nomotéticas.
Numa pesquisa idiográfica o propósito é estabelecer
como admissíveis determinadas proposições ou certos
enunciados factuais. Uma pesquisa namotética, pelo con
trário, tem por escopo chegar a proposições gerais ad
missíveis. Definimos a natureza de uma pesquisa pelo
tipo de conclusões a que se propõe.
A história, como de modo geral é entendida, é o es
tudo dos registros e monumentos com o fito de pro
porcionar conhecimento sobre as condições e fatos do
passado, inclusive as investigações relacionadas com o
passado mais recente. E’ evidente que a história con
siste sobretudo de pesquisas idiográficas. No século pas
sado houve uma polêmica, a famosa Methodenstreit,
quanto a se os historiadores deviam aceitar considera
ções teóricas em seu trabalho ou lidar com generaliza
ções. Não poucos historiadores aceitaram o parecer de
que as pesquisas nomotéticas não deviam fazer parte
dos estudos históricos, que deviam restringir-se a nos
dizer o que aconteceu e como aconteceu. Pesquisas teó
ricas ou nomotéticas deveriam ficar a cargo da socio
logia. Mas historiadores há que pensam poder, e mesmo
dever, incluir interpretações teóricas em seu relato do
passado. A controvérsia nesta questão, bem como na re
lação entre história e sociologia, persiste ainda, decor
ridos sessenta anos. Há, sem dúvida, escritos de cer
tos historiadores que devem ser reconhecidos não apenas
como relatos idiográficos dos fatos do passado, mas co
mo contendo interpretações teóricas (nomotéticas) da
queles fatos. A tradição nos estudos históricos france
ses de Fustel de Coulanges e seus seguidores, tais como
Gustave Glotz, ilustra este tipo de combinação. Alguns
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escritores modernos a designam por história sociológica
ou sociologia histórica.
Na antropologia, entendendo por isto o estudo dos
chamados povos primitivos ou atrasados, o termo etno
grafia aplica-se ao que é especificamente um modo de
pesquisa idiográfica, cujo objetivo é dar explicação acei
tável desses povos e sua vida social. A_jetnografia difere
da^ história pelo fato de que o etnógrafo adquire conhe
cimento, ou pelo menos parte fundamental dele, a par
tir da observação ou contato diretos com o povo sobre
o qual escreve, e não, como o historiador, a partir de
"registros escritos. A arqueologia pré-histórica, que é ou
tro ramo da antropologia, é estudo nitidamente idio-
gráfico, cujo escopo é o de nos proporcionar conheci
mento factual sobre o passado pré-histórico.
O estudo teórico das instituições sociais em geral é
comumente mencionado como sociologia, mas como este
nome pode ser amplamente empregado referindo-se a
muitas espécies diferentes de escritos sobre a sociedade,
podemos falar mais especificamente de sociologia teórica
ou comparada. Quando Frazer deu sua Aula Inaugural
como primeiro professor de Antropologia Social, em
1908, definiu antropologia social como o ramo da socio
logia que trata das sociedades primitivas.
Certas confusões entre os antropólogos resultam do
fato de não saberem distinguir entre elucidação histórica
e compreensão teórica das instituições. Se indagamos
o porquê da existência de certas instituições em determi
nada sociedade, a resposta adequada será um relato his
tórico quanto a suas origens. Para explicar por que os
Estados Unidos têm uma constituição política com Pre
sidente, duas Casas do Congresso, Departamento de
Estado, Corte Suprema, recorremos á história da Amé
rica do Norte. Trata-se de elucidação histórica no sen
tido próprio do termo. A existência de certa instituição 7
é, portanto, explicada pela referência a uma seqüência \
complexa de acontecimentos que constituem uma cadeia
causal de que ela é conseqüência.
A aceitação da elucidação histórica depende da pleni
tude e idoneidade da fonte histórica. Nas sociedades
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primitivas estudadas pela antropologia social não há
quaisquer registros históricos. Não temos, por exemplo,
conhecimento de espécie alguma quanto à evolução das
instituições sociais dos aborígines australianos. Os an
tropólogos, supondo ser seu estudo uma espécie de es
tudo histórico, recorrem a conjectura e imaginação, e
inventam explicações «pseudo-históricas» ou «pseudo-
causais». Temos tido, por exemplo, inúmeros relatos
pseudo-históricos e as vezes contraditórios quanto à ori
gem e evolução das instituições totêmicas dos aborígines
australianos. Nos trabalhos constantes deste volume men
cionamos algumas dessas especulações pseudo-históricas.
O parecer que mantemos aqui é que tais especulações
são não apenas destituídas de valor, mas ainda pior
que isto. Isto não implica de modo algum a rejeição da
elucidação histórica, muito pelo contrário.
A sociologia comparada, da qual a antropologia-so
cial é ramo, é concebida aqui como estudo teórico ou
nomotético cujo objetivo é proporcionar generalizações
admissíveis. A compreensão teórica de determinada ins
tituição é sua interpretação à luz de tais generalizações.
PROCESSO SOCIAL
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servar, descrever, comparar e classificar não é uma
"espécie de entidade, mas um processo, o processo da
vídásocial. A unidade da investigação é a vida social
de alguma região determinada da terra, durante certo
período de tempo. O processo em si mesmo consiste nu
ma enorme multidão de ações e interações de seres
humanos, agindo como indivíduos em combinação ou
grupos. Em meio à diversidade dos fatos particulares
existem regularidades que possibilitam demonstrar e des
crever certos aspectos gerais da vida social de uma re
gião escolhida. O levantamento desses aspectos gerais
significativos do processo de vida social constitui des
crição do que pode ser chamado forma de vida social.
Minha concepção de antropologia social constitui estudo-'
teórico comparado das formas de vida social dos povos (
primitivos. ^
A forma de vida social de certo conjunto de seres
humanos pode permanecer aproximadamente a mesma
por dado período. Mas durante determinado tempo so
fre ela transformações ou modificações. Por essa razão,
embora possamos considerar os fatos da vida social co
mo constitutivos de um processo, há além disso o pro
cesso de mudança na forma de vida social. Numa des
crição sincrônica, demos um apanhado de uma forma
de vida social tal como existe em determinado tempo,
abstraindo tanto quanto possível das transformações que
possam estar ocorrendo em suas linhas essenciais. Uma
visão diacrônica, por outro lado, há de registrar tais
mudanças através de um período. Na sociologia com
parada temos que tratar teoricamente da continuidade
das formas de vida social e das transformações que ne
la se dão.
CULTURA
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e podemos defini-lo como o meio pelo qual uma pes
soa adquire conhecimento, especialidade, idéias, crenças,
gostos e sentimentos, mediante contato com outras pes-
^oaá, ou pelo trato com outras coisas, tais como livros
ou obras de arte. Em dada sociedade podemos discernir
processos de tradição cultural, empregando a palavra
tradição no sentido literal de herdar ou legar. A com
preensão e emprego da linguagem transmitem-se por um
processo de tradição cultural neste sentido. Graças a
ela um inglês aprende a compreender e empregar a lín
gua inglesa, mas em alguns setores da sociedade pode
vir também a aprender latim, ou grego, francês ou o
dialeto celta dos galeses. Nas complexas sociedades mo
dernas há grande número de distintas tradições cultu
rais. Graças a uma delas o indivíduo pode vir a ser
médico ou cirurgião, ou aprender engenharia ou arqui
tetura, e desempenhar essas profissões. Nas formas de
vida social mais elementares, o número de tradições cul
turais distintas pode reduzir-se a dois, uma tradição para
os homens e outra para as mulheres.
Se tratamos a realidade social que estamos investi
gando, não como entidade, mas como processo, neste
caso cultura e tradição cultural são nomes para deter
minados aspectos identificáveis daquele processo, mas
não, evidentemente, de todo o processo. Os termos são
modos convenientes para designar certos aspectos da
vida social humana. E’ em razão da existência de cul
tura e tradições culturais que a vida social humana di
fere muito marcantemente da vida social de outras, es
pécies animais. A transmissão dos modos aprendidos de
pensar, sentir e atuar constitui o processo cultural, que
é aspecto específico da vida social humana. E’, eviden
temente, parte daquele processo de interação entre pes
soas, aqui definido como o processo social, concebido
como a realidade social. Sendo a continuidade e mu
dança nas formas de vida social os* temas de investigação
da sociologia comparada, a continuidade das tradições
culturais e a das mudanças naquelas tradições contam-se
entre as coisas que devem ser tomadas em consideração.
14
SISTEMA SOCIAL
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com a sogra, é descobrir o lugar dessa feição no sis
tema do qual ela constitui parte.
A( teoria de Montesquieu, porém, é o que podemos
chamar de teoria do sistema social total, de acordo com
a qual todos os aspectos da vida social estão unifica
dos num todo coerente. Como estudioso da jurisprudên
cia, Montesquieu estava sobretudo interessado em leis,
e procurava mostrar que as leis de certa sociedade estão
relacionadas com a constituição política, vida econômica,
religião, clima, volume da população, usos e costumes,
e aquilo que ele chamava de espírito geral (esprit gé-
néral) — que mais tarde os escritores chamaram de
«ethos» da sociedade. Uma lei teórica, como esta «lei
fundamental da estática social», não é a mesma coisa
que lei empírica, mas um guia para a investigação. Acho
que podemos avançar nossa compreensão das sociedades
humanas se investigarmos sistematicamente as inter-rela-
ções entre os aspectos da vida social.
ESTÁTICA E DINÂMICA
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não pode ser específica, mas deve ser tipológica, e isto
é um modo mais complicado de investigação. Esta clas
sificação só pode ser conseguida por meio do estabeleci
mento de tipologias para aspectos da vida social ou os
complexos de aspectos que são dados em sistemas so
ciais parciais. A tarefa é complexa e tem sido também
desprezada, em vista da noção de que o método da
antropologia deve ser o histórico.
Não obstante os estudos tipológicos serem parte im
portante da estática social, outra tarefa se apresenta: a
de formular generalizações sobre as condições de exis
tência de sistemas sociais, ou de formas da vida social.
A chamada primeira lei da estática social é uma gene
ralização que declara só poder persistir ou continuar a
forma de vida social cujos vários aspectos exibam cer
ta espécie ou grau de coerência ou consistência; mas
isto apenas define o problema da estática social, que
consiste em investigar a natureza dessa coerência.
O estudo da dinâmica social ocupa-se em estabelecer
generalizações sobre como os sistemas se transformam.
A hipótese da correlação sistemática de aspectos da vi
da social tem como corolário que as transformações em
alguns aspectos devem provavelmente ensejar mudanças
em outros aspectos.
EVOLUÇÃO SOCIAL
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\
ADAPTAÇÃO
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emprega o termo «cooperação» para designar este as
pecto da vida social. Vida social e adaptação social
implicam, portanto, o ajustamento da conduta de orga
nismos individuais às exigências do processo pelo qual
a vida social continua.
Ao examinarmos uma forma de vida social entre seres
humanos como sistema adaptacional, é útil distinguir três
aspectos do sistema total. Há um modo pelo qual a vida
social é ajustada ao ambiente físico, e podemos, se
quisermos, falar dele como adaptação ecológica. Em se
gundo lugar, há disposições institucionais pelas quais
uma vida social ordenada se mantém, de modo que se
dá o que Spencer chama de cooperação e o conflito é
reduzido ou regulado. A isto podemos chamar, se qui
sermos, o aspecto institucional da adaptação social. Em
terceiro lugar, há o processo social pelo qual o indiví
duo adquire hábitos- e características mentais que o
adaptam para um lugar na vida social e o habilitam a
participar em suas atividades. Isto poderíamos chamar
de adaptação cultural, de acordo com a prévia defini
ção de tradição cultural como processo. O que se deve
ressaltar é que esses modos de adaptação são apenas
aspectos diferentes dos quais o sistema adaptacional to
tal pode ser considerado por conveniência da análise
e comparação.
A teoria da evolução social constitui, pois, parte de
nosso esquema de interpretação de sistemas sociais para
examinar qualquer sistema dado como um sistema adap
tacional. A estabilidade do sistema e, portanto, sua con
tinuidade por certo período, depende da eficácia da
adaptação.
ESTRUTURA SOCIAL
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mo deveria. Quando empregamos o termo estrutura, es
tamos nos referindo a certa espécie de ajuste ordenado
das partes ou dos componentes. Uma composição mu
sical tem uma estrutura, do mesmo modo que uma frase.
Um edifício tem uma estrutura, do mesmo modo que
uma molécula ou animal. Os componentes ou unidades
da estrutura social são pessoas, e uma pessoa é um ser
humano considerado não como um organismo, mas co
mo ocupando posição numa estrutura social.
Um dos problemas teóricos fundamentais da sociolo
gia é o que se refere à natureza da continuidade social.
A continuidade em formas de vida social depende da
continuidade estrutural, isto é, de uma espécie de con
tinuidade no ajustamento das pessoas umas com as ou
tras. Atualmente existe um ajustamento das pessoas em
nações, e o fato de que por setenta anos eu pertença
à nação inglesa, embora tenha passado grande parte
de minha vida em outras nações, é um fato de estru
tura social. Uma nação, uma tribo, um clã, um orga
nismo como a Academia Francesa, ou como a Igreja
Católica, podem continuar a existir como ajustamento
de pessoas, embora o conjunto das pessoas, as unidades
de que cada um se compõe, mudem vez por outra. Exis
te continuidade da estrutura, tal como um corpo hu
mano, do qual os componentes são moléculas e esta
continuidade permanece, embora as moléculas que cons
tituem o corpo estejam continuamente em mudança. Na
estrutura política dos Estados Unidos deve haver sem
pre um Presidente; por certo tempo é Herbert Hoover,
em outro período é Franklin Roosevelt, mas a estrutura
permanece contínua como um ajustamento.
As relações sociais, das quais a rede contínua cons
titui a estrutura social, não são conjunções acidentais de
indivíduos, mas são determinadas pelo processo social,
e qualquer relação é aqueía em que a conduta das pes
soas em suas interações com as deqjais é controlada por
normas, regras ou padrões. Assim sendo, em qualquer
relação no seio de uma estrutura social a pessoa sabe
que se deve conduzir de acordo com essas normas e
tem razão em esperar que outras pessoas façam o mes
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mo. Çostuma-se chamar instituições as normas de con
duta estabelecidas de determinada forma de vida social.
Instituição é_uma norma estabelecida de conduta reco-
Uíhêcida como tal por um grupo social ou classe iden
tificáveis; a norma lhes serve, pois, de instituição. As
instituições designam um tipo ou classe discernível de
relações ou interações sociais. Assim, em determinada
sociedade regionalmente definida, descobrimos que há
normas aceitas quanto ao modo pelo qual o homem
deve agir em relação à sua mulher e filhos. A relação
das instituições para com a estrutura social é, portanto,
dupla. Por um lado, há a estrutura social, tal como a
família no presente exemplo, para cujas relações consti
tuintes as instituições proporcionam as normas; por ou
tro lado, há o grupo, a sociedade local neste exemplo,
na qual a norma é estabelecida pelo reconhecimento ge
ral dela como a que determina a conduta adequada. As
instituições, se este termo é empregado para designar o
ordenamento da sociedade das interações das pessoas
nas relações sociais, apresenta esta dupla conexão com
a estrutura, com um grupo ou classe da qual se pode
afirmar ser uma instituição, e com aquelas relações no
seio do sistema estrutural ao qual as normas se aplicam.
Num sistema social pode haver instituições que estabe
leçam normas de conduta para um rei, para juizes quan
to ao cumprimento dos deveres de seu ofício, para os
policiais, para os chefes de família, e assim por diante,
como também normas de conduta referentes a pessoas
que venham a entrar em contato dentro da vida social.
Devemos mencionar ligeiramente o termo organização.
O conceito está evidentemente em estreita relação com
o conceito de estrutura social, mas é aconselhável não
tratar ambos os termos como sinônimos. Emprego ade
quado, que não parte do emprego comum em inglês, é
definir a estrutura social como um ajustamento de pes
soas em relações controladas ou definidas institucional-
mente, como a relação de rei e súdito, ou de marido e
mulher, e empregar organização como designando um
ajustamento de atividades. A organização de uma fá
brica é um ajustamento das diversas atividades de ad
21
ministração, da chefia, dos operários dentro da atividade
total da fábrica. A estrutura de uma família, compreen
dendo pais, filhos e empregados, é institucionalmente con
trolada. As atividades dos diversos membros da casa
serão provavelmente sujeitas a certo ajustamento regu
lar e a organização da vida do lar neste sentido pode
ser diferente em diversas famílias na mesma sociedade.
A estrutura de um exército moderno consiste, em pri
meiro lugar, de um ajustamento em grupos — regi
mentos, divisões, brigadas, etc., e em segundo lugar um
ajustamento hierárquico — generais, coronéis, majores,
capitães, etc. A organização do exército consiste do
ajustamento das atividades de seu pessoal na paz e na
guerra. No seio de uma organização cada pessoa tem
uma função. Podemos, pois, dizer que quando estamos
tratando de um sistema estrutural estamos interessados
num sistema de posições sociais, ao passo que numa
organização tratamos de um sistema de funções.
FUNÇAO SOCIAL
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dentro de um corpo humano enquanto vivo dependem
da estrutura orgânica. E’ função do coração bombear
sangue através do corpo. A estrutura orgânica, como
estrutura viva, para sua continuidade depende do pro
cesso que constitui todo o processo vital. Se o coração
cessar de executar sua função, o processo vital termina
e a estrutura como estrutura viva também acaba. Assim,
o processo depende da estrutura, e a continuidade da
estrutura depende do processo.
Com referência aos sistemas sociais e sua compreen
são teórica, um dos meios de empregar o conceito de
função é idêntico ao emprego científico feito em fisiolo
gia. Pode ser empregado para designar a interconexão
ènFre a estrutura social e o processo de vida social. E’
o emprego da palavra função que me parece neste sen
tido útil em sociologia comparada. Os três conceitos:
processo, estrutura e função são, pois, componentes de
uma única teoria ou esquema de interpretação de sis
temas sociais humanos. Os três conceitos estão logica
mente inter-relacionados, visto que «função» é usado
Jara designar as relações de processo e estrutura. Teo
ria é o que podemos aplicar ao estudo tanto da conti
nuidade em formas de vida social como também ao
processo de transformação nessas formas.
Se consideramos determinado aspecto da vida social
como o castigo do crime, ou, em outras palavras, a
aplicação, mediante certo procedimento organizado, de
sanções penais quanto a certos tipos de conduta, c inda
gamos qual é sua função social, temos um problema
fundamental de sociologia comparada para o qual uma
das primeiras contribuições foi a de Durkheim em sua
Division da Travail Social. Um problema geral muito
amplo se coloca quando indagamos qual é a função
social da religião. Como foi assinalado em um dos en
saios deste volume, o estudo deste problema exige a
consideração de grande número de problemas mais res
tritos, tal como a função social da adoração dos ante
passados naquelas sociedades em que isto se verifica.
Mas nessas investigações mais limitadas, no caso da
teoria aqui esboçada ser aceita, o procedimento tem de
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ser o exame da correlação entre os aspectos estrutu
rais da vida social e o correspondente processo social,
na medida em que ambos estejam implicados num sis
tema contínuo.
O primeiro ensaio desta coleção pode servir para
ilustrar estas idéias teóricas. Trata ele da instituição
pela qual o filho da irmã tem familiaridade privilegiada
permitida em sua conduta para com o irmão de sua
mãe. O costume é conhecido em tribos da América do
Norte como os Winnebago e outros, nos povos da Oceâ-
nia, tais como os habitantes de Fiji e Tonga, e em al
gumas tribos da África. Minhas observações pessoais
dessa instituição foram feitas em Tonga e Fiji, mas co
mo o trabalho destinava-se a público sul-africano, pa
receu-me preferível referir-me a um único exemplo
sul-africano, visto que uma análise comparativa mais
ampla demandaria ensaio mais longo. O modo usual
de tratar desta instituição, tanto na Oceânia como na
África, foi proporcionar uma explicação pseudo-histórica
tendente a demonstrar que se tratava de sobrevivência
numa sociedade patrilinear a partir de uma antiga con
dição de matriarcado.
O método alternativo de tratar desta instituição é
procurar uma compreensão teórica dela como parte de
um sistema de parentesco de certo tipo, no seio do qual
ela tenha uma função discernível. Não dispomos ainda
de uma tipologia geral sistemática de sistemas de pa
rentesco, pois a elaboração dessa tipologia é uma taref^
laboriosa. Mencionei alguns resultados parciais e pro
visórios dessa tentativa de determinar tipos numa recente
publicação sob a forma de Introdução a um livro sobre
Sistemas de Parentesco e Casamento Africanos. Em
meio a imensa diversidade de sistemas de parentesco
podemos, penso, reconhecer um tipo do que podemos
chamar patriarcado, e outro de matriarcado. Em ambos
esses tipos a estrutura do parentesco baseia-se em li
nhagens com ênfase máxima lias relações de linhagem.
No matriarcado a linhagem é matrilinear, em que um
filho pertence à linhagem da mãe. Praticamente todas as
relações de direito de um homem são com sua linhagem
24
matrilinear e seus membros, e, portanto, depende ele am
plamente dos irmãos de sua mãe, que exercem auto
ridade e controle sobre sua pessoa e a quem ele pro
cura no caso de proteção e de herança da propriedade.
Num sistema de patriarcado, por outro lado, o homem
depende amplamente de sua linhagem patrilinear e por
tanto de seu pai e irmãos de seu pai, que exercem au
toridade e controle sobre ele, enquanto que é a eles que
tem de recorrer para obter proteção e herança. 0 pa
triarcado é representado pelo sistema de patria potestas
da Roma antiga, e há sistemas que se aproximam mais
ou menos intimamente do tipo encontrável na África e
alhures. Podemos considerar os Bathonga como tal
aproximação. O matriarcado é representado pelos sis
temas dos Nayar de Malabar e os Menangkubau da
Malaia, e também nesse caso encontramos.sistemas apro
ximados deste tipo em outras partes.
A questão tratada no ensaio sobre o irmão da mãe
pode ser considerada contrastante com a explicação pe
la pseudo-história, cuja interpretação dessa instituição a
ela se refere como tendo uma função num sistema de
parentesco com certo tipo de estrutura. Se tivéssemos
de reescrever o ensaio trinta anos depois, teríamos, sem
dúvida, que modificá-lo e ampliá-lo. Mas foi-me suge
rido que o ensaio poderia ter certo interesse histórico
menor em relação com o desenvolvimento do pensamen
to em antropologia e é, portanto, reimpresso quase tal
como foi escrito, exceto alterações mínimas.
Qualquer interesse que este volume possa ter decor
rerá provavelmente de ser a exposição de uma teoria,
no sentido em que a palavra teoria é aqui empregada
como esquema de interpretação aplicável à compreen
são de uma classe de fenômenos. A teoria pode ser
enunciada por meio de três conceitos fundamentais e
relacionados de «processo», «estrutura» e «função». De
corre de escritores antigos como Montesquieu, Comte,
Spencer, Durkheim, e pertence, deste modo, a uma tra
dição cultural de duzentos anos. Esta introdução con
25
tém uma reformulação na qual certos termos são em
pregados diferentemente do modo como o foram no
antigos ensaios agora reimpressos. Por exemplo, no
primeiros ensaios escritos há vinte ou mais anos, a pa
lavra «cultura» é empregada com o significado admitid'
daquela época como termo geral designativo de um mo
do de vida, inclusive o modo de pensar, de determinad'
grupo social localmente definido.
26