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Fundação Biblioteca Nacional

ISBN 978-85-387-6724-4 NEUROCIÊNCIA


LINGUAGEM

NEUROCIÊNCIA e LINGUAGEM
9 788538 767244

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59735
Neurociência e
Linguagem

Tainá Thies

IESDE BRASIL
2021
© 2021 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
T369n

Thies, Tainá
Neurociência e Linguagem / Tainá Thies. - 1. ed. - Curitiba [PR] : Iesde,
2021.
108 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6724-4

1. Neurolinguística. 2. Neurociências. 3. Linguagem e línguas. 4. Cogni-


ção. 5. Evolução humana. I. Título.
CDD: 612.82336
20-67187
CDU: 81’234

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Tainá Thies Mestre em Teoria da Literatura pela Universidade
de Brasília (UnB). Especialista em Linguística pela
Universidade Gama Filho (UGF). Licenciada em Letras
Português pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Graduanda de Psicologia pela Universidade Tuiuti do
Paraná (UTP). Atuou como consultora educacional,
professora de ensino superior e coordenadora de
projetos em educação. Atualmente, atua na formação
de professores para o ramo editorial, como professora
em cursos de pós-graduação e como autora de
materiais didáticos para ensino básico e superior, além
de produzir contos e histórias infantis.
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SUMÁRIO
1 A evolução da linguagem humana 9
1.1 A evolução da espécie humana 9
1.2 A evolução da linguagem 15
1.3 Linguagem e neurociências 21
1.4 Cognição e linguagem 27

2 Linguagem oral e leitura 33


2.1 Linguagem oral 33
2.2 Variantes linguísticas 46
2.3 Cérebro leitor 51

3 Aquisição da escrita 59
3.1 Processo de aquisição da escrita 59
3.2 Métodos sintéticos de alfabetização 72
3.3 Métodos analíticos de alfabetização 78

4 Transtornos de linguagem 85
4.1 Estágios de desenvolvimento linguístico 85
4.2 Transtornos relacionados à aquisição da linguagem 92
4.3 Possibilidades de intervenção pedagógica 100
Vídeo
APRESENTAÇÃO
Esta obra compreende as diferentes visões teóricas sobre a
evolução da linguagem humana até que se tornasse o que é hoje.
Assim, partimos das neurociências para entender a linguagem
e os processos cognitivos que possibilitam essa habilidade. O
campo das neurociências é vasto e conta com estudos sobre
diferentes temas, sempre tentando elucidar a ligação entre nosso
cérebro e nossos comportamentos, entre eles, a linguagem.
Junto às neurociências, outras áreas científicas são necessárias
para compreendermos a linguagem em sua totalidade, portanto
utilizamos também conceitos ligados à linguística e à aquisição de
linguagem, por entendermos que uma habilidade tão complexa
como a linguagem não pode ser olhada somente por um ângulo.
No primeiro capítulo discutimos a evolução da linguagem,
compreendendo o campo das neurociências e a relação entre
as estruturas cerebrais que evoluíram durante muitos anos para
possibilitarem a produção da linguagem enquanto um processo
cognitivo complexo, que precisa de prática e de interação para
ser desenvolvido com maestria pelos seres humanos.
No segundo capítulo nos debruçamos sobre a linguagem
oral. Para compreendê-la em sua totalidade, distinguimos os
fatores envolvidos em sua produção a nível cerebral e fonológico,
verificando as principais estruturas e rotas para a produção e
compreensão da linguagem. Ainda, discutimos o papel da variante
linguística na aquisição de linguagem e na interação humana.
Já no terceiro capítulo damos ênfase à linguagem escrita,
detendo-nos nas etapas de aquisição de escrita e alfabetização,
passando por diferentes métodos e sua ligação com uma
alfabetização e um letramento eficientes.
Por fim, o quarto capítulo contempla transtornos de
aprendizagem de linguagem, fazendo uma distinção entre
dificuldades e transtornos e esmiuçando o papel da escola e do
professor nesse contexto.
Nesta obra são levantadas discussões de natureza reflexiva acerca do
fazer pedagógico em relação à aquisição, às dificuldades e aos transtornos
de linguagem, compreendendo que aprender a falar, ler e escrever depende
de um esforço coletivo de muitos agentes, entre eles, aluno, família e
escola. Dessa forma, as neurociências contribuem para compreendermos
como um processo complexo como a aquisição da linguagem deve ser
considerado por diferentes vieses e com um olhar global sobre todos os
sujeitos envolvidos no processo.
Boa leitura!
1
A evolução da
linguagem humana
Seja bem-vindo à disciplina de Neurociência e Linguagem.
Neste capítulo, vamos nos concentrar em compreender como se
deu o processo de evolução da espécie humana e a evolução da
faculdade da linguagem nos seres humanos. Também lançaremos
luz sobre o campo das neurociências e sobre as estruturas neu-
roanatômicas que possibilitam a produção da linguagem. Por fim,
elucidaremos os processos cognitivos envolvidos na capacidade de
produção e compreensão da linguagem.
Esperamos que você aproveite muito os estudos desta obra e
se aprofunde nos temas de seu interesse. Vamos lá?!

1.1 A evolução da espécie humana


Vídeo Quando pensamos a sociedade em que vivemos e a espécie hu-
mana, diversas vezes não nos damos conta de que foram necessários
muitos séculos para chegarmos aonde estamos hoje. Entretanto, esse
tempo não diz respeito apenas ao período como civilização, conforme
aprendemos na escola – com as civilizações antigas, como a Grécia e
a Mesopotâmia –, mas especialmente ao surgimento de tudo o que
nos rodeia, uma vez que para chegarmos até aqui foram necessários
muitos fatores.

Entre esses fatores estão a formação do nosso mundo, o surgimen-


to do ser humano e sua evolução. Vamos ver então, de modo breve,
como chegamos até aqui como espécie humana?

Uma das maiores curiosidades do ser humano sempre foi a de


descobrir como a vida surgiu ou como tudo surgiu. Questionamo-nos
se a vida seria um milagre ou se haveria surgido por leis materiais,

A evolução da linguagem humana 9


se um ser exterior a nós foi quem a criou ou se a própria natureza
dos elementos físicos tem a capacidade criadora de produzir vida a
partir de si mesma.

Os cientistas estimam que o universo tenha se formado há 14 bi-


lhões de anos, por meio de uma explosão. Nesta, teriam sido liberados
diversos elementos, dentre eles, o hidrogênio, o qual daria origem aos
demais elementos essenciais para a vida no planeta Terra.

No início de tudo, a Terra era apenas um aglomerado de elementos


que se movimentavam em uma velocidade frenética, gerando muita
energia. Era um lugar inóspito, isto é, inabitável, por ser extremamen-
te quente e envolto em diversos gases. Ao longo do tempo, houve um
processo de resfriamento da nossa atmosfera; com isso, a Terra conse-
guiu se solidificar, formando porções sólidas, e os gases começaram a
formar os oceanos. Assim, há mais ou menos 4 bilhões de anos, o nosso
planeta passou a ter condições para que houvesse vida (HARARI, 2016).

Os primeiros seres vivos eram estromatólitos, seres parecidos es-


truturalmente com as bactérias e que existem até hoje nos oceanos.
Esses animais não precisavam de oxigênio, e sim de gás carbônico,
como as plantas (FUTUYAMA, 2005). Consequentemente, iniciou-se o
processo de fotossíntese, e o nosso planeta começou a se tornar abun-
dante em oxigênio, elemento essencial para nós, humanos!

Por volta de 2,3 bilhões de anos atrás, já existia a possibilidade


de seres consumidores de oxigênio. Então, os primeiros seres com
células eucariontes (que precisam de oxigênio e têm estrutura mais
complexa) se formaram nos oceanos ou em torno deles, em especial
moluscos e algas.

Mesmo que esses seres vivos estivessem já povoando os mares, a


Terra em si ainda tinha muitos gases tóxicos; somente após a forma-
ção da camada de ozônio e o degelo progressivo é que alguns seres
vivos conseguiram migrar do mar para a terra firme. Os primeiros
foram os micróbios; em seguida, vieram os fungos e os musgos que,
evoluindo, deram origem a uma Terra povoada por grandes folha-
gens (RIDLEY, 2004).

Enquanto isso, no oceano, os peixes estavam em processo de evolu-


ção para os anfíbios. Além disso, o surgimento dos répteis possibilitou
que ovos amnióticos (no caso da espécie humana, o saco gestacional)

10 Neurociência e Linguagem
dessem origem aos mamíferos. Obviamente, tudo isso levou muito
tempo (RIDLEY, 2004).

Lembremo-nos também de que por muito tempo o reinado sobre


a Terra foi dos répteis, com os dinossauros. Somente após a extinção
desses grandes répteis é que os mamíferos começaram a conquistar
a terra firme. Foram muitos processos evolutivos que originaram di-
ferentes espécies de mamíferos, incluindo os primatas, da qual o ser
humano também evoluiria (RIDLEY, 2004).

Figura 1
Evolução dos seres vivos
Adaptado de EkaterinaP/Shutterstock

mamíferos

pássaros

répteis

artrópodes
anelídeos peixes ósseos
anfíbios
equino-
dermos

moluscos
peixes cartilaginosos

nematoides
agnados

platelmintos
celenterados

esponjas
protistas

protistas

Ao falarmos em evolução, pensamos logo em melhoria; como quan-


do uma empresa de celulares lança um novo modelo, melhor do que o
anterior, e diz que é a evolução dos smartphones. Todavia, essa não é
a concepção de evolução que devemos ter em mente.

O termo evolução deriva do latim evolvere, que significa desenrolar.


Portanto, evoluir não significa necessariamente melhorar, mas sim o

A evolução da linguagem humana 11


Saiba mais desenrolar de fatos que levam a diferentes situações. Podemos pen-
Fala-se muito sobre a teo- sar a evolução do ser humano como o desenrolar de fatores e acon-
ria da evolução, mas você
sabe como ela aconteceu
tecimentos que promovem diferentes fases do desenvolvimento e as
e o que de fato postula? variedades na espécie.
Assista ao vídeo O que
é a teoria da evolução de Então, quando pensamos a evolução de uma pessoa, sabemos que
Charles Darwin e o que
ela passará por fases que se desenrolam: embrião, feto, bebê, criança,
inspirou suas ideias revolu-
cionárias, produzido pela adolescente, jovem adulto, adulto e idoso. Além disso, esse desenrolar
BBC News Brasil, para
da evolução proporciona que tenhamos características em comum (an-
entender melhor quem
foi Darwin e como ele damos em duas pernas, somos mamíferos, não temos o corpo coberto
chegou a essa teoria.
por pelos longos etc.) e, ao mesmo tempo, características individuais
Disponível em: https:// (cor da pele, dos olhos, altura, peso, entre outras).
www.youtube.com/
watch?v=ambANBIHjCI. Acesso em: É preciso distinguir o termo evolução do termo melhoria, pois nem
18 dez. 2020.
sempre a evolução de fato traz uma melhoria, e sim algo diferente do
que era antes. Logo, não devemos pensar que nossa espécie atual é “me-
lhor” do que as espécies que vieram antes de nós, mas que somos dife-
rentes, pois o desenrolar da evolução nos trouxe para outro caminho.

Com a evolução de mamíferos roedores, vieram os primatas. Aos


poucos, os grandes primatas (como gorilas e chimpanzés) se tornaram
capazes de andar sobre duas pernas. Segundo os cientistas, nossos
últimos ancestrais comuns com os chimpanzés viveram há 7 mi-
lhões de anos. Com essa separação dos chimpanzés, nossa espé-
cie começou uma longa caminhada, que se iniciou com o Homo
australopithecus (FUTUYAMA, 2005).

Após o australopithecus, muitos outros vieram, como você


deve ter estudado na escola. O problema é que muitas vezes
nos ensinam como se fosse uma sucessão de espécies, uma
após a outra. No entanto, essa visão linear é equivocada, pois
muitas espécies diferentes, e que originaram a espécie huma-
na, conviveram no mesmo momento (HARARI, 2018).

De acordo com Harari (2018), o Homo australopithecus foi


migrando para outras partes da África (em especial,
Nicolas Primola/Shutterstock

para o norte), rumando depois para a Europa e a


Ásia. Contudo, ao mesmo tempo que grupos de
australopithecus povoavam novas regiões, aque-
les que ficaram na África evoluíram. Da mesma
forma, a cada conquista de novo território, os
Representação do
Homo australopithecus

12 Neurociência e Linguagem
australopithecus precisavam se adaptar a diferentes climas e vegeta-
ções, evoluindo também.

Portanto, não tivemos uma sucessão de hominídeos, como em uma


linha, em que uma espécie inteira evoluiu para outra. Tivemos indivíduos
dentro da mesma espécie que evoluíram para outra espécie, dadas as
condições do local onde viviam, enquanto seus parentes que haviam mi-
grado evoluíram para uma espécie diferente, e assim por diante.

Para compreender melhor, observe a Figura 2. Perceba quantas es-


pécies vieram antes de nós, Homo sapiens, e como várias destas vive-
ram ao mesmo tempo, porém em locais distintos do planeta.

Figura 2
Linha do tempo da evolução dos hominídeos

Iesde S/A

A evolução da linguagem humana 13


Conforme Harari (2018), as principais espécies já encontradas em
fósseis de diferentes locais são as seguintes:
•• Homo australopithecus, na África Oriental – migrantes;
•• Homo neanderthalensis, na Europa e na Ásia Ocidental;
•• Homo erectus, na Ásia Oriental – espécie de maior duração
(1,5 milhões de anos);
•• Homo soloensis, na Ilha de Java, Indonésia;
•• Homo floresiensis, na Ilha de Flores, Indonésia;
•• Homo denisova, na Sibéria;
•• Homo rudolfensis, Homo ergaster (homem trabalhador) e Homo
sapiens (homem sábio), na África.

Dessa forma, ao dizemos que evoluímos dos chimpanzés, significa


que houve um longo caminho evolutivo de milhões de anos para que
chegássemos a ser como somos. Nesse meio tempo, tornamo-nos “hu-
manos” por algo que Harari (2018) chama de revolução cognitiva.

No início, os sapiens não tinham nada de muito diferente das outras


espécies, porém, ao deixarem a África, há 70 mil anos, começaram a
dominar o planeta. Nessa exploração de novos territórios, passaram
a desenvolver ferramentas diferentes, como barcos, arcos e flechas,
além do que podemos reconhecer como os primeiros objetos de arte,
os princípios do comércio, da sociedade e da religião.

Todas essas invenções foram fruto da revolução cognitiva, isto


é, algo que na evolução dos sapiens fez com que seus cérebros se
tornassem mais potentes do que o de seus parentes. Uma das grandes
“inovações” da revolução cognitiva foi a forma de se comunicar. Todas
as espécies têm linguagem, mas não uma língua estruturada – traço
Atividade 1 esse que nos diferencia das outras espécies.

A evolução do ser humano Foram necessários milhões de anos para que a evolução preparasse
ocorreu de modo linear, isto é, terreno para uma espécie que conseguisse empregar seu cérebro de
em uma sucessão de diferentes
maneira diferenciada, utilizando suas faculdades cognitivas de diversas
representantes até chegar ao
Homo sapiens? Justifique. maneiras, o que possibilitou o surgimento da linguagem humana como
a conhecemos hoje.

14 Neurociência e Linguagem
1.2 A evolução da linguagem
Vídeo Você deve estar se perguntando como a linguagem evoluiu. Todas
as línguas surgiram com essa evolução? Evidentemente, não. Para ten-
tarmos compreender como se deu a evolução da linguagem, teremos
que estudar algumas teorias. Não temos como encontrar a resposta
correta, a menos que um dia inventemos uma máquina do tempo, afi-
nal, não há como realizar observações de como a linguagem humana se
formou. Todavia, há teorias que, com base em muitos estudos, tentam
compreender e desmistificar como a nossa linguagem se desenvolveu.

Por muito tempo, os pesquisadores deixaram de lado os estudos


sobre as origens da linguagem humana, porém, a partir dos anos 1990,
eles começaram a ser retomados por diversas áreas, entre elas, a neu-
rociência, a psicologia, a linguística e a primatologia.
Saiba mais Em 2002, o grupo do linguista Noam Chomsky publicou um artigo que
Para conhecer colocou em discussão e serviu como ponto de partida para as correntes
Noam Chomsky,
assista à entrevista
de hipóteses que tentam compreender a origem da linguagem humana
que ele concedeu atualmente. Esse artigo, originalmente intitulado The faculty of language:
em 1989 a uma
universidade. No
what is it, who has it, and how did it evolve? (A faculdade da linguagem: o
vídeo, o renoma- que é, quem tem e como evoluiu?, em tradução livre), de Hauser, Chomsky
do linguista fala
sobre a origem
e Fitch, coloca algumas questões importantes em debate.
das línguas e da
gramática.
De acordo com Dalgalarrondo (2011), o grupo de Chomsky chegou
à conclusão de que a faculdade da linguagem (FL) poderia ser dividida
Disponível em: https://
www.youtube.com/ em: faculdade da linguagem em sentido amplo (FLSA) e faculdade da
watch?v=W53UvJoLAwI.
linguagem em sentido estreito (FLSE). Veja no quadro a seguir os com-
Acesso em: 18 dez. 2020.
ponentes de cada uma dessas categorias.

Quadro 1
Componentes da faculdade da linguagem

FLSE
Sistema sensório-motor
FLSA
FL Capacidade neuronal e fonológica
Sistema conceitual-intencional
FLSE Recursividade

Fonte: Elaborado pela autora.

A evolução da linguagem humana 15


A FLSE seria uma capacidade de recursividade englobada pela FLSA,
isto é, “processo de repetição de um objeto ou procedimento, e regras
que articulam tal processo” (DALGALARRONDO, 2011, p. 288). Segundo
Hauser, Chomsky e Fitch (2002), essa capacidade seria o que diferencia
a linguagem humana da linguagem dos demais animais, pois permi-
te que regras gramaticais sejam repetidas, criando sentenças infinitas.
Glossário Assim, a recursividade, como característica de replicação de regras gra-
símio: palavra substantiva que maticais, teria surgido pelo processo evolutivo, por pequenas diferen-
designa macaco. ças com outros símios.

Ainda conforme Hauser, Chomsky e Fitch (2002), além da hipó-


tese delineada no parágrafo anterior e aceita por eles, haveria ou-
tras duas hipóteses para a origem da linguagem humana. A primeira
é a de que a FLSA “seria homóloga à comunicação animal, diferindo
dela apenas em aspectos quantitativos de complexidade e riquezas”
(DALGALARRONDO, 2011, p. 290). Ou seja, embora seres humanos e
outros primatas tenham diferenças anatômicas e na função da lingua-
gem, ambos têm um ancestral em comum que possibilitou a faculdade
de linguagem para todos. O que diferenciaria a linguagem dos primatas
da dos seres humanos seria a utilização e a complexidade. Essa hipó-
tese é muito aceita entre primatólogos e etólogos. A segunda hipótese
crê que a FLSA não seria uma extensão da linguagem animal, e sim
uma adaptação específica dos seres humanos. Em geral, é uma hipó-
tese aceita por linguistas. O que diferencia essa hipótese daquela de-
fendida por Chomsky e seus colegas é que, para eles, somente a FLSE
seria produto unicamente humano, enquanto as outras características
da FLSA seriam comuns às dos outros animais.

Com base nessa discussão, pode-se diferenciar duas grandes


correntes de hipóteses sobre a origem da linguagem, com diferentes
autores e suas teorias: gradualista e descontinuísta. Veja a seguir as
definições de cada uma dessas correntes:

Autores acreditam na hipótese de que


a linguagem humana tenha evoluído de
maneira gradual, lenta e contínua, desde
Corrente
os primatas ligados à espécie humana
gradualista
ck

(gorilas, chimpanzés e bonobos) e dos


sto
ter

primeiros hominídeos, os australopithecus,


hut
S

até chegar ao sapiens.


ay/
yw
art

(Continua)

16 Neurociência e Linguagem
Autores acreditam no big bang linguístico,
isto é, que os sapiens adquiriram a faculdade
Corrente
de linguagem de modo súbito. Para eles,
descontinuísta
houve uma mutação genética muito
grande, possibilitando o surgimento dessa
capacidade cerebral. Desafio
Após a leitura das teorias que
tentam decifrar a origem da
linguagem, descubra qual delas
Para que possamos ter uma maior compreensão das diferentes mais se aproxima do seu próprio
pensamento e pesquise mais
hipóteses de surgimento da faculdade de linguagem no ser humano, para se aprofundar no assunto.
vamos conferir os principais autores de cada corrente.

1.2.1 Corrente gradualista


Veremos a seguir os principais autores e as pesquisas da corrente
gradualista sobre a origem da linguagem.

Charles Darwin

Conhecemos Darwin da teoria da evolução. De acordo com ele, a


evolução humana foi um longo processo em que foram sendo somados
elementos distintos àqueles elementos e características que já compar-
tilhávamos com os primatas. Para o pesquisador, a linguagem divide-se
em uma complexidade semântica e gramatical que, por um lado, é unica-
mente humana; por outro, é composta de gritos e expressões não articu-
ladas que são compartilhadas com os animais (DALGALARRONDO, 2011).

Darwin entende, então, que a linguagem humana tem origem tanto


em imitações de sons naturais quanto em elementos musicais e prosó-
dicos, que serviriam de ligação emocional entre os ancestrais humanos.
Portanto, é na expressão prosódica, na comunicação que lança
mão de determinada protomúsica, no exercício de um canto mar-
cadamente emocional, que os primeiros humanos, à semelhan-
ça de alguns animais, foram aos poucos sofisticando elementos
fundamentais na comunicação intraespecífica. Foi assim na in-
teração entre os sexos, na expressão de sentimentos significa-
tivos relacionados a embates e em relações sociais importantes
que lentamente a linguagem humana teria se desenvolvido. […]
As palavras, a linguagem articulada dotada de riqueza semân-
tica, teriam tido um desenvolvimento progressivo e gradual a

A evolução da linguagem humana 17


partir da linguagem prosódica, musical, emocional e expressiva.
(DALGALARRONDO, 2011, p. 293)

Portanto, para Darwin, a linguagem teria evoluído de uma necessi-


dade de resposta a situações emocionais, como acasalamento e dispu-
tas. Segundo ele, a articulação desses sons com o pensamento abstrato
e conceitual foi possível porque a maioria das espécies de primatas
apresenta o pensamento conceitual de modo rudimentar. Assim, os
sapiens teriam conseguido, por meio de pequenas mutações e intera-
ções com o ambiente, articular a música com os conceitos.

David Armstrong e Michael Tomasello

Esses são os principais representantes da teoria gestual, a qual pro-


põe que a base da sintaxe linguística estaria nos gestos, tanto corporais
quanto vocais. Nessa teoria, os gestos já funcionariam como uma ten-
tativa de organizar a linguagem. Dessa maneira, a comunicação passa
gradativamente dos gestos para a comunicação fonética; gestos e fo-
nemas possivelmente se articularam ao longo do processo evolutivo.

Robin Dunbar

Para esse autor, a linguagem surgiu por meio de uma prática re-
corrente entre os primatas, o grooming – o conhecido catar piolhos, rea-
lizado entre os macacos. No entanto, o grooming não serve apenas para
a limpeza, mas tem como função principal a conexão entre os indiví-
duos de um bando e a aquisição de influência sobre outros indivíduos,
que pode ser potencialmente favorável às necessidades, fornecendo
comida, proteção ou não agredindo o outro.

Os humanos, assim como os outros primatas, praticavam o grooming


como forma de interação social, porém, à medida que os hominídeos
foram aumentando seus bandos, não foi mais possível realizar essa
prática para obter informações e influências, pois eram muitos indiví-
duos em um único grupo. Logo, a linguagem fonética conseguiria al-
cançar maior número de indivíduos e colher muito mais informações
do que o oferecimento de um serviço de limpeza e alívio de coceiras.
Com a necessidade de contato com uma rede maior de relações, a lin-
guagem também evoluiu.

18 Neurociência e Linguagem
Dean Falk

Antropóloga que propôs a teoria do “mamanhês”, ou da linguagem


dirigida aos bebês. Com o novo andar sobre duas pernas e a falta de
pelos espessos, as mães não conseguiam mais carregar seus bebês
agarrados ao corpo, como as mães primatas; assim, para colher ali-
mentos, era necessário soltar o bebê no chão. Como não havia mais o
colo para acalmá-lo e para saber se tudo ia bem, a vocalização da mãe
foi ganhando espaço na comunicação com seu bebê, possibilitando a
evolução da linguagem de maneira lenta.

1.2.2 Corrente descontinuísta


A seguir, apresentaremos os principais autores e as pesquisas da
corrente descontinuísta sobre a origem da linguagem.

Teoria dos sistemas de comunicação

O pesquisador Robbins Burling separou o sistema de comunicação


em dois grandes blocos: linguagem verbal (unicamente humana) e lin-
guagem não verbal (compartilhada entre humanos e primatas). Burling
sugeriu que não podíamos estudar a origem da linguagem humana
por meio da linguagem não verbal, uma vez que primatas e humanos
compartilham esse tipo de linguagem sem modificações há milhares de
anos. Assim, o que nos distinguiria de fato dos primatas seria a lingua-
gem verbal, a qual se fundamenta nos processos cognitivos.

Portanto, para esse pesquisador, só seria possível encontrar uma


continuidade entre a linguagem empregada pelos primatas e sua evo-
lução para a linguagem humana se olhássemos apenas para a lingua-
gem não verbal. Como queremos saber a origem da linguagem verbal,
precisaríamos focar a linguagem verbal descontinuada da linguagem
dos primatas, isto é, algo completamente diferente da linguagem com-
partilhada com outros animais.

Big bang linguístico

Para o grupo de pesquisadores que trabalham com registros ar-


queológicos, a linguagem verbal ocorreu de maneira abrupta. Eles en-
tendem que a linguagem verbal, como forma de simbolização, permitiu

A evolução da linguagem humana 19


aos Homo sapiens criar a arte rupestre. Segundo os cientistas, é possí-
vel rastrear essa explosão simbólica desde 80 mil anos atrás no conti-
nente africano.

Dessa forma, os pesquisadores dessa linha de pensamento acre-


ditam que houve um período de latência em que as capacidades
cognitivas para a linguagem ficaram de certa forma adormecidas, capa-
cidades essas que têm traços compartilhados com os outros primatas.
No entanto, a maior indicação de que a aquisição de uma linguagem
verbal tenha sido abrupta, conforme Dalgalarrondo (2011), é a de que
no Homo sapiens é possível verificar diferenças anatômicas da laringe.

Essa pequena diferença de posicionamento da laringe no sapiens


possibilitou que as habilidades linguísticas que estavam “adormecidas”,
ou pelo menos subutilizadas, pudessem se desenvolver. O humano te-
ria então condições de uma produção muito maior de sons, permitindo
ao seu cérebro se adaptar ao controle dessa nova habilidade. Dessa
forma, segundo essa teoria, a capacidade cognitiva de simbolização
juntou-se à habilidade de produzir diferentes sons para dar origem à
linguagem humana.

A hipótese genética

Há um bom tempo os cientistas têm tentado localizar genes que se


liguem à produção e à compreensão de linguagem. A descoberta de
genes ligados à linguagem só se mostra possível com estudos sobre
Livro disfunções da linguagem que tenham origem motora, isto é, síndromes
ou doenças que façam com que a pessoa tenha dificuldades muscula-
Uma leitura muito inte-
ressante para compreen- res ligadas à linguagem.
dermos melhor quem
somos na qualidade de Assim, alguns geneticistas, por meio de um mapeamento com uma
espécie e como consti-
família portadora de diferentes disfunções motoras de linguagem,
tuímos o mundo à nossa
volta é a obra Sapiens: chegaram ao conhecimento de um gene que atua sobre esta. Além do
uma breve história da
mais, chegaram à conclusão de que o gene FOXP2 atua na relação mo-
humanidade, de Yuval
Harari, um professor is- tora entre a linguagem e as estruturas neuronais.
raelense de História. Sua
obra traz a evolução do Com isso, foi possível verificar que esse gene também está presente
homem e da sociedade
em outros primatas, mas que o FOXP2 apresenta algumas diferenças
de maneira muito fluida e
acessível. entre as espécies. De acordo com os cientistas, essas diferenças teriam
São Paulo: L&PM, 2016. sido produzidas há mais ou menos 200 mil anos, exatamente no perío-
do em que se considera o aparecimento do Homo sapiens.

20 Neurociência e Linguagem
Portanto, as teorias descontinuístas tentam mostrar que, provavel-
mente, um gene compartilhado com primatas sofreu modificação na
sua estrutura quando do surgimento dos sapiens. Essas alterações fica-
ram latentes até que se consolidassem as mutações na localização da
laringe, as quais possibilitariam a produção da linguagem verbal.

Como você pode ter observado, não há uma resposta exata de


como surgiu a linguagem humana. Contudo, com esforços de dife-
rentes áreas e saberes, estamos caminhando para um maior conheci-
mento de como se originou a faculdade de maior peso para os Homo
sapiens, afinal, somente com a linguagem verbal e a simbolização é que
nos tornamos de fato humanos.

1.3 Linguagem e neurociências


Vídeo Diversas áreas científicas têm cada vez mais utilizado conceitos for-
mulados pelas neurociências. Para entendermos melhor esse campo,
precisamos antes entender que as neurociências são plurais, visto que
existem distintas áreas que estudam o cérebro humano, por diferentes
ângulos. Vejamos no quadro a seguir as diferentes neurociências.

Quadro 2
Neurociências

Neurociência Estuda Conhecida como

Estrutura e função das moléculas do Neuroquímica/


Molecular
sistema nervoso (SN) neurobiologia molecular

Neurocitologia/
Celular Células que formam o SN
Neurobiologia celular
Neuroanatomia: morfolo-
Populações de células nervosas que gia das células
Sistêmica
constituem sistemas funcionais Neurofisiologia: aspectos
funcionais
Estruturas neurais que produzem Psicofisiologia/
Comportamental
comportamento Psicobiologia

Cognitiva Capacidades mentais complexas Neuropsicologia

Fonte: Elaborado pela autora com base em Lent, 2001, p. 6.

A evolução da linguagem humana 21


Saiba mais Cada neurociência engloba o estudo de um aspecto do sistema ner-
Para entender as origens voso (SN) humano. Assim, temos uma área que se fixa nas moléculas;
das neurociências, assista
ao vídeo O que é neuro- outra nas células; outra no agrupamento dessas células; e ainda outras
ciência?, publicado pelo em estruturas que produzem o comportamento humano e na área que
canal Caio Dallaqua.
estudará as funções complexas do nosso sistema nervoso, como a lin-
Disponível em: https://
www.youtube.com/ guagem, a atenção e a memória.
watch?v=0zJ4ksWfhw4. Acesso
em: 18 dez. 2020. Mesmo se tratando de áreas de estudo distintas, os limites entre
elas podem não estar assim tão evidentes, porque uma complementa
o estudo da outra (LENT, 2001).

Com relação aos profissionais que atuam nessa área, Lent (2001)
afirma que podemos separá-los em duas grandes categorias, inde-
pendentemente da sua formação. Temos os neurocientistas, os quais
pesquisam na área de neurociências, e os profissionais do campo da
saúde, que muitas vezes investigam e aplicam as pesquisas realizadas
pelos pesquisadores para garantir saúde e qualidade de vida.

Além disso, as neurociências hoje auxiliam muito aqueles que tra-


balham no campo das engenharias, da robótica e da informática, pois
possibilitam bases para a construção de programas de inteligência arti-
ficial, entre outras situações.

Não menos importante, a área de educação tem demonstrado


grande interesse pelas neurociências; em especial, a neurociência
cognitiva, tentando decifrar como acontece a aprendizagem e como
podemos melhorá-la. Por isso é tão importante compreendermos
a área das neurociências, afinal, esse campo nos possibilita atuar
em diferentes áreas, buscando soluções inovadoras para melhorar
a vida em diversos campos.

Na educação, estamos sempre às voltas com a questão da motiva-


ção para o aprendizado, além da retenção e compreensão do que é
ensinado. Logo, a neurociência cognitiva possibilita aos educadores ter
uma visão mais ampla de como acontecem, por exemplo, os processos
de memória, atenção e ligação emocional com o aprendizado, o racio-
cínio lógico e a aquisição de linguagem.
Atividade 2 Consequentemente, cada vez mais precisamos pensar de modo
Por que o termo neurociências multi e transdisciplinar, isto é, não podemos apenas ver a nossa área
deve ser utilizado no plural? de saber por um único ângulo, é preciso expandir, trocar ideias com
outros saberes. Afinal, todas as ciências tentam explicar o homem, a
natureza e suas relações, mas por diferentes ângulos, por isso sempre

22 Neurociência e Linguagem
há possibilidade de áreas distintas conversarem e encontrarem solu-
ções em conjunto para melhorar a educação em seus diferentes níveis.

Na sequência, veremos brevemente a perspectiva neurobiológica,


com foco na perspectiva cognitiva das neurociências. Contudo, é im-
portante saber que essas áreas têm hoje se ligado de maneira estreita
para estudar a linguagem, visto que uma se utiliza das descobertas da
outra para ampliar seus conhecimentos.

Não traremos aqui um tratado de anatomia, mas tenha em mente


que a compreensão do funcionamento da linguagem em nível anatomo-
fisiológico depende de diversas estruturas que se ligam a outras funções.
Veremos um resumo sobre as principais áreas envolvidas na produção,
recepção e compreensão da linguagem, com o objetivo de compreender
como essas áreas se ligam a determinadas habilidades linguísticas.

Grande parte dos estudos sobre linguagem teve como base pesquisa
com pessoas que apresentavam distúrbios nessa área. Somente após o
surgimento de tecnologias avançadas de exames por imagens é que foi
possível desvendar a linguagem no cérebro de pessoas sem distúrbios.

Primeiro, é preciso compreender como se estrutura o sistema ner-


voso de modo geral. A primeira distinção a ser feita é que muitas ve-
zes o que chamamos de cérebro é, na verdade, o encéfalo. O cérebro
é a maior parte do encéfalo e, de fato, é nele que se localizam as fun-
ções cognitivas, como a linguagem. O cérebro faz parte do encéfalo,
que é composto ainda pelo cerebelo e pelo tronco encefálico, confor-
me podemos notar na imagem a seguir.
Cérebro
Iesde S/A
Ad
ap
ta d

eJ
ad

olyg
on/Sh
utterstoc
k

Cerebelo
Tronco encefálico

A evolução da linguagem humana 23


O que costumeiramente chamamos de cérebro também podemos
chamar de córtex cerebral, formado por diversas células, mas pri-
mordialmente pelos neurônios. O córtex é estruturado em giros e
sulcos, os quais são dobras situadas em ambos os hemisférios cere-
brais, direito e esquerdo.

O cérebro pode ser dividido em quatro lobos, nomeados de acordo


com os ossos que estão por cima deles. Observe a divisão dos lobos
cerebrais na imagem a seguir.

Lobo frontal
Lobo parietal
Wikim
edi

Lobo
aC
om

ns
occipital
mo

Lobo
temporal

Cada um desses lobos tem seus sulcos e giros e apresenta funções


especializadas.
O lobo frontal está bastante envolvido com a memória de curto
prazo e o planejamento de ações futuras, além do controle do mo-
vimento; o lobo parietal está envolvido com a sensação somática,
a formação de uma imagem corporal e sua relação com o espaço
extrapessoal; o lobo occipital está envolvido com a visão; e o lobo
temporal está envolvido com a audição e – por meio de suas estru-
turas profundas, o hipocampo e os núcleos da amígdala – com o
aprendizado, a memória e a emoção. (KANDEL et al., 2014, p. 8)

Portanto, de acordo com Kandel et al. (2014), nosso cérebro é espe-


cializado, ou seja, traz áreas específicas para diferentes habilidades, o
que não é diferente com a linguagem.

Um dos princípios das neurociências é o de que o processamento


das funções é distribuído por todo o cérebro; isso não quer dizer que
todo o cérebro se envolva em todas as atividades, mas sim que funções

24 Neurociência e Linguagem
como linguagem ou planejamento são produzidas em conjunto por di-
versas áreas, distribuindo o trabalho.

Uma característica muito importante da linguagem no cérebro é


que, além de ter diversas áreas conectadas entre si, ela se apresenta
de maneira lateralizada no cérebro. O nosso cérebro tem dois hemisfé-
rios – direito e esquerdo – e algumas estruturas formadas por muitos
neurônios que ligam esses dois hemisférios. Em geral, o hemisfério es-
querdo é o dominante.

As áreas da linguagem estão distribuídas entre os dois hemisférios,


porém a maior parte delas se encontra no hemisfério esquerdo. Talvez
você já tenha ouvido falar que a linguagem está no lado esquerdo, mas
essa afirmação não é inteiramente correta, pois a emoção é uma cogni-
ção ligada à linguagem, e ela é primordialmente processada no hemis-
fério direito. Aliás, a prosódia é a característica que confere a emoção
à fala, e a emoção nos proporciona diferentes entonações, algo muito
importante na compreensão da linguagem.

Dois neurologistas muito importantes para essa descoberta foram


Paul Broca e Karl Wernicke. Broca foi o primeiro a descobrir que a lin-
guagem se processava no hemisfério esquerdo. Poucos anos depois,
Wernicke formulou sua teoria do processamento distribuído, da qual
acabamos de tratar, desenvolvendo o modelo inicial da linguagem.
De acordo com esse modelo, os passos iniciais no processamen-
to neural da palavra falada ou escrita ocorrem em áreas senso-
riais separadas do córtex, especializadas em informação visual
ou auditiva. Essa informação é então retransmitida para uma
área cortical associativa, o giro angular, especializado no pro-
cessamento de informações tanto visual quanto auditiva. Aqui,
de acordo com Wernicke, palavras faladas ou escritas são trans-
formadas em um código sensorial neural, compartilhado tanto
pela fala quanto pela escrita. Essa informação é retransmitida
para a área de Wernicke, onde é reconhecida como linguagem e
associada a seu significado. Essa informação também é retrans-
mitida para a área de Broca, que contém as regras, ou gramática,
para transformar a representação sensorial em uma representa-
ção motora que possa ser percebida como linguagem falada ou
escrita. Quando essa transformação de representação sensorial
em motora não ocorre, o paciente perde sua capacidade de falar
e escrever. (KANDEL et al., 2014, p. 10-11)

A evolução da linguagem humana 25


Assim, as principais áreas envolvidas na linguagem são:

Responsável pela recepção da linguagem,


processa os sinais auditivos recebidos e
está envolvida na compreensão da fala.
Área de
Como se localiza próxima ao giro angular
Wernicke

k
toc
e ao córtex auditivo primário, essa área

ers
utt
também combina a entrada dos sons

Sh
ay/
com outros sentidos.

yw
art
Curiosidade
Você sabia que, ao con-
trário do aprendizado de
segunda língua quando
criança, que possibilita
que a área de Broca Responsável por controlar a produção
utilize sua especificidade da fala. Como está próxima à área
para ambas as línguas, Área de
motora, está implicada no controle
depois de adultos utiliza- Broca
de língua e boca, ou seja, do aparelho
mos uma região diferente
fonador que articula as palavras.
para aprender uma se-
gunda língua? Saiba mais
assistindo ao vídeo Como
seu cérebro muda ao falar
outros idiomas.

Disponível em: https://www. As áreas não trabalham sozinhas, elas se complementam para rea-
youtube.com/watch?v=_fmqo8p-
57Q. Acesso em: 18 dez. 2020. lizar o trabalho da linguagem. A figura a seguir ilustra as estruturas
implicadas na linguagem.

Iesde S/A

Fonte: Adaptada de Kandel et al., 2014, p. 11.

Portanto, quando pensamos em linguagem, devemos compreen-


der que ela é uma função localizada primordialmente no hemisfério

26 Neurociência e Linguagem
esquerdo, envolvendo as áreas de Broca e Wernicke e áreas adjacentes
a essas duas principais. Todavia, devemos também lembrar de que a
emoção é um componente fundamental na linguagem, possibilitando
a prosódia, a qual localiza-se no hemisfério direito.

Atualmente, cada vez mais é possível investigar e descobrir o funcio-


namento do cérebro e da linguagem. Com exames de imagem moder-
nos, pode-se pesquisar a cognição sem que a pessoa tenha um distúrbio
e no momento que a linguagem acontece, isto é, observar o cérebro no Livro
momento da recepção ou emissão da linguagem oral ou escrita. Se você tem interesse na
área de neurociências e
Estudar as áreas envolvidas na leitura e na escrita é ainda um desafio, quer se aprofundar em
pois não são habilidades inatas, como a fala, mas criadas culturalmente diferentes abordagens,
indicamos a leitura do
e muito recentes na história da humanidade. Por isso mesmo, os neuro- livro Cem bilhões de neurô-
cientistas creem que é ainda muito cedo, considerando o processo evo- nios: conceitos fundamen-
tais de neurociência.
lucionário, para termos áreas específicas para leitura e escrita, uma vez
LENT, R. Rio de Janeiro: Atheneu,
que o cérebro do ser humano ainda não desenvolveu tais competências
2001.
de maneira inata, isto é, sem a necessidade de um aprendizado formal.

1.4 Cognição e linguagem


Vídeo Assim como as neurociências apresentam diferentes abordagens
para estudar o sistema nervoso, também são várias as áreas que bus-
cam entender a linguagem. Entre elas, há as que dão ênfase ao pro-
cesso psicológico, que está relacionado com a percepção da linguagem,
e as que pretendem descrever a estrutura da linguagem, embasadas
pela linguística. No entanto, aqui, como já mencionamos, daremos ên-
fase na neurociência cognitiva e na psicolinguística.

A neurociência cognitiva, como vimos, pesquisa como se dá a lin-


guagem no cérebro e quais estruturas cerebrais estão implicadas no
processo. Já a psicolinguística vai se preocupar com como a linguagem
é produzida e compreendida, ligando-se de um lado às neurociências e
de outro à linguística (STERNBERG, 2016).

Mesmo que diversas ciências abordem os estudos da linguagem, de


acordo com Sternberg, há seis propriedades distintivas da linguagem
compartilhadas por todas as áreas, são elas:

A evolução da linguagem humana 27


Há uma estrutura
regular em cada A relação entre o nome
Estruturada Arbitrariamente
língua, que se desfeita e o objeto que indica é
regularmente simbólica
perde o sentido. arbitrária, não natural.

Propriedades
As línguas da linguagem, Permite que nos
Dinâmica Comunicativa
evoluem. segundo comuniquemos.
Sternberg

A linguagem pode
gerar inúmeras Estruturada Pode-se analisar
Gerativa e
formas de em níveis sons, sílabas,
produtiva
expressão dentro múltiplos palavras, frases
de sua estrutura. ou textos.

Saiba mais Então, isso significa que, por meio da linguagem e das línguas, nós
A arbitrariedade do signo nos comunicamos, e para isso utilizamos um sistema estruturado e ar-
foi inicialmente postulada bitrário; isto é, por que em português nomeamos uma mesa de mesa?
pelo linguista Ferdinand
de Saussure e nos fala so- A resposta mais simples é porque em algum momento alguém deu
bre a dualidade do signo esse nome ao objeto – na verdade, um outro nome na origem da nossa
(uma palavra qualquer),
formado por um signifi- língua, provavelmente em latim, o qual foi evoluindo para mesa, afinal,
cado e um significante, as línguas também evoluem, esse é um dos seus princípios.
sendo a relação entre
eles arbitrária. Assista ao Comunicamo-nos por uma língua que entende que alguns sons com-
vídeo Sobre o princípio da
arbitrariedade do signo em binados têm significado, enquanto outros não, ou seja, há uma estrutura
Saussure para entender para compreendermos a língua. Ao mesmo tempo, essa estrutura pode
melhor esse conceito.
ser analisada em diferentes níveis, pois por ser complexa oferece diver-
Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=GHLmdj- sas formas de compreensão, de um fonema a um texto.
L3HA. Acesso em: 18 dez. 2020.
As línguas são criativas. A língua portuguesa permite inúmeras
variações, possibilitando que criemos sentenças completamente
distintas umas das outras. É exatamente essa criatividade que per-
mite que uma língua evolua.

Sabemos que as línguas se distinguem entre si, às vezes mais, às


vezes menos, a depender de suas origens. Contudo, além das pro-
priedades listadas anteriormente serem inerentes a todas as línguas
(mesmo que uma língua tenha uma gramática mais detalhada e ou-
tra não), as línguas e a linguagem humana como um todo também
compartilham de dois aspectos:

28 Neurociência e Linguagem
1. Compreensão e decodificação na recepção da linguagem. Atividade 3

2. Codificação e elaboração na produção da linguagem. Quais são as proprieda-


des gerais da linguagem?
De acordo com Sternberg (2016, p. 307, grifo do original),
decodificação refere-se à obtenção do significado com base em
qualquer sistema de referência simbólico usado (por exemplo,
enquanto a pessoa escuta ou lê) […]. A codificação, quando apli-
cada à linguagem, envolve transformar nossos pensamentos em
uma forma que pode ser expressa como produção linguística
(por exemplo, fala, sinalização ou escrita).

Assim, a decodificação acontece no campo da compreensão verbal,


enquanto a codificação ocorre na expressão verbal. Desse modo, ao
decodificarmos somos capazes de compreender os elementos da lín-
gua e a mensagem passada; e ao codificarmos somos capazes de ela-
borar a fala ou a escrita.

Agora, veremos os níveis estruturais constituintes de uma língua,


muito necessários à compreensão e à expressão verbais.

A menor unidade da língua é o fonema – som distinguido como


parte de uma língua, como no português, em que temos um número
restrito de consoantes e vogais. Por isso, a fonética estuda os sons pro-
duzidos oralmente e sua representação escrita.

Na sequência do fonema, encontramos o morfema, a menor unida-


de com significado dentro de uma língua. Em português, nós temos a
raiz da palavra (morfemas de conteúdo) e os afixos – prefixos e sufixos
(morfemas de função). A morfologia, então, faz o estudo de todas as si-
tuações envolvendo a estrutura das palavras, como a flexão de tempo,
número, grau e gênero, além de declinações e outras situações refe-
rentes à morfologia.

O terceiro nível estrutural da língua é o léxico, “o conjunto completo


de morfemas em uma determinada língua ou de repertório linguístico de
uma pessoa” (STERNBERG, 2016, p. 310). O léxico é o nosso vocabulário,
o qual se desenvolve de modo gradual e por meio de exposição à língua
desde o nascimento e passa pelo aprendizado dos fonemas e morfemas.

O quarto nível é a sintaxe – arranjo das palavras em uma lín-


gua, o que atribui a ela uma estrutura singular. Em português, por
exemplo, temos a possibilidade de frases nominais e frases ver-
bais, isto é, frases que se estruturam em torno do substantivo e

A evolução da linguagem humana 29


Vídeo do sujeito (frase nominal) ou em torno do verbo e do predicado,
Entenda melhor a distin- indicando ação (frase verbal).
ção entre alguns desses
níveis de linguagem por Por fim, temos a semântica da língua, a forma como palavras e
meio do vídeo O que são
sentenças significam algo na língua, ocupando-se assim com o uso da
léxico, sintaxe e morfo-
logia? língua e os discursos subjacentes aos gêneros textuais.
Disponível em: https:// Afinal, como todos esses níveis e propriedades da linguagem se re-
www.youtube.com/
watch?v=7kCjb5fMBKg. Acesso em: lacionam com o sistema nervoso de um ser humano?
18 dez. 2020.
Roberto Lent (2001) afirma que há uma rede cerebral para o funcio-
namento da linguagem, formada por áreas conectadas entre si, e tais
conexões formam o sistema linguístico. As áreas dividem-se em:
•• Áreas conceitualizadoras: especializadas tanto no planejamen-
to da fala quanto no que é ouvido, ou seja, a compreensão da
mensagem recebida.
•• Áreas formuladoras: responsáveis pelo planejamento e pelo
entendimento da forma, seja das palavras, seja de frases.
•• Áreas articuladoras: possibilitam que os movimentos arti-
culem a fala com o aparelho fonador (boca, língua, pregas
vocais etc.).
•• Regiões do córtex cerebral: áreas auditivas, visuais, de pro-
cessamento das emoções, da memória, e assim por diante.

Portanto, a compreensão da linguagem passa inicialmente pela via


auditiva, isto é, primeiro ouvimos os sons emitidos por outra pessoa, e
então o processo se inicia. De acordo com Lent (2001, p. 691):
em certo momento do processamento auditivo, no entanto, o
cérebro “descobre” que certos sons são linguísticos e “encami-
nha” a sua representação neural […] para as regiões responsá-
veis pela compreensão da fala. Nesse caso, para compreender o
que se ouviu será preciso proceder passo a passo, quase no sen-
tido inverso ao da emissão da fala: identificação fonológica
identificação léxica compreensão sintática compreensão
semântica.

Logo, os processos de identificação fonológica, identificação léxi-


ca, compreensão sintática e compreensão semântica ativam algumas
áreas no cérebro. Embora a identificação de tais áreas seja difícil, os
neurocientistas e psicolinguistas identificam que nós temos diferentes
léxicons, isto é, conjunto de palavras, como em um banco de palavras
que fica arquivado em nossa memória.

30 Neurociência e Linguagem
De acordo com Lent (2001), temos os seguintes léxicons:
•• Fonológico: guarda os sons dos idiomas aprendidos; sons de fo-
nemas, palavras e frases. Localizado na área de Wernicke.
•• Semântico: permite reconhecer o contexto e o significado das
palavras. Localizado nos giros angular e supramarginal – intima-
mente ligados à área de Wernicke – e nos giros temporais médio
e inferior.
•• Sintático: guarda as regras da linguagem. Localizado na área
de Broca.

Cada área da rede da linguagem busca as informações em um


léxicon específico, ou seja, ao ativar a área conceitualizadora, ela fará Livro
a ligação com o léxicon semântico. Já a área formuladora liga-se aos
Caso deseje se apro-
léxicons sintático e fonológico, enquanto a área articuladora proporcio- fundar nos estudos
cognitivos da lingua-
na a emissão da linguagem.
gem, indicamos o livro
Linguagem e cognição:
Assim, estudar linguagem significa compreender como as línguas
processamento, aquisição
se estruturam em seus fonemas, morfemas e outros níveis estruturais, e cérebro, que traz
discussões interessantes
mas também como todas essas estruturas atuam no cérebro, ou, me-
acerca da psicolinguística
lhor dizendo, como o cérebro é capaz de desenvolver todas essas es- e da neurociência cog-
nitiva, desde a aquisição
truturas e trabalhar com elas para formar a linguagem.
da língua materna até os
processos envolvidos no
Portanto, não há como dissociarmos o aprendizado de uma língua
bilinguismo.
de seus correspondentes cerebrais nem das regras que a formam, pois
BUCHWEITZ, A.; MOTA, M. B. (org.).
estes andam de mãos dadas para nos proporcionar a habilidade que Porto Alegre: EdiPUCRS, 2015.
mais nos distingue de outros animais, uma linguagem estruturada.

CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Esperamos que você tenha apreciado essa passagem pelas ori-
gens do Homo sapiens e pelas maravilhas que o cérebro humano foi
capaz de atingir em bilhões de anos de evolução. Tenha em mente
que compartilhamos sim muitas características com nossos primos
primatas, mas que a linguagem humana é única e foi capaz de criar
toda a sociedade em que vivemos.
Sem a linguagem, ainda estaríamos na Idade da Pedra, mas graças ao
poder de criar coisas que não estão ao nosso alcance visual, lembrar de ex-
periências e relatá-las aos outros, pudemos nos tornar de fato humanos.

A evolução da linguagem humana 31


REFERÊNCIAS
DALGALARRONDO, P. Evolução do cérebro: sistema nervoso, psicologia e psicopatologia
sob a perspectiva evolucionista. Porto Alegre: Artmed, 2011.
FUTUYAMA, D. Evolution. Massachusetts, EUA: Sinauer Associates, 2005.
HARARI, Y. N. Sapiens: uma breve história da humanidade. São Paulo: L&PM, 2016.
HAUSER, M.; CHOMSKY, N.; FITCH, W.T. The faculty of language: what is it, who has it, and
how did it evolve? Science, EUA, v. 298, n. 5598, p. 1569-1579, nov. 2002.
KANDEL, E. R. et al. Princípios de neurociências. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. Rio de Janeiro:
Atheneu, 2001.
RIDLEY, M. Evolution. 3. ed. Hoboken, EUA: Blackwell Publishing, 2004.
STERNBERG, R. J. Psicologia cognitiva. São Paulo: Cengage Learning, 2016.

GABARITO
1. Não. Embora talvez tenhamos aprendido que uma espécie deu origem à outra, sendo
extinta no mesmo momento, não é a verdade. Muitas espécies conviveram ao mesmo
tempo até o Homo sapiens passar a reinar sobre a Terra. Para que isso acontecesse,
este muito provavelmente exterminou e ao mesmo tempo se juntou a outras espécies.

2. Porque as neurociências são um conjunto de diversas áreas que abordam o estudo


do sistema nervoso por diferentes ângulos: molecular, celular, sistêmica, comporta-
mental e cognitivo.

3. Independentemente da língua, a linguagem permite a comunicação entre as pessoas,


é arbitrariamente simbólica, estruturada regularmente e em níveis múltiplos, além de
gerativa, produtiva e dinâmica.

32 Neurociência e Linguagem
2
Linguagem oral e leitura
Neste capítulo vamos compreender como a linguagem oral se
processa no cérebro e quais estruturas estão envolvidas nessa
habilidade. Além disso, vamos identificar como a linguagem oral
funciona em um nível de articulação, isto é, na fala.
Com base no estudo da fala, seguiremos com uma discussão
sobre as variantes da língua, afinal, o cérebro de todos os falantes
possui um funcionamento muito parecido para processar a lingua-
gem, porém, sendo ela um produto social, terá características pró-
prias do lugar onde é falada, da idade, do gênero, da classe social e
do momento sociocultural em que é produzida.
Por fim, veremos como esses aprendizados de linguagem oral
se conectam para possibilitar a formação de circuitos capazes de
produzir a leitura da palavra escrita.
Esperamos que a leitura seja muito produtiva. Bons estudos!

2.1 Linguagem oral


Vídeo Sabemos que a língua é arbitrária, isto é, a combinação de letras
e sons que formam uma palavra é uma convenção, algo que uma co-
munidade estabeleceu como uma possível sequência de signos para
descrever um objeto ou ser. Assim, todos os falantes de uma língua
aprendem, por um processo de repetição mecânica, no início de seu
desenvolvimento, a relacionar um som a um significado.

De acordo com Pinker (2002), esse processo de aprendizagem de re-


conhecimento de sons e de ligação desses sons a um objeto ou a uma
pessoa permite que os seres humanos sejam capazes de memorizar
um número muito grande de informações, diferentemente dos nossos
parentes primatas. Com uma memória semântica desenvolvida, os in-
divíduos conseguem transmitir ideias, conceitos e informações de uma

Linguagem oral e leitura 33


mente para outra mente, por exemplo: da nossa mente saem ideias
que conseguimos fazer chegar até você, por meio da linguagem.

Outro elemento muito importante para o desenvolvimento da espé-


cie humana é a habilidade de ordenar e dar regras às línguas, ou seja,
a gramática. Com diferentes ordenações das palavras, podemos criar
significados totalmente diferentes. Por exemplo, na frase João comeu
uma maçã, temos quatro palavras que podem ser usadas em diversos
contextos. A nossa gramática determina que há uma ordem na frase
para a compreensão (sem levarmos em consideração as exceções). A
ordem mais comum é: sujeito-verbo-predicado.

Poderíamos, então, alterar a ordem dos elementos da frase e tería-


mos: uma maçã comeu João. No plano real, sabemos que é uma frase
praticamente impossível de acontecer no cotidiano, mas no plano vir-
tual, da língua, é muito plausível e poderia ser usada em um filme de
ficção científica em que de fato uma maçã come um personagem. Por-
tanto, as regras permitem que façamos diversas combinações, fazendo
com que as línguas sejam capazes de expressar a complexidade do
mundo em que vivemos.

Além de adquirir sons e palavras, o ser humano também adqui-


Figura 1 re regras para que eles façam sentido. Mas como o corpo humano
Áreas da fonética é capaz de expressar todos os dife-
Fonética articulatória Fonética auditiva
rentes sons? Para responder a essa
pergunta, precisaremos nos voltar
Compreende o Compreende o
estudo da produção estudo da percepção agora para a fonologia, uma área da
da fala do ponto de da fala linguística que estuda a estrutura
vista fisiológico e
articulatório sonora que forma uma determinada
língua. Mais ainda, utilizaremos os
estudos da fonética para entender
Fonética como nosso cérebro trabalha em
conjunto com outras estruturas para
produzir os sons.
Fonética instrumental
Fonética acústica Segundo Silva (2003), a fonética
Compreende o estudo
Aleksandr Bryliaev/S
shutterstock

Compreende o estudo das propriedades pode ser dividida em quatro áreas


das propriedades físicas físicas da fala, levando de estudo: articulatória, auditiva,
dos sons da fala, a partir em consideração o
de sua transmissão do apoio de instrumentos acústica e instrumental (Figura 1).
falante ao ouvinte laboratoriais
As áreas acústica e instrumental se
Fonte: Elaborada pela autora com base em Silva, 2003, p. 23. ligam mais a estudos que relacionam os

34 Neurociência e Linguagem
sons com as áreas da física, engenharia, mecânica, além de outras que têm
interesse no estudo dos sons.

A fonética auditiva estuda como os indivíduos percebem os sons. Há


culturas que não possuem determinados fonemas, como o /r/, por isso
não conseguem reconhecê-los na fala de outra pessoa e nem articulá-
-los. Mas para que alguém perceba esse som, quais mecanismos cere-
brais estão ativos? Vamos ver resumidamente como se dá a audição e
a percepção dos sons.
Vídeo
De acordo com Roberto Lent (2010, p. 266):
Quer entender melhor
Sons são certas vibrações do meio que se transmitem ao órgão como o som é formado
e percebido acustica-
receptor da audição e são transformadas em potenciais bioelé-
mente? Acesse o vídeo
tricos para processamento no sistema auditivo. Nem todas as vi- Ondas sonoras do canal
brações do meio representam sons: só aquelas com frequências Brasil Escola e conheça as
situadas entre 20Hz e 20kHz e intensidades entre 0 e 120dB. A propriedades das ondas
sonoras.
modalidade auditiva divide-se em algumas submodalidades: dis-
criminação de intensidade sonora, discriminação de tons, identi- Disponível em: https://
www.youtube.com/
ficação de timbres, localização espacial dos sons e compreensão watch?v=kR5FSlOPrhI. Acesso em:
da fala e dos sons complexos. 18 dez. 2020.

Perceber sons é muito mais do que ouvir, pois implica localizar de


onde esse som vem, qual é a altura, o timbre e o tom dele, compreen-
dê-lo e ligá-lo a informações preexistentes armazenadas na memória.
E toda essa complexidade só é possível porque possuímos uma arqui-
tetura cerebral que nos proporciona receber as ondas sonoras, isto é,
as vibrações que são modificadas em impulsos elétricos em nosso cé-
rebro, transportando a informação para diferentes áreas.

A percepção dos sons é uma habilidade que auxilia todos os animais


a se adaptarem, especialmente a reconhecerem perigos e predadores,
possibilitando estratégias de fuga ou luta, ou até mesmo o reconhe-
cimento de quando chega o alimento, como no caso de animais que
caçam pela audição. Segundo Lent (2010), crianças humanas possuem
uma capacidade de ouvir um número muito maior de sons, capacidade
esta que vai declinando com o passar do tempo.

Assim, a audição
tornou possível detectar as vibrações do ar e da água provocadas
pelos movimentos dos animais e das plantas, bem como desen-
volver todo um sistema de comunicação através da vocalização,
isto é, da emissão “intencional” de vibrações do meio. Através dos
sons tornou-se possível identificar a presença de certos objetos

Linguagem oral e leitura 35


mesmo quando estes se situam fora do campo de visão, ou estão
encobertos por outros objetos. (LENT, 2010, p. 267)

Para que essa “mágica” aconteça, é necessário um sistema que evo-


lui para ser muito pequeno, mas muito eficiente. Nosso ouvido possui
estruturas muito especializadas, as quais possibilitam que os sons che-
guem às áreas auditivas do cérebro, conforme ilustrado a seguir.
Canais
semicirculares
Nervo auditivo
Adaptada de kotikoti/Shutterstock

Bigorna

Martelo

Canal
Estribo
Cóclea
Tímpano

O sistema auditivo se inicia na orelha externa, o que vulgarmente


chamamos de orelha, a qual funciona como um captador e direcionador
do som. O som entra pelo canal (ou meato acústico externo), chegando
ao tímpano. O tímpano é uma membrana que se localiza na entrada da
orelha média, responsável por transmitir o som até a orelha interna.
Quando as ondas sonoras chegam até o tímpano, sua vibração aciona
os ossículos (martelo, bigorna e estribo), que levam o som até a orelha
interna. Nesta, o som passa para a cóclea, formada por uma estrutura
óssea com uma membrana que vibra de acordo com o som recebido,
enviando as informações ao nervo auditivo. Os canais semicirculares
participam especialmente dos movimentos da cabeça e do equilíbrio,
entre outras funções (MARTINEZ; ALLODI; UZIEL, 2015).

As informações são encaminhadas ao cérebro, primeiramente ao


tronco encefálico e posteriormente para a área auditiva primária, onde
os neurônios especializados conseguem distinguir os sons, extraindo
as suas características de timbre, tom, intensidade e localização. Isso
tudo em uma velocidade muito alta. No caso da compreensão da lin-
guagem oral, após a área auditiva primária receber os sons, a informa-

36 Neurociência e Linguagem
ção segue para a área de Wernicke, a qual processa diversos aspectos
da linguagem, além do auditivo (LENT, 2010). Observe na imagem a
seguir as principais áreas envolvidas na linguagem oral.

Área de Wernicke

Área de Broca

Lobo parietal

Ada
Lobo frontal

pt
ada
de
M
edu
sAr
t/S
Lobo

hut
ters
occipital

toc
k
Lobo temporal

Área motora
envolvida na
vocalização Córtex auditivo
primário
Tronco
encefálico
Cerebelo

De acordo com Kandel et al. (2014, p. 613-614, grifos do original): Leitura


A audição tem duas funções independentes no aprendizado Como se dá o desenvol-
vimento da linguagem
vocal. Em primeiro lugar, ouvir a vocalização de outros permite a
em crianças surdas? Você
imitação do comportamento vocal […]. Contudo, […] inicialmen- sabe? O site Crônicas da
te produzem vocalizações desconexas e imaturas, chamadas de surdez traz diversos con-
balbucios em seres humanos […]. Eles devem então ser capazes teúdos para o desenvolvi-
mento da linguagem em
de ouvir essas vocalizações para gradualmente refiná-las e atin- pessoas surdas. Indica-
gir o grau desejado de semelhança de produção vocal durante o mos a leitura da matéria
processo de aprendizado sensório-motor. Aquisição de linguagem
oral pela criança surda
Segundo, a audição provê aos aprendizes vocais a informação
para compreender como
sensorial sobre a acurácia de seu desempenho motor, na forma esse processo acontece.
de uma retroalimentacão auditiva […]. A […] dependência da au- Disponível em: https://
dição da própria voz é evidente em seres humanos. Assim, a fala cronicasdasurdez.com/linguagem-
de crianças que se tornam surdas durante a infância se deteriora oral-crianca-surda/. Acesso em: 18
dez. 2020.
marcadamente, mesmo que elas tenham tido um aprendizado
significante da fala antes da surdez.

Linguagem oral e leitura 37


Logo, a audição é de extrema importância para o aprendizado e a
produção da linguagem oral. Sem o reconhecimento dos sons e sem
a audição da própria fala, o ser humano não é capaz de se comunicar
oralmente, pois a articulação das palavras depende das informações
complexas que também são processadas pelas áreas auditivas.

Agora que vimos brevemente como se processa a audição do sons,


podemos pensar sobre como os produzimos. O que é preciso? Primei-
ramente é preciso conhecê-los. Isso parece óbvio, mas é preciso enten-
der que para conhecer os sons é necessário aprendê-los por meio de
imitação. A produção de sons nos seres humanos não é algo comple-
tamente natural; sem alguém para nos ensinar os sons de uma língua,
não aprendemos a falar.

Ao escutar os sons, os bebês automaticamente começam a imitá-


-los, e essa imitação envolve as áreas de produção da fala e a articu-
lação dos sons. Veremos de maneira breve como se forma a fala no
cérebro e, depois, o papel do aparelho fonador na produção da fala.

A fala vai se desenvolvendo ao mesmo tempo que a percepção dos


sons. Para produzirmos a fala, o cérebro inicia o processo nas áreas
conceitualizadoras, planejando a mensagem que será transmitida.
Essas áreas acessam os nossos léxicons, em especial o semântico, para
encontrar o conceito que estamos tentando transmitir. Na sequência,
as áreas formuladoras do cérebro buscam os fonemas, as palavras e
também a gramática, formando frases. Nesse processo está envolvida
a área de Broca, que controla a formulação da mensagem e se liga às
áreas motoras que farão a articulação das palavras.

Na etapa de articulação, o cérebro planeja os movimentos que o


corpo deverá realizar para a emissão da fala, enviando os comandos
para o tronco encefálico, mais especificamente os núcleos motores que
acionam músculos respiratórios, pregas vocais, língua, boca, músculos
da face e faringe. Portanto, a fase de articulação é primordialmente
motora; as fases anteriores envolvem o planejamento e a produção dos
conceitos que serão expressos por meio da articulação (LENT, 2010).

Para entendermos como se processa a articulação da fala, preci-


samos primeiro compreender como é formado o nosso aparelho fo-

38 Neurociência e Linguagem
nador, o qual é composto pelos sistemas articulatório, fonatório e
respiratório, conforme a imagem a seguir.

Sistema articulatório:
faringe, língua, nariz,
palato e dentes
Cavidade nasal
Faringe Nariz

Boca
Glote

Esôfago

Sistema fonatório: Traqueia


laringe e glote Laringe
Pulmão
Costela

Pulmão
Pleura

Brônquios
Sistema respiratório:
pulmões, brônquios,
traqueia e diafragma

Diafragma

Shutterstock
Adaptada de
VerctorMine/

Os seres humanos nascem com a capacidade de produzir qualquer


fonema, porém, com o aprendizado da língua materna, o aparelho fona-
dor passa a se especializar em determinados sons, tendo maior dificul-
dade, com o passar do tempo, de produzir sons distintos daqueles com
os quais possui familiaridade. Por isso, o aprendizado de diversas línguas
desde cedo propicia maior habilidade na produção de sons diferentes.

Conforme Kandel et al. (2014, p. 1.185):


Aprender uma língua nativa produz um compromisso neural Atividade 1
para a detecção dos padrões acústicos dessa língua, e esse com- Nascemos com a habilidade de
promisso interfere no aprendizado posterior de uma segunda falar qualquer som do mundo.
língua. A exposição precoce à linguagem resulta em um circui- Então por que é tão difícil
to neural que é “afinado” para detectar as unidades fonéticas aprender outra língua quando
somos adultos?
e os padrões prosódicos dessa língua. O compromisso neural

Linguagem oral e leitura 39


com a língua nativa aumenta a capacidade de detectar padrões
com base naqueles já aprendidos […] mas reduz a capacidade
de detectar padrões que não se assemelham aos já conhecidos.
Aprender os padrões motores exigidos para se falar uma língua
também leva a um compromisso neural. Os padrões motores
aprendidos para uma língua são, muitas vezes, incompatíveis
com aqueles exigidos para a pronúncia de uma segunda língua e,
portanto, podem interferir no esforço em pronunciar a segunda
língua sem sotaque.
Saiba mais Assim, ao aprender padrões motores para sua língua materna, al-
No século XVII, os guns sons de outras línguas se perdem para ao falante. Quanto mais
estudiosos já buscavam
algo que pudesse próximos forem os sons entre dois idiomas, maior será a facilidade de
descrever os sons das um falante produzir essa segunda língua.
línguas, principalmente
as ocidentais. Essa Tendo isso em mente, é necessário entendermos que as línguas do
ideia foi concretizada
no século XIX por
mundo possuem um número limitado de sons, mesmo que distintos
linguistas e professores entre si. Por isso, convencionou-se a compreensão de que alguns sím-
de idiomas, que
formaram a Associação
bolos descrevem os sons das diferentes línguas conhecidas ao redor
Fonética Internacional e do mundo. Temos, então, o Alfabeto Fonético Internacional (AFI), que
produziram o primeiro
alfabeto internacional.
nos auxilia na compreensão da pronúncia das consoantes e das vogais.
Esse alfabeto foi
De acordo com Silva (2003), todas as línguas naturais possuem
revisado inúmeras vezes,
estabelecendo-se o segmentos consonantais e vocálicos.
que hoje conhecemos
como Alfabeto Fonético Segmentos consonantais são sons produzidos com obstrução to-
Internacional, o qual
tal ou parcial das correntes de ar nas cavidades supraglotais, isto é,
descreve os sons dos
alfabetos das línguas de nas estruturas acima do sistema fonador. Essa obstrução pode ou não
origem latina e germânica,
gerar uma fricção em alguma dessas estruturas.
em especial. Esse alfabeto
nos permite reconhecer
Desafio
os sons e pronunciar
palavras de diferentes Coloque a mão levemente em sua garganta e tente falar as diferentes
línguas, mesmo que não consoantes, tentando perceber se elas obstruem ou não a passagem de ar, e,
tenhamos aprendido o
se quando você fala, elas produzem uma vibração na sua garganta. Tente não
idioma. Ele é usado em
inserir nenhuma vogal após cada consoante.
todos os dicionários para
inserir a pronúncia logo
após a entrada do termo.
Segmentos vocálicos são sons que não se formam por obstrução,
Disponível em: https://upload.
wikimedia.org/wikipedia/
portanto não apresentam nenhuma fricção.
commons/2/23/IPA_Kiel_2019_
full_por-br_Brazilian_
Desafio
Portuguese_Português_brasileiro. Coloque a mão novamente em sua garganta e agora fale as vogais. Veja se elas
png. Acesso em: 18 dez. 2020.
obstruem a passagem do ar e se você sente vibração na sua mão quando fala.

Conforme Silva (2003), na produção das consoantes há algumas


categorias a serem analisadas para podermos compreender de fato

40 Neurociência e Linguagem
como esses sons são produzidos. Veja no quadro a seguir como classi-
ficar as consoantes de acordo com cada categoria.

Quadro 1
Classificação das consoantes

Categoria Explicação Características Exemplos

Pulmonar (ato de res-


pirar): todas as con-
soantes do português.
Glotálico: que utiliza
o ar na glote e não
É o ar que é expe-
ocorre no português.
Mecanismo da lido dos pulmões e Pode ser pulmonar,
corrente de ar permite a produção glotálico ou velar. Velar: quando o som
do som. sai pelo nariz e há obs-
trução do ar na boca,
saindo pelo véu pa-
latino. Normalmente
nas expressões nasais
como uhum.

Pode ser de dentro Corrente egressiva: Egressiva: utilizada no


para fora ou de fora ar que sai dos pul- português.
para dentro, isto é, o mões com ajuda do Ingressiva: algumas ex-
Corrente de ar som pode ser pro- diafragma. clamações de espanto
duzido na inspiração Corrente ingressiva: ou surpresa, quando
ou mais comumente ar que entra nos pul- se puxa o ar com sono-
na expiração. mões. ridade pela boca.
Vozeado/sonoro:
quando as pregas
vocais vibram em
A glote é um espa-
um som pois a glote
ço circundado pe- Vozeada: som de v.
se estreita, dimi-
las pregas vocais e
Estado da glote nuindo a passagem Desvozeada: som de f
pode obstruir a pas-
do ar.
sagem dos pulmões (Figura 2).
Desvozeado/surdo:
à faringe.
quando a glote está
aberta e não há vibra-
ção nas pregas vocais.
Véu palatino é a parte
posterior do palato,
isto é, o que geral- Sons orais: o véu pa- Quando falamos a é
mente chamamos latino e a úvula estão um som oral. Ao falar
Posição do véu de céu da boca. O véu levantados. ã, torna-se um som
palatino palatino, ou palato Sons nasais: o véu e nasal. Experimente e
mole, é a porção mó- a úvula estão abai- veja a posição do seu
vel do “céu da boca”, xados. véu palatino.
que termina na úvula
(campainha).
(Continua)

Linguagem oral e leitura 41


Categoria Explicação Características Exemplos
Modificam a confi-
guração da voz e se
Estruturas do siste- movem em direção Lábio inferior; língua;
Articulador
ma articulador que aos articuladores véu palatino; pregas
ativo
se movimentam. passivos. Papel ativo vocais (Figura 3).
na articulação das
consoantes.
Lábio superior; dentes
superiores; alvéolos;
Estruturas do siste-
Articulador Localizam-se na man- palato duro; palato
ma articulador que
passivo díbula superior. mole (atua como ativo
não se movimentam.
nos sons nasais e pas-
sivo nos sons velares).

Fonte: Elaborado pela autora com base em Silva, 2003, p. 26-31.

Figura 2
Glote e pregas vocais

Pregas vocais Pregas vocais

Glote
signua/Shutterstock
e De

Traqueia
ad d
pta a
Ad

Cartilagem

Aberta Fechada

Estado da glote e, consequentemente, das pregas vocais. Pregas vocais e glote abertas produzem
consoantes desvozeadas. Pregas vocais e glote fechadas produzem consoantes vozeadas.

Agora que sabemos as estruturas envolvidas e as características da


produção da fala em relação ao aparelho fonador, veremos os luga-
res ou pontos de articulação das consoantes, aplicando as categorias
estudadas e entendendo como os articuladores ativos e passivos se
relacionam para formar os sons.

A junção dos articuladores ativos e passivos formam os diferentes


sons das consoantes, conforme ilustra a figura a seguir.

42 Neurociência e Linguagem
Figura 3
Articuladores
Lábio superior

Palato duro Dentes


superiores

Alvéolos

Véu palatino

Adaptada de Andrea
Danti/Shutterstock
Úvula Posterior

Média
Lâmina da
língua Anterior
Ápice da língua
Dentes
inferiores
Lábio inferior

Localização dos articuladores ativos e passivos, envolvidos nos pontos de articulação das
consoantes.

As consoantes são produzidas em diversos lugares no sistema ar-


ticulatório. Assim, temos consoantes com diferentes classificações, a
depender do local, e articuladores envolvidos em sua produção. Veja
no quadro a seguir essas classificações.

Quadro 2
Lugares de articulação das consoantes no sistema articulatório

Lugar Articulador ativo Articulador passivo Exemplo

Bilabial Lábio inferior Lábio superior /p/ /b/

Labiodental Lábio inferior Dentes incisivos superiores /f/ /v/

Dental Lâmina da língua Dentes incisivos superiores /s/ /z/

Alveolar Lâmina da língua Alvéolos /d/ /t/

Parte anterior da
Alveopalatal Parte média do palato duro /ch/ /j/
língua
Parte média da lín-
Palatal Parte final do palato duro /nh/ /lh/
gua
(Continua)

Linguagem oral e leitura 43


Lugar Articulador ativo Articulador passivo Exemplo

Parte posterior da /k/ /g/ (em sons


Velar Véu palatino
língua de casa ou gato)

Músculos ligamen- Músculos ligamentais da


Glotal /r/ na garganta
tais da glote glote

Fonte: Elaborado pela autora com base em Silva, 2003, p. 32.

Agora que você já sabe as estruturas envolvidas na formação de


cada consoante no português, veremos os modos de articulação, que
nos dão a compreensão de como a corrente de ar interfere nessa rela-
ção entre os articuladores passivos e ativos.

Quadro 3
Modos de articulação em relação à passagem do ar pelos sistemas respiratório,
fonador e articulatório

Ar Articuladores Consoantes no PT
Obstrução total do
Oclusiva Véu palatino levantado p, t, c, b, d, g
ar na boca
Obstrução total do
ar na boca; ar se
Nasal Véu palatino abaixado m, n, nh
dirige à cavidade
nasal

Fricção por aproxima- f, v, s, z, ch, j,


Fricativa Obstrução parcial
ção dos articuladores r vibrante
Obstrução comple-
ta na boca no início
Véu palatino levantado t e d acompanhados
da vocalização e
Africada no início e fricção no fim de som de ch/j, como
obstrução parcial
da vocalização em: tchia e djia
no fim da vocaliza-
ção
Rápida obstrução
Articulador ativo toca o r (como em: cara,
Tepe de passagem do ar
passivo rapidamente para)
na boca
Articulador ativo toca
rr (como marrom, va-
rapidamente e algumas
Vibrante Obstrução parcial riante utilizada no RS,
vezes o articulador pas-
por exemplo)
sivo
Palato duro como arti- r em fim de palavra
culador passivo e ponta em alguns dialetos
Retroflexa Obstrução parcial da língua como articula- (como no interior de
dor ativo, curvando-se São Paulo. Ex.: mar,
em direção ao palato par)

(Continua)

44 Neurociência e Linguagem
Ar Articuladores Consoantes no PT
Obstrução na linha Articulador ativo e pas-
Lateral central da boca, ar sivo se tocam, deixando l, lh
sai pelas laterais espaço nas laterais

Fonte: Elaborado pela autora com base em Silva, 2003, p. 34.


Desafio
Com base em todas essas informações, podemos classificar uma con-
Agora que você já sabe como
soante com as diversas categorias. Se analisamos, por exemplo, a letra
funcionam os sons e a sua repre-
p, podemos dizer que ela é uma consoante oclusiva bilabial desvozeada. sentação, pegue a tabela com o
Oclusiva porque obstrui totalmente o ar da boca; bilabial porque utiliza o Alfabeto Fonético Internacional e
um dicionário, que pode ser em
lábio inferior como articulador ativo e o lábio superior como articulador português ou em outra língua.
passivo; e desvozeada porque não há vibração das pregas vocais. Se for um dicionário do portu-
guês, procure uma palavra bem
E as vogais? Como são produzidas no nosso aparelho fonador? diferente, que você nunca ouviu.
Bem, nas vogais não encontramos obstrução do ar e, por isso mes- Depois, logo após a entrada do
dicionário, você verá a transcri-
mo, nenhum som vocálico apresenta fricção. As categorias que nos
ção fonética. Com a tabela, tente
auxiliam a descrever as vogais são: altura da língua; posição da língua pronunciar essa palavra. Se ficar
(posterior/anterior); e formato dos lábios (arredondamento ou não). muito fácil, faça isso com outra
língua alfabética.
Veja no quadro a seguir.

Quadro 4
Características empregadas para descrever vogais

Descrição Especificidade
Nível alto /i/ /u/
Nível médio-alto /e/ /o/
Posição vertical da língua na
Altura da língua Livro
articulação Nível médio-baixo /é/ /ó/
Uma dica de leitura
para se aprofundar em
Nível baixo /a/
como ensinar consciên-
Anterior /e/ /i/ cia fonológica para as
crianças, auxiliando-as no
Posição anterior/ Posição horizontal da língua Central /a/
processo de alfabetiza-
posterior da língua na articulação ção, é a obra Consciência
Posterior /o/ /u/ fonológica em crianças
pequenas. Embora não
Arredondados /o/ /u/ seja uma obra brasileira,
Arredondamento Lábios podem ser arredon- ela foi adaptada para
dos lábios dados ou não nosso contexto, trazendo
Não arredondados /a/ /e/ /i/
diversas atividades diver-
tidas e eficazes no ensino
Fonte: Elaborado pela autora com base em Silva, 2003, p. 66-68. do reconhecimento e da
produção dos sons.
Logo, podemos usar essas categorias para classificar também as vo-
ADAMS, M. J. et al. Porto Alegre:
gais. Como exemplo, podemos citar a vogal /a/, que é uma vogal baixa Artmed, 2007.
central não arredondada.

Linguagem oral e leitura 45


Todas essas categorias vão sendo aprendidas por nosso cérebro, o
qual, ao adquirir a competência da linguagem e da língua materna, en-
tende como programar e acionar os esquemas e sistemas necessários
para a produção da fala.

A linguagem oral compreende, então, tanto a entrada e a compreen-


são dos sons quanto o planejamento com base no léxico e nas regras
gramaticais e o acionamento das estruturas motoras envolvidas na fala.

2.2 Variantes linguísticas


Vídeo Trabalhamos na seção anterior as categorias mais gerais de como
se produzem os sons na língua, em especial os da língua portuguesa.
Mas será que uma letra apresenta sempre o mesmo som? Sabemos
que o alfabeto em português e inglês pode apresentar os mesmos sím-
bolos, mas os fonemas diferem entre as línguas. E dentro da própria
língua, é possível ter variações no som das letras? Quem já viajou por
diferentes estados do Brasil sabe como é possível termos variações,
não apenas no som, mas também em outras características da língua.
Vídeo
A sociolinguística é o campo que estuda essas variações, uma vez
Se você não teve a oportu-
que as diferenças se dão no campo social, dentro do discurso, muito
nidade de entrar em conta-
to com diferentes sotaques mais do que a nível cerebral. Não quer dizer que o cérebro não te-
do português ao redor
nha compreendido as diferenças, mas sim que elas não são produzidas
mundo, que tal observar
como, mesmo falando a pelo organismo, e sim pela sociedade humana.
mesma língua, podemos
falar tão diferente? Assista Aliás, hoje a língua portuguesa já possui uma divisão entre portu-
ao vídeo O tamanho da
guês europeu e português do Brasil, especificando que, embora com a
língua: os sotaques do
português, publicado pelo mesma estrutura, temos usos diferentes da mesma língua.
canal TV Folha.
Todas essas diferenças acontecem pelas experiências de cada povo,
Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=8uFkciZLnNU. Acesso por sua história tão diversa. Podemos ter iniciado nossa trajetória nes-
em: 18 dez. 2020. te continente com os portugueses, mas muito rapidamente a língua
que eles trouxeram sofreu influências completamente distintas daque-
la língua que havia ficado no velho continente, com as pessoas que a
transformaram no português europeu por lá.

Não é apenas no nível da construção das frases ou dos sotaques


que um língua varia, ela também traz em si as diferenças de gênero,
classe social, momento histórico, comunidade, local, idade, situação
comunicacional, com palavras por vezes nada parecidas e com os mes-
mos significados, quase como línguas dentro de uma outra língua.

46 Neurociência e Linguagem
Portanto, encontramos variações em todos os níveis da língua: fo- Vídeo
nológico, morfológico, lexical, discursivo, pragmático e sintático. Você sabia que no dia 5
de maio é comemorado
As línguas mudam todos os dias, evoluem, mas a essa mudança o Dia Internacional da
diacrônica se acrescenta uma outra, sincrônica: pode-se perceber Língua Portuguesa?
Para celebrar esse dia,
numa língua, continuamente, a coexistência de formas diferen-
a Editora Porto fez um
tes de um mesmo significado. Essas variáveis podem ser geográ- vídeo, publicado pelo
ficas: a mesma língua pode ser pronunciada diferentemente, ou canal MGM, com a leitura
de um poema do escritor
ter um léxico diferente em diferentes pontos do território. […]
Valter Hugo Mãe, O
Mas essas variáveis podem também ter um sentido social, quan- paraíso são os outros, por
do, em um mesmo ponto do território uma diferença linguística diferentes falantes do
é mais ou menos isomorfa de uma diferença social. O problema português ao redor do
mundo. Confira!
se torna distinguir as variáveis linguísticas das variáveis sociais
correspondentes. (CALVET, 2002, p. 89-90, grifos do original) Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=_f7HOH1igAg. Acesso
em: 18 dez. 2020.
Sabemos, por exemplo, que vogais no português brasileiro po-
dem ser abertas ou fechadas em diferentes locais do país. É o caso
da palavra seleção. Talvez você fale essa palavra com o primeiro e Glossário
aberto, algo como séleção, ou talvez você fale com o e fechado: sêle- isomorfo: diz-se do objeto
ção. Outro exemplo muito clássico são as diferentes palavras para que tem a mesma forma de
outro; nesse caso, palavras que
o mesmo objeto. Como você chama a mandioca? Aipim? Macaxeira? possuem a mesma forma.
Ou ainda por outro nome?

Porém, além da existência dessas diferenças, Calvet (2002) afirma


que elas demarcam uma distinção que é social, fazendo com que
variantes da língua sejam avaliadas como superiores ou inferiores.
Como exemplo, se analisamos o falar da periferia e o de um juiz,
saberemos que, socialmente, haverá maior peso para o falar do juiz,
como se essa variante fosse a correta, a de mais valor. Esse pensamento
traz um preconceito que é forjado nas relações de poder da sociedade,
pois denota que não é apenas a variante do juiz que é supervalorizada
em detrimento da fala da periferia, mas sim que sua posição social
é classificada como de maior peso pela sociedade, e, portanto, sua
variante linguística também o é (POSSENTI, 1996).

Esse pensamento faz com que haja uma variante que por anos foi
identificada como culta, classificando indiretamente todas as outras
variantes como incultas. Hoje, vemos um movimento que tenta retirar
essa valoração dessa diferenciação. Por isso, atualmente nos referimos
às normas da gramática como norma padrão, não mais como culta.
Assim, pelo menos, entendemos que há um padrão gramatical, e que,
do ponto de vista teórico, esse padrão não teria maior peso sobre os
outros falares. Logicamente na prática não funciona tão bem assim.

Linguagem oral e leitura 47


Vídeo Há ainda muito preconceito linguístico com variantes menos presti-
O linguista Marcos giadas da língua portuguesa. Porém, muitas dessas são parte, inclusive,
Bagno é grande defensor
da sociolinguística e do processo de evolução da língua.
da necessidade de
entendermos a língua Marcos Bagno (2007) diz que falantes que fazem trocas de /l/ por /r/,
enquanto uma prática na verdade, fazem um processo muito parecido com os falantes lusita-
social, permeada pelas
mesmas relações nos de muito tempo atrás, quando da modificação da língua. Conforme
de poder que estão
presentes na nossa
Bagno (2007, p. 41, grifos do original):
sociedade. Na entrevista
Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem Cráudia, chicrete
a seguir, publicada pelo
canal PNAIC UFSCar, e pranta têm algum “defeito” ou “atraso mental”, seríamos for-
ele discorre sobre o çados a admitir que toda a população da província romana da
preconceito linguístico
e as suas raízes nas
Lusitânia também tinha esse mesmo problema na época em que
problemáticas socio- a língua portuguesa estava se formando. E que o grande Luís de
-históricas do Brasil.
Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu
Disponível em: https:// ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que é considerada
www.youtube.com/
watch?v=UbdSNWv9XDQ. Acesso até hoje o maior monumento literário do português clássico, o
em: 18 dez. 2020. poema Os Lusíadas. E isso, é “craro”, seria no mínimo absurdo.

Ou seja, muito do que as pessoas entendem por “erro”, na verdade


são processos naturais da língua. O que devemos sempre lembrar é que o
que é considerado “erro” vem acompanhado de um lugar socio-histórico.
Atividade 2
As variações podem ser, então, de natureza interna ou externa à
Você sabe o que é preconceito
linguístico? Explique com suas língua. Observe o quadro a seguir.
palavras.
Quadro 5
Classificação das variações de natureza interna e externa à língua

Natureza Variação Características Exemplos


Estudos geolin-
guísticos tentam
Bergamota; vergamo-
explicar a diversi-
Internas Lexical ta; tangerina; mimosa;
dade no léxico e
morgote
do uso das pala-
vras do PT-BR

(Continua)

48 Neurociência e Linguagem
Natureza Variação Características Exemplos
/l/ por /r/ (Cleusa –
Rotacionismo
Creusa)
/lh/ por /l/ (palha – pa-
Despalatalização
lia)
Quando um som se
Iotacionismo transforma em /i/ (mu-
lher – muié/folha – foia)
Ditongo se transfor-
Monotongação ma em vogal (pouco
– poco)
Vogais que se encon-
tram antes da sílaba
Alçamento das vo-
tônica acabam tendo a
gais médias
posição da língua ele-
vada (menino – minino)

Fonológica Inserção de uma vogal


Epêntase vocálica entre consoantes (psi-
cologia – pisicologia)
Consoante lateral se
Vocalização transforma em vogal
(Brasil – Brasiu)
Transformação de um
Desnasalização fonema nasal em oral
(viagem – viage)
Um fonema que se
transforma em fonema
Palatalização
palatal (família – fami-
lha)
Um som influencia o
outro, aproximando
Assimilação
os fonemas (correndo –
correno)

Variações que Morfofonológica: “tu


ocorrem no nível anda” (ao invés de “tu
Morfofonológica
do morfema e que andas”)
podem ter interfa- Morfossintática: “os
Morfossintática ce com o fonema menino bonito” (os
e com a sintaxe. meninos bonitos)
A cena a que me re-
Construções rela-
feri…/A cena que me
tivas
referi…
Sintática
Nós fomos ao parque/
Preenchimento do
Fomos ao parque/A
sujeito anafórico
gente foi ao parque
(Continua)

Linguagem oral e leitura 49


Saiba mais
Natureza Variação Características Exemplos
Você sabia que desde o
início do século XX havia
E vi-a na rua/Eu a vi
Posição do clítico
discussões a respeito na rua
de uma padronização Construções pas- Vende-se casas/ Ven-
na escrita da língua sivas dem-se casas
portuguesa, para que
todos os países falantes da Uso de conectivos
Variações que se como: aí, daí, então
língua pudessem adotar
Discursiva expressam no tex-
em seus documentos Expressões: bah, pô,
oficiais, mas que o Brasil to e no discurso
pronto, eita
só passou a integrar essas
discussões na metade do Pronúncias como /e/
século XX? O novo Acordo e /é/ ou /o/ e /ó/, utili-
Variante com ori-
Ortográfico da Língua Regional zadas em uma mesma
Portuguesa entrou em
gem geográfica
palavra por falantes de
vigor no Brasil em 2016. regiões distintas
Para saber mais, acesse o
Portal da Língua Portuguesa Externas Grau de escolaridade, nível socioeconômico,
Social
e entenda melhor a gênero e idade.
história do acordo. Registro formal x re-
Disponível em: http://www. gistro informal que um
portaldalinguaportuguesa.org/ mesmo falante pode
Depende da situa-
acordo.php. Acesso em: 18 dez. alterar em diferentes
Estilística ção e dos papéis
2020. situações. Por exem-
do falante
plo: em casa com os
amigos e na empresa
com o chefe.
Comunicação falada é espontânea; comu-
nicação escrita é planejada e necessita de
Fala x escrita
regras para compreensão, pois não possui
a interação direta.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Coelho, 2010, p. 45-76.

Ressaltamos, portanto, que a língua é mutável, tanto ao longo do


tempo quanto por situações sociais que providenciam que mudanças
ocorram também dentro de um mesmo período histórico. Essas varia-
ções ocorrem sempre como uma concorrência, cada variante lutando
por seu espaço na comunidade de falantes de língua portuguesa.
As línguas […] mudam; elas mudam sob o efeito de suas estru-
turas internas, de contatos com outras línguas e atitudes linguís-
ticas. Mas também é possível fazê-las mudar, intervir em sua
forma. A ação sobre a língua pode ter diferentes objetivos, sendo
os mais freqüentes: a modernização da língua (na escrita, no léxi-
co), sua “depuração” ou defesa. (CALVET, 2002, p. 148)

Então, conforme Calvet (2002), a ação das pessoas sobre a língua tem
objetivos, entre eles, a modernização da língua, que podemos visuali-
zar no novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (BRASIL, 2014).

50 Neurociência e Linguagem
A defesa da língua vem muitas vezes por aqueles que não conseguem Livro
entender que as mudanças são inevitáveis em uma língua, afinal, quan- Para entender como
funciona a língua do
tas palavras estrangeiras já estão em nosso vocabulário? Há ainda ponto de vista da socio-
aqueles que pensam em depuração, querem um padrão de língua que linguística e compreender
mais sobre o preconceito
é próprio da classe social da qual fazem parte, tentando fazer com que linguístico, sugerimos a
variantes menos prestigiadas sejam diminuídas, configurando assim leitura do livro A língua de
Eulália: novela sociolin-
um preconceito linguístico.
guística. Na trama, três
estudantes universitárias
Uma coisa é certa, a língua não é apenas uma faculdade cognitiva,
encaram diferentes
embora seja dependente da cognição. Ela é um produto da e para a realidades linguísticas,
entendendo melhor
sociedade, funcionando como um veículo de valores, ideias e conheci-
sobre a própria língua.
mentos, mas também de exclusão.
BAGNO, M. São Paulo: Contexto,
1997.

2.3 Cérebro leitor


Vídeo O cérebro humano apresenta uma assimetria que se produz já no
processo formativo do sistema nervoso, durante o terceiro trimestre de
gestação. Essa assimetria permite que o hemisfério esquerdo se especia-
lize na linguagem e, assim, com o processo linguístico se formando no he-
misfério esquerdo, há uma vantagem de processamento. Mais tarde, ao
longo da vida, essa forma unilateral de processamento da linguagem se
torna muito eficaz para o aprendizado da leitura, da escrita e da pronúncia
uma vez que a informação não precisa ser duplicada no hemisfério direito,
cortando um caminho e tornando o processo mais veloz (DEHAENE, 2012).

Seguramente que esse processo de diferenciação dos hemisférios


não acontece da mesma forma no desenvolvimento de todos os fetos,
alguns talvez não terão a mesma assimetria que outros, indicando
possíveis dificuldades relacionadas à linguagem no futuro.

Durante o processo de leitura, o nosso cérebro ativa um complexo


sistema especializado de conexões neurais. Essa organização neural
decide quais partes do cérebro serão utilizadas para processar os com-
ponentes da leitura, como a área de Broca ou Wernicke. Assim, a leitura
se faz em cima de módulos que se formam com base nas ligações neu-
rais entre as áreas neurais de leitura (DEHAENE, 2012).

Os módulos de leitura são áreas cerebrais que desenvolveram dife-


rentes especialidades, e dentro de cada módulo há ainda mecanismos
especializados de subprocessamento.

Linguagem oral e leitura 51


Figura 4
Módulos de leitura Adap
tad
ad
eJ
oly
go
n/

Sh
ut
te r
sto
ck
Módulo auditivo
Módulo
visual

O módulo auditivo é localizado na frente do cérebro e fica a cargo do processamento dos sons
da fala. Subprocessamento: sons e pronúncia. O módulo visual é localizado na parte posterior do
cérebro, sendo responsável por acessar as imagens visuais. Subprocessamento: letras e palavras.

Vamos nos aprofundar nesses módulos para compreender melhor


como a leitura funciona.

2.3.1 Módulo auditivo


O módulo auditivo se subdivide em pronúncia de uma palavra com-
pleta e fonemas e localiza-se no lobo temporal esquerdo. Para Dehane
(2012, p. 121, grifos do original),
a via da decodificação grafema-fonema implica essencialmente
as regiões superiores do lobo temporal esquerdo, as quais nós
sabemos que são principalmente implicadas na análise da repre-
sentação dos sons, notadamente, dos sons da fala, assim como
o córtex frontal inferior e pré-central esquerdo, que intervêm na
articulação. É no nível do lobo temporal que as letras vistas e o
sons ouvidos se encontram. […] Constata-se que toda uma parte
do lobo temporal é ativada, diante da visão de uma letra. Contu-
do, só uma região superior do lobo temporal, conhecida sob o
nome latino de planum temporale, reage à compatibilidade entre
as letras e os sons: a escuta de um som compatível com a letra
aumenta a atividade dessa região, enquanto um conflito entre a
letra e o som se traduz por uma redução da atividade.

52 Neurociência e Linguagem
Portanto, o módulo auditivo não utiliza toda a área referente à au-
dição, mas sim algumas partes que fazem o reconhecimento dos sons
ligados às formas.

Todas as pronúncias de palavras que vamos aprendendo ao longo Atividade 3


da vida ficam armazenadas em estreita correlação com o módulo audi- Explique a relação existente
tivo. A importância do módulo auditivo na leitura se torna visível quan- entre aprendizado da leitura e a
linguagem oral.
do compreendemos que, para o aprendizado da leitura em si, a criança
precisa ter desenvolvido antes uma fluência verbal. Dessa forma, antes
de uma leitura, é preciso que a criança desenvolva as redes ligadas ao
reconhecimento dos sons das letras e das palavras como um todo. So-
mente com base na pronúncia, a criança conseguirá estabelecer liga-
ções neurais para a palavra escrita, isto é, a parte visual da linguagem.

Ainda no módulo auditivo, outro subprocesso muito importante é o


reconhecimento dos sons de cada letra/grafema. Esse componente ar- Curiosidade
mazena a representação dos sons de cada letra. Ao ganhar consciência Como ensinamos a consciência
fonêmica? Atividades e jogos
fonêmica, as crianças se tornam capazes de quebrar a pronúncia das
divertidos são sempre a melhor
palavras em unidades menores de som. Com base nesse conhecimen- estratégia. Imagens ou objetos
to, passam a compreender que as palavras são compostas por unida- podem ser utilizados em um
jogo para fazer com que a
des menores de som, as quais podem ser manipuladas, entendendo
criança entenda a ligação dos
que é possível formar diferentes sílabas e palavras com os mesmos sons. Por exemplo, você pode
sons, desenvolvendo também consciência fonológica, além da fonêmi- mostrar à criança uma bola e
pedir que ela diga uma palavra
ca. Essas consciências são necessárias para o aprendizado da leitura, que começa com a letra b, mos-
uma vez que preparam o cérebro para o processo de decodificação. A trando o objeto e ajudando-a a
consciência fonêmica também pode indicar se a criança desenvolverá realizar a ligação entre o fonema,
a palavra e o objeto.
a leitura de maneira tranquila ou não no futuro.

2.3.2 Módulo visual


O reconhecimento das imagens se dá na parte posterior do cérebro,
onde a imagem se forma, e possui dois subprocessos: reconhecimento
da forma da letra e reconhecimento da palavra por inteiro.

O subcomponente do módulo visual envolve reconhecer a palavra


em sua totalidade. Por exemplo, crianças que ainda não leem são ca-
pazes de reconhecer palavras pela forma, pela cor e pelo tamanho. Isso
ocorre na identificação de marcas como Coca-Cola, ou McDonald’s. Elas
reconhecem não por saberem ler, mas por terem armazenado a forma

Linguagem oral e leitura 53


e a cor dessas palavras. Assim, ao ver a palavra McDonald’s, o cérebro
acessa a forma, na parte posterior do cérebro, e envia a informação
para frente, para o módulo auditivo, para o componente de pronúncia
das palavras, encontrando a pronúncia de McDonald’s.
Curiosidade Outras possibilidades de associação são placas de trânsito, nomes
Um atividade para ajudar as de desenhos animados aos quais estão acostumados, entre outras pa-
crianças a entenderem que lavras que, mesmo não sabendo ler, as crianças já conseguem reco-
as palavras são formadas por
unidades menores de som são nhecer. Esse tipo de leitura se qualifica como estágio logográfico de
as cantigas com a marcação aprendizagem da leitura, em que a criança se lembra das palavras com
das sílabas. Pode-se utilizar
base nas suas características gráfico-visuais.
palmas para marcar cada sílaba
cantada, indicando para a crian- O segundo subprocesso tem a tarefa de identificar as letras
ça que as palavras podem ser
decompostas. do alfabeto. O cérebro reconhece as letras inicialmente por um
processamento espacial, isto é, pelo espaço ocupado na página. Isso
acontece para que o cérebro aprenda a forma das letras, o que pode
acarretar algumas letras escritas ao contrário, pois o cérebro ainda está
se adaptando ao processo.
Saiba mais Diferentemente da fala, a leitura não é um processo natural, pois
Para ajudar as crianças na leitura só foi inventada muitos milênios após o advento da fala, e nossos cé-
e no reconhecimento das formas
rebros não evoluíram a ponto de terem as vias de leitura formadas
das letras, é preciso investir em
atividades multissensoriais. Uma de maneira inata. A leitura precisa de ensino e estímulo de professo-
boa atividade é pedir às crianças res, pais e responsáveis. Além disso, um bom preparo para a leitura
para desenharem as letras com
leva em conta atividades lúdicas que ativem os módulos visual e au-
seus dedos em pequenas caixas
de areia, sentindo o formato ditivo, iniciando o processo formativo dos circuitos entre esses dois
da letra. Se a criança está só módulos (DEHAENE, 2012).
começando, você pode colocar
um papel vazado com o formato Ao adquirir as habilidades em cada um dos módulos, os circui-
da letra em cima da caixinha de tos vão se firmando. Assim, a leitura vai se estabelecendo como um
areia para que o aluno desenhe.
circuito que ativa inicialmente o módulo visual, encaminhando as
informações para o módulo auditivo, ou seja, o processo envolve a
percepção visual da palavra na parte posterior do cérebro e o ma-
peamento do som ligado a essa percepção visual na parte anterior
do cérebro, no módulo auditivo.

Logo, há um fluxo na leitura, da parte de trás para a parte da frente


do cérebro. Esse fluxo acontece em dois circuitos distintos: o superior
e o inferior, conforme representação na Figura 5.

54 Neurociência e Linguagem
Figura 5
Circuitos da leitura

rstock
n/S
hutt
e
Circuito superior
go
J o ly
a de
d
ta
ap
Ad

Módulo
visual

Módulo auditivo
Circuito inferior

Vamos ver mais detalhadamente cada um dos circuitos a seguir.

2.3.3 Circuito superior ou decodificação


Esse circuito está envolvido em decodificar cada som das palavras,
quebrando a palavra em pequenas unidades de som para compreen-
dê-la. Podemos entender esse processo como uma conversão do grafe-
ma para o fonema, iniciando no componente de identificação das letras
do módulo visual, o qual faz uma análise da sequência das letras na
palavra. A seguir, essa análise é enviada ao componente de reconheci-
mento dos fonemas no módulo auditivo.

Por esse circuito, cada letra é mapeada com seu som corresponden-
te, para que a palavra toda possa ser decodificada. Esse processo só é
possível após a aprendizagem de que há relações entre a letra e o som.
O início da alfabetização proporciona que esse circuito se forme, e é
preciso que ele se firme para que o circuito inferior possa se desenvol-
ver com excelência. À medida que vamos aprendendo a pronúncia das
palavras e armazenando-as no circuito inferior, a decodificação vai se
enfraquecendo, embora continue sendo ferramenta poderosa para a
compreensão de palavras novas e também de outras línguas.

Linguagem oral e leitura 55


2.3.4 Circuito inferior ou acesso direto
Esse circuito conecta o componente de reconhecimento da palavra
ao módulo visual, enviando a informação para o componente de pro-
núncia da palavra no módulo auditivo. A decodificação de cada letra
aqui não se faz necessária, pois o acesso direto armazena algo como
imagens instantâneas das palavras, fazendo com que o acesso à pro-
núncia da palavra como um todo seja muito mais rápido.

Há duas formas de se criar representações das palavras no dicioná-


rio cerebral localizado no circuito inferior. A primeira é a aprendizagem
da palavra por associação do significado, sem a necessidade de deco-
dificação, como em McDonald’s, que a criança não precisa organizar o
som de cada letra para lembrar da pronúncia, pois fez uma associa-
ção da forma daquela palavra com a rede de fast-food. A segunda é o
aprendizado por decodificação dos sons presentes na palavra, realiza-
do no circuito superior, permitindo que se forme uma conexão entre a
identificação da forma da palavra e a pronúncia (DEHAENE, 2012).

Livro Já no fim da adolescência deveríamos ter os dois circuitos amadure-


Se você quiser ter outra cidos. Assim, enquanto leitores fluentes, o circuito inferior tem o con-
visão sobre os processos
cognitivos de leitura, trole da leitura, provendo acesso direto à pronúncia das palavras já
indicamos o livro O armazenadas, tornando a leitura eficaz. Enquanto isso, o circuito supe-
aprendizado da leitura, em
que a autora analisa as rior será ativado quando nos depararmos com uma palavra nunca an-
diferentes vias de leitura
tes vista e, assim, teremos que decodificar cada som para pronunciá-la.
por outros conceitos.

KATO, M. São Paulo: Martins Fontes, Para um leitor iniciante, porém, cujo vocabulário visual ainda é
1990. muito limitado — mesmo para aqueles alfabetizados pelo mé-
todo global —, o processo de leitura envolve muito pouco re-
conhecimento visual instantâneo, consistindo a leitura, mais
frequentemente, em operações de análise e síntese, sendo a
apreensão do significado mediada quase sempre pela decodifi-
cação em palavras auditivamente familiares. (KATO, 1990, p. 26)

Portanto, a criança em processo de alfabetização precisa ser estimulada


tanto a decodificar quanto a armazenar instantâneos das palavras já conhe-
cidas, de modo que aos poucos possa ampliar sua capacidade de leitura.

56 Neurociência e Linguagem
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Esperamos que este conteúdo tenha ajudado a compreender o pa-
norama geral do funcionamento da linguagem oral e da leitura. Partindo
desse conhecimento, das leituras e dos vídeos indicados, é possível se
aprofundar cada vez mais para compreender o processo da linguagem.
Ao entender que é necessário o aprendizado sólido dos sons para
haver base para a leitura, o processo de alfabetização se torna menos
complexo, iniciando-se ainda na aquisição da linguagem oral, permi-
tindo a intervenção desde cedo para ajudar as crianças a se tonarem
leitores competentes.

REFERÊNCIAS
BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 49. ed. São Paulo: Edições Loyola,
2007.
BRASIL. Acordo ortográfico da língua portuguesa: atos internacionais e normas correlatas.
2. ed. atual. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2014. Disponível
em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/508145/000997415.
pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 15 dez. 2020.
CALVET, L. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.
COELHO, I. Sociolinguística. Florianópolis: LLV; CCE; UFSC, 2010.
DEHAENE, S. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler.
Porto Alegre: Penso, 2012.
KANDEL, E. R. et al. Princípios de neurociências. 5. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.
KATO, M. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. 2. ed. Rio de
Janeiro: Atheneu, 2010.
MARTINEZ, A. M. B.; ALLODI, S.; UZIEL, D. Neuroanatomia essencial. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2015.
PINKER, S. O instinto da linguagem: como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado das Letras,
1996.
SILVA, T. C. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 7 ed.
São Paulo: Contexto, 2003.

GABARITO
1. Ao começarmos a exercitar nossa língua materna, nosso aparelho fonador vai se es-
pecializando nos sons presentes nessa língua, perdendo a capacidade de promover
padrões motores de fala diferentes daqueles já aprendidos.

Linguagem oral e leitura 57


2. O preconceito linguístico se configura como uma discriminação por formas de comu-
nicação, sejam escritas ou faladas, sem a compreensão de que há diferentes varian-
tes em uma língua. Isso acontece porque, socialmente, há uma variante com maior
peso e valor, a língua padrão. Portanto, o preconceito linguístico também gera ex-
clusão social, pois não reconhece as diferentes línguas do povo como válidas, e sim
como inferiores.

3. Para que a leitura seja possível, é preciso inicialmente aprender os sons da língua por
meio da linguagem oral, pois a leitura necessitará do reconhecimento dos fonemas
ligados aos símbolos gráficos no papel para poder se realizar.

58 Neurociência e Linguagem
3
Aquisição da escrita
A linguagem escrita nos envolve a todo momento. Está no
trânsito, no trabalho, na igreja e na escola, em todas as relações,
da tese científica à lista de mercado. Ela nos possibilita adquirir
conhecimentos e permite encontros com outras culturas e visões
que, sem ela, não seriam possíveis. Por meio da escrita viajamos,
amamos e odiamos.
Portanto, neste capítulo vamos nos debruçar sobre os proces-
sos de aprendizagem da escrita, entendendo a importância de se
discutir sobre métodos de ensino e compreendendo que, mesmo
necessitando de um caminho, o caminho não pode ser o método
apenas, e sim o olhar para o aluno que está aprendendo a escrever.

3.1 Processo de aquisição da escrita


Vídeo O surgimento da escrita foi um marco na história da humanidade.
Antes, contávamos com contadores de histórias e pessoas com boa
memória para guardar informações sobre o mundo e a vida. Mas o
cérebro humano só guarda certa quantidade de informações, não tem
Vídeo a capacidade de guardar tudo. Assim, a língua escrita foi um grande
O vídeo A história da auxílio para nosso cérebro. Porém, em seus primórdios, esteve restri-
escrita foi idealizado e
produzido por uma escola
ta a alguns poucos suficientemente ricos e livres para aprendê-la. Foi
para ensinar às crianças a somente muito tempo depois e com auxílio da invenção da impressão
história da escrita. Publi-
cado pelo canal TV Trilhas,
que a língua escrita começou a se difundir, mas sempre com a barreira
é ao mesmo tempo expli- social imposta àqueles que não tinham condições de frequentar esco-
cativo e lúdico, tanto para
as crianças quanto para
las, em especial pessoas escravizadas, pobres e mulheres.
os adultos. É uma ótima
Então, se pensarmos que a escrita precisou ser “inventada” e demo-
forma de compreender
como a escrita evoluiu e rou tanto tempo para ser difundida para uma grande quantidade de
ter um material para as
pessoas, será que ela é uma habilidade natural do ser humano? Alguns
aulas em seu acervo.
linguistas da década de 1970, como Frank Smith e Kenneth Goodman,
Disponível em: https://
www.youtube.com/ formularam teorias interessantes acerca da naturalidade da leitura e
watch?v=yzbWClcROPo. Acesso em:
18 dez. 2020.
Aquisição da escrita 59
Vídeo
da escrita, de acordo com as quais a criança aprenderia a ler e a escre-
A invenção de Johannes
ver de maneira muito próxima à fala, por aproximações e atribuições
Gutenberg revolucionou
o mundo da escrita e da de sentido às formas no papel (SOARES, 2018).
alfabetização, pois possi-
bilitou que mais pessoas O construtivismo, teoria que entende a criança como sujeito ativo
tivessem acesso às letras,
do aprendizado, também acreditava que aprender a ler e escrever seria
em especial à Bíblia.
Assista ao vídeo Como a um processo natural, mas que se distinguiria da linguagem oral pelo
prensa de Gutenberg mu-
uso. Ou seja, há diferenças entre como se empregam as linguagens
dou o mundo, publicado
pelo canal Dobra Espacial, oral e escrita, as quais refletem como o ambiente reage ao aprendizado
e descubra como a pren-
da criança, isto é, como os pais auxiliam a criança nessa aproximação
sa de Gutenberg realizou
essa revolução. com a linguagem. Assim, para o construtivismo não seria necessária
Disponível em: https:// uma estruturação para o aprendizado da língua escrita, pois ela seria
www.youtube.com/ aprendida naturalmente.
watch?v=4p6aH7n26pA. Acesso
em: 18 dez. 2020. No entanto, com base nos estudos da linguística e da psicologia cog-
nitiva, chegou-se à conclusão de que aprender a ler não é tão natural
quanto aprender a falar. Se observarmos diferentes línguas do mundo,
veremos que algumas ainda não possuem sistema de escrita ou somente
agora estão adequando sua língua oral a um sistema de representação.

Além disso, o ser humano levou muito tempo para desenvolver a


Saiba mais
linguagem oral, precisando de um processo evolutivo que propiciasse
Ainda hoje podemos
encontrar línguas que a linguagem humana oral em nosso cérebro. O mesmo não aconteceu
não possuem escrita, com a leitura e a escrita, que precisaram de muito mais tempo para
como algumas línguas
indígenas de tribos serem aprendidas pelo ser humanos, o que nos leva a crer que o cé-
sul-americanas, em que a rebro ainda não evoluiu a ponto de aprender a leitura e a escrita com
passagem do oral para a
escrita vem acontecendo naturalidade (HARARI, 2018).
progressivamente, em
especial com pessoas
A escrita precisa sim ser ensinada, e isso deve ocorrer de uma for-
que, após retornarem de ma organizada para que a criança consiga sistematizá-la e fazer uso de
seus estudos, voltam às
suas aldeias e promovem
suas regras. Essa sistematização precisa levar em conta que a língua é,
o trabalho de sistemati- ao mesmo tempo, um sistema notacional e de representação.
zação da língua oral de
sua etnia. Esse é o caso Sistema de representação porque a escrita primeiro representa coi-
da língua paiter. Para
entender melhor como
sas externas a ela, como animais, objetos, seres, sentimentos, ações
se dá esse trabalho, leia etc., e as marcas na página representam sons da língua oral. Dessa
a matéria da revista Nova
Escola no link a seguir.
forma, a língua escrita é arbitrária – não há uma relação de causalidade
entre a letra, o som e o objeto –, convencional – um sistema conven-
Disponível em: https://novaescola.
org.br/conteudo/2536/nasce-o- cionado pelas pessoas para que se tenha uma uniformidade no uso –,
registro-escrito-de-uma-lingua-
e sistemática – o significado de cada letra/som só faz sentido dentro de
indigena. Acesso em: 18 dez. 2020.
um sistema da língua (SOARES, 2018).

60 Neurociência e Linguagem
É ainda um sistema notacional porque a língua escrita é formada
por um conjunto finito de símbolos que podem se repetir no papel,
isto é, temos na língua portuguesa um conjunto de vogais, consoantes,
marcas gráficas (como acentos, pontuação etc.) e números que formam
um conjunto de elementos pertencentes unicamente a nossa língua.

E o que está implicado no aprendizado da escrita a nível cerebral?


Bem, as vias de leitura vão se estabelecendo como alicerces também
para a escrita, pois, por meio de decodificação e acesso direto, a crian-
ça aprende a encontrar os sons e as formas correspondentes às letras
para reproduzi-las. Ou seja, tanto escrita quanto leitura se baseiam em
sistemas já desenvolvidos no ser humano – a visão e a audição.

Para que o aprendizado de leitura ou escrita aconteça, é preciso um


amadurecimento cerebral, que decorre do processo natural do desen-
volvimento do ser humano, pois é necessário que as experiências da
criança promovam aprendizados anteriores à leitura e à escrita.

Diversos teóricos estudaram as diferentes fases do desenvolvimen- Atividade 1


to e seu impacto no aprendizado da escrita. De acordo com Soares O ser humano aprende a língua
(2018), podemos dividir essas teorias entre aquelas que tentam des- escrita de maneira natural,
como ocorre com a língua oral?
cobrir a “pré-história” da aquisição da língua, ou seja, como a criança Justifique.
aprende a linguagem antes mesmo do ensino formal, e aquelas que
estudam o aprendizado formal da língua. As primeiras têm como foco
o sujeito da aprendizagem, enquanto as segundas enfocam o objeto,
isto é, a língua em si.

Assim, temos de um lado representantes como Vygotsky, Kress, Luria,


Ferreiro e Gentry, e de outro teóricos como Frith e Ehri. Vejamos então
como esses diferentes estudiosos entendem a aquisição da escrita.

3.1.1 Enfoque na pré-história da linguagem


Liev Vygotsky (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 1988) e Gunther Kress
(1997) não dividem o aprendizado da escrita em fases, mas influenciam
autores que o fazem. Ambos trazem uma perspectiva semiótica, isto
é, do entendimento da importância dos significados no aprendizado
da língua. Vygotsky acreditava que todas as experiências infantis de
brincadeiras, desenhos e rabiscos deveriam ser entendidas como uma
pré-história do processo de alfabetização. Essas experiências construi-
riam uma base de representação do mundo, pois na interação a crian-

Aquisição da escrita 61
ça atribui sentido aos signos à sua volta, sejam eles concretos, como os
brinquedos, ou abstratos, como as regras.

Com base no pensamento de Vygotsky, Kress formulou uma teoria


sociossemiótica dos processos de representação, segundo a qual as
crianças constroem, de diversas formas, significados sobre o mundo,
sendo capazes de produzir signos e formas variadas que darão base
1
para a escrita formal. De acordo com o autor:
Signs arise out of our interest
at a given moment, when we os sinais surgem de nosso interesse em um determinado mo-
represent those features of mento, quando representamos aquelas características do objeto
the object which we regard as que consideramos como definidoras desse objeto naquele mo-
defining of that object at that mento […]. Esse interesse é sempre complexo e tem origens fi-
moment […]. This interest
siológicas, psicológicas, emocionais, culturais e sociais. Ele obtém
is always complex and has
physiological, psychological, seu foco de fatores no ambiente em que o sinal está sendo feito.
emotional, cultural and social Nunca representamos “todo o objeto”, mas apenas certos as-
origins. It gets its focus from pectos criteriais. Mesmo em representações adultas altamente
factors in the environment in realistas, apenas certos aspectos selecionados são representa-
which the sign is being made. dos – nunca “a coisa toda”. [...] Nessa concepção, os signos são
We never represent ‘the whole
relações motivadas de forma e significado, ou para usar a termi-
object’ but only ever certain
criterial aspects. Even in highly nologia semiótica, de significantes e significados. Os criadores de
realistic adult representations signos usam para a expressão de seu significado aquelas formas
only certain selected aspects are que melhor sugerem ou carregam o significado, e o fazem em
represented – never ‘the whole qualquer meio em que façam sinais. [...] A linguagem não é ex-
thing’. […] In this conception,
ceção a isso; as formas linguísticas também são usadas de ma-
signs are motivated relations
of form and meaning, or to neira motivada na representação e comunicação de significados.
1
use semiotic terminology, of (KRESS, 1997, p. 11-12, tradução nossa)
signifiers and signifieds. Makers
of signs use those forms for the Assim, ao atribuir sentidos e compreender que sons também repre-
expression of their meaning sentam o mundo, a criança conceitua a escrita enquanto um sistema
which best suggest or carry the
de representação e notacional.
meaning, and they do so in any
medium in which they make Com o mesmo entendimento de Vygotsky e Kress, Alexander Luria
signs. […] Language is no
também compreendia que a criança chegava à escola com habilidades
exception to this; linguistic forms
are also used in a motivated adquiridas que serviriam para que ela passasse para o próximo estágio,
manner in the representation o de uma escrita formal. Por meio de experimentos, Luria chegou a qua-
and communication of meaning.
tro estágios do desenvolvimento da escrita, conforme a figura a seguir.

62 Neurociência e Linguagem
Figura 1
Estágios da escrita de Luria

Tipos de marcas no papel Função da marca

Estágio
1 Garatujas e rabiscos Não auxiliam a crian-
ça a lembrar o que foi
“anotado”.

Estágio
2 Ajudam a criança a
Marcas não diferenciadas
lembrar alguma coisa
entre as marcas feitas.

Estágio
3 Rabiscos curtos para Demonstram percepção
palavras e rabiscos dos sons da fala.
longos para frases

Estágio

Biw3ds/Shutterstock
4 Passagem da marca no
Marcas com conteúdo
papel para um signifi-
cado atribuído a essa
marca.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vygotsky, Luria e Leontiev, 1988.

Artigo

https://www.scielo.br/pdf/ep/v36nspe/v36nspea09.pdf

Indicamos a leitura do artigo Contribuições da perspectiva histórico-cultural de


Luria para a pesquisa contemporânea, de Marta Kohl de Oliveira e Teresa Cris-
tina Rego, publicado na revista Educação e Pesquisa, para uma visão mais
aprofundada da importância dos estudos de Alexander Luria na compreen-
são do desenvolvimento infantil em uma perspectiva histórico-cultural.

Acesso em: 18 dez. 2020.

Aquisição da escrita 63
Portanto, para Luria, a criança inicia seu processo de alfabetização
com marcas indistintas que não a auxiliam a lembrar do que estava
pensando quando escreveu, mas que a encorajam a perceber que
pode fazer marcas que a auxiliarão. Em seguida, passa para o segundo
estágio, quando consegue lembrar de uma ou outra coisa, com base
em suas marcas. Já estabelecido esse processo, a criança passa a iden-
tificar que há sons longos e curtos, palavras e frases, e que pode re-
presentar essa distinção por meio de suas marcas no papel, até que,
chegando ao quarto estágio, compreende que um símbolo pode signifi-
car algo, adentrando, depois, no processo de alfabetização formal, não
descrito por Luria, pois para ele:
antes que a criança tenha compreendido o sentido e o meca-
nismo da escrita, já efetuou inúmeras tentativas para elaborar
métodos primitivos, e estes são, para ela, a pré-história de sua
escrita. Mas mesmo estes métodos não se desenvolvem de ime-
diato, passam por um certo número de tentativas e invenções,
constituindo uma série de estágios. (VYGOTSKY; LURIA; LEON-
TIEV, 1988, p. 188)

Para Luria, então, o processo de aquisição da escrita se inicia mui-


to tempo antes, com aproximações e tentativas de marcas gráficas
e de representação da língua oral por meio de desenhos no papel.
Assim, convém ao professor entender as fases anteriores da apren-
dizagem formal da escrita para identificar se o aluno já dominou as
habilidades necessárias.

Na mesma linha de pensamento de uma pré-história da escrita, es-


tão as pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky. Porém, diferen-
temente de Luria, as pesquisadoras enfocam os processos cognitivos
subjacentes ao aprendizado da escrita, inserindo na discussão a faceta
linguística do processo de alfabetização. De acordo com Soares (2018,
p. 62, grifos do original),
diferenciam-se em relação ao objeto de conhecimento privile-
giado: na pesquisa de Luria, o foco é posto nos grafismos utili-
zados pela criança como instrumento; na pesquisa de Ferreiro
e Teberosky, o foco é posto nos processos cognitivos da crian-
ça em sua progressiva aproximação ao princípio alfabético de
escrita, ou seja, o objeto de conhecimento é a escrita como um
sistema de representação.

64 Neurociência e Linguagem
Portanto, para Ferreiro e Teberosky era importante considerar tanto a
leitura quanto a escrita em seu desenvolvimento, visto que são habilida-
des conjuntas na aquisição desse sistema de representação, sendo que a
leitura é um processo que começa antes mesmo de se aprender a ler, iden-
tificando marcas e sons. Assim, com base em suas pesquisas, chegaram a
cinco níveis de desenvolvimento da escrita, conforme a figura a seguir.

Figura 2
Níveis do desenvolvimento da escrita de Ferreiro e Teberosky

Nível 1 Há diferenças entre desenho e es-


crita, com linhas onduladas para
Garatujas representar a letra cursiva e linhas
retas e curvas para representar a
letra de imprensa.

Nível 2
Usa letras, mas sem a correspon-
Pré-silábico
dência com o som.

Nível 3
Usa uma letra para representar
uma sílaba, em geral uma letra
Silábico
que represente um dos fonemas
da sílaba.

Nível 4
Silábico- Faz junção de letras que represen-
-alfabético tam sílabas e de letras que repre-
sentam sons de uma só letra.
Biw3ds/Shutterstock

Nível 5
Há compreensão de que cada le-
Alfabético
tra corresponde a um som.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Ferreiro e Teberosky, 1979.

Como podemos observar, as pesquisadoras procuraram entender


quais etapas a criança experimenta na escrita ao compreender a liga-

Aquisição da escrita 65
ção entre o som e sua representação gráfica. Elas entendem que esses
níveis englobam a compreensão de que há um princípio alfabético, isto
é, de que palavras são formadas por grafemas (letras), os quais, por
sua vez, representam fonemas (sons), priorizando o lado fonológico do
aprendizado (FERREIRO, 2011).

Outro autor proeminente é Richard Gentry, que organizou estágios


de desenvolvimento da escrita com base nas observações de escritas
inventadas por crianças, propondo uma escala que tem como ponto
principal o sistema alfabético, e não os sons das letras. Sua escala se
divide em cinco níveis, conforme a figura a seguir.
Livro
Figura 3
Emília Ferreiro é uma
Escala de desenvolvimento da escrita de Gentry
psicóloga com grande
importância para a
difusão do pensamento
Nível
construtivista no Brasil e
uma crítica dos métodos 0 Garatujas e traços sem
de alfabetização a partir Escrita não alfabética
relação com as letras.
dos anos 1980. Portanto,
o conhecimento de sua
teoria é de grande impor-
tância para professores
Nível
alfabetizadores. Caso
tenha interesse em se 1 Letras começam a ser
aprofundar nessa teoria, utilizadas, mas sem li-
Estágio pré-alfabético
indicamos a obra Psicogê-
gação com seus sons.
nese da língua escrita.

FERREIRO, E. Porto Alegre: Artmed,


2013. Nível
2 Letras representam sons
Estágio parcialmente
de modo parcial.
alfabético

Nível
3 Representação de cada
Estágio plenamente
som com suas letras cor-
alfabético
respondentes, sem do-
mínio de ortografia.

Nível
Biw3ds/Shutterstock

4 Estágio alfabético A criança entende como


consolidado o sistema funciona e do-
mina a ortografia.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Soares, 2018.

Quando observamos os níveis de Gentry, bem como os de Ferreiro


e Teberosky, encontramos muitas semelhanças, com a diferença de

66 Neurociência e Linguagem
que Ferreiro e Teberosky não descreveram um estágio ortográfico em
que a criança já atingiu pleno domínio das regras da língua. Isso ocorre
porque, para as pesquisadoras, no momento em que atinge o nível alfa-
bético, a criança está pronta para o aprendizado das regras pelo ensino
formal. No entanto, ambas priorizam a experiência da criança no pro-
cesso de aprendizagem da escrita na etapa anterior ao ensino formal.

3.1.2 Enfoque na aprendizagem formal da escrita


As teorias de Uta Frith e Linnea Ehri não tratam do desenvolvimento
da leitura e da escrita desde seu início, ou seja, a pré-história da escrita
por meio de experiências pessoais, e sim da aquisição formal, tanto
de leitura quanto de escrita, descrevendo as fases do aprendizado da
alfabetização escolar.

Frith (1985) pesquisou a dislexia – dificuldade de aprendizagem de


leitura – e, em suas investigações, chegou a três fases distintas carac-
terizadas pelas estratégias empregadas pela criança. Cada uma dessas
fases envolve tanto leitura quanto escrita, entendendo que é necessá-
rio o estabelecimento de habilidades em cada fase, representadas por
estágios para que se passe para a próxima. Vamos entender melhor
observando o quadro a seguir.

Quadro 1
Fases e estágios de leitura e escrita para Frith

Fase Habilidade Característica da fase Estágio Característica do estágio

O reconhecimento de palavras
como McDonald’s se dá primeiro
1a na leitura e de modo muito bási-
Reconhecimento da pala- co, com associação por padrões
Habilidades
1 vra por sua forma e uso, visuais óbvios.
logográficas
como em McDonald’s.
Após o reconhecimento de pala-
1b vras por formas mais complexas
é que a escrita pode acontecer.
A habilidade alfabética se mani-
festa primeiro na escrita, com a
2a
aprendizagem de produção das
Decodificação de cada le- letras.
Habilidades
2 tra com a correspondên-
alfabéticas Após o aprendizado da escri-
cia de seu som.
ta da forma das palavras e sua
2b
ligação com o som, é possível
empregar a habilidade na leitura.
(Continua)

Aquisição da escrita 67
A leitura volta a ser a primeira a
3a utilizar a habilidade ortográfica por
Análise da palavra como meio do acesso direto à palavra.
Habilidades
3 um todo, sem decodifica-
ortográficas Após o estabelecimento da leitu-
ção por acesso direto.
3b ra de palavras completas, é pos-
sível escrever as palavras.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Frith, 1985.

Para Frith, então, a aprendizagem da língua se dá pendendo entre


os polos da leitura e da escrita, com base na aquisição de habilidades
que permitem que a criança utilize a língua em suas diferentes facetas.
Assim, Frith demonstra que esse não é um processo paralelo entre o
aprender a ler e a escrever; um interfere no aprendizado do outro por
meio de estratégias desenvolvidas pela criança (SOARES, 2018).

Linnea Ehri (2005) também dá atenção à ligação entre aprendizado


de leitura e de escrita, ampliando a teoria proposta por Frith e enten-
dendo que o ensino de escrita deve se basear em um paradigma fono-
lógico, isto é, que o processo de alfabetização deve se debruçar sobre a
compreensão dos sons da língua.

Assim, Ehri propõe quatro fases do desenvolvimento da escrita, le-


vando em consideração as relações entre sons e alfabeto, conforme a
figura a seguir.

Figura 4
Fases do desenvolvimento da escrita por Linnea Ehri

Andrew Krasovitckii/Shutterstock
Usa marcas e pistas na palavra para
Fase efetuar a leitura; pistas como marca,
pré-alfabética contexto, desenho, cores, letras do
seu nome etc.

Fase Há relações entre escrita e sons,


parcialmente com base nos sons mais salientes
alfabética das palavras.

Com o desenvolvimento de consciência fo-


Fase nêmica, ou seja, reconhecimento dos sons
plenamente da língua e de sua correspondência com as
alfabética formas, a criança consegue reconhecer for-
ma e som correspondente com maestria.

(Continua)

68 Neurociência e Linguagem
Fase
alfabética Leitura fluente.

consolidada

Fonte: Elaborado pela autora com base em Ehri, 2005.

Ehri estabelece sua teoria com base no reconhecimento, pela crian-


ça, dos sons da língua e de sua ligação com as letras correspondentes,
não entendendo a fase chamada de logográfica como uma fase alfa-
bética, uma vez que o conhecimento de sons e letras é ainda muito
precário nessa etapa.

Entendendo que a alfabetização é um processo complexo, podemos Livro


compreender o porquê de tantas teorias do desenvolvimento da escrita. Nos livros intitulados
Alfabetização: a questão
Com base nessas teorias é que os métodos para alfabetização surgem, dos métodos e Alfabetiza-
ora priorizando os fonemas, ora os grafemas; às vezes, ainda, é prioriza- ção e letramento, Magda
Soares faz uma revisão
da a experiência da criança acima de sons ou letras. Agora que você en- dos processos subjacen-
tendeu como a aprendizagem da escrita acontece no sujeito, vamos ver tes à alfabetização e dos
métodos. Essas obras são
a necessidade de se ter um objeto para alfabetização, isto é, um método. de grande valia para o
professor alfabetizador.
O processo da alfabetização é marcado pelas discussões a respeito
de um método mais eficaz desde o final do século XIX, uma vez que, SOARES, M. Porto Alegre: Artmed,
2016.
antes disso, a educação sempre despontava como área predominan- SOARES, M. 7. ed. Porto Alegre:
te nos estudos sobre a alfabetização e havia um método único, o de Artmed, 2018.

aprender as letras e seus nomes por meio da soletração.

Do início do século XX até os anos 1980, tivemos dois caminhos para


se pensar a alfabetização em questão de métodos. Um desses cami-
nhos era tomado por aqueles que defendiam o aprendizado de leitura
e escrita por meio do som, priorizando o reconhecimento fonológico de
letras e sílabas e, consequentemente, a audição. Esse caminho utilizava
métodos sintéticos.

Já aqueles que entendiam a alfabetização como um processo psico-


lógico, em que primeiro ocorre a compreensão da palavra pela visão e
depois a sua decomposição em sons, adotavam métodos analíticos. Em-
bora esses métodos tenham sido questionados a partir dos anos de 1980,
ainda são muito relevantes e empregados no processo de alfabetização.

Ambos os métodos têm por finalidade o aprendizado do sistema


da escrita com o uso predeterminado de palavras, sentenças e textos
que são escolhidos com cuidado para esse fim. Ou seja, os métodos

Aquisição da escrita 69
criam um ambiente artificial para o aprendizado da língua escrita, en-
tendendo o aluno como ser passivo e colocando no centro do proces-
so o professor, que seleciona o que é melhor para o aluno. Assim, de
acordo com Soares (2018), tivemos ao longo desse tempo mudanças de
paradigmas muito relevantes para a alfabetização. Segundo a autora,
pode-se afirmar que a ruptura metodológica entre a soletração
e esses métodos, ocorrida no final do século XIX, foi uma pri-
meira mudança de paradigma na área da alfabetização; uma
segunda e mais radical mudança de paradigma ocorre quase
um século depois, em meados dos anos 1980, com o surgimen-
to do paradigma cognitivista, na versão da epistemologia ge-
nética de Piaget, que aqui se difundiu na área da alfabetização
sob a discutível denominação de construtivismo. (SOARES, 2018,
Leitura p. 20, grifo do original)
O Brasil participa do Pro-
Portanto, após a entrada de outras ciências, em especial a psicolo-
grama Internacional de
Avaliação de Estudantes gia cognitiva, a psicologia do desenvolvimento e as ciências linguísti-
(PISA), que em sua última
cas, nos estudos do processo de alfabetização, novos rumos para se
aplicação, em 2018, vol-
tou a apresentar baixos pensar métodos foram surgindo, e, assim, o paradigma dos métodos
índices de desempenho
se ampliou do foco em som versus imagem dos métodos analíticos e
dos alunos em Leitura,
Matemática e Ciências. sintéticos para englobar uma revolução teórico-conceitual de entender
Para entender melhor
a criança como sujeito ativo da alfabetização.
esses índices, acesse a
matéria intitulada Pisa:
Dessa forma, Soares (2018) nos explica que o construtivismo não
como o desempenho do
Brasil no exame se com- propõe um método específico, e sim uma reflexão a respeito da utiliza-
para ao de outros países
ção de métodos pré-concebidos e do processo com base nas necessi-
da América Latina, que
apresenta uma análise dades e no desenvolvimento da criança, pensando, assim, um próximo
detalhada dos fatores
passo, que seria a retirada dos métodos de alfabetização da cena. Por
envolvidos.
um período, estabeleceu-se então uma dicotomia entre os métodos
Disponível em: https://www.bbc.
com/portuguese/brasil-50646695. sintético e analítico e a não utilização de métodos.
Acesso em: 18 dez. 2020.
Embora o construtivismo tenha parecido ser uma salvação para os
Caso você tenha inte-
resse em acessar todos índices de alfabetização, estamos aqui anos depois ainda com índices
os resultados da prova, baixos de leitura e escrita. Ou seja, mesmo que essa reflexão tenha
indicamos a leitura do
relatório produzido pela possibilitado compreender que um método não pode colocar a si mes-
Diretoria de Avaliação da mo como centro do processo, devendo levar em consideração a criança
Educação Básica do MEC.
enquanto sujeito que constrói seu aprendizado, o construtivismo não
Disponível em: http://download.
inep.gov.br/acoes_internacionais/ conseguiu alavancar o processo de alfabetização como se pensava. Ain-
pisa/documentos/2019/relatorio_ da hoje há, como diz Soares (2018), a questão dos métodos, por ser
PISA_2018_preliminar.pdf. Acesso
em: 18 dez. 2020. ainda uma questão a ser discutida na tentativa de proporcionar um
aprendizado efetivo de leitura e escrita.

70 Neurociência e Linguagem
Assim, Soares (2018, p. 25, grifos do original) nos diz que “métodos
de alfabetização têm sido sempre uma questão porque derivam de con-
cepções diferentes sobre o objeto da alfabetização, isto é, sobre o que
se ensina quando se ensina língua escrita”.

O que vem primeiro, o ensino da leitura ou da escrita? A maioria


dirá que é a leitura, por essa habilidade ter sido privilegiada por mui-
tos anos na escola, relegando a escrita a cópias, deixando de lado a
produção espontânea. Com as discussões construtivistas, instaura-se
a reflexão sobre a necessidade de dar maior visibilidade à produção
escrita espontânea na alfabetização. Ainda, após a década de 1980,
a discussão sobre a necessidade do letramento também esteve mui-
to presente, marcando um pensamento de que, junto ao aprendizado
do código da língua, deve-se ensinar a escrita enquanto prática social
(SOARES, 2018).

A alfabetização, segundo Soares (2018), trabalha então a faceta lin-


guística da escrita, isto é, a escrita enquanto uma representação visual
de sons, englobando os métodos sintéticos e analíticos. Ao mesmo
tempo, o letramento foca na faceta interativa e sociocultural da escrita,
ou seja, entende a escrita como veículo para comunicação com uma
função na cultura e na sociedade, pendendo para as reflexões trazidas
pelo construtivismo.

Assim, alfabetizar é também escolher qual faceta será privilegiada


no ensino ou se haverá um equilíbrio entre as facetas linguística, intera-
tiva e sociocultural e como proporcionar isso, ou seja, quais instrumen-
tos serão empregados para que a criança aprenda a ler e a escrever
levando em consideração essas facetas. Por esse motivo é que se colo-
ca sempre a discussão sobre qual método usar, pois cada um privilegia-
rá um lado do estudo da língua.

Na visão de Soares (2018, p. 35, grifos do original),


os métodos ou focalizam uma só faceta, ou sequenciam fa-
cetas, como se devessem ser desenvolvidas separadamente,
e uma após a outra. […] se defende, como resposta à questão
dos métodos, que, em sua dimensão pedagógica, isto é, em
sua prática de contextos de ensino, a aprendizagem inicial da
língua escrita, embora entendida e tratada como fenômeno
multifacetado, deve ser desenvolvida em sua inteireza, como
um todo, porque essa é a natureza real dos atos de ler e escre-
ver, em que a complexa interação entre as práticas sociais da

Aquisição da escrita 71
língua escrita e aquele que lê ou escreve pressupõe o exercício
simultâneo de muitas e diferenciadas competências. É o que
se tem denominado alfabetizar letrando.
Livro Dessa forma, a prioridade no ensino de leitura e escrita é o conhe-
Para aprofundar suas lei- cimento e a escolha de múltiplos métodos, a depender da necessidade
turas sobre alfabetização
e letramento, indicamos dos alunos, sempre pensando em uma alfabetização que seja significa-
as obras a seguir, de tiva e que contemple o trabalho de letramento. Com isso, não se quer
autoria de três escritoras
conceituadas na área: dizer que a faceta linguística, ou seja, o aprendizado das letras e de
Alfabetização em processo; seus sons, seja menos importante – afinal, sem a aquisição do código
Letramentos, mídias, lin-
guagens; e Letramento: um não há a habilidade de uso da escrita –, mas sim que o processo de alfa-
tema em três gêneros. betização não deve ter como objetivo apenas a faceta linguística, e sim
FERREIRO, E. São Paulo: Cortez, formar leitores e escritores críticos e competentes.
2017.
ROJO, R. São Paulo: Parábola Por isso, vamos nos aprofundar nos métodos sintéticos e analíticos,
Editorial, 2019.
SOARES, M. Belo Horizonte:
para que a faceta linguística possa ser entendida como alicerce para
Autêntica; CEALE, 2007. a construção de um aprendizado significativo, mas instigamos você a
continuar seus estudos sobre o processo de alfabetização e letramento
com outras leituras, para que possa aumentar seu repertório de ensino
de escrita e leitura.

3.2 Métodos sintéticos de alfabetização


Vídeo Entendendo que o processo de alfabetização deve ter como base a
consideração do que o aluno necessita, vamos trabalhar agora os mé-
todos sintéticos, para que você possa compreender as diferentes linhas
de trabalho que poderão ser encontradas em livros e manuais de alfa-
Vídeo
betização. Assim, você terá maiores condições de analisar qual linha os
A professora Maria do
Rosário Mortatti, em en- materiais utilizados seguem, buscando métodos complementares caso
trevista ao canal Univesp, sinta necessidade na prática da alfabetização.
especifica a história dos
métodos de alfabetiza- Os métodos sintéticos foram os primeiros a surgir na história da
ção no Brasil. Assista ao
vídeo a seguir e entenda
alfabetização, já sendo empregados na antiguidade e se perpetuando
melhor como essas até a atualidade. A diferença que se instala é que, da Antiguidade ao
discussões a respeito do
melhor ou pior método Renascimento, a alfabetização era uma prática familiar para as famílias
são impregnadas tanto de
ricas, com instrução formal para poucos por meio de tutores particula-
visões políticas quanto da
necessidade de se encon- res. Porém, no geral, aqueles que tinham o conhecimento de decodificar
trar algo que aperfeiçoe a
prática da alfabetização.
os símbolos os passavam a diante, dentro de seu círculo social. Somente

Disponível em: https:// após a Revolução Industrial é que se vislumbra a necessidade de uma
www.youtube.com/ mão de obra qualificada, que necessitava estar alfabetizada para seguir
watch?v=W_8yIABYF9Q. Acesso
em: 18 dez. 2020.

72 Neurociência e Linguagem
melhor as instruções de produção. Nesse cenário, a escola toma para
si a tarefa de alfabetizar, buscando meios para o ensino das letras em
métodos já utilizados e consolidados em outras esferas (ALMEIDA, 2008).

Os métodos sintéticos indicam um caminho de trabalho que vai da


parte para o todo, ou seja, da menor para a maior unidade de som,
priorizando as correspondências fonológicas com a forma das letras,
com privilégio da memorização. Esse processo caracteriza a decodifi-
cação, primeira via de leitura a ser amadurecida na criança, sempre
indo do mais simples ao mais complexo no aprendizado (FRADE, 2007;
FONTES; BENEVIDES, 2013).

O aprendizado de leitura e escrita se dá, portanto, por etapas. Atividade 2


A criança precisa adquirir certos conhecimentos primeiros, para só Quando a alfabetização come-
então passar para a próxima fase, ou seja, alguns sons e formas são çou? Havia método no início?
Qual? Comente.
precedentes de outros, há uma progressão no ensino da leitura e da
escrita. Assim, os métodos sintéticos são um conjunto de três métodos
distintos: alfabético, fônico e silábico. Vamos agora conhecer mais so-
bre cada um deles.

3.2.1 Método alfabético (soletração) Saiba mais


Um recurso muito empre-
Esse método foi empregado no Brasil desde o século XIX e ainda é gado para o ensino pelo
método alfabético eram
aplicado em algumas partes do país, não sem críticas, uma vez que é os silabários, que traziam
combinações possíveis
um método que atua por memorização de letras e sons sem ênfase entre as sílabas, com
alguma no sentido daquilo que é lido. cantigas para facilitar a
memorização. Para saber
Sua aplicação acontece em etapas, conforme ilustra o esquema a mais sobre as cartilhas
empregadas ao longo da
seguir, elaborado com base nos conhecimentos de Frade (2007). história da alfabetização,
acesse a reportagem do
site Pedagogia ao pé da
letra.

Reconhecimento Memorização
Memorização das
Disponível em: https://
das letras no de combinações
letras do alfabeto
pedagogiaaopedaletra.com/
alfabeto como silábicas como BA -
de modo oral. historia-das-cartilhas-de-
um todo. BE - BI - BO - BU.
alfabetizacao-as-mais-antigas/.
Acesso em: 18 dez. 2020.

Reconhecimento
das letras em Reconhecimento
sequências de cada letra.
to /
rs us

menores.
ck
te ik
ut av
Sh esl
h
ac
Vy

Aquisição da escrita 73
Dessa forma, Fontes e Benevides (2013, p. 3) afirmam que “o méto-
do alfabético ou de soletração caracteriza-se pela aplicação através de
uma sequência fixa baseada nos estímulos auditivos e visuais, sendo a
memorização o único recurso didático utilizado”. Veja a seguir o resu-
mo das etapas do método.

Figura 5
Resumo das fases do método de soletração

Biw3ds/Shutterstock
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª
fase fase fase fase fase
Alfabeto – letra, Sílabas Palavras Sentenças Contos,
nome e forma histórias e
textos
Fonte: Elaborada pela autora com base em Mendonça, 2011.

Assim, o método de soletração pode ser empregado em momentos


lúdicos, em especial em etapas de pré-alfabetização, mas não é um dos
métodos mais utilizados atualmente.

Saiba mais
Maria Montessori
desenvolveu um método
3.2.2 Método fônico (fonético)
de ensino que também O método fônico nasce na França do século XVIII como uma crí-
engloba a alfabetiza-
tica ao método de soletração, espalhando-se para a Alemanha no
ção. Seus estudos se
basearam na observação, século XIX, sendo incorporado aos trabalhos de Maria Montessori
habilidade que deve
no século XX (FRADE, 2007).
estar presente a todo o
momento em sala de aula
Esse método inicia o trabalho com a relação da fala com a escri-
para se compreender o
desenvolvimento de cada ta para entender a alfabetização como processo de entendimento do
aluno. Saiba mais sobre
nosso sistema de representação. A escrita é um processo de represen-
o método montessoriano
lendo a matéria produzi- tação, isto é, um conjunto de sinais gráficos que foram escolhidos alea-
da pelo Lar Montessori.
toriamente para representar alguns aspectos detectáveis da fala, como
Disponível em: https:// sons e pausas. Assim, a escrita não é uma transcrição da fala, e sim
larmontessori.com/o-metodo/.
Acesso em: 18 dez. 2020. uma convenção gráfica de seus elementos (ROJO, 2006). Veja a seguir o
resumo de como o método se estrutura.

Figura 6
Resumo das fases do método fônico
Biw3ds/Shutterstock

1ª 2ª 3ª 4ª 5ª
fase fase fase fase fase
Letras som Sílabas Palavras Sentenças Contos,
e forma histórias e
textos
Fonte: Elaborada pela autora com base em Mendonça, 2011.

74 Neurociência e Linguagem
O método fônico apresenta as seguintes etapas, conforme Frade
(2007), sempre com a característica de selecionar primeiramente os
sons mais fáceis, e em seguida os mais complexos.

Relações
União dos sons
Aprendizado da entre vogais e
e suas formas,
forma e do som consoantes, das
descoberta
das vogais. simples para as
da sílaba e da
complexas.
palavra.

Aprendizado de
Aprendizado da
cada som em
forma e do som
conjunto com sua

kc
das consoantes.
to
rs forma.
tte
hu
/S
us
vik
sla
he
ac
Vy

Embora apresente uma estrutura em etapas, como observado no


esquema anterior, esse método permite variações na forma de apre-
sentação dos sons, analisando a motivação do aluno para o aprendiza-
do, que pode ser “a partir de uma palavra significativa, de uma palavra
vinculada à imagem e som, de um personagem associado a um fone-
ma, de uma onomatopeia ou de uma história para dar sentido à apre-
sentação dos fonemas” (FRADE, 2007, p. 24).

Logo, embora seja um método tradicional, permite alterações que


envolvam o aluno, existindo quatro variantes, conforme Braslasvky
(1988, p. 42):
•• a onomatopeica, que se origina de figuras de animais ou pessoas,
produzindo determinados sons;
•• as “palavras-chave”, nas quais se presta atenção no som inicial,
por exemplo: maçã, sol, bola;
•• uma combinação das anteriores, em que a forma da letra se su-
perpõe ao som;
•• a apresentação da letra em diversas palavras para que a crian-
ça se familiarize com o som em situações distintas e aprenda
por indução.

Assim, o método fônico, mesmo permitindo alguma variação, ainda


parte do professor para o aluno, pois é o professor que selecionará a
forma de apresentação das palavras, seja com onomatopeias ou dese-
nhos, não centrando o aprendizado no aluno.

Aquisição da escrita 75
Apesar das críticas, o método fônico é conhecido por produzir cons-
ciência fonológica nos alunos, em especial em crianças pequenas, uma ha-
bilidade que faz com que o aluno seja capaz de manipular os sons e refletir
sobre os mesmos. Há muitos defensores desse método, principalmente
se verificamos os índices de alfabetização no país após o uso de métodos
que não levam em consideração a consciência fonológica.

O método fônico é empregado na alfabetização de países de língua


inglesa e indicado para crianças com dislexia. Segundo Sebra e Dias
(2011, p. 311):
este método baseia-se na constatação experimental de que as
crianças com dificuldades na alfabetização têm dificuldade em
discriminar, segmentar e manipular, de forma consciente, os
sons da fala. Esta dificuldade, porém, pode ser diminuída signi-
ficativamente com a introdução de atividades explícitas e siste-
máticas de consciência fonológica, durante ou mesmo antes da
alfabetização. Quando associadas ao ensino das correspondên-
cias entre letras e sons, as instruções de consciência fonológi-
ca têm efeito ainda maior sobre a aquisição de leitura e escrita.
Além de ser um procedimento bastante eficaz para a alfabeti-
zação de crianças disléxicas, o método fônico também tem se
mostrado o mais adequado ao ensino regular de crianças sem
distúrbios de leitura e escrita.

O método fônico, ao auxiliar a criança a manipular sons de modo


consciente, permite que, com a prática, ela possa se autoensinar, ou
seja, permite que a criança, ao se deparar com uma palavra desconhe-
cida, tenha condições para lê-la. Ao desenvolver essa consciência, ela
caminha para adquirir fluência tanto em leitura quanto em escrita.

Embora ainda seja muito criticado pelos cursos de graduação e


por pesquisadores brasileiros, principalmente após a entrada do
construtivismo e a normatização do uso de métodos globais pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais, deve-se levar em conta que esse
método desenvolve a consciência fonológica, sem a qual o aluno não
consegue se desenvolver no processo de alfabetização. A diferença
que se coloca é que em métodos analíticos essa consciência viria na-
turalmente, sem a necessidade de estruturação do ensino de corres-
pondência entre som e letra. Ao mesmo tempo, não podemos fechar
os olhos para a situação dos índices de leitura das crianças brasileiras,
os quais estão muito abaixo do esperado.

76 Neurociência e Linguagem
Portanto, a dificuldade talvez se deva à necessidade que muitos pro-
fessores ainda têm (por questões de formação) de utilizar métodos que
sejam mistos, que permitam tanto a liberdade da criança no aprender
quanto a estruturação do ensino das letras e dos sons.

Artigo

http://periodicos.estacio.br/index.php/reeduc/article/viewFile/518/633

A pesquisadora Leonor Scliar-Cabral promove estudos em torno de um


método fônico fundamentado nas pesquisas em neurociências. Para saber
mais sobre esse método, leia o artigo As neurociências e a leitura: proposta
Scliar de alfabetização, de Lidiomar Mascarello e Miriam Pereira, publicado na
revista Educação e Cultura Contemporânea, sobre o projeto empreendido
pela pesquisadora na busca por diminuir o analfabetismo funcional.
Acesso em: 18 dez. 2020.

3.2.3 Método silábico


Esse é um método que ainda trabalha com a decodificação como
objetivo principal, utilizando-se da memorização para atingir tal ob-
jetivo. A unidade de análise é a sílaba, mas é preciso antes um co-
nhecimento das vogais para que seja possível passar à análise com a
composição das sílabas (BRASLAVSKY, 1988). Veja a seguir o resumo
da estrutura do método.

Figura 7
Resumo das fases do método silábico

Biw3ds/Shutterstock
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª
fase fase fase fase fase
Letras – Sílabas Palavras Sentenças Contos,
consoantes histórias e
e vogais textos

Fonte: Elaborada pela autora com base em Mendonça, 2011.

De acordo com Almeida (2008, p. 4.235), “os métodos silábicos se


apresentam nas cartilhas por meio de ‘palavras-chaves’, utilizando ape-
nas para apresentar as sílabas”, demonstrando ainda a necessidade de
se entender esse método como apoiado na figura do professor, que
seleciona as palavras a serem empregadas, muitas vezes por meio de
cartilhas, como suporte para o ensino de sílabas.

Aquisição da escrita 77
Segundo Frade (2007), a estrutura dentro do método silábico se
apresenta conforme o esquema a seguir.

Escolha da ordem União das sílabas


Destaque das
de apresentação, aprendidas para
sílabas nas
das sílabas mais formar palavras e
palavras-chave.
fáceis às mais frases.
complexas.

Estudo das
Apresentação das
famílias
palavras-chave.

kc
silábicas.

to
rs
tte
hu
/S
us
vik
sla
Leitura he
ac
Vy

A pesquisadora e autora
Leonor Scliar-Cabral, em Embora apresentassem uma estrutura bem delimitada, algumas
entrevista ao jornal Ga-
zeta do Povo, defendeu
cartilhas traziam variações na ordem de apresentação e de destaque
o uso do método fônico, das sílabas, em especial na escolha das sílabas com vogais e consoan-
mas com a ressalva de
que ele sozinho não faz a
tes e com encontros vocálicos.
alfabetização acontecer.
Mesmo que esses métodos sejam reconhecidos como tradicionais,
Leia a matéria e entenda
o ponto de vista da é preciso considerar que a educação foi desenvolvendo tentativas e es-
autora.
tratégias para que os alunos também tivessem acesso aos significados
Disponível em: https://
em conjunto com a forma e o som. Assim, não é incomum encontrar
www.gazetadopovo.com.br/
educacao/o-metodo-fonico-e- materiais que trazem esses métodos sintéticos em conjunto com brin-
essencial-mas-sozinho-nao-e-
cadeiras e histórias. Obviamente, atividades como ditado e leitura em
suficiente-para-alfabetizar/. Acesso
em: 18 dez. 2020. voz alta são atividades privilegiadas nesses métodos, para o entendi-
mento de como a fala se transforma em um sinal gráfico (FRADE, 2007).

3.3 Métodos analíticos de alfabetização


Vídeo Os métodos analíticos, ao contrário dos sintéticos, trabalham do
todo para as partes, ou seja, do maior (como o texto) para o menor
(como a palavra), compreendendo a alfabetização como um processo
de percepção do fenômeno da língua. Esse movimento acredita que, ao
entender a totalidade da língua por meio de textos, frases e palavras,
os aprendizes conseguem decompor tais elementos em unidades me-
nores até chegar à sílaba (FRADE, 2007).

78 Neurociência e Linguagem
Dessa forma, o centro dos métodos analíticos é a significação, e não
mais a correlação entre som e forma. Segundo Sebra e Dias (2011, p. 312):
para além do nível da palavra, a maioria dos métodos analíticos Vídeo
toma o contexto como absolutamente relevante para a leitura Paulo Freire foi um
de uma palavra. Assim, […] em tais métodos considera-se que educador e filósofo da
educação que pensou a
a aprendizagem de leitura e escrita só pode ocorrer a partir de alfabetização de adultos
unidades que sejam significativas à criança. Em geral, métodos com base na reflexão
globais ou ideovisuais partem de unidades como palavras, tex- crítica da realidade de
seus alunos. Para ele,
tos, parágrafos, sentenças ou palavras-chave (como no método
a alfabetização não era
de Paulo Freire). É a partir destas unidades maiores e, portanto, apenas o decodificar ou
significativas que, em um segundo momento, o aprendiz chega- entender, mas o refletir
e agir sobre o mundo a
ria a uma compreensão das unidades menores que compõem
sua volta. Seu método
as palavras, porém sem necessidade de instrução sistemática e atravessa os anos com
explícita para isso. o olhar acurado de que
devemos ensinar a refletir
Portanto, os métodos analíticos colocam em cena a ampliação do mais do que a conhecer
as letras. Para compreen-
conhecimento de mundo do leitor por meio da leitura e da escrita. der mais sobre quem foi
Embora sejam divididos entre palavração, sentenciação e global, as Paulo Freire e o porquê
da importância de seu
autoras nos explicam que eles podem trabalhar conjuntamente, envol- pensamento, indicamos
vendo diferentes modalidades sensoriais. o vídeo Programa Paulo
Freire Vivo 3, do canal TV
Vamos então aos métodos dito analíticos? UFPB.

Disponível em: https://

3.3.1 Método de palavração www.youtube.com/


watch?v=iwjRzpDlLU0. Acesso em:
18 dez. 2020.
Após a leitura de textos pelo professor, determinados vocábulos
são pinçados e utilizados para que o aluno compreenda a forma gráfi-
ca das palavras já ouvidas no momento em que foi contada a história.
Também é utilizada a memorização para que o aluno compreenda a
palavra como um todo, trabalhando de modo a decompor em sílabas e
letras/sons de maneira gradativa.

Braslavsky (1988) define duas categorias do método de palavra- Saiba mais


ção: uma que parte da palavra em si, sem análise de contexto, e outra Para entender melhor
como o método Paulo
que parte de uma palavra-chave ou palavra geradora. Assim, a palavra Freire funciona, leia a ma-
pode estar associada a uma imagem que auxilia na memorização ou téria do site Andragogia
Brasil no link a seguir.
não. Em todo caso, ambas chamarão atenção para a palavra como um
Disponível em: https://
todo para, em seguida, iniciar sua decomposição.
andragogiabrasil.com.br/metodo-
paulo-freire-de-alfabetizacao/.
O método de palavração junta, então, o reconhecimento da palavra
Acesso em: 18 dez. 2020.
toda com a compreensão das suas unidades constituintes. Nesse traba-

Aquisição da escrita 79
lho, podem ser utilizados flashcards, isto é, cartões que apresentam em
um lado a palavra e no outro a imagem do que a palavra representa.
Além disso, exercícios sensoriais, como escrita em areia, também são
empregados para a compreensão dos movimentos da escrita da palavra
(FRADE, 2007). Veja a seguir como se estrutura o método.

Figura 8
Resumo das fases do método de palavração

Biw3ds/Shutterstock
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª
fase fase fase fase fase
Palavras Sílabas Letras Sentenças Contos,
histórias e
textos
Fonte: Elaborada pela autora com base em Mendonça, 2011.

3.3.2 Método de sentenciação


Nesse método, a frase deve primeiro ser compreendida, para de-
pois ser analisada e decomposta em suas unidades menores de pala-
vras e sílabas. De acordo com Frade (2007), o método também trabalha
com a comparação de palavras para o reconhecimento de elementos
iguais entre as duas.

Na sentenciação, as palavras escolhidas precisam ter um sen-


tido desde o início, sempre iniciando com orações simples. Essas
orações aprendidas normalmente decoram as paredes da sala de
aula para que a criança consiga encontrar palavras já aprendidas
e construir novas sentenças (BRASLASVKY, 1988). Veja a seguir o
resumo das fases do método.

Figura 9
Resumo das fases do método de sentenciação
Biw3ds/Shutterstock

1ª 2ª 3ª 4ª 5ª
fase fase fase fase fase
Sentenças Palavras Sílabas Letras Contos,
histórias e
textos
Fonte: Elaborada pela autora com base em Mendonça, 2011.

3.3.3 Método global


Com surgimento no Brasil na metade do século XX, esse método,
desde o princípio, objetivou a alfabetização por meio de contos e histó-
rias, possibilitando maior interesse do aluno no processo, bem como o

80 Neurociência e Linguagem
trabalho com a percepção visual, com a globalização e com ideias que
vão além de sinais na página, funcionando como um processo natural.

Esse método trabalha inicialmente textos até que sejam compreendi-


dos, para depois passar ao reconhecimento de frases, palavras e sílabas.
Porém, esse trabalho não é linear, em que uma etapa sucede a outra. De
acordo com Frade (2007), somente após a leitura e familiarização com
vários textos lidos pela professora é que se passa à sua decomposição.
Vários manuais dos métodos globais vão prescrever que somen-
te se entrará em cada fase do método quando o professor per-
ceber que as crianças já fazem algum tipo de análise (da frase,
das palavras ou das sílabas). […] Neste sentido, parece que é dei-
xada ao aluno a tarefa de fazer a análise, e uma das polêmicas
do método global, segundo estudos de Braslavsky (1992) é que
esta análise acaba sendo um mistério, uma questão “mais intuiti-
va que racional”, ao contrário dos métodos sintéticos, que usam
um princípio descrito como “racional”, que seria mais fácil de ser
acompanhado e aplicado pelos professores. (FRADE, 2007, p. 28)

Logo, o método global se distingue por colocar em prática o contex-


to bem como a compreensão e a atuação do aluno. Porém, como não
há uma sistematização para a decomposição, as críticas a esse método
apontam que ele dificultaria um conhecimento racional para a com-
preensão de como o texto pode ser decodificado.

Segundo Sebra e Dias (2011), o método global se utiliza muito da


filosofia da Gestalt, uma escola de estudos sobre a percepção que deu
origem a uma abordagem psicológica e entendia que se deveria focali-
zar o mundo e as situações em sua totalidade, e não pela soma de suas
partes. Assim, “para os defensores do método global, o conhecimento
das correspondências letra-som seria adquirido naturalmente pelas
crianças, após o reconhecimento total da palavra estar bem estabeleci-
do” (SEBRA; DIAS, 2011, p. 312).

Segundo seus adeptos, o método global não engessa as crianças,


mas permite que elas expressem sua criatividade por meio de associa-
ções entre palavras e significados, textos e significados. Os princípios
do método global seriam então:
•• A leitura é compreendida como atribuição de sentido e interação
entre o leitor e texto; a leitura não deve ser focada na decifração;
•• A leitura é um “jogo de adivinhação psicolinguística”. As crianças
devem ser estimuladas a adivinhar o que está escrito a partir
de pistas contextuais;

Aquisição da escrita 81
•• A aprendizagem da leitura deve ocorrer a partir de unidades
maiores que sejam significativas para a criança (palavras, sen-
tenças, textos), com incentivo à associação direta entre palavras
e significados. (SEBRA; DIAS, 2011, p. 313, grifo do original)

Assim, é um método que permite a criação infantil, mas depende de


uma fundação de conhecimento de palavras, a qual pode não ocorrer
com crianças que tenham pouco contato com diferentes realidades.
Por exemplo: crianças que não nunca tiveram acesso a histórias de
contos de fadas, as quais não saberão necessariamente as palavras por
meio de pistas, ou crianças com pais analfabetos que não conseguem
auxiliar seus filhos nas leituras.

Portanto, o método global foi revolucionário e ainda hoje é empre-


gado, mas é preciso compreender o contexto e quem são as crianças
Leitura que o recebem, pois nem todas conseguem aprender a correspondên-
Para entender melhor so-
cia do som com a letra de maneira natural e espontânea.
bre as possibilidades de
trabalho com o método
Junto ao método global, podemos identificar o pensamento cons-
global de alfabetização, trutivista, fortemente embasado nas teorias de Emília Ferreiro, que
indicamos a leitura da
dissertação de Andressa
defendia que “a consciência fonológica desenvolver-se-ia naturalmen-
Rejane Mendes Moreira. te, não sendo necessárias práticas sistemáticas para sua estimulação.
A pesquisadora faz um le-
vantamento de diferentes
Na concepção construtivista, o aluno deve ser levado a pensar sobre a
trabalhos que podem ser escrita e, assim, construirá e reelaborará seu próprio conhecimento”
considerados globais e de
suas especificidades.
(SEBRA; DIAS, 2011, p. 314).

Disponível em: https://bdm.unb.br/ Assim, ao entender textos e seus usos, refletindo sobre os proces-
bitstream/10483/7373/1/2013_ sos de construção deles, as crianças adquiririam a consciência da cor-
AndressaRejaneMendesMoreira.pdf.
Acesso em: 18 dez. 2020. respondência letra-som de maneira natural, apresentando-se com a
seguinte sequência:

Figura 10
Resumo das fases do método global
Biw3ds/Shutterstock

1ª 2ª 3ª 4ª 5ª
fase fase fase fase fase
Contos, histórias Frases Palavras Sílabas Letras
e textos.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Mendonça, 2011.

O trabalho de reflexão sobre o conhecimento infantil é com certeza


um caminho que deve ser levado em consideração em sala de aula,
pois ensinar a ler e a escrever não é apenas ensinar a decodificar e
copiar. Porém, não há uma reflexão sobre a língua sem uma base da

82 Neurociência e Linguagem
própria língua. Por isso mesmo é que se coloca a questão dos métodos: Atividade 3
devemos utilizar um só? Ele deve ser padrão para todos? Enquanto pro- Devemos padronizar o ensino de
fessores, devemos usar o método como uma tábua de salvação? alfabetização por um determina-
do método? Justifique.
Ao contrário, devemos compreender todos os métodos disponíveis
bem como as reflexões advindas do construtivismo, mas, acima de
tudo, devemos entender quem é o aluno, de onde ele vem e como se
relaciona com o mundo das letras e, assim, escolher a melhor rota para
a alfabetização. Uma coisa é certa: precisamos ter em mente a necessi-
dade de alfabetizar letrando.

CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Esperamos que este capítulo tenha ampliado seus conhecimentos
acerca da questão dos métodos empregados na alfabetização e das fases
pelas quais a criança passa no aprendizado da escrita. Este é um breve
resumo para que você tenha as bases para pesquisar cada vez mais e se
tornar um alfabetizador reflexivo.
A questão dos métodos, talvez, não deva ser qual método usar como
um único caminho, e sim quais métodos usar, e em que momento do pro-
cesso de alfabetização, com os perfis distintos dos alunos.

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FRADE, I. C. A. S. Métodos de alfabetização, métodos de ensino e conteúdos da
alfabetização: perspectivas históricas e desafios atuais. Educação, Santa Maria, v. 32, n. 1,
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view/658. Acesso em: 18 dez. 2020.

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KRESS, G. Before writing: rethinking the paths to literacy. Londres: Routledge, 1997.
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ROJO, R. As relações entre fala e escrita: mitos e perspectivas. Belo Horizonte: Ceale-UFMG,
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VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.
São Paulo: Ícone, 1988.

GABARITO
1. O aprendizado da língua escrita requer um ensino formal, pois, diferentemente da lín-
gua oral, não é aprendido por observação e tentativa, como a fala. A língua escrita se
utiliza de vias já estabelecidas, como visão e reconhecimento dos fonemas, mas preci-
sa de prática e uma estrutura que vai do simples ao complexo para ser compreendida
como uma representação do mundo e dos sons.

2. A alfabetização é tão antiga quanto a escrita, que, quando inventada, precisou ser
conhecida por aqueles que tinham acesso à educação. O método mais antigo é o al-
fabético, ou de soletração, sendo usado ainda por muitos séculos após sua invenção.

3. A questão que se coloca é que um método sozinho não dá conta de alfabetizar (e


letrar) plenamente. É preciso que os professores conheçam os diferentes métodos
e observem o desenvolvimento de seus alunos para entender qual é o melhor a ser
trabalhado e em que momento, pois é provável que ao longo do processo os alunos
necessitem de um trabalho que envolva vários métodos.

84 Neurociência e Linguagem
4
Transtornos de linguagem
Neste capítulo vamos entender como a linguagem funciona do
ponto de vista do funcionamento tido como normal, compreen-
dendo que há etapas e variações na aquisição de linguagem. Além
disso, vamos refletir sobre as dificuldades e os transtornos de lin-
guagem, quais são os principais e como os diferenciamos.
Por fim, discutiremos sobre o papel da escola em relação aos
alunos com dificuldades e transtornos de aprendizagem, e quais
estratégias podem ser utilizadas com esses estudantes para pro-
moção de sua inclusão.
Bons estudos!

4.1 Estágios de desenvolvimento linguístico


Vídeo A linguagem é uma habilidade muito desenvolvida nos seres hu-
manos e vem se especializando ao longo de muitas eras. Essa es-
pecialização permite que nós possamos compreendê-la como uma
faculdade complexa que constitui o ser humano e possui um curso
de desenvolvimento. Ou seja, sendo ela uma habilidade sobre a
qual temos maestria, é possível delimitar como seria o desenvolvi-
mento normal da linguagem no ser humano por meio de pesquisas
de diversos campos científicos.

Além disso, quando falamos em um desenvolvimento normal, enten-


demos que algo pode fugir desse normal, o que chamamos de distúrbio
ou transtorno. Porém, antes de entendermos o que são esses transtor-
nos de linguagem, vamos analisar como se dá um desenvolvimento tido
como normal, ou típico, da linguagem em seres humanos.

A linguagem acontece por meio do envolvimento de inúmeras áreas


corticais em nosso encéfalo. Mas ela também se apoia em outras habi-
lidades para ser possível, são elas: a percepção, a sensação, a elabora-
ção e a articulação (PEDROSO; ROTTA, 2016).

Transtornos de linguagem 85
Se falamos da linguagem oral, somos capazes de sentir o som,
perceber e reconhecer suas características, refletir sobre esse som
elaborando-o e nos expressar por meio da articulação das palavras.
E assim se dá a linguagem, uma habilidade com diversas estruturas
envolvidas e que aciona diferentes funções cognitivas para o seu
funcionamento pleno.

Com base na compreensão dessas funções cognitivas, entendemos


que a linguagem pode se dividir em oral, gestual, escrita e braille, tor-
nando ainda mais complexo o processo e adicionando novas funções e
áreas corticais a essa habilidade. A linguagem oral e a escrita já foram
bem exploradas, por isso agora vamos delinear os limites da linguagem
gestual e em braille.

De acordo com Pedroso e Rotta (2016), a linguagem gestual precede


a linguagem oral e auxilia a aquisição da fala. Podemos ver isso clara-
mente quando um bebê começa a apontar para os objetos antes mes-
mo de poder nomeá-los, conseguindo assim comunicar seus desejos e
suas necessidades a seus cuidadores.

Segundo Bee e Boyd (2011), crianças surdas apresentam o mesmo


desenvolvimento que crianças ouvintes, com balbucios e arrulhos mais
ou menos no mesmo período. A diferença ocorre por volta dos 12 meses
de idade, quando as crianças surdas passam a utilizar mais gestos
como forma análoga às primeiras palavras de um bebê ouvinte. Os
bebês surdos continuam utilizando os gestos de referência a si e aos
objetos, utilizados antes de 1 ano de idade, e, com o passar dos meses,
passam a empregar outros gestos para a comunicação.

Enquanto a linguagem gestual se torna a forma de comunicação


Figura 1 principal para as pessoas surdas, o braille se torna a representação
Braille escrita da linguagem para pessoas cegas. Essa forma
de comunicação faz com que pessoas cegas
desenvolvam maior sensibilidade nos dedos em
decorrência do treino diário com a escrita em
braille (PEDROSO; ROTTA, 2016).

O sistema braille foi inventado em 1825 pelo


francês Louis Braille. Foram necessárias algumas
versões até que se chegasse à atual. O braille se
fundamenta na sensação tátil das pontas dos de-

Lorelyn Medina/Shutterstock

86 Neurociência e Linguagem
dos e serve como suporte de leitura e escrita para pessoas cegas. Saiba mais
Esse sistema utiliza marcas em relevo no papel, com seis pontos distri- Que tal entender mais
sobre como funciona o
buídos em duas colunas, dando origem a 63 símbolos distintos (LEMOS; sistema braille? O vídeo
CERQUEIRA, 2014). Como os cegos leem #3
(como funciona o braile),
Não classificamos a Língua Brasileira de Sinais (Libras) ou o braille publicado no canal de
Renata Schechter,
como formas de intervenção em transtornos de linguagem, pois, em- traz uma explicação
do funcionamento da
bora a falta de visão ou audição obviamente interfira na aquisição da
escrita de maneira clara e
linguagem típica, são transtornos decorrentes de outras situações que, detalhada.
Disponível em: https://www.
em sua maioria, não envolvem as áreas linguísticas no cérebro. Ain-
youtube.com/watch?v=w2qytW6X-
da, não sendo transtornos, essas deficiências necessitam de suporte WYg&app=desktop. Acesso em: 18
dez. 2020.
auxiliar de linguagem, no caso do braille, ou mesmo uma linguagem
própria, como no caso da Libras.

Artigo

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-97022007000200013&script=sci_arttext

As discussões a respeito da Libras ou do braille não são de agora, porém há


uma reflexão que nem sempre é mencionada, a das preferências de pessoas
cegas e de pessoas surdas em relação a aprender ou não braille e Libras. Para
entender melhor essa discussão, faça a leitura do artigo Nem toda pessoa cega
lê em Braille nem toda pessoa surda se comunica em língua de sinais, dos autores
Elizabeth Torres, Alberto Mazzoni e Anahi de Mello.

Acesso em: 18 dez. 2020.

Livro
O desenvolvimento típico da linguagem tem uma sequência mais
Para entender mais sobre
ou menos contínua, com algumas variações de criança para criança.
como a Libras pode ser
Esse desenvolvimento é dado em partes por componentes genéticos uma língua natural e
conhecer seu funciona-
da nossa espécie, mas com grande papel do ambiente na aquisição da
mento, indicamos a obra
linguagem (PEDROSO; ROTTA, 2016). intitulada Língua de sinais
brasileira: estudos linguís-
Para que a linguagem seja possível, a criança precisa de cuidado- ticos, que traz reflexões
sobre a interface entre a
res que interajam com ela de modo a estimular as aproximações com
Libras e a linguística, bem
a fala e os símbolos. Portanto, o cuidador – mãe, pai ou responsável como exemplos da estru-
tura da Língua Brasileira
– tem uma tarefa muito importante no desenvolvimento infantil, em
de Sinais.
todos os sentidos, mas em especial na linguagem. Sem o contato com a
QUADROS, R. M. Porto Alegre:
fala e as correções do seu cuidador, o bebê não aprende a falar. Artmed, 2005.

A interação entre bebê e seu cuidador é de tamanha importância


que moldará todo o seu funcionamento futuro. Bowlby (1989) diz que
o modelo de apego desenvolvido entre o bebê e os seus cuidadores
estará presente ao longo de toda a vida do indivíduo, moldando seus

Transtornos de linguagem 87
comportamentos. Assim, Bowlby (1989, p. 118) desenvolve a teoria
do apego, a qual
considera a propensão para estabelecer laços emocionais ín-
timos com indivíduos especiais como sendo um componen-
te básico da natureza humana, já presente no neonato em
forma germinal e que continua na vida adulta e na velhice.
Durante a primeira infância, os laços são estabelecidos com
os pais (ou pais substitutos), que são procurados para prote-
ção, conforto e suporte.

A teoria do apego identifica que o bebê cria vínculo com seu cui-
dador como forma inicial de proteção, estabelecendo um padrão de
laços emocionais íntimos e permeando a aprendizagem da comuni-
cação, a qual se estabelece como emocional, uma vez que se dirige
às suas relações íntimas, na maioria das vezes a mãe, mas também
outros cuidadores.

Segundo Pedroso e Rotta (2016), bebês recém-nascidos já conse-


guem aprender rapidamente as diferenças entre as sonoridades de
palavras como não e dá, auxiliando, com base no som e não da com-
preensão do significado da palavra em si, o controle dos impulsos e dos
comportamentos do bebê, que demanda a todo momento a atenção
de seu cuidador.

Aos poucos o bebê vai fazendo aproximações da língua materna e


desenvolvendo tanto a recepção quanto a expressão da língua, isto é,
ao mesmo tempo que vai aprendendo a compreender a língua, apren-
de a se expressar na língua. Esse processo de compreensão da estru-
tura da língua e de seus sons finaliza por volta dos 7 anos de idade.
Porém, a semântica, isto é, o aprendizado de significados, pode se pro-
longar pela vida toda (PEDROSO; ROTTA, 2016).

O processo de aquisição de uma língua passa pelo processo matu-


racional do cérebro do bebê humano.
A linguagem se divide em subsistemas que são adquiridos […]
em uma sequência posteroanterior, começando com os aspectos
semântico e textual, que são os mais precoces, seguidos pelos
aspectos fonéticos-fonológicos, migrando para o lobo frontal; os
aspectos mais tardios são os gramaticais. Todos estes aspectos
estão estreitamente interligados no desenvolvimento da lingua-
gem. (PEDROSO; ROTTA, 2016, p. 118)

88 Neurociência e Linguagem
Logo, o desenvolvimento da linguagem no cérebro se dá da par-
te posterior (parte de trás do cérebro) para a anterior (parte frontal).
Assim, compreensão dos significados e entendimento de que a comu-
nicação se dá por textos são as primeiras habilidades adquiridas. Na
sequência são aprendidos, já na região frontal do cérebro, os aspectos
sonoros e a sua ligação gráfica. Somente após a consolidação desses
aspectos é que o cérebro está pronto para a aquisição das regras gra-
maticais, sempre de modo gradativo.

Veja no quadro a seguir as fases normais da aquisição da linguagem


de acordo com cada idade e habilidade:

Figura 2
Fases normais para aquisição da linguagem

Idade Compreensão Expressão Gestos

disciplina sons produz choro,


familiares gritos e barulhos
0-3 meses

balbucia primeiro faz expressões


compreende
vogais, depois faciais para se
algumas palavras
consoantes comunicar
4-6 meses

balbucia de
aponta para
modo replicado –
7-9 meses objetos
“bububu”

continua a usa expressões


primeiras palavras
desenvolver a faciais e vocais,
e usa balbucios
compreensão contato visual e
10-12 meses com fala
gestos

produz de 10 chama atenção


a 50 palavras e dos adultos
pequenas frases para que eles
12-18 meses de duas palavras respondam

(Continua)

Transtornos de linguagem 89
Idade Compreensão Expressão Gestos

produz de 150
a 200 palavras;
frases de 2 a 3
palavras; nomeia
2 anos objetos

formula sentenças
continua a com estrutura
desenvolver a ainda utiliza
gramatical e faz
compreensão gestos,
perguntas
3 anos adequando-os à
comunicação

Tem a sintaxe
clara e a fala é
compreensível
4 anos

Fonte: Elaborada pela autora com base em Pedroso e Rotta, 2016, p. 119.

Podemos dizer que até os 12 meses de idade o bebê se encontra em


uma etapa pré-verbal. No primeiro mês de vida, utiliza o choro como
forma de comunicação de suas necessidade e angústias, fome, frio, dor
ou desconforto. Aos poucos o choro vai se especializando e se distin-
guindo em sua tonalidade e seu ritmo. Quem tem filhos ou conviveu
com bebês recém-nascidos sabe como rapidamente podemos identi-
ficar diferentes choros, um para fome, outro para cólica e assim por
diante (GÓMEZ; TERÁN, 2008).

Da mesma forma a compreensão vai se especializando aos poucos.


Para o recém-nascido os sons ainda são indistintos, sem uma reação
de buscar de onde eles vêm. Essa necessidade se inicia a partir dos
2 meses, quando o bebê já consegue identificar alguns sons e tenta
virar a cabeça para encontrá-los. O balbucio se inicia aos 3 ou 4 meses
e se torna uma brincadeira para o bebê, que fará seus arrulhos e bal-
bucios em momentos de bem-estar. Vai, assim, brincando com os sons
e preparando seu aparelho fonador para a língua materna.

Aos 6 meses começam as imitações dos sons emitidos pelos


cuidadores e, a partir do oitavo mês, os balbucios diminuem, dando
lugar a aproximações da fala. Por volta dos 10 meses há uma repetição

90 Neurociência e Linguagem
incessante de sílabas familiares que se tornam esboços das primeiras
palavras, girando geralmente em torno de papapa e mamama. Ao
produzirem comportamentos em seus cuidadores, o bebê entende
que utilizar tal forma de comunicação é efetiva para receber a
atenção de que necessita, utilizando cada vez mais a linguagem
falada. Nessa fase também estão presentes onomatopeias e
imitações de sons, em especial de animais. O bebê já identifica,
também nessa fase, seu nome quando é chamado, utiliza gestos e
presta atenção quando lhe falam, em uma preparação para a etapa
linguística que vem a seguir (GÓMEZ; TERÁN, 2008).

Na etapa linguística, segundo Gómez e Terán (2008), é que


se dá a construção da língua de modo intencional já a partir dos
12 meses, normalmente em sílabas como mamã, papá, dá. Essa
intencionalidade se afirma quando pais e responsáveis repetem
o que a criança diz, validando sua tentativa. Na fase dos 15 aos
18 meses também há a utilização de uma palavra com frase para
expressar os desejos. Aos 18 meses a criança já compreende que
cada coisa tem um nome, mesmo que ainda não saiba o nome de
tudo, e já consegue falar em torno de 10 palavras. Nesse período a
compreensão está mais desenvolvida do que a expressão.

Entre os 18 meses e os 2 anos surge a primeira frase constituí- Vídeo


da normalmente de duas palavras – por exemplo, dá nenê, com o A linguagem se desenvol-
ve na interação. Inicial-
significado de dar algo para o neném –, normalmente com gestos
mente com os cuidadores
para indicar o objeto de desejo. Entre 2 e 3 anos há uma explosão e posteriormente com
outras pessoas, por isso a
gramatical, com diversos substantivos e também verbos, adjeti-
importância de ampliação
vos, artigos e proposições (PEDROSO; ROTTA, 2016). Já aos 3 anos da rede social da criança,
em especial por meio
são possíveis as frases simples.
da educação infantil.
Para saber mais sobre a
A linguagem básica já está adquirida aos 4 anos, com uso de frases
importância da interação
mais complexas e possibilidade de narrações. Aos 5 anos, a gramática social para a linguagem,
assista ao vídeo Interação
se aperfeiçoa e aos 6 há uma expressão clara dos acontecimentos. A
social e desenvolvimento
partir dos 7 anos a criança já utiliza a forma passiva e compreende ou- da linguagem, publicado
pelo canal Terapia da
tros pontos de vista (GÓMEZ; TERÁN, 2008).
criança.
Embora haja um percurso tido como “normal” para que a criança Disponível em:
desenvolva a linguagem, há uma variação de meses para mais ou para https://www.youtube.com/watch?-
v=qwrKP1Gi8BA&app=desktop.
menos na aquisição de certas habilidades descritas na Figura 2. Assim, Acesso em: 18 dez. 2020.
uma criança poderá ter um leve atraso ou estar adiantada em relação
às etapas típicas, e isso depende do ambiente de aprendizagem
proporcionado a ela, bem como do seu processo maturacional.

Transtornos de linguagem 91
Atividade 1 Uma das maiores angústias de pais e cuidadores é que a criança
Todas as crianças desenvolvem não esteja se desenvolvendo como deveria. Muitas vezes esse pensa-
a linguagem no mesmo tempo? mento se dá em comparação com outras crianças. Por isso, precisamos
Justifique.
compreender que, mesmo que haja uma consistência no desenrolar da
aquisição da linguagem, há também variações que são consideradas
normais no desenvolvimento infantil.

A dificuldade se encontra quando a criança passa muito tempo da


etapa prevista para seu desenvolvimento, apresentando atrasos signi-
ficativos em relação a sua faixa etária. Com base nessas dificuldades é
necessária uma avaliação para entender se a criança apresenta algum
transtorno de linguagem.

4.2 Transtornos relacionados à


Vídeo
aquisição da linguagem
Muitas vezes as dificuldades e os transtornos de linguagem
só passam a ser um problema quando a criança chega à escola e
apresenta dificuldades na alfabetização. É bem provável que seja
Vídeo o professor o primeiro a perceber ou a compreender que há difi-

Pense em você como


culdade por parte do aluno.
aluno. Você acredita que
Com base nessa identificação, muitas vezes começa um longo
seu emocional interfere
na sua capacidade de caminho em que o aluno passa do pediatra à avaliação psicológica e
atenção, motivação para
psicopedagógica. Após identificadas as dificuldades, normalmente depois
o aprendizado e retenção
das informações? Se sua de um bom tempo é que serão pensadas estratégias para aquela criança.
resposta for sim, saiba
que a aprendizagem de- Porém, quando há a descoberta da situação-problema em que o
pende em grande parte
aluno se encontra, precisamos primeiro distinguir se é uma dificuldade
do envolvimento emo-
cional com a atividade ou um transtorno, seja de aprendizagem ou de linguagem, de maneira
de estudar. Para refletir
mais específica.
melhor sobre essa ligação
entre emoção e cognição, Assim, uma dificuldade envolve formas de aprender e contextos
assista ao vídeo Emoções:
o maior desafio educacio- de aprendizagem, ou seja, o aluno vai, ao longo das etapas do seu
nal do século, publicado desenvolvimento, descobrindo uma forma de pensar e aprender. Além
pelo canal Inteligência
relacional. disso, questões biopsicossociais podem influenciar no aprendizado.
Disponível em: https://www. Uma criança com baixa visão não identificada pode de fato ter
youtube.com/watch?v=U0dSGC- problemas para aprender a ler, mas não por dificuldades com a língua
F2mwg&app=desktop. Acesso em:
18 dez. 2020. em si. Outra pode estar sofrendo maus tratos em casa, apresentando
baixa motivação para aprender, bem como vulnerabilidade emocional.

92 Neurociência e Linguagem
De acordo com Sampaio e Freitas (2014), nas dificuldades de apren-
dizagem há um descompasso entre o desempenho do aluno e o ní-
vel de desenvolvimento em que ele se encontra e suas capacidades
cognitivas. No entanto, essas dificuldades podem ser transitórias e ter
melhora significativa ao se adaptar o método de ensino para o nível
cognitivo da criança. Segundo Ohlweiler (2016, p. 107):
As dificuldades de aprendizagem podem ser chamadas de per-
curso, causadas por problemas da escola e/ou da família, que
nem sempre oferecem condições adequadas para o sucesso da
criança. Nessa categoria também se incluem as dificuldades que
a criança pode apresentar em alguma matéria ou em algum mo-
mento da vida, além de problemas psicológicos, como falta de
motivação e baixa autoestima.

Portanto, as dificuldades de aprendizagem da linguagem ou


de qualquer outra habilidade são muito mais relacionadas ao
ambiente e a outras necessidades biológicas do que a dificuldades
no desenvolvimento neurológico. Já os transtornos (ou distúrbios)
da aprendizagem envolvem inabilidades em utilizar funções
cognitivas complexas como linguagem, atenção, memória ou
resolução de problemas, por exemplo.
Nos transtornos da aprendizagem, os padrões normais de aqui-
sição de habilidades estão perturbados desde os estágios iniciais
do desenvolvimento, ou seja, não são adquiridos sem decorrên-
cia da falta de estimulação adequada ou de qualquer forma de
traumatismo ou doença cerebral. (OHLWEILER, 2016, p. 108)

Portanto, o transtorno se coloca como uma condição em que


a criança apresenta desempenho muito abaixo do esperado para
seu nível cognitivo e sua idade, e pode ser encontrado em crian-
ças que não apresentam problemas emocionais ou físicos, ou
seja, numa criança considerada “saudável” também pode existir
um transtorno de aprendizagem.

Manuais como a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e


o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-5)
trazem características de diferentes transtornos, porém ainda assim há
dificuldades no diagnóstico. Entretanto, eles concordam que algumas
características são importantes para avaliar a presença ou ausência de
transtorno. Entre essas características estão a história da dificuldade
da criança – isto é, quando começou e como se desenvolveu –, o nível

Transtornos de linguagem 93
de comprometimento das funções cognitivas e a maturação do cérebro
dessa criança (OHLWEILER, 2016).

Os manuais dividem os transtornos de aprendizagem em


basicamente três categorias: leitura, matemática e expressão
escrita. A expressão oral está localizada nos transtornos da fala
(APA, 2014). Essa diferenciação acontece porque os transtornos
da fala não são relativos somente às crianças em idade escolar
ou a dificuldades que se apresentam na aprendizagem. Eles são
de ordem do desenvolvimento e também de traumas que afetam
determinadas áreas cerebrais – como as áreas de Broca e de
Wernicke –, os quais podem gerar transtornos de fala ao longo de
toda a vida, não somente na infância.

Assim, segundo Pedroso e Rotta (2016), os transtornos da lingua-


gem oral podem ser classificados em:

Transtorno
Transtorno do
da fonação Disfasias
ritmo
(disfonia)

Retardo no
Transtorno da
Afasias desenvolvimento
articulação
da fala

O transtorno da fonação gera dificuldades na produção do som


nas pregas vocais, que têm seu movimento prejudicado. Assim, é um
transtorno relacionado à qualidade sonora, ou seja, como o som é pro-
duzido. A disfonia é também muito comum nos meninos passando pela
puberdade, na conhecida “troca de voz”, o que não constitui em si um
transtorno, e sim um processo natural da maturação do aparelho vocal.

Já o transtorno da articulação da fala, ou disartria, é muito ligado


a síndromes como o Parkinson, em que a fala pode ficar rígida ou a
pessoa pode ter dificuldade de controle dos músculos e articulações
envolvidos na produção do som. Caracteriza-se também por uma fra-
queza nos músculos, o que pode gerar uma fala mais lenta.

O mais conhecido transtorno do ritmo é a gagueira, mas esse


transtorno também pode se apresentar em forma de repetição de
sílabas e fala arrastada ou muito rápida, por isso o nome ritmo.

94 Neurociência e Linguagem
Normalmente esses transtornos geram sofrimento psíquico para a Filme
pessoa, e muito mais para a criança, que pode sofrer bullying e ter A gagueira é influencia-
da por fortes fatores
suas relações interpessoais dificultadas.
emocionais e aparece
As afasias são transtornos que dificultam a compreensão ou a normalmente já na infân-
cia, fazendo com que a
expressão da linguagem oral, a depender da área afetada por uma criança sofra muito com
lesão. Assim, não se constituem como um transtorno de aprendi- as dificuldades na comu-
nicação. Um ótimo filme
zagem, uma vez que acontecem quando o indivíduo já adquiriu a para entender melhor
linguagem e, por uma lesão, passa a apresentar grandes incapaci- como se processa esse
transtorno é O discurso do
dades de falar ou compreender a fala. rei. Assista e amplie seus
conhecimentos culturais
Já a disfasia se classifica “como a inabilidade para adquirir a e sobre esse transtorno.
linguagem oral em uma criança com competência cognitiva adequada, Direção: Tom Hooper. Reino Unido:
sem doença e/ou lesão cerebral importante” (PEDROSO; ROTTA, Momentum Pictures, 2010.

2016, p. 124). Ao contrário da afasia, a disfasia é um transtorno


do desenvolvimento que pode acometer a expressão oral, com
dificuldades muito grandes de produção da fala. Pode ser ainda do tipo
receptiva-expressiva, quando a criança não compreende a linguagem Vídeo

e, por conseguinte, também não consegue se expressar. Duas situações são muito
importantes de serem
O retardo no desenvolvimento da fala possui abrangência discutidas quando falamos
em atraso de linguagem.
para diferentes situações, por exemplo: pode ser que uma criança Uma delas é a relação da
apresente dificuldades em adquirir a linguagem oral por falta de dificuldade de aquisi-
ção da linguagem e um
estímulo ou mesmo por ter um outro transtorno de desenvolvimento. possível transtorno do
Normalmente identificamos o retardo da fala naquelas crianças que espectro autista. A segun-
da é a crescente procura
têm constantes dificuldades com alguns fonemas, como o /r/ do dos pais pelo ensino
personagem Cebolinha, da Turma da Mônica, ou então em crianças bilíngue, o qual, para uma
criança com dificuldade ou
com um vocabulário pobre para sua idade. transtorno de linguagem,
pode se tornar uma dupla
Esse último é o que mais encontraremos na escola, pois os ante- dificuldade. Para saber
riores muitas vezes não passam despercebidos aos pais, mas a troca mais sobre esses dois
assuntos, indicamos dois
de letras ou a falta de vocabulário pode ser encarada como falta de vídeos do canal Terapia
socialização ou de um método de ensino. A maioria das pessoas não da criança que levantam
as questões apontadas de
sabe quais são as etapas do desenvolvimento de seus filhos, e assim uma forma crítica. Vale a
não conseguem reconhecer quando uma troca de letras se torna algo pena conferir!

mais problemático à medida que o tempo passa. Disponível em: https://www.


youtube.com/watch?v=XlcpN1wfc-
Quando nos deparamos com crianças que apresentam trocas cons- A&app=desktop. Acesso em: 18
dez. 2020.
tantes ou pouco conhecimento de palavras em idades que deveriam Disponível em: https://www.
estar mais avançadas, devemos ter em mente que essa fase é um pre- youtube.com/watch?v=PmbQMJX_
KO8&app=desktop. Acesso em: 18
ditor de leitura, isto é, se a criança tem dificuldades persistentes na dez. 2020.
compreensão e produção dos sons, é bem provável que tenha proble-

Transtornos de linguagem 95
mas também na leitura e na escrita, podendo vir a apresentar dislexia,
um transtorno da linguagem escrita.
Saiba mais Segundo dados da Associação Brasileira de Dislexia, entre os anos
A Associação Brasileira de de 2013 e 2018, 40% dos pacientes avaliados pela associação foram
Dislexia desenvolve um
trabalho de formação de
diagnosticados com dislexia. Desses pacientes, 67% eram do sexo mas-
profissionais, informação culino e 81% apresentava antecedentes familiares, isto é, dislexia na fa-
à comunidade, diagnós-
tico de pacientes, bem
mília. Ainda, foram identificadas alterações em exames de audiometria,
como de divulgação de processamento auditivo e visual e exames neurológicos (ABD, 2017).
informações de apoio a
profissionais de diversas Por essa amostra podemos perceber que, mesmo sem números
áreas. Visite o site e des-
brasileiros oficiais atuais, temos alta prevalência de dislexia na popula-
cubra os materiais que
podem auxiliar na prática ção brasileira. De acordo com Pedroso e Rotta (2016, p. 136):
pedagógica com alunos
com dislexia. A definição da Associação Internacional de Dislexia, em 2003,
refere-se a um transtorno específico do aprendizado de origem
Disponível em: https://www.
dislexia.org.br. Acesso em: 18 dez. neurobiológica. Caracterizado por dificuldades no reconheci-
2020. mento exato das palavras, na fluência, na soletração e nas habili-
dades de decodificação. Estas dificuldades resultam, geralmente,
de um déficit no componente fonológico da linguagem, não es-
perado em relação às outras habilidades cognitivas e após uma
efetiva instrução escolar. Secundariamente, pode haver proble-
mas na compreensão da leitura com redução no vocabulário e
no aprendizado de base.

Portanto, a dislexia se caracteriza por déficits que envolvem os


circuitos de leitura, com prejuízo no circuito inferior ou acesso direto.
Assim, a criança, ao ler, está sempre ativando a rota superior de leitura,
a decodificação, tornando o processo difícil e demorado. Além de utilizar
majoritariamente o circuito superior, a dislexia também envolve a falta
de compreensão do que é lido, pois a criança não consegue desenvolver
uma boa decodificação, efetuando inúmeras trocas entre os fonemas.

Como apresentado anteriormente, o desenvolvimento da linguagem


oral é um preditor para sabermos se a criança poderá desenvolver
dislexia ou não, pois a leitura tem início no reconhecimento dos sons,
os quais são aprendidos muito antes da alfabetização. Se esse processo
apresentar grandes lacunas, a ligação entre som e forma gráfica ficará
prejudicada (SALLES; CORSO, 2016).

Altreider (2016, p. 231) afirma que:


Na educação infantil, é possível observar fatores preditivos de
prováveis futuros quadros disléxicos: dificuldade (atraso) na
aquisição da linguagem oral; dificuldade de memória fonológica;

96 Neurociência e Linguagem
dificuldade em nomear pessoas, cores, objetos e figuras geomé-
tricas; representações gráficas aceleradas e pobres; e desinte-
resse por letras. Essas características, aliadas à investigação de
possíveis fatores genéticos, são evidências claras e merecedoras
de investigação e estimulação imediata.

Por isso, o papel do professor de educação infantil (EI) é fundamental,


tanto em conhecer as etapas do desenvolvimento linguístico quanto em
avaliar o nível em que seus alunos se encontram individualmente. Essa
avaliação inicial, mesmo que simples e na observação das atividades
diárias em sala, leva a um diagnóstico precoce. É papel de professoras
e professores da EI ter um olhar pedagógico sobre as questões que
envolvem a aprendizagem e, ao verificar alguma diferença muito
evidente em relação a outros alunos da mesma idade, indicar a
necessidade de uma avaliação psicopedagógica e psicológica.

Entretanto, muitas vezes as dificuldades só serão notadas no iní-


cio do processo de alfabetização, mais comumente no primeiro ano do
ensino fundamental, quando a distância entre as crianças disléxicas e
as crianças sem dificuldades de leitura aumenta consideravelmente no
aprendizado da língua escrita.

Conforme Altreider (2016, p. 231):


Já no 1º ano observa-se um distanciamento radical entre o que os
colegas aproveitam do processo lectográfico e o possível aluno
disléxico: os colegas armazenam palavras, fazem associações,
descobrem semelhanças e diferenças entre as palavras e têm
prazer com essas atividades. O aluno com sinais de uma estru-
tura de aprendizagem possivelmente disléxica não reconhece as
vogais com facilidade, apresenta interesse restrito na produção Vídeo
gráfica, esquiva-se de mostrar o que aprendeu (possivelmente A dislexia é um trans-
não tenha aprendido). torno complexo que
possui alguns subtipos. É
De acordo com a autora, até o terceiro ano a dislexia se coloca como importante conhecê-los
para poder auxiliar o
uma hipótese, uma vez que a alfabetização segue até esse ano. Porém, seu aluno, por isso reco-
mesmo como hipótese, devem ser criadas estratégias para que a criança mendamos o vídeo Com-
preendendo os subtipos de
se alfabetize. É notório que desde o primeiro ano a criança apresente dislexia, publicado pelo
grande distância entre o aprendizado dos colegas no quesito leitura. canal Desenvolvimento
Sustentável.
Quando o diagnóstico é fechado, a criança deve ser encami-
Disponível em: https://www.
nhada ao serviço psicopedagógico, para que outras estratégias youtube.com/watch?v=8unLGdy-
QSYI&app=desktop. Acesso em: 18
de ensino possam ser pensadas, pois mesmo que a dislexia tenha
dez. 2020.
componentes de alteração nas rotas de leitura e nas estruturas

Transtornos de linguagem 97
de linguagem localizadas no cérebro, é preciso uma abordagem
interdisciplinar, incluindo-se a família, para propiciar o desenvolvi-
mento da linguagem na criança com dislexia. Dessa forma, Moojen
e França (2016) chegam a algumas estratégias que promovem a
otimização do aprendizado e evitam problemas emocionais, como
baixa autoestima. Veja as estratégias no quadro a seguir.

Quadro 1
Estratégias pedagógicas para crianças com dislexia

Domínio Atividades
Explicar o problema à criança e demonstrar apoio
Dar maior atenção às dúvidas desse aluno
Preparar materiais apropriados para o nível de leitura
Apreciar as qualidades do aluno
Atitudes
Não solicitar leituras públicas, a menos que o aluno tenha tempo
para se preparar para isso

Entender que o aluno vai se distrair, pois a leitura exige muito do disléxico

Não permitir piadas ou bullying


Ensinar a fazer resumos
Permitir ferramentas digitais e corretores
Permitir calculadora, pois demoram mais tempo para aprender a
tabuada
Proposta de
Permitir a gravação das aulas em áudios, para que possam estudar
ação pedagó-
posteriormente
gica
Usar materiais com diversas mídias como acompanhamento do tex-
to (figuras, mapas mentais, tabelas, gráficos, infográficos)
Evitar solicitar a cópia de textos muito longos
Solicitar tarefas de casa menores em relação à leitura e à escrita
Realizar avaliações orais, sempre que possível
Prever maior tempo para a realização de avaliações que envolvam
leitura
Dar instruções breves e objetivas
Avaliação Valorizar mais o conteúdo das produções do que a forma e escrita
corretas
Garantir local de avaliação livre de distrações e barulhos
Possibilitar a utilização de tabela de multiplicação ou calculadora em
avaliações

Fonte: Elaborado pela autora com base em Moojen e França, 2016, p. 155-156.

98 Neurociência e Linguagem
Como podemos perceber, a dislexia, mesmo sendo um transtorno Vídeo
cujas origens são biológicas e genéticas, não pede uma intervenção A apraxia da fala é
medicamentosa, e sim pedagógica, com mudanças de paradigmas de um transtorno que
pode acompanhar um
como a escola funciona e aceita esse aluno. Quantos alunos disléxi- diagnóstico de autismo
cos não passaram anos sofrendo calados porque a escola era inflexível ou não. Para entender
mais o que é esse
com eles? Quantas vezes professores acharam que era preguiça de ler, transtorno e como
e não um transtorno? identificá-lo, assista
à entrevista com a
Assim, embora seja um transtorno que não acontece em de- fonoaudióloga Ana Lúcia
Kozonara no vídeo O que
corrência de métodos de ensino, com certeza se liga a eles para é apraxia da fala, do canal
seu bom desenvolvimento. Em certa medida, essa situação asse- de Mayra Gaiato.

melha-se à dos transtornos de escrita. Disponível em: https://www.


youtube.com/watch?v=il0U7gb-
Os manuais diagnósticos trazem um transtorno de expressão es- NU5k&app=desktop. Acesso em:
18 dez. 2020.
crita. Porém, tais manuais são realizados em outro contexto que não
o brasileiro, e muitas vezes não traduzem as situações acadêmicas en-
contradas em nosso país. Assim, um transtorno que se refere a proble-
mas de gramática, erros ortográficos e pontuação, falta de organização,
coesão e coerência não necessariamente é aplicável em um contexto Livro
em que o ensino da língua materna não alcança a todos como deveria. Para entender melhor
dificuldades e transtor-
Se fôssemos, no Brasil, diagnosticar alunos (jovens e adultos) com nos de linguagem e sua
transtorno de expressão escrita, provavelmente teríamos uma porcen- ligação com o ensino,
indicamos o volume 3 da
tagem altíssima desse transtorno na população. Por isso, devemos, em coleção Desenvolvimento
primeiro lugar, pensar sobre como estamos alfabetizando e ensinando Psicológico e Educação,
intitulado Transtornos
texto, língua e gramática, e não sobre como isso pode se tornar um do desenvolvimento e
transtorno de aprendizagem, mesmo que essa dificuldade esteja ligada necessidades educativas
especiais. Essa obra traz
a outro transtorno de linguagem. capítulos muito relevan-
tes para todos os atores
Transtornos de linguagem estão presentes na escola sem da educação.
que muitas vezes pais ou professores saibam. Mas mesmo que COLL, C.; MARCHESI, A.; PALACIOS,
soubessem, não podemos colocar o foco simplesmente no aluno, J. (orgs.). v. 3. Porto Alegre: Artmed,
2004.
como alguém com um distúrbio que deve ser tratado por um
médico, pela psicologia, pela psicopedagogia, ou por outra área. Se
colocamos o foco no transtorno, naquilo que destoa dos demais,
então a escola se desobriga a tentar novas formas de ensinar, e
precisamos ultrapassar a ideia de que um transtorno de linguagem Atividade 2
é problema do indivíduo, sem participação escolar. Ao contrário, a Explique a diferença entre
dificuldade e transtorno de
escola precisa tomar para si a defesa de novas formas de ensinar,
aprendizagem.
formas que alcancem os alunos com diferentes dificuldades e
distúrbios, e não os excluam, como muitas vezes acontece.

Transtornos de linguagem 99
4.3 Possibilidades de intervenção pedagógica
Vídeo Por muito tempo – e até hoje – pensou-se que as dificuldades de
aprendizagem da linguagem fossem um problema apenas do aluno e
de sua família. Com esse pensamento, ao identificar a dificuldade, a es-
cola muitas vezes solicitava aos pais que fizessem uma avaliação médica
ou psicológica e que procurassem aulas de reforço. Ainda hoje, muitas
escolas oferecem aulas de reforço como atividade de contraturno.

Entretanto, ao focarmos os esforços em reforçar aquilo que está sen-


do trabalhado em sala com crianças tidas como “problemas”, estamos
na verdade gerando a exclusão desses alunos. Se a estratégia for de tra-
balhar dobrado no reforço, então a aula não está sendo efetiva para o
aluno, correto? Mas talvez alguns se perguntem: ora, se o aluno não está
aprendendo, qual é o problema de encaminhá-lo para reforço?

Bem, esse é um problema na medida em que, em sala de aula, os


professores continuam utilizando metodologias que são excludentes,
gerando violência pedagógica com alunos com dificuldades. Se as di-
ficuldades são algo a ser trabalhado separadamente, então a criança
pode ganhar um selo de “criança-problema” para família e escola, e de
“burra” para os colegas.

Não precisamos nos aprofundar nas dificuldades emocionais en-


frentadas por uma criança que sofre bullying dos colegas – e por ve-
zes de alguns professores – para saber que excluir uma criança é um
problema. Além disso, ao não inserirmos a criança nas aulas regulares
com atividades voltadas para ela, estamos criando uma forma de ran-
king, isto é, uma classificação em que os considerados “bons” alunos
são premiados com mais atenção em aula enquanto “maus” alunos são
enviados para o reforço ou para o serviço psicopedagógico.

A dificuldade nessa situação não está no reforço ou no trabalho


psicopedagógico em si, mas na cultura de individualização e
culpabilização do aluno por suas dificuldades, como se elas não
fizessem parte de um processo histórico e de um sistema social que
agrega valores da sociedade na educação. Assim, a patologização tem
sido uma constante na prática educacional, isto é, tratar o aluno com
dificuldade como alguém com uma doença que deve ser tratada, e não
pela escola, por outro profissional (VIANA, 2016).

100 Neurociência e Linguagem


Quantas de nossas crianças estão hoje sendo medicadas por-
que a sociedade não dá mais conta de uma criança e muito menos
de se adaptar a ela?

Conforme Lima (2016, p. 69):


Bipolares, disruptivas, autistas, hiperativas, opositivas, desaten-
tas, desafiadoras, aspergers – somando todas, ainda restariam
crianças normais? As fronteiras entre normalidade e patologia,
especialmente no campo do mental, são constantemente rede-
finidas. No caso de crianças, as mudanças físicas e psicológicas
– o que chamamos usualmente de “desenvolvimento” – instalam
continuidades e descontinuidades que aumentam ainda mais o
desafio de estabelecer claramente essa distinção. Além disso,
como apontou Georges Canguilhem (1904-1995), há sempre um
elemento contextual na definição dessas fronteiras. Normal e
patológico se referem a uma relação entre a criança e seu meio
– familiar, escolar, comunitário, biológico –, não fazendo sentido
discutir esses conceitos e suas aplicações sem que o ambiente
seja levado em conta. Assim, mudanças na visão contemporânea
a respeito da infância, do desempenho na escola, das relações
entre pais e filhos e das novas configurações familiares, do uso
precoce e intensivo de tecnologias – tudo isso deve ser investi-
gado quando pensamos sobre as novas normas na infância e o
que estaria fora da norma. Porém, esses contextos não têm sido
valorizados, parecendo que o transtorno é uma coisa alojada na
criança – “meu filho tem TDAH” – ou algo que se mistura à identi-
dade dela – “meu filho é TDAH”.

Retira-se então a obrigação da escola de se repensar enquanto es- Vídeo


paço de inclusão, pois, ao inserir na criança a culpa por sua dificulda- Vemos cada vez mais a
medicalização da infância.
de, não é preciso que a escola reflita ou se modifique, podendo assim
Você sabe o que é isso?
continuar com as mesmas práticas. Portanto, essa é uma barreira que Assista à entrevista Medi-
calização e patologização
devemos passar para atender a quem merece atenção, o aluno. E um
da infância, publicado
aluno com características que o tornam único e que são moldadas no pelo canal UPFTV, e reflita
sobre o que estamos
contato com os sistemas, entre eles, o educacional.
fazendo com as crianças
Obviamente sabemos das inúmeras situações que perpassam na atualidade.

as salas de aula, em especial das escolas públicas, como baixos Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=JADhk2CG-
salários, cargas horárias altas, sucateamento e falta de formação QYo&app=desktop. Acesso em: 18
continuada de qualidade, que dê ferramentas e desenvolva ha- dez. 2020.

bilidades para que os professores possam mudar sua forma de


atuação. Além disso, há a necessidade do envolvimento da comu-

Transtornos de linguagem 101


nidade, seja na valorização da educação ou no acompanhamento
do desenvolvimento dessas crianças, lutando por mais direitos e
melhorias nas escolas de suas comunidades.

Entretanto, enquanto profissionais da educação, devemos sempre


buscar possibilidades de gerar engajamento e aprendizagem, espe-
cialmente quando temos crianças com dificuldades. Por isso, a seguir
trazemos algumas opções de atividades para estimular o desenvolvi-
mento da linguagem em diferentes níveis. Esses exercícios são apenas
uma pincelada de possibilidades e servem como um despertar para
que você compreenda que mesmo as atividades mais simples e com
poucos recursos podem gerar um grande resultado.

4.3.1 Linguagem oral


Quando falamos de compreensão oral, há alguns fatores decisivos para
o bom desenvolvimento dessa habilidade, veja-os no quadro a seguir.

Figura 3
Fatores envolvidos na compreensão da linguagem oral

Discriminação Habilidade de diferenciar sons,


auditiva como /p/ e /b/

Acuidade
Capacidade de escutar os sons,
auditiva
isto é, a própria audição

Discriminação Capacidade de focar um som


figura-fundo específico, mesmo com outros
sons periféricos

Trajetória Diz respeito ao ambiente, se ele


vital propicia estímulos ou não

(Continua)

102 Neurociência e Linguagem


Atenção Habilidade de fixar a atenção por um período em
auditiva um determinado som, como em uma aula

Memória
Habilidade de lembrar de sons para que sejam
auditiva
reconhecidos posteriormente

Idade A capacidade de foco e atenção vai se


desenvolvendo com a idade

widd/Shutterstock
Fonte: Elaborada pela autora com base em Gómez e Téran, 2008.
Segundo Gómez e Téran (2008), podemos dividir as atividades para
crianças da educação infantil em:

1. Consciência fonológica: reconhecimento e reprodução dos sons

• Imitar sons da natureza e do mundo (animais, trovão, carros, sirenes etc.).


• Repetir e apreciar poesias, quadrinhas e cantigas com muitas rimas.
• Nomear o objeto presente em uma figura e, em seguida, outro com o mesmo som inicial da
palavra anterior.
• Exercitar os lábios, a mandíbula e as bochechas, para fortalecer os músculos e melhorar a
produção dos sons.
• Exercitar a língua e emitir diferentes fonemas, em especial os mais complicados, como /nh/ ou /lh/,
com auxílio da tabela fonética.
• Exercitar a respiração soprando bolinhas de sabão, tocando flauta ou enchendo balões com a boca.

2. Ampliação de vocabulário: compreensão do significado de novas palavras


Atividades
• Jogos: tabuleiro, imitação, criação oral, para ampliar o vocabulário, com participação ativa do
oralidade
professor, o qual deve inserir novas palavras e elementos na brincadeira.
EI • Experiências diversas: cozinhar, plantar, observar a natureza e diferentes objetos são ótimos para
inserir novos conceitos e palavras.
• Histórias: leitura dramatizada de um livro de literatura infantil ou uso de fantoches para engajar os
alunos a descobrirem novas palavras.
• Teatro: mímicas para adivinhar palavras e encenação de pequenas histórias, para treinar
diferentes palavras.
• Música: atividade de expressão oral, as músicas devem ser curtas e com rimas, acompanhadas
com tambores ou palmas para marcar o ritmo das sílabas.
• Discussão em grupo: resolver problemas em um debate com opinião e o uso de novas palavras.

3. Desenvolvimento da sintaxe: comunicação clara e compreensível

• Identificar sujeito e verbo em frases e pequenas histórias, as ações e características do


personagem.
• Construir histórias indicando elementos de tempo, espaço, ação etc., indicando o que, com quem,
por que, como, quando e onde a história aconteceu.

Transtornos de linguagem 103


Vídeo A seguir, veremos algumas atividades para compreensão e expressão
Uma música muito
oral em crianças no ensino fundamental:
conhecida e que utiliza
a mudança de vogais
é O sapo não lava o pé.
•• Com base na gravação de sons, pedir que os alunos tentem
Assista ao vídeo com a reconhecê-los.
canção toda, publica-
do pelo canal Galinha •• Fazer imitações de sons com elementos, como usar radiografias
Pintadinha. Esse vídeo
também pode ser utili- antigas para produzir som de trovão ou amassar papel celofane
zado em sala de aula.
para o som de chuva, o qual também pode ser feito com o estalar
Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=0JkSpP- de dedos de vários alunos.
ZJDkE&app=desktop. Acesso em:
18 dez. 2020. •• Dançar em diferentes ritmos musicais ou tentar encontrar o
ritmo com os pés e as mãos.

•• Dança das cadeiras ou então utilizar-se de aros ou marcas no


chão. Quando a música parar, o aluno precisa parar também, in-
dicando que estava prestando atenção ao som.
Vídeo
•• Cantar cantigas mudando as vogais, como na música do Sapo não
O vídeo a seguir traz
algumas técnicas para lava o pé.
ampliar o vocabulá-
rio dos alunos, com •• Solicitar que leiam a mesma frase com diferentes pontuações e
destaque para a técnica
“compare, combine, entonações. Um exemplo é escrever no quadro uma frase como
contraste”. Assista a
O gato fugiu e, na sequência, ir alternando entre os sinais de pon-
Como ampliar e apro-
fundar o vocabulário tuação (?), (!) e (.).
dos alunos, publicado
pelo canal Fundação •• Falar palavras em voz alta e prestar atenção na forma dos sons,
Lemann, e aprenda
técnicas muito interes- começando com as vogais e ir aumentando a complexidade com
santes.
as consoantes.
Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=wtWr- •• Brincar com trava-línguas e telefone sem fio é um ótimo treino,
cxz_PSc&app=desktop. Acesso
em: 18 dez. 2020. tanto para a compreensão quanto para a expressão.

4.3.2 Linguagem escrita


A seguir trazemos algumas atividades que podem ser utilizadas tan-
to na educação infantil quanto no ensino fundamental; dependerá de o
professor compreender a necessidade de seus alunos e escolher ativi-
dades que os atendam, tais como:

104 Neurociência e Linguagem


Utilizar elementos Caça-palavras com palavras
que sejam sensoriais familiares.
para ensinar a ligação entre
forma e som, como caixa de areia Formar
e massa de modelar, solicitando palavras
à criança que produza as com base em
letras. uma sequência de
letras aleatórias. Por exemplo,
entregar ao aluno a sequência
De olhos fechados, pedir
bmwdejosa e pedir que encontre
que a criança adivinhe a letra Realizar
letras que formem uma
em alto relevo. Pode ser com grãos atividades com
palavra, nesse
colados ou uma letra feita de frases inconsistentes
caso, mesa.
madeira ou plástico. e pedir aos alunos que
Entregar uma encontrem os erros. Por exemplo:
letra de uma “Seu cabelo preto brilha como uma pepita
palavra difícil para Entregar palavras de ouro”. Os alunos terão que encontrar e
cada aluno de um grupo e inventadas aos alunos e explicar que o erro está na pepita de
pedir que formem a palavra. Por pedir que encontrem a palavra ouro, que é dourada, logo o
exemplo, um grupo com sete alunos inteira dentro de uma sequência. Por cabelo preto não pode
pode receber as letras da palavra brilhar como o
exemplo, a sequência dileleiterr
aplauso soltas, devendo ouro.
contém a palavra leite.
encontrar a palavra
em grupo.

As atividades indicadas aqui sugerem que o professor entenda qual


é o nível de desenvolvimento da linguagem de seus alunos e atue bus-
ca ativa de atividades, jogos, brincadeiras, instrumentos e técnicas.
Somente assim, com um olhar para cada aluno e na compreensão do
desenvolvimento individual, perpassado pelas relações escolares, é Vídeo
que o professor trabalhará na inclusão desse estudante. A consciência fonológica
é habilidade fundamen-
Segundo Oliveira e Braga (2011, p. 518): tal para o aprendizado
da língua escrita, por
Após quase duas décadas de investimentos e discussões para isso é tão importante
mudanças estruturais e de concepções acerca dos pressupostos que ela seja bem traba-
lhada. Assista ao vídeo
da Educação Inclusiva, ainda predomina o pensamento de que
a seguir, publicado pelo
a Educação Inclusiva deve voltar-se unicamente aos alunos em canal Como educar com
situação de deficiência […]. Em função disso, ainda observa-se música, para descobrir
atividades de consciên-
um predomínio de ações voltadas para a inclusão escolar, que cia fonológica.
levam em consideração apenas esses indivíduos, sem que haja
Disponível em: https://www.
uma efetiva reflexão de que há vários outros que não se encon- youtube.com/watch?v=N3dn-
tram em situação de deficiência e que acabam sendo vítimas de cYoJl8w&app=desktop. Acesso
em: 18 dez. 2020.
exclusão proveniente do âmbito escolar.

Transtornos de linguagem 105


Livro Portanto, quando falamos de inclusão, englobamos também alunos
Para atividades diferentes
com transtornos e dificuldades de linguagem, não sendo um termo que
nas aulas de Língua Por-
tuguesa, indicamos o livro se relaciona apenas à deficiência, como muitos ainda pensam. Segun-
Dinâmicas e jogos para
aulas de Língua Portugue-
do as autoras, a exclusão de alunos com dificuldades e transtornos de
sa, que traz explicações e aprendizagem e de linguagem se dá em especial pela metodologia em-
dicas de diversas dinâmi-
cas a serem realizadas na pregada na alfabetização.
escola. Confira!
Dessa forma, antes de colocar sobre o aluno a responsabilidade de
SILVA; S.; COSTA, S. São Paulo:
Vozes, 2017. suas dificuldades, é preciso que a escola reveja sua cultura e seus mé-
todos de ensino, pensando que todos os alunos merecem ser incluídos
no processo de ensino-aprendizagem.

Artigo

https://www.scielo.br/pdf/rbee/v17n3/v17n3a11.pdf

Atividade 3 Para refletir mais sobre a intervenção pedagógica pensada para transtornos
e dificuldades de linguagem, indicamos a leitura do artigo Intervenções em
As dificuldades de linguagem linguagem escrita: uma revisão da literatura com vistas à redução dos transtornos
são características que podemos funcionais de aprendizagem, de autoria das docentes Jáima Oliveira e Tania
atribuir somente aos alunos? Moron Saes Braga e publicado pela Revista Brasileira de Educação Especial.
Que tipo de intervenção é Nesse artigo você encontrará diferentes pontos de vista sobre intervenções
pedagógicas, podendo se aprofundar naquelas que achar mais interessantes.
preciso para saná-las?
Acesso em: : 18 dez. 2020 .

CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Neste capítulo vimos algumas discussões muito atuais no âmbito
escolar, as quais esperamos que você aprofunde em outras leituras
e pesquisas, pois cada vez mais temos visto um movimento de conter
crianças, o qual não permite que sejam crianças que correm e desco-
brem o mundo, sendo, contudo, constantemente tolhidas pelo bem
de ficarem sentadas, em ordem. Nesse movimento, escola e medicina
entendem a criança como alguém que apresenta uma lista de sintomas
que devem ser catalogados, rotulados, medicalizados. Assim, temos
alunos cada vez mais estigmatizados no processo de aprendizagem,
gerando transtornos emocionais, repetências e abandono escolar.

A escola precisa compreender esse movimento e caminhar em ou-


tra direção, a de compreender que cada aluno tem seu tempo, com
ou sem transtorno. Além disso, o aprendizado é um fator complexo

106 Neurociência e Linguagem


que depende de um sistema também complexo: a criança, sua famí-
lia, a escola, os professores, os colegas, as atividades, o método, entre
outros. Portanto, a escola precisa agir cada vez mais no sentido de
incluir todos os alunos, compreendendo que é preciso buscar novas
formas de ensinar.

REFERÊNCIAS
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www.dislexia.org.br/estatisticas-2013-2018/. Acesso em: 18 dez. 2020.
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R. S. (orgs.). Neurologia e aprendizagem: abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed,
2016.
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mentais: DSM-5. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
BEE, H.; BOYD, D. A criança em desenvolvimento. Porto Alegre: Artmed, 2011.
BOWLBY, J. Uma base segura: aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes
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LEMOS, E. R.; CERQUEIRA, J. B. O sistema braille no Brasil. In: Benjamin Constant, ano 20, ed.
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Conversações em Psicologia e Educação. Rio de Janeiro: CFP-5, 2016.
MOOJEN, S.; FRANÇA, M. P. Dislexia: visão fonoaudiológica e psicopedagógica. In: ROTTA,
N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. D. (orgs.). Transtornos da aprendizagem: abordagem
neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Grupo A, 2016.
OHLWEILER, L. Introdução aos transtornos da aprendizagem. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER,
L.; RIESGO, R. D. (orgs.). Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e
multidisciplinar. Porto Alegre: Grupo A, 2016.
OLIVEIRA, J. P.; BRAGA, T. M. S. Intervenções em linguagem escrita: uma revisão da literatura
com vistas à redução dos transtornos funcionais de aprendizagem. Revista Brasileira de
Educação Especial, Marília, n. 3, v. 17, p. 517-516, set./dez. 2011.
PEDROSO, F. L.; ROTTA, N. T. Transtorno da linguagem. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER,
L.; RIESGO, R. D. (orgs.). Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e
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SALLES, J. F.; CORSO, H. V. Preditores neuropsicológicos da leitura. In: SALLES, J. F.; HAASE,
V. G.; MALOY-DINIZ, L. F. Neuropsicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. Porto
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SAMPAIO, S.; FREITAS, I. B. Transtornos e dificuldades de aprendizagem: entendendo melhor
os alunos com necessidades educativas especiais. Rio de Janeiro: Wak, 2014.
VIANA, M. N. Interfaces entre a psicologia e a educação: reflexões sobre a atuação em
psicologia escolar. In: FRANSCHINI, R.; VIANA, M. N. Psicologia escolar: que fazer é esse?
Brasília: CFP, 2016.

Transtornos de linguagem 107


GABARITO
1. Não, embora haja um caminho que é mais ou menos comum a todas as crianças,
elas podem apresentar variação de alguns meses para mais ou para menos no
desenvolvimento das habilidades necessárias. Isso se dá tanto por questões de
maturação do sistema nervoso quanto pelo ambiente de aprendizagem no qual
a criança está inserida.

2. A dificuldade de aprendizagem envolve uma distância entre o nível de desenvolvimen-


to da criança e seu desempenho nas habilidades acadêmicas. Já no transtorno há uma
perturbação das habilidades de aprender certa tarefa, envolvendo fatores neurológi-
cos e, por vezes, genéticos.

3. As dificuldades de linguagem ou de aprendizagem derivam de diversos fatores, entre


eles: emocionais, ambientais (falta de estímulo, por exemplo) e relacionados ao mé-
todo de ensino utilizado para aquela criança em específico. Assim, a dificuldade de
linguagem não é uma característica que deve ser tratada como uma doença ou um
problema orgânico, e sim vista como um problema sistêmico, isto é, uma situação
dentro de um sistema que envolve família, professores, escola, colegas, método de
ensino e aluno. Portanto, as intervenções devem ser pensadas para cada estudante,
com base em sua dificuldade, sempre com essa visão sistêmica.

108 Neurociência e Linguagem


Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6724-4 NEUROCIÊNCIA
LINGUAGEM

NEUROCIÊNCIA e LINGUAGEM
9 788538 767244

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