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PELO EM OVO

Desde os 15, quente cera na xabasca, arranca-couro danado, a troco


de quê?, uns fiapinhos. Antes, aos 13, foi gilete, cada corte, e muito mais,
pus-bereba, coça-coça, encravados, então, nem fala. Primeiro salário,
aquela coisa, dá-lhe laser. “Definitiva”, balela, “indolor”, até parece, mas
dolorido mesmo as prestações, doze, no total, R$120 todo mês. Depois,
ainda, o incômodo da calcinha, porque bicho teimoso é pentelho, não há
meio, sempre inventa de nascer, tipo flor que fura asfalto. Podia até
demorar, e às vezes demorava, mas voltava, maldição, coisa triste ser
mamífera, filha-bicho do macaco. Vejam bem: voltava pra logo ir-se. O
fato é que pelo, ela nunca suportou. Nunquinha. Já nem lembrava do
formato, da textura. Se nessa vida chegou a ser algo, esse algo: lisa, lisinha,
lisíssima, qual bumbum de bebê.
Isso dito, um caso bobo, esquisito, já explico, a surpreendeu.
Mortificou, é essa a palavra. Voltemos no tempo: criada por pai solo, já aos
8 que lavava suas calcinhas. E secava, e dobrava, e guardava. Sempre foi e
sempre será, era assim. Agora, casada, também lidava com as cuecas do
marido. Ele viril, policial, vai cuidar de lavar roupa? Vai nada. Até aí tudo
bem. O cabuloso inda por vir. Vocês não vão acreditar.
Carlos Alberto, vulgo esposo, peludão, mui do másculo, áspero, já
não disse?, disse, então; machão. E ela, fêmea, priquita pelada, depenada,
macia, uma beleza. Já sabem disso tudo. Vou direto ao ponto. Ela abriu a
gaveta, a dela, pois a dele era outra, e uma minúcia chamou sua atenção. O
microscópico amassado na lisura da calcinha, a branquinha, a de seda, com
rendinha, como assim? Assim. E enroscado ali no meio, aleatório, absurdo,
ninguém menos que um... pentelho?
Juro por Deus. Parece bobagem; poderia ser do gato, mas gato não
havia, do rato, então, mas rato também não, dedetizaram semana retrasada.
Um pelinho besta, quem encucaria com essa mixaria? Ela. Analisou o dito
cujo com olhar de CSI. Curvo, grosso, preto - pubiano.
Calcinha em mãos, não hesitou: cafungou. E digo mais: meteu a
língua. Sabor de pano, claro, mas retrogosto salgadinho. O cheirinho, por
trás da lavanda do amaciante, inconfundível, o sabia muito bem: p-i-r-o-c-
a.
Correu ao cesto de roupa suja. Como louca o revirou, clamando a
Deus pra que não fosse o que achava que era. Mas era. Agarrou uma cueca
imunda de Carlos Alberto, localizou as manchinhas amarelecidas na parte
dianteira e com a pinça retirou um pentelhinho. Este e o outro, lado a lado,
analisou: raiz e caule, largura e comprimento, tonalidade, opacidade,
consistência. Vinham do mesmo lugar, farinha do mesmo saco, já não
restava dúvidas. Apenas uma: por quê?
Eis o seu problema cabeludo.

Por sorte Carlos Alberto o que tinha de gato tinha de burro. Seria
fácil preparar-lhe uma armadilha. Se o puto, pelo jeito, gostava de renda,
renda ele teria. Primeira vez na vida foi pisar num sex shop, e escolheu, do
estoque de vulgaridades, o que lhe pareceu mais vulgar. Um pedacinho de
pano, mal podia ser chamado de calcinha, todo rendado, fio dental e com
uma abertura na frente. Seu diferencial: GPS. A balconista explicou, é
perfeito para casais que querem apimentar a relação com brincadeiras de
sequestro, esconde-esconde, dominação, enfim, infinitas possibilidades.
Parcelou em 8 vezes sem juros.
Obstinada, vestiu o trapinho, que insuportável se enfiou no rego,
entalou entre as nádegas. Caberia direitinho no marido, aquele bunda seca.
Quando ele chega em casa, suado e de uniforme, ela quase se assanha, mas
pensa-lo na calçola bastou pra apagar o fogo. Prossegue com o plano: o
seduz, mostra a raba de coelhinha, rebola aqui, rebola acolá, brinca com a
abertura, faz ver a vulva, mas fecha os botõezinhos e decreta: hoje, não.
Vou deixar guardadinho no fundinho da gaveta, pra uma ocasião especial.
Na gaveta, tá?
Agora era esperar. Para incentivá-lo, inventa a desculpa de ir passar
uns dias no pai, pois este, hipocondríaco, estaria sofrendo ataque de
misteriosa enfermidade.
Tentou que tentou se acalmar. A internet dizia ser normal homem
usar calcinha. Fetiche saudável, muitos casais vivem felizes para sempre
praticando crossdressing, ele de lingerie, ela de cueca, que é que tem, abra
sua mente.
A mente não só não abriu como o estomago embrulhou. Decidiu: se
confirmada a patacoada, o casamento ao beleléu. E outra: qual a do cabra
que decide usar calcinha só pra si? Farejou o óbvio: sirigaita. Ou pior!
Sirigaito.

O mundo não acabou em água, nem em fogo, sequer em pandemias


ou bomba nuclear. Acabou quando ela viu, da tela do computador, a
calcinha em movimento.
O GPS rastreou perverso crime. Carlos Alberto, ao invés de se
dirigir, como de costume, à delegacia, foi parar lá longe, num cu do mundo
duvidoso. O Google Maps revelou ser um galpão, fantasmagórico em seu
abandono, todo pichado, uma derrota. Sentiu-se duplamente traída. Nem
pra pagar motel?! Não hesitou. Barraco em mente, pegou guarda-chuva,
spray de pimenta e chamou um Uber.
Durante a viagem, pôde enfim desabafar. Felizmente a motorista
era garota, e corna, como todas, então entendia seu martírio. Ela
aconselhou vingança, sentar em Deus e o mundo, que quicar é catártico.
Mas confessou baixinho ter tesão em boy de fio dental. Ninguém é perfeita.
Chegou. Cara a cara com o galpão. Esquecera o guarda-chuva no
carro da corna. Paciência. Agora: sangue nos olhos. Na cabeça obsessão:
flagrar o tarado, capar o tapado, surrar o safado. Desgraçado. Ligou.
Chamou, chamou, ele rejeitou. Cara de pau. Mas não vai ficar barato.
Ligou mais vinte vezes. Vinte e uma chamadas perdidas, ele resolve
atender.
- Não posso falar agora...
- Tô aqui fora.
Deu nem um minuto, o cachorro vem correndo. A pega no braço com
a urgência dos pilantras e tenta arrastá-la pra longe. Mas ela dispensa
explicações. Esvazia em Carlos Alberto a pimenta do spray.
- Não é o que está pensando!
- Sem vergonha!
- Não podem te ver aqui!
- Deixe minhas calcinhas em paz!
- É pra sua segurança...
Talvez fosse, pois nesse instante surge por trás uma mãozona que
enfia na sua fuça o clorofórmio. Cai dura.

É nessas horas que pedimos pra morrer. Acorda com o crânio em


chamas e o esôfago maltratado.
Apercebe-se no bojo dum torso robusto, e a sua volta, muitos outros
como este. Ali no colo até que era confortável, mas seu raptor a larga pra
dar com a bunda no chão. Então pôde ver.
O marido peludão, reconhece-o peladinho, rendido e algemado, na
cara o couro duma máscara cruel.
Ela, de pés e mãos amarradas, o corpitcho depilado, pelado, assim à
Deus dará; houvesse pelos, teria arrepiado.
Teto também não havia, só o céu em ruínas, sem nuvens nem
estrelas. Velas pretaspor todo o salão, e ao meio, um cavalo. Égua, a julgar
pela doçura da cona. Prenha, a julgar pelo barrigão. Três metros, no
mínimo, geneticamente adulterada. Inventaram ainda de dotá-la com
cintaralho, também este monstruoso; o dildo de ferro, encravado de
detalhadas veias e prepúcio, incandescia.
- Onde vão enfiar isso daí?
Foram, desde que abrira os olhos, suas primeiras palavras; e ainda
algo lhe dizia que podiam ser as últimas.
Estavam, ela, Carlos Alberto e a égua, rodeadas de machos de
calcinha. Uma mais feiosa que a outra, beges, esgarçadas, com manchas de
freadas. Apenas um, o grandalhão, o varonil, quase gorila de tão hirsuto,
tinha bom gosto: vestia aquela comprada ontem no sex shop.
O marido grunhindo pedindo perdão. Ao bando, não a ela. O
machão, que parecia o líder,omete um chute na boca do estômago.
- Agora é tarde.
A multidão vai ao delírio. Esperneiam, urram, cospem impropérios
feito torcida de futebol. O alfa de fio dental ergue a mão, e todos silenciam.
- Paspalho patife palerma. Tinha uma única tarefa – Carlos Alberto
choraminga. Recebe uma catarrada. – Incompetente.
Murmúrios ansiosos. Os crossdressers indagam-se se o procedimento
dará certo. A cavala balança a cauda.
Um dos acalcinhados de menor importância tira do rabo um punhal e
oferta-o ao mestre. Ele se aproxima de Carlos Alberto, com um único
movimento arranca seu dedão do pé, e depois vem vindo, olhando bem nos
olhos dela, uns olhões assim tão afiados quanto à faca.
Ela resigna: é o fim. O alfa ergue o punhal. Prepara-se para o golpe.
E o desfere contra as cordas que prendiam seus membros.
- Desculpe o inconveniente. Está confortável? Aceita uma água?
Oferecem-lhe um cálice de água. Desconfiada, acha de bom tom
recusar.
- Uma cueca para cobrir as vergonhas?
Entregam-lhe uma samba canção cheia de furos, muito coerente com
o dresscode do evento. Aceita a contragosto. O macho dá às costas,
caminha tranquilo, pisa nos ovos de Carlos Alberto como se esse não
passasse de um tapetinho agonizante, e volta pra junto da égua.
- Que sirva de lição, camaradas. Sejamos criteriosos com quem
aceitamos em nosso círculo. – pausa dramática. Ergue o dedão decepado -
Mas nem tudo está perdido.
Era o que a turba queria ouvir. Incendeiam-se. Cumprimentam uns
aos outros com abraços calorosos, desviando-se os quadris, cheios de
tapinhas nas costas e enérgicos apertos de mão. Até Carlos Alberto,
humilhado bem ali na sua poça de xixi (mijara), esboça um alvoroço.
O mestre dá uma saidinha e volta portando uma antena parabólica.
Enquanto a acopla na cabeça da égua, todos no círculo de acalcinhados
colocam um microfone headset, iguais aos que a Britney Spears usa nos
shows.
Tremulava a chama das velas e as sombras todas com o aspecto de
fantasmas. Os machos engatam cantoria numa língua há muito morta, em
tom de liturgia. Vão fechando o cerco. O líder, maestro e bruxo cibernético,
coordena a cacofonia, vez ou outra bradando um incentivo.
- As cinzas do agora são o sêmen do amanhã!
Ereção generalizada por baixo das calcinhas.
- Estão chegando!
A cavala se atiça. O alfa, acarinhando a crina sedosa da bichona, dá o
dedão de Carlos Alberto pra ela comer. Sua pica prostética balança
ameaçadora e cresce uns bons centímetros. A antena parabólica vibra.
- Estão prontos?
Estavam.
- Saudemos ao novo mundo!
Saudaram.
- Já é hora...
Ela, no chão, sente chegando um algo de um fundo muito fundo.
Todas as velas se apagam. Lá em cima, no cerne do céu sem teto, uma
única estrela brilha de dilacerar a noite toda. A potranca relincha. Seu
ventre inchado rebuliça.
- Elus estão entre nós.

É mesmo muito estranha a vida secreta dos esposos.

PERGUNTAS

- tem muita diferença de tom entre o começo e o final? Incomoda?

- o começo sobre depilação parece enrolação ou contribui pro desenvolvimento da


história (como ponto de partida)?

- o final é bobo?

- alguma frase ficou confusa/mal construída? (por protagonista e o macho alfa não
terem nomes, sofri um pouco)

- a descrição do ritual ficou mto longa/com mta informação?

- o humor no ritual atrapalha mto a tensão ou cabe, por causa do conto no geral?
- vcstbm acham a frase “a julgar pela doçura da cona” problemática? Queria mudar
mas não sei pelo que

- cabem aqueles babados dos contos de: caráter episódico / hist. Secreta / fato
inexplicável / objeto simbólico?

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