Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Seria este um lindo fim, não? Justiça sendo feita etc. Sinto informar
que não foi assim tão fácil. O pesadelo, para a Serra do Peru, estava apenas
começando.
Uma semana após a prisão de Waldir, desenrolou-se o terrível evento
que ficou conhecido como A Noite das Mil Mamadas. Tal nome um
exagero, pois não foram mil, nem mamadas, mas vai dizer isso pro povo.
Tratava-se de um equívoco, compreensível, é certo, devido à posição em
que foram descobertos os novos cadáveres. Sete, ao todo, espalhados por
toda a extensão da Serra. A maioria foi encontrada pelas esposas. Os sete
com os braços erguidos, as mãos unidas por trás da cabeça e a cara de
prazer. Além das calças arriadas, o corpo murcho e o pau rijo.
Um olhar mais atento saberia que na verdade a fatalidade começara
pela bunda: lá estavam os furinhos, e era justo supor que através deles se
havia sugado o sangue dos assassinados. O curioso era que, assim como
Saci Pereira, Petrúquio Fernandes, Mané José, seu Taço e nhô Bugalho,
nenhum apresentava sinais de agressão, como se não tivessem resistido,
pelo contrário; se entregado à morte de bom grado.
Phelipão e Tetéu pra lá e pra cá, lidando com defuntos, perícias
eparentes das vítimas. Pra ajudar, dona Gertrudes ameaçava processá-los.
A situação estava fora de controle.
- Phelipão, não é o caso de acionar a Polícia Federal?
- Melhor ir ter com o padre.
Os sacerdotes todos uns bunda-moles, negaram a eclesiástica ajuda.
De acordo o bispo, mamão com açúcar reconhecer obra do demo, mas este
não era o caso. A única coisa diabólica ali consistiana devassidão dos
homens da cidade.
Assim sendo, fazia-se necessário considerar a hipótese do assassino
não ser um só, mas legião. Possivelmente uma gangue sensual. As mortes,
ainda que geograficamente distantes, aparentavam ter ocorrido em horários
muito próximos.
Voltando a delegacia, o chefe ralhou:
- Palhaçada!
- Que houve?
- Sua vida íntima é problema seu.
- Tá?
- Mas não quero mais saber de sirigaita vindo aqui te procurar.
Estamos entendidos?
Forçosamente escondidana sala do delegado encontrava-se a
ruivíssima Paloma Inocêncio.
- Sentiu saudades?
- Em que posso ajudar, senhora Inocêncio?
- Vovó Griselda mandou vir busca-lo.
- Avise que estamos ocupados.
- Que isso, Phelipe. Pra uma belezura dessas, arranjamos um
tempinho– Tetéu arrastando asa pra rameira.
- Ela disse que é do seu interesse.
- Duvido muito.
- Disse que tem informações sobre a chacina... – completou,
sedutora.
Phelipão e Tetéu a acompanharam: o primeiro a contragosto, o
segundo gostando e muito.
O puteiro andava às moscas. A maioria das garotas ainda dormia.
Acordada só a criança careca de 50 anos, esfregando o chão com uma
escova de dente. Phelipão a cumprimentou, mas ela era puro rancor.
Vovó Griselda vestia apenas um robe de seda cor-de-vinho e abraçou
o detetive como se fossem bons amigos. Abraçou também Tetéu, que a
apertou mais forte do que mandam as boas maneiras.
- Tempos difíceis, né? – lamentou a cafetina.
- O que fez a senhora mudar de ideia? Antes não parecia disposta a
colaborar.
- Sou um ser humano! Não aguento mais tanto sangue derramado.
- Por acaso os mortos eram seus clientes?
- Sim. A situação é péssima para os negócios. Venha, tem alguém
que quero lhe apresentar.
- Quem?
- Minha avó.
Phelipão engasgou. Tetéu estranhou. Se Griselda tinha 200 anos,
quantos não teria sua avó?
A cafetina os guiou a um puxadinho no fundo do quintal. Assim que
abriu a porta, foram tragados por um bafo azedo de reumatismo e morte. A
mulher deitada na cama era de fato um dinossauro. Phelipão impacientou.
- Tá de brincadeira?
- Respeite os mais velhos, seu Phelipe. Temos muito a aprender com
eles.
- Que é que a múmia sabe sobre serial killers?
- Ela já viu de tudo. E tem memória de elefante.
Griselda explicou que Tataravó Isolda despertara da hibernação
somente para compartilhar um causo nefasto da época da Colônia. De
acordo a anciã, ali, muito antes da Serra do Peru ser a Serra do Peru, uma
matança muito parecida com a dos dias atuais aterrorizara bandeirantes,
indígenas e quilombolas, sem distinção.
Tataravó Isolda, porém, tinha o péssimo hábito de só falar em versos.
Antes estivesse. Mais tarde, nesse dia mesmo, quem deu pra morrer
foi ninguém menos que o prefeito. Trancado desde cedo na sua sala,
ninguém na prefeitura viu quem quer que seja entrar ou sair. Mesmo assim,
a secretária o surpreendeu pelado e mais que falecido. Chamou a polícia.
Phelipão e Tetéu estavam exaustos. A corporação na Serra do Peru
não tinha estrutura para tragédias desse porte. Chegando lá, foram direto
averiguar as dentadinhas no cu, só pra garantir, e garantiram. Apesar de
acreditarem já ter visto de tudo, foram capazes ainda de se chocar com o
estado do morto: como os outros, ressequido, mas mais, muito mais, sua
murchidão era hiperbólica. O prefeito fora transformado em tapete: sugado
não só seu sangue, mas todos os órgãos internos. Pele e osso, sem osso,
literalmente. O pinto ereto era a única coisa tridimensional.
Prenderam preventivamente a secretária, por ser só isso que podiam
fazer. Foi decretado luto oficial de duas semanas, instaurado toque de
recolher e estado de sítio.
O populacho trancou-se em casa, de quarentena. Isso não os impediu
de vir a conhecer as peripécias do incidente. Quando os vizinhos se
encontravam, trocavam furtivas palavras:
- E o prefeito, cê viu?
- Morreu pelo cu.
- Jeito horrível de morrer...
Phelipão andava um trapo. Tetéu, a despeito das evidências, ainda
não acreditava na teoria da Chupa-Cabra. Como podia ser tão cego? A PF
chegou pra auxiliar, o que diminuiu consideravelmente a quantidade de
trabalho dos detetives. Porém, eram uns abobalhados. Quando expôs o caso
a eles, apresentando uma louvável coleta de dados em livros de história,
arquivos oficiais e registro oral que provava a existência pregressa da
Chupa-Cabra, os federais só riram da sua cara. Achavam-se os bambambãs.
Encontrar a criatura tornou-se a razão da sua existência. Pelo andar
da carruagem, não demoraria muito. Todo dia morria um. As mulheres, ao
que tudo indica imunes à carnificina, passaram a ocupar postos de trabalho
tradicionalmente masculinos. A Serra do Peru encheu-se de pedreiras,
bombeiras, mecânicas, boiadeiras, engenheiras e jogadoras de futebol. Os
machos sobreviventes as viam, cheios de inveja, desempenhar todas
aquelas funções de maneira excepcionalmente competente.
Nasceu também uma improvável amizade entre o detetive e a
cafetina. Phelipão, não o levem a mal, continuava a desprezar a
imoralidade de Vovó Griselda, porém a velha era a única com quem podia
compartilhar sua obsessão pela Chupa-Cabra. Destrinchavam uma por uma
as palavras de Tataravó Isolda, investigavam o passado da monstra e
tentavam prever seus próximos passos. Griselda até que era esperta.
- Tenho um plano.
- Desembucha.
- Mas você não vai gostar...
- Estou disposto a qualquer coisa.
- A Chupa-Cabra ama cu, certo?
- Sim.
- Ela “trafica prazer anal”.
- Suponho que sim.
- E é gulosa.
- Onde quer chegar?
- E se você oferecer o toba?
- Meu Deus...
- Escute! Tudo que tem a fazer é deixar a janela aberta, ficar de
quatro e chamar seu nome.
- “Só” isso?!
- E quando ela aparecer, a gente a captura.
- Não gosto da ideia de ficar de quatro com você ao lado.
- Acha que pode fazer isso sozinho?
Phelipão acaricia o ferro adormecido do revólver.
- Claro.
- É perigoso...
- Não tenho medo.
- Não deixe ela chegar perto do seu buraco...
- Ô! Sou espada.
- E tome muito cuidado.
- Será que ela vem?
- Não custa tentar.
- E se não vier?
- Duvido a bicha recusar esse rabão...
Vovó deu um tapão na bunda de Phelipão.
Lá vai ele armar a arapuca. Engolindo seu orgulho, abriu a janela,
tirou a cueca e botou o brioco pra jogo. Chamou baixinho: chupa-
caaaabra... E nada. Chupa-cabra! Nadinha. CHUPA-CABRAAAAA! Mas
a malvada devia estar ocupando-se com outros regos, porque não apareceu.
Perdeu a conta de quantas vezes repetiu o ritual. A Polícia Federal
mostrou-se inútil. Amachaiada ainda morria como moscas. Phelipão já
perdia a esperança.
Até que a diaba o encontrou. Não viera respondendo ao chamamento,
senão por livre e espontânea vontade. O detetive agarrou forte sua pistola e
destravou o gatilho.
Dois dias depois.
- Tetéu, acabou.
- Prenderam o psicopata?
- Eu. Eu a matei.
- Como assim?!
- Você não vai acreditar...
- A PF sabe disso?
- Eles não entenderiam...
- Você precisa contar!
- Eu vou. Mas antes você tem que confiar em mim.
- Quem era?
- “Abra a mente e o coração”
- Não me diga que...
- “Temos muito a temer”
- Você não tá falando sério.
- “É mais velha que o medo”. “Sua fome é macabra”.
- Endoidou de vez.
- “Vou contar o seu segredo”
- Lá vem...
- A Chupa-Cabra.
- Chega,Phelipe! Caralho! Que inferno!
- Juro por Deus, Tetéu! Eu posso provar!
- Você tá pirado!
- O corpo tá lá em casa. Te mostro!
Tetéu respirou fundo. Triste fim o de Phelipão. Amanhã mesmo
ligaria pro hospício.
- Tudo bem, vamos lá.
Phelipão dirigia feito um maníaco. Tetéu jurou ter visto espuma
saindo da sua boca. Começou a sentir medo; e se o amigo tivesse
machucado um inocente?
Chegaram.
- Ela está lá em cima.
Em anos de parceria, jamais pisara na casa de Phelipão. Era limpinha
e cheirosa.
- Ali, no quarto...
Empurrou a porta encostada. Um frio na barriga. Deu um passo
adiante. O coração na garganta. Phelipão chegou por trás, bem pertinho...
E tascou a coronhada no cocuruto de Tetéu.
O gorducho desmaiou de primeira. Phelipão pôde rir aliviado.
Despiu o parceiro, o ajeitou e deixou sua bundinha empinada, livre e
desimpedida.
- Trouxe um presente!
Regozijou vendo a Chupa-Cabra se deliciar.