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CABRA-MACHO

Phelipão, o detetive machão. Ele atravessa a rua, dono de si e da rua,


e entra na lanchonete. Ivanete, a garçonete, lambe os beiços. Que homão!
Muque que mal cabe na camisa. O peitoral musculoso de galo orgulhoso
infla, atentando contra o botão. Seu olhar exige pronto atendimento.
A moçoila rebolandeia até o balcão:
- Pois não?
Maga safada, seu feitiço é sedução. Condensa nessas duas palavras
toda a complexidade do seu desejo e faz beicinho. Phelipão a mede de cima
a baixo. Não gosta de oferecidas. Desdesonhoso, mia:
- Leite com chocolate.
Digo mia porque sua vozinha era assim, fininha, fininha. De
piriquita. A puberdade que talhou seus traços machos esqueceu-se das
cordas vocais. A garçonete, rejeitada, dá risada. Aquela macheza toda pra
nada.
- É pra já.
Phelipão coça o saco e cheira a mão. Decreta, forçando um vozeirão:
- Pra viagem!
O bar todo de canto de olho.

- Estamos diante de um serial killer! – esbaforei Tetéu Gomez, seu


parceiro bonachão.
- Ou “uma”.
- O quê?
- Uma serial killer. Quem disse que é homem?
Tetéu cala, sentindo o amigo taciturno.
- Mulher é o cão. Bicho ardiloso.
Tetéu, porém, não presta muita atenção. Às vezes era difícil levar a
sério esse timbre de taquara rachada.

O fato é que a dupla de investigadores estava com uma bucha nas


mãos. Nunca antes a Serra doPeru havia vivido tamanho horror. Terceira
vez, só nesse mês, que averiguavam uma macabra cena do crime. Agora,
porém, a situação dava pano pra manga.
Três dos gorduchos mais importantes da cidade jaziam desfalecidos
em poses estapafúrdias. Phelipão, enquanto perambulava atento a vestígios,
era remetido a uma espécie de kama-sutra medonho, deleite pra necrófilo.
Deus o livre.
Já Tetéu lutava pra esconder inconveniente ereção. O pauzinho,
envolto em banha, era mais ou menos discreto, mas pra garantir o detetive
mantinha a pasta na frente da genitália. Não que gostasse de homem, muito
menos de morto, porém a cena, de fato, exalava sensualidade.
Era tudo tão comprometedor que poderia se pensar em armação.
Caio Bugalho, proeminente fazendeiro, aparentava um frango assado de
padaria, as pernocas enrijecidas pra cima. Mané José, secretário de finanças
da prefeitura, emulava uma mula, de quatro com o bundão branco
arreganhado. O mais chocante, no entanto, era Seu Taço, padre de prestígio
e alma da paróquia. Deitado de bruços, corado de morte, portanto verdinho,
mantinha a bundinha empinada e sustentava-se no chão apenas por uma
pilastra, que era seu pauzão roxão durão. Tetéu se surpreendeu.
- Se eu tivesse um pau desses nunca que eu era padre
Phelipão cobrou decoro. Não se fala de piroca santa.
Tudo levava a crer numa orgia que deu errado: latas de cerveja,
guimbas de cigarro, camisinhas usadas ou não. Pra’lém, é claro, do cu
petrificado dos defuntos, eretos de rigor-mortis e expostos de papo pro ar.
Havia, no entanto, algo inumano na forma com que os corpos
pareciam cascas ressequidas, bagaços chupados de jabuticaba. Ontem
mesmo seu Taço rezara a missa e nhô Bugalho bebera no bar da dona
Lourdes. Nada explicava tão avançado grau de decomposição. Nada desse
mundo. Phelipão disfarçou um sinal da cruz.
Tetéu, seguindo a intuição, apontou a lanterna pro cuzinho seco de
Mané José. Com os dedos da outra mão deu uma vasculhada digna de
proctologista. Eureca.
- Ô Phelipe, venha dar uma olhada.
Na carne escura do reto cintilavam dois pontinhos vermelhos, uma
dentada quase graciosa. Apesar do futum, afinal essa gente não é muito de
lavar o cu, os investigadores se aproximaram até quase beijar a bunda do
morto. Depois trocaram um olhar gelado. O buraco – desculpem o
trocadilho – era mais em baixo.

É que marca semelhante fora encontrada pelo médico legista em dois


outros cadáveres.
Petrúquio Fernandes, capataz da fazenda Boa Vista, amanhecera sem
calças e sem vida, no pasto, entre vacas e bezerros. Homem de poucos
amigos, misterioso em sua solidão etílica, a morte não reverberou como
devia entre as fofoqueiras nas calçadas, e tampouco o gado, seus únicos
companheiros, a lamentou.
Os sinais no ânus, porém, não chamaram a atenção das forças
policiais até dois dias depois, quando foi constatado o óbito de Saci Pereira,
14 anos. Era um menino bom, juvenil, ainda lhe interessava mais jogar bola
a bolinar cabritas. Desaparecido mês passado, a mãe, Micaela, rebuliçou o
município atrás de respostas. Seu corpúsculo apareceu,enfim,nas beiradas
do açude Esperança, já muito podrezinho, e com as cabulosas dentadinhas
no cerne do cu.
Privilégio é coisa doida que até em morte te acompanha. Sendo as
vítimas, agora, de alta estirpe, o prefeito em pessoa foi ter com o delegado.
- Quero extrema seriedade...
Sim senhor, senhor.
- Eficácia...
Sim senhor, senhor.
- E, principalmente, discrição.
Aí já era mais difícil. Sabe como o povo é. Mas fariam o possível.
Sepultaram os mortos em segredo, longe dos olhares curiosos da
gente toda. Foi em vão. As bizarras circunstâncias do assassinato dos três
virou pauta popular. E como quem conta um conto, aumenta um ponto,
foram sendo adicionados à história requintes mórbidos que atestavam a
viadagem dos envolvidos. Logo a hombridade dos defuntos foi totalmente
desacreditada, o que parecia surpreender mais que o fato de haver um
assassino a solta.

- É verdade que Mané José foi encontrado com a bingolinha do seu


Taço na boca?
Phelipão não aguentava mais o assédio dessa gente vulgar. Assim
não se podia trabalhar. Resolveu ignorar.
- Vovó Griselda vai demorar?
- Já vem aí.
Encontrava-se na recepção da Casa Rosa. Por trás do nome fofo se
escondia um antro de perdição. O prostíbulo era a instituição mais antiga e
eficiente da cidade. Vovó Griselda, empresária e cafetina, devia ter já seus
200 anos de idade. Orgulhava-se, com razão, de ser a melhor no que fazia.
Estar ali era um tiro no escuro. Após dias de árdua investigação, não
chegara a lugar algum.Possuía, pelo menos, uma reconstituição detalhada
do cotidiano das vítimas.
Seu Taço, o padre, pelo jeito só estava no lugar errado na hora
errada: os colegas de claustro garantiram que o homem só sabia rezar.Já
nhô Bugalho e Mané José eram casos complicados. Como do feitio dos
homens de poder, colecionavam inimizades. Disputas por terras, intrigas
palacianas, desafetos de bebedeiras: uma infinidade de suspeitos pra se
interrogar. Porém todos, sem exceção, apresentaram álibis impecáveis.
Phelipão, farejando no crime outra motivação, havia cismado com
algo dito pela esposa de Caio Bugalho. Esta comentara, distraidamente, e
um detetive experimentado sabe que daí surgem as melhores pistas, o fato
de todas as terças feiras o marido chegar em casa no meio da madrugada.
A mente pequena de Tetéu Gomez não podia conceber um delito
violento sendo realizado por fêmeas. Mas Phelipão conhecia a natureza
oculta desses seres. Agrava-se a isso a conotação fortemente sexual dos
assassinatos. Todas as vítimas nuas e eretas. Tinha que confiar no seu taco.
Só podia ser coisa de puta.
- Seu Phelipe, está perdido? A que devo a honra?
A voz de cobra velha da Vovó Griselda arrepiava até seus cabelos do
cu. Phelipão limpou a garganta:
- Posso conversar com a senhora? A sós?
- Senhora está no céu, querido. Vamos, por aqui.
A cafetina o conduziu pelos meandros sórdidos do puteiro. As
garotas, acordando tarde para a noite de farra, andavam todas com as tetas
de fora e despejavam no detetive sua volúpia de tigresas.Havia também
uma criança careca, muito esquisitinha, coitada, que o ficava olhando,
chupando o dedão.Phelipão concentrou-se nos próprios pés.
- Carne nova? – atiçavam as putas.
- Não ligue pra elas. Só estão felizes em te ver.
Ao chegarem no escritório de Griselda, Phelipão suava frio. A vovó
atenciosa:
- O senhor aceita uma água?
- Gostaria de saber se às terças o senhor Caio Bugalho frequentava o
seu estabelecimento.
- Direto ao ponto... Gosto de homens assim. São cada vez mais raros,
sabia? Hoje em dia eles vêm e acham que o ouvido das garotas é penico.
Desabafam sobre o trabalho, sobre as esposas, os filhos... Na minha época
era tudo mais simples. Era só bimbada e xau. Agora, não, agora eles...
- Senhora Griselda...
- Já disse que senhora não, não gosto. Me chame de Vovó.
- Senhora Vovó, meu tempo é precioso.
A velha o encarou com olhinhos divertidos. Nada nela parecia
vacilar.
- O senhor entende que aqui respeitamos a privacidade da clientela...
Phelipão deu um tapão na mesa.
- Senhora Griselda, a lei exige...
- Ui, a lei!
- Se a senhora não colaborar, vou ser obrigado a voltar, e dessa vez
com um mandato.
- Pois volte, querido. Será um prazer. – levantou – Agora, se não se
importa...
Phelipão saiu com o rabo entre as pernas. Já devia ter imaginado. As
meretrizes são todas umas anarquistas.
Tentou convencer o chefe a intimar Vovó Griselda pra prestar
depoimento.
- Quer me foder?
- Estou fortemente convencido de que...
- Quer me foder me beija, porra!
Phelipão pianinho. O delegado acendeu um cigarro de palha:
- Phelipe, você é um cara sensato, então vou mandar a real. Tem
noção do escândalo que vai ser se eu chamo a cafetina pra depor? A velha
tem a cidade inteira nas mãos, o prefeito... – silenciou em busca de cautela
nas palavras – O prefeito não ia gostar nadinha, digamos assim.
- Mas...
- “Mas” nada. E outra, que ideia de girico é essa? Puta serial killer?
Tetéu triunfou, eu avisei. Mas Phelipão não largou mão.
A investigação prosseguia aos trancos e barrancos: buscavam
estabelecer um perfil psicológico do criminoso, seu modus operandi, o
denominador comum que conectava as vítimas... Enquanto isso, à noite,
Phelipão passou a frequentar assiduamente a Casa Rosa.
Ficava sentadinho, só observando. Alguns lascivos, ao vê-lo,
encabulavam-se e davam meia volta. Outros o cumprimentavam como se
fossem íntimos. O chamavam pra festinhas. As putas cansaram de tentar
seduzi-lo. Ele declinava.
- Se vai ficar, terá ao menos que pedir uma bebida.
- Leite com chocolate, por favor.
- ...
- Que foi?
- Tem cerveja, pinga e guaraná.
- Um guaraná.
A noite inteira bebericando uma única latinha. Tornou-se parte da
mobília. Sempre que podia, enchia as garotas de perguntas inconvenientes.
De nada adiantou. Quando finalmente, num raro instante de solidão, sentiu
um cutucão. Era a criança careca. Esbaforida.
- Em 10 minutos me encontra lá fora.
E saiu correndo. Phelipão foi espera-la na noite aberta. Passada meia
hora, ouviu um psiu.
- Aqui!
Acocoraram-se num arbusto, a careca da criança refletindo o céu
estrelado. Não saberia dizer se era menino ou menina.
- E aí?
- Acho melhor você parar de vir... Vovó Griselda já está perdendo a
paciência.
- Faço o que quiser no meu tempo livre.
- Estão pensando em botar algo na sua bebida...
- Não se atreveriam.
- Inocente.
- O que você tem pra mim?
A criatura angustiou. Parecia arrependida. Phelipão insistiu:
- Olha, se você não quisesse falar, não teria me chamado pra esse
bate papo...
- É que se descobrirem, me matam.
- Ei. Olha pra mim. Eu sei que você é diferente, você é gente boa.
Não conto nada a ninguém. Confia.
- Sua voz é engraçada.
- Já disseram.
- Eu falo, mas boquinha de siri, tá? O seu Caio vinha toda terça,
depois das onze. E o seu José também não era santo. Às vezes dava uma
passadinha.
- Sabia!
- Iam ter sempre com a Paloma Inocêncio.
- Qual é essa?
- A ruiva.
- Onde ela estava na noite de quarta feira, dia 2?
- Sei lá eu?
- Acha que ela daria uma boa assassina?
- Não sei. Comigo todas são malvadas, mas matar alguém... Aí já é
demais.
- E onde posso encontrar essa Paloma? Longe daqui, digo.
- A folga dela é de quinta. Ela costuma ir nadar no açude Esperança.
- Onde encontraram o corpo do Saci!
- Ahn?
- Nada.
- E agora? Vai me deixar fazer uma chupeta?
Meteu a mãozinha nas bolas do detetive. Ele gentilmente a retirou.
- Você não é nova pra essas coisas?
- Nova? Tenho 50 anos!
- Oh!
Phelipão foi embora muito confuso, mas satisfeito. Quinta-feira era
dia de botar Paloma Inocêncio contra a parede.

Viu-a chegar, despir, e mergulhar o corpanzil nas águas geladas do


açude. Achou de bom tom esperar. Quando a ruiva estendeu a canga e se
deitou para secar ao Sol, Phelipão se aproximou.
- Senhora Inocêncio?
A moça tomou um susto. Quando viu quem era, revirou os olhos.
- Tô de folga, amado.
- Vai ser rápido.
- Tá bom. Só porque te acho uma gracinha.
Sentou com pernas de índio, a xana à solta. Phelipão fez um esforço
abissal para não olhar.
- Onde estava na noite de quarta-feira, dia 2?
- Como é que vou saber? Trabalhando, acho.
- Tem como provar?
- Vovó Griselda faz a gente bater ponto. Os registros estão todos lá.
- Ouvi dizer que você era íntima do senhor Caio Bugalho...
- Seu Phelipe, sou íntima de muitos homens, se é que me entende.
- Muitos homens não foram assassinados, o senhor Bugalho sim.
- O que quer dizer?
- Qual era a natureza da sua relação com o senhor Mané José?
- Estritamente profissional.
- Ele também foi morto em circunstâncias muito esquisitas.
- Tô sabendo. Coitado.
- E a senhora se relacionava com ambos...
- Tenho culpa de ser gostosa?
- Se viam muito?
- De vez em quando.
- Gostava?
Paloma Inocêncio o fitou como se ele tivesse acabado de fugir do
manicômio.
- Que importa?
- Apenas responda a pergunta.
- Seu Phelipe, vá se foder.
- Posso te prender por desacato.
- Prenda! Eu hein...
- Quem você acha que os matou?
- Esse é o seu trabalho. Deixe que o meu eu faço muito bem.
- Paloma...
- Senhora Inocêncio.
- Senhora Inocêncio, acho que começamos com o pé esquerdo. Sinto
muito.
- Hum.
- Mas caso a senhora saiba de qualquer coisa, qualquer coisa mesmo,
pode me procurar.
Phelipão deu uma última olhadinha na xana e se levantou pra fazer
drama.
- Espera!
A moça também se levantara.
- Mané José era muito faladeiro, sabe.
- Sei.
- Sabe?
- Quer dizer, imagino. Continue.
- E os homens me contam cada coisa... Gostam de desabafar...
- Ouvi dizer.
- Como estão pagando, eu ouço.
- Naturalmente.
- E o seu Mané, da última vez que nos vimos, estava com um
problemão.
- Que tipo de problema?
- Ele era... Como posso dizer... Bastante curioso.
- Curioso?
- Na cama. Gostava de variar. Era um homem sem preconceitos.
Deus o tenha.
- Amém.
- Ele me contou ter saído com um rapaz. Um viado. Só uma vez, pra
experimentar.
- Puxa vida.
- E esse viado filmou tudo. Tudinho. Acredita?
- Inacreditável.
- Começou a chantagear o pobrezinho. Quantias altíssimas.
- Por acaso ele lhe disse quem era o viado?
- Já está querendo demais, seu Phelipe.
- Desculpe, senhora Inocêncio. Você já foi de muita valia. Agradeço
muitíssimo.
- Posso te perguntar uma coisa?
- Pode.
- Por que sua voz é assim?
Não se dignou a responder. Beijou as mãos da puta, deu-lhe as costas
e limpou a boca na gola da camisa.

- Phelipão, você é um gênio!


- Acalme-se, Tetéu. Como diabos vamos saber quem era o tal viado?
Poderia ser qualquer um.
- Não tem muitas bixas na Serra do Peru, graças a Deus. Tá no papo.

Trabalho ingrato, o de detetive. Tetéu e Phelipão a semana toda


interrogaram um por um da lista de viados assumidos da cidade. Gentinha
esdrúxula. Não podiam ver o distintivo que derretiam e começavam a se
insinuar.
- Você tem tonfa?
- Não, somos da Polícia Civil.
- Ai, adoro tonfa!
Quase impossível espremer deles qualquer informação útil. Tetéu,
por outro lado, parecia gostar da atenção. Era quem conduzia as entrevistas.
- Vem cá, querido, você sabe quem poderia ter a má índole de
chantagear homem casado?
Um nome que apareceu muitas vezes foi o de Waldir, vulgo Walkiria
Bate-Bate. Mal quisto entre seus pares, foi dito que o transformista, além
de gótico e portador de uma personalidade agressiva, de uns tempos pra cá
andava exibindo roupas e perucas novas, apesar de nunca ter trabalhado.
A dupla de investigadores foi bater na porta da casa onde Walkiria
morava com a mãe, dona Gertrudes. A velha era uma figura.
- Pois não?
- Dona Gertrudes, Waldir se encontra?
- Ele foi passear no cemitério, mas não demora.
- Podemos aguardar?
- Claro. Entrem.
A casa parecia de boneca, toda rosa, roxa e lilás. Não havia um único
canto que não estivesse tomado por bibelozinhos de crochê. As paredes
carregadas de imagens do Cristo e do Presidente da República.
- Ele vai sempre ao cemitério?
- Gosta de ir pra espairecer. Mas é bonzinho.
- Tenho certeza que sim.
- Quem são vocês?
- Somos da polícia...
Tetéu Gomez tossiu e deu uma cotovelada discreta em Phelipão.
- Meu Waldir está em apuros?!
- De forma alguma, dona Gertrudes. Fique tranquila. Só queremos
conversar.
Mas o estrago já estava feito. A velha ficou com a pulga atrás da
orelha e desgostou dos detetives. Ofereceu café só pra derramar o líquido
quente nas calças de Tetéu.
- Perdão!
Nessa hora chega Waldir. O adolescente vestia coturno e sobretudo,
lá fora 40 graus à sombra, e nos olhos uma pesada maquiagem preta. Se
irrita ao ver os detetives.
- O que é isso?
- São da polícia, filho. Querem fazer umas perguntinhas.
- E você os deixou entrar?!
- Não sabia...
- Velha estúpida!
Sobe correndo as escadas e bate a porta do quarto. Phelipão e Tetéu
vão atrás.
- Waldir, abra!
Tetéu é mais esperto. Amansa a voz e suplica:
- Walkiria, fale conosco. Não mordemos.
A bixa abre a porta, ainda desconfiada. Os detetives entram,
deslumbrados pelo esplendor macabro da decoração. Tudo preto, até o teto.
Pôsteres de bandas de rock e vampiros do Crepúsculo. No chão, grafado
em vermelho, um imenso pentagrama.
- Exótico...
- O que vocês querem?
- Onde você estava na noite de quarta, dia 2?
- Aqui. Podem perguntar à mamãe.
- A resposta na ponta da língua, hã?
- Nunca saio de casa à noite.
- Não é o que os góticos fazem?
- Mamãe não deixa.
- E quando apresenta seus shows de transformista?
- Nas matinês.
- Conhecia o senhor Mané José?
- De vista.
- Tem certeza?
- Absoluta.
Enquanto Tetéu interroga, Phelipão vaga no quarto sombrio atrás de
pistas.
- Não é o que fiquei sabendo...
- E o que é que ficou sabendo?
- Que você e o senhor Mané já foram amantes.
- O povo fala demais.
- Da onde arranja dinheiro pra comprar o figurino dos shows?
- Dos cachês das apresentações.
- Achei que perucas fossem caras...
- Achou errado. Quem foi que fez minha caveira pra vocês? A
mocreia da Lorena Spears?
- Não vem ao caso.
- Sou gótica, mas sou honesta.
- Então não estava chantageando o seu Mané?
- Eu...
- Tetéu, vem ver o que eu achei! – Phelipão se intromete na
conversa. Está diante de uma gaveta aberta.
- Não pode mexer nas minhas coisas!
- Fique onde está, Walkiria.
Tetéu se aproxima e vê. Retirado o fundo falso da gaveta,
encontram-se pequenas ampolas etiquetadas com diversos nomes. Phelipão
ergue uma contra a luz.
- Isso é sangue?
- Não é da sua conta!
- É sim.
Pegam todas as ampolas e leem os nomes. Gente que nunca se
imaginaria estar ali. Respeitados pais de família. Phelipão, ao ler numa
delas o nome de Mané José, exulta.
- Acho bom começar a se explicar.
- Sou hematolagníaco.
- Que isso?
- Quem tem hematolagnia.
- ?!
- Tesão por sangue.
- Eca! – Phelipão deixa escapar.
- Não julgue. – pondera Tetéu.
- Ok, ok, eu confesso. Me encontrei com Mané. Fodemos gostoso.
Ele ficou atiçado quando falei da hematolagnia e quis experimentar.
- E você filmou?
- Sim.
- E o chantageou?
- Sim... Você mesmo disse, as perucas são caras. O fiz pela arte!
- Como você extraia o sangue das suas vítimas?
- Epa! Vítimas não! Foi tudo consensual.
- Como? Hein?
- Pelo cu. Chupo bastante, e depois dou umas dentadinhas assim... Se
quiser lhe mostro.
- Você chupa cu?!
Os detetives se entreolham, ambos lembrando-se das sinistras marcas
nos ânus dos defuntos.
- Claro. Quem não chupa?
- Venha conosco.
- Eu não matei ninguém! Juro!
- Tem o direito de permanecer calado.

A Serra do Peru pôde finalmente gozar de um pouco de paz. Alguns


gatos pingados,céticos quantoà capacidade de um efeminado de 18 anos
assassinar tantas pessoas, ensaiaram um auê. A mãe de Waldir jurou de pé
junto que na data do crime eles estavam em casa, montando quebra-cabeça.
Mas mãe é mãe, não convenceu ninguém. O relatório do médico legista,
atestando agudíssima hemorragia, sendo o único sangue restante no corpo
dos defuntos o que sustentava a ereção, indicava que haviam prendido o
hematolagníaco certo. A obsessão de Waldir por vampiros não o ajudava.
Phelipão surpreendeu Paloma Inocêncio banhando no açude
Esperança.
- Vim agradecer. Graças a você pegamos o assassino.
- Não tem de que. Nós putas sabemos muito, às vezes mais do que
gostaríamos.
O detetive encabulou.
- Já pensou em sair dessa vida? Casar, se endireitar?
- Pra que? E fazer o que eu faço de graça?
- Não acredita no amor?
- Só no que sinto pelos meus filhos.
- Tem filhos?!
- Dois. Lá na Casa Rosa, quase todas temos.
- Como chamam?
- João Pedro e Pietro.E você?
- O que tem eu?
- Não pensa em casar?
- Quero casar com uma virgem.
- Ih. Boa sorte!

Seria este um lindo fim, não? Justiça sendo feita etc. Sinto informar
que não foi assim tão fácil. O pesadelo, para a Serra do Peru, estava apenas
começando.
Uma semana após a prisão de Waldir, desenrolou-se o terrível evento
que ficou conhecido como A Noite das Mil Mamadas. Tal nome um
exagero, pois não foram mil, nem mamadas, mas vai dizer isso pro povo.
Tratava-se de um equívoco, compreensível, é certo, devido à posição em
que foram descobertos os novos cadáveres. Sete, ao todo, espalhados por
toda a extensão da Serra. A maioria foi encontrada pelas esposas. Os sete
com os braços erguidos, as mãos unidas por trás da cabeça e a cara de
prazer. Além das calças arriadas, o corpo murcho e o pau rijo.
Um olhar mais atento saberia que na verdade a fatalidade começara
pela bunda: lá estavam os furinhos, e era justo supor que através deles se
havia sugado o sangue dos assassinados. O curioso era que, assim como
Saci Pereira, Petrúquio Fernandes, Mané José, seu Taço e nhô Bugalho,
nenhum apresentava sinais de agressão, como se não tivessem resistido,
pelo contrário; se entregado à morte de bom grado.
Phelipão e Tetéu pra lá e pra cá, lidando com defuntos, perícias
eparentes das vítimas. Pra ajudar, dona Gertrudes ameaçava processá-los.
A situação estava fora de controle.
- Phelipão, não é o caso de acionar a Polícia Federal?
- Melhor ir ter com o padre.
Os sacerdotes todos uns bunda-moles, negaram a eclesiástica ajuda.
De acordo o bispo, mamão com açúcar reconhecer obra do demo, mas este
não era o caso. A única coisa diabólica ali consistiana devassidão dos
homens da cidade.
Assim sendo, fazia-se necessário considerar a hipótese do assassino
não ser um só, mas legião. Possivelmente uma gangue sensual. As mortes,
ainda que geograficamente distantes, aparentavam ter ocorrido em horários
muito próximos.
Voltando a delegacia, o chefe ralhou:
- Palhaçada!
- Que houve?
- Sua vida íntima é problema seu.
- Tá?
- Mas não quero mais saber de sirigaita vindo aqui te procurar.
Estamos entendidos?
Forçosamente escondidana sala do delegado encontrava-se a
ruivíssima Paloma Inocêncio.
- Sentiu saudades?
- Em que posso ajudar, senhora Inocêncio?
- Vovó Griselda mandou vir busca-lo.
- Avise que estamos ocupados.
- Que isso, Phelipe. Pra uma belezura dessas, arranjamos um
tempinho– Tetéu arrastando asa pra rameira.
- Ela disse que é do seu interesse.
- Duvido muito.
- Disse que tem informações sobre a chacina... – completou,
sedutora.
Phelipão e Tetéu a acompanharam: o primeiro a contragosto, o
segundo gostando e muito.
O puteiro andava às moscas. A maioria das garotas ainda dormia.
Acordada só a criança careca de 50 anos, esfregando o chão com uma
escova de dente. Phelipão a cumprimentou, mas ela era puro rancor.
Vovó Griselda vestia apenas um robe de seda cor-de-vinho e abraçou
o detetive como se fossem bons amigos. Abraçou também Tetéu, que a
apertou mais forte do que mandam as boas maneiras.
- Tempos difíceis, né? – lamentou a cafetina.
- O que fez a senhora mudar de ideia? Antes não parecia disposta a
colaborar.
- Sou um ser humano! Não aguento mais tanto sangue derramado.
- Por acaso os mortos eram seus clientes?
- Sim. A situação é péssima para os negócios. Venha, tem alguém
que quero lhe apresentar.
- Quem?
- Minha avó.
Phelipão engasgou. Tetéu estranhou. Se Griselda tinha 200 anos,
quantos não teria sua avó?
A cafetina os guiou a um puxadinho no fundo do quintal. Assim que
abriu a porta, foram tragados por um bafo azedo de reumatismo e morte. A
mulher deitada na cama era de fato um dinossauro. Phelipão impacientou.
- Tá de brincadeira?
- Respeite os mais velhos, seu Phelipe. Temos muito a aprender com
eles.
- Que é que a múmia sabe sobre serial killers?
- Ela já viu de tudo. E tem memória de elefante.
Griselda explicou que Tataravó Isolda despertara da hibernação
somente para compartilhar um causo nefasto da época da Colônia. De
acordo a anciã, ali, muito antes da Serra do Peru ser a Serra do Peru, uma
matança muito parecida com a dos dias atuais aterrorizara bandeirantes,
indígenas e quilombolas, sem distinção.
Tataravó Isolda, porém, tinha o péssimo hábito de só falar em versos.

“Preste muita atenção


Pro que eu vou te dizer
Abra a mente e o coração:
Temos muito a temer”

Quem aguenta? A decrépita senhora prosseguiu.

“Da fruta que tanto gosto


Ela chupa até caroço
Quando acaba de chupar
Ela ainda rói o osso

Suga tudo até o talo


Nada pra contar história
Sobra apenas duro falo
E sua ânsia predatória

A monstra não nasceu ontem


Ela é velha coroca
Trafica prazer anal
Mas não gosta de piroca

É mais velha que o medo


Sua fome é macabra
Vou contar o seu segredo:
Ela é a chupa-cabra.”
- Chupa-cabra?!
- Shiu!
Mas Tataravó Isolda já desistira de declamar seus absurdos e caíra no
sono.
Phelipão, que nunca apreciara poesia, não pôde evitar se emocionar
profundamente. Já Tetéu, um bruto, estava mais preocupado em se engraçar
pro lado de Vovó Griselda.
- Que pele! Que viço! Qual o segredo da sua longevidade?
- Dar muito.
Despediram-se. Como o baque fora forte, decidiram, aturdidos, ir
tomar um lanche. Phelipão pediu leite com chocolate e Tetéu coxinha e
cerveja.
- O que acha?
- Quero acreditar que a velha é louca.
- Mas?
- Quem sabe ela não tem razão?
- Chupa-cabra, Phelipão?!
- Vai saber! Uma coisa é certa: esses crimes não são façanha
humana...
- Anda muito metafísico pro meu gosto.
- Como matariam sete ao mesmo tempo?
- E nossa hipótese de uma ação coletiva?
- Não conheço tecnologia capaz de sugar sangue pelo ânus.
- Não é porque não conhece que não existe.
- E o que ela falou sobre sobrar só o falo duro? Bate com os fatos.
- Tá louco.

Antes estivesse. Mais tarde, nesse dia mesmo, quem deu pra morrer
foi ninguém menos que o prefeito. Trancado desde cedo na sua sala,
ninguém na prefeitura viu quem quer que seja entrar ou sair. Mesmo assim,
a secretária o surpreendeu pelado e mais que falecido. Chamou a polícia.
Phelipão e Tetéu estavam exaustos. A corporação na Serra do Peru
não tinha estrutura para tragédias desse porte. Chegando lá, foram direto
averiguar as dentadinhas no cu, só pra garantir, e garantiram. Apesar de
acreditarem já ter visto de tudo, foram capazes ainda de se chocar com o
estado do morto: como os outros, ressequido, mas mais, muito mais, sua
murchidão era hiperbólica. O prefeito fora transformado em tapete: sugado
não só seu sangue, mas todos os órgãos internos. Pele e osso, sem osso,
literalmente. O pinto ereto era a única coisa tridimensional.
Prenderam preventivamente a secretária, por ser só isso que podiam
fazer. Foi decretado luto oficial de duas semanas, instaurado toque de
recolher e estado de sítio.
O populacho trancou-se em casa, de quarentena. Isso não os impediu
de vir a conhecer as peripécias do incidente. Quando os vizinhos se
encontravam, trocavam furtivas palavras:
- E o prefeito, cê viu?
- Morreu pelo cu.
- Jeito horrível de morrer...
Phelipão andava um trapo. Tetéu, a despeito das evidências, ainda
não acreditava na teoria da Chupa-Cabra. Como podia ser tão cego? A PF
chegou pra auxiliar, o que diminuiu consideravelmente a quantidade de
trabalho dos detetives. Porém, eram uns abobalhados. Quando expôs o caso
a eles, apresentando uma louvável coleta de dados em livros de história,
arquivos oficiais e registro oral que provava a existência pregressa da
Chupa-Cabra, os federais só riram da sua cara. Achavam-se os bambambãs.
Encontrar a criatura tornou-se a razão da sua existência. Pelo andar
da carruagem, não demoraria muito. Todo dia morria um. As mulheres, ao
que tudo indica imunes à carnificina, passaram a ocupar postos de trabalho
tradicionalmente masculinos. A Serra do Peru encheu-se de pedreiras,
bombeiras, mecânicas, boiadeiras, engenheiras e jogadoras de futebol. Os
machos sobreviventes as viam, cheios de inveja, desempenhar todas
aquelas funções de maneira excepcionalmente competente.
Nasceu também uma improvável amizade entre o detetive e a
cafetina. Phelipão, não o levem a mal, continuava a desprezar a
imoralidade de Vovó Griselda, porém a velha era a única com quem podia
compartilhar sua obsessão pela Chupa-Cabra. Destrinchavam uma por uma
as palavras de Tataravó Isolda, investigavam o passado da monstra e
tentavam prever seus próximos passos. Griselda até que era esperta.
- Tenho um plano.
- Desembucha.
- Mas você não vai gostar...
- Estou disposto a qualquer coisa.
- A Chupa-Cabra ama cu, certo?
- Sim.
- Ela “trafica prazer anal”.
- Suponho que sim.
- E é gulosa.
- Onde quer chegar?
- E se você oferecer o toba?
- Meu Deus...
- Escute! Tudo que tem a fazer é deixar a janela aberta, ficar de
quatro e chamar seu nome.
- “Só” isso?!
- E quando ela aparecer, a gente a captura.
- Não gosto da ideia de ficar de quatro com você ao lado.
- Acha que pode fazer isso sozinho?
Phelipão acaricia o ferro adormecido do revólver.
- Claro.
- É perigoso...
- Não tenho medo.
- Não deixe ela chegar perto do seu buraco...
- Ô! Sou espada.
- E tome muito cuidado.
- Será que ela vem?
- Não custa tentar.
- E se não vier?
- Duvido a bicha recusar esse rabão...
Vovó deu um tapão na bunda de Phelipão.
Lá vai ele armar a arapuca. Engolindo seu orgulho, abriu a janela,
tirou a cueca e botou o brioco pra jogo. Chamou baixinho: chupa-
caaaabra... E nada. Chupa-cabra! Nadinha. CHUPA-CABRAAAAA! Mas
a malvada devia estar ocupando-se com outros regos, porque não apareceu.
Perdeu a conta de quantas vezes repetiu o ritual. A Polícia Federal
mostrou-se inútil. Amachaiada ainda morria como moscas. Phelipão já
perdia a esperança.
Até que a diaba o encontrou. Não viera respondendo ao chamamento,
senão por livre e espontânea vontade. O detetive agarrou forte sua pistola e
destravou o gatilho.
Dois dias depois.
- Tetéu, acabou.
- Prenderam o psicopata?
- Eu. Eu a matei.
- Como assim?!
- Você não vai acreditar...
- A PF sabe disso?
- Eles não entenderiam...
- Você precisa contar!
- Eu vou. Mas antes você tem que confiar em mim.
- Quem era?
- “Abra a mente e o coração”
- Não me diga que...
- “Temos muito a temer”
- Você não tá falando sério.
- “É mais velha que o medo”. “Sua fome é macabra”.
- Endoidou de vez.
- “Vou contar o seu segredo”
- Lá vem...
- A Chupa-Cabra.
- Chega,Phelipe! Caralho! Que inferno!
- Juro por Deus, Tetéu! Eu posso provar!
- Você tá pirado!
- O corpo tá lá em casa. Te mostro!
Tetéu respirou fundo. Triste fim o de Phelipão. Amanhã mesmo
ligaria pro hospício.
- Tudo bem, vamos lá.
Phelipão dirigia feito um maníaco. Tetéu jurou ter visto espuma
saindo da sua boca. Começou a sentir medo; e se o amigo tivesse
machucado um inocente?
Chegaram.
- Ela está lá em cima.
Em anos de parceria, jamais pisara na casa de Phelipão. Era limpinha
e cheirosa.
- Ali, no quarto...
Empurrou a porta encostada. Um frio na barriga. Deu um passo
adiante. O coração na garganta. Phelipão chegou por trás, bem pertinho...
E tascou a coronhada no cocuruto de Tetéu.
O gorducho desmaiou de primeira. Phelipão pôde rir aliviado.
Despiu o parceiro, o ajeitou e deixou sua bundinha empinada, livre e
desimpedida.
- Trouxe um presente!
Regozijou vendo a Chupa-Cabra se deliciar.

É que se apaixonaram. Dois dias atrás, quando se conheceram,


tiveram a seguinte conversa:
- Parada aí!
- Tens voz de frouxo.
- Só a voz. Quem és?
- Uma santa!
- Puta, isso sim.
- Tua mãe.
- És viva?
- Não.
- Morta?
- Eu, hein.
- Morta-viva, vai?
- Muito pelo contrário.
- Responde pelo nome de Chupa-Cabra?
- Quem, eu?
- Cínica. És hematolagníaca?
- O que é isso?
- Fetiche por sangue.
- Gostar eu gosto de cu. Sangue é só meu alimento.
- Já tentou arroz feijão?
- Cruz credo.
- Então confessas ser a assassina?
- Que papo careta...
Sua forma era impossível; humanoide, mas inumana, mamífera, mas
reptiliana, as costas peludas, as garras de pomba, o rabo de cobra. A boca
redonda. A criatura mais linda do mundo. Luminosa. Perfeita. Fascinante.
- Tá vendo essa corcunda?
E ele via.
- E os dentinhos afiados?
- Jamais vi nada igual.
- Sexy, não?
- Não importa sua beleza, vou ter que te prender...
- Você não quer fazer isso.
Phelipão, hipnotizado, não queria mesmo. Seu coração disparara: era
medo; não de morrer, a princesaparecia incapaz de fazer mal a alguém, mas
de não ser interessante, charmoso, digno o bastante. Só não crê em amor à
primeira vista quem não ama. O detetive, mesmo sem saber, a havia
esperado a vida toda.
Ela chacoalhava sua cauda de cascavel.
- Quer comer?
- Me dá?
- Entra na fila.
- Tinhosa.
A monstruosa era bastante específica com suas preferências sexuais.
Phelipão perguntou:
- Te penetram?
- Deus é mais!
Ele maravilhado.
- Então és virgem?
- Só chupo fiofó.
- É que isso não faço...
- É assim, jamais assado.
- Meu pênis não te deixa curiosa?
- Me basta o rego. Vira aí.
- Não posso!
- Não me ama?
- Amo, mas sou macho!
- Machu-cado.
- Façamos outras coisas...
- Tô de boa.
- Te deixo chupar tudo, menos lá.
- Quero o lá.
- Por que tão intransigente?
-Garanto que vai gostar...
- Impossível.
- Fresco.
E agora, o que fazer? Com esse amor inconcesso. Eram o Romeu e
Julieta do seu tempo.
- Te dou véu! Te dou grinalda! Sê minha noiva!
- Primeiro libere o furico.
- Tem que ser o meu?
- De preferência.
- Mas pode ser de outros?
- Acho que sim.

Phelipão estava nas nuvens. Casara com uma virgem.

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