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A Revolução Farroupilha e o massacre dos Lanceiros Negros

Foi no dia 20 de setembro de 1835 que as tropas farroupilhas comandadas pelo general Bento
Gonçalves se rebelaram contra o Império do Brasil e proclamaram a independência da República
Rio-Grandense. Deu-se início à mais longa guerra separatista da história do País.
A Revolução Farroupilha não foi uma revolta do povo gaúcho, mas dos grandes proprietários de
terras — que estavam insatisfeitos com as leis federais e com a quantidade de impostos. Nos
campos de batalha, no entanto, quem protagonizou a luta (em um primeiro momento) foram os
mestiços, os índios e os brancos pobres.
A população negra do Rio Grande do Sul, à época, consistia em pessoas escravizadas
submetidas a esses grandes proprietários de terras. Durante o primeiro ano de guerra, eles não
foram enviados para o combate porque os patrões precisavam da sua força de trabalho. O
general Antônio de Souza Netto, abolicionista declarado, propôs que os negros fossem libertados
para participar da revolução. Apenas em outubro do ano seguinte, 1836, depois que as tropas
farroupilhas sofreram graves baixas na Derrota de Fanfa, é que a proposta de Netto foi aceita.
Os ex-escravizados formaram uma unidade militar que ficou conhecida como Lanceiros Negros.
Eram exímios combatentes de cavalaria armados com lanças compridas, que se entregavam à
luta com garra. Eles lutavam com a ciência de que a liberdade recém conquistada estava
condicionada à vitória sobre o regime escravocrata do Império do Brasil.
O republicano Giuseppe Garibaldi, um dos personagens da Revolução Farroupilha, ressaltou a
qualidade dos Lanceiros Negros em combate (segundo biografia escrita por Alexandre Dumas):

“[São] soldados de uma disciplina espartana, que com seus rostos de azeviche e coragem
inquebrantável, punham verdadeiro terror ao inimigo. (…) Nunca vi, em nenhuma parte, homens
mais valentes, em cujas fileiras aprendi a desprezar o perigo e combater dignamente pela causa
sagrada das nações.”

Por dez anos, os Lanceiros Negros protagonizaram participações decisivas nas batalhas ao lado
dos farrapos. A guerra contra as tropas imperiais, no entanto, se tornou cada vez mais inviável.
As negociações de paz avançavam cada vez mais entre os dois lados do conflito. Poucos
detalhes restavam para que a guerra chegasse ao fim.
Um dos principais impasses era justamente a situação dos Lanceiros Negros. O Império Brasileiro
não aceitava a existência de homens negros em liberdade e armados, experientes em combate. O
abolicionismo havia sido declarado como um ideal farroupilha e era condição exigida pelos
revolucionários para que a paz fosse selada.
Os grandes proprietários de terras gaúchos, no entanto, estavam longe de serem considerados
fiéis seguidores dos ideais farroupilhas. Na verdade, os patrocinadores da revolução
compartilhavam do mesmo pensamento que os imperiais no que se referia aos negros; afinal, o
trabalho escravo era a principal mão-de-obra em suas fazendas.
Esse foi o contexto que levou à covardia planejada pelo general farroupilha David Canabarro e
pelo imperial Barão de Caxias para eliminar o impasse pela raiz.
Em novembro de 1844, conforme combinado entre os dois líderes militares, Canabarro ordenou
à tropa de Lanceiros Negros para que fosse desarmada até o cerro de Porongos e lá montasse
acampamento. A Caxias, coube ordenar às tropas imperiais para que também se deslocassem até
o local para combater os farroupilhas que lá estivessem.
Eis um trecho da carta enviada pelo Barão de Caxias ao comandante imperial Francisco Pedro
de Abreu, líder das tropas que atacariam os Lanceiros Negros:

“Poupe o sangue brasileiro o quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou dos
índios, pois bem se sabe que essa pobre gente ainda pode ser útil no futuro.”
Desarmados e pegos de surpresa às 2h da madrugada, os negros farroupilhas foram dizimados
pelos soldados imperiais. O massacre resultou na morte de centenas de lanceiros (as versões
variam entre 170 e 800 mortos). Os poucos que sobreviveram foram enviados ao Rio de Janeiro
para serem reintroduzidos à vida de escravidão e trabalhos forçados.
Com o extermínio da tropa dos Lanceiros Negros, o principal impasse entre os farrapos e os
imperiais já não existia mais. A traição de Canabarro e a covardia de Caxias permitiram aos dois
lados selarem um tratado de paz. O preço do fim da guerra foi o sangue dos bravos guerreiros
negros.
Algum tempo depois, o Barão de Caxias recebeu um título mais pomposo e se transformou
em Duque de Caxias, aquele que hoje é considerado o patrono do Exército Brasileiro.

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