Você está na página 1de 8

SEMANÁRIO DA DIOCESE DE COIMBRA | DIRETOR: A.

JESUS RAMOS
ANO 102 | N.º 4964 | 22 DE FEVEREIRO DE 2024 | GRATUITO

BRUNO FERREIRA

A MÚSICA FAZ
PARTE INTEGRANTE
DA LITURGIA:
A MÚSICA É LITURGIA!

VISITE-NOS EM WWW.CORREIODECOIMBRA.PT
32
GRANDE PLANO

O órgão de tubos continuará


a ser o grande rei dos
instrumentos e o instrumento
base da liturgia católica.

MÚSICA LITÚRGICA: O MAIS


URGENTE É FORMAR
A música litúrgica “deve ser escolhida, programada, trabalhada e composta
tendo em conta os próprios ritmos e momentos da celebração que se
celebra”, diz ao Correio de Coimbra o Padre Bruno Marcelo Barbosa Ferreira,
do presbitério da Diocese do Porto, e a especializar-se neste momento em
Música Litúrgica, em Roma. Esteve entre nós no último sábado, orientando o
4º Encontro Diocesano de Coros Litúrgicos.

Correio de Coimbra tudo os que exercem algum ministério na música


O Padre Bruno esteve em Coimbra, no último litúrgica nas várias comunidades da Diocese de
sábado, no Encontro Diocesano de Coros Coimbra.
Litúrgicos. Que mensagem central quis Pediram-me para falar sobre “O canto e a música
deixar aos participantes neste encontro? na Quaresma”. É um tema bastante interessante,
sugestivo e veio num momento oportuno, já que
Bruno Ferreira estamos no início da Quaresma, e já que foi um
Começo por agradecer o convite que me foi dirigi- encontro para os coros litúrgicos, um macro gru-
do pelos responsáveis deste 4.º Encontro Dioce- po em que se integram os cantores, salmistas, so-
sano de Coros Litúrgicos e a presença de todos os listas, organistas, outros instrumentistas, os dire-
que estiveram presentes neste encontro, sobre- tores de coro e, eventualmente, compositores…,

CORREIO DE COIMBR A N.º 4964


SEMANÁRIO DA DIOCESE DE COIMBR A WWW.CORREIODECOIMBR A .PT 22 DE FEVEREIRO DE 2024
33
GRANDE PLANO

um conjunto de servidores do canto e da música celebrações da Igreja. Portanto, foi um dar pistas
na liturgia que devem estar em profunda sintonia às pessoas, dicas, para as escolhas, os métodos e
com o espírito da liturgia, o mistério celebrado, os a importância do bom desempenho dos muitos
ritos e os tempos do ano litúrgico. intervenientes na música litúrgica da celebração.
Também acabei por apresentar alguns manuais
formativos que ajudam a perceber e a fazer uma
boa escolha do programa musical para este tem-
po quaresmal.

A música litúrgica, sendo aquela Percebo, do que disse, que há uma música
música que está intimamente litúrgica própria para cada tempo litúrgico…
unida ao culto, ao espírito que Com certeza! A música litúrgica segue em sintonia
se celebra, deve sempre partir com o Ano Litúrgico! Não é um mero acessório ou
dos textos que são usados adorno como dizem alguns; é parte integrante da
neste tempo específico de liturgia, faz parte do próprio rito. Por isso, ela deve
quarenta dias rumo à Páscoa. ser escolhida, programada, trabalhada e compos-
ta tendo em conta os próprios ritmos e momen-
tos da celebração que se celebra. Não é qualquer
O tema do canto e da música na Quaresma pode música, qualquer texto, qualquer melodia ou har-
ser analisado sobre algumas perspetivas. Sobre- monia que serve para a nossa liturgia eucarísti-
tudo, procurei oferecer aos participantes uma ca, por exemplo! Se queremos realmente viver,
breve “introdução” sobre a função do canto e da celebrar, cantar o espírito da nossa liturgia cató-
música na liturgia e da sua importância na ce- lica, tendo em conta o nosso ambiente cultural e
lebração da mesma. Procurei fundamentar isso ocidental, devemo-lo fazer num sentido de conti-
a partir dos documentos da Igreja e dos funda- nuidade e não de rutura com a história da música
mentos teológicos da música sacra. Depois, ainda sacra, em fidelidade à tradição da Igreja, desde o
em estilo introdutório, falei da espiritualidade da seu início, passando pelas várias reformas de li-
Quaresma: as indicações litúrgicas e espirituais, turgia, a última das quais, o Concílio Vaticano II
desde o lecionário, às orações propostas pela e as reflexões e documentos pós-conciliares, es-
Igreja, às antífonas, tudo aquilo que é usado como pecialmente as indicações do documento Musi-
textos base neste tempo forte e que constitui, de cam sacram (1967) da Sagrada Congregação para
facto, a base e inspiração para a música litúrgi- os Ritos e Sacramentos, bem como as indicações
ca do mesmo. A música litúrgica, sendo aquela da Instrução Geral ao Missal Romano. Tendo em
música que está intimamente unida ao culto, ao
espírito que se celebra, deve sempre partir dos
textos que são usados neste tempo específico de
quarenta dias rumo à Páscoa.
Depois dessa parte introdutória, abordei tudo
aquilo que se pode integrar do ponto de vista A música litúrgica segue em
musical na liturgia deste tempo tendo em conta sintonia com o Ano Litúrgico!
todo o percurso proposto nos cinco domingos da Não é um mero acessório ou
Quaresma até à Páscoa, com base nos três ciclos adorno como dizem alguns; é
litúrgicos (Anos A, B e C). No fundo, como é que parte integrante da liturgia,
se pode trabalhar, do ponto de vista do canto, da faz parte do próprio rito. Por
música, das letras, os textos, as leituras, as antífo- isso, ela deve ser escolhida,
nas; o que é que nos é recomendado do ponto de programada, trabalhada e
vista da escrita musical, o que se deve cantar e o composta tendo em conta os
que não se deve cantar, que escolhas fazer, sem- próprios ritmos e momentos
pre tendo em conta as rúbricas e indicações das da celebração que se celebra.

CORREIO DE COIMBR A N.º 4964


SEMANÁRIO DA DIOCESE DE COIMBR A WWW.CORREIODECOIMBR A .PT 22 DE FEVEREIRO DE 2024
34
GRANDE PLANO

conta toda esta base normativa, melhores crité- seja alguém que tenha formação séria, compe-
rios podemos seguir para a escolha da música e tência técnica e litúrgica, e experiência eclesial
canto da liturgia em cada tempo. para compor aquela música litúrgica que possa
minimamente cumprir os critérios daquilo que
O que é que carateriza a música litúrgica? a Igreja pede. É preciso também ter em conta o
Como diz a Constituição Conciliar Sacrosanctum tipo de comunidades que temos e as suas exi-
Concilium no número 112: “A música sacra será, gências, a sua capacidade coral e musical, o seu
por isso, tanto mais santa quanto mais intima- contexto cultural e social, obviamente seguindo
mente unida estiver à ação litúrgica, quer como sempre os critérios daquela continuidade e re-
expressão delicada da oração, quer como fator de novação pós-conciliar.
comunhão, quer como elemento de maior sole- Graças a Deus, o nosso Secretariado Nacional de
nidade nas funções sagradas. A Igreja aprova e Liturgia, através dos encontros nacionais de pas-
aceita no culto divino todas as formas autênticas toral litúrgica, tem feito um trabalho enorme nes-
de arte, desde que dotadas das qualidades reque- te sentido; e o surgimento das escolas diocesanas
ridas”. Por isso, a música litúrgica, conforme diz o e vicariais/arciprestais de ministérios laicais,
documento sobre o assunto, deve ser aquela mú- especialmente as de música sacra, também têm
sica que é composta para a celebração da litur- contribuído para a formação de muitos leigos, de
gia, que seja pedagógica para todos os que a ce- forma a cumprirem estes critérios próprios da
lebram, com uma estética e forma que seja uma música litúrgica. Depois, é preciso ter também
autêntica expressão do rito que se celebra, tendo muita atenção aos textos que se escolhem ou se
como princípio as caraterísticas de universali- escrevem de novo para musicar e cantar na litur-
dade (que todos consigam captar o seu sentido gia. Diz a Constituição Conciliar Sacrosanctum
litúrgico em qualquer parte do mundo), de san- Concilium no número 121: “Os textos destinados
tidade (que nos conduza ao encontro com Deus e ao canto sacro devem estar de acordo com a dou-
nos ajude a rezar), e de bondade de forma (deve trina católica e inspirar-se sobretudo na Sagrada
ser escrita tendo em conta as regras e normas da Escritura e nas fontes litúrgicas”. Muitos deles
composição litúrgica e sacra quanto à melodia, são propostos nos rituais e no missal, aprovados
ritmo e harmonia). pela própria Igreja para a liturgia que celebra. Por
Quem escreve ou executa música litúrgica deve exemplo, o Missal propõe para cada celebração
ser alguém que faça a experiência do misté- eucarística antífonas de entrada e comunhão
rio cristão, alguém que celebra a sua fé, inte- próprias. Se formos ver, para este tempo da Qua-
grado numa comunidade de fé e saiba o que é resma encontramos antífonas de entrada e an-
uma celebração litúrgica, quais as suas regras tífonas de comunhão que o missal propõe! São
e momentos, de modo a sentir plenamente o textos que o compositor deve musicar e dos quais
espírito da Igreja e da liturgia. E, mediante essa deve expressar ao máximo o espírito próprio des-
experiência própria, seja sacerdote ou seja lei- te tempo quaresmal, que é diferente do espírito
go, espera-se que um compositor, por exemplo, pascal, ou do Advento, ou do Tempo Comum.

Amúsica litúrgica (...) deve ser aquela música que é composta para a celebração da
liturgia, que seja pedagógica para todos os que a celebram, com uma estética e forma
que seja uma autêntica expressão do rito que se celebra, tendo como princípio as
caraterísticas de universalidade (que todos consigam captar o seu sentido litúrgico
em qualquer parte do mundo), de santidade (que nos conduza ao encontro com Deus
e nos ajude a rezar), e de bondade de forma (deve ser escrita tendo em conta as regras
e normas da composição litúrgica e sacra quanto à melodia, ritmo e harmonia).

CORREIO DE COIMBR A N.º 4964


SEMANÁRIO DA DIOCESE DE COIMBR A WWW.CORREIODECOIMBR A .PT 22 DE FEVEREIRO DE 2024
35
GRANDE PLANO

E quanto ao uso do latim na Como disse o Concílio Vaticano II, “conserve-se o


letra do canto litúrgico?! canto gregoriano”. Portanto, há aqui um sentido
Como diz a Constituição Conciliar Sacrosanc- de zelo cultural e artístico: se a Igreja não preser-
tum Concilium no número 116: “A Igreja reco- va o seu património musical, se não incute essa
nhece como canto próprio da liturgia romana sensibilidade e ajuda o seu povo a entender o por-
o canto gregoriano; terá este, por isso, na ação quê de se usar o latim (em canto ou fala) em cer-
litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o pri- tas partes da missa, acaba por se perder.
meiro lugar”. Deste forma, o latim só se enten-
de numa questão de continuidade e fidelidade
à tradição da Igreja. Repare que o Vaticano II –
que fez a última renovação conciliar sobre li-
turgia e nos falou, por exemplo, da importância
da língua vernácula na liturgia - não extinguiu É preciso ter um programa
o latim da liturgia. O latim continua a ser, ainda que faça justiça àquilo que é a
hoje, a língua oficial da Igreja. Basta ver que as liturgia, sem excluir a língua
atas dos atos oficiais da Santa Sé – Acta Aposto- vernácula, mas que também
licae Sedis - são escritas em latim. Se não forem tenha a possibilidade da
os documentos da Igreja, as academias eclesiás- comunidade ter um pouco dessa
ticas ou o património musical da Igreja a pre- cultura musical que é própria
servar a língua latina, ela acabará por se perder. da Igreja Católica, e que inclui
o canto gregoriano e polifonia
clássica, que é o canto próprio
da Igreja ao longo da história.

O que seria a história da Obviamente, tem de se encontrar aqui sempre o


música, especialmente o Canto bom senso. Cantar um cântico em latim na Eu-
Gregoriano ou a Polifonia, se não caristia entende-se, por exemplo, quando é uma
se preservasse o latim? (...) Até celebração universal em que todos têm línguas
ao Concílio Vaticano II todos os diferentes. Hoje, em Fátima, santuário universal,
grandes compositores a quem continua a cantar-se, muitas vezes, o ordinário da
Igreja pedia e pagava para ter missa em latim e outros cânticos, por uma ques-
música de qualidade, musicavam tão de universalidade, porque certas melodias
os textos em latim, sobretudo em latim são cantadas e conhecidas por todos. O
os textos do Ordinário (Kyrie, canto gregoriano, que foi composto em latim por-
Gloria, Credo, Santus e Agnus que era a língua litúrgica durante muitos séculos,
Dei), e toda a gente conhecia isso. continua a tem o seu lugar na liturgia conforme
Como disse o Concílio Vaticano II, disse o concílio Vaticano II, juntamente com todo
“conserve-se o canto gregoriano”. o património de música polifónica. Mas, como em
tudo, é sempre necessário fazer a educação do
Povo de Deus, a começar pelos pastores das comu-
O que seria a história da música, especialmente nidades, na sua formação nos seminários, depois
o Canto Gregoriano ou a Polifonia, se não se pre- alargar aos nossos coros e responsáveis da mú-
servasse o latim? E repare que até ao Concílio Va- sica litúrgica. Por exemplo, agora na Quaresma,
ticano II todos os grandes compositores a quem podem-se cantar algumas antífonas gregorianas
Igreja pedia e pagava para ter música de qualida- muito conhecidas (por exemplo, Attende, Domine
de, musicavam os textos em latim, sobretudo os ou Parce Domine) que nos fazem viver o espírito
textos do Ordinário (Kyrie, Gloria, Credo, Santus e quaresmal. Volto a repetir: o importante é formar
Agnus Dei), e toda a gente conhecia isso. o coro primeiro, explicar o que quer dizer aquele

CORREIO DE COIMBR A N.º 4964


SEMANÁRIO DA DIOCESE DE COIMBR A WWW.CORREIODECOIMBR A .PT 22 DE FEVEREIRO DE 2024
36
GRANDE PLANO

texto; depois, é importante explicar às pessoas da executamos (canto gregoriano, polifonia clássica
comunidade o porquê de se cantar aquela antífo- e contemporânea) foram compostos em língua
na em latim e explicar a letra. Portanto, é preciso latina. Só usamos a língua vernácula (italiano) na
ter um programa que faça justiça àquilo que é a liturgia da Palavra – as Leituras e o Evangelho. E
liturgia, sem excluir a língua vernácula, mas que não estamos a celebrar o missal de Pio V, estamos
também tenha a possibilidade da comunidade ter a celebrar o missal atual, mas em latim. Portanto,
um pouco dessa cultura musical que é própria da é importante encontrar sempre um equilíbrio, há
Igreja Católica, e que inclui o canto gregoriano e espaço para tudo, há espaço para a polifonia con-
polifonia clássica, que é o canto próprio da Igre- temporânea, há espaço para uma antífona grego-
ja ao longo da história, canto que a Igreja sempre riana, basta lembrar aquelas antífonas marianas
teve no seu cardápio quando se interessava pela – “Salve Regina”, a “Ave Regina caelorum”, “Salve
verdadeira arte! São as nossas fontes que hoje se Mater”…ou as grandes missas gregorianas – como
mantêm através desses belíssimos textos e melo- há espaço para o canto popular, como há espaço
dias. E do ponto de vista musical, fonético, da dic- para o canto litúrgico, seja a uma voz, duas, três
ção, o latim é muito cantável, muito mais do que ou quatro vozes, como com o uso dos instrumen-
algumas línguas vernáculas, como o alemão ou o tos… Tem é que se encontrar um bom equilíbrio
francês, ou até o português. na celebração.

O Papa, falando da liturgia há poucos dias ao


Dicastério para o Culto Divino e Disciplina dos
Sacramentos, reconhecia a necessidade de
um saber científico na liturgia, mas relevava
Sendo uma arte, como todas as a “disposição interior de todo o povo de Deus”.
artes, [a música] vem muito do Não será a música uma arte tão técnica, tão de
talento que cada pessoa possa peritos, que o povo fique apenas a assistir?...
ter, mas ao mesmo tempo exige A música é uma arte especial, uma das mais belas
um trabalho de formação para artes e com uma linguagem própria e específica,
a pessoa a executar melhor e a através da qual se expressam tantas emoções e
poder também ensinar aos outros. sentimentos – através dos timbres sonoros, rit-
Por inerência, no ministério da mos, harmonias, com o uso da voz humana e dos
música litúrgica, se tivermos instrumentos… – que através da simples escrita
gente competente, que saiba ou palavra não seria possível. Por isso, tem uma
cantar, que saiba tocar, que tal influência que, bem integrada na liturgia, nos
saiba dirigir, que saiba educar ajuda a rezar melhor, a entrar em contato com o
nesta bela arte, então temos Mistério, com Deus, com a Liturgia Celeste. Uma
uma excelente oportunidade missa sem canto é como uma sopa sem sal. Por
pastoral de evangelização isso é que a música não é só adorno; a música
das nossas comunidades. faz parte integrante da liturgia, dá beleza à litur-
gia: a música é liturgia! Obviamente, sendo uma
arte, como todas as artes, vem muito do talento
Agora, não é necessário que o latim esteja sempre que cada pessoa possa ter, mas ao mesmo tem-
em tudo, mesmo que seja possível rezar todo o po exige um trabalho de formação para a pessoa
atual Ordo Missae em latim. Por exemplo, no Pon- a executar melhor e a poder também ensinar aos
tifício Instituto de Música Sacra, em Roma, to- outros. Por inerência, no ministério da música li-
das as partes cantadas (do presidente e do povo) túrgica, se tivermos gente competente, que saiba
das nossas celebrações são em latim, porque as cantar, que saiba tocar, que saiba dirigir, que sai-
nossas celebrações também funcionam como la- ba educar nesta bela arte, então temos uma exce-
boratório para alunos que se formam como mú- lente oportunidade pastoral de evangelização das
sicos profissionais, onde o canto e a música que nossas comunidades.

CORREIO DE COIMBR A N.º 4964


SEMANÁRIO DA DIOCESE DE COIMBR A WWW.CORREIODECOIMBR A .PT 22 DE FEVEREIRO DE 2024
37
GRANDE PLANO

É verdade que a música é uma arte muito espe- cântico, posso falar da letra; posso explicar o por-
cífica e nem toda a gente nasce com este talento. quê da melodia; posso explorar uma palavra que
Mas é importante que quem o tem, e que esteja o compositor reforçou com um melisma ou com
ao serviço de uma comunidade celebrante, se uma harmonia diferente; posso trabalhar um tex-
forme, se capacite a si próprio com esse dom que to que fala de Deus, da Trindade, da Igreja quando
Deus lhe deu - porque a música tem uma capaci- estou a falar para as crianças ou para os jovens. É
dade informativa e uma capacidade performativa. um veículo importante para a evangelização.
E o músico, fiel cristão ou sacerdote, que desem- E não só cantando, mas também ouvindo. Posso
penha bem este ministério na liturgia – seja como fazer uma experiência de fé, ouvindo música sa-
organista ou instrumentista, ou cantor e salmis- cra, canto gregoriano, polifonia ou música litúr-
ta, diretor de coro ou compositor –, tendo forma- gica atual. Ouvindo as grandes composições dos
ção competente, será um pedagogo pastoral. Ele grandes compositores de música sacra e litúrgi-
próprio evangeliza com o canto, com a música ca para a Igreja, podemos fazer uma verdadeira
que toca; exerce, sem dúvida, um verdadeiro mi- experiência espiritual e oração. Há aqui um bom
nistério litúrgico e eclesial. trabalho a fazer, começando pelos responsáveis

Posso fazer uma experiência


de fé, ouvindo música sacra,
canto gregoriano, polifonia ou
música litúrgica atual. Ouvindo
as grandes composições dos
grandes compositores de música
sacra e litúrgica para a Igreja,
podemos fazer uma verdadeira
experiência espiritual e oração.
Há aqui um bom trabalho a fazer,
começando pelos responsáveis
dos grupos litúrgicos e pelos
próprios padres, que são os
principais dinamizadores
de uma comunidade.

Falou da relação da música com a evangelização.


Tinha nas minhas notas um pedido
exatamente para aprofundar essa relação.
Penso que a música é um excelente meio de evan-
gelização, e temos aqui muito para explorar. A co-
meçar logo nos pequeninos, desde a catequese.
Se os catequistas, em coordenação com o pároco
e com o coro, fizerem um bom programa cate-
quético de cânticos cria-se uma verdadeira ponte
com a própria celebração da liturgia, sobretudo da
eucaristia, havendo aqui um verdadeiro trabalho
de evangelização. …Porque eu, quando ensaio um

CORREIO DE COIMBR A N.º 4964


SEMANÁRIO DA DIOCESE DE COIMBR A WWW.CORREIODECOIMBR A .PT 22 DE FEVEREIRO DE 2024
38
GRANDE PLANO

dos grupos litúrgicos e pelos próprios padres, Costumo dizer que o seu uso na liturgia deve ser
que são os principais dinamizadores de uma criterioso. Devem ser bem escolhidos os instru-
comunidade. Costumo brincar, entre colegas, mentos e os instrumentistas. Depende sempre
dizendo que se a música litúrgica numa comu- do programa musical que se vai executar, das
nidade paroquial está mal, o primeiro responsá- celebrações e da sua importância, das capaci-
vel é o padre. Quase sempre! E, depois, temos de dades dos instrumentistas e do coro que possa
olhar para os Seminários. Como vai a formação cantar. Porque o problema do uso de instrumen-
musical dos atuais seminaristas? Que formado- tos na liturgia não está só nos instrumentos; está
res musicais temos? Não esqueçamos o que diz na forma como os usamos e tocamos, na forma
a Constituição Conciliar Sacrosanctum Conci- “profissional ou não” como o fazemos. Obvia-
lium no número 115: “Dê-se grande importância mente o órgão de tubos continuará a ser o gran-
nos Seminários, Noviciados e casas de estudo de de rei dos instrumentos e o instrumento base da
religiosos de ambos os sexos, bem como nou- liturgia católica. Concluindo, a música litúrgica,
tros institutos e escolas católicas, à formação e bem trabalhada e orientada, é evangelizadora,
prática musical. Para o conseguir, procure-se sem dúvida!
preparar também e com muito cuidado os pro-
fessores que terão a missão de ensinar a música
sacra”. Esta chamada de atenção não é irrele-
vante! Lembremos que antigamente a formação
musical dos seminaristas era muito mais rica e
exigente! Nenhum padre era ordenado sem sa- O problema do uso de
ber entoar a sua parte no canto da Missa, sem instrumentos na liturgia não
passar no cântico gregoriano, sem saber um está só nos instrumentos; está
pouco de história da música, sem um mínimo de na forma como os usamos e
cultura musical ou leitura da clave de sol! Temos tocamos, na forma “profissional
de nos esmerar pela formação e cultura musical ou não” como o fazemos.
dos futuros responsáveis das comunidades, os Obviamente o órgão de tubos
padres, pois são eles que têm a missão primei- continuará a ser o grande rei dos
ra de preservar o património musical da Igreja instrumentos e o instrumento
e de incentivar os seus colaboradores musicais base da liturgia católica.
a fazerem boa música litúrgica, numa abertura
criteriosa às novas sensibilidades musicais, mas
sem esquecer o nosso património musical. Às vezes parece que a música litúrgica
Os instrumentos musicais também são um ver- está muito centrada na Eucaristia e na
dadeiro veículo de evangelização, dando um Liturgia das Horas. E quanto aos outros
importante suporte sonoro à música escrita e sacramentos, ou mesmo sacramentais?
cantada. Como diz a Constituição Conciliar Sa- A música litúrgica tem o seu lugar próprio na
crosanctum Concilium no número 120: “Tenha-se ação sacramental da Igreja. Todos os sacramen-
em grande apreço na Igreja latina o órgão de tu- tos têm rituais próprios, têm uma estrutura da
bos, instrumento musical tradicional e cujo som celebração, têm a palavra de Deus e essa palavra
é capaz de dar às cerimónias do culto um es- é musicável, nas antífonas da entrada e comu-
plendor extraordinário e elevar poderosamente nhão, nos salmos responsoriais, nas aclamações,
o espírito para Deus. Podem utilizar-se no culto etc... Há espaço para a música litúrgica nos sete
divino outros instrumentos, segundo o parecer sacramentos. Acontece é que a maior parte des-
e com o consentimento da autoridade territorial tes sacramentos são feitos no âmbito de uma ce-
competente, contanto que esses instrumentos lebração eucarística, mas a música litúrgica tem
estejam adaptados ou sejam adaptáveis ao uso espaço e tempo em todos os atos celebrativos da
sacro, não desdigam da dignidade do templo Igreja. O importante é fazer bem as coisas e da
e favoreçam realmente a edificação dos fiéis”. forma musical mais correta possível. k

CORREIO DE COIMBR A N.º 4964


SEMANÁRIO DA DIOCESE DE COIMBR A WWW.CORREIODECOIMBR A .PT 22 DE FEVEREIRO DE 2024

Você também pode gostar