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O Candomblé Angola se constitui ao longo de sua história como uma das religiões
de matriz africana importante no Brasil e no mundo pelas práticas ritualísticas,
indumentárias, hierarquias e pelos adeptos seguidores dos rituais afro-brasileiros.
Essa religião tem se expandindo desde a chegada dos povos africanos no
continente americano, a partir do século XVI. Essas culturas oriundas do
continente africano trazem em seu bojo uma contribuição significativa para a
sociedade brasileira, de modo particular para a questão religiosa, a dança e o
domínio do trabalho.
Mariza Peirano (2002) elucida que a vida em sociedade é sempre marcada por
rituais. Em sua conceituação, os ritos precisam de uma compreensão etnográfica,
ou seja, apresentada pelo pesquisador junto ao grupo que ele observa. E, por fim,
em sua análise, os processos rituais são fenômenos de transmissão de valores em
qualquer sociedade.
Considerando o Rito como expressão que fundamenta o universo religioso,
podemos destacar as contribuições fenomenológicas, antropológicas, históricas e
religiosas que definem os ritos pela visão de Aldo Terrin (2004). Nesta perspectiva,
o autor elucida as práticas ritualísticas como ordem cósmica universal dos deuses,
ou seja, num mundo que nos permite viver de forma mais organizado e não
caótico.
Este pensamento remete a uma classificação de alguns ritos que são praticados
no interior de cada religião. Vale lembrar que as religiões de matriz africana são
compostas de ritos de iniciações, sacrifícios de animais para as festas públicas,
saída de santo, entre outros elementos, que permitem estabelecer funções
prioritárias acerca dos ritos.
Gostaria também de fazer presente outro elemento que compõe parte dos rituais
candomblecista e que é muito apreciado não somente para quem faz parte da
religião, mas também para quem participa dos rituais. São as cores como
componentes importantes das festas que acontecem no terreiro. Isso é bem
expressivo através das indumentárias utilizadas por cada Filho de santo, de acordo
com o seu Nkisi. Por exemplo, o azul está relacionado a Ogum, o vermelho e azul
são de Iansã e branco de é de Oxalá. Para as festas públicas ou de iniciação, a
indumentária é extremamente significativa, pois é através desses artefatos
religiosos que os Orixás serão identificados.
Nas festas públicas, cada Filho de santo apresenta-se com sua indumentária de
acordo com o seu Orixá; as cores têm uma representação importante para as
divindades. Os colares no pescoço simbolizam a energia, o axé trazido pelos
deuses. Não se pode negar o simbolismo que compõe esses rituais, pois para
manter a tradição faz-se necessário a utilização desses artefatos que fazem parte
do espaço sagrado.
Os cânticos, todavia, não são apenas cantados, são também “dançados”, pois
constituem a evocação de certos episódios da história dos deuses, são fragmentos
de mitos, e o mito deve ser representado ao mesmo tempo que falado para
adquirir todo o poder evocado (BASTIDE, 2001, p.36).
Não obstante, podemos compreender que, para Bastide, e outros que adentraram
neste universo religioso, a musicalidade faz parte da evocação aos deuses. Seus
cânticos transmitem suas histórias de vida contada de geração em geração. Essas
músicas têm o poder de chamar os Nkisis para a festa, não importa onde eles
estejam. Na afirmativa da angoleira Mãe Beth “todo ritual tem o cântico, tem o
toque. O que vai buscar nossos Nkisis é o toque do atabaque” [2].
Não há uma separação entre esses mundos, mas há uma aproximação com este
universo sagrado. Porém, cada um tem sua característica particular, passando
para a coletividade. A dança, os ritos, as cores e os gestos articulados em cada
festa realizada no candomblé tem um valor profundo na busca pelo Sagrado,
considerando que esses elementos contém uma interligação, possibilitando formas
de resistência para manter viva sua tradição. A profundidade que ocorrem nessas
manifestações religiosas é positiva, para mostrar a sociedade que este mundo
místico tem valor e que deve ser respeitado.
Ao analisar seus costumes, ritos e danças aos Nkisis, constatei que essas são
formas de afirmação dos elementos da identidade afro-brasileira. Isso revela a
preocupação que os candomblecistas têm em manter viva na memória o que eles
herdaram de seus antepassados. Aqui, os que participam dos rituais continuam
com grande persistência na luta para não deixarem sucumbir sua religiosidade
para as gerações futuras.
Convém ainda ressaltar que, os instrumentos que são utilizados no terreiro, que
acompanham a musicalidade, são de suma importância para os rituais
candomblecistas.
Neste sentido, podemos destacar que no terreiro de Mametu Mãe Beth, além dos
atabaques existem outros instrumentos importantes, como o caxixi que eles batem
através da reza para as invocações dos Nkisis. Tem também a sineta para Exú,
que é conhecido por Mavambo na nação Angola. O toque do sino é para chamar e
também para buscar as energias para o espaço sagrado.
No terreiro ora pesquisado existem três instrumentos que são fundamentais para
as festas de candomblé. Primeiro é o ogã, um instrumento que dá início ao
candomblé. Este tem a finalidade de dar o sinal inicial e o tipo de ritmo a ser
tocado. Depois tem o adjá, que tem por objetivo chamar todos os Nkisis. Segundo
Beth Pantoja, o adjá “vai buscar os Nkisis onde eles estiverem” [3]. Durante as festas
de Candomblé, sobretudo nos rituais, este instrumento é tocado durante as
músicas no salão.
Por fim, têm-se os três atabaques, mais conhecidamente por rum, rupi e lê. Estes
instrumentos exercem uma função muito importante no terreiro. Através deles, os
rituais acontecem, pois são eles que durante as festas tocam as músicas. É
importante destacar que os ogãs, que são homens preparados para tocar, têm um
grande conhecimento da musicalidade. Eles entoam músicas para chamar os
Nkisis e continuam saudando todas as divindades.
Como vimos, as religiões de matriz africana trazem em seu bojo informações que
nos capacitam a adentrarmos na simbologia mística e fenomenológica dos Ritos,
sobretudo no que diz respeito aos ritos iniciáticos, musicalidade, danças, comidas
votivas e indumentárias. Esses elementos religiosos geram sistemas simbólicos
bastante complexos, com os quais é possível interpretarmos as religiões afro-
brasileiras na sociedade em que habitamos.
Certamente, as considerações acerca do Candomblé Angola em Belém nos
ajudam a olhar de perto elementos essenciais que compõe este universo místico e
religioso, desde a chegada dos primeiros religiosos candomblecistas iniciados na
Bahia. Por isso, Daniela Cordovil faz uma abordagem bem definida sobre a
chegada do Candomblé no Pará:
Sua abordagem nos leva a ter clareza sobre a legitimidade dos rituais professados
por estes afrorreligiosos, procurando mostrar que toda e qualquer forma de rito
está intrinsecamente conectada em diversos âmbitos do universo religioso, seja
através da música, das celebrações ritualizadas, entre outros. O Candomblé, como
religião de matriz africana e com seu aspecto representativo, procura vivenciar das
mais diversas formas suas expressões religiosas, mostrando para a sociedade sua
importância com suas especificidades, bem como sua contribuição no mundo
religioso.
O RITO DE INICIAÇÃO
As religiões de matriz africana trazem representações importantes sobre a cultura
e sua religiosidade. Dentre esses fenômenos, podem-se destacar os processos de
iniciação do Candomblé Angola, que é um dos aspectos bastante valorizado
dentro da religião. O processo iniciático é o elemento fundante da identidade
angoleira. É interessante notar que neste campo de representação do Candomblé,
ressalta-se o quanto é importante para a religião os ritos de iniciações, ou os ritos
de passagem. Esse processo dá legitimidade ao novo integrante da religião, pois
de certa forma ele passa a integrar com todos os direitos que lhes são cabíveis.
Como membro da comunidade, ele passa a assumir determinadas funções dentro
do terreiro.
Para Mãe Beth Pantoja, existem poucas diferenças ente o Ketu e o Angola; a
sacerdotisa destaca, contudo, que existem formas diferenciadas na musicalidade e
no preparo das comidas votivas. Essas diferenças, segundo ela, não tiram a
essência da religião, pois as mesmas cultuam seus Orixás, cada uma da melhor
forma possível.
Por conseguinte, quem está iniciando tem que ter consciência do significado de
cada passo neste processo, como tomar banho para se purificar e usar roupas
novas, além de carregar no pescoço o colar com as cores de seu Orixá, a fim de
deixar a vida profana para adentrar numa esfera sagrada. Com a orientação do
sacerdote, o neófito é introduzido na religião, passando a conhecer melhor seu
Nkisi e descobrindo os segredos da religião.
Ao falar da iniciação em seu terreiro, Beth Pantoja salienta que o tempo é muito
importante, e lembra de como a iniciação aconteceu em sua vida no angola [6]:
Já era adulta, com 20 e tantos anos. Você morre pra essa vida e constrói uma
nova página, novo livro na sua vida. Então, a partir daquele momento começa a
contar tempo. Então, com 7 anos se torna adulta, com 7 anos você se torna mãe
de santo, ou pai de santo, ou Mametu de Nkisi que eu sou, que significa mãe
espiritual do santo. Pra mim é uma faculdade, porque tem que cumprir 7 anos.
Ainda sobre a iniciação no Candomblé, faz-se necessário lembrar que existe uma
peculiaridade no gosto dos santos quanto a sua forma de vestir, comer e utilizar as
cores, como elucida os autores Arno Vogel, Silva Mello e Pessoa de Barros (2012),
na obra “Galinha d´Angola”. As divindades privilegiam certas cores, vestimentas,
sabores, aromas, entre outros artefatos que compõem os rituais do Candomblé.
Em dias de festa, observo o quanto esses símbolos são importantes, pois
expressam a alegria da festa e o Nkisi de sua cabeça, bem como a identidade
cultural religiosa, através dos ritos. Para os iniciados na religião, um dos momentos
de grande relevância é o bori, como já foi mencionado em outro momento, é “dar
de comer a cabeça”. Com esta jornada, o ingresso começa a participar nos rituais
concernentes ao Candomblé, dando início a trajetória no santo.
Por outro lado, existem as propriedades dos símbolos rituais, que “possuem as
propriedades de condensação, unificação de referentes dispares, e polarização de
significado” (TURNER, 1974, pp. 70-71). Segundo o autor, um símbolo pode ter
múltiplas representações ou ter vários significados, e isto é perceptível quando se
encontram grupos que fazem experiências de ritos de passagem, ou pela presença
de símbolos nos momentos rituais. Em cada experiência religiosa, esses símbolos
deixam de ser unívocos, assumindo diversos significados, dependendo do
momento e do espaço temporal. A este fundamento, cito como símbolo nos rituais
candomblecistas e em outras religiões a presença de sangue como elemento
agregador de unidade e legitimidade dos iniciados na comunidade.
Ainda durante o ritual, quando a sacerdotisa, junto com outros Filhos de santo,
dança, alguns ficam sentados no salão. Depois de várias sequências musicais,
eles saem e vão pedir a bênção da Mãe de santo e, em seguida, a dos que estão
presente no salão. Tudo isso acontece porque existe uma relação de cumplicidade
entre sacerdotes, Filhos de santo, divindades e seguidores da religião, tornando o
espaço sagrado como lugar de realização e de festa.
RITUAL DE SACRIFÍCIO
As religiões de matriz africana são constituídas por rituais cheios de significados, é
o que veremos em torno dos sacrifícios [7]. Esse é um dos momentos muito
apreciado pelos afrorreligiosos, uma vez que dá visibilidade pelo que está sendo
celebrado. Segundo Volney Berkenbrock, “o sacrifício é o fator que ativa e
possibilita o equilíbrio, e tem por objetivo proporcionar a reconstituição e a
redistribuição do axé” (BERKENBROCK, 1999, p.203).
Partindo dos discursos destes dois autores, pode-se dizer que o sacrifício exerce
uma função religiosa e, por conseguinte, o espaço também é religioso. Neste
sentido, o sacrifício é um ato importantíssimo, pois confere essa grande dádiva de
tornar o que é profano em algo sagrado.
Por outro lado, existe uma complexidade no sacrifício. De acordo com Mauss e
Hubert, isso acontece pela ausência da unidade. É que dentro desta diversidade
de rituais religiosos existe a necessidade de estabelecer a comunicação entre o
mundo sagrado com o profano através de uma vítima. No Angola, percebe-se que
este vínculo de comunicação se dá entre o sacerdote e o sacrificante com todos os
objetos que estão envolvidos no sacrifício. Em alguns momentos, a interlocução
acontece de forma visível entre Filhos de santo com o seu Nkisi, sobretudo nas
saídas de obrigações. As vítimas sacrificadas dão vida a este mundo tão
complexo, mas, de certa forma, sagrado.
Neste particular, percebe-se que não é qualquer animal, mas os que são
carregados de representações simbólicas, sobretudo do ponto de vista do sagrado.
A escolha se deve às exigências dos Nkisis, ou seja, das divindades. Portanto, o
momento dos sacrifícios requer silêncio e concentração; buscam-se, na força do
Axé, as energias para fazer os preparativos das festas. Como se pode observar,
os sacrifícios de animais no Candomblé Angola são plenos de rituais, favorecendo
o contato direto com o Divino, pois, a partir dessa preparação, as divindades se
aproximam dos seguidores da religião.
Para Severino Croatto, o sacrifício “é o fato religioso mais típico, mas ao mesmo
tempo o mais difícil de ser compreendido” (CROATTO, 2001, p. 364). De origem
latina, o sacrifício tem o significado de fazer com que as coisas sejam sagradas.
Neste sentido, para o autor, a definição de sacrifício é empobrecida, valendo
apenas para o contexto cultural romano. Entretanto, em sua linguagem
interpretativa, sacrificar “é converter em sagrado o que é entendido como a
‘oferenda’ do sacrifício” (CROATTO, 2001, p.355), visto que, no universo religioso
e fora dele, a compreensão que se dá é que o sacrifício está relacionado com uma
vítima, sobretudo de um ser animal.
Ao ser questionada sobre os rituais em sua Casa, Mãe Beth responde [9]:
Os rituais no candomblé, vamos iniciar. Aí canto, faço todo processo, tudo o que
tem que fazer. Ai você vai cantar pra mavambo. Todas as nações começam com
exú. Todos nós entendemos que o primeiro homenageado, porque ele foi o
primeiro ser criado, depois vem Deus. Começa por mavambo na minha nação.
Depois vem o despacho das coisas do agrado dele. Aí você vai ver uma vela
acesa com padê que é uma farofa de dendê. Pra que o ritual saia em paz. Depois
vem a defumação do incenso. A pessoa vai e defuma todo o ambiente.
Neste aspecto, recorro às contribuições de Marcel Mauss (2003), que relatam uma
experiência significativa sobre a dádiva e as obrigações que acontecem na
Polinésia e Melanésia. O sistema de oferenda vai desde o nascimento até os ritos
funerários. Neste sentido, é importante ressaltar que em toda dádiva implica um
dar e receber. Segundo Mauss, existem situações em que acontece esse
fenômeno, sobretudo em relações entre membros de família, grupos, hóspedes,
etc. Por outro lado, alguns indicadores nos apontam que a recusa da obrigação de
dar e receber equivale em declarar guerras, ou seja, recusa-se a aliança e a
comunhão.
Por fim, o autor sugere que além da composição de troca, existe também a
obrigação da retribuição, que deve ser realizada com juros. Na falta dessa
retribuição, o indivíduo sofrerá sanções, como a escravidão por essa dívida,
perdendo a condição de homem livre. A essa configuração, compreendo a
importância dessa composição da dádiva nos espaços religiosos, sobretudo no
Candomblé Angola como religião de matriz africana e que apresenta esses
elementos ou mantém em suas relações esses três fenômenos: dar, receber e
retribuir. Nos rituais realizados durante o ano, ficam latentes as relações entre os
adeptos à presença da dádiva.
Quando apresento este elemento, faço uma correlação com as comidas que são
preparadas pelos candomblecistas. A comida votiva, ou sagrada, tem esse
simbolismo, que é dar aos deuses o que eles consideram que sejam mais
importantes, tendo em vista que tudo o que se prepara pertence a eles. Ao
oferecer a essas divindades pelos Filhos que o ofertam, acredita-se que há uma
retribuição por parte dos que recebem a oferta ou obrigação como costumam
mensurar.
Dessa forma, existe toda uma preparação em realizar essas comidas. Segundo
Mãe Beth, elas são preparadas num clima de silêncio e de muito respeito. De
acordo com a sacerdotisa, os que cuidam e preparam as comidas votivas são
chamados de kotarefula, e são pessoas que se dedicam inteiramente para que
tudo ocorra bem. Porém, as pessoas que as preparam passam por todo um
processo de ritual, como enfatiza Mãe Beth: “e assim tudo é um ritual, roupa
branca, vestido, arrumado com seu fio de conta no pescoço, a gente não conversa,
conversa pesada (…) sempre voltado para aquele Nkisi que está fazendo aquela
comida”[10] . Neste depoimento, podemos dizer que as comidas aos Nkisis
constituem um valor precioso na vida dos afrorreligiosos; para cada Nkisi é
preparada uma comida diferente, que vai desde a escolha dos animais até a
preparação final.
O que mais me impressionou neste momento, dentro dos elementos que são
utilizados na religião, é a maneira com que esses alimentos são preparados. Os
candomblecistas que realizam esses rituais têm que estar bem física e
espiritualmente para passarem boas energias para o que está sendo feito: “então
tem que ter essa ligação, essa conexão com o sagrado, porque aquela comida é
votiva, é sagrada.”[11]. Neste sentido, posso dizer que existe uma interligação entre
as divindades com os religiosos, ou seja, a comida é a ligação entre o humano
com o sagrado.
Neste particular, a sacerdotisa Mãe Beth assegura que a comida é sagrada e que
de forma alguma pode ser “mexida” antes de dar para os Nkisis. Ela relata que, um
dia em sua casa, preparava a comida para o santo, quando um de seus Filhos de
santo comeu parte da comida que estava sendo preparada. Poucos minutos
depois, o Filho começou a sentir fortes dores, ficando sobre os cuidados da
sacerdotisa, que lhe preparou banhos e remédios para aliviar suas dores.
Para Pierre Verger, esses alimentos são de grande importância para compreender
o sentido dos rituais que estão ligados às oferendas. Em cada oferta observa-se
que os pratos preparados são de boa qualidade, haja vista que os deuses são
exigentes nesses rituais. É interessante notar que em cada festa religiosa são
preparados muitos tipos de comida, pois para cada Orixá se oferece uma comida
diferente. Nem sempre os organizadores conseguem recursos para essas
preparações, uma vez que são bastante onerosos os gastos. Eles trabalham
alguns anos para oferecer uma festa digna para seu Orixá. No dia que antecede a
festa, os preparativos são feitos pelas pessoas que recebem essa função na Casa.
No terreiro analisado, existem alguns tipos de comidas que não podem faltar,
dentre as quais destaco o acaçá. No Candomblé Angola, e em outras nações, ele
sempre vai estar presente. O acaçá é uma comida feita de milho branco e é muito
importante, pois é um alimento feito para todos os Nkisis. Quanto à preparação,
Mãe Beth diz que é feito da seguinte forma [13]:
Pega o milho branco, cozinha, escorre e faz todo uma limpeza. Lava e bota no
fogo pra cozinhar, deixe ele molizinho e bate ou no liquidificador ou pila. Depois vai
pro fogo e aí a massa tá preparada. Tem uma forma de enrolar, prepara a folha da
bananeira, escalda para tirar as impurezas e lava. Passa no fogo. Tem pessoas
que faz de várias formas, mas tem que passar por esse processo, da higienização,
da purificação. Ele é muito fino, muito importante.
Ainda de acordo com a sacerdotisa, o acaçá é uma comida que vai de Mavambo
(Exú) a Lembá (Oxalá). Porém, cada Nkisi tem sua comida própria, ou de sua
preferência. Outra comida feita por Mãe Beth Pantoja é o acarajé, que é preparado
com o feijão fradinho. Ele é colocado de molho, tirando-se a pele para depois ser
preparada a massa no ponto. É uma comida feita para vários Nkisis. Segundo a
angoleira, em sua Casa ela pouco usa sal no preparo desse alimento, apenas o
tempera com um pouco de dendê, acrescentando-lhe mais azeite português.
Depois que os bolinhos são preparados, fritam-se os acarajés. Há Nkisi que não
come dendê; para esses, preparam-se com o azeite português.
Ao abordar sobre as comidas votivas, perguntei a Mãe Beth sobre o prato que é
colocado no meio do salão, em alguns rituais do Candomblé. A este aspecto, ela
diz que é o padê de Exú, uma comida, ou oferenda, para Mavambo. Este alimento
é feito da farinha suruí, que é uma farinha especial, produzida no quilombo.
Prepara-se o padê de farinha fina, junto com outros ingredientes, como milho
branco, leite de oliva, azeite de dendê. Essa mistura depende muito de quem está
preparando. Tem também o padê de água e mel, que não pode faltar.
CONCLUSÃO
O simbolismo que gira em torno do Candomblé Angola me faz compreender a
riqueza e a sua importância na sociedade contemporânea. A legitimidade através
dos cultos ora realizados no terreiro tem a representação de mostrar, não somente
aos adeptos da religião, mas para toda a comunidade, como a religião vem
ganhando seu espaço na sociedade, sobretudo em visibilizar a questão cultural e
identitária.