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Seminário da Betânia – 96 anos

Ad Laborem
Nossa caminhada profissional
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(Organizadores)

Seminário da Betânia – 95 anos

Ad Laborem
Nossa caminhada profissional

Fortaleza
2021
Seminário da Betânia – 96 anos
Ad Laborem – Nossa caminhada profissional
© 2020 Copyright by F. Leunam Gomes e F. José Aguiar Moura (Orgs.)
Impresso no Brasil / Printed In Brazil
Todos os Direitos Reservados ao Autor

Leitura e Revisão de Texto


Francisco José Aguiar Moura
José Olavo Rodrigues
João Ribeiro Paiva
Leunam Gomes

Programação Visual e Diagramação


Luiz Carlos Azevedo

Criação de Capa
Valdianio Araújo Macedo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


Bibliotecário Responsável: Francisco Ramos Madeiro Neto - CRB 3/1374

G 633 s Gomes, F. Leunam


Seminário da Betânia 96 anos – Ad Laborem: nossa caminhada
profissional. / F. Leunam Gomes; F. José Aguiar Moura. (orgs.). –
Sobral, 2021.
322 p.
ISBN: 978-65-87115-08-5
1. Seminário da Betânia – História. 2. Seminário da
Betânia - Sobral. 3. História e Memória. I. Moura, F. José
Aguiar. II. Título.
CDD: 900
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
Dom Manuel Edmilson da Cruz ....................................................11

PREFÁCIO
Padre José Linhares Ponte ..............................................................14

CAMINHADA PÓS-SEMINÁRIO
Afonso Rodrigues Fernandes ..........................................................17

SOU UM PRIVILEGIADO POR DEUS


Alarico Antônio Frota Mont’Alverne ...............................................22

TRABALHANDO ONDE ESTUDEI


Antônio Fernandes Vieira ..............................................................30

AD VITAM ET AD LABOREM
Antonio Flávio Ribeiro e Paiva ......................................................35

ANTÔNIO MARTINS VASCONCELOS (In Memoriam)


Leunam Gomes ............................................................................ 43

MARCAS QUE FICARAM


Antônio Orion Paiva ....................................................................49

PARA A VIDA E PARA O TRABALHO


Benes Alencar Sales ......................................................................53

BETÂNIA: PEDRA ANGULAR DA MINHA FORMAÇÃO


Brisamor Aguiar Ximenes .............................................................57

ITER FACERE
Cícero Matos Castro .....................................................................61
INFLUÊNCIA NA VIDA PROFISSIONAL
Davi Helder Vasconcelos ................................................................64

FORMAÇÃO HUMANISTICA E RELIGIOSA


Flávio Machado e Silva ...............................................................69

“TERMINEI A CARREIRA, GUARDEI A FÉ”


Francisco de Assis Magalhães Rocha .................................................75

AGIR NA DIREÇÃO DO BEM COMUM


Francisco Henrique Pinheiro Ellery ...................................................... 80

BETÂNIA: AS LIÇÕES QUE APRENDI


Francisco José Aguiar Moura ................................................................ 85

BETÂNIA: SEMENTE DE ESPERANÇA


Francisco José Carneiro Linhares .......................................................... 90

O DESLUMBRAMENTO DA LEITURA
Francisco José Soares Feitosa ................................................................. 98

PROCURANDO O BEM COLETIVO


Francisco Leunam Gomes ................................................................... 102

CONSOLIDANDO ENSINAMENTOS DOMÉSTICOS


Francisco Luciano Paiva .................................................................... 109

LUTO E SONHO COM O FUTURO CIDADÃO


DO MEU PAÍS
Francisco Regis Frota Araujo .............................................................. 114

SUA PREGAÇÃO MUDOU MINHA VIDA


Gonçalo Pinho Gomes ........................................................................ 119

REMINISCÊNCIAS
João Batista da Silva ......................................................................... 123
ADULTOS CHORAVAM DE ALEGRIA
João Ribeiro Paiva ............................................................................. 131

SEGUINDO OS DONS QUE CONDUZIA


José Abner Melo Carvalho .................................................................. 136

A CHAMA, JAMAIS APAGOU!


José Armando Ponte Dias ...........................................................139

SEMINÁRIO DA BETÂNIA: UM DEPOIMENTO


José Cândido Fernandes .............................................................145

DISCIPLINA E SENSO DE ORGANIZAÇÃO


José Carlos Ponte Soares ..................................................................... 149

SER OU NÃO SER PADRE... ANTROPÓLOGO E


PROFESSOR
José Carlos Sabóia .............................................................................. 155

LABOREM EXERCENS
José Célio Cavalcante Fonteles ............................................................ 159

SEMINÁRIO: MINHA JERUSALÉM


José Edson Costa ................................................................................ 164

SERVIR BEM, SEMPRE!


José Elisiário de Melo Nobre ............................................................... 170

ORGULHO PROFISSIONAL
José Gentil Mota ................................................................................ 176

UM CAMINHO DE LUTAS
José Hairton Carvalho ....................................................................... 187

A MÍSTICA DA RESPONSÁVEL DEDICAÇÃO


AO TRABALHO!
José Henrique Leal Cardoso ................................................................ 195
SEMINÁRIO SÃO JOSÉ – MINHA VIDA
José Isac Silveira ................................................................................ 201

LEMBRANÇAS E REALIZAÇÕES
José Lucivan Miranda ....................................................................... 206

APRENDI A VALORIZAR O COLETIVO


José Vitorino de Sousa ........................................................................ 210

BETÂNIA: SEMENTE E FRUTO


Juarez Leitão .................................................................................... 217

HONESTIDADE, RESPEITO E HUMILDADE


Lourença Araújo Lima ....................................................................... 223

O SEMINÁRIO DOS MEUS QUERERES


Manoel Valdeci de Vasconcelos ............................................................. 227

UMA VIDA, UMA HISTÓRIA PESSOAL E UMA


TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Modesto Siebra Coelho ....................................................................... 231

O SEMINÁRIO E A MEDICINA
Plinio Belchior Magalhães .................................................................. 244

RESPEITO E AMOR AO PRÓXIMO


Raimundo Leopoldo Frota Mont’Alverne ........................................... 250

AO TRABALHO!!!
Ramiro Pereira ................................................................................. 257

SABEDORIA, HUMILDADE E PAIXÃO


Prof. Teoberto Landim ....................................................................... 262

O SEMINÁRIO DA BETÂNIA ME CAPACITOU PARA


A VIDA
Vicente Lívio Rocha Giffoni ............................................................... 266
POSFÁCIO .................................................................................. 271

O NOSSO SEMINÁRIO DE SOBRAL ........................ 272

NOSSOS REITORES
O Padre Reitor ....................................................................... 275

Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho ............... 282

Em Tributo ao Padre-Reitor José Linhares Ponte ............ 284

Cônego Sadoc, Magnífico Reitor ........................................ 291

NOSSOS PROFESSORES
Padre Francisco Tupinambá Melo ....................................... 294

Mons. Arnóbio, Servo de Deus! ......................................... 296

Padre João Batista Ribeiro .................................................... 299

João Mendes Lira .................................................................. 301

Padre Albani Linhares .......................................................... 303

Padre Edson Frota ................................................................. 305

O Eterno Mestre: Mons. Gerardo .................................... 307

Padre Joviniano Loiola .......................................................... 310

Padre Luizito .......................................................................... 312

Padre Marconi ........................................................................ 314

Monsieur Moésia ................................................................... 316

O Padre Edmilson Cruz ....................................................... 319

Padre Osvaldo Carneiro Chaves – O Professor ................. 321


APRESENTAÇÃO

Dom Manuel Edmilson da Cruz


(De Acaraú, Sacerdote, Bispo emérito de Limoeiro do Norte-Ce.
Reside em Fortaleza-Ce)

Da primeira vez, o primeiro volume desta obra evoca-


va-nos à memória o sentido do seu lançamento que era – e con-
tinua sendo – AD VITAM. Desta vez este dá um passo adiante,
um passo por sinal muito significativo: AD LABOREM. LA-
BOREM acusativo de LABOR, trabalho, põe-nos diante das
duas modalidades de trabalho. A primeira, LABOR, refere-se
ao espírito, à alma do trabalhador, à aplicação da mente àquilo
que ele tem em mente realizar. A segunda, a modalidade OPUS,
obra, nos aponta o aspecto material, o peso braçal da obra que
está sendo feita. Como somos pessoas, ou seja, alma e corpo,
espírito e matéria, essa distinção tão verdadeira, por vezes se
compenetra, sem perder uma vírgula da sua plena verdade. Não
esqueçamos a expressão “Obra d’arte” e seu sentido.
Recordando estas verdades que encerram em si um
pouco de lógica, de antropologia e de psicologia é minha in-
tenção esclarecer com simplicidade o sentido profundo que
os seus propositores nos propõem para valorizarmos o novo

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 11


livro que com tanta dedicação eles estão colocando em nos-
sas mãos. Por todos os Betanistas, também por mim, tenho o
prazer de agradecer-lhes, prezados Aguiar Moura e Leunam
Gomes, ambos meus prezados ex-alunos de Seminário.
A apresentação, porém, não terminou. Sinto a conve-
niência de dar um passo adiante, um passo que todos já estão
pressentindo, um passo sobre quem está por dentro e por trás
de tudo o que acima foi escrito, um passo sobre o nosso tão
querido e sempre lembrado Dom José Tupynambá da Frota.
Dom José um pouco visto sob o ângulo negativo mas que aqui,
mais entendido, será bem positivo e favorável. Em vez de vi-
tupério, um louvor. Como, com tais fraquezas, realizar tantas e
tão grandes obras e ser tão grande.
Estou falando agora sobre os conhecidos “pitos” nas ce-
lebrações solenes, até de Páscoa na Catedral, do começo ao
fim, celebrações da santa missa, durante todo o tempo do seu
longo e abençoado ministério episcopal. A notar: Dom José,
Pe. Joaquim Severiano de Vasconcelos, o Pe. Antônio Tomás
Lourenço e o Pe. José de Arimateia Cisne eram primos. Dom
José, de Sobral, Pe. Joaquim Severiano de Sant’Ana do Aca-
raú e Pe. Antônio Tomás, o poeta, de Acaraú. Pois bem, eu
fui, na linguagem do tempo, Diácono assistente ao sólio (ou
trono) pontifício de Dom José na sua última celebração solene
na Catedral. Nos primeiros tempos do seu pontificado, o nos-
so querido Dom José já causava estranheza, talvez escândalo
ao piedoso povo da Princesa do Norte, durante as celebrações
solenes na Catedral. Numa delas na Semana Santa foi parti-
cipante o Pe. Severiano. Não faltaram os pitos. Pitos furiosos.
Terminada a missa, voltou Dom José para o palácio. Voltou
de carro, como de costume. Minutos depois chegava também
o Pe. Severiano. Pede licença. Severiano vem ao senhor Bis-
po para dizer-lhe uma palavra. Com uma condição: falaria de
joelhos. Dom José estranhou. Mas foi o jeito. E ele lhe disse:

12 Seminário da Betânia – 96 anos


“Quero dizer a V. Excia. que hoje na Catedral de Sobral quem
menos se comportou na missa em sua função de celebrante foi
o senhor Bispo Diocesano”.
Do outro caso participei eu. Foi na última missa solene
de Dom José na Catedral. Tudo ia indo muito bem. Ó alívio
sentia eu, pelo menos uma vez na vida! Isso até o momento do
Agnus Dei. Ó Como eu estava feliz, agradecendo a Deus. Mas
foi aí que aconteceu o pior. Lá no Coro, nas alturas, a Schola
Cantorum do Seminário executava os cânticos sagrados sob a
regência do competente Cônego Correia, colega de Dom José
no Colégio Pio Latino Americano de Roma e bons amigos.
Inesperadamente, o Bispo celebrante se volta para trás im-
properando: “Seminário de Sobral! Seminário de Sobral”; e o
pito daqueles. Imagine-se a minha reação interior. Pois bem,
Dom José costumava dizer que quando eu estava perto dele,
ele sabia os meus pensamentos. E agora, muito calmo, voltado
para o altar, ele explicou: Quem quiser saber a razão do meu
procedimento, saiba que é o esplendor do culto de Deus que
me faz adotar estas atitudes. E o que é que tinha acontecido?
Apenas isto: em vez de Agnus Dei os cantores haviam cantado:
Águinus Dei. Uma infeliz e inocente anaptixe.
Por fim, não por menos, devo destacar por justiça e
gratidão este fato que ficou em mim. Enquanto a memória
se conservar lúcida por graça de Deus hei de transmiti-lo
aos nossos Betanistas: terminada a reforma da Igreja Cate-
dral, quando a venerada imagem ia ser entronizada em seu
altar mor, Dom José perante uma multidão fazia a saudação à
nossa Padroeira diocesana e paroquial. Houve um momento
em que o nosso tão querido e inesquecível Bispo diocesano
piedosa e profundamente emocionado, chorando! E todos
pudemos ver o nosso grande pastor saudando em lágrimas.
Meu querido Dom José a quem todos nós tanto deve-
mos e queremos, rogai a Deus por nós.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 13


PREFÁCIO

Padre José Linhares Ponte


(De Sobral, Sacerdote, Professor, Ecônomo e Reitor do
Seminário de Sobral-CE)
Deus reserva-lhe a vida (e quem sabe se tudo isto não se des-
vanecerá da sua memória, como uma fumarada, sem deixar
rastro?) Que importa que agora forme parte de outra catego-
ria de pessoas?¹1

S urpreendeu-me, pelo conteúdo, um inesperado tele-


fonema do Leunam, convidando-me para apresentar, prefa-
ciar uma resenha escrita pelos Betanistas em que evocavam,
simultaneamente, a passagem pela imortal Betânia, Seminá-
rio São José, e o peregrinar de cada protagonista pelo chão da
existência, pós-estada no seu e no meu querido Seminário da
Betânia. O título da Lavra é AD LABOREM. Fui acometido
de um choque psíquico. Aceitei. E já no dia seguinte tinha em
mãos 30 depoimentos repassados de saudade, de gratidão, de
evocação, de luta, de vitória, em síntese, de vida.
O choque sobreveio-me pelo intempestivo mergulho no
passado, arrastando-me ao ano de 1956, quando Padre, recém-
-ordenado, fora escolhido para integrar a brilhante equipe que
dirigia o seminário de então.

14 Seminário da Betânia – 96 anos


De súbito, vi-me percorrendo aqueles extensos corredo-
res, aquelas extensas salas de aula, aquele refeitório, aquele re-
creio, aquela Capela, privando, diuturnamente, com a essência
da inteligência do Clero sobralense. Uma onda incontrolável
de emoção abalou os alicerces de minha alma. Aflorou-se-me a
presença do Austregésilo, do Albany, do Osvaldo, do Luizito, do
Marconi, do Sadoc. Quase todos já não mais conosco convivem.
Acompanhei, durante anos, sucessivas turmas de crian-
ças e adolescentes, ufanos e fagueiros, que chegavam para ocu-
par aqueles imensos espaços. Davam vida, gestavam incógni-
tas e esperanças. Ali fui Prefeito de Disciplina, mais adiante
Ecônomo, depois Diretor das Obras das Vocações Sacerdotais,
Professor e, finalmente, Reitor.
É difícil mensurar o caudal de emoções, que me invadiu
a alma à proporção que lia a trajetória exitosa percorrida por
cada um. Voltar-me ao insubstancial do passado, tentar me
apegar ao inatingível do tempo é um exercício dolorido, pleno
de evocações e de torturas, quando me encontro quase che-
gando ao ocaso da existência temporal.
Ingressando na metafísica, encontrei as duas faces do SER.
A plenitude da Inteligência, da criatividade do Pesquisar, a plu-
ralidade do Conhecimento, e, sobretudo, a capacidade de Amar.
Se este acervo plenificar a vida, do outro lado há a fragilidade
deste monumento, aparentemente inquebrantável, mas tão fraco
que um vento mais forte o balança, e o expõe ao profundo de sua
essência quase pó, susceptível ao menor abalo, exposto às quei-
maduras e feridas que o acompanham sem que sejam percebidas.
Vida curta, falaz, exposta, traiçoeira, plena de aclives e declives.
À proporção que ia lendo, invadia-me uma avalanche de
recordações. Recordava detalhes, retalhos, episódios, encontros
e desencontros. Ficava sempre um resíduo, uma lembrança, um

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 15


sonho, um encontro. Deus reservara à vida de cada um deles
imensurável caudal de graças, de êxito, de cidadania.
Em quase todos encontrei a seriedade, a responsabili-
dade, a honestidade, a vontade de servir, a profundidade do
espiritual. Dizia-me: plantei sementes em terra fértil. Se não
os encontrei nos altares eclesiais, os descobri no altar da Pátria,
celebrando a missa viva da existência.
Momento feliz, saturado de emoção, certamente, mas
pleno de satisfação em acompanhar a exitosa peregrinação de
cada um. Lutas houve, obstáculos também, mas nenhum se
sentou na beira da existência, esperando frutos doces caírem
em suas mãos. AD LABOREM, que bela escolha. Afigu-
ram-se-me cavalheiros destemidos, cavalgando na busca de
conquistar um lugar à sombra do sonho, do castelo almejado.
Parabéns! Louvado seja Deus!
Quanto a mim, migrei para Alemanha, onde estudei
psicoterapia e psicanálise. No regresso, dirigi o Colégio So-
bralense, reconstruí a Santa Casa, fiz o Hotel Visconde, o
Hospital do Coração e umas tantas outras obras de assistência
aos pobres da minha região. Passei 24 anos ininterruptos como
deputado federal. Venho de encerrar minha gestão como pre-
sidente Estadual do Conselho de Educação.
Deus reservou-me longevidade sadia, às vésperas dos 90
anos, estou terminando de escrever a História da Santa Casa.
Planejo escrever após o que chamo “Retalhos de uma Vida em
Construção”. Pretensão? Talvez.
Desfazendo a posição de Raskólnikof, a memória não se
desvaneceu. Ao contrário permanece viva, palpitante e grata. Não
se foi como uma fumarada, ficaram rastros profundos, fincados
na existência de cada um. Deus os acompanhe, dando-lhes Sere-
nidade, Coragem e Sabedoria. São os meus sentidos votos.
13 de outubro de 2020

16 Seminário da Betânia – 96 anos


CAMINHADA PÓS-SEMINÁRIO

Afonso Rodrigues Fernandes


(de Meruoca-CE. Agrônomo, Administrador Público, em Fortaleza)

Quem teve o privilégio de estudar no Seminário e, a


partir do momento que percebeu não ter mais vocação para
ser padre, é acometido de uma avalanche de sonhos e desejos
de alcançar uma vida futura com estabilidade financeira, capaz
de ajudar seus pais e irmãos e construir uma família. Enfrenta
noites e dias de dúvidas e incertezas, tais como: Que profissão
devo seguir? Qual a carreira que hoje atenderia os meus an-
seios e as minhas necessidades? Sou razoavelmente qualificado
nas matérias de português, inglês, matemática, dentre outras,
para enfrentar vestibular? Quase todos os ex-seminarista, se-
não todos, passam por isso. No meu caso, não foi diferente.
Está na minha frente um grande problema, mas tenho que
enfrentá-lo, brevemente.
Na minha caminhada, contei muito com a ajuda de
Deus que colocou em meu destino alguns ‘anjos’, criaturas do
bem, espirituosas e muito solidarias, ajudaram-me sem antes
me conhecerem e sem esperar recompensa futura.
No vestibular para a Escola de Agronomia foi Terezinha,
uma senhora que era chefe do Setor de Pessoal, aceitou minha

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 17


inscrição com apenas a apresentação da Carteira de Identida-
de, hoje R. G. Permitiu-me levar o restante da documentação
cinco dias depois.
No primeiro emprego, foi Marcelino, também desco-
nhecido. Usando batina preta, faixa azul e chapéu, decidido a
sair do Seminário, eu passava pela rua Gonçalves Ledo, 888,
logicamente preocupado em como enfrentar a vida, onde me
alimentar, onde trabalhar, que tipo de serviço encontrar, quan-
do fui interrompido por um rapaz de estatura baixa, moreno,
cabeça achatada, olhos grandes e distanciados, sentado no ba-
tente da entrada do Externato Cristo Rei, perguntou-me onde
estudas? No Seminário da Prainha, respondi. Ótimo, preciso
falar com você. Conheces algum ex-seminarista que esteja de-
sempregado? Estou decidido a sair do Seminário, vinha agora
mesmo pensando nisso. Perguntou-me, que curso você faz?
Iniciei a Teologia: Estudei seis anos no Seminário São Jose
de Sobral, aqui na Prainha concluí o Curso de Filosofia e ini-
ciei o de Teologia. Olha, trabalho aqui há quatro anos, passei
no Concurso para o Banco do Brasil, vou sair agora no mês
de março e estou procurando um substituto. Interessa a você?
Claro, respondi. Então me dê seu nome completo, apresentarei
à Diretoria e lhe darei a decisão dentro de pouco tempo. Deu
certo e no dia 3 de março de 1963 estava assumindo o cargo de
Professor Disciplinário do Externato Cristo Rei.
Um ano depois, tive o privilégio de conhecer minha atu-
al esposa, Terezinha, amiga e companheira em toda a cami-
nhada de minha vida. Namoramos sete anos e nos casamos na
casa de meus pais no Sítio Norte em Alcântaras, na Serra da
Meruoca. Depois de casados, fixamos residência em Fortaleza,
no bairro da Piedade. Neste período ainda vivíamos pagando
aluguel, mas sempre batalhando para conseguir uma residência

18 Seminário da Betânia – 96 anos


própria, sonhando um dia possuir um sítio, o que aconteceu.
Cinco anos após compramos o primeiro apartamento no bair-
ro Aldeota Sul, hoje Cidade dos Funcionários, e três anos após
conseguimos realizar o nosso segundo sonho, denominado sí-
tio Campinarana (nome sugestivo por inicialmente ser uma
campina e ter se tornado uma área com plantas cultivadas) na
Lagoa Redonda, onde hoje residimos.
Em 1965, recebi a notícia de um professor do Exter-
nato que iria haver um vestibular no Centro de Ciências
Agrárias – CCA para engenheiro agrônomo e neste mo-
mento me dispus a fazê-lo, pois o Externato apesar de me
deixar satisfeito não me dava a condição financeira que al-
mejava e vislumbrei que isso seria para o resto da minha
vida, caso ali eu ficasse, por isso passei a estudar sozinho.
Manhã e tarde trabalhava e a noite me preparava, principal-
mente em matemática, física, química e biologia, matérias
pouco exploradas pelo seminário. Enfrentei algumas difi-
culdades, como pessoas descrentes de minha capacidade de
estudo que ganhei no Seminário, mas com determinação
e perseverança as venci. O diretor do Externato ficou sur-
preso quando viu meu nome na lista, do principal Jornal de
Fortaleza, como aprovado em Agronomia.
Por interferência do terceiro anjo, Padre Mesquita, hoje
falecido, os quatro anos de faculdade passei trabalhando um
semestre e estudando no outro, já que a agenda do CCA era
semestral. Em 1969, representei minha turma no recebimento
do título de Engenharia Agronômica, ano difícil, não havia
emprego. Não desanimei, o Brasil precisa da nossa profissão,
dizia sempre. Em 1971, Professor Matias do CCA, disponi-
bilizou-me, como empréstimo, recursos para eu participar de
concursos para Extensão Rural em Recife e Salvador.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 19


Ao retornar participei do concurso para a Associação
Nordestina de Crédito e Assistência Rural do Ceará – AN-
CARCE. Passei nos três, mas preferi assumir no Ceará, por
ser meu Estado e por querer levar meus conhecimentos aos
meus conterrâneos, pequenos e médios agricultores. Estagiei
por três meses na cidade de Brejo Santo e de lá ocupei a função
de Extensionista Agrícola I, como fundador e coordenador do
Escritório Local de Iracema, onde assisti e orientei os peque-
nos e médios agropecuaristas sócios ou não da Cooperativa
Agrícola de Iracema, sempre visando incrementar a produção
para um aumento de renda e melhoria de vida dos agropecua-
ristas e suas famílias. Para que isso fosse possível era necessá-
rio levar até eles novas tecnologias sobre as culturas de feijão,
mandioca, milho e arroz, além de orientá-los na condução ra-
cional dos rebanhos bovinos, caprinos e ovinos. O destaque
era a cultura do algodão, então denominado de “ouro branco”.
Essa cultura foi tão importante que na época da colheita quase
todos os produtores compravam ou trocavam de veículos, en-
quanto outros faziam melhorias em suas residências.
Nesse período de dois anos e meio, que passei em Ira-
cema, galguei os cargos de Extensionista Agrícola I e II, o que
facilitou minha vinda para Fortaleza. Fui promovido ao cargo
de Coordenador Regional de Projetos Agropecuários, lotado
no Escritório Estadual da empresa, onde coordenei o Projeto
de Cooperativismo firmado entre SUDENE e ANCARCE e
representei a empresa junto ao IBGE.
Coordenei o Programa Estadual de Sementes e Mudas
por um período de doze anos, distribuindo sementes com po-
tencial genético elevado permitindo uma melhoria da produ-
ção, aumentando a renda e qualidade de vida do agricultor.
Após dois anos de serviços prestados no Escritório Central em
Fortaleza, ascendi ao Cargo de Assessor Técnico Agropecuá-

20 Seminário da Betânia – 96 anos


rio que permitia a lotação definitiva do servidor no Escritório
Estadual. Exerci a função de Diretor de Recursos Humanos o
que me possibilitou elevar o número de funcionários de 432
para 1996 entre técnicos e administrativos. Nesse período
acompanhei a mudança da ANCARCE para a Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará – EMATER-
CE, mantendo a filosofia de trabalho. Fui nomeado Supervisor
Estadual para a região de Brejo Santo, que compreendia dez
municípios, onde acompanhava os trabalhos do Supervisor
Regional e dos Coordenadores Locais, no sentido de propor-
cionar um desenvolvimento agropecuário capaz de levar aos
pequenos e médios agricultores a um aumento de renda e me-
lhoria de vida para eles e suas famílias.
Uma longa jornada profissional repleta de dedicação,
abdicações e esforço só conseguiu ser concluída graças a fa-
mília que construí de quem até esta data me orgulho muito.
Conforme os desígnios de Deus tivemos só uma filha, cha-
mada Michelle. Com os valores que adquiri no Seminário, em
harmonia com os de minha esposa, formamos uma filha res-
ponsável, estudiosa, trabalhadora e com consciência social e
espiritual.
Hoje, continuo prestando serviços na mesma empresa
com 82 anos de vida e 49 anos de carreira Ematerciana, as-
sistindo e orientando os agricultores do Estado com a mesma
dedicação, coragem e na expectativa de melhoria de vida para
todos.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 21


SOU UM PRIVILEGIADO POR DEUS

Alarico Antônio Frota Mont’Alverne


(De Sobral-Ce. Geólogo e Empresário de Educação, no Recife)

“M uitos são os chamados e poucos os escolhidos”. Sou um


dos que foram chamados, porém não escolhido para o Minis-
tério Sacerdotal. Nasci em Sobral, no Ceará, a 4 de abril de
1943, em uma família de 11 irmãos. Minha mãe, Maria Yêd-
da Frota Mont’Alverne, renomada educadora, e professora da
rede estadual de ensino, e meu pai, Antônio Edward Mendes
Mont’Alverne, representante comercial.
Fui educado com o rigor do sertanejo, que acorda cedo
e não pode desperdiçar tempo nem esforço, valorizando cada
raiar do sol. Em nossa mesa aprendemos a compartilhar o ali-
mento e o saber. Conviver no seio de uma família numerosa
implica aprender a compartilhar e a dividir.
Os seis anos (1954 – 1959) vividos naquele vetusto casa-
rão do Seminário da Betânia, de saudosa memória e inesquecí-
veis reminiscências, foram os responsáveis, através da concentra-
ção, da meditação e da rígida disciplina, pelo desabrochar e pela
evolução de meu intelecto, oferecendo-me uma visão cósmica
do mundo exterior, disponibilizando-me ferramentas indispen-
sáveis à evolução do conhecimento técnico-científico-humanis-

22 Seminário da Betânia – 96 anos


ta, forjando-me para o enfrentamento das intempéries e vicissi-
tudes do mundo profano, como nos referíamos àquela época ao
mundo exterior ao seminário.
O silêncio e a rígida disciplina, racional e objetiva, foram
os principais fatores que ofereceram um ambiente propício ao
estudo e ao crescimento como ser humano, nos diversos e va-
riados aspectos da personalidade de cada um, além de desen-
volver a espiritualidade interior.
Naquela “santa casa do saber” a vida se resumia ao silên-
cio, ao estudo, à disciplina, às orações, aos esportes e ao lazer,
responsáveis pela formação integral do homem, dos quais uns
poucos foram até o sacerdócio e a grande maioria enveredou
por profissões as mais diversas, sempre se distinguindo entre os
demais. Considero-me um dos eleitos por Deus, por ter sido
escolhido para usufruir desta auspiciosa estada no Seminário da
Betânia e de ter convivido, de maneira saudável e gratificante,
com uma plêiade de valorosos e de competentes mestres, deten-
tores de enorme cabedal de conhecimentos acadêmicos e porta-
dores de magnífica performance espiritual, ética e cívica, dentre
eles: Dom José Tupinambá de Frota, Dom José Bezerra Coutinho,
Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho, Dom Manoel Ed-
milson Cruz, Pe. Osvaldo Carneiro Chaves, Pe. José Gerardo Fer-
reira Gomes, Pe. José Linhares Ponte, Pe. João Mendes Lira, Pe. José
Edson Frota, Pe. Marconi Freire Montezuma, Pe. Albani Linhares,
Pe. Arnóbio Andrade, Pe. Francisco Sodoc de Araújo, Pe. Moésia No-
gueira Borges, Pe. Tupinambá Melo, Pe. Luizito Dias Rodrigues e
outros que me fogem à memória. A todos eles, pelo legado que
nos concederam, o meu respeito e minha admiração.
Além da Betânia, passei o ano de 1960, no centená-
rio Seminário da Prainha, em Fortaleza – CE quando iniciei
o curso de Filosofia, contando com ilustres professores, tais
como Dom Belchior Neto, Dom Vicente Zico, Dom Paulo Pontes,

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 23


Pe. Francisco Luz, Pe. Alberto Castelo, Pe. Hélio Campos, Pe. José
Nilson, Pe. Pedro Zinguerlé, Pe. Ivan Deck, entre outros. Mais
tarde, no período de 1961 – 1962, vim estudar no Seminário
Regional do Nordeste, em Olinda, na Casa de Azeredo Cou-
tinho, fundada em 1800, conhecida como a Escola de Heróis,
onde conclui, em 1962, o curso de Filosofia. Tive a honra e o
privilégio de estudar com grandes mestres como Dom Marcelo
Carvalheira, Pe. Zildo Rocha, Pe. Sena, Pe. Zeferino Rocha, Prof.
Vamireh Chacon, Prof. Newton Sucupira, Prof. Ariano Suassuna,
entre outros, que tanto contribuíram para a minha formação
humanista e filosófica, principalmente, para atuar junto aos
mais carentes. Nossa grande referência – Dom Hélder Câmara
– exercia relevante liderança religiosa e inspirava a todos nós,
com uma visão direcionada para os mais necessitados.
Este somatório de várias oportunidades me concedeu
uma ambiência propícia ao forjamento de minha personali-
dade e ao crescimento intelectual, oferecendo-me excelentes
oportunidades para o enfrentamento das etapas pós-seminá-
rios. Fui abençoado por Deus por tudo isto, pelo que sou eter-
namente grato.
Deixei o Seminário de Olinda no segundo semestre
de 1962 quando trabalhei no Instituto Joaquim Nabuco de
Pesquisas Sociais, fundado pelo insigne escritor Prof. Gilber-
to Freire, dirigido pelo escritor Mauro Mota, irmão de Dom
João José da Mota e Albuquerque, então Bispo de Sobral, que
me conseguiu essa excelente oportunidade de trabalhar na
área social ao lado de competentes profissionais. No início de
1963, passei no concorrido vestibular para Geologia da UFRE
– Universidade Federal do Recife posteriormente UFPE –
Universidade Federal de Pernambuco, quando tive professores
de renome internacional, e um quadro de mestres e doutores,

24 Seminário da Betânia – 96 anos


em sua maioria europeus. Graduei-me em dezembro de 1966,
sempre obtendo uma excelente performance durante os quatro
anos de faculdade. Após diversos cursos de especialização e de
pós-graduação, conclui, em 1982, pelo Centro de Tecnologia
da UFPE, o Mestrado em Geociências.
Deste modo, adquiri uma base técnica-cientifica sólida
que me permitiu exercer a vida profissional com responsabili-
dade e com desvelo, desenvolvendo, executando e coordenando
projetos no âmbito da pesquisa mineral e dos recursos hídricos
subterrâneos. A partir de 1967, ingressei no Departamento
Nacional de Produção Mineral – DNPM, do Ministério de
Minas e Energia, através de concurso público (DASP), lá per-
manecendo durante 46 ininterruptos anos, até 2013, sempre
com base no Recife. Ocupei diversos cargos nos níveis téc-
nico e administrativo, culminando como Diretor Regional.
Outra atividade que me fascinou bastante foi o de instrutor
(professor) na formação de hidrogeólogos em quase todos os
estados da federação, oportunidades estas proporcionadas pelo
DNPM. Implantamos também o SIHIDRO – Sistema de In-
formações Hidrogeológicos, primeiro banco nacional de dados
de poços para captação de águas subterrâneas, que serviu como
base na elaboração dos Mapas Hidrogeológicos do Brasil es-
calas 1:2.500.000 e 1:5.000.000, dos quais fui um dos coorde-
nadores, partícipe, também, de suas execuções.
Inquieto e atento aos novos saberes, participei de
inúmeros congressos nacionais e internacionais, simpósios
regionais, que somam em torno de uma centena, no âmbito
da Geologia, da Pesquisa Mineral e da Hidrogeologia, sem-
pre apresentando trabalhos técnicos, palestras, participando
de mesas redondas ou ministrando cursos de especialização.
A nossa contribuição consta dos Anais e Atas dos respectivos
eventos ou publicações em revistas técnicas.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 25


Tive a honra de participar, em Missão Oficial do Brasil,
na China, em 1986, como observador de novas tecnologias
em captação de águas subterrâneas em rochas cristalinas. Em
1989, estive no Japão, como Coordenador e Gestor do Proje-
to de Cooperação Técnica Brasil – Japão / JICA, relacionado
à pesquisa de ouro na Região de Currais Novos – RN. Em
1993, fomos a Hannover, na Alemanha, apresentar o Mapa
Hidrogeológico da América do Sul, escala 1:5.000.000, do
qual fui um dos coordenadores de sua execução que ficou a
cargo do Brasil, através do DNPM.
Atuei como Conselheiro do CREA/PE, durante 14
anos, desempenhando, com dedicação e esmero, vários cargos
técnicos e administrativos, voltados para a fiscalização do exer-
cício profissional, sendo condecorado pelos Relevantes Ser-
viços Prestados à Nação (1984, 1987, 1988 e 1991), além da
Medalha Mérito Lauro Borba (2017), quando completei 50
anos de registro no CREA.
Contribui efetivamente para com a SBG – Sociedade
Brasileira de Geologia e a ABAS – Associação Brasileira de
Águas Subterrâneas, como associado e no desempenho de vá-
rios cargos administrativos como Diretor de Núcleo Regional,
Membro das Diretorias Regionais, Conselheiro Federal e ou-
tros. Junto à SBG e a ABAS realizamos Congressos Nacio-
nais e Internacionais, Simpósios Regionais e Temáticos além
de Mesas Redondas e Conferências. A SBG me concedeu o
Diploma de Reconhecimento pela Participação no Desen-
volvimento da Geologia e da Tecnologia Mineral no Brasil
(1986), da ABAS recebi a comenda Amigo das Águas (2000)
“em reconhecimento a sua atuação, nacionalmente conheci-
da, na área da Hidrogeologia”. A Associação dos Geólogos
de Pernambuco – AGP me agraciou com a comenda “Mérito
Geológico” (2002).

26 Seminário da Betânia – 96 anos


A minha formação filosófica e o hábito de leitor contumaz,
que trago desde a adolescência no Seminário da Betânia, levou-
-me a uma admiração inigualável pelo pensamento Iluminista,
dos séculos XVII e XVIII, representado pelos grandes filósofos
Rousseau, Montesquieu, Voltaire, Diderot e D’Alambert, todos
maçons e responsáveis diretos pelo desencadeamento da Re-
volução Francesa. O conhecimento específico desta história, de
seus personagens, de seu ideário e de seus objetivos levaram-me
à Maçonaria há exatamente 49 anos. Estou feliz em pertencer a
esta confraria de homens livres e de bons costumes, que buscam o
aperfeiçoamento progressivo da pessoa humana, tornando-a apta
a desempenhar a sua missão de trabalhar pelo bem estar da co-
letividade, através da trilogia LIBERDADE, IGUALDADE e
FRATERNIDADE. O espírito do “bem servir” deve vivificar
todas as atividades dos bons maçons, na tentativa de unir os ho-
mens, sem preconceito de raça, cor, religião e nacionalidade.
No ano de 1979, participei da fundação do Colégio Equi-
pe, na cidade do Recife, Instituição de Ensino Básico, com 40
anos de existência e que se sobressai entre as escolas particulares
com melhor desempenho nos últimos quinze anos, na cidade do
Recife. O Colégio Equipe está pautado em princípios e valores, e
traz como ideário a educação integral do indivíduo, levando-o a
desenvolver como meta o “aprender a aprender, o aprender par-
tilhando, o aprender refletindo, o apender convivendo, o apren-
der criando, o aprender descobrindo, o aprender exercitando o
trabalho em equipe e a consciência ambiental”. Caminhamos,
obstinados, longos percursos e espaços e esperamos continuar a
contribuir por mais tempo, nesta casa de formação e educação
de crianças e jovens, preparando-os para a construção de um
mundo melhor, mais justo e sem tantas e tamanhas desigualda-
des sociais, sempre baseados nos princípios cristãos, procurando
desempenhar, com dignidade, a nossa missão de educadores.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 27


Desenvolvemos com orgulho o Projeto Social junto
à Comunidade Mangueira da Torre, às nossas próprias ex-
pensas, sem contribuição financeira externa. Trata-se de um
trabalho de voluntariado executado por diretores, coordena-
dores, professores, alunos e pais do Colégio Equipe, onde são
assistidas 150 crianças e jovens carentes das cercanias de nossa
escola, com atividades de reforço pedagógico, formação cidadã,
esportes, laser, cursos profissionais para parentes, além de aten-
dimento médico. Esta é a pérola de nossa instituição de ensino.
Com grande prazer e ufanismo recebi em 21 de setem-
bro de 2011, o título Honorífico de Cidadão de Pernam-
buco, conferido pela Assembleia Legislativa do Estado de
Pernambuco, através do Projeto da Resolução nº 134/2011,
proposto pelo ilustre Deputado Estadual Dr. Antônio Moraes,
aprovado por unanimidade “por sua atuação profissional nas
várias instituições pelas quais passou, destacando-se justo
e honesto”. Título que me proporcionou grande apreço pela
terra que me acolheu, até então, durante 58 anos, o que me fez
ver que, através do ensino e da educação conseguimos superar
os entraves e as desigualdades que ainda temos, capacitando
as pessoas para o mercado de trabalho e para uma convivência
mais pacífica e compartilhada.
Como poderia ter realizado e participado de tudo o
que anteriormente descrevi se não fosse a formação humanista,

28 Seminário da Betânia – 96 anos


intelectual, espiritual e os princípios e conceitos sobre ética,
moral, disciplina e religião, auferidos dentro das paredes se-
culares dos três seminários onde tive o privilégio de conviver
durante nove longos anos com valorosos e fraternos colegas?
Sou um privilegiado por Deus, Pai de Amor e de Bon-
dade, daí a minha eterna e imorredoura gratidão. Não me es-
quecendo nunca, da reverência, do respeito a todos os nossos
queridos, competentes e dedicados mestres. Por tudo isso, sin-
to-me realizado com toda a humildade que me é possível, sem
orgulho e sem vaidades, mas com a consciência tranquila do
dever cumprido.

Recife, julho de 2020

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 29


TRABALHANDO ONDE ESTUDEI

Antônio Fernandes Vieira


(De Meruoca-Ce. – Historiador, Gestor, Professor, em Brasília-DF)

D uas grandes e permanentes influências em minha


vida: Meruoca, onde nasci, no sítio Benedito, e o Seminário Me-
nor de Sobral. Da Meruoca, onde nasci em 1937, são as marcas
da infância, do convívio com a família, com a bela natureza, os
primeiros contatos com o trabalho rural. Meus pais, Antônio
Vieira de Souza e Francisca Vieira foram meus primeiros ins-
trutores. Escolas eram raras.
Do Seminário de Sobral, foram a abertura para o conhe-
cimento, para o estudo, para a convivência com outros colegas,
oriundos de diversas cidades da região. Era 1953, no segundo
semestre quando concluí o Primário. E lá estudei até 1960. Uma
experiência que deixou profundas e indeléveis marcas positivas.
Outro momento importante foi a passagem para o Se-
minário Maior onde estudávamos Filosofia e Teologia. Esta
etapa começou em Fortaleza, em 1960, no Seminário da Prai-
nha, comandado pelos padres lazaristas. Logo no ano seguinte,
fizemos opção pelo Seminário Regional do Nordeste que co-
meçou a funcionar no histórico prédio do Seminário de Olin-
da, em Pernambuco.

30 Seminário da Betânia – 96 anos


Uma experiência totalmente nova e diferente em relação
às anteriores. Era o convívio com colegas vindos de vários estados
do Norte e Nordeste. Era o mesmo idioma, com sotaques bem
diferentes, mas todos olhando na mesma direção: o sacerdócio.
Os Professores compunham uma seleção do que havia
de melhor tanto no clero quanto no laicato do Recife. Era uma
nova filosofia de aprendizagem em que o contato direto com a
realidade se tornava fundamental para a compreensão das teo-
rias. Tínhamos contatos com as comunidades que ficavam no
entorno do Seminário e com os colégios. Em aulas de religião,
entravamos em contato com a juventude olindense. Enquanto
estudava em Olinda, concluí a Filosofia e recebi a Tonsura, o
primeiro degrau da escada para o Sacerdócio.
O curso de Teologia já foi feito num prédio novo, es-
pecialmente construído para abrigar o Seminário, em 1961.
Até sua estrutura era em forma de um grande “S”. Tudo muito
moderno, para a época. Acomodações individualizadas. Uma
verdadeira revolução em nossas cabeças. Muitas informações,
palestras leituras, contatos com a periferia do Seminário, loca-
lizado em Camaragibe. Era o tempo do Vaticano II, de gran-
des mudanças nas ideias e nas práticas da Igreja. Mudanças na
liturgia. Novas visões do mundo.
No final da Teologia, um grupo de colegas decidiu, com
a concordância da direção, viver uma experiência diferente que
era morar num bairro pobre, Santo Amaro, entre Olinda e Re-
cife. A ideia era conhecer e conviver com a vida da pobreza. E
fomos viver e trabalhar, como qualquer cidadão. Conseguimos
locais diferentes para trabalhar e viver como os demais operá-
rios. Não éramos identificados como Seminaristas.
No retorno diário para nosso casebre, conversávamos
sobre as experiências vividas. Em 1968, concluímos o curso
de Teologia. E veio a decisão de retornar à cidade de Sobral

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 31


para um convívio mais direto com a realidade em que atuaria
como sacerdote. Ainda recebi duas ordens menores. Mas, logo
depois, decidi não chegar ao Sacerdócio. E fui, a convite, traba-
lhar na Cáritas, até decidir viajar a Brasilia em busca de novas
oportunidades de trabalho.
E assim o fiz, em 1969. Foi uma nova caminhada. Tudo
diferente. Fui morar no Núcleo Bandeirante. Meu primeiro
emprego foi vender livros, de porta em porta. Um sacrifício.
Aprendi a conhecer o povo e sua linguagem. Foi por este ca-
minho que soube da chegada de dois padres que iriam tra-
balhar com a pobreza local. Imaginei que ali podia ser um
bom caminho. E foi. A instituição tinha interesse de ajudar na
profissionalização dos pobres. Aquela opção coincidia com os
meus objetivos. Instalou cursos que lhes abrissem portas para
o emprego: Datilografia, Corte e Costura e Manicure. Fui ser
o orientador do Curso de Datilografia.
Logo depois vieram outros cursos. Por causa das expe-
riências anteriores, em convivência com as populações pobres,
não tive dificuldades de convivência. Pelo contrário, encontrei,
naqueles cursos, oportunidade de ajudar numa mudança de
vida para muitas pessoas. Entendia que a profissionalização
podia garantir melhoria de vida.
Em 1970 foi criado o Curso Su-
pletivo onde também fui professor, sem
deixar as ocupações anteriores. Felizmen-
te, contribuí com o crescimento daquela
instituição voltada para os mais neces-
sitados. Foram construídos três imóveis
onde hoje funcionam um Colégio no se-
gundo, uma Escola primária. O terceiro
abriga os idosos. Fui coordenador desses
imóveis até aposentar-me.

32 Seminário da Betânia – 96 anos


Em 1971 houve um desentendimento entre os padres
fundadores da instituição e o arcebispo de Brasília. Em con-
sequência, os dois deixaram o ministério sacerdotal e optaram
pelo matrimônio. Cada um encontrou uma companheira. Ca-
saram-se e voltaram para seus países de origem. Os dois padres
faleceram e eu continuei na coordenação dos cursos.
Em 1972, uma importante mudança de vida. Casei-me
com Marta Leonila de Freitas, cearense do Limoeiro do Norte.
Temos um casal de filhos: Karine e Júnior, e um casal de netos:
Karoline e Pedro Henrique.

Voltei a estudar, porque os cursos de Filosofia e Teolo-


gia, cursados no Seminário, não tinham reconhecimento ofi-
cial. Submeti-me ao vestibular e fui aprovado para o curso de
História. Aquele era o caminho para entrar para a Fundação
Educacional, por meio de concurso. Conquistei o meu objeti-
vo em 1977. Dentro da Fundação ocupei várias funções como
Coordenador de Ensino Religioso, Vice-diretor e Diretor.
Aposentei-me em 1998.
Cumprida a minha missão em Brasilia, recebi um tenta-
dor convite da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA,
de Sobral. Lá, já trabalhavam, como dirigentes da instituição,
alguns ex colegas do Seminário. Dentre eles o Reitor, Professor
José Teodoro Soares de quem fui colega de turma e o Professor

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 33


Leunam Gomes, então Pró-Reitor de Extensão, que interme-
diara o convite.
E voltei para a mesma casa onde estudei. A Reitoria da
UVA funcionava no antigo Seminário de Sobral, onde havía-
mos estudado por sete anos. A minha missão era administrar
o Campus Universitário, com a função de Prefeito. Um novo
desafio, que me deu oportunidade de ampliar a experiência que
construíra na Fundação Educacional.
Coincidiu que foi um período em que a UVA, de forma
revolucionária, abriu oportunidades para formação de profes-
sores, nos seus próprios municípios. Viajei a vários municípios
para aplicação do vestibular para Professores. Aquele momen-
to era recebido com muito entusiasmo e esperança. Chegar
ao curso superior era o grande sonho de todos. Sem aquela
decisão, a grande maioria continuaria apenas com a chance de
concluir o Segundo Grau, atual nível médio. A UVA mudou a
história da Educação na zona norte do Ceará.
Comprei um apartamento em Fortaleza, no Parque
Araxá. Mudei, sem nada vender em Brasília. Em Sobral, fiquei
seis anos, mesmo morando em Fortaleza, para onde retornava
todos os fins de semana.
Em março de 2003 retornei para Brasília onde estavam
os filhos e netos. Aqui, vivo até hoje. Não assumi mais nenhum
compromisso a não ser com a família. Tenho uma pequena plan-
tação no meu quintal, onde dei o nome de horta “minha vida”. É
um jeito de voltar às origens, lá na Meruoca. Perto da natureza.
Ao escrever sobre o meu passado profissional, ia me
lembrando de todos os colegas do Seminário e da importância
do aprendizado que obtive que definiu o rumo da minha vida
profissional e da minha história. Que grata recordação!
Que Deus abençoe todos eles
Amém.
Meruoca - Ce.

34 Seminário da Betânia – 96 anos


AD VITAM ET AD LABOREM

Antonio Flávio Ribeiro e Paiva


(De Ubajara-Ce. Geógrafo, Cartógrafo em Porto Velho-Rondônia)

ANTONIO FLÁVIO RIBEIRO E PAIVA, natural


de Campo Maior-Piauí. Nasceu em 16 de dezembro de 1949,
filho de Antônio Ribeiro Neto e Antônia Lenita Paiva Ribei-
ro. Geógrafo aposentado do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística – IBGE

Ad Vitam
Por conta de uma articulação entre meu pai e o vigá-
rio local Pe. Francisco Tarcísio Melo Cavalcante, se con-
cretizou a minha vinda para o Seminário de São José de
Sobral, lógico que sem o meu conhecimento. Naquela época
os pais decidiam os rumos a ser tomados pelos filhos em
sua iniciação nos estudos e nada melhor do que encaminhá-
-los para um internato num colégio de definição de obras
e vocações, haja vista a inclinação preferida e professada
pela família, eminentemente, de origens e reminiscências
católicas ao extremo.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 35


Foi assim que aconteceu comigo. E nem poderia ser di-
ferente.
Entretanto alguns fatos pitorescos antecedentes devem
ser levados em consideração. Senão vejamos: eu, estudioso, bom
aluno, referência para discursos e louvações a personagens locais
e até de fora, sempre estava envolvido em assíduas tarefas que
considerava ridículas e inoportunas. Não me deixavam tempo
pra brincadeiras diuturnas com a molecada que sempre estava
à margem das responsabilidades. Sempre fui um garoto sério e
responsável para os outros. Era assim como me viam. E explo-
ravam o máximo que podiam. E foi assim até o dia em que me
rebelei sozinho e sem aviso manifesto não compareci ao palan-
que para fazer um discurso que tinha decorado no dia anterior,
em comemoração à visita de um político filho ilustre da terra.
Mas vida que segue, daí em diante, vitorioso, passei a ser
visto como um pouco mais irresponsável e acabei com menos
obrigações.
Antes de ir para o Seminário da Betânia, na importante
cidade de Sobral, onde meu pai mantinha algumas amizades
considerando o lado político de que participava ativamente, me
vi nas graças do acolhimento da família Aguiar Moura que não
conhecia, mas com a qual se mantinha algum relacionamento
através do prefeito de Ubajara à época Senhor Francisco Pinto
Henry da mesma ala política dele. Vamos explicar: nessa época
eu detinha na ponta do dedo indicador da mão esquerda uma
protuberância de aparência esquisita que se chamava de verru-
ga e que cobria toda a falange deixando apenas o encruste da
unha à mostra. Nenhum farmacêutico do lugar se arriscou a
dar o tal diagnóstico. A cidade prescindia de uma autoridade
médica. Considerando a extrema esquisitice da coisa, meu pai
depois de acertado com o Prefeito, me mandou para Sobral

36 Seminário da Betânia – 96 anos


onde eu fui me insurgir para uma consulta com algum clíni-
co geral. E fui acalmar minha inexperiência e expectativa na
casa do senhor Apolônio, genitor do meu caro companheiro
Francisco José de Aguiar Moura. Que sufoco...não conhecia
ninguém. Apresentações e recomendações à parte, por conta
do Toinho do seu Chico Pinto, seu Apolônio me recebeu e
de supetão já me inquiriu para ver se eu gostava de ler. Acenei
com meneio a cabeça um tanto encabulado, enquanto rece-
bia de suas mãos um exemplar de um volume encadernado
com cheiro de novo, dava pena de abrir, “O ÚLTIMO DOS
MOICANOS”, com a afirmativa: esse é bom e você vai gostar!
Chegamos muito cedo na cidade e a consulta com o médico
estava marcada para a parte da tarde, isso enquanto o meu ca-
pataz resolvia a outra parte que era de sua responsabilidade.
Consulta realizada, remédios prescritos e quando assenti
à Betânia já não era mais portador da deformação.
Estive na Betânia de 1962 até 1965, tendo concluído o
4º Ano, indo depois para o Seminário Arquidiocesano de For-
taleza, na Prainha, onde permaneci de 1966 a 1967, aprovei-
tando o fechamento do seminário menor como pretexto para
prestar justificativas para o meu pai, quanto ao seguimento dos
estudos religiosos. Por essa época por injunção da política, meu
pai já mantinha residência na capital cearense.

Ad Laborem

Saindo da Prainha, matriculei-me no curso científico do


Colégio Cearense, tendo antes passado por insistência de um
amigo e vizinho, diretor do Colégio Marechal Castelo Branco
e dono de Cursinho pré-vestibular, onde tive a grata surpresa
de conviver por algum tempo com o colega Isaac, velho conhe-
cido lá da Betânia.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 37


Prestado vestibular em 1968 entrei para o curso de Es-
tatística da UFC, ao tempo em que ingressava no Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, por influência do
meu pai, que era funcionário do Órgão.
Nesse mesmo interim, pensava em ser jogador de fu-
tebol e me filiei à escolinha Juvenil do Ceará Sporting Club.
Sempre recebi elogios nas minhas partidas disputadas no su-
búrbio. Mas meu pai ainda agindo com certa firmeza me fez
optar pelos estudos como premissa de sucesso garantido. Não
errou. Talvez tivesse sido um jogador medíocre.
Dentro da Instituição por minhas aptidões como de-
senhista, fui do grupo que elaborou a Planta Georeferencia-
da da Cidade de Fortaleza que serviu de base cartográfica
para a malha setorial de implantação dos Censos de 1970
e 1980, que proporcionou a implantação e tabulação por
métodos mais modernos e consistentes de apuração dos da-
dos estatísticos e demográficos e indicadores econômicos
e sociais hoje em execução no Brasil. Esteve participando
conosco nessa equipe Antônio Oliner Brito outro saudoso
amigo betanista.
A partir daí, cumprida a primeira missão, migrei dentro
do próprio Órgão para a área de Geodésia e Cartografia, onde
pude me especializar no intuito de poder contribuir de forma
eficiente e eficaz na definição da base cartográfica do território
brasileiro para a produção da Carta topográfica do Brasil ao
milionésimo e suas derivações de escalas. Durante o exercício
da profissão, participei de missões e tarefas importantes, dei-
xando, sem falsa modéstia, meu nome registrado na Placa de
bons serviços prestados à Nação com afinco e dedicação e o
meu papel honroso nessa importante profissão de funcionário
público.

38 Seminário da Betânia – 96 anos


Com o pai Antônio Ribeiro Neto
No Ceará, lá no início

E às margens do Rio Madeira

Dediquei, também, 10 anos desse meu tempo à dispo-


sição do Governo de Rondônia, quando tivemos a precípua
missão de definir área centenária de litígio com o Estado do
Acre. Tudo feito à luz e definição da Lei. Resolveu-se o im-
passe. Não se contesta mais.
Por fim, nesse período de transição, trabalhei na Secre-
taria de Estado do Trabalho e Ação Social, Secretaria de Esta-
do da Saúde e Assembleia Legislativa do Estado, sempre como
técnico, a convite dos Governadores.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 39


Do primeiro casamento, com Regina Costa de Alen-
car, tivemos: DAVID DE ALENCAR E PAIVA, Formado
em Comunicação e Marketing, Trabalha em São Paulo na
área de Comunicação Visual e MARIZA DE ALENCAR E
PAIVA, Arquiteta, cursando Mestrado em INTERIORES
em Portugal.
Do segundo casamento, com Lucineia Sirioli Brandão:
ARTUR SIRIOLI RIBEIRO, Cursando Engenharia Civil e
VITOR SIRIOLI RIBEIRO, também Cursando Engenharia
Civil
Enfim, hoje aposentado, tenho a certeza do dever cum-
prido e já usufruindo das benesses e dos frutos desse profícuo
trabalho.
Cumprimentando a todos os contemporâneos e em es-
pecial ao saudoso grupo dos colegas de classe de honrosa e
primordial convivência, faço gosto de nominá-los até por uma
questão de coerência e de reverência mesmo, em função de
tantas lições de vida adquiridas conjuntamente.
Nessa nossa convivência pacífica e porque não dizer
espirituosa que de uma forma inocente, mas contundente
nos unia e nos fazia entrelaçarmos vontades e desejos, que
de forma mais agressiva tornaram-se no baluarte extempo-
râneo e ao mesmo tempo magnífico da formação da per-
sonalidade de cada um em particular, considerando-se as
individualidades e especificidades inerentes na perspectiva
do Modus vivendi a ser demonstrado num futuro promissor.
Rendo deferências a todos os Betanistas conquanto co-
legas, amigos e contemporâneos com a honra de tê-los sempre
na boa lembrança daqueles que de alguma forma marcaram,
indelevelmente, o início das nossas atividades sociais e de res-
peito à vida.

40 Seminário da Betânia – 96 anos


Antônio Edvaldo Mourão, Antônio Flavio Ribeiro e Paiva, Antônio Maurilio Vas-
concelos, Francisco Adail Fontenele, Francisco de Assis Matos, Francisco José de Aguiar
Moura, José Isaac Silveira, José Maria Cisne Mesquita, José Orion Paiva, Raimundo
Lira Coutinho

Considerando ainda a indiscutível influência presente


no que nos impulsionou e moveu para a concorrida vida pro-
fissional, pois aqui estamos todos nós, no descortinar do tercei-
ro milênio, agraciados por belas manhãs ensolaradas do vento
úmido do Norte. Moro a exatos 27 anos no Estado de Rondô-
nia, com o profícuo prazer de exercer esse privilégio na capital
Porto Velho, aonde cheguei nos idos de 1993, por opção de
transferência e por insistência de um irmão que já morava por
aqui. As flores foram raras, os espinhos abundantes. Alegrias
e tristezas se alternaram entre risos e lágrimas. Enfim foi uma
caminhada como qualquer outra, como aquela de alguém que
acredita que o destino é sábio e caprichoso. E como o tempo
passa rápido. Não cochila e não espera, não pára. E nós sem

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 41


percebermos ou sem querer mesmo, passamos com ele de mãos
dadas, pari passu, com a precisão dos ponteiros de um relógio.
Olhamos para trás e revivendo os passos da caminhada, senti-
mos o valor e o sabor de uma vitória árdua, áspera e suada. O
mais importante, no entanto, é que, graças a Deus, trilhamos
uma caminhada cheia de vitórias e vencemos todos os obstácu-
los, credenciados a partir dessa premissa, ainda estarmos aqui
dispostos a prosseguir a jornada conforme determina o relógio
do tempo, considerados e mantidos os desígnios divinos.
No momento em que rabiscávamos estas linhas preocu-
pava-nos a necessidade de sermos fiéis e isentos na exposição
dos fatos, livrando-nos da tentação e pretensão do facciosismo
fascinante do ficcionismo tão em moda atualmente. Se preten-
demos transmitir informações que venham a se constituir em
uma obra literária e documental, não podemos em nenhum
momento falsear a verdade, por mais cáustica que seja. Per-
seguindo esta meta, quanto mais nós constatamos evidências,
isso nos permite ir ao encontro, com precisão quase absoluta,
das imagens daquilo tudo que vivemos, independente da épo-
ca e das condições em que os fatos ocorreram em intensidade
de tempo e valor. Funcionando magistralmente sob o controle
dos neurônios que ainda nos restam, este fenômeno faz-nos
acreditar que, efetivamente, somos a obra-prima da criação.
Salve todos os Betanistas.

42 Seminário da Betânia – 96 anos


ANTÔNIO MARTINS VASCONCELOS
(In Memoriam)

Antonio Martins Vasconcelos


(De Crateús-Ce. Jornalista, Empresário de Comunicação, em Brasília)
Texto de Leunam Gomes

A partir de 1956, nós nos tornamos colegas de turma


no Seminário de Sobral. Eu havia chegado, no ano anterior, e
fizera o Preliminar, equivalente ao Quinto Ano primário. Ele
viera de Crateús e eu da Serra Grande, Guaraciaba do Norte.
Rapidamente, fomos encontrando afinidades. No fute-
bol e no Português. No jogo, ele era muito superior. Eu só
tinha mesmo a vontade. Habilidades, muito poucas. Mas não
perdia oportunidade de jogar. No Português, empatávamos no
gosto pela disciplina, especialmente em redações.
Aproveitando a ideia lançada pelo Padre José Linhares,
nosso Professor, pois jamais havíamos ouvido falar no assunto,
criamos, na turma, o primeiro jornal mural do Seminário
Estávamos no segundo ano ginasial, em 1957. Conse-
guimos uma folha de cartolina, marcamos cinco colunas, na
vertical, e ali distribuíamos as matérias de nosso primeiro jor-
nal. Como a minha letra era boa, à época, fui eleito para escre-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 43


ver as matérias produzidas pelos colegas. As ilustrações eram
feitas com recortes de revistas.
Eu tinha uma certa inveja dos textos feitos pelo Martins.
Eram bem diretos. Sem arrodeio.
Pronto, fixávamos o nosso jornal em uma das mônitas
mais acessíveis a todos. Foi um sucesso. Colegas de todas as
turmas se aglomeravam para ler o jornal que intitulamos ZE-
PELLIN. Não me lembro bem a razão do nome. Mas tinha
uma razão. Era o nosso veículo para levar nossas mensagens.
Despertou muita curiosidade. Aquele, era o único jornal a que
os seminaristas tinham acesso. As edições eram aguardadas
com expectativa. O conteúdo do próximo jornal era guardado
com muito segredo.
Quando estávamos no quin-
to ano, fizemos uma edição impres-
sa, com patrocínio de empresas de
Sobral, com que fizemos contatos
no comércio local. Outras turmas
passaram a produzir os seus jornais.
Era um instrumento para publicar
nossas redações, notícias, poesias,
Professor Leunam Gomes
curiosidades, adivinhações etc.
Quando fomos estudar no Seminário Regional do
Nordeste, em Olinda, levamos a ideia e, também lá, foi
um sucesso. Fizemos também uma edição impressa. Era O
REGIONAL.
Isto, para dizer o quanto as nossas afinidades foram
à frente. Martins, ao sair do Seminário, teve seu primeiro
emprego como Bancário. E aí foi quase por um acaso. Eu
havia recebido um cheque de um tio que morava em Vitória
do Espírito Santo. Como viajaria de férias para Fortale-
za, pedi ao Martins para negociar no Banco da Lavoura de

44 Seminário da Betânia – 96 anos


Minas Gerais, um jeito de sacá-lo. Ao expor o problema
para o gerente, logo foi interrogado sobre seus estudos, seus
trabalhos... Martins contou que era seminarista, mas estava
saindo. O gerente, logo ali, ofereceu-lhe a oportunidade de
emprego.
Na mesma época, com Assis Rocha, nos envolvemos
com produção e apresentação de Programas Radiofônicos,
na Rádio Clube de Pernambuco. Depois, na Rádio Olinda,
Rádio Pajeú. Depois de sair do Seminário, fui trabalhar com
Alfabetização pelo Rádio, no Movimento de Educação de
Base – MEB.
O Martins, transformou-se em jornalista famoso, ocu-
pando os mais importantes postos da imprensa de Pernambu-
co e do Brasil. Secretário de Redação do poderoso Jornal do
Commercio do Recife. Foi colunista do Jornal O Globo, do
Jornal do Brasil. Secretário de Comunicação do Governo do
Estado de Pernambuco.
Como Presidente da RADIOBRAS, Martins foi consi-
derado um empreendedor, muito ativo e que colocou jornalis-
tas da empresa para viajar para o interior do país, o que não era
comum naquela época.
Após sair da Radiobrás, Martins fundou a empresa Som
e Letras, que distribui material radiofônico para todo o país.
Tomamos rumos diferentes, mas, praticamente, desenvol-
vendo atividades semelhantes. A ditadura me fez deixar o Ceará
e fui escapar no Maranhão, para onde costumam ir os cearenses
quando o tempo anda ruim por aqui. Em São Luis trabalhei na
TVE, em Rádios, Jornal, Publicidade e no Magistério. Em 1989
voltei ao Ceará para ocupar função de Secretário de Educação
do município de Croatá, recém emancipado de Guaraciaba do

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 45


Norte. E dai para a frente, várias atividades na Educação, até
aposentar-me na Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA,
onde, por 12 anos ocupei a função de Pró-Reitor.
Depois de 55 anos, nos reencontramos em Brasília.
Martins já estava enfrentando problemas de saúde. Mesmo as-
sim, tivemos uma pequena confraternização, com ex colegas do
Seminário de Sobral. Momento de muitas alegrias e emoções.
Ele nos presenteou com o seu livro PECADO MORTAL,
inspirado em suas experiências no Seminário e no jornalismo.
Era a despedida. Foi a última oportunidade de estarmos juntos.
A continuidade deste texto será por duas pessoas im-
portantes na vida do Martins. Na adolescência, já seminarista,
era frequentador da casa do colega Benes Alencar, em Crateús.
Tinha as suas atenções sempre voltadas para a jovem Dulce e
seu desempenho com belas músicas, no Acordeom.

Dulce Sales
“É difícil falar do Martins já que tudo é carregado de muita
saudade. Tendo em vista a honrosa finalidade farei um esforço e
conseguirei dar a minha contribuição.
Em primeiro lugar, a simpli-
cidade era um dos atributos mais ad-
miráveis. O prestigio que gozava em
Brasília, o fato de conhecer grande
parte do mundo, onde esteve a traba-
lho e também a passeio, o conceito que
gozava a SOM & LETRAS, empre-
sa fundada por ele, nada disso O fez
deixar de ser um homem simples próximo das pessoas inclusive
de pessoas simples.

46 Seminário da Betânia – 96 anos


Bem humorado, raciocínio rápido e criativo, tinha sempre
uma solução diante de problemas surgidos. Seu gosto musical era o
clássico e amava Beethoven.
Era também muito amável nas suas relações.
Mantivemos um laço de amizade muito grande na ado-
lescência. Ele frequentava nossa casa e se encantava ao me
ver tocar acordeom, para ele. Também ouvíamos músicas jun-
tos e comentávamos os livros que líamos, inclusive de Macha-
do de Assis os quais ele me aconselhava a ler.
Tivemos, na nossa vida, um distanciamento de 20 anos
sem nos ver e, depois de mais de 30 anos, nos encontramos
para vivermos juntos até a sua partida para Deus”

Martins: A Alegria Inteligente

Quando o conheci, a distância


entre nós era grande. Eu, aluno do
segundo ano de jornalismo na Uni-
versidade Católica, chegando à re-
dação do Jornal do Comércio, na rua
do Imperador, no Recife, para fazer
um estágio. Ele, o poderoso secretário
de redação do jornal. Mesa colocada
diante das bancadas dos repórteres e Sociólogo Antonio Lavareda (*)
editores, Antônio Martins me parecia
reger o matraquear das Remingtons e Olivettis.
Eu fora levado por Maria Luiza Rolim, colega de curso,
amiga desde a escola primária, por quem ele tinha grande apreço, o
que agilizou minha acolhida.

* Antônio Lavareda – Professor Universitário, Doutor em Ciência Política, Escritor, Presi-


dente do Instituto de Pesquisas Sociais Políticas e Econômicas de Pernambuco (IPESPE).

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 47


Porém, passei ali poucos meses. O ano era 1970, eu tam-
bém atuava no movimento estudantil, na redação trabalhava
um notório agente dos serviços de segurança e os documentos que
entreguei para contratação, um dia simplesmente haviam su-
mido. Lembro do constrangimento de Martins não encontrando
palavras para explicar o que ambos sabíamos. Nunca mais fa-
lamos no assunto.
Eu o reencontrei, a seu convite, mais de 20 anos depois,
em Brasília. E então já parecíamos da mesma idade. Rindo de
experiências parecidas e alimentando sonhos semelhantes. Traba-
lhando em áreas adjacentes, desenvolvemos uma parceria que por
ter muito mais “altos” do que “baixos” perdurou até o fim. Das
campanhas eleitorais de FHC aos muitos outros trabalhos onde
somamos esforços.
Junto com a parceria cresceu a relação afetiva que ganhou
intimidade. Frequentava minha casa, compartilhávamos amigos e
fui dos que leram seu livro antes de publicado.
Martins era ímpar. No inigualável senso de humor que com-
binava ingenuidade e sarcasmo, no ângulo peculiar de suas aná-
lises, no layout de desalinhada elegância, no português escorreito
do seminário, na ousadia embalada em timidez, na sedução que
despertava afetos onde passava, na verdadeira devoção aos amigos
e clientes mais queridos.
Junto com ele, foi-se um pedaço importante da minha pas-
sagem. Sempre que lembro dele é impossível não sentir de novo a
tristeza da perda. Mas logo vem um sorriso, recordando sua ines-
gotável alegria inteligente.

48 Seminário da Betânia – 96 anos


MARCAS QUE FICARAM

Antonio Orion Paiva


(De Groaíras-Ce. Professor Especialista/Letras – Escritor, em Fortaleza-Ce)

O quieto casarão da Betânia foi o grande ponto de


partida. Lá, antes de tudo, aprendemos a ser gente e, conse-
quentemente, a valorizar a vida. Ser padre para melhor seguir
os passos de Cristo e ser um porta voz dos seus ensinamentos
era o grande ideal, mas vieram as turbulências do tempo, e
a vocação foi pouco a pouco se esvaindo em muitos de nós.
Porém a inquietação como que uma espécie de cobrança de
uma compensação avultava em meu ser. A mente ansiava por
uma atividade profissional que se aproximasse do sacerdócio,
o que fui encontrar no magistério. Plagiando o companheiro
Leunam Gomes: “Professor com Prazer”.
Lembro-me que na última reunião que o padre Zé fez,
no fatídico encerramento do seminário, ele finalizou dizendo:
“Levem para a vida duas coisas fundamentais em qualquer que seja
a profissão que vocês assumirem: responsabilidade e vergonha”. Isso
me norteou em 35 anos de magistério dos quais colhi muitos e
maravilhosos frutos. Acresce que isso é apenas uma parcela dos
sábios ensinamentos que recebi naquela saudosa etapa da vida.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 49


Destes 35 anos de ensinamento e de aprendizagem,
juntei meus apontamentos de aula e minhas pesquisas e pu-
bliquei um livro sobre texto, contexto e intertexto, com itens
gramaticais e linguísticos. Cheguei à 4ª edição com uma mé-
dia de cinco mil exemplares vendidos. Não nego que tenha
sido influência de nosso grande mestre padre Osvaldo.
Conforme salientei no início desse texto, aprendemos
a valorizar a vida. Por isso me causa repugnância qualquer
ideologia que atenta contra a vida e contra a Natureza, nossa
casa comum, como diz o papa Francisco. Creio que este seja o
sentimento assim como a responsabilidade de todos os que ti-
veram o privilégio de estudar naquela casa de formação cristã,
o seminário São José, o saudoso casarão da Betânia. A seguir
umas das minhas reflexões sobre um tema que me empolga.
Ética é uma disciplina ligada à análise dos elementos
referentes ao comportamento do ser humano como a liber-
dade, a consciência, a política, a sexualidade e o matrimônio.
Todavia, ao mesmo tempo em que analisa, ela faz a apologia
dos costumes considerados padrão conforme a moral da so-
ciedade. Por abordar assuntos de muita complexidade, acom-
panhar a dinâmica da ética é tarefa de difícil execução.
Pelo que se propõe, é bem natural que a ética condene o
suborno, a corrupção, a lesão da boa fé, a prática ilegal da justi-
ça, o que ocorre quando alguns magistrados, aproveitando-se do
cargo, procedem sem escrúpulos ou sem pudor, visando apenas
a interesses próprios ou dando azo às suas pretensões político-
-ideológicas, abusando da passividade e da ignorância da massa.
Em se tratando de ética, dois nomes na história, me-
recem destaque tanto na grandeza quanto na genialidade: O
grego Sócrates (470-399 a.C.) e o alemão prussiano Ema-
nuel Kant (1724-1804). Sócrates criou a maiêutica, a enge-
nhosa obstetrícia do espírito que visa à purificação das ideias.

50 Seminário da Betânia – 96 anos


Consistia a maiêutica principalmente em devolver a pergunta
ao interlocutor até que este chegasse, por si mesmo, à verdade
e, humildemente, confessasse sua ignorância. É o “conhece-te
a ti mesmo”. Sócrates era visto como uma fonte de sabedoria.
A Pitonisa do templo de Atenas declarou-o o homem mais
sábio do mundo. Todavia, quando inquirido em que con-
sistia essa sabedoria, ele, humilde e sabiamente, respondeu:
“Consiste na consciência de minha ignorância”, o que o povo
transformou no vulgar “só sei que nada sei”.
Sócrates foi condenado a beber cicuta, veneno letal, com
a acusação de que ele seduzia a juventude e desprezava as leis
da polis. Mas, na realidade, o incômodo que ele causava é que
questionava as leis, procurando fundamentá-las racionalmen-
te. Os anciãos da época, guiados pelo conservadorismo e ador-
mentados pela inércia mental, quando se questionavam tais
leis, jamais suportavam qualquer contestação ou se negavam
dar justificativas. Mas a história, embora tardiamente, sempre
dá uma resposta: depois de séculos, reconheceu a inocência de
Sócrates e o proclamou fundador da MORAL.
Toda essa sistematização do pensamento e da valoriza-
ção da subjetividade ou da personalidade vai ressurgir no fi-
nal do século XVIII com Emanuel Kant, com sua formidável
filosofia de que a igualdade entre os homens é fundamental
para o desenvolvimento de uma ética universal. Kant buscava
encontrar no homem as condições de possibilidade do conhe-
cimento verdadeiro e do agir livre. Sua filosofia foi, por isso,
chamada filosofia transcendental. Nessa filosofia, o dever é o
único motivo válido da ação moral. Esse dever se configura
principalmente no cumprimento das leis da pátria e nas da
natureza, pois somente essa observância poderá dar ao homem
a plena liberdade. Ora, isso constitui uma ética revolucionária
para uma época em que a sociedade era submetida a um regi-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 51


me que se norteava por tradições obsoletas, por conservadoris-
mo e por conceitos infundados e irracionais.
Segundo Kant, os conteúdos éticos nunca emanam do
exterior, uma vez que cada ser social tem, no seu interior, a for-
ma do dever. Nessa perspectiva, podemos situar a ética em dois
campos: primeiro, no que se refere à liberdade, à consciência, aos
bens, aos valores e às leis; segundo, no que toca ao profissiona-
lismo, à política, à sexualidade e ao matrimônio. Na realidade, é
uma sequência de procedimentos que não vêm separados e pro-
vocam uma dinâmica na vida, o que nos induz formular alguns
questionamentos tais como: a sociedade de hoje em que pre-
domina o individualismo, os ditames de um mercado, norteado
pela fome do lucro, poderia ou deveria situar-se acima das leis
da ética? E como situar a ética na prática da tortura, na banali-
zação da vida, na posição antitética do matar para chegar à paz,
no pisotear dos mais fracos pelos mais fortes? E em que situação
fica a consciência de um cristão que aceita a prática da tortura ao
contemplar a imagem de Jesus crucificado?
A ética, sem dúvida, em sua complexidade, suscita questio-
namentos que nos inquietam o espírito e nos provocam a mente.

Orion Paiva com a esposa e filhos

52 Seminário da Betânia – 96 anos


PARA A VIDA E PARA O TRABALHO

Benes Alencar Sales


(De Crateús-Ce. – Filósofo, Padre casado, Professor, Escritor, no Recife-Pe)

E studei no Seminário de Sobral, sobretudo conhecido


pelo nome de Seminário da Betânia, entre 1953-1958. No ano
de 1952, havia estudado, em regime de internato, em Fortaleza
no Colégio Cearense dos Irmãos Maristas, cursando o primei-
ro ano ginasial.
Naquela época, entre as disciplinas que me foram le-
cionadas constavam o Francês e o Latim. Todavia, o Latim
não me fora ensinado no mesmo nível de profundidade do
que ocorria no seminário. A Língua Latina era de fundamen-
tal importância para aqueles que iriam exercer futuramente o
sacerdócio e era ensinada durante os seis anos do seminário.
Tive então que repetir o primeiro ano que equivalia ao pri-
meiro ano do curso ginasial. Não lamentei. Não havia outra
solução.
A vida no internato não me fora estranha. Uma coisa
que me marcou de início no seminário foi o nível de ensino de
certas matérias além do Latim. As aulas de Geografia, minis-
tradas pelo Pe. Marconi, muito me enriqueceram. Uma parte
delas era como se fosse aula de Astronomia.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 53


Em carta ao meu pai, pedi que quando ele fosse à For-
taleza comprasse para mim um livro de Astronomia. Destaco
também Português e Matemática, disciplinas ensinadas pelo
Pe. Austregésilo durante vários anos. Nessas matérias fui um
excelente aluno. O mesmo não poderia dizer, quanto a mim, em
relação à aprendizagem do Latim, do segundo ao sexto anos,
ensinado pelos Pe. Edmilson e Pe. Gerardo Ferreira Gomes.
Comparando com o ensino dos colégios, no seminário,
levávamos desvantagem no ensino de Física, Química e Bio-
logia. Mas o fato de estudarmos nos seis anos de seminário
de forma disciplinada, mesmo com deficiência em discipli-
nas como as citadas, o hábito de estudar, o tempo regrado e
dedicado ao estudo com a supervisão exercida por um colega
de mais experiência, que era nomeado como prefeito de tur-
ma, um para a divisão dos menores e outro para a divisão dos
maiores, e que ficava conosco, também estudando, numa tribu-
na voltada para nós, tudo isto fez a diferença.
Muitos de nós que desistiram do sacerdócio e deixaram o
seminário menor antes de completá-lo passavam a estudar em
colégios. Outros que haviam terminado o sexto ano poderiam
enfrentar o vestibular. Quantos de nós betanistas se tornaram
médicos, agrônomos, dentistas. engenheiros, geólogos, advoga-
dos, juízes, psicólogos, professores ou seguiram outras profissões!
Os que passaram pelo Seminário São José de Sobral ou
Seminário da Betânia, tenham ou não se ordenado, aprende-
ram o suficiente para pautar sua vida de forma digna, desem-
penhando satisfeito o seu papel na sociedade e no ambiente
familiar. O Seminário da Betânia nos ensinou a não sermos
preconceituosos, a sermos pessoas mais humanas, mais críticas,
a nos situarmos diante das desigualdades sociais, a sermos mais
afetivos, a não compactuarmos com as injustiças.
Uma vez terminado o seminário menor, seguíamos
para o seminário maior para o estudo de três anos de Filoso-

54 Seminário da Betânia – 96 anos


fia e quatro de Teologia.Os dois primeiros anos de Filosofia,
estudei no Seminário da Praínha, em Fortaleza. Já o terceiro
ano e os quatro de Teologia foram realizados no Seminário
Regional do Nordeste II (SERENE II) em Olinda - PE. Os
estudos, neste seminário, marcaram-me profundamente não
apenas pela competência dos padres, formados na Universi-
dade Gregoriana em Roma, mas pelo nível de saber de al-
guns professores leigos que lecionavam no curso de Filosofia,
como Vamireh Chacon, Ariano Suassuna, Newton Sucupira.
Os padres apresentavam uma visão aberta a começar por Pe.
Marcelo Carvalheira que foi nosso reitor, Pe. Arnaldo Ca-
bral, diretor espiritual, Pe Zildo Rocha vice-reitor, Pe. Ze-
ferino Rocha, Pe. Luiz Gonzaga Sena, Pe. Almery Bezerra e
professores estrangeiros como Pe. J. Comblin (belga), Pe. E.
Hoornaet (holandês), entre outros.
O Seminário Regional chamou a atenção de bispos de
outras Regiões do País e estes chegaram a enviar para Olinda al-
guns seminaristas de suas dioceses para completar seus estudos.
Havia muita abertura no Seminário, mas também nos
eram cobradas responsabilidades. Éramos organizados em
equipes para opinarmos sobre o nosso dia a dia.
Um fato novo ocorreu em Olinda: não usávamos batina.
Não havia problema para irmos à Recife, distante 5 km para
fazer alguma compra e até mesmo para ver algum filme.
No início de dezembro de 1965 voltei para minha cida-
de natal, Crateús, sede de minha nova diocese, recém criada,
tendo como Bispo Dom Antônio Fragoso e me ordenei no
final de janeiro de 1966, numa missa campal na frente da Ca-
tedral por ocasião do encerramento de um encontro diocesano
com todos os padres da diocese e um grupo de leigos de cada
paróquia. Exerci o sacerdócio durante quatro anos com muita
dedicação e engajado com todos os trabalhos da diocese. Em
julho de 1969, numa longa conversa com Dom Fragoso, falei

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 55


de minha disposição de deixar o sacerdócio no final do ano. Foi
uma conversa muito dolorosa para mim e para ele. O problema
central foi a questão do celibato. Ao ordenar-me já vinha me
deparando com esse problema. Mas o fato de o Concílio do
Vaticano ter abordado essa questão e dado uma abertura no
sentido de permitir que o padre pudesse deixar o sacerdócio
sem ser ex-comungado, desde que a cúria diocesana abrisse um
processo entrevistando o padre e o encaminhasse para Roma
para ser analisado e aprovado e devolvido à diocese. Disse tam-
bém a Dom Fragoso que viria para Recife para revalidar o meu
curso de Filosofia. Foi assim que o fiz. Vim embora para Recife
no final de dezembro de 1969.
Uma vez tendo revalidado meu Curso de Filosofia na
UNICAP no ano de 1970, pude ensinar Filosofia na UNI-
CAP e na FAFIRE.
No Início de 1971 fiz vestibular para Economia na
UFPE e passei. Terminei também o Curso de Economia em
1974 e ainda no final de 1974, fiz em Recife um concurso do
DASP (Órgão Federal) para Economistas e passei tendo sido
Chamado para trabalhar na SUNAB. Depois fiz um concurso
para Auditor Fiscal da Secretária da Fazenda do Estado de
Pernambuco e passei. Tudo isso devo, sobretudo ao hábito de
estudo adquirido no Seminário da Betânia.
O Seminário São José de Sobral foi fundado por Dom
José Tupinambá da Frota em 1925. Todavia seu prédio impo-
nente foi concluído em 1928 e encerrou suas atividades em
1967 e abriga hoje a Universidade do Vale do Acaraú ou UVA.
Algo muito curioso tem me chamado a atenção: a ma-
neira como colegas que passaram pelo Seminário São José de
Sobral, em um espaço de várias décadas, se dão a conhecer e
vêm se comunicando de uma forma contínua. Isto só está sen-
do possível graças ao fenômeno denominado WhatsApp.

56 Seminário da Betânia – 96 anos


BETÂNIA: PEDRA ANGULAR
DA MINHA FORMAÇÃO

Brisamor Aguiar Ximenes


(De São Benedito, Engenheiro Eletricista, em Fortaleza – Ce)

N asci na cidade de São Benedito-Ce, situada no be-


líssimo Planalto da Ibiapaba, onde a natureza foi pródiga com
suas belezas naturais, terras férteis e clima superagradável. Lá
passei meus primeiros doze anos de vida.
Em 1956, ingressei no Seminário São José em Sobral-
-Ce, mais conhecido como Seminário da Betânia.Com muita
saudade de meus pais, adentrei naquele casarão misterioso, e
com muita apreensão do que me esperava pela frente. Mas,
logo em pouco tempo, descobri que tinha ganho uma segunda
família com muitos irmãos, que os guardo até hoje, sem exce-
ção, na minha memória com muito carinho.
A Betânia representou uma mudança muito importante
para toda a minha vida, ou seja, foi a pedra angular da minha
formação espiritual, humanística e intelectual, da qual guardo
somente sentimentos de saudade, gratidão e reconhecimento.
Nossos professores, muitos deles ainda muito jovens,
eram todos altamente capacitados e totalmente dedicados na

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 57


formação da nossa personalidade, nos mostrando os reais valo-
res da vida, baseados na Lei de Deus que se resume no manda-
mento do amor a Deus e ao próximo: “Amarás o Senhor teu Deus
com todo o teu coração, com toda tua alma e com toda tua mente e ao
teu próximo como a ti mesmo”.
A nossa Betânia, apesar de tantos anos passados, ainda
tem um poder de conseguir agregar uma grande parte de seus
ex-alunos, como se fossem da mesma turma e da mesma época,
todos imbuídos de um sentimento fraternal.
Baseado nos ensinamentos adquiridos na minha família
e no Seminário, sempre procurei aplicá-los no relacionamento
profissional com meus superiores, subordinados e clientes, tra-
tando-os com profissionalismo e respeito.
Concluídos os meus estudos no Seminário da Betânia,
vim em 1963 para o Seminário Provincial de Fortaleza (Semi-
nário da Prainha) para continuar a minha formação eclesiástica,
tendo cursado os três anos de Filosofia e o primeiro ano de Teo-
logia. O fechamento do Seminário da Prainha em dezembro de
1966 coincidiu com minha decisão, depois de muita reflexão, de
deixar os estudos preparatórios a uma vida religiosa.
Para continuar os meus estudos, fui analisar o leque de
graduações oferecidas pelas universidades, e, observando o
meu currículo escolar e outros fatores, vi que minha tendên-
cia natural era pelas ciências exatas, mais precisamente, pela
Engenharia Elétrica. Tomada a decisão, fui me preparar num
cursinho para enfrentar o vestibular. Na época o mercado de
trabalho em Fortaleza tinha muita carência de profissionais
nesta área.
Voltando à nossa Betânia, nas horas de folgas, quando era
possível, gostava muito de ir observar o Pe. Luizito na sua oficina
de eletrônica, montar amplificadores, rádios, caixas de som etc.
Como é sabido, a Universidade de Fortaleza-UNIFOR,
foi a pioneira no Ceará oferecendo o Curso de Engenharia
Elétrica. Fiz vestibular na UNIFOR para Engenharia Elétrica

58 Seminário da Betânia – 96 anos


e na Universidade Federal do Ceará-UFC para o Curso de
Física, tendo logrado êxito em ambas. A ideia era aproveitar
alguns créditos de uma universidade para a outra, como che-
guei a concretizar, mas devido à distância entre as duas uni-
versidades e choque de horário das aulas, tive que optar pela
Engenharia Elétrica, trancando matrícula no Curso de Física.
Como estudante universitário de Engenharia Elétrica, o
meu primeiro estágio foi na Telecomunicações do Ceará-TE-
LECEARÁ, lotado no Departamento de Operação e Manu-
tenção de Rede, e, posteriormente, fui estagiar no Companhia
de Eletricidade do Ceará-COELCE, no Departamento de
Serviços Técnicos-DESET.
Em 02.01.1980, fui contratado como funcionário da
COELCE, na função de engenheiro, ficando lotado no de-
partamento acima referido, cujas funções eram de recepção,
manutenção, projetos de enrolamentos e recuperação de trans-
formadores, reguladores de tensão etc.
Posteriormente, fui transferido para o Departamento de
Utilização de Energia da Capital-DEUEC, atuando nas inspe-
ções, ligações e fiscalizações de consumidores de Baixa Tensão
(380/220V) e de Média Tensão (13.800V), e, principalmente,
responsável perante o Conselho Regional de Engenharia, Ar-
quitetura e Agronomia do Ceará- CREA-CE pela análise de
projetos elétricos de uso Industrial e de Múltiplas Unidades
Consumidoras, supridos em tensão primária de distribuição
(13,8 kV) da área da Superintendência de Distribuição de For-
taleza-SUDIF, e dos projetos elétricos de Múltiplas Unidades
Consumidoras supridas em tensão secundária de distribuição
(380/220V). Participei das comissões para elaboração e atua-
lizações das Normas Técnicas da Coelce, baseadas nas Normas
Técnicas da Associação Brasileira das Normas Técnicas-ABNT.
Durante minha permanência na Coelce tive oportunida-
de de participar de vários encontros nacionais de energia elé-
trica, tais como: SENDI-Seminário Nacional de Distribuição

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 59


de Energia Elétrica, ENIE-Encontro Nacional de Instalações
Elétricas, Cobri-Comitê Brasileiro de Eletricidade-Encontro
sobre Subestações Convencionais e Blindadas, e de outros cur-
sos: Planejamento de Sistemas Elétricos-UFC, Computação
Aplicada à Engenharia Elétrica de Distribuição-UFC etc.
Em 1997 a Coelce foi privatizada para o grupo Dis-
triluz (Espanhóis, Chilenos e Portugueses) e depois o Grupo
ENDESA assumiu seu controle. Em 2004, fui para o Depar-
tamento de Planejamento e Controle da Manutenção das Li-
nhas AT/MT e Subestações, atuando mais, especificamente,
na análise e aprovação de projetos elétricos com subestações.
Aposentei-me da COELCE em março/2007, portanto,
ainda trabalhei dez anos na Coelce privatizada, hoje denomi-
nada ENEL (Companhia Energética do Ceará), administrada,
atualmente, por um grupo Italiano. Depois de aposentado con-
tinuei prestando consultoria técnica na área de energia elétrica.
Minha família é composta pela minha esposa Maria
Aricélia Parente Ximenes e minha filha Mirella Parente Xi-
menes, que atualmente está cursando Engenharia de Produção
na UNICAMP - Universidade de Campinas-SP.
Deo gratias.

60 Seminário da Betânia – 96 anos


ITER FACERE

Cícero Matos Castro


(De Nova Russas-Ce. – Advogado, Professor, Trovador, em São Gonçalo-RJ)

Da obra de Camões, Os Lusíadas, uma crítica apolo-


gética contundente e sem reparos, aos pessimistas e adeptos do
caos, identifica o velho do Restelo, personagem do Canto IV,
com uma visão do passado. Um autêntico conservador, que não
entendia o seu próprio tempo. Na despedida dos itinerantes
na praia do Rastelo, condenava a aventura de buscar um novo
caminho marítimo para as índias: os perigos, o desconhecido.
Um novo Iter.
Ao renunciar o sacerdócio os Betanistas exoneravam-
-se da figura negativista do velho do Restelo e aproxima-
vam-se da presença atemporal de Dom José Tupinambá da
Frota. Nosso prelado nunca sentira a escuridão do futuro.
Escolheu a Princesa do Norte e a levou para onde queria,
ocupando os lugares vazios. Em um dos pontos cordiais
construiu o seminário São José. Noutro, a Santa Casa de
Misericórdia. E lava vai Sobral. O mesmo aconteceu com a
Catedral e o caminho Meruoca. No centro, a convergência
do Palácio Episcopal.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 61


A providência ao sagra-lo, quis um filho da região e do
sertão do sol democrático. Corajoso e de potente saber. À noite
o doce Aracati entra silencioso e, através dos punhos de sua
rede vai-lhe fazendo um afago.
Diante desse referencial, o ex-betanista começa a cons-
truir a própria autonomia, escolhendo a retidão do caminho
novo. Carregado de incertezas não desanima. Vai em frente.
Foi assim que assumiu o primeiro emprego.
Meu iter estava ali. Pertinho. As portas cúmplices e sem
ranger se abriram para mim. Entrei. Apresentei-me. Diante
do proprietário do Ginásio Nossa Senhora de Fátima, roguei
à Virgem Maria que me acolhesse entre os pastorezinhos de
boa-fé.
Neste momento salutar, voltei à Betânia e em gesto vir-
tual de agradecimento, materializei a figura baixinha do meu
contemporâneo Jairo Pontes, criador da PASI (Pequena Aca-
demia Seminarista de Improviso). Lá estava ele pontual. Fala
Cícero. Expõe a tua angústia. Construí meu original pedido,
o meu querer e ouvi do diretor: seu emprego está garantido
comece amanhã. Fui pontual.
Sentei-me. Sem fazer poeira fui me ambientando à no-
víssima realidade. No mês seguinte, o aniversário do Diretor.
O homem era um dos chefes da revolução do Estado do Rio
de Janeiro. Muito poderoso.
Na hora da palavra facultada. Ninguém. Só ouvi um
sussurro apelativo: vai lá Ceará. Aproveita. Lá vem o Jairo de
novo. Levantei-me e proferi uma saudação formal e adocicada.
Tremendo por dentro e seguro por fora, registrei esta frase:
a partir de hoje administraremos o nosso tempo. O Senhor
cuidará da sua Paróquia e, do colégio cuido eu. Assumi o ou-
sado compromisso verbalmente, sem ele saber que em Belo

62 Seminário da Betânia – 96 anos


Horizonte, fundamos o Diretório Acadêmico Alceu Amoroso
Lima adverso de Gustavo Corção. No início só desafios. Pode-
rosa, a direção não acatava as normas do MEC. Atendi todas
as exigências. Ao final do meu labor, não existia mais o Giná-
sio de Primeiro Grau, mas um Colégio profissionalizante. Na
despedida fui à igreja, num agradecimento a Jairo, o criador da
PASI e responsável pelo meu Iter facere.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 63


INFLUÊNCIA NA VIDA PROFISSIONAL

Davi Helder Vasconcelos


De Sobral, Farmacêutico, Professor, Escritor, em Sobral – Ce.

A o ingressar no Seminário Diocesano São José, de So-


bral, em 1963, aos treze anos de idade, tinha um objetivo bem
definido: preparar-me para o sacerdócio. Aliás, era uma missão
que já havia sido deliberada, ainda no berço, por “decreto” de
meu pai, Francisco Gomes de Vasconcelos. E com apoio de
minha mãe, Maria Lili Nunes de Vasconcelos. Fui criado num
ambiente cristão, de pais católicos fervorosos que queriam um
filho padre.
Não vislumbrava eu, contudo, naquele momento, que o
Seminário embasaria minha formação em todas as vertentes –
humana, religiosa, intelectual e profissional. E foi ainda dentro
dos muros do imponente Casarão da Betânia que exerci minha
primeira atividade laboral – o magistério.
Em março de 1966, fui nomeado professor da Escola
Cura D’Ars pelo então prefeito de Sobral, Cesário Barreto
Lima. A escola, que tinha o objetivo de alfabetizar os jovens
que moravam nos bairros próximos, fora idealizada pelos cole-
gas João Ribeiro Paiva e Lourenço Araújo Lima (o Rei Mago,

64 Seminário da Betânia – 96 anos


e não Rei Magro, como, equivocadamente, o chamei no texto
que escrevi no livro Ad Vitam), recebendo o apoio do reitor
Padre Francisco Sadoc de Araújo.
A experiência no magistério muito me animou. Exerci-o
por mais de meio século. Assim o fiz paralelamente a outras
atividades funcionais. E sempre carregava a “cara de padre” –
expressão que caracterizava a educação humanista que recebi e
que me norteou durante toda minha vida de magistério. E das
outras atividades também.
Continuei professor, inicialmente, de maneira informal
– dava aulas de reforço, em minha casa e nas residências dos
alunos. Até o final de 1968, em Sobral.
Transferi-me em 1969 para Fortaleza. Até 1971, conti-
nuei a dar aulas aos alunos que necessitavam de apoio. Minha
tia, Irmã Conceição Vasconcelos, apresentou-me ao Padre Jes-
sé, que me orientou e conseguiu alguns alunos.
Em 1972, ingressei na Faculdade de Farmácia da Uni-
versidade Federal do Ceará (UFC). Como acadêmico, já seria
possível lecionar em colégios. A Secretaria de Educação do
Estado do Ceará fornecia autorização temporária que nos pos-
sibilitava ensinar no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.
A partir daí, lecionei em vários colégios da capital.
Como se fosse uma sina, que sempre me agradou, o pri-
meiro colégio e muitos outros em que ensinei eram vinculados
à Igreja Católica. Em maio de 1972, fui admitido no Colégio
Pio X, dirigido pelo Frei Pacífico, uma instituição da “Obra
das Vocações Missionárias Capuchinhos do Ceará”. Ali per-
maneci até início de 1977. Foram bons momentos de minha
vida profissional. O diretor adiantou-me alguns meses de sa-
lário para que eu pudesse comprar o meu primeiro carro – um
fusquinha amarelo.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 65


Nesse período, lecionei ainda em vários outros colégios.
Entre eles, Escola Doméstica São Rafael, dirigida pela Irmã
Maria Cordélia; Ginásio Juventus, dirigido pelo Padre Go-
tardo Lemos; Colégio Santo Inácio, administrado pela Rede
Jesuíta de Educação.
Ainda nessa época, fundei, em sociedade com o amigo
e, também, betanista Aloísio Ribeiro da Ponte, um curso de
preparação para concursos, o FAMED (iniciais de Farmácia
e Medicina). Administrei aulas de português (animado pela
boa nota que obtive nessa disciplina, no vestibular), enquanto
o Aloísio ensinou biologia. Por falta de recursos financeiros e
de tempo, funcionou por poucos meses.
Em 1974, ainda acadêmico de Farmácia, casei-me com
Emília Maria Fernandes Vasconcelos. E não demorou muito,
chegaram as duas primeiras filhas, as gêmeas Leila Mara e Ke-
ila Mara. A família aumentou. As despesas aumentaram tam-
bém. Estimulado por um amigo, tornei-me vendedor de livro.
Minha renda aumentaria, segundo ele. Seria mais vantajoso
que as aulas. Reduzi o número de aulas. Decepcionado com a
maneira nada cordial recebida de muitos potenciais clientes,
abandonei esse ofício poucos meses depois.
Em 1977, retornei a Sobral. Mais uma vez o Seminário
se fez presente em minhas atividades, no meu dia a dia. O
amigo Aloísio Ribeiro da Ponte, médico e professor da Uni-
versidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), fora o responsável
pelo meu retorno. Convidou-me e providenciou todas as con-
dições para minha estadia. Providenciou uma vaga na UVA,
que funciona no antigo casarão da Betânia, e cujo reitor, Pa-
dre Francisco Sadoc de Araújo, fora também meu reitor no
Seminário. Muitos dos professores eram também betanistas
(ex-seminaristas).

66 Seminário da Betânia – 96 anos


Exerci o magistério ainda em várias outras entidades
educacionais sobralenses. Fui professor do curso de Farmácia
do Centro Universitário INTA; do Colégio Sobralense, enti-
dade educacional da Diocese de Sobral; do Instituto de For-
mação para o Trabalho (INFORT) e do SENAC.
No setor de análises clínicas, trabalhei no Laborató-
rio Clínico de Sobral, também indicado pelo colega Alo-
ísio Ponte; no Laboratório de Análises Clínicas da Santa
Casa de Misericórdia de Sobral, administrada pelo Padre
José Linhares Ponte, que fora meu reitor no Seminário; no
Laboratório do Hospital de Cariré, da Liga de Proteção à
Maternidade à Infância de Cariré, presidida por Maria José
Rodrigues; e no Laboratório do Hospital Municipal de Co-
reaú. Ingressei, por concurso, no Laboratório Regional, da
Secretaria de Saúde do Estado (neste fui aposentado).
Fui farmacêutico responsável por várias farmácias, entre
elas a Farmácia Aguiar, durante 40 anos, e Nossa Farmácia
(nesta fui sócio com meu filho farmacêutico Tales Emanoel de
Vasconcelos). Trabalhei também na Distribuidora de Medica-
mentos Santa Cruz, do casal Miguel Frota Viñas (genro) e da
filha Leila Mara.
Na política, fui vice-prefeito e secretário de Saúde de
Ibicuitinga – CE, no período de 2005 a 2008.
Fundei o Jornal Circular, um periódico mensal, cujas ati-
vidades foram encerradas em 2017, após sua vigésima segunda
edição. O editorialista era o betanista Aloísio Ponte.
Na área empresarial, instalei, em 1989, a Equilab-Saúde, uma
empresa de material médico-hospitalar, ainda em funcionamento.
E no início deste ano montei a farmácia Equifarma,
em sociedade com meu filho odontólogo, Davis Yuri de
Vasconcelos.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 67


Atualmente, estou dando assessoria ao Centro de Endo-
crinologia e Diabetes de Sobral (CENDIS), no setor de diag-
nóstico laboratorial, do filho médico endocrinologista Davi
Helder de Vasconcelos Júnior.
Em 2018, publiquei o livro de contos Histórias de Levi
e outras, que teve uma enorme influência do Seminário. A
obra traz muitos episódios ocorridos no Casarão da Betânia.
Além disso, fui estimulado a publicá-lo pelo Mestre Padre
Osvaldo Chaves.
Concluo, com satisfação, que nunca cortei o cordão um-
bilical que me liga ao Seminário. Ele esteve sempre a me suprir
de nutrientes necessários para minha formação em toda sua
plenitude... E está presente no meu dia a dia, mostrando-me o
norte do bem viver...

68 Seminário da Betânia – 96 anos


FORMAÇÃO HUMANISTICA E
RELIGIOSA

Flávio Machado e Silva


(De Crateús – Contador, Bancário, Escritor em Crateús-Ce)

A pós quatro anos compartilhando da vida do seminá-


rio diocesano de Sobral, descobri que eu não tinha vocação
para seguir a carreira eclesiástica, por isto voltei para Crateús
e continuei meus estudos na Escola Técnica de Comércio Pa-
dre Juvêncio. Era grande a fama que o seminário detinha em
todo o território da diocese de Sobral, como um dos melhores
colégios do Ceará, por isto eu era visto entre os meus novos co-
legas como um jovem diferenciado. O meu comportamento e
a forma de encarar as obrigações descortinadas no decorrer da
vida eram abraçados com seriedade, tanto na vida estudantil,
como na profissional, mostrando comportamentos e atitudes
que bem traduziam a formação do bom caráter, fruto de qua-
tro anos vividos num ambiente que formava padres e cidadãos
capazes de semear a semente do bem por onde andassem. Na
verdade os professores do seminário eram dotados de capa-
cidade e comprometimento no aprendizado dos seus alunos.
Isto incutiu na minha mente um aprendizado e uma forma-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 69


ção humanística e religiosa capaz de contribuir bastante para a
formação do meu caráter e me nortearem no decorrer da vida.
Em Crateús, passei a viver uma sequência da vida no se-
minário, participando da Juventude Estudantil Católica ( JEC),
da Casa da Juventude Crateuense (BETÂNIA), uma instituição
fundada pelo Padre Antonio Irismar Frota, da qual fui presidente.
Tinha por objetivo oferecer aos jovens um aprendizado para a
vida futura, através de palestras e discussões sobre temas que
contribuíam para a formação moral dos jovens daquela época,
boas leituras, filmes próprios para a nossa idade. Eu via aquela
instituição como uma sequência da minha vida no seminário,
adotando um trabalho capaz de influenciar aqueles jovens com-
prometidos com a decência e o foco em um futuro glorioso.
Em 09 de agosto de 1964 foi instalada a Diocese de
Crateús e eu fui convidado para participar da equipe da cate-
quese diocesana. Com outros companheiros apresentávamos,
através da Rádio Educadora, um Programa todas as segundas
feiras das 12 às 13 horas. Eu era um dos leitores das notícias e
a minha dicção e pontuação atraíram a atenção da direção da
emissora. Logo, fui convidado para apresentar um programa
radiofônico das 18 às 19 horas e outro nos finais de semana.
Em julho de 1964 iniciei o meu trabalho numa reparti-
ção do governo estadual, chamada PLAMEG (Plano de Me-
tas Governamentais), onde exerci a função de datilógrafo. De-
pois, pela primeira vez concorri com outros estudantes e testei
o que aprendi no seminário. Numa prova de Português que
exigia conhecimento de gramática, uma redação e uma prova
de Matemática não encontrei dificuldade para ser aprovado
em um exame para auxiliar de escritório da Associação Nor-
destina de Crédito e Assistência Rural (ANCAR CEARÁ),
que é o embrião da atual EMATERCE.

70 Seminário da Betânia – 96 anos


O trabalho na ANCAR CEARÁ foi mais uma escola
da minha vida. Ali convivi com Engenheiros Agrônomos e se-
nhoritas que exerciam a função de Extensionistas Domésticas,
pessoas educadas e comprometidas com o trabalho que exer-
ciam. Eu trabalhava durante o dia e, no turno da noite, seguia
para a Escola Técnica de Comércio, até 1966 quando concluí
o Curso Técnico de Contabilidade. Depois das aulas, todas as
noites, em companhia de dois colegas estudávamos até as 12
horas, em preparação para concursos públicos.

Flávio Machado e Silva – 1966

Naquela época, em Crateús não existia nenhum educan-


dário de curso superior, por isto eu vivia focado numa futura
carreira no Banco do Brasil que era uma das melhores opções
de emprego daquele tempo. A sequência da minha conduta era
fruto de uma vida disciplinar no seminário, em parceria com
boas companhias e adicionada com o aprendizado em Portu-
guês tão exigido pelo Padre Osvaldo. Agora estava entrelaçada

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 71


com lançamentos contábeis, matemática comercial, prática de
escritório e um perfeito manejo em máquinas de datilografia.
Foi o suficiente para conquistar o terceiro lugar, entre cerca
de quinhentos candidatos, num concurso do Banco do Brasil,
realizado em 25 de setembro de 1966. Na mesma época fiz um
concurso para o Banco do Nordeste, em Nova Russas e con-
quistei o quinto lugar. Fui nomeado para trabalhar no BNB
em Nova Russas, mas o Banco do Brasil me chamou para tra-
balhar em Crateús, por isto preferi ficar na minha cidade.
Através daquele certame, aos 21 anos de idade, eu acaba-
va de conquistar a minha independência financeira, ao iniciar
a almejada carreira administrativa no Banco do Brasil, insti-
tuição que me concedeu plenas condições de me firmar em
cada degrau dos diversos cargos que ocupei. O Banco me deu
oportunidade de fazer muitos cursos de capacitação em capi-
tais como Recife, Brasilia e Fortaleza motivo por que galguei
a gerência geral de algumas agências onde trabalhei, até me
aposentar.
A minha carteira de trabalho foi assinada apenas por
duas instituições: A ANCAR CEARÁ e o Banco do Brasil.
No Banco do Brasil me aposentei pelo INSS e pela Caixa de
Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI)
em dezembro de 1995.
Logo que me aposentei Dom Fragoso, Antônio Batis-
ta Fragoso, que era o bispo diocesano e o Padre José Helênio
Pereira, me chamaram para exercer as atividades de ecônomo
da Diocese de Crateús, cargo, até aquela data, exercido sem-
pre por padres, sendo eu o primeiro ecônomo leigo da nossa
diocese. Naquele cargo permaneci até maio de 1998, quando
Dom Fragoso passou os trabalhos da diocese para Dom Jacin-
to Furtado de Brito Sobrinho. Em seguida passei a trabalhar

72 Seminário da Betânia – 96 anos


por conta própria instalando uma empresa de frangos de cor-
te, criação de suínos, ovinos e bovinos, numa propriedade que
comprei ao longo dos anos.
Em 05 de julho de 1969 numa sequência dos trâmites
naturais da vida, conforme, os mandamentos de Deus, casei
com Izabel Morais Machado jovem crateuense com quem
vivi até o dia do seu falecimento em julho de 2008. Tivemos
os filhos Izauro Neto, Betinha, Eliane (in memoriam) e Flavia-
na. Depois me casei com a professora Lindalva Ferreira Car-
valho e Machado com quem vivo e temos a Edite e a Larissa.
Até agora seis netos sequenciam a nossa hereditariedade. São
eles Fernandes Neto, Isadora, Igor, Luanna, Maria Fernanda e
Gabriel.
Moro em Crateús cidade da qual nunca me desvinculei,
saindo somente para estudar no Seminário e depois para tra-
balhar em Tamboril e Novo Oriente. Eu tinha menos de três
anos de idade quando a minha família veio de Novo Oriente
morar em Crateús, cidade que nos acolheu e da qual nunca sa-
ímos em definitivo. Pela vivência, amor e dedicação a Crateús,
em 20 de março de 2010 a Câmara Municipal me contemplou
com o título de cidadão crateuense.
Acho que o Seminário se notabilizou como um gran-
de território repleto de sementeiras que, ao longo da sua exis-
tência, produziram sazonados e saborosos frutos entregues à
sociedade, contribuindo para a formação e bem-estar-social
do nosso povo. Os padres educados no Seminário de Sobral e
os cidadãos que por lá passaram se apresentam como homens
lutadores, de comportamentos exemplares e engajados na me-
lhor forma de servir às comunidades. O bom comportamento,
caráter, honestidade e religiosidade são frutos daquele grande
educandário que influenciou e encaminhou para a vida, todos

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 73


os que passaram por lá. Sinto-me privilegiado por ter estudado
no Seminário Diocesano São José de Sobral e convivido com
aqueles padres e colegas que na vida se tornaram pessoas por-
tadoras de mentes sadias que pregam e trabalham pelo bem da
humanidade.

Segundanistas de 1960: Bruno Alves Neto, Francisco Sousa, Abdoral Eufrasino Pi-
nho, Flavio Machado e Silva, José Arlindo Soares, Fernando José Frota Mont’Al-
verne, Cristóvão Aragão, José Joviniano Lopes. Na segunda fila: Erasmo Aguiar, José
Welington, Antonio Luciano Lobo, Francisco Welington, Francisco Flamarion Rodri-
gues, João Teófilo, Francisco Menezes de Carvalho e José Ribamar.

74 Seminário da Betânia – 96 anos


“TERMINEI A CARREIRA, GUARDEI A FÉ”

Francisco de Assis Magalhães Rocha


(De Bela Cruz – Sacerdote, Mestre e Doutor em Comunicação Social,
Escritor em Bela Cruz-Ce)

Na minha primeira participação Ad Vitam, encerrava o


meu ‘depoimento’, dizendo que, onde estivéssemos, como “Co-
lonia Sobralense, repassávamos a nossa história e nos cobrávamos,
mutuamente, a prática de tudo. Gostávamos de saber até como iam
aqueles colegas que já se tinham afastado do nosso meio”. Chegou a
hora de ver isto realizado.
A correspondência que nos chega está sugerindo “dar
continuidade ao nosso primeiro livro, enfocando agora a influência
do Seminário da Betania em nossas decisões na vida profissional”.
Assim seja. Ad Laborem, portanto.
Eu sou um dos poucos que levou à frente, o objetivo pri-
meiro, proposto pelo Seminário. Talvez por falta de criatividade,
ou medo de me arriscar pelo mundo e mudar de rumo, “tomei
minha cruz”, teimei contra os afagos e carícias tão convidativos
e talvez, correspondidos, mas fui até o fim. Não me arrependi.
Não me profissionalizei, não tenho uma boa aposenta-
doria, não tenho terras, nem bens, nem herança material para

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 75


deixar, mas tenho certeza de que a Palavra de Deus que nor-
teou a minha vida vai-se realizar: “Todos os que, por minha causa,
deixarem casa, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou terras receberão
cem vezes mais e a vida eterna” (Mt. 19, 29).
Por fim, agradeci a todos vocês pela ‘iluminação, os belos
exemplos e a solidariedade que tanto me ensinaram e pela opor-
tunidade que me deram de externar tanta alegria’. E agradeci a
Dom Francisco Austregésilo “por me ter acolhido com tanto cari-
nho na Diocese dele em Pernambuco e por me ter ajudado a manter
a minha vocação de pé”. É aqui que vou “enfocar a influência da
formação recebida” do meu reitor e meu bispo, na Missão que
ainda exerço.
Com a base sólida do Curso de humanidades, dado no Se-
minário de Sobral, acrescido da severidade e supervisão de Dom
José Tupinambá, que não deixava passar nada, saí em busca do
Curso de Filosofia no Seminário da Prainha, em Fortaleza, à
época, dirigido pelos Padres Lazaristas. Totalmente diferentes, as
realidades. As curriculares, já esperávamos; mas as conduções ou
orientações eram muito diversas. Saíamos da compreensão, do di-
álogo e do modo de ser dos padres diocesanos nativos, para a ma-
neira de viver e tratar dos frades lazaristas. A maioria, estrangeira.
Suportamos o 1º ano: 1960.
Em 1961, juntamo-nos aos novatos de Sobral, e 25
“cursistas” fomos para o Seminário Regional do Nordeste, que
abria em Olinda e Recife. Foi a abertura para um novo mundo,
novos horizontes. Retornamos ao acolhimento e ao convívio
com padres diocesanos e com competentes professores leigos
das Universidades recifenses, e à inserção em uma Igreja mais
viva e solidaria.
Durante 06 anos tive contato com a luta política, sin-
dical, social, eclesial e intelectual, bem efervescente, tendo

76 Seminário da Betânia – 96 anos


contato com Miguel Arrais, Paulo Freire, Ariano Suassuna,
Nilton Sucupira (só para citar alguns), Dom Helder Câmara,
Padre Marcelo Carvalheira (Reitor do Seminário e Assessor
de Dom Helder no Concílio), além de Professores que me
formavam na Teologia da Libertação e me levavam a acom-
panhar o Concílio Ecumênico, durante a sua realização em
Roma. Ao mesmo tempo formava-me em Sagrada Escritura,
Direito Canónico e Sociologia, enquanto me especializava
no Centro de Comunicações Sociais do Nordeste (CECOS-
NE), lidando com Jornal e Rádio para serem usados, mais
tarde, na Missão. Revalidei meu Curso de Filosofia na Uni-
versidade Católica de Pernambuco para obter licença, junto
ao MEC, para ensinar.
Com essa ferramenta, fui para o Sertão do Pajeú em
1966 com 25 anos de idade: 400 km distante de Recife. Um
Bispo novo – Dom Francisco Austregésilo – 37 anos, cearense,
meu ex-professor em Sobral, cabeça aberta, 04 anos de “aggior-
namento” no Concílio, com todo o gás para servir. Juntamos “as
nossas juventudes” e mãos à obra. Estagiei, dirigi a Rádio da
Diocese, lecionei em Colégios e, sem deixar nenhuma função,
me tornei Padre em 1968.
Em programas radiofônicos e em sala de aula, a ca-
tequese voltava-se, primordialmente, para a realidade do
povo. A Doutrina Social da Igreja, a conscientização, o
sindicalismo, a junção de fé e política, a luta pelos direitos
humanos, a efervescência e o calor do Sertão, tudo levava
a um trabalho de transformação da mentalidade do povo.
Estávamos em plena Ditadura Militar, vivendo esse clima
de euforia pastoral, de despertar para um cristianismo pé na
realidade, tendo Deus encarnado, mais perto de nós, não lá
nas alturas. E haja perseguição e repressão. Os “coronéis” do
sertão não nos suportavam.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 77


O Bispo, formado em Direito Civil, defendia o povo.
A Rádio Pajeú, que eu dirigia, dando voz e vez à população,
que apresentava seus clamores. Já estávamos quase sem fôle-
go, quando apareceu um “suspiro”: a Igreja Alemã ofereceu ao
meu Bispo, uma bolsa de estudos em Roma, para um Padre
que quisesse estudar. Era agosto de 1973 e aos 15 de Outu-
bro as aulas já estariam começando. Cuidei da documentação
e demais detalhes, e no dia 13 eu já estava em Roma me ma-
triculando na Universidade para fazer Sociologia. Entre idas
e vindas, passei 05 anos por lá, concluindo seus graus acadê-
micos. Além dos cursos teóricos, muita prática em kibutz de
Israel, na FAO, em Cooperativas na Sicília e Sardenha – Italia
e muita ligação com os Mass Media International. De volta ao
meu sertão, nada tinha mudado.
Fechados os meus 40 anos em Pernambuco, foi o tem-
po em que Dom Francisco completou sua idade canônica
para entregar a Diocese a seu sucessor. Participei ainda da
cerimonia de posse como secretario do Conselho Presbiteral.
Com uma semana, encaminhei ao novo bispo diocesano, um
pedido para me afastar da Diocese. Não tinha mais motivos
para lá ficar.
O professor Teodoro, um dos meus companheiros do
Seminário de Sobral, sabendo que eu estava aqui, “de volta ao
meu aconchego”, mandou-me um recado, através de outro co-
lega nosso, o Leunam: “amigo velho, está na hora de você dar sua
contribuição a Sobral; de devolver parte do que recebeu aqui... Vem
trabalhar comigo”. Vim e não me arrependi. A UVA e todo o
CONSUNI me deram total apoio e me acolheram de braços
abertos. Sempre lhes fui, imensamente, grato.
Depois tive Dom Aldo, Dom Fernando, Dom Odelir
e, atualmente, Dom Vasconcelos como Bispo Diocesano. Em
2015 completei também minha idade canônica para renunciar

78 Seminário da Betânia – 96 anos


ao que eu fazia em fim de carreira: dirigir a Rádio Educadora
e o Jornal Correio da Semana. Foi nisso que me especializei.
Sempre entendi que um padre que se dedica às Comunicações
tem um auditório mais amplo do que qualquer padre no altar.
Ainda tenho isso como verdade. Há mais gente me ouvindo na
Radinho Comunitária, Genoveva FM, – uma vez por semana
em Bela Cruz – do que nas celebrações que eu possa presidir
em altares cada dia pela Paróquia.

Com irmãos e irmãs nas Bodas de Ouro Sacerdotais, em Bela Cruz

Acima citei Mateus, 19, 29, agora quero encerrar com


São Paulo: “fiz o melhor que pude na corrida. Cheguei até o fim,
conservei a fé. E agora está me esperando o prêmio da vitória que
é dado para quem vive uma vida correta, o prêmio que o Senhor, o
justo juiz, me dará naquele dia”... (Tim. 4, 7-8).

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 79


AGIR NA DIREÇÃO DO BEM COMUM

Francisco Henrique Pinheiro Ellery


(De Sobral-CE. Agrônomo, Bancário, em Fortaleza-Ce)

Filho de João Helly Ferreira Ellery e Djanira Pinhei-


ro Ellery, cinco irmã(o)s: Helia, Helenira, Helly, Maria do
Carmo e Dalton. (foto 1)

Seis filha(o)s, vindos de dois relacionamentos, sendo:


Paulo Henrique (casado com Mariana Monte Holanda),
Luiza Amélia (casada com Fernando Huerta Bouzas), Má-
rio Helly (in memoriam – uma dor hercúlea) e Laura (casada

80 Seminário da Betânia – 96 anos


com Antônio Matheus Feitosa Monteiro) Mamede Ellery,
com Regina Fátima Mamede Ellery; Marilya e Vinícius/Oli-
veira Ellery, com Jaqueline Honório de Oliveira, com quem
estou casado, há 25 anos. (foto 2 e 3).

Quatro netos: Sarha e Ian Medeiros Ellery, Maria Fer-


nanda Holanda Ellery (filhos de Paulo Henrique) e Hugo El-
lery Bouzas (filho de Luiza Amélia)
Experiência estudantil com as professoras Lucema (Da.
Iracema/Sr.Lulu), Brasilina, Pré-Seminário, Seminário Dio-
cesano, em Sobral. Em Fortaleza-CE, Colégio Redentorista,
Curso de Direito/UFC (inconcluso) e Agronomia/UFC (con-
cluído em 1984, quando fui orador do corpo discente da Uni-
versidade).
Trabalhei em três atividades diferentes, em quatro ende-
reços também diferentes. A primeira, como coordenador geral,
numa empresa (MG Procuratórios e Despachantes) de logís-
tica, modal ferroviário; a segunda, como agente administrativo
(concursado) da UFC (Universidade Federal do Ceará); a ter-
ceira como escriturário (concursado), no Banco de Desenvol-
vimento do Estado do Ceará (BANDECE- incorporado pelo
BEC/Bradesco) e Banco do Brasil, onde me aposentei.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 81


Destaque para a militância popular/democrática e de
associações de classe (por mais de 30 anos), através, princi-
palmente, do exercício de direção sindical (9 anos como dire-
tor liberado pelo Sindicato dos Bancários do Ceará), dirigen-
te nacional (Conselho Fiscal) da Cassi (Caixa de Assistência
dos Funcionários do Banco do Brasil – Plano de Saúde), Di-
retor Estadual da ANABB (Associação Nacional dos Fun-
cionários do Banco do Brasil – 9 anos), vários mandatos de
dirigente da AABB/Fortaleza-CE (Conselho Fiscal) e uma
candidatura para a presidência do clube.
Integrei os cem primeiros filiados
ao PT/CE, partido ao qual estou filiado
até o momento (novembro/2020) e ten-
do participado de candidatura a vereador
em Fortaleza-CE /2004, tendo recebido
a confiança de 2009 eleitores (grato por
isso), ao lado de Luiziane Lins, eleita Pre-
feita, com 620.174 votos. (foto 4 – candi-
datura a vereador)
Iniciei, não por acaso, com a citação daquela(e)s que pro-
moveram a minha chegada à Mãe Terra e primeiros e poste-
riores contatos com valores, os quais foram norteando a Aven-
tura Terrestre: Família, amiga(o)s professora(e)s, amiga(o)s, a
água, as árvores, os animais e opositora(e)s... . Inimigos? Não
lembro. Acredito em não os ter.
As ideias que mais influenciaram minhas escolhas pro-
fissionais foram a da sobrevivência, com o máximo de inde-
pendência das imposições sociais (superioridade ou inferiori-
dade de qualquer natureza), idealizar e agir na direção do bem
comum, com o mínimo de danos aos outros, no percurso.
Para que isso fosse possível, foi imperativa a definição
clara de que pensar e agir como um servidor, intelectual e pro-

82 Seminário da Betânia – 96 anos


fissional, fossem referenciais de permanente ação e construção,
para que, ao entregar ao próximo um produto ou serviço, o
propósito definido se manifestasse em ação concreta e, na prá-
tica, em benefício. De preferência encantando a(o)s recebedo-
res do ato profissional.
Acredito (não sei se consegui) ter feito tudo valorizando
o usuário final dos resultados da missão que me foi confia-
da, nas várias atividades: como família, servidor público, diri-
gente, sindicalista, ativista político, bancário... Bancário? Sei
que falar de missão, quando é num banco que alguém trabalha
não é fácil. Em bancos, é onde mais se expressa a genocida
exploração capitalista, onde mais se amplia e aprofundam as
desigualdades socio econômicas. Assim mesmo, encontrar so-
luções frente a problemas, informar a clientela com precisão,
sugerir caminhos para a redução da exploração e encantar, em
cada atendimento, mesmo sabendo estar a serviço do “siste-
ma”, foi um belo e contraditório desafio, onde acertos e erros
se misturaram.
Na militância associativa, sindical, política e popular, foi
fácil levantar bandeiras de igualdade, liberdade, fraternidade,
ambiental... São expressões de aprendizados bem enraizados
Assim, fui passando pela vida, adquirindo saberes da
família, dos livros, dos mestres, das escolas, das organizações
do trabalhador e do trabalho, da religião, dos analfabetos, das
plantas, dos animais, etc., tendo em mente que tudo deveria se
converter em bem estar para toda(o)s, independentemente de
credo, cor, condição social...
Foi ao abrigo do exuberante amor dos meus pais e ir-
mãos que desfrutei os deliciosos primeiros momentos da vida,
logo acompanhados por mestres encantadores, como Pe. Os-
valdo – Seminário da Betânia/Sobral, que uniram-se a indicar,

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 83


pregar e praticar “o Evangelho de Jesus Cristo, segundo o Pa-
pai/Mamãe e Pe. Osvaldo: amar a Deus sobre todas as coisas e
ao próximo como a si mesmo”.
Sobre esta última citação, lembro de um evento pitores-
co: num encontro sindical, com aproximadamente 500 pessoas
ou bem mais, no Parlamento Latino Americano/São Paulo-
-SP, de maioria esmagadora esquerdista, fui citado como um
dos socialistas mais convicto e conhecedor de Karl Marx. Pedi
direito de resposta e diante de tamanha plateia, agradeci o elo-
gio e afirmei, em público: “na realidade, conheço pouco sobre
o nosso grande filósofo alemão. A Minha convicção socialista
vem do “Evangelho de Jesus Cristo, segundo o Papai/Mamãe
e Pe. Osvaldo...” Não gerou grande euforia, mas a realidade foi
posta na mesa.
Colégio Redentorista – dos padres Irlandeses, Faculda-
de de Agronomia/UFC, a convivência com o Pe. Lopes (exer-
ceu, anos a fio, o sacerdócio, trabalhando no Banco do Brasil,
onde se aposentou – um Padre do povo, para o povo), a(o)
s companheira(o)s toda(o)s, os “jogadores de futebol”, desde
os quatro anos de idade até hoje (racha dos aposentados do
Banco do Brasil – “ os Menudos de 55 a 83 anos”), foram fon-
tes norteadoras do que fazer, como e de que modo fazer, para
quem fazer, “AD VITAM, AD LABOREM, AD TUDO”.
Assim, penso que tenho estado sempre numa mesma
casa – em 1 única casa, onde os valores fundamentais são os
mesmos, e os vários endereços, 4 ligados à vida laboral, foram e
estão sendo ambientes/pessoas, onde e com quem esse VALO-
RES vêm tomando forma concreta, em busca do bem comum
e ao encontro de Deus.

84 Seminário da Betânia – 96 anos


BETÂNIA: AS LIÇÕES QUE APRENDI

Francisco José Aguiar Moura


(De Crateús, Engenheiro, Empresário Construtor, em Fortaleza-Ce)

Tudo começou na Escola São Luiz de Gonzaga, escola


primária criada e comandada pelo futuro santo, Pe. Joaquim
Arnóbio de Andrade, o pré-seminário. A Escola São Luiz de
Gonzaga, como sugere seu nome de fantasia, já era uma prepa-
ração para o Seminário, inclusive com a disciplina de Latim, no
quarto e último ano primário, cuja aprovação daria passaporte
para o Seminário sem necessidade do exame de admissão. Era
já um incentivo à vocação sacerdotal, embora sem nenhuma
imposição. Era costume, aos finais de tarde, o expediente ter-
minava às 16:30 h, visitas ao Seminário, e, numa delas, mesmo
fora do internato, resolvi acompanhar os internos, já pelo in-
teresse que o Seminário me despertava. Chegando lá, avistei
aqueles jovens compenetrados em suas batinas pretas, orando
e estudando. Repetindo o que disse Bandeira, embora em situ-
ação diversa: “Foi o meu primeiro alumbramento.”
Dos meus pais, Apolônio Ibiapina de Moura, bancário
e professor de matemática, e de minha mãe Rita Aguiar de
Moura, diligente e amorosa comandante do lar, sempre recebi

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 85


o maior respeito, apoio e incentivo para as escolhas que fiz
durante a vida.
Foi aí, então, que no dia 8 de fevereiro de 1962 eu reali-
zava o grande sonho de ser mais um daqueles batinas-pretas.
A emoção foi maior ao recebê-la solenemente em cerimônia
religiosa e nos vários cumprimentos de felicitações de colegas
veteranos, familiares e amigos. Agora poderia vesti-la oficial-
mente: foi o meu segundo alumbramento.
De 1962 a 1967, quando saí, foram cinco anos de Se-
minário de Sobral, por ter havido um hiato nesse meio, o ano
de 1966 no Seminário da Prainha em Fortaleza. Ali aprendi
a equilibrar as três coisas mais importantes da vida o estudo/
trabalho, oração e lazer na prática de esportes, especialmente
o futebol, em obediência à máxima mens sana in corpore sano.1
E foi essa escola que me preparou para a vida.
Mas havia uma pedra no meio do caminho. Sopraram
os ventos renovadores do Concílio Vaticano II, em resposta à
revolução dos costumes dos rebeldes anos sessenta, o que im-
plicou numa radical reformulação de todo o processo de for-
mação dos futuros padres, com a extinção do internato, que se
dizia massificador, entre outros defeitos, abrindo os horizontes
para a busca em primeiro lugar de uma carreira liberal, reto-
mando posteriormente as fileiras sagradas, se a tudo isso resis-
tisse o ideal da vocação sacerdotal. No entanto, acrescente-se
outro grande desestímulo: a saída de muitos padres em busca
do matrimônio.
Caminhei, então, em busca da minha segunda vocação:
a engenharia. Em que pese a formação no Seminário dar mais
realce às ciências humanas, sempre fui chegado aos números e
às ciências exatas, herança do meu pai, professor de matemáti-
1
Mente sã em corpo são.

86 Seminário da Betânia – 96 anos


ca que possuía uma agilidade sem par no cálculo dito de cabe-
ça, optei pela engenharia, mesmo sabendo das dificuldades que
encontraria na recuperação da defasagem nas disciplinas das
ciências exatas. Atingido o objetivo, viria a receber o diploma
em dezembro de 1973.
Iniciei minha vida profissional, ainda estudante, como
estagiário na sala técnica de uma grande empresa cearense de
construção pesada, Construtora Omar O’Ogrady S/A, tendo
passado o primeiro ano como engenheiro também em sala
técnica, o que me foi de grande valia para o passo seguinte,
a execução de obras no campo. Como preposto dessa empre-
sa trabalhei em diversos lugares em diferentes estados, Ceará,
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, no auge dos pro-
jetos de irrigação.
Depois de dez anos como empregado, passei a empre-
gador na mesma atividade de construção pesada, construindo
estradas, saneamento, pontes, viadutos, fazendo drenagem e
similares, na Construtora Beta S/A, naturalmente para entes
públicos, que são os maiores demandantes de obras de infra-
estrutura, situação mais delicada e de maior responsabilidade
tendo em vista lidar com muitas vidas, que labutam para ga-
nhar o pão de cada dia com o suor do rosto, para o sustento da
família, demandando cuidado no pagamento do salário justo,
no dever para com o tratamento igualitário, buscando o su-
porte para tudo isso nos aprendizados do Seminário. Aprendi
que o empregador deve mostrar seu rosto paterno, na opção
preferencial pelo mais necessitado. E a necessidade não se con-
figura somente no aspecto financeiro, mas em outras carências
da miséria humana, limitações físicas e psicológicas.
Senti que o Seminário não havia me deixado e as lições
que lá aprendi me acompanharam como anjo tutelar por toda a

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 87


vida profissional, que ainda persiste. Como empregado e como
empregador, o respeito ao superior (omnis potestas a Deo)2, a
obediência, a disciplina, a ética nas atitudes, o cumprimento
da palavra e o respeito para com os iguais e os subordinados
foram a minha linha mestra de comportamento, juntando-se
a esse cabedal a bagagem intelectual acumulada nos anos da
Betânia.

Casado em 1977 com Ângela Maria Cruz de Paula Pes-


soa, tivemos Kássia e Karla, as duas, que, afeitas à área de saú-
de, seguiram a carreira de odontologia, por opção e vocação.
Cada uma gerou mais duas, respectivamente, Marina e Angela,
Luana e Liz, formando um quarteto de netas. Aprouve à Pro-
vidência Divina chamá-la à Sua presença na triste noite de 18
de julho de 2012, pondo termo a 35 anos de união, deixando
2
Todo poder vem de Deus.

88 Seminário da Betânia – 96 anos


um imenso vazio, uma imorredoura saudade e um saldo de
amor suficiente para o restante dos meus dias.
Desde esse fatídico momento, aflorou-me novamente
o desejo de retomada da vocação sacerdotal, passando a fre-
quentar a Escola Diaconal, mas com os olhos voltados para
o sacerdócio, não tendo recebido, no entanto, a receptivida-
de que esperava da minha atual freguesia, a Arquidiocese de
Fortaleza. Passei a cursar teologia na Faculdade Católica de
Fortaleza – FCF, antigo Seminário da Prainha, e estou pron-
to à espera de um bispo que se arme de tolerância e me faça
sacerdos in aeternum3: será meu terceiro alumbramento.

Fortaleza, 10/9/2020

3
Sacerdote para sempre.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 89


BETÂNIA: SEMENTE DE ESPERANÇA

Francisco José Carneiro Linhares


(período no Seminário: 1962-1963)

“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o con-


forme as tuas forças, porque na sepultura, para onde
tu vais, não há obra nem projeto, nem conhecimen-
to, nem sabedoria alguma.” (Eclesiastes 9:10).

Depois da uma despretensiosa contribuição para o be-


líssimo “Seminário da Betânia - 90 anos - Ad Vitam - 65 declarações
de amor (Edições UVA, 2015)”, coletânea de textos elaborados por
ex-seminaristas que, felizes, comemoravam o nonagésimo aniver-
sário daquela importante escola católica, eis-me instigado a pres-
tar uma nova colaboração, agora focado na relação da passagem
daqueles jovens estudantes pela instituição, do legado que lhes foi
destinado, representando, assim, indubitável subsídio para o exer-
cício de suas futuras profissões.
Antes falamos a respeito da influência do Seminário em
nossas vidas e, como não poderia deixar de ser, isso também
deu origem a relatos envolvendo nossas realizações, nossos tra-

90 Seminário da Betânia – 96 anos


balhos, nossas profissões, pois entendo que há, entre ambas,
uma irrefutável indissociabilidade, ou seja, entre a formação
para a vida e a educação para o trabalho.
Doravante, procurarei não ser muito repetitivo, quanto
ao que escrevi para o Ad Vitam, tanto em relação à minha vida
familiar, como à estudantil e à profissional. Refletirei, de forma
um pouco diferente, sobre minhas origens, formação e profis-
sões, como consegui chegar até aqui, na virada do assustador
ano 2020 para o 2021, este apenas em seu início, é verdade,
porém, com a nobre missão de nos plenificar de esperanças.
Destaco que o primeiro, representa aquele infindável perío-
do em que, de repente, o mundo todo em quarentena, atônito,
apavorado, se curva às agruras da pandemia da Covid-19. O
segundo, enobrecido pela expectativa de que nos traga a tão
esperada vacina, contribuição inestimável da ciência para de-
volver a nossa suposta liberdade de ir e vir.
Nasci em Sobral, no dia 19 de março de 1950, à época,
já a cidade de maior destaque na região noroeste do Estado,
em todos os aspectos, o que ocorre até os dias de hoje. Meus
pais, Aldenora e Raimundinho, era assim que a ele todos se
referiam, em minha criação foram coadjuvados pela tia Rita
Edvirges, em primeiríssimo lugar, e por um batalhão de avós e
tios, que sempre demonstraram por mim um salutar benque-
rer, todos desempenhando papéis de significativa relevância
nesse encargo familiar coletivo.
Certamente, não poderia creditar tudo o que sou e tudo
que consegui construir a algo de natureza singular. Óbvio que
não! Sou fruto, em primeiro lugar, da convivência diária e dos
ensinamentos recebidos de duas famílias tradicionais, uma
pelo lado paterno e outra pelo lado materno, que durante
toda a minha infância residiam muito próximas, facilitando
imensamente essa troca de valores morais, éticos e afetivos,

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 91


porém, possuidoras de características modestas e de limita-
dos avanços, em termos de educação formal.
Para isso, em várias fases da vida, recebi contribuições
de diversas pessoas e instituições, entre as quais relaciono a
professora Júlia Liberato, na alfabetização; a Escola São Luís
Gonzaga, mais conhecida como pré-seminário, onde fiz meus
estudos primários; o Seminário Diocesano de Sobral, o nosso
inesquecível Seminário da Betânia, onde cursei parte do gina-
sial; o Colégio Sobralense, onde obtive a conclusão do referido
ginasial; o Colégio Estadual Dom José, onde cursei o cientí-
fico; a Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, na qual
obtive o título de bacharel em Ciências Contábeis; enfim, da
Universidade Internacional de Lisboa (UIL), onde, já na mi-
nha fase madura, por meio de convênio com a nossa UVA, fiz
o meu mestrado em Gestão e Modernização Pública, além de
outras qualificações, antes já referenciadas no Ad Vitam.
Ao relacionar cada uma dessas instituições, o faço com a
intenção de destacar ali a notória presença de ilustres membros
do clero católico sobralense, colocados, à época, como nossos
mentores espirituais e intelectuais, juntamente com inúmeros
outros valorosos membros de suas competentes equipes, que
não só nos forneceram as bases das várias disciplinas que com-
punham os currículos escolares de antanho, mas demonstravam
também uma constante preocupação com aspectos inerentes às
nossas relações interpessoais e que serviriam como indispensá-
veis contribuições ao bom exercício das nossas futuras profissões.
Quanto ao meu ingresso no Seminário, instituição que
motiva a escrita deste texto, não posso deixar de me referir a
Dom José Tupinambá da Frota (1882-1959), primeiro bispo de
Sobral, considerado pelos conhecedores da nossa história como
a personalidade de maior notoriedade desta região, até os dias de

92 Seminário da Betânia – 96 anos


hoje. A ele me refiro para destacar que, quando criança, e isso ja-
mais esqueci, tive a feliz oportunidade de privar de sua atenção, ao
me receber, por várias vezes, em sua residência, o Palácio Episco-
pal. As portas me foram abertas em razão da antiga amizade que
tinha com um dos meus tios, o conhecido comerciante Clotário
Aguiar Araújo, por ele trazido de Coreaú para formá-lo padre, o
que não ocorreu. Com certeza, pela admiração que adquiri pela
sua pessoa, além do apoio recebido por parte de alguns familiares
mais próximos, afirmo que ele foi o meu grande influenciador no
sentido de almejar um dia a formação sacerdotal. Ao falecer, em
1959, eu tinha nove anos de idade, já cursando o pré-seminário e
só vindo a ingressar no Seminário em 1962.
Portanto, um seminário, nos moldes do aqui à época
existente, era uma instituição educacional católica voltada à
formação de candidatos ao cargo de ministros do evangelho,
futuros padres, imbuídos do papel de verdadeiros pastores, en-
carregados de levar os exemplos cristãos aos seus respectivos
rebanhos. Nós, estudantes, éramos seminaristas e recebíamos
uma preparação cultural, teológica, filosófica e espiritual espe-
cífica, que culminaria com a pretensa realização de um ofício
pastoral inspirado nos ensinamentos de Jesus Cristo. Este seria
o nosso futuro trabalho. O fato é que pelo Seminário da Be-
tânia tive uma meteórica passagem de apenas um ano e meio,
tempo suficiente para que eu descobrisse que realmente não
tinha a necessária vocação para o exercício do sacerdócio, ten-
do ocorrido comigo um “deixar a batina” de forma consensual,
sem traumas, sem culpas, naquele momento envolvendo trata-
tivas entre as pessoas que para mim eram as mais importantes
nesse processo: meus pais e representantes da instituição.
Estávamos na década de 1960, aquela da contracultura,
movimento em que os jovens do mundo ocidental se mobili-
zavam para fazer valer novos valores e costumes, quase sempre

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 93


colidentes com os da sociedade então estabelecida, valendo-se
de mobilizações e contestações sociais, com o uso intensivo
dos meios de comunicação de massa, objetivando um rom-
pimento com o establishment. Posso dizer que fui um pouco
fruto desse rico período, porém, sempre de forma moderada,
praticando apenas aquilo que entendia não conflitava com os
valores éticos, morais e religiosos, até então incorporados à mi-
nha personalidade, advindos da forte influência familiar e da
educação recebida na minha primeira escolinha particular, no
pré-seminário e no seminário, que representariam, para sem-
pre, as raízes do que sou como pessoa e como profissional.
O jovem, em certo momento da sua vida, uns mais pre-
maturamente e outros nem tanto, acorda para a realidade e
sente a necessidade de contribuir, de alguma forma, para o seu
sustento e desafogar, pelo menos em parte, o ônus que ele re-
presenta para os pais e familiares, principalmente quando é de
origem humilde.

No meu caso, nunca tive aspirações por poder, por fazer


fortuna, por tornar-me muito visível aos olhos dos outros. No

94 Seminário da Betânia – 96 anos


entanto, sempre pensei no futuro, na possibilidade de consti-
tuir família e, com o meu trabalho, poder contribuir para viver-
mos numa sociedade melhor, tanto para os da minha geração
como para as que no futuro chegariam.
Assim, ainda menino fui office boy da minha mãe, que
era costureira e pequena empresária; depois, trabalhei no co-
mércio, como balconista; a seguir, em escritório de contabili-
dade, como auxiliar contábil. Depois, tornei-me bancário, ao
ingressar no Banco do Brasil e lá permanecer por um longo e
profícuo tempo. Tive uma rápida passagem pela prefeitura da
minha cidade, coordenando a arrecadação tributária do mu-
nicípio. Exerci e exerço, ainda hoje, com muita honra, a nobre
profissão de professor universitário, concursado que sou da-
quela que é um dos maiores símbolos da inclusão educacional
e profissional na região noroeste do estado do Ceará, a Uni-
versidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, cuja sede sempre
funcionou e ainda funciona no antigo casarão da Betânia, de
tantas e belas lembranças. Além de professor, ali exerci vários
cargos, inclusive alguns voltados para a sua gestão.
A cada dia que passa mais me convenço: jamais teria
galgado essa trajetória, marcadamente sem pompas, é verdade,
mas que considero vitoriosa em todos os seus aspectos, sem o
indispensável apoio familiar e das várias fases do meu processo
educacional, bem resolvidos pelas contribuições que tive das
instituições por onde passei e daqueles que materializavam es-
ses contributos: seus dirigentes, auxiliares e, acima de tudo e de
todos, os professores.
Enfim, qual foi particularmente a contribuição do Se-
minário São José para minha vida profissional? Sem nenhuma
dúvida, importantíssima! Ali, já no início da adolescência, além
das disciplinas tradicionalmente constantes do currículo esco-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 95


lar, tive os primeiros estudos de línguas estrangeiras, em espe-
cial o latim, da qual deriva a nossa “última flor do Lácio”, utili-
zada nas missas e em muitos outros rituais da igreja católica; o
francês, naquela época língua das mais estudadas e sua apren-
dizagem necessária, por ocupar destacada posição cultural, an-
tes da atual predominância do ensino da língua inglesa; tive
aulas de civilidade, com o aprendizado de regras necessárias ao
adequado convívio social; também, estudei música, nascendo
ali o meu fascínio pela maravilhosa arte da combinação dos
sons, que tem na minha vida o papel de uma verdadeira pa-
naceia, seja em momentos alegres, tristes, ou mesmo de mera
introspecção. Hoje se fala muito da importância do convívio
social, da interação entre grupos, do trabalho em equipe. Digo
isso para ressaltar o evidente papel das atividades culturais e
desportivas, ali praticadas, que me levaram a refletir e, pau-
latinamente, incorporar tais conceitos às minhas posteriores
atividades laborais.
Em suma, afirmo que no Seminário pude assimilar e
incorporar, para sempre, inúmeros valores éticos, morais e re-
ligiosos, gênesis na formação da minha personalidade, ativos
intangíveis inseparáveis na minha vida pessoal e nas minhas
distintas atuações profissionais.
Já setentão, primo por manter minha “mens sana in
corpore sano”, citação latina que significa “mente sã num corpo
são”. Igualmente me inspiro numa frase atribuída ao notável
poeta, dramaturgo e ator inglês William Shakespeare (1564-
1616): “Se todo o ano fosse de férias alegres, divertirmo-nos tor-
nar-se-ia mais aborrecido do que trabalhar.” Assim, continuo
exercendo o meu atual ofício de professor, esperando ainda
poder contribuir para formação das novas gerações de alunos
e futuros profissionais oriundos da UVA, a minha segunda

96 Seminário da Betânia – 96 anos


casa, especialmente, os do curso de Ciências Contábeis, onde
sou lotado.
O ano de 2020 foi diferente, assustador, trágico, uma
verdadeira prova de fogo para todos nós. Como admirador
da obra musical e poética do ex-seminarista Belchior (1946-
2017), conterrâneo, contemporâneo, amigo de infância, deten-
tor do título de doutor honoris causa outorgado pela UVA, acor-
dei para uma das suas maravilhosas composições, a qual nunca
havia me chamado atenção, porém, multidões atualmente a
conhecem, cantam e, confesso, com ela agora também me en-
canto. Trata-se da canção “Sujeito de Sorte”, cujos estribilhos
levam o ouvinte à quase exaustão, numa mistura antagônica de
amargor e esperança, que encontra eco em diferentes camadas
da população, em especial dos jovens que a redescobriram e a
invocam como um hino para externar as suas insatisfações com
a conflituosa e insuportável situação pandêmica, socioeconô-
mica e política do País, aos quais me associo:
“Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte /
Porque apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte / E tenho
comigo pensado Deus é brasileiro e anda do meu lado / E assim já
não posso sofrer no ano passado / Tenho sangrado demais, tenho
chorado pra cachorro / Ano passado eu morri mas esse ano eu não
morro.”
Pois é, machucado pelas circunstâncias, mas exercendo
com determinação as virtudes apreendidas, ainda no tempo de
Seminário, digo que estou paciente com o tempo e esperanço-
so quanto ao destino.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 97


O DESLUMBRAMENTO DA LEITURA

Francisco José Soares Feitosa


(De Mons. Tabosa-Ce. Advogado, Auditor, Escritor em Fortaleza-Ce)

Francisco José Soares Feitosa, Seminário de Sobral,


1957 e umas três semanas de 1958, expulso que fui ante um
atestado de férias desabonador do vigário de minha terra,
Monsenhor Tabosa (padre Ignacio Américo Bezerra), à época
inimigo de minha mãe, depois grande amigo nosso que este
mundo dá voltas de todo tamanho. Tenho três padres em mi-
nha vida. O primeiro, meu primo-tio, padre Leitão, de Nova
Russas, o credor maior, foi ele que patrocinou a minha ida para
Sobral, bem como me recebeu, depois da expulsão: casa, co-
mida, colégio e a bagunça que a gente fazia, eu e mais três
adolescentes, os “fie do padre”. Uma amizade de não ter fim.
O segundo padre Austregésilo, o reitor. Ele não aceitava
a minha indigência em roupas. Minha mãe, de muita pobreza,
continuou “pobre” até mesmo quando as coisas já não eram
tão ruins. Pegou as batinas do padre Leitão, remendou-as e
com elas compareci ao Seminário. Ora, o padre Leitão usava
as batinas até acabarem, esfiapando. Não sei como minha mãe
conseguiu remendá-las. Réééét, só a molambeira, em pleno
recreio. Padre Austregésilo escreveu para ela, que a situação

98 Seminário da Betânia – 96 anos


daquele aluno, eu, ímpar em toda a história do Seminário. Ela
me mostrava a carta: Veja meu filho, o meu sacrifício. Lou-
vado seja! Tirei de letra, sem nenhuma neura ad Vitam e ad
laborem. Pois bem, um dia, o recado de que o reitor, padre
Austregésilo, queria falar comigo. Escadarias, a sala dele, uma
mesa do lado, um enxoval completo. Ele disse: É seu! Um ex-
-seminarista, Francisco Marialva Mont´Alverne, gente impor-
tante de Sobral, tudo no capricho, o melhor do melhor. Batina
solene, casimira inglesa; batinas de brim do dia-a-dia, roupas
de baixo, sapatos, chapéu e barrete; num átimo, de “gato borra-
lheiro” a “prinspo”! Louvado seja, louvado foi, louvado será. (O
reitor fora pedir à família. Devo-lhes).
Ainda sob Austregésilo, o padre reitor: o escândalo dos
súbitos desenhos na porta dos sanitários, lado de dentro: triân-
gulos arrepiados (num tempo em que aqueles triângulos eram
arrepiados), trespassados de vara em riste, duas bolotas, tam-
bém arrepiadas, penduradas em cada vara.
Ah meu Deus! Quem foi? Claro que não foi ninguém!
– “Juntar todo mundo” –, gritou o prefeito Onei, bravíssimo –,
“direto para o salão nobre”. O padre reitor, Austregésilo, muito
seguro de si:
– Quem foi?
Um mosquito seria ouvido a cem metros. Sem nenhuma
arrogância, 13 anos, expulsão garantida, eu disse:
– Fui eu, padre.
Disseram-me, dedo em riste, que o padre chorou. Não o
choro-pranto, mas aquelas lágrimas grossas, duas apenas, que
nos caem na roupa, sem grudar; e saltam, ligeiras, lá longe, no
chão. (Sim, eu vi, o brilho súbito, a caminho). Ele bem que po-
deria ter perguntado: Quem mais? Não; não perguntou. Cúm-
plices? Sim, com certeza. (Quem, dos que aqui estão, nestas

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 99


memórias?) Mais de 60 anos, eu lá me lembro quem! Lembro,
sim, que o reitor pegou do couro da cabra que o amamenta-
ra e jogou-o, misericórdia — cor, cordis —, o coração inteiro,
por sobre a miséria. Ali mesmo perdi as mãos para qualquer
desenho.
O terceiro padre, Inácio, devo a ele a minha dispensa do
Seminário. O padre reitor, Austregésilo, muito se esforçou para
não levar adiante o atestado desabonador de Ignacio. Na casa
do sem jeito, me disse: A anotação aqui será de que você pediu
para sair. Darei o atestado de bons antecedentes para qualquer
outro seminário. Claro, mais uma vez, a misericórdia. Direto
para a casa do padre, de trem, Leitão. Ele disse: “Fique aqui”.
Se eu gostava do seminário? Sim, muito. Primeiro, pelo
convívio, eu, filho único, órfão de pai, do mesmo dia em que
nasci, muito rigor da mãe que vivia assombrada com o popular
“Filho de viúva não dá para nada e, se filho único, pior”. Um
ano apenas, 1957, não vivia pelos cantos; muito pelo contrário,
a nossa classe, o 1º Ano Ginasial, muita participação, recreios
também.
O deslumbramento dos livros, revistas e biblioteca. A
revista do Pato Donald? Não lembro de quem, nem se era
proibido, acho que sim. Um encanto! Também uma revista
da Colgate, mostrando como éramos antes da pasta de den-
tes. (Não sabiam eles da nossa raspa do juazeiro?!) Mostrava
o homem das cavernas aos berros, de dor de dentes. Leitura
total do Tarzan, Júlio Verne, os dezoito volumes, por inteiro,
do Tesouro da Juventude. E mais e mais, o que tinha para ler,
lia. Era um bom aluno? O suficiente, sem disputas. Disputas?
Não se fazia outra coisa! Ainda hoje, alguns falam do 1º lugar,
de ponta a ponta; outros, do seu futebol, acho que falando e re-
mexendo com os pés, sem bola nenhuma. Assim é que é bom!

100 Seminário da Betânia – 96 anos


Falo das minhas leituras que, por igual, não deixam de ter sido
uma disputa.
Depois, disputa “de mesmo”, os concursos: Banco do
Brasil e Fiscal do Consumo, sim, com distinção e louvor. Apo-
sentado, virei advogado. 76, dentro dos 77, trabalho de manhã,
de tarde e noite, com muita disposição. Está bom. Louvado
seja. Casado, cinco filhos, seis netas e um neto.
O Seminário de Sobral, este é o meu depoimento, foi da
maior valia para mim, em termos de vida e de trabalho. Um
convívio ótimo, pena tenha sido tão pouco. Nele, a minha alma
se compraz.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 101


PROCURANDO O BEM COLETIVO

Francisco Leunam Gomes


(De Guaraciaba do Norte-Ce – Professor/Letras/Mestre – Escritor,
em Fortaleza-Ce)

De passagem pela estação do trem, em Sobral, a cami-


nho de Ipu, para subir até Guaraciaba do Norte, encontrei o
Padre Luizito Dias Rodrigues. E logo ele me perguntou se eu
iria me ordenar naquele ano. Ainda indeciso, respondi: possi-
velmente. Ele me convidou para retornar a Sobral na semana
seguinte.
Fui ao encontro dele, em Sobral. Já havia concluído o
curso de Teologia e recebido a Tonsura, com Dom Helder Câ-
mara, na Igreja de São Pedro dos Clérigos, e a autorização para
as demais ordens menores.
Diante da minha informação de que iria passar mais um
ano de estágio, no Recife, antes de decidir pelo Sacerdócio, o
Padre Luizito fez a proposta: Que eu deveria passar um ano de
estágio em Sobral para observar, de perto, meu futuro campo
de trabalho. Assim teria mais segurança pra decidir. Ele ga-
rantia um emprego na Coordenação da Rádio Educadora e
como Editor do Correio da Semana, órgãos de comunicação

102 Seminário da Betânia – 96 anos


da Diocese de Sobral, dos quais ele era o Diretor. Garantia-me
ainda um apartamento no Abrigo Coração de Jesus, também
da Diocese, onde eu ficaria hospedado.
Retornei ao Recife para transferir para outros colegas,
as responsabilidades pela Coordenação do Conjunto Nordeste
que já havia gravado dois discos com músicas do Evangelho
em Ritmo Brasileiro. Peguei os meus pertences pessoais que
ainda haviam ficado lá e retornei ao Ceará e a Sobral. Come-
çava nova vida.
Éramos três na mesma situação, para decidir ou não
pelo Sacerdócio: Antonio Fernandes Vieira, Raimundo Cas-
siano Feijão e eu. Dez meses depois, fomos fazer um retiro,
na Meruoca, sob a orientação do Padre Albani Linhares. Cas-
siano decidiu pelo Sacerdócio. Vieira e eu resolvemos buscar
outros caminhos.
As consequências da decisão não foram fáceis. Ao co-
municar ao Bispo de Sobral, Dom Walfrido Teixeira Vieira,
recebi suas propostas para fazer Mestrado e Doutorado na Itá-
lia, na França ou na Alemanha. Ponderei que aquilo me condi-
cionaria a optar pelo sacerdócio, por reconhecimento. Não me
sentia bem em fazê-lo. Ele entendeu.
Para a nova caminhada, tomei por base tudo que os Se-
minários de Sobral, Olinda e Camaragibe me haviam oferecido.
E adotei, para mim, um lema que Dom Francisco Austregésilo
de Mesquita Filho, ex Reitor, adotara para seu episcopado: Ut
viam habeant – “Que todos tenham a vida”
Surgiu logo o primeiro emprego de Carteira Assinada.
Coordenador do Movimento de Educação de Base – MEB, de
Sobral. Era uma atividade que se afinava muito com o que
eu pensava. Havia tido muita proximidade com a institui-
ção, quando ainda estava no Recife, quando Paulo Freire ex-
perimentava o seu Método de Alfabetização de Adultos. O

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 103


primeiro desafio era uma tarefa fascinante: Alfabetização de
Adultos, pelo Rádio. O trabalho vinha ao encontro daquilo
que eu gostava. Aquela, a meu ver, era a mais concreta forma
de contribuir para a redução das desigualdades sociais. Tive o
privilégio de Coordenar uma equipe muito dedicada: Edna
Barreto, Fransquinha Dias Araújo, Hermínia Liberato Fernan-
des, Maria Lúcia Bezerra, Miriam Moreira, Núbia Andrade,
Walter Araújo que nos conduzia, numa Rural Willys, em nossa
área de atuação na Diocese de Sobral.

No MEB, em 1967, escrevendo aulas para o Rádio

Em Sobral, fiz vestibular para o Curso de Letras, na Fa-


culdade de Filosofia Dom José. Ao surgir uma vaga no MEB
de Fortaleza, fui convidado para ocupar a vaga deixada por
Ruth Cavalcante, presa pela ditadura.
O campo de ação era a área da Arquidiocese de For-
taleza. Como sempre gostei e acreditei na força do Rádio,
fui-me envolvendo com os programas radiofônicos pela Rá-
dio Assunção. A equipe estava quase decidida a devolver o
horário do programa de rádio à emissora, quando fiz uma
sugestão. Iria fazer um programa diferente. Se não tivesse
audiência, deixaríamos de lado o rádio. Mas deu certo. Cria-

104 Seminário da Betânia – 96 anos


mos um programa que denominados A ESCOLA EM SUA
CASA e começamos um curso de Agricultura, com duração
definida e com certificado para os que participassem.
Criamos um estilo de programa que se identificava com
o trabalhador rural. Na segunda-feira, apresentávamos um
conteúdo. Na terça, um grupo de personagens de uma comu-
nidade imaginária – Riacho Seco – comentava a aula do dia
anterior. Os personagens éramos nós mesmos, componentes
da equipe. Foi um sucesso. As cartas começaram a chegar de
comunidades que tinham dificuldades de escrever e, muito
mais de enviar. De dez cartas por semana, passamos a receber
dez, vinte, por dia. E fomos aperfeiçoando o Programa. Tudo
era feito ao vivo.
Começamos a registrar as correspondências diárias.
Estimulávamos a que as comunidades se organizassem para
ouvir os programas em grupo. E o número de grupo crescia a
cada dia. Visitávamos as comunidades para avaliar a recepti-
vidade. A audiência da Rádio Assunção era incrível, à época.
Depois, apresentamos outros cursos: Higiene e Saúde, Sindi-
calismo Rural. Sempre com audiência crescente.
A Polícia Federal também começou a se interessar e,
mais do que isto, exigir a censura prévia dos scripts dos pro-
gramas. Como eu já era o Coordenador da Equipe, transfor-
mei-me num assíduo frequentador da Polícia Federal. Inti-
mado por qualquer palavra que desagradasse à Censura.
Em 1971, fui demitido por uma palavra que uma colega
pronunciou fora do texto. Àquela altura, o nosso programa já
servia de modelo para várias equipes do Brasil. Como havia
feito um curso de Telensino, na Colômbia, fiz contato com
a TVE do Maranhão. E fui para lá, onde ocupei a função de
Coordenador de Aperfeiçoamento Pedagógico. Era a primei-
ra experiência de realização do Ensino Fundamental pela TV.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 105


Um sucesso. Por perseguição da Polícia Federal, saí e fui cuidar
de outras coisas. Criei uma Agência de Publicidade. Aos pou-
cos, fui retomando os contatos com a Educação, mas não pude
fazer concurso para a Universidade Federal do Maranhão. O
SNI não permitiu. Também não pude ocupar cargos na Secre-
taria de Educação do Estado, mesmo a convite para cargos de
direção.
1989 - Fui convidado e retornei ao Ceará. Vim ocupar
a função de Secretário de Educação em Croatá, na Serra da
Ibiapaba, recém emancipado de Guaraciaba do Norte. Foi o
primeiro município a criar a sua própria Secretaria de Educa-
ção. O primeiro a adaptar co calendário escolar ao calendário
agrícola, o primeiro a realizar concurso público para profes-
sores e o primeiro a pagar salário-mínimo para os Professo-
res. Antes, recebia o equivalente a dez por cento do Salário
vigente. Os resultados foram muito positivos.
Depois, em 1993, ocupei a função de Secretário de Edu-
cação em Poranga e Guaraciaba do Norte. Em ambos, A nossa
primeira iniciativa foi realizar Seminários com representantes
de todos os segmentos da comunidade, para avaliar a Educa-
ção oferecida pelo município.
Em Guaraciaba do Norte, só 16% dos alunos chega-
vam à quarta série. Uma das causas da evasão eram os baixos
salários. A Prefeitura contava apenas com os recursos do
Fundo de Participação dos Municípios - FPM. Propusemos ao
Prefeito uma gratificação, apenas para Professores das séries
iniciais, de 1% por aluno em sala de aula. Deu certo.
A evasão acabou. 80% dos professores não perderam
nenhum aluno. A experiência saiu no jornal O POVO e
chegou ao conhecimento do MEC que estava no Ceará,
pesquisando soluções para a evasão. Surgiu o FUNDEF
que passou a remunerar os municípios pela frequência dos

106 Seminário da Betânia – 96 anos


alunos em sala de aula. Tal como fizemos em Guaraciaba do
Norte, com sucesso.
De lá, em 1995, saí para a Secretaria de Educação do
Estado, como Coordenador de Alfabetização. Simultanea-
mente, fui nomeado Conselheiro, do Conselho de Educação
do Estado. Lá reencontrei o colega José Teodoro Soares, en-
tão reitor da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA
que me convidou para aquela instituição, em 1997. Duran-
te doze anos ocupei as funções de Pró-Reitor de Assuntos
Estudantis, Pró-Reitor de Extensão e Diretor da Imprensa
Universitária. Foi na UVA que contribuímos para a interiori-
zação dos cursos de graduação, no Ceará e no Nordeste. Tive
a felicidade de presidir Colações de Grau em vários muni-
cípios do Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Mara-
nhão, Pará, Goiás e Amapá. Levamos a nossa experiência de
formação de Alfabetizadores para Cabo Verde, na África, a
convite do Programa Alfabetização Solidária.
Tive a felicidade de concluir a minha jornada de traba-
lho no Seminário da Betânia, em Sobral, onde hoje está a sede
da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.

Presidindo colação de Grau da UVA, em Natal-RN

Aposentado, construímos os livros “SEMINÁRIO DA


BETANIA- AD VITAM- 65 DECLARAÇÕES DE AMOR”;

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 107


“UM HOMEM DE PALAVRA – Vicente Emídio da Silveira
– biografia” e “PROFESSOR COM PRAZER – Vivência e
Convivência na Sala de Aula”. Este, em 2ª Edição. Agora, con-
cluímos AD LABOREM - Nossa caminhada profissional.
Por indicação da Associação de Presos e Perseguidos
Políticos, fui nomeado, pelo Governador Camilo Santana, para
a Presidência da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou, em
15 de outubro de 2020.
Tenho a felicidade de dizer que todas as minhas con-
quistas se devem à parceria de uma companheira extraordi-
nária. Convivemos há 46 anos, olhando na mesma direção. É
Maria Myrtes Cavalcante Gomes, Pedagoga, com Especializa-
ção em Planejamento de Recursos Humanos, cearense de Pe-
dra Branca.

108 Seminário da Betânia – 96 anos


CONSOLIDANDO ENSINAMENTOS
DOMÉSTICOS

Francisco Luciano Paiva


(De Ipu, Agrônomo, Professor, Mestre e Doutor, Escritor, em Fortaleza-Ce)

Seminários Por Onde Passei


Convento Franciscano São José em Tianguá - Nesse con-
vento, em 1955 conclui o curso primário. Sinceramente, não sei
como enquadrar o curso primário de antigamente, na nomen-
clatura educacional, brasileira, hodierna. Os estudos naquele
convento daquela cidade só iam até o quinto ano primário. A
continuação dos estudos acontecia noutro convento.
Convento Franciscano de Ipuarana - Aqui se proces-
sava a continuação dos estudos do convento em Tianguá.
Ipuarana é uma palavra em tupi-guarani que significa La-
goa Seca, Lagoa Ruim. O primeiro nome da povoação de
Lagoa Seca era Vila Ipuarana. O convento manteve o nome
Ipuarana. A povoação ficou com a tradução dessa pala-
vra indígena lagoa seca. Era, a época em que lá estive, um
distrito de Campina Grande - Paraíba. Hoje, é município
emancipado de Campina Grande. Em Ipuarana fiz a pri-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 109


meira das quatro séries que compunham o curso ginasial.
Também ignoro como enquadrá-lo bem na nomenclatu-
ra educacional moderna. Contudo, após a quarta série ou
quarto ano ginasial, iniciava-se o curso científico ou curso
clássico. Este último era especializado para quem preferia a
área de ciências humanas, principalmente, Direito. Ambos,
esses cursos científico e clássico, duravam três séries anuais.
O curso clássico, creio, não mais existe.
Seminário de Sobral – Inicio a falar sobre o seminário de
Sobral, tendo o orgulho de apresentar a plêiade de professores
que, à minha época ali, exerciam a docência com amor, dedica-
ção e competência. Vejamos.
Padre Edson Frota – professor de História. Padre Sa-
doc – professor de Latim e Canto orfeônico. Fez o semi-
nário maior em Roma. Foi reitor da UVA, nos primórdios
dessa universidade. Padre Albany - professor de Grego. Cur-
sou o seminário maior em Roma. Padre Moésio - professor
de francês. Padre Osvaldo - professor de Português. Padre
Marcone - professor de Geografia. Padre Austregésilo – pro-
fessor de Português e Matemática. Sagrado bispo, assumiu a
diocese de Afogados em Pernambuco. Padre José Linhares
– professor de Religião e Boas Maneiras ou Etiqueta So-
cial. Padre Edmilson Cruz – professor de Latim e Inglês.
Foi meu diretor espiritual. Sagrado bispo, foi nomeado bispo
auxiliar da arquidiocese de Fortaleza – Ce. Além da compe-
tência, eu diria, resumindo sua personalidade - era um santo.
Padre Arnóbio – professor de Latim e diretor espiritual de
vários contemporâneos e colegas meus. Fundou uma irman-
dade de freiras nominada – Congregação das Missionárias
Reparadoras do Coração de Jesus. Padre Luizito – professor
de Ciências.

110 Seminário da Betânia – 96 anos


Cito um exemplo específico do que falei genericamente
sobre os professores do seminário de Sobral.
Quando sai do seminário fui estudar no Liceu do Ceará,
para concluir o curso científico. O Liceu ainda era um colégio
famoso pela infraestrutura do prédio e seus laboratórios, bem
como pelo ensino ministrado aos alunos e à equipe grande de
ótimos professores, que compunham com brilhantismo o cor-
po docente daquele estabelecimento de ensino.
A classe do científico da qual eu fazia parte, tinha como
mestre de português o famoso professor Correia. Bom docente
e profundo conhecedor do idioma de Camões. Mas a modéstia
do cidadão Correia inexistia. Ele dizia, com frequência, que o
melhor e mais profundo conhecedor do idioma de Bocage no
Ceará, era o professor Correia e batia no peito; o segundo, era
o professor Correia; o terceiro, era o professor Correia; o quar-
to era o professor Correia; o quinto, era o professor Fulano.
Não me acode à memória o nome do quinto.
A aula às sextas-feiras era reservada para tirar dúvi-
das da disciplina que ele ensinava. Numa dessas aulas me
ocorreu perguntar - professor, por favor, qual é a etimologia
da palavra irmão. Correia entusiasmou-se com a indagação
e disse: brilhante aluno. Estou vendo aqui no meu caderno
que você tirou nota dez para este mês e para o próximo, só
pela pergunta já tem dez. Você estudou latim, não é mesmo?
Respondi. Sim senhor. Onde? Prosseguiu com a pergunta.
No seminário de Sobral, respondi. Quem era seu professor
de português? Prosseguiu Correia. Padre Francisco Austre-
gésilo de Mesquita Filho, disse. Um monstro, gritou Correia.
Ele veio fazer o curso da CADES em Fortaleza. Sabia mais
português do que nós todos professores juntos, elevados à
décima potência.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 111


Graduação Universitária
Conclui o curso de Agronomia na UFC (Universidade
Federal do Ceará). Colei grau como engenheiro-agrônomo
no dia 12 de julho de 1968. No dia 16 de julho do mesmo
ano, ou seja, quatro dias após a colação de grau, estava em
Salvador - BA, onde assinei contrato de serviço com o gover-
no daquele Estado, através da Secretaria da Agricultura. Isso
se deveu ao fato de eu haver passado num concurso aconteci-
do, havia cerca de dois meses. Trabalhei ali por quatro anos e
resolvi sair em busca de cursos de pós-graduação.

Pós-Graduação
Mestrado em Riego e Drenagen no Colégio de Post-
-Graduados de la Escuela Nacional de Agricultura de Cha-
pingo – México. 1972-1974 - Doutorado – Université de
Paris-Sud-Centre D’Orsay. Defesa de Tese como Dr. Enge-
nheiro em 28 de outubro de 1983. – Especialização em Irri-
gação Localizada na Espanha em 1985. – Curso de Estudos
em Planejamento e Aplicação de Projetos – Israel, início do
primeiro semestre de 1989. Quibutes Chefrain – Telavive -
Israel
Afora os conhecimentos técnicos adquiridos nas uni-
versidades onde estudei, devo aos seminários onde estive, mas
especialmente ao seminário de Sobral, tudo o que sou. Inclu-
sive, acrescento que só cheguei a essas universidades, graças à
base intelectual, que os seminários me sedimentaram, máxime
o seminário de Sobral.
Os seminários ajudaram-me na consolidação dos ensi-
namentos domésticos, inoculados no meu espírito por minha
mãe, que apesar de semianalfabeta, era sábia.

112 Seminário da Betânia – 96 anos


As personalidades dos padres de modo geral, no seminá-
rio de Sobral, me foram muito salutares, mas a do padre Aus-
tregésilo foi a que mais contribuiu para a solidificação da pes-
soa que sou. Teço elogios às personalidades de Frei Armando,
alemão, no convento de Tianguá e a de frei Adriano Hipólito,
no convento de Ipuarana.
Sou privilegiado. Tive dois estabelecimentos maravilho-
sos que me educaram. O primeiro chamado lar. Foi funda-
mental. Não conheci meu pai. Ele faleceu eu tinha dois anos
de idade. Passei todas as necessidades que uma criança pode
sofrer, inclusive fome. Todavia, fui educado por uma semianal-
fabeta, paupérrima, mas sábia, minha mãe.
O segundo foi o seminário. Ali eu fui instruído por edu-
cadores que completaram os ensinamentos domésticos com
amor e competência intelectual. Ambos esses estabelecimen-
tos têm estado comigo, ajudando-me sobretudo nos momen-
tos difíceis, mostrando o que deve ser feito, tendo por base o
exemplo acima das palavras.
Agradeço ao Criador do Cosmo pelo lar que me deu e
por me haver posto no seminário de Sobral com os professores
que tive exatamente quando as portas e janelas da vida me
foram abertas para a adolescência.
Caríssimo contemporâneo no seminário de Sobral, atu-
almente médico Dr. Plínio. Você usou um jogo de palavras in-
teressante: “a faculdade me ensinou a ser médico e o seminário
me ensinou como ser médico”. A sua profissão comunga com
a minha. Sou engenheiro-agrônomo. Trabalhamos, pois, com
seres vivos. Só há uma “pequena” diferença: o erro do médico, a
terra cobre. O erro do agrônomo, a terra descobre.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 113


LUTO E SONHO COM O FUTURO
CIDADÃO DO MEU PAÍS

Regis Frota Araujo


(De Sobral, Economista, Advogado, Professor Mestre e Doutor, Escritor,
em Fortaleza)

No final da década de 60, os seminários nordesti-


nos fecharam as portas (inclusive, o centenário seminário da
Prainha, na capital cearense, onde eu já frequentava nos anos
1965/66, cursando o clássico) e fomos cada qual para seu lado;
conquanto desde 1965, minha mãe, Ivone Frota (irmã de Pe.
Edson Frota) e meus doze irmãos se tivessem transferido des-
de Sobral para Fortaleza, não encontrei dificuldades em me
adaptar ao novo convívio coletivo e familiar, do qual vinha,
desde sempre, desfrutando, durante as férias escolares (julhos
e finais dos anos); Dom Walfrido Vieira, bispo de Sobral, la-
mentou que nossa vocação sacerdotal se tenha extinguido, em-
bora a vida continuasse seu curso...
Fui direto ao cursinho do professor Castelo, na mesma
avenida dom Manuel – após rápida passagem pelo Liceu da
Piedade, por determinação do episcopado-, durante todo o ano

114 Seminário da Betânia – 96 anos


de 67, porta de entrada fácil nos vestibulares de Economia,da
UFC e Escola de Administração do Ceará(EAC), da UECE,
ambas cursadas durante os últimos anos daquela década.
Atravessamos o ano do AI-5, entre pichações, medos e
desafios.
Continuei com interesse pelo cinema( ainda hoje presi-
do a Academia Cearense de Cinema- ACC), onde criara uma
biblioteca básica de cinema, na Prainha, e passei a exibir os
filmes do Clube de Cinema de Fortaleza Darcy Costa na EAC
e a publicar pequenas matérias nos jornais de então (Gazeta de
Noticias, O POVO, Correio do Ceará etc.). Referido interesse
me levaria a Minas Gerais no início dos anos 70, onde me di-
plomei na Escola Superior de Cinema, da Universidade Cató-
lica de MG. Daí à transferência para a cidade maravilhosa não
tardou: residi no Botafogo-Rio de Janeiro até o ano de 1976,
tendo trabalhado no Bradesco, em Copacabana, amealhando
para viajar ao exterior.
Após alguns meses de viagens pela América do Sul, via-
jei em 1976 para Montreal – Canadá, retornando ao Ceará
em 1978 para casar e assumir concurso do BNB. Trabalhei no
Banco do Nordeste até a aposentadoria, em 2001. Duvidei se
optaria pela área econômica (pois me diplomara em Econo-
mia na UFC) ou pela área jurídica (curso de Direito, iniciado
na Faculdade Nacional do Rio e, concluído em Fortaleza, em
1979), mas a seleção interna do Banco me facilitou a opção.
Com a década do oitenta vieram os filhos (três, duas
mulheres e um varão) e “the struggle for life”: além das 8 horas
do expediente bancário, iniciei um magistério de Direito Pú-
blico na UNIFOR, pelas noites, em princípios dos anos 80,
em retomada de vocação suspensa desde Belo Horizonte, onde
ministrara a disciplina História da Arte, no centenário colégio
Pe. Machado, da avenida do contorno; sem esquecer os “Cur-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 115


sos Básicos de Cinema”, ministrados por nós, em Ipatinga e
Cel. Fabriciano, cidades mineiras, bem como em Goiânia e ou-
tras capitais que demandavam a expertise da Escola Superior
de Cinema, em que pese serem poucos os professores, donde o
aproveitamento dos dois únicos alunos nordestinos – Bráulio
Tavares e eu-, os quais, em nome do corpo docente, ministrá-
vamos tais cursos básicos, pelo Brasil afora.
No ano de 1984, prestei concurso público de provas e
títulos para a Magistratura Estadual do Ceará, tendo logrado
aprovação e nomeação como Juiz Titular da Comarca de Jar-
dim, no sul do Estado, para onde me desloquei, tão somente
para conhecer, porquanto optei, após ponderar, sem arrependi-
mento, em permanecer na capital cearense, com as ocupações
exercidas do BNB e Universidade, embora as mesmas remu-
nerassem mais modestamente que o exercício da magistratu-
ra, tão aquinhoada, ainda na presente quadra da vida nacional.
No ano de 2000, atuava como assessor do desembargador José
Claudio Nogueira Carneiro,no Tribunal de Justiça (TJ-CE), e
me submeti a seleção de ingresso no Tribunal Regional Federal
da 5ª Região, com sede em Recife-PE, pela vaga de advogado,
vindo a integrar lista tríplice, após homologação pelo Conse-
lho Federal da OAB e pelo plenário do mencionado Tribunal,
embora o Presidente da República, de então, FHC, tenha op-
tado pela indicação de colega advindo da Paraíba.
A judicialização não seria meu destino profissional, de-
finitivamente.
Peguei gosto pela atividade no magistério, a qual me
dediquei com afinco, especializações e mestrado, ao largo das
décadas seguintes, até 2018, quando, após implantar seis stents
nas artérias coronarianas, me aposentei da UFC. De 1994 a 98,
na cidade de Santiago de Compostela- Espanha, acompanha-
do de toda a família, diplomei-me no doutorado em Direito

116 Seminário da Betânia – 96 anos


Constitucional, vindo a me integrar como professor do curso
de pós-graduação em Direito da UFC, onde tive oportunida-
de de introduzir, pioneirissimamente no Nordeste brasileiro, a
disciplina Direitos Fundamentais, Cinema e Literatura na Con-
temporaneidade, ao lado do mestre Paulo Bonavides.
Na Galicia, publiquei meu primeiro livro, em 1997,
“Direito e Comunicação – os limites da informação”, com
prefácio de Carlos Ruiz Miguel, catedrático de Constitucio-
nal da USC, pela Editorial Laiovento. Entusiasmei-me, após
ter fincado pé na universidade e, tendo publicado ou edito-
rado, ano a ano, quase sem parar, livros e artigos científicos
em revistas nacionais e estrangeiras, percebi que tinha como
missão escrever e publicar, porquanto a atividade mais afi-
nada com o magistério universitário. Editei revistas, como
a da AIADCE – Associação Ibero-americana de Direito
Constitucional Econômico, da ACC – Academia Cearense
de Cinema, denominada GRUA – “Revista de Direitos Fun-
damentais, cinema e literatura,” onde abriguei trabalhos dos
alunos da pós-graduação da UFC, em seis números impres-
sos, com os respectivos lançamentos coletivos, dos livros e re-
vistas, nos âmbitos do Ideal Clube, Oboé Cultural, Livrarias
Livro Técnico e Leitura, do Riomar, etc., sempre buscando a
integração na leitura da capital cearense. Um tempo dedica-
do à divulgação, pelos meios de comunicação social da região
nordestina, através de entrevistas a jornais e televisão, tendo
em vista que a leitura e busca de leitores em nosso país se
constitui, ainda hoje, tarefa árdua e dificultosa.
Livros, de minha autoria, sobre Direito, Economia, Co-
municação e Cinema somam já mais de vinte, cujo retorno
emocional me estimulam a continuar produzindo, escrevendo
e publicando...Viva a literatura cearense!
Viva nós todos, leitores betanistas!

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 117


A escolha das profissões (advocacia e magistério), por
mim exercidas, se deveram, em grande parte, ao meu passado
betanista: guardo na memória viva, ainda, a admiração pelos
padres professores e cristãos, os quais nos inspiraram a fazer
aquilo que gostamos, ou seja, nos prepararam para ter um bom
desempenho profissional.
Padres João M. Lira e Edson Frota, talvez não imaginas-
sem que ao nos descrever mapas e viagens, com tanta emoção
nas aulas da Betânia, nos inspiravam a despertar o desejo de
viajar e ampliar nossos horizontes geográficos e geopolíticos,
eis porque tantas participações em congressos internacionais de
Direito Constitucional ( estive várias vezes no Chile, Bolívia,
Uruguay e Argentina, em toda América do Sul e Norte(Alaba-
ma), bem como na Península Ibérica e Marrocos(na África)), e
tantos deslocamentos por “Europa, França e Bahia”...
Os nossos compromissos com o trabalho, a qualidade
dos serviços que prestamos, o diferencial que acreditamos
termos feito em nossos ambientes de trabalho (magistério
superior, atividades acadêmicas de direção e coordenação da
graduação universitária, na Faculdade de Direito da UFC, ou
mesmo, o exercício da advocacia bancária), parecem a muitos
destinatários deles, devidamente cumpridos. Na UFC, quando
me retirei, já ocupava o posto máximo da carreira docente, ou
seja, era o único professor titular da instituição, desde 2016,
tendo sido acompanhado pela segunda professora a portar tal
distinção, a colega professora e juíza federal, Germana Morais.
Contente com a sorte, sigo hígido e operoso, com a gra-
ças de Deus, sem olvidar que admiro o hinterland cearense,
onde cultivo alguma propriedade rural, herdada dos meus pais,
faz já um quartel de século. Constitucionalista nordestino, luto
e sonho com o futuro cidadão do meu país. Ainda que durante
a pandemia, me comunico através de redes sociais (Email: re-
gisfrota@hotmail.com e whatsApp-085.99985.2680).

118 Seminário da Betânia – 96 anos


SUA PREGAÇÃO MUDOU MINHA VIDA

Gonçalo Pinho Gomes


(De Poranga-Ce. – Sacerdote, Professor, Capelão-Administrador
em Sobral-Ce)

O s organizadores de um novo livro, para perpetuar a


história do Seminário da Betânia, em Sobral, pediram-me um
artigo em que acentuasse a influência desta instituição na mi-
nha vida profissional.
Primeiramente desejo afirmar que o Seminário não
foi instituído para formar profissionais no sentido exato da
palavra. Penso que estou correto nesta minha afirmação. O
Seminário é uma casa de formação que tem como objetivo
formar sacerdotes. O Sacerdócio não é uma profissão como
as demais. É um estado de vida, à semelhança do matrimô-
nio. No entanto, muitos dos que ingressaram no Seminário
não estavam motivados para a vida sacerdotal. Foram atraí-
dos pela boa qualidade do ensino oferecido pela instituição
que iria possibilitar-lhes sucesso na busca de uma profissão.
É certo também que muitos outros experimentavam o dese-
jo de abraçar a vida sacerdotal. Todavia, durante o processo
formativo, puderam observar que não possuíam as qualidades
exigidas para este estado de vida. E, por esta razão, honesta-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 119


mente, desistiram e buscaram outros caminhos. A estatística
mostra que a maioria dos seminaristas deixou o Seminário. É
uma prova do que nos diz o Evangelho: “Muitos são chamados,
mas poucos são os escolhidos” (Mt 22,14). “Não fostes vós que me
escolhestes, fui eu que vos escolhi” ( Jo 15,16).
Como dissemos anteriormente, o Seminário não forma
profissionais. Não podemos, porém, deixar de reconhecer a in-
fluência positiva que exerceu na vida profissional dos seus ex-
-alunos a formação oferecida por esta grandiosa instituição.
O Seminário da Betânia, com seu projeto formativo, vi-
sava, em primeiro lugar, à formação integral do homem, cons-
ciente de que sobre o homem bem formado constroem-se o
verdadeiro sacerdote e o profissional qualificado. Eis a razão
por que deste campo fecundo surgiram muitas árvores frondo-
sas e frutíferas: padres autênticos e grandes profissionais.
O projeto formativo contemplava as diversas dimensões
do ser humano. Não se restringia à formação espiritual, sem
dúvida a prioritária, tendo em vista a finalidade da instituição,
a formação de sacerdotes. Não podia ser diferente. Devia, no
entanto, ser um projeto, integral, abrangente, completo e não
limitado. Comportava os diversos tipos de formação: física,
humana, intelectual e espiritual.
Uma vida saudável e um corpo sadio supunham exercí-
cios físicos, prática de esportes, acompanhamento de saúde e
alimentação satisfatória. O Seminário, dentro de suas limita-
ções, procurava responder a estas exigências necessárias a uma
boa formação física.
O cuidado com a formação do homem era uma preocu-
pação constante dos formadores. Tornava-se uma necessida-
de orientar e conduzir bem os formandos, transmitindo-lhes
valores que ornam a vida de um homem de bem. Hones-
tidade, respeito ao outro, amor ao trabalho, zelo pelo bem

120 Seminário da Betânia – 96 anos


comum, fidelidade e muitos outros valores eram repassados
pelos mestres aos alunos pela palavra e pelo testemunho.
O estudo era uma das colunas sobre as quais Dom José
edificou o Seminário. A formação intelectual tinha diretrizes
claras e orientação segura. Uma equipe de professores com-
petentes acompanhava os alunos. Estudava-se muito e com
método. O resultado veio depois com o sucesso de quase todos
aqueles que tiveram o privilégio de estudar no saudoso Semi-
nário da Betânia.
A formação espiritual, imprescindível aos futuros padres
e aos que iriam abraçar outro estado de vida, era acompanha-
da com muita atenção pela equipe de formadores. Havia uma
motivação muito forte para animar a vida espiritual. O am-
biente atraente da bela igreja do Preciosíssimo Sangue, a leitu-
ra da palavra de Deus e um programa de orações - missa, terço,
meditação, visita ao Santíssimo - muito contribuíram para o
crescimento da vida espiritual dos seminaristas.
Foi o Seminário da Betânia, com toda esta organização,
a primeira casa onde me preparei para o sacerdócio. A segunda,
também muito conceituada, foi o Seminário da Prainha, em
Fortaleza.
Guardo com muito carinho, zelo e cuidado todos os en-
sinamentos que recebi do Seminário de Sobral. Marcaram pro-
fundamente a minha vida de sacerdote e de professor. Consti-
tuíram-se a base de minha missão pastoral e de meu magistério.
As lições aprendidas influenciaram, de modo significati-
vo, meu relacionamento para com as pessoas: alunos, paroquia-
nos, empregados, colegas e superiores. Falhei, errei, fui omisso
muitas vezes. Somos humanos, somos limitados. No entanto,
as orientações ouvidas e acolhidas por mim, no Casarão da
Betânia, fizeram-me ver o ser humano, o outro, como alguém
igual a mim ou melhor, filho de Deus, meu irmão, digno do
meu respeito e do meu amor.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 121


No Magistério e no Sacerdócio – Missão cumprida.

A formação, que recebi no Seminário e acolhi com mui-


to cuidado, deu-me condições de proporcionar, sem vaidade
alguma, aos meus paroquianos e aos meus alunos um serviço
satisfatório. É com alegria que escuto, vez por outra, de um
aluno ou de um fiel, frases como estas: “Professor, devo ao
senhor o meu emprego; padre, aquela sua pregação mudou o
rumo de minha vida.” Afirmações desta natureza elevam a au-
toestima, mas sou consciente de que, em primeiro lugar, está a
ação divina.
Esforcei-me sempre para exercer com responsabilidade,
dignidade e amor esta dupla missão de padre e professor. Hoje
estou aposentado como professor, mas tenho ainda uma vida
ativa como sacerdote. Sou capelão-administrador da igreja de
Cristo Rei na Paróquia de Nossa Senhora do Patrocínio, dire-
tor espiritual do Seminário e Vigário Episcopal para Forma-
ção Sacerdotal e para a vida Religiosa.

122 Seminário da Betânia – 96 anos


REMINISCÊNCIAS

João Batista da Silva


(De Quatiguaba – Viçosa do Ceará, Engenheiro, Bancário, em Fortaleza-Ce)

Escalei as montanhas da Ibiapaba, férias finais de 66,


adolescente desgarrado. Batina e terno na lembrança, o fértil
vale do Acaraú ficara para trás. Teria um ano, para numa das
cidades frias da cordilheira, ser um orador ginasial conclu-
dente.
Nos dias que antecediam a festa, também estava sendo
confeccionado o convite dos quartanistas/67 do Colégio So-
bralense e o meu coração estava nele, com os betanistas.
Certamente havia um propósito para aquela conclusão
ser em Tianguá. Ali pude agradecer pessoal e publicamente, ao
amigo do meu avô e mentor do meu pai, o vigário Pe Tibúrcio
Gonçalves de Paula, presente naquele evento.
O discurso de formatura sensibilizou o vigário e o ora-
dor iniciaria o ano de 68, bolsista reintegrado a uma parte de
ex-betanistas, no Sobralense, o mais aristocrático dos colégios
da zona norte cearense.
Os dois anos seguintes seriam de aula em tempo inte-
gral, preparação para o vestibular em pé de igualdade com as
melhores escolas da capital.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 123


Além da biblioteca do seminário da Betânia, o Colégio
Sobralense absorvera mestres da estirpe de um Luizito Dias
Rodrigues, Temístocles da Silva Filho, João Mendes Lira, Os-
valdo Carneiro Chaves e José Linhares Ponte recém-chegado
de uma temporada na Europa, agora diretor.
Rapidamente chegou 1970 e com ele a minha separa-
ção definitiva dos contemporâneos betanistas, em bancos de
escola.
Naquele ano vi a primeira assinatura patronal na minha
carteira de trabalho, seguindo-se um quadriênio de progressi-
vas conquistas laborais.
Trabalhar com o reitor/diretor Pe Zé Linhares, conviver
com o mestre Pe Osvaldo Chaves e instrutores como Marce-
lo Parente, Iracema Bento, Jacyra Pimentel, Minerva Sanford,
Alice Neves, José Mário Pimentel, Sampaio Sales e outros, foi
fundamental para um rito de passagem, sem traumas. Minha
sobrevivência, agora era responsabilidade pessoal.
Enquanto cursava engenharia na UVA, para mim emo-
cionalmente uma extensão da Betânia, ensinava matemática
no Colégio Sobralense e química no Colégio Sant’Ana, esta-
belecimentos de parentesco muito próximo com o seminário.
Alguém já disse que “quando a escola é boa e os alunos
inteligentes, nenhum se perde.”
Ainda encontro pessoalmente alguns ex-alunos, pro-
fissionais de alto nível em posições profissionais estratégicas
e outros que pela importância circunstancial, só os vejo de lon-
ge pela imprensa. A professora, psicóloga e vice-governadora
cearense Isolda Cela, era um dos nomes do meu diário de clas-
se do Colégio Sobralense 73/75.
Passagem meteórica pelo magistério, gratificante.
Tudo fora proveitoso no cotidiano da Betânia.

124 Seminário da Betânia – 96 anos


Marcou época a narração de histórias no recreio notur-
no, pelo jovem intelectual Juarez Leitão. Técnica apurada na
exposição teatral emocionante de clássicos, o poeta já tornava
cativo seu ouvinte, como ainda hoje o faz com seu leitor. Mag-
netizava uma plateia atenta que absorvia o relato com perfeito
entendimento. Estávamos lá!
O futebol na poeira ou no salão, revelava talentos que
se perpetuariam na memória dos contemporâneos e gerações
seguintes. Estes encontros também produziam narradores
vibrantes e comentaristas abalizados, que faziam de seus pu-
nhos fechados a projeção de microfones que anos mais tar-
de, poderiam ser reais. Deste modo, comentei jogos ao lado
do Arcelino do Ceará, que narrava à semelhança do Waldyr
Amaral, partidas que para nós tornavam-se emocionantes.
Uma década depois, já professor e universitário, fiz parte
da equipe esportiva da rádio Educadora do Nordeste, em So-
bral, sob o comando de Tupinambá Frota, ao lado do William
Vasconcelos e outras feras, que tornavam aquela equipe imba-
tível na audiência.
Cobrimos grandes jogos, entrevistamos atletas de desta-
que, estivemos presentes em eventos memoráveis.
Não foram poucas as vezes que tivemos na cabine cen-
tral do estádio do Junco a presença honrosa do Pe Sadoc. No
amistoso de placar mais elástico adverso ao “cacique do vale”,
Guarany de Sobral 2 x 6 Cruzeiro de Belo Horizonte, o fun-
dador da UVA e historiador ilustre, esteve conosco e sempre de
bom humor. Foi colírio aos seus olhos o brilhantismo incon-
testável do admirável “trem mineiro” de Raul Plasma, Nelinho,
Piazza, Palhinha e cia.
Meu nome muito comum, no rádio continuou simples,
porém diferente, acrescentado de “p”, uma certa nobreza orto-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 125


gráfica sem autorização cartorária. Baptista, geraria o slogan
BATISTA COM P, O COMENTARISTA QUE VEIO DE
QUATIGUABA! O que poderia não significar absolutamente
nada, acabou aguçando entre os ouvintes e emissoras concorren-
tes a curiosidade no diferencial da chamada.
Numa reunião de pais e mestres do colégio sobralense,
surpreendentemente o Pe Zé Linhares apresentou-me aos pais
como “Batista com p” e ainda guardo um bilhete do mestre-
-poeta Osvaldo Chaves, escrevendo-me Baptista.
Até aqui as influências da Betânia davam indicações
que poderiam levar-me à cátedra, ao microfone ou à redação
jornalística, se esta conclusão não passasse de uma presunção
pueril.
Em 73, com o giz numa mão e o microfone em outra,
quando estas possíveis profissões além da engenharia ainda
eram flerte, apresentou-se à minha frente a oportunidade de
um concurso público. Esquecendo-me da concorrência de uma
seleção extremamente disputada, avancei para os sonhos que
estavam adiante de mim.
Ouso descrever a sensação agradável de uma prova bem
sucedida, valendo a conquista de um emprego por muitos de-
sejada, como se atleta fosse!
Atento centroavante na entrada da área e uma bola alça-
da fora do alcance do zagueiro, oferecendo-se para um dispa-
ro de quem rapidamente está livre de marcação. Músculos da
coxa retesados para um arremesso de primeira, um sem-pulo
no ângulo, voleio com indefensável petardo, que faz o atacante
correr para o abraço e celebrar com a torcida. Foi com a alegria
de quem marca um gol de placa decisivo, que reagi silenciosa-
mente, de férias em Quatiguaba, minha aldeia, quando escu-
tei pelo rádio, num programa esportivo, o anúncio de minha

126 Seminário da Betânia – 96 anos


aprovação no Banco do Brasil pelo radialista e companheiro
William Vasconcelos.
No dia 01.07.75, recebi um telex de parabéns da direto-
ria do BB pelo lucro da agência onde assumi no dia anterior,
dia do balanço semestral. Claro que era um bem-humorado
trote ao funcionário calouro.
Surpreendeu-me os suficientes proventos de um só em-
prego que superava as três colocações de há pouco. O morar
estreante numa cidade litorânea com sua gastronomia e seu
julho fervilhante como recepção, deslumbrava o franzino e re-
catado recém-chegado em Camocim. Intensos dez meses mar-
caram minha passagem na concorrida e bela cidade, local de
meus primeiros passos na jornada bancária.
Retornaria à Princesa do Norte, onde passaria
mais dez meses, seguindo para Fortaleza para o imponen-
te novo prédio da Praça do Carmo, onde fecharia um ciclo
de excelentes cidades do Ceará e ingressaria na vida conjugal
com a Rosa que colhi na rua Domingos Olímpio, antiga rua
da Aurora, Sobral, cidade que insistia em deixar definitivas
marcas no meu viver. Ali estudei, trabalhei e definitivamente
enamorei-me da eleita da minha vida.
Viria então Apodi no Rio Grande do Norte além de São
João dos Patos e Colinas no Maranhão da Amazônia Legal, lu-
gares que por espontânea vontade, através de concorrência, via-
jamos comissionados, estimulados não só pelas vantagens finan-
ceiras, mas, dispostos a participar do avanço econômico e social
daquelas regiões. De fato, ao sairmos de cada uma das cidades,
não as deixávamos como havíamos encontrado, melhorias e pro-
gresso haviam chegado para ficar.
Retornaríamos à cidade grande, fazendo uma parada em
Mossoró.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 127


Chegava o momento de retornar à Fortaleza, eu e minha
amada Rosa Lúcia. Depois de uma década de casados e uma ines-
quecível peregrinação pela Amazônia legal e nordeste brasileiro,
trazíamos na bagagem mais três vidas: João Marcos, oito anos,
Daniel, quatro anos e Lucas, seis meses de idade.
Com os filhos estudando em Fortaleza, vinha-me à
mente um possível encontro deles em sala de aula com um
contemporâneo meu, do Sobralense ou da Betânia, e pulsante
era a minha alegria, quando isto acontecia.
Lucas, o caçula, hoje oficial da Marinha Mercante, chefe
de máquinas, já deu volta ao mundo em viagens como pro-
fissional. Antes, quando estudante no Colégio Christus, tra-
zia-me notícias do professor Orion Paiva, que magistralmen-
te colocava a garotada para redigir.
João Marcos, o primogênito, fazia-me rasgados elogios
ao Prof. Dr Lucivan Miranda, seu orientador na Medicina
UFC. Mestrado em Saúde Pública e Doutorado em Cirurgia,
João Marcos é médico do Hospital Universitário de Brasília -
HUB / UnB e Diretor do Hospital da Região Leste - HRL/
GDF em Brasília, requisitado recentemente pelo Ministério
da Saúde.
Daniel, hoje no MPF, fazendo mestrado na Universi-
dade do Minho, Portugal, empolgado com o casarão da Praça
Clóvis Bevilacqua, onde formou-se em direito, trazia-me belas
informações do mestre-intelectual Dr Régis Frota.
Gratidão tributamos aos mestres betanistas e como não
se paga o real valor do ensinamento, resta-nos expressar nossa
gratidão sugerindo que certamente apropriaram-se das palavras
do MESTRE: “De graça receberam, de graça deram”.1
Perdas e ganhos fizeram parte da caminhada, mas o êxo-
do teria valido a pena e a operosidade na seara continuaria.

1
Mt 10.8 “b”

128 Seminário da Betânia – 96 anos


“Estava Moisés a cuidar do rebanho do sogro, expediente
normal de sua lida diária, quando do meio de um arbusto espi-
nhento, Deus falou.” 2
Do meio “do nada importante” Deus convoca aquele he-
breu fugitivo, para mudar o rumo da história. Podemos tam-
bém ser surpreendidos por Deus ao realizar o trabalho simples
do dia a dia.
Recentemente à frente de uma Associação Assistencial
Filantrópica da igreja AD CIDADE, também voltada para os
cuidados com crianças em estado de vulnerabilidade, chega-
mos a lugares inóspitos dos bairros Sapiranga e Tancredo Ne-
ves, em Fortaleza.
O Projeto Cidade Criança, um dos momentos práticos do
evangelho pregado, em parceria com a Compassion do Brasil, al-
cançou quatrocentas crianças, cuja maioria foi muito cedo apre-
sentada às drogas e às armas e agora escuta a mesma voz, que foi
emitida do espinheiro que ardia e não se consumia.
Do casarão da Betânia para o trabalho que nos foi con-
fiado em cada etapa da vida, certamente o propósito de servir,
aprendido ali e chancelado pelas Escrituras, nos fizeram pro-
fícuos.
O apóstolo dos gentios assim recomendou aos cristãos,
sobre a responsabilidade em seus ofícios: “Tudo o que fizerem,
façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os
homens, sabendo que receberão do Senhor a recompensa da
herança. É a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo”.3
Somos gratos a Deus por estas instruções terem saltado
os muros da Betânia para o cotidiano do nosso lícito labor,
com profunda influência na geração que nos sucede.

2
Ex 3.1-4
3
Cl 3.23

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 129


“Agora que estou velho, de cabelos brancos, não me
abandones, ó Deus, para que eu possa falar da tua força aos
nossos filhos, e do teu poder às futuras gerações”.4

Benfeitores: Mons. Tibúrcio Gonçalves de Paula, Vigário de


Tianguá – Ce.; Padre José Linhares Ponte – Diretor do Colé-
gio Sobralense Padre Osvaldo Carneiro Chaves – Mestre

130 Seminário da Betânia – 96 anos


ADULTOS CHORAVAM DE ALEGRIA

João Ribeiro Paiva


(De Groaíras, Bancário, Professor/Letras/Revisor de Textos, em Sobral-Ce)

Q ue seria de mim se não tivesse passado pelo Seminá-


rio da Betânia? Talvez tivesse ficado lá nas brenhas onde nasci,
puxando enxada, tangendo gado, lá na foz do rio Jacurutu, nos
sertões de Groaíras.
No Seminário tivemos excelentes professores, que nos
preparavam, com esmero, para ser padres. Mas era tão bem
feita esta preparação que, mesmo seguindo por outros cami-
nhos, todos os ex-seminaristas que conheço são excelentes nas
profissões que escolheram.
Quanto a mim, tive no Padre Osvaldo Carneiro Chaves
o meu melhor preparador para a vida laborativa. Tornei-me
professor de recuperação de Português, no Colégio Sobralense,
logo que deixei o Seminário. Nos meus queixos já apareciam os
primeiros sinais de barba quando desobriguei meu pai de des-
pesas com a minha manutenção. Consegui também emprego
na Escola Profissional, dirigida pelo Mons. Aloísio Pinto. Não
nos conhecíamos. Preparei-me bem para pedir-lhe o emprego.
Ensaiei a conversa diante de espelho. Agarrei-me na bainha da

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 131


saia de Nossa Senhora. Já havia observado a rotina do Mons.
Aloísio, que às quatro horas da tarde, após tomar banho, sen-
tava-se numa cadeira de balanço, na sala de sua casa, na rua
Domingos Olímpio, para ler o breviário. Disseram-me que era
um homem áspero. Falava pouco e alto. Enfrentei a fera. Mas,
que surpresa, no meio da minha conversa cuidadosamente pre-
parada, interrompeu-me aos gritos:
– João Ribeiro, foi Deus que te mandou aqui! Estou preci-
sando de uma pessoa como tu!
Trabalhei um ano na Escola Profissional São José. Mas
com as perseguições da ditadura militar, pelo meu engaja-
mento no movimento estudantil, tive que me mandar para
Brasília e de lá para o Rio de Janeiro. Cerca de dois anos de-
pois, eu estava voltando para Sobral. Era-me acenada a pos-
sibilidade de trabalhar no Movimento de Educação de Base
(MEB), que era financiado pelo MEC com metodologia de
trabalho orientada pela CNBB. Mas quando cheguei a So-
bral, a vaga já tinha sido ocupada pelo Padre Albani Linha-
res. Voltei à Escola Profissional, desta vez como diretor, pois
o Mons. Aloísio estava se candidatando a deputado estadual
e precisava se afastar de suas funções na Escola. Aqui, abro
um parêntese para dizer que o vice-diretor era o Padre Tu-
pinambá, aquele mesmo que nos amedrontava com seu olhar
rigoroso nos corredores do Casarão da Betânia, agora se es-
merava em obediência a mim, eu tão sem jeito de ser seu su-
perior hierárquico. É que também fora betanista e bem sabia
a importância da disciplina.
Fiquei poucos dias na Escola Profissional. A direção
nacional do MEB não aceitou o Padre Albani, pois seus fun-
cionários tinham que ser leigos. Fui trabalhar no MEB, três
anos alfabetizando jovens e adultos e já preparando as comu-

132 Seminário da Betânia – 96 anos


nidades eclesiais de base. Mas continuavam as perseguições
da ditadura militar. Tínhamos um programa radiofônico,
que, antes de ir ao ar, tinha que passar pelo departamento de
censura da polícia federal. O nosso colega Leunam Gomes
coordenava o MEB de Fortaleza; eu, o de Sobral. Um dia
fomos intimados a depor nos tribunais da ditadura. Passamos
por vários inquisidores, uns até educados, outros agressivos,
violentos. Em certo momento eu estava literalmente acuado.
Queriam saber por que eu tinha voltado do Rio de Janeiro
para Sobral. Certamente pensavam que era obedecendo or-
dens de Moscou. Eu já percorria o olhar assombrado pelas
salas vizinhas se havia por ali algum equipamento de tortura.
Foi o Leunam, que estava mais encrencado do que eu, en-
carnando o espírito do Rei Salomão, sabiamente, mas com
aparente ingenuidade, me advogou:
– Ele voltou porque está apaixonado, e a namorada dele
mora em Sobral.
Neste momento o inquiridor sorriu. Talvez também
amasse, e bem sabia como a distância é cruel para quem
ama. Também sorri, aliviado. Não seria desta vez o pau de
arara.
Do MEB passei para o Banco do Brasil, empresa a que
servi durante 23 anos, 15 deles como gerente geral de agências.
Aposentei-me em 1997.
Logo o Leunam, que era Pró-Reitor de Extensão da
UVA, me convidou para trabalhar com ele. Confiou-me a co-
ordenação dos programas de alfabetização de jovens e adul-
tos (Alfabetização Solidária e Brasil Alfabetizado). Fizemos
um excelente trabalho. Muitas vezes marejavam-se de lágri-
mas nossos olhos, vendo adultos chorarem de alegria porque
tinham aprendido a ler e a escrever. Quanta felicidade expres-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 133


sava aquele choro! Nossa ação atingiu cerca de 50 municípios
do Ceará, 4 do Piauí e 3 ilhas do Arquipélago de Cabo Verde,
na África.
Hoje sou revisor de Língua Portuguesa. Faço revisão
de livros e da Revista Essentia, publicados pelas Edições
UVA. Recebo, para revisão, teses, artigos científicos e livros
de vários estados do Brasil, o que é muito bom para não ficar
na ociosidade.
Como disse no início deste artigo, devo muito ao Padre
Osvaldo pelos sucessos que tenho alcançado na vida. Aprovei-
tei-me dele até os últimos dias de sua vida. Além dos quatro
anos de Seminário, foi meu professor na Faculdade de Le-
tras. Visitava-o permanentemente. Mas ainda achei pouco e
fui morar vizinho a ele, para beber diariamente do seu imenso
saber. Num dia 21 de janeiro, dois anos antes de sua morte,
eu e Leunam fomos visitá-lo. Seus amigos comemoravam seu
aniversário no dia 21 de outubro, mas ele mesmo o fazia no dia
21 de janeiro, dia de sua concepção. Nesta visita ele nos pediu
que não deixássemos cair no esquecimento a poesia do Padre
Antônio Tomás. Pediu-me que fizesse uma revisão rigorosa,
pois havia muito erros gramaticais, inclusive de metrificação,
nos seus versos. Não que o Padre Antônio Tomás tenha co-
metido tais erros. Resultaram de cópias descuidadas e das ti-
pografias por onde passaram seus versos. Não mais existem
os originais. Prontificou-se para me ajudar nesta empreitada.
Foi muito importante a sua participação neste trabalho. Havia
situações que, sem ele, eu não saberia resolver. Cito, por exem-
plo, a palavra “sincero”, no 2º quarteto do soneto Campesina,
no livro publicado pela Dona Dinorá Tomás Ramos. É para
ser cincerro, pequeno chocalho que se coloca no pescoço da
égua que guia o lote. Neste momento o Padre Osvaldo até

134 Seminário da Betânia – 96 anos


se gabou: “Vale a pena, Ribeiro, viver 94 anos, para saber resol-
ver um caso deste”. Infelizmente não nos foi possível atender o
pedido do nosso mestre: alguns membros da família do Padre
Antônio Tomás não nos permitiram publicar seus versos, o que
faríamos pelas Edições UVA.
Já tive muitos sucessos na vida. Graças a Deus. Devo
muito ao Seminário, aos meus colegas da turma de 64, que
encarávamos com muita seriedade os nossos estudos, e, sobre-
tudo, ao Padre Osvaldo que investiu no menino matuto da foz
do rio Jacurutu, lugar que de quando em quando visito, para
vivificar a saudade da minha infância.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 135


SEGUINDO OS DONS QUE CONDUZIA

José Abner Melo Carvalho


(De Guaraciaba do Norte – Historiador, Auditor Fiscal, Construtor,
em Brasília-DF)

Dons múltiplos espalharam-se pelas jovens inteligên-


cias dos alunos no Seminário da Betânia.
A intelectualidade e cultura transitavam entre eles com
a naturalidade das coisas comuns. Inserido neste meio seleto,
estava eu, não entre os primeiros, porém com muita vontade de
não ser um dos últimos.
Admiráveis eram os amantes da oratória, cuja palavra
fluía com uma desenvoltura rara. Notáveis os que dominavam
línguas, a ponto de usá-las em colóquios entre eles. Justo eram
os aplausos aos que usavam a música e manejavam os instru-
mentos com a facilidade de profissionais. Na pintura e o dese-
nho estava eu, admirando e invejando os que cultivavam estas
nobres artes.
Quando deixei o Seminário, ao definir os rumos de mi-
nha vida, resolvi seguir os dons que estavam comigo desde a
infância. Estudei desenho artístico e arquitetônico, na escola
Industrial de Fortaleza, fiz pintura e artes plásticas no con-

136 Seminário da Betânia – 96 anos


servatório da Universidade Federal do Ceará. Ampliei meus
conhecimentos e me senti preparado para seguir o que queria
para a vida.
Procurei, entre muitos, um destino e achei Brasília, onde
pretendia estar entre os amantes da arte de retratar desejos.
Aqui cheguei e as facilidades propagadas não existiam. A fuga
de oportunidades, levadas pela escassez de meus recursos po-
voava, meus já debilitados, pensamentos. O retorno levaria co-
migo o sabor mastigado da derrota e castigaria profundamente
minha alma. Restaram as torturas, atormentando meu futuro.
Na minha mala, ainda estava oculta a competência em que
tanto eu confiava, e meus valores definhavam. Aqueles tem-
pos, vivi na dificuldade, onde quase visitei o sofrimento dos
desvalidos.
Procurando saída cheguei ao tempo em que vivi a felici-
dade, senti o amor de Deus e vindo com ele a frase verdadeira
que tanto ouvia nos tempos na Betânia: Ad majora natu sum:
Nasci para coisas mais elevadas.
Um susto acordou-me zangado, procurei um culpado e
só em mim cheguei. Olhei para o céu, humilhei-me e clamei
por ajuda, senti portas se abrirem em minha volta. A capaci-
dade adormecida se levantou, gritando e trazendo minha von-
tade de viver vencendo. Agradecido, lutei, trabalhei e usei o
aprendizado que tive em minha terra e em tempos minguados
iniciei a prática do dons que Deus, em sua infinita bondade,
proporcionou para a minha subsistência.
Com o incentivo valoroso de minha mulher e com a
ajuda de muitos, senti o gosto bom das benesses de Brasília,
a cidade que me adotou como filho e, tempos depois, me co-
brou em servi-la. Com a esperança dos que têm fé, mostrei mi-
nha competência de trabalhar com honra e capacidade. Fui à
luta, concorri com muitos, venci com a presteza e honestidade.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 137


Quando mostrei minhas especialidades, conquistei a confiança
de uma invejável e seleta clientela. Saí da informalidade para a
Escala -Projetos de Arquitetura e Engenharia, empresa onde eu
era titular.
Técnicos e profissionais de bom currículo e experiência
comprovada, foram meus colaboradores. Engenheiros como o
Dr. Elias José de Oliveira e Dr. Camilo Severiano de Oliveira
muito me ajudaram. Dr. Vivaldo Martins, a quem não perco
oportunidade de homenageá-lo, foi fundamental em minha
vida de trabalho. Por sua capacidade e experiência foi chama-
do para ocupar um importante cargo no governo do Distrito
Federal. Ao compor sua equipe de trabalho, convidou-me com
insistência, fui convencido a auxiliá-lo chefiando obras impor-
tantes de sua administração. Para o cargo fiz concurso e fui efe-
tivado como funcionário de exclusividade para o governo.
Minha empresa ficou com um sócio que posteriormente
se tornou titular. Como funcionário público, fiz vários cursos,
prestei relevantes serviços a Brasília. Sempre galgando po-
sições, através de meus valores tornei-me Auditor Fiscal de
Atividades Econômicas, onde, com a honestidade que sempre
me carrega, exerci meu ofício com lisura e prazer. Anos se pas-
saram e a data esperada chegou. 40 anos se foram e aqui esta-
va o último janeiro, a despedida corroía a minha alma que se
apegava às alegrias do dever cumprido e meus valores morais
preservados.
Sabendo que o envelhecer é obrigatório e o amadure-
cer é opcional, o tempo ensinou-me a amadurecer e o reverso
da vida amenizar. Sempre lembrando que “tudo posso naquele
que me fortalece”. Rodeado de minha família, assistimos o filme
da minha vida, cujo maior protagonista é Jesus, a quem todos
aplaudiam, fervorosamente. E me admiravam e torciam como
humilde coadjuvante.

138 Seminário da Betânia – 96 anos


A CHAMA, JAMAIS APAGOU!

José Armando Ponte Dias


(De Sobral -Ce. Engenheiro Civil – Consultor de Projetos, em Fortaleza-CE)

O Seminário da Betânia fez parte de minha história,


numa das fases mais belas da vida - a adolescência. Foi aí que
recebi uma sólida e integral formação humana: física, psicoló-
gica, intelectual, moral, ética, social, espiritual e acima de tudo
cristã. Preparou-me para vida, num contexto de uma realidade
bem diferente da de hoje, porém condizente com os tempos,
que agora percebo numa perspectiva diacrônica: que foi muito
bom. Será que a única razão de eu entrar no seminário foi
para ser Padre? Com certeza, eram apenas quimeras e um vago
desejo, mas na verdade, não era minha vocação, no fundo eu
queria viver no mundo, ter novas experiências, novos desafios e
ao final constituir uma família.
O essencial, e bom mesmo, é hoje constatar que, o se-
minário me preparou e repassou-me as ferramentas necessá-
rias para vida, mesmo que com alguns senões, o que é natural.
Àquela época, e mesmo em Sobral, creio que não teria melhor
oportunidade de formação intelectual e que ainda forjasse meu
caráter e minha personalidade. É evidente que se soma a este

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 139


fato, a excelente formação humana e cristã que recebi de meus
pais, adocicada com muito amor.
O cerne do conteúdo da formação intelectual transmi-
tida no Seminário era, fundamentalmente, humanista, mas
eu desejava, como já comentei, novas experiências e desafios
e logo pensei em buscar uma Faculdade na área das Ciências
Exatas e, por coincidência, surgiu uma oportunidade de uma
seleção para bolsista da SUDENE para cursos em Faculdades
de Ciências, com provas de conhecimentos gerais, teste psi-
cológico e outros, a qual me submeti, ainda em Sobral e para
minha satisfação fui muito bem aprovado, demonstrando de
início, que eu havia sido bem preparado no Seminário e estaria
apto para alcançar novas conquistas.
Assim, cursei a Faculdade de História Natural na Uni-
versidade Federal de Pernambuco e, ao mesmo tempo, a Fa-
culdade de Engenharia Civil na Escola Politécnica de Per-
nambuco. Ao concluir o curso de História Natural, consegui
a transferência para a Escola de Engenharia da Universidade
Federal do Ceará, nos dois últimos anos. Estes relacionamen-
tos acadêmicos enriqueceram minha vida no saber e com sau-
dáveis amizades.
Iniciei as atividades profissionais em 1971 como En-
genheiro em construção civil em Fortaleza, e trabalhei numa
empresa de consultoria e projetos – Planos Técnicos do Brasil
– de 1971 até 1973.
Após conquistar uma estabilidade financeira suficiente
para constituir uma família, em 1974, tomei a decisão de con-
trair matrimônio com minha amada Tereza e, juntos, constru-
ímos uma família, minha verdadeira vocação e grande êmulo
em minha vida. Temos três filhos, todos casados, e 6 netos (5
homens e uma mulher); dois filhos médicos em Fortaleza e um

140 Seminário da Betânia – 96 anos


filho na Magistratura em Natal-RN. Somos amigos e solidários
e com eles sempre partilhamos nossos valores, sabendo respeitar
suas individualidades e seus “tempos”.

Submeti-me ao concurso de seleção para Engenheiro no


DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
– hoje DNIT, onde fui aprovado em excelente colocação. Ao
longo de minhas atividades, e para melhor desempenho pro-
fissional, fiz vários cursos de pós-graduação: em Engenharia
Rodoviária, Pavimentação e Hidráulica Aplicada e em Constru-
ções Rodoviárias, além de outros cursos de menor carga horária.
Dediquei-me com afinco, esforço e paixão no cumprimento
das minhas obrigações profissionais.
Desempenhei as funções de Engenheiro Residente Re-
gional, em Sobral de 1973 a 1975, e em Russas entre 1976 e
1978. Vale aqui ressaltar que, no período em que estive em
Sobral fui convidado a dar aulas no Curso de Engenharia
Operacional que funcionava no antigo Seminário da Betânia,
o que me trazia grandes lembranças dos bons tempos ali vivi-
dos. Após este período vivendo uma experiência de “campo”
no interior, fui transferido para Fortaleza, exercendo diversas

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 141


funções na área de engenharia, sendo responsável pelas Obras
de Duplicação da BR 116, construção do Anel Rodoviário e
com vasta experiência na supervisão e acompanhamento de
obras e manutenção de engenharia rodoviária tais como pon-
tes, viadutos, implantação e pavimentação etc. Nestas missões
busquei sempre dar o meu melhor, cônscio de meus deveres
como funcionário público, voltado aos interesses maiores de
nosso país e dos usuários dos serviços por nós prestados.

Creio que, fruto do meu desempenho, dedicação e currícu-


lo fui indicado para Direção Regional do DNER, em todo estado
do Ceará, de 1985 a 1991, cargo de chefia na hierarquia do órgão
em nível estadual; neste período estava sob responsabilidade do
então DNER, a Polícia Rodoviária Federal, que, naquele momen-
to, estava afeta ao Ministério dos Transportes /DNER
Confesso que enfrentei dificuldades e desafios, muitas
vezes com escassez de verbas orçamentárias para manter uma
melhor qualificação de nossas rodovias, problemas burocráti-
cos e outros, que refletem a realidade da administração pública
de nosso país, mas acima de tudo, tenho consciência de ter
dado o melhor que podia. Pratiquei uma gestão com espírito

142 Seminário da Betânia – 96 anos


de colaboração, harmonia e ética e respeito, tratando com dig-
nidade a todos os funcionários, nossos colaboradores, parceiros
e usuários.
Após aposentadoria do serviço público, fui convidado
para dirigir, em continuidade, uma empresa de hotelaria da
família de meus pais e tios em Fortaleza – trata-se do Hotel
Amuarama, que, atualmente, completa 43 anos de existência.
É mais um desafio e ótima experiência em minha vida, desta
vez numa empresa privada e familiar. Na conjuntura atual de
pandemia causada pelo covid-19, enfrentamos um sério im-
passe, sendo a hotelaria/turismo um setor dos mais afetados
da economia e é assim que lidamos com mais um desafio com
a maturidade e experiência adquiridas. Administramos com
base em princípios éticos e com consciência social, gerando
empregos à muitas famílias, prestando bons serviços aos nos-
sos hóspedes e frequentadores e adotando como diretrizes: vi-
são, missão e valores condizentes com princípios onde, ao final,
possamos contribuir para um mundo melhor! Ressalto aqui
nosso reconhecimento aos familiares sócios que confiam em
nosso trabalho e com os quais mantemos excelentes relaciona-
mentos e respeitosa amizade, sempre priorizando a união da
família sem prejuízos aos interesses empresariais
Ressalto que a chama da espiritualidade, que havia sido
alimentada em nossa estada no Seminário, jamais apagou e as-
sim retomamos minha esposa e eu, nosso compromisso de Igre-
ja; de reinício fizemos o Encontro de Casais com Cristo – ECC,
na Paróquia da Paz em Fortaleza em 1991 e lá ainda estou en-
volvido nas atividades pastorais, tendo participado inclusive no
Conselho Econômico, mantendo sempre cordialidade e amiza-
de com os párocos e paroquianos.
Juntos, como casal, ingressamos nas Equipes de Nossa Se-
nhora – ENS – que é um movimento de formação, com ênfase

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 143


na espiritualidade conjugal e como sempre nos envolvemos e
prestamos nossos serviços em diversas atividades, sendo inclu-
sive Casal Responsável por um Setor, em Fortaleza. As ENS
são acompanhadas por sacerdotes que denominamos – Conse-
lheiros Espirituais com aos quais convivemos com muita fra-
ternidade.
Participo ainda do Rotary Club em Fortaleza desde
1986 onde já fui presidente (anos 1996/1997) e ainda hoje
contribuo na função de tesoureiro. O lema do Rotary, que é
um clube de serviços, é “dar de si antes de pensar em si” e nos
proporciona a oportunidade de prestar serviços às comunida-
des mais carentes, além de manter laços humanos de muita
amizade e companheirismo
Estes relatos de minha vida profissional, familiar e social,
mesmo com erros e acertos, certamente, não se dissociam da
formação que adquiri no Seminário da Betânia e de meus pais,
são graças e dom de Deus que terei que partilhar com todos.

144 Seminário da Betânia – 96 anos


SEMINÁRIO DA BETÂNIA:
UM DEPOIMENTO

José Cândido Fernandes


(Na Betânia: 1951/1956)

Leunam solicitou aos Betanistas um texto sobre a


“contribuição do Seminário na nossa formação humana e pro-
fissional”. Aqui vai o que me passa.
Estou com 84 anos. Nesta caminhada e fazendo uma re-
trospectiva, constato que os seis anos que passei no Seminário,
sem sobra de dúvida, foi o tempo que mais me marcou. Foi
formada a minha personalidade. Tudo conduzia a uma acentu-
ada formação moral, intelectual e espiritual.
No fim de cada mês, era lido o boletim de aproveita-
mento e começava assim: “Regulamento, Aplicação, Urbanidade,
Asseio e Capela...”
A seguir, vinham as Notas, propriamente, escolares. De-
pois o Padre Austregésilo fez algumas modificações. Lembrei
isto para dizer o quanto estes valores ainda são importantes
hoje em nossa cidadania.
A vida comunitária era fundamental na construção do
compromisso e solidariedade concretas. Nos dava uma estru-
tura. Tínhamos um conhecimento cognitivo e reflexivo.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 145


Depois da Betânia, continuei o caminho: Filosofia e Te-
ologia. Cheguei ao Diaconato. Depois de um ano de experien-
cia, vi que ser padre não era a minha...
Tive quer reorganizar a minha vida acadêmica, Prosse-
gui na área das ciências humanas e sociais. Fiz o curso de Ci-
ências Sociais e Direito. Optei pelo Magistério como profissão,
lecionando no curso superior. Fiz disto um Sacerdócio.
A disciplina, a pontualidade, o rigor acadêmico e o com-
promisso adquiridos lá na Betânia me guiavam.
Tentava passar, com igual firmeza, o conhecimento cog-
nitivo formal e o reflexivo crítico. Num segundo momento,
Deus me deu a graça de voltar à Betânia e, desta vez, trabalhan-
do na UVA, no mesmo espaço físico e emocional. Lá fiquei por
quatorze anos.
Minha caminhada, consciente e inconscientemente, con-
vive com aquela experiencia tão marcante, sobretudo no nível da
espiritualidade. O Seminário me deixou um certo rigor que co-
bro de mim mesmo. Deixou-me o hábito da leitura e do estudo.
Fundamentalmente, nos deu uma mística que nos leva a uma
militância e uma utopia que nos alimentam em tempos difíceis.
Esta experiencia vivida há 60 anos, continua forte e me ali-
mentando como ser humano, cidadão e Professor aposentado.

O PODER DA INFLUÊNCIA DE UM MESTRE, NA VIDA DE


SEU DISCÍPULO
por Francisco Eliandro

Conheci o Mestre José Cândido no início do ano 2009,


como coordenador e professor do curso de Teologia das Fa-
culdades INTA, atual UNINTA. Estava no início do curso de
Teologia, e o Me. José Cândido lecionava algumas disciplinas,
dentre as quais, História do Cristianismo, ministrada no se-
gundo semestre.
Ao iniciar a disciplina, logo na primeira aula, antes de en-
trarmos no seu conteúdo formal, o prof. Me. José Cândido levan-
tou uma questão que mexeu com o meu ser: “O que está por trás

146 Seminário da Betânia – 96 anos


de todo o desenvolvimento do cristianismo e o que significa a passagem
bíblica, expressa pelo apostolo Paulo, “(...) quando chegou a plenitude
dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido também
debaixo da autoridade da Lei, (Gálatas 4:4)”? Foi proposta: a reve-
lação de Cristo e a plenitude dos tempos, como ponto de partida.
Levantaram-se também outras questões: a revelação foi um mila-
gre? Um ato mágico? Um click em um aplicativo de foto?
A partir daquele momento, eu comecei a criar um vínculo
de aprendiz e mestre, ao ponto de levarmos a temática até o
meu trabalho de conclusão de curso. Durante todo o curso de
Teologia, eu fui apadrinhado pelo prof. José Cândido. Estava aos
seus pés e bebendo todo o conhecimento que ele me passava,
relatando suas experiências em Roma, durante o seu curso de
Teologia. Eu, um jovem que durante toda a minha vida tinha
sofrido com a ausência de pai, havia encontrado um pai inte-
lectual que marcaria toda a minha existência, não só como um
professor, também como um pai que, muitas vezes, me orientou
para o crescimento ético, intelectual e profissional.
A presença do professor José Cândido em minha vida
foi tão marcante, ao ponto de eu ter entrado em um mestra-
do, doutorado, me tornado professor do ensino médio e en-
sino superior, ter desenvolvido uma visão teológica madura,
ter aprendido a valorizar a vida, me tornado coordenador do
curso de Teologia e ter assumido o cargo que, anteriormente,
ele ocupava. Tudo isto graças às suas orientações.

Professores: Luís Alexandre, Francisco Eliandro, Ir. Marly Carvalho e José Cândido

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 147


O Mestre José Cândido, não foi só um professor e
orientador em minha vida, ele foi um pai que, por meio de
sua influência, fez com que o menino crescido na periferia, o
menino que estava sem perspectiva de vida, que tinha todos os
motivos para fracassar, existencialmente, pudesse crescer e se
tornar um homem trabalhador, um professor universitário, um
explorador da cultura e das riquezas da nossa América Latina.
Era um filho que encontrou um pai, perante um vida vazia,
com a ausência de um amor paterno.
Sou grato por tudo o que ele fez e faz por mim. Se hoje
sou quem eu sou, eu devo muito ao Mestre José Candido.
Quero expressar o meu carinho e reconhecimento da impor-
tância de sua existência em minha vida, por meio da frase de
Isaac Newton “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de
gigantes.”.

Na celebração dos 20 anos do curso de Filosofia da UVA, foi prestada homenagem ao


Professor José Cândido Fernandes, um dos fundadores. Aí estão os Professores: Luís
Alexandre, Antônio Carlos, José Cândido, Flávio Telles e Ricardo George.

Francisco Eliandro S. do Nascimento


01/07/2021 – Sobral – CE

148 Seminário da Betânia – 96 anos


DISCIPLINA E SENSO DE ORGANIZAÇÃO

José Carlos Ponte Soares


(De Sobral-Ce. Engenheiro Mecânico e Eletricista, Empresário, Professor,
em Sobral-Ce)

P erdi o prazo para participar do livro “AD VITAM“, o


que lamentei; Agora tenho a oportunidade de participar deste
“AD LABOREM “, o que me deixa feliz e lisonjeado, por me
inserir neste GRUPO DE BETANISTAS, “título” o qual te-
nho muito apreço em possuir.
Para início de conversa, contarei como ocorreu meu in-
gresso no Seminário da Betânia, pois minha ida para lá, foi
uma opção natural dos meus pais, mas acordada comigo, pois
já tinha frequentado este local algumas vezes.
Papai, mantinha estreita amizade com a família do Pe.
José Linhares, mais conhecido como Padre Zé, quase vizinhos
dos meus avós e, ainda havia o nosso parentesco.
Assim o Prédio, que impressiona à quem chega a pri-
meira vista, por suas paredes largas e altas, com corredores
compridos, a mim não causou muito impacto, haja vista, já
conhecer o referido ambiente, dos recreios e refeitório, pois
Papai por solicitação do Padre Zé, auxiliou na reforma da

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 149


nova cozinha inaugurada um pouco antes do meu ingresso
no mesmo.
Porém, para minha surpresa, a realidade do dia a dia do
internato a principio, me chocou, quando em 11 de fevereiro
de 1964, me vi só ao anoitecer, na hora do jantar. Então, me
encostei nas grades da sala do primeiro ano, quase em frente a
rouparia dos menores, e desatei em um choro desesperado e
solitário. Logo depois, o Padre Zé, me encontrou e conversou,
me levando com a mão no ombro, para o refeitório.
A adaptação natural, a amizade com os colegas, as orações
e a disciplina, funcionaram e, breve, já não pesava tanto a saudade.
Desde cedo, comecei a ler, incentivado pelo Papai, que
era um leitor compulsivo. E a biblioteca, mais que atividades
físicas esportivas, me fascinou. e enquanto muitos colegas dis-
putavam lugar nas peladas do campo de poeira, e salão, banca
de Gamão e mesas de Ping-Pong, eu ficava absorto com os
livros, não só os de literatura, mas também nas aventuras, sem
esquecer nas que abordavam sobre Aviões, assunto este que
sempre me fascinou, além das que falavam sobre máquinas de
maneira geral. Não me esqueço das leituras de Enciclopédias,
tais como: Delta Larousse e Britânica, que eu adorava, porque
eram ilustradas. Não posso deixar de comentar sobre a coleção
“O MUNDO E NÓS“ que tinha um volume: O Homem e a
Máquina, Maquinas e Motores, que traziam detalhes de má-
quinas a vapor e elétricas, meus preferidos.
No seminário nosso Professor de Ciências foi o inesque-
cível Pe. Osvaldo, que nos incentivou a ler Monteiro Lobato,
com destaque para a História das Invenções e Os Serões de D.
Benta, um achado para quem tinha tendência a Engenharia,
assim como eu.
A disciplina que regia o internato, me permitiu de-
senvolver um senso de organização, e aprender a estudar
sozinho, anotando as dúvidas que surgiam com essa roti-

150 Seminário da Betânia – 96 anos


na, e depois pesquisando em materiais complementares ou
perguntando aos nossos professores. Não posso esquecer o
desenvolvimento do espírito de equipe que nos foi trans-
mitido, pois sem dúvidas este, foi fundamental para minha
vida profissional.

As doutrinas religiosas foram muito importantes, pois os


princípios morais adquiridos no seio de minha família foram
reforçados, consolidando a ideia de solidariedade, buscando a
verdade e o amor ao próximo, sem preconceitos, e valorizando
o que é essencial.
Quando o Seminário passou a ter aulas no Colégio So-
bralense em 1967, para mim, sobralense, perdeu o sentido do
internato, e não voltei mais no segundo semestre. Concluímos
a quarta série ginasial junto com os ex -colegas seminaristas
que permaneceram até o fim do ano, quando a Diocese resol-
veu encerrar o Seminário da Betânia.
Fiz os dois primeiros anos científicos ainda no Colé-
gio Sobralense sob a Direção do Padre Zé e com professores
como: o Pe. Osvaldo, Pe. Lira e o Pe. Luizito, a quem reputo
como minha maior referência e incentivo para minha forma-
ção para minha escolha como Engenheiro Mecânico Eletricis-
ta e, posteriormente, Professor.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 151


Cursei o terceiro científico e o Cursinho em Fortaleza
com alguns colegas ex seminaristas. Fiz vestibular em 1970,
não logrando êxito. Dessa maneira, convidado por um amigo
que já estudava na Paraíba, fui aprovado em 1972, para En-
genhara Mecânica, em João Pessoa, onde colei grau em 1977,
tendo estagiado antes na CIMEPAR –Cimento da Paraíba
S.A. Cimento Zebu.
O Grupo Votorantim tinha começado a ampliação da
Fábrica em Sobral, e me candidatei à uma vaga, mas não tive
sucesso. Vim à Fortaleza onde trabalhei na reforma e amplia-
ção de uma Unidade de Extração de Óleos Vegetais do Grupo
Machado. Terminado o contrato, voltei a Sobral com esperan-
ça do emprego na Fábrica de Cimento.
Não consegui o emprego na Votorantin, mas em sua ter-
ceirizada, a Empreiteira Tecnologia e Montagens (TECNO-
MOT), como Engenheiro de Campo. A facilidade de escrever
me foi de grande valia, pois fui encarregado dos Diários da Obra
e atualização do Cronograma de serviços que serviam de Rela-
tório Mensal para a Fiscalização da Votorantim, para que ela
autorizasse os pagamentos dos encargos.
A Direção da TECNOMOT ficou tão satisfeita, que já
articulava minha ida para o Escritório Central em São Paulo.
Antes disto, perto do fim da obra, fui convocado pela Voto-
rantim, em que nesta, me fizeram uma proposta para perma-
necer na Fábrica, já que a conhecia minuciosamente, em vir-
tude de eu ter acompanhado todo seu processo de montagem.
Em novembro de 1978, passei a compor o quadro de fun-
cionários da Votorantim como Gerente do Departamento de
Autos e Equipamentos, encarregado do Transporte da matéria
prima e Equipamentos de apoio da Pedreira e fábrica.
Um ano depois, quando o Departamento estava orga-
nizado e cumprindo as todas as programações, fui transferi-

152 Seminário da Betânia – 96 anos


do para Gerência de Manutenção Industrial, onde fiquei até
1982, quando fui para Fortaleza gerenciar a Manutenção da
Cia Brasileira de Estruturas Metálicas (CIBRESME).
Mas não posso deixar de registrar um fato, pois nem
só de funções laborais a gente vive, não é mesmo? Então, um
pouco antes, em 1981, me casei com Maria de Fátima Rocha
Lopes, que com nosso casamento passou a se chamar Maria de
Fátima Lopes Soares, natural de Acaraú, de quem fiquei viúvo
em junho de 2019, depois de 38 anos de casados.
Vale ressaltar que o contrato da CIBRESME foi so-
mente de um ano, após o fim do mesmo, retornei à Sobral,
onde lecionei na Fundação Vale do Acaraú, antigo IVA, a Dis-
ciplina de Física II, até ser convocado pelo Diretor Técnico
da Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial (NUTEC), o
Engenheiro Químico Walter Schimelpheng, sobralense e meu
amigo de infância à Gerenciar a Unidade do NUTEC na ci-
dade Tianguá entre 1984 e 1985. Em seguida sendo transfe-
rido para unidade de Sobral, até ela ser desativada no ano de
1998. Após essa desativação, me transferi para exercer minhas
atividades laborais na Universidade Estadual Vale do Acaraú
(UVA), dentro da referida Instituição, ajudei a implantar o
Centro de Ensino Tecnológico do Ceará (CENTEC). Sendo
transferido para ele, onde fui Coordenador de Curso por duas
ocasiões. Com a Federalização do CENTEC/Sobral em 2008,
fiquei cedido ao Instituto Federal do Ceará (IFCE), até minha
aposentadoria pela UVA, que ocorrera em 2014.
Assim, sigo com fé e esperança, com força ainda luto por
dias melhores, mas acima de tudo me sinto um vitorioso, por
tudo que tive e tenho a oportunidade de viver.
Merece apresentar para vocês que, da minha união com
a Maria de Fátima Lopes Soares nasceram:

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 153


Bruno Lopes Soares, Advogado, atual Sócio Gerente da Sobral Telecom / VIVO, Soares
& Moreira / VIVO, Tauá ; Soares & Moreira /VIVO, Iguatu. Carla Lopes Soares
Medeiros, Cirurgiã Dentista, Especialista em Ortodontia, casada com um casal de
filhos. Stela Lopes Soares, Graduada em Educação Física, Pedagoga e em Fisiotera-
pia, Mestra e cursando o Doutorado na Universidade Estadual do Ceará (UECE),
professora universitária, casada, à espera de sua primeira filha.

A alegria de ter os filhos educados e brilhando em suas


profissões, é uma conseqüência da educação que conseguimos
proporcionar e transmitir a eles, os valores de uma educação
baseada nos Princípios Cristãos, consolidados com a educação
adquirida no Seminário da BETÃNIA. Fazer parte deste sele-
to Grupo me enche de orgulho.
Sem dúvidas, a inserção no referido local foi essencial
para meu crescimento pessoal e profissional, assim como re-
verberou no seio de toda minha família, hoje sou grato por
tudo que sou e vivi, além de todos os ensinamentos, ainda levo
comigo todas as amizades que conquistei nos anos em que lá
fiquei, assim como, frutos da minha inserção no mesmo.
Aqui me despeço saudoso, aguardando ansioso pelos pró-
ximos passos traçados para minha história, quer dizer, a nossa.

Saudações, Zé Carlos!
No Seminário da Betânia entre 1964 à julho de 1967

154 Seminário da Betânia – 96 anos


SER OU NÃO SER PADRE...
ANTROPÓLOGO E PROFESSOR

José Carlos Sabóia


(De Sobral-Ce. Sociólogo, Antropólogo, Professor, no Rio de Janeiro-RJ)

E ntrei no Seminário Diocesano de Sobral em 1957,


no 5º ano de Admissão. Minha família morava em Sobral,
mas meu pai, agrônomo e servidor público, foi nomeado para
o Posto Agrícola Aires de Sousa, no povoado Jaibaras, há 22
km de Sobral. Levou a família, minha mãe e os sete filhos
para um local em que a escola só tinha até o 4º ano primário.
Aos dez anos de idade acompanhei a decisão do meu futuro:
ser internado no Seminário de Sobral, considerado o melhor e
mais disciplinado colégio da cidade e, além disso, ser ordenado
Padre! Me embutiram uma vocação sacerdotal com a garantia
de um futuro adequado às expectativas de sucesso da família.
Com onze anos de idade, o internato no Seminário foi
chocante: uma batina preta pesada e quente, obediência aos
horários do exercício físico matinal, missa, refeições, aulas, es-
tudo, esportes e andar numa fila interminável de aproxima-
damente duzentos seminaristas. Minha socialização nestes
valores educacionais e disciplinares foi lenta e se refletia na

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 155


péssima aprendizagem. Nunca conversei com meus pais sobre
essa nova formatação da vida e meu despreparo e desinteresse
intelectual com o estudo. A única disciplina que me motivava
era, português, as aulas do Pe. Osval-
do Chaves. Aprendi a ler criticamente
a literatura brasileira. Li muitos livros
estimulado pelo meu pai e, a partir da
aprendizagem com o Pe. Osvaldo, co-
mecei a entender a formação da Cul-
tura e Sociedade brasileira. Li toda a
obra de Machado de Assis, Graciliano
Ramos, Jorge Amado, Gilberto Freire,
Celso Furtado e tentei compreender o
linguajar de outras culturas com Miguel de Cervantes, Feodor
Dostoievski, Leon Tolstói e Victor Hugo. Apesar de gostar de
ler contextualizando a criação literária, não conversava com os
colegas e amigos sobre esse meu mundo oculto e prazeroso.
Lembro de algumas perguntas ao José Célio Fonteles e Vi-
cente Mourão sobre Filosofia, Teatro e Cinema e de alguns
diálogos com o Antônio Martins.
Guardo uma bonita lembrança da minha vida cultural e
intelectual neste período quando da encenação do monólogo de
Pedro Bloch “As Mãos de Eurídice” feita pelo Albeci Carneiro.
Um dos melhores momentos da minha vida no Seminário.
A partir de 1962 reneguei o tributo vocacional sacerdo-
tal, a mim atribuído pelo meu pai. Sem buscar uma orientação
espiritual e vocacional e intuindo a ameaça de um golpe militar
contra o Governo de João Goulart, a partir dos tensos diálogos
com meu pai sobre a situação política do Brasil, decidi ser So-
ciólogo. Sonhava com mudanças sociais e econômicas profun-
das anunciadas no Plano das Reformas de Base, concebido por
Celso Furtado. Queria, um dia, trabalhar na SUDENE. Vivi
alguns momentos de inquietude, primeiro por ter renegado a

156 Seminário da Betânia – 96 anos


vocação sacerdotal e, segundo, por continuar num colégio que
formava os vocacionados ao sacerdócio. Este conflito interno
me levou a uma racionalização do aparente desvio ético infrin-
gido ao meu pai e aos cofres do Seminário, e decidi continuar
no Projeto Sacerdotal até a realização do Curso de Filosofia,
no Seminário da Prainha, em Fortaleza.
Hoje, emocionalmente, entendo melhor o motivo por que
não saí do Seminário de Sobral. Meus seis irmãos estudavam
no Colégio Sobralense e no Colégio Sant’Ana e não conseguia
dialogar com eles e nem com meu pai sobre os problemas sociais
que me afligiam. Fazia restrições à minha formação intelectual,
mas, foi no Seminário de Sobral que aprendi a ler e elaborar
melhor meu raciocínio e a pensar de uma forma mais metódica
e crítica. Construí minha identidade intelectual além dos limites
da aprendizagem das disciplinas do Ginásio e do Clássico.
Em 1963, os padres José Albani e José Linhares promo-
veram dois dias de Debates Sobre a Realidade Social do Brasil,
com a participação do Lauro de Oliveira Lima e da professora
Luiza Teodoro, que discorreu sobre a Arte Moderna. Esse foi
um segundo momento de muita alegria nos sete anos vividos
no Seminário da Betânia.
Na participação do pequeno núcleo da JEC, formado por
José Ody Mourão, François Torres Martins e Leopoldo Mont’Al-
verne Frota e nos sete dias convivendo com o Pe. Luiz Gonzaga
Mello em Camocim, na ousada e inédita experiência de Padre
Operário num bairro de pescadores, iniciei uma aprendizagem
da militância política e respeito a individualidade do Outro, na
sua diversidade.
O tempo não apagou recordações dos gestos e palavras
dos amigos e companheiros Brisamor Aguiar Ximenes, François
Torres Martins, José Edvanir Costa, do gestual blasé e irônico
do Flamarion Rodrigues das sentenças pessimistas do Francis-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 157


co Cunha Cavalcante contra o rigor disciplinar e moralista, da
genialidade e generosidade do José Inácio Cavalcante em nos
ensinar Matemática e das criativas provocações do Eduardo
Aragão Jr.
O incentivo maior que enraizou minha identidade no
Seminário de Sobral foi a presença e o diálogo com o Pe. Al-
bani Linhares.
O obscurantismo e a repressão implantados no Brasil
pela ditadura de 1964 impediram a abertura do Curso de Ci-
ências Sociais na UFCE. Fui para o Rio de Janeiro cursar Ci-
ências Sociais na UFRJ em 1967.

Em 1971, embarcamos, Lúcia Helena Saboia e eu, para


São Luís – Maranhão, fugindo da violência da ditadura. Fi-
zemos concurso público para a disciplina Antropologia Social
na UFMA.
O curso do obscurantismo autoritário mudou meu pro-
jeto de vida e me tornei Antropólogo e Professor e não técnico
da SUDENE.
Essa foi a linha da minha vida intelectual e profissional
iniciada no Seminário Diocesano de Sobral em 1957.

Rio de Janeiro, 31 / 08 / 2020

158 Seminário da Betânia – 96 anos


LABOREM EXERCENS

José Célio Cavalcante Fonteles


(De São Benedito-Ce. Médico, Jornalista, Professor,
em Fortaleza-Ce)

Não sei se fui muito exemplar nos primeiros tempos


de magistério. Quem me convidou para ensinar Religião na
extinta Escola Mister Hull, quina com quina com o Semi-
nário da Prainha, foi o falecido vigário de Piaçabussu, dio-
cese de Penedo-Alagoas, padre Luis Barbosa. Ambos então
cursistas na dita Prainha. Visto como a Comissão de Cate-
quese retardava, sem motivo aparente, a necessária licença,
decidi esquecer o assunto. Talvez fosse pela imaturidade, eu
acabava de completar 17 anos. Ou talvez tenha pesado al-
gum comentário inconsequente sobre o cumprimento das
saias das alunas, um uniforme estampado de caninhas ver-
des... ‘Pelo nó se conhece a cana’, velho ditado da minha
serra natal que também não vem ao caso, só ilustra ainda
mais a imaturidade do ex futuro docente. Já disse e escre-
vi muita besteira, merecendo até justa repulsa de colegas a
propósito de uma hipotética curtição “sadô-masô” em nos-
sos encontros betanistas. Então cai bem a velha história de
“cautela e chá de canela” ...

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 159


Em “Seminário dos ratos”, Lygia Fagundes Teles, com toda
sua bagagem de decana da ABL, pinta o retrato de um pintor en-
fastiado a suspirar por desvencilhar-se da bipolaridade para voltar
a produzir. Cá com os botões da minha ex batina, acho que um
certo distúrbio de humor ajude pelo menos na fase de pré-escri-
tura de um texto. É neste contexto em que me acho, quase cinco
meses confinado, graças a Deus, sem finados, não me constam,
felizmente, baixas entre os nossos.
Mas voltemos, como dizia o moralista da Gregoriana,
Marcelino Zalba, ad vacam frigidam, no caso, Ad laborem.
Minhas seguintes tentativas de ensinar tiveram quase
idêntico desfecho. Em cursinho da centenária Faculdade de
Odontologia um aluno pagante “sabugou-me” ao diretor, ter es-
crito na lousa juxtaposição (sic, com xis), ao lecionar os proces-
sos de formação das palavras. Não deu outra: fui sem delongas
degolado na guilhotina do próprio xis. Ainda em português,
um fiscal da prestigiada APLEC (Associação dos Professores
Licenciados do Estado do Ceará) obstou-me os passos em sala
de aula do Colégio São José, da professora Dulcinéa Banhos,
paternalmente aconselhando-me a inscrição no Curso da CA-
DES, o que fiz de pronto. Sorte lá encontrar o mestre latinólo-
go (ex-seminarista previsível) José Alves Fernandes.
Com carinho de ex-colega, abriu-me os olhos estupefa-
tos de nada valerem¨alí fora¨ os pesados tirocínios de nossos es-
tudos filosóficos e teológicos, injustiça só depois corrigida por
indicação da conselheira do CNE, Esther Figueiredo Ferraz,
filha do sucessor na ICAB, do Bispo de Maura, dom Salomão
Ferraz. Colega de infância da autora, segundo descreve Zélia
Gattai em “Anarquistas, graças a Deus”, a educadora paulis-
tana lançou seu irrecorrível veredito de que já não era crível
continuar a encarar como tabula rasa tão percucientes estudos.
À parte todo o chumbo derretido, por coincidência, mi-
nha sorte parecia começar a mudar sob o curto reinado dos

160 Seminário da Betânia – 96 anos


ministros militares. Subscreveram também em decreto-lei o
reconhecimento da profissão de jornalista, para a qual migrara
ante tantas frustrações professorais. Já andava eu pelo final do
segundo ano do curso e havia que “caçar” o sustento de cama
e mesa. “Cavar” uma colocação? só com políticos, e eu ofereci-
-me para resenhar a crônica da Assembleia Legislativa para a
Tribuna do Ceará, jornal do senador Sancho, irmão do padre
homônimo, capelão de Marinha, salvo equívoco. Providencial-
mente fui salvo pela seleção convocada pelo BNB para bolsis-
ta-estagiário de comunicação social onde fiquei até 72, fazen-
do o de que gostava – produzir textos para os Comunicados ao
Funcionalismo e reportagens sobre projetos financiados ou do
interesse da instituição. Com posto de trabalho no Edifício S.
Luís, dando vista para a praça do Ferreira.
Antes estagiara no Setor de Revisão dos Diários As-
sociados, forçado a desistir devido a uma crise de saturnismo,
usava-se então ainda chumbo nas rotativas, não no sentido
figurado (do autoritarismo) mas orgânico mesmo, chegava a
sangrar pelas gengivas, ao manusear as provas, impregnadas
do metal. O salário no Banco do Nordeste era um terço do
de um TDE (técnico de desenvolvimento econômico), ainda
assim bastante compensador. Comparado com o pro labore do
Correio do Ceará, cinco vezes menor, mais o direito de levar
pra casa um exemplar diário do jornal. Foi ali que li, na luz
bruxuleante do ônibus da linha Prado, o fleumático bilhete do
embaixador americano sequestrado: - Os rapazes que fizeram
isto parecem gente decidida... Logo na sequência haveria de vir
o ultimato de Brother Sam, lacônico e impositivo à patética
junta, esbulhadora do vice Pedro Aleixo em suas prerrogativas
sucessórias: - Nothing, but the impossible! O resto é a noite de
trevas conhecida de todos.
Voltei ao Curso de Medicina da UFC só quinze anos
depois, no começo pensava que era pra valer. Ledo engano.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 161


Uma história a ser contada depois em outro trabalho. Com-
pensado me sinto por marcar passo por tanto tempo: Só assim
fui colega ou contemporâneo de muitas turmas, desde a dil
serafico cantante Belchior à do prefeito atual. E essa peripécia
muito se aproxima da perfeita alegria, cantada em prosa e verso
pelo Pai Francisco ao irmão Leão.
Tive outras alegrias também, imperfeitas é claro. Os três
filhos que perlustraram as escrivaninhas do Ministério Públi-
co Federal, um deles hoje dirigindo a Defensoria Pública da
União no Estado do Pará. O primogênito Ramon, defraudado
em sua integridade cerebral, acumula agora duplo parentesco:
filho e neto muito querido.

A família diante da casa berço, em São Benedito–Ce.

Somaram-se outras: a aprovação para professor de his-


tória do Liceu onde reencontrei meu antigo mestre de aritmé-
tica, homônimo de seu filho, jornalista em Brasília, Expedito
Filho. Do pai trata Milton Dias em saborosa crônica, quando
ambos cursavam o educandário (Colombo ou Castelo?), sito
na esquina de Pedro I com Solon Pinheiro. História atrai his-
tória lembro de ter residido nesta última rua em dois endere-
ços: 553 e 704, casa de meus sogros, a primeira. De ter dado

162 Seminário da Betânia – 96 anos


aulas particulares de inglês na 521, de cunhadas de minha irmã
Ivete, diligentes tinham-me franqueado a sala da frente por
nada. Com a primeira remuneração levei-as, grato, ao José de
Alencar, para assistir a burleta de Carlos Câmara O casamento
da Peraldiana.
No mesmo local do colégio, ergueu-se o espigão resi-
dencial com um dos andares ocupado pela Secretaria Regional
do Tribunal de Contas da União onde vim a trabalhar por um
quarto de século recém-transferido do Maranhão. E sabem de
quem eu trazia uma carta de recomendação para assumir po-
sição de destaque no jornal O Povo? Deste Francisco Leunam
Gomes que nos coordena.
Em um chalezinho da vizinhança, de janelas verdes que
davam para a rua Pedro I parece que ‘tou` vendo, passei a noite
de núpcias. Era o Hotel Nordeste e o proprietário caririense
não se furtou de queixar-se amargamente da sobrinha médica
que ali tirara, hóspede grátis, todo o curso superior, mal lhe
dirigindo a palavra depois de formada.
Procuro não me pautar pela cultura da ingratidão. Re-
conheço que às vezes fico só na boa intenção de que o inferno
anda cheio. Com a mão no teclado do telefone, hesito em ligar
para algum colega, como também percorro, indeciso, cópias de
folhas de frequência de alunos da universidade ou de regis-
tros de alguns milhares de atendimentos clínicos. Quase todos,
portadores de magníficas páginas de ensinamentos da parte
deles. Não pretendo me desfazer destas relíquias pelo resto da
vida. O protótipo dos padres-mestres que já se foram, o Alba-
ni, de grego, ocupa essa galeria.
Por último, algumas honrarias literárias (Prêmios Unifor
e TCU de literatura) e filosóficas, entre elas, ter apresentado
o Teoria do conhecimento do estimado e brilhante colega Vi-
torino. Obra recomendável tanto pela abrangência ciclópica
como pelo aprofundamento: Uma sonda nas águas abissais da
Filosofia.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 163


SEMINÁRIO: MINHA JERUSALÉM

Edson Costa
(De Sobral-Ce. Médico Oftalmologista, em Fortaleza-Ce)

Sou o segundo filho dos oito da unidade fabril dos so-


cietários Antonio Costa e Raquel Andrade. Meus pais, não
tiveram a oportunidade de frequentar os bancos escolares.
Minha mãe ainda chegou ao auge do conhecimento, ao fre-
quentar o segundo ano primário, numa escola, em que se possa
dizer, formal. Meu pai conheceu as letras e os números através
dos ensinamentos empíricos de sua irmã mais velha.
Ambas as partes, eram famílias formadas por 12 irmãos
onde operava a bandeira da sobrevivência. Não claudicar pe-
rante as intempéries da vida. Não se deixar vencer pela fome.
Provar a fortaleza, quando ela fosse solicitada, era o lema das
famílias. Vida difícil e dura, a ser vencida com a mudança para
uma cidade que pudesse oferecer melhores condições de so-
brevivência.
Famílias optaram por lugares diferentes: Sobral, Par-
naíba e Rio de Janeiro. Papai ainda muito jovem, de mãos
calejadas levando em seu coração a dor do trabalho extênue,
sem perspectivas de melhoras, saindo de sua casa de taipa
onde morava, no município de Meruoca, se montou num

164 Seminário da Betânia – 96 anos


lombo de jumento e foi atar sua rede na progressista cidade
de Sobral.
Lá teve a sorte de encontrar uma pessoa com quem viera
a contrair núpcias: minha mãe, mulher guerreira, de uma ativi-
dade sem igual. Destemida, incansável no trabalho, fervorosa e
muito amorosa. Meu pai, de temperamento mais ameno, calmo
e conformado com as coisas que a vida podia lhe dar. Rígido
na educação, mas afável no tratamento com os filhos. Exercia
com maestria o que se pode dizer sobre a formação escolar
dos filhos. Educação rapadura, doce, mas dura!!! Exigia perfor-
mance escolar com dureza, mas pedia dedicação com doçura.
E neste ambiente de dedicação aos estudos, fomos abençoados
pela decisão de minha mãe, com o apoio do meu pai, para in-
gressarmos no seminário. Após um ano preparatório ao exame
de admissão, ingressei no que passaria a ser o grande marco
da minha vida, a chave de ouro a abrir uma história: Seminário
da Betânia!!
Deus me escolheu para aquele lugar! Como diz o evan-
gelista João 15/16. Foi DEUS quem me escolheu e, o mais
importante, para dar bons frutos. Foi sob a luz do ensinamento
cristão, que hoje em tudo procuro entender de que a escolha
não foi minha. Teve uma força divina que escolheu por mim:
entrar para o Seminário, escolher uma área Médica para exer-
cer o meu sacerdócio na ação de servir. A primeira especia-
lidade médica, instituída por Deus, no princípio da criação
do mundo que está escrito no primeiro capítulo do Livro de
Gênesis1,3 em que Deus diz: “faça-se a luz e a luz se fez”. Ins-
tituiu-se desta forma a primeira especialidade médica: oftal-
mologia, a especialidade da luz! E, desta forma, DEUS vem
escolhendo o meu caminho.
Os anos de seminário me foram muitos felizes. Não tive
nenhum momento de entrave. Sentia-me protegido por tudo
que me era oferecido naquele modelamento de minha adoles-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 165


cência. A convivência saudável e amiga com todos os colegas,
ainda hoje repercute com uma alegria intrínseca que abarca o
coração. Na realidade, tinha uma tremenda ingenuidade, sem
perceber as asperezas do mundo. Não conhecia competitivida-
de. Tudo era compartilhado. Fui um aluno mediano, sem ala-
vancar notas altas nos boletins declamados em voz alta. Acho
que eu nem sabia por que estava estudando ou porque tinha
de estudar. Era uma obrigação não obrigatória, em que tinha
consciência de reprovação caso não obtivesse notas mínimas
estabelecidas pelo currículo escolar.
Ao final de 67, recebi a fúnebre notícia do fechamento
da Betânia que eu até compreendia, por falta de mais vocações
sacerdotais e, acho que de certa forma, pelo pouco empenho
do nosso bispo, na época, para quem o Seminário não era prio-
ridade. Ele embarcou no fechamento de outros seminários.
Acho que as medidas tomadas no Concílio Vaticano II, com
relação a indumentária, a perda de identidade dos seminaristas
e presbíteros contribuiu para afugentar a tão promulgada vo-
cação sacerdotal.
Retornei à educação paterna, sem saber como seria
conduzido daquele momento em diante. Saí da segurança do
Seminário, com os cuidados todos que os nossos educadores
nos davam, para uma nova realidade. De repente o seminarista
passou a trabalhar na mercearia do pai para surpresa de alguns
fregueses que me viam como futuro sacerdote. Havia um certo
“bullying”, que na minha inocência, não me causava descon-
forto psicológico. Sabia que os meus pais pagavam com muito
esforço a minha formação, que de certa forma eu os retribuía
sem repetência escolar.
Meus pais tinham planos para meu seguimento profis-
sional: funcionário do Banco do Brasil, na época o mais cobi-
çado emprego, numa cidade pequena como Sobral. Auge do
prestígio! Os pais queriam que a filha única se casasse com um

166 Seminário da Betânia – 96 anos


funcionário do BB, pela representatividade emprego seguro,
com bom salário e desfrutar das benesses do clube social da
AABB. Papai tinha uma veia lúdica ao dizer que profissão que
terminasse em EIRO, era fadada ao fracasso financeiro: bode-
gueiro (assim que ele se assumia na mercearia), padeiro, leiteiro,
açougueiro, e por aí vai, até chegar na minha astúcia quando
lhe indaguei sob ser engenhEIRO. Ele me retrucou que quem
põe a cana no engenho também é engenheiro e essa profissão
, portanto não era uma boa escolha. Papai sempre atento ao
que ele sonhava, e conhecedor da existência de exame de da-
tilografia como prova para admissão ao concurso do BB, logo
me matriculou numa escola com essa finalidade onde me saí
muito bem. Acendeu a luz para o BB.
Fiz primeiro científico no Colégio Sobralense, onde
encontrei meu anjo enviado por Deus: Padre Luizito a quem
eu admirava muito, didática escolar de primeira classe, fre-
quentador da mercearia do papai para comprar cigarros para
alimentar seu vício de inveterado fumante. Dificuldades nas
tarefas nas disciplinas lecionadas por ele, já sabia onde iria
solucioná-las. Lá estava eu, geralmente, aos domingos pela
manhã a pedir socorro. Fui bom aluno naquele ano letivo,
grandemente, influenciado pelo Luizito. A ele minha maior
gratidão!
No meio do ano de 68, meus pais decidiram por Forta-
leza, com uma “reca” de filhos que precisavam ter uma educa-
ção de qualidade. Ele não queria filhos com Mercearia. Cidade
grande, cidade dos grandes homens, esse era um lema citado
com frequência.
Deus escolheu para mim, estudar no Colégio Castelo,
com uma carta do Padre Luizito para o Padre Jorgelito, diretor
do Colégio, solicitando vaga para um aluno aplicado e ex-se-
minarista. Concluí o segundo grau e a preparação para o ves-
tibular. Que profissão seguir? Engenharia? Era um bom aluno

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 167


de Matemática e Física. Medicina? Não tinha afinidade com
ciências? O que fazer? Aí, mais uma vez Deus escolheu prá
mim a profissão que iria seguir: Medicina!
Um pequeno entrevero aconteceu no primeiro dia de
aula de Prática de Enfermagem, Instituto José Frota – IJF, aula
prática em enfermaria: sofri uma síncope ao ver pessoas muti-
ladas em seus leitos! Conversei comigo mesmo: escolhi a pro-
fissão errada! Como o hábito faz o monge, logo Deus me disse
que Ele fez a escolha correta para mim. Chegou o drama da
especialidade. Naveguei e até namorei com várias especialida-
des, até o tempo em que DEUS escolheu para mim o que faço
até hoje como especialidade médica: a luz da Oftalmologia!
Acredito, piamente, que tudo que aconteceu em minha
vida foi por escolha de Deus. Trabalho numa especialidade
médica que me dá prazer! Eu me divirto no trabalho e ainda
as pessoas me pagam!!! Quanto privilégio!!
O Seminário da Betânia está presente na minha estru-
tura psicológica, profissional, familiar e cristã todos os dias ao
longo desses muito poucos anos vividos. Assim como Jeru-
salém é um lugar sagrado para as três religiões monoteístas,
judaísmo, islamismo e cristianismo, o Seminário da Betânia
é o meu lugar sagrado, onde aprendi e ainda aprendo nas mi-
nhas recaídas, a difícil tarefa de praticar o amor ao próximo. A
minha posição orante sempre se converte para os paredões da
Betânia. Sou um andarilho nesta vida, com meta estabelecida
por Deus para chegada a casa do Pai, augurando pelo privilé-
gio de ver a sua face.
Gratidão sempre ao Seminário que me educou com o
coração voltado para o bem, e o cuidado com o ser humano.
Peço a Deus que a minha formação espiritual me acompanhe
por todo o sempre. O importante é o imponderável. Tenho
consciência da minha mortalidade. O Seminário fechou, fisi-
camente, mas continuará eterno enquanto eu existir.

168 Seminário da Betânia – 96 anos


Exerço a especialidade de oftalmologista, trabalhan-
do na Clínica Provision, idealizada poucos anos após o meu
fellowship, em Houston. Uma equipe de colegas reparte comigo
a nobre missão de cuidar da visão. Procuramos trilhar o caminho
da ética, num ambiente harmonioso em que somos norteados
no empenho de exercer com amor a arte de ver.
Eu gostaria de expressar a minha mais profunda grati-
dão a Deus por ter me conduzido ao Seminário da Betânia que
moldou e abençoou a minha vida, e, por extensão, a da minha
família. Deus abriu os caminhos da minha profissional ao me
levar ao altar do seminário.

Dácio, Lili, Edison, Lis, Samuel

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 169


SERVIR BEM, SEMPRE!

José Elisiário de Melo Nobre


(De Guaraciaba do Norte-Ce. Advogado, Professor e Político em
Guaraciaba do Norte-Ce)

Deus é muito sábio nas suas decisões. Criou o Céu e


a terra. Povoou a terra de seres humanos das mais varia-
das qualidades para habitarem e viverem harmoniosamente,
ajudando uns aos outros e sendo felizes. Não fez ninguém
perfeito. Cada qual precisa um do outro. Deu a cada um ap-
tidões, e mandou que se realizassem no globo terrestre uns
curando, outros produzindo no campo, outros comerciali-
zando, outros evangelizando etc. Cada pessoa produzindo
algo para que todos atendam às suas necessidades. Não tem
ninguém completo, mas encontra no mundo a solução para
todos os seus problemas e condições favoráveis para sua
felicidade.
Se observarmos as pessoas, numa cidade, no Estado, no
País ou no mundo, encontramos o médico, o padre, o agrô-
nomo, o advogado, o professor, o industrial, o comerciante e
pessoas habilitadas, exercendo todas as atividades para atender
as necessidades humanas.

170 Seminário da Betânia – 96 anos


Deus, na sua infinita bondade, orientou-me para ser Ad-
vogado, Professor e Político. Todas estas atividades levam ao
contacto direto com o público.
Saindo do Seminário, passando pela Faculdade de Di-
reito da UFC, em Fortaleza, tomei conhecimento de que esta-
vam recebendo matrículas para o vestibular. Inscrevi-me, fiz o
vestibular e fui aprovado. Já no segundo ano de Direito mon-
tei escritório com mais três colegas e começamos o exercício
da prática jurídica. Terminado o curso, continuamos com os
nossos trabalhos e dediquei-me mais à assessoria jurídica de
Prefeituras, dando assistência a seis prefeituras na zona norte
do Estado.
No seminário, a orientação, os ensinamentos, no cam-
po da espiritualidade, os retiros as pregações nos levavam a
pensar sempre no outro, e aquilo foi formando em nós um
pensamento positivo para aperfeiçoar nossas aptidões, doadas
por Deus para servir ao próximo. Claro que poderiam ser ou-
tras profissões. Mas analisando achei que seria melhor escolher
aquela que me desse condição de defender o direito dos outros,
de fazer valer a justiça e a verdade. No exercício desta profissão,
defendemos os interesses de pessoas envolvidas em conflitos
sociais. O advogado é um negociador. A advocacia é regula-
mentada pela Lei Federal 8906/94, Estatuto da OAB. Pelo
Código de Ética e disciplina e pelos provimentos do Conse-
lho Federal da OAB. A advocacia presta uma função social de
cuidar dos interesses das pessoas.
Outra profissão que Deus me confiou foi o Magistério.
Saindo do seminário, no primeiro semestre da Faculdade de
Direito, sem emprego, o padre Jairo Ferreira da Silva, professor
de Educação Moral e Cívica do Colégio particular Castelo
Branco, precisava tirar uma licença e procurava um padre ou
um ex-seminarista para substitui-lo no colégio durante sua

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 171


ausência. Fui convidado e aceitei. Passado o período da licen-
ça o Pe. Jairo voltou e fui despedir-me do Diretor Padre Jor-
gelito e este disse que tinha gostado do meu trabalho e que
permanecesse no colégio como professor substituto. Pediu-
-me logo minha carteira profissional para assinar. Daí criei
o gosto pelo magistério. Fiz concurso para o Estado e habi-
litei-me como Professor de Direito e Legislação e OSPB.
Passei a lecionar em várias escolas particulares em Fortaleza
e colégios estaduais.
O magistério é uma profissão muito nobre. Exige doa-
ção e muita dedicação. É transmitir conhecimento e prática
de vida. Em cada aluno, o professor deixa um pouco de si,
pelo exemplo e pelos ensinamentos. O professor é o respon-
sável pelo sucesso educacional de um País, de um Estado ou
de um Município. Sendo valorizado e com as condições ide-
ais de trabalho impulsiona o desenvolvimento dos alunos e
favorece o progresso socioeconômico de uma região.
Mas Deus não quis que eu parasse por ai. Encaminhou-
-me para a atividade política. Embora a atividade política não
seja uma profissão, registro mais são 14 anos de trabalho dedi-
cado ao povo de meu município, no exercício da função públi-
ca de Prefeito durante 6 anos e 45 dias, com dedicação integral
e exclusiva, e 8 anos como vice prefeito.
Procurei, de todas as maneiras, proporcionar melhores
condições de vida a meus conterrâneos. Encontrei uma cidade
pequena sem nenhum desenvolvimento. Iniciei meus traba-
lhos pela estruturação da Educação, não somente construindo
prédios escolares para fixar os alunos nas suas regiões e comu-
nidades, mas também treinando professores e qualificando-os
para melhorar o nível do ensino.
Na Infraestrutura, todo o Município foi eletrificado, vi-
las e distritos, em número de 17. A instalação de 3 agências

172 Seminário da Betânia – 96 anos


bancárias deu um grande impulso para o desenvolvimento da
agricultura e do comércio. A implantação de telefones e sinal
de Televisão deu um ar de modernidade aos moradores, já tão
sofridos sem qualquer meio de comunicação e lazer.
A Saúde, igualmente, mereceu todo o apoio da adminis-
tração com a contratação de bons médicos e atendimento sa-
tisfatório no hospital, com cirurgias, consultas e internamentos.
A Ação Social foi um marco significativo na administra-
ção com atendimento das necessidades das pessoas carentes na
área da alimentação, habitação, remédios e atendimentos em
outras solicitações. Construção de asfalto para distritos e estra-
das piçarradas etc. Apenas alguns aspectos que despertaram o
progresso e o desenvolvimento de Guaraciaba do Norte.
A política é um sacerdócio. Exige dedicação, muita do-
ação de si, boa vontade para atender aos mais carentes, princi-
palmente em municípios pobres de recursos.
Minha candidatura nasceu, espontaneamente, pela
vontade do povo. Não fiz qualquer esforço para apresentar
meu nome na disputa, mas o contacto com o povo, par-
ticipando de reuniões da ANCAR, hoje EMATERCE, a
candidatura nasceu naturalmente, do desejo da comunida-
de, mesmo sem antes ter pensado em qualquer candidatura.
Os ensinamentos do Seminário foram muito impor-
tantes na minha vida, em todos os momentos no exercício de
minha profissão. O ex-seminarista sai com um conteúdo inte-
lectual muito bom e os ensinamentos morais se enraízam em
nossos sentimentos, no nosso ser, e ficam orientando as nossas
ações, fazendo com que sejamos bons cidadãos, excelentes pais
de família e profissionais comprometidos com o bom exercício
de sua profissão.
Certa vez, estava dando aula quando os alunos come-
çaram a fazer perguntas, dos mais variados temas e eu ia res-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 173


pondendo a todos. Em dado momento um aluno perguntou:
professor, o senhor já estudou em seminário, porque tudo que
a gente pergunta o senhor sabe responder. É a bagagem que o
ex-seminarista acumula naquelas horas de estudo, sob os olha-
res atentos do prefeito da turma.
Posso dizer que meu relacionamento profissional com
os clientes e na vida pessoal tiveram como base a orientação,
os ensinamentos recebidos no seminário. As nossas ações, nas
atribuições que nos eram delegadas agíamos com muito zelo
e responsabilidade, influenciando significativamente no nosso
exercício profissional. O trato com as pessoas, com os auxilia-
res de casa ou os subordinados no exercício profissional têm a
marca do seminário.
Nossos próprios filhos vendo nosso exemplo, da manei-
ra de tratar as pessoas, da solidariedade humana no exercício
responsável da profissão influenciam as atitudes deles. Tenho
dois que escolheram direito e magistério

Com os filhos: Elisiário Jr. Érika e Karenina

174 Seminário da Betânia – 96 anos


Com Luis Orlando e Luis Eduardo

Ficam ai essas considerações sobre a minha vida, após


seis anos no Seminário da Betânia, em Sobral, e três no Semi-
nário da Prainha em Fortaleza. Hoje desfruto da minha apo-
sentadoria, consciente de que o espirito de responsabilidade e
solidariedade que sempre procurei pautar minha vida foi ad-
quirido na Betânia e no lar com meus pais.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 175


ORGULHO PROFISSIONAL

José Gentil Mota


(De Sucesso, Tamboril – Engenheiro Civil, Coordenador do Projeto de
Integração do Rio São Francisco, em Brasília-DF)

A transição da minha vida universitária para a profis-


sional não foi tão sinuosa. Ao ingressar no DNOCS, ainda
antes do vestibular, comecei a desempenhar minhas ati-
vidades na Divisão de Obras e Equipamentos - DOE da
2ª Diretoria Regional, em Fortaleza, conduzida por enge-
nheiros. Ao concluir o curso de engenharia civil na UFC,
em 1969, o convívio com a equipe técnica daquele depar-
tamento permitiu-me consolidar desde cedo uma cultura
de cunho profissional.
Logo após a colação de grau, a administração do DNO-
CS condicionou minha contratação, como engenheiro, ao meu
deslocamento para Quixadá –Ce para trabalhar na fiscaliza-
ção da construção do 2º “bucket” do sangradouro da barragem
Banabuiú. Tratava-se de uma obra monumental do ponto de
vista estrutural, consistindo na conclusão da 2ª queda do san-
gradouro em concreto armado.
Concordei em ser removido para onde quer que fosse,
desde que para trabalhar realmente em uma obra de engenha-

176 Seminário da Betânia – 96 anos


ria, um sonho já dos tempos de seminário. Temia contagiar-me
pelo clima de marasmo que envolvia certos jovens profissio-
nais, que eu começava a conhecer, preocupados, já no início
da profissão, tão somente em contar os dias que faltavam para
aposentar-se. Com muita euforia, assinei o 1º contrato de tra-
balho, como engenheiro civil, em 14/1/1970.
A Construtora Andrade Gutierrez havia ganho a lici-
tação e deveria iniciar os serviços já em março de 1970. Por
questões burocráticas, a ordem de serviços não fora emitida na
dada prevista. Foi quando aconteceu o inusitado.
Eclodiu, naquele ano, uma das mais cruéis secas de que
tenho notícias no Nordeste. Como é tradição na minha região,
se chegasse 19 de março e não chovesse, não haveria mais o
que esperar.
E foi o que aconteceu, a chuva não veio. Ante a con-
firmação da estiagem, a SUDENE iniciou um programa de
implantação de obras emergenciais, cujo objetivo essencial, na
minha versão, era justificar o repasse de um salário irrisório aos
flagelados que se inscreviam nas frentes de serviços.
Fui designado para chefiar a frente de serviço Quixadá
– Ibicuitinga, que consistia na construção de uma estrada de
piçarra, à base de carrinho de mão, interligando as duas cida-
des de mesmo nome.
Como eu já estava fixado nas vizinhanças, aguardando o
início das obras do sangradouro do Banabuiú, fui convocado
para abrir a frente e coordenar a construção da estrada.
Pouco a pouco aquele amontoado de famintos que aflu-
íam em busca de emprego foi crescendo, até atingir, no final, a
cifra de 8.000 flagelados.
Foi duro tornar-me, repentinamente, no início da vida
profissional, ator de uma cena tão horripilante: testemunhar o
sofrimento e até a morte de concidadãos na luta pela sobrevi-
vência às agruras da seca.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 177


Ainda hoje mantenho como relíquia o exemplar de um
jornal da USAID, no qual consta uma declaração que espon-
taneamente manifestei aos repórteres em visita aos serviços e
logo depois publicada: “The last person we talked to in the region
was Dr. José Gentil, 27, chief engineer of the Quixadá-Ibicuiting
“Front”. Echoing the director general’s words of the day before, he
said sadly: This is war – with all its suffering and problems. We are
doing all we can.”
Era realmente uma guerra. Do ponto de vista técnico, a
experiência foi infrutífera. Sob o aspecto humano, revolucioná-
ria. Passei a imaginar que aquela situação não poderia repetir-se
indefinidamente na vida do nordestino. Programas estruturantes
teriam que surgir algum dia, em substituição às medidas emer-
genciais e paliativas cuja implementação só contribuíam para o
recrudescimento cíclico das agruras nos anos subsequentes.
Não esperei que os serviços da emergência terminassem.
Renunciei às 30 “diárias” corridas que ganhava, dobrando meu
salário. Preferi pedir meu retorno a Banabuiú e dedicar-me à
fiscalização das obras do sangradouro, a essas alturas, em fase
inicial. Acompanhei a obra até o final. Foi a primeira boa ex-
periência em termos de aplicação dos conhecimentos relativos
a controle tecnológico do concreto.
Concluída a obra da barragem, o DNOCS transferiu-
-me para Morada Nova - Ce, onde iniciei as atividades em
uma nova área do campo de engenharia civil. Entre 1972 e
1973 assumi a Chefia do Serviço de Obras do Projeto de Irri-
gação de Morada Nova-.
Entre 1973 e 1975, dei prosseguimento a atividades si-
milares às desempenhadas no Projeto de Morada Nova, exer-
cendo a função de chefe do Serviço de Engenharia do Projeto
de Irrigação de Lima campos-CE, desta vez, já no município
de Icó.

178 Seminário da Betânia – 96 anos


Naquela ocasião, teve início uma nova guinada na minha
vida profissional. Certa vez, por ocasião da visita de inspeção
do Diretor da 2ª Diretoria Regional, de Fortaleza, ao Projeto
Icó – Lima Campos, o grupo de visitantes, ao qual me in-
tegrei, deslocou-se, após o expediente, a um boteco para um
“drink”. Ante o surgimento inesperado de uma acalorada dis-
cussão, dirigi algumas palavras não elogiosas ao Diretor, que as
considerou ofensivas. Reagiu abruptamente com a ameaça de
uma violenta cadeirada que não se concretizou, mas deixou o
estrago.
No outro dia eu já me articulava para transferir-me
à 4ª Diretoria Regional do DNOCS, sediada em Salvador.
Consegui a transferência, porém não demorei muito no novo
ambiente.
Circunstancialmente, em uma viagem de carona no
avião do DNOCS, de Salvador para Fortaleza em um final
de semana, soube que a Diretoria da empresa Pecal do então
Diretor Geral do DNOCS estava interessada em contratar um
técnico com experiência em projetos de irrigação, para traba-
lhar no consórcio Itapema-Pecal na implantação do Projeto
Curaçá na Bahia.
Passei o fim de semana em Fortaleza e segunda-feira
cedo já promovia ações com a Pecal no sentido de assinar o
contrato.
A empresa me propôs o dobro do salário que eu ganhava
no DNOCS, entre outras vantagens. No mesmo dia, já estava
eu viajando ao Rio de Janeiro, sede da consorciada Itapema,
para integrar a equipe que iniciava o planejamento da obra.
Foi aquele ano, 1975, o início de uma fase que me colo-
cou totalmente do outro lado do tabuleiro. Depois de 5 meses
no Rio, desloquei-me para a região de Curaçá, localizada às
margens do Rio São Francisco, a 90 km de Juazeiro/BA.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 179


A obra levou 4 anos para ficar concluída, 2 anos além do
previsto. E eu, que inicialmente programara utilizar 6 meses de
licença prêmio e mais 2 anos de licença sem remuneração, ter-
minei optando por pedir demissão do DNOCS e dedicar-me
à empresa privada.
Na época em que terminaram esses serviços, a região de
Petrolina/Juazeiro iniciava um surto de progresso decorrente
da exploração de atividades econômicas ancoradas na implan-
tação de projetos de irrigação e em outras fontes de recursos.
Ante esta perspectiva, por lá fui ficando, aproveitando
as oportunidades que iam surgindo. Tão logo me desliguei do
Consórcio Itapema – Pecal, ingressei na empresa Milder-Kai-
ser Engenharia, integrando a equipe de supervisão da constru-
ção dos núcleos habitacionais de apoio à mina de cobre Cara-
íba Metais.
Em 1981, a CODEVASF contratou o consórcio forma-
do pelas empresas ENCO, do Rio e TAHAL, de Israel, para
detalhar o projeto básico e supervisar a execução das obras de
implantação do Projeto de Irrigação Senador Nilo Coelho em
Petrolina-Pe. Mais uma oportunidade me surgiu. Desisti do
emprego na Milder-Kaiser e assinei novo contrato com o con-
sórcio Enco-Tahal.
Nesse projeto, ao qual estive integrado por dois anos,
tive a oportunidade de consolidar muitos dos conhecimentos
adquiridos em obras similares realizadas anteriormente no
âmbito do DNOCS e também de estabelecer vínculos profis-
sionais que, mais tarde, me foram extremamente úteis no de-
senvolvimento de minhas habilidades profissionais no exterior.
Por volta de 1983, quando deixei o Consórcio Enco –
Tahal, os indicadores econômicos davam indícios de ameaça
de recessão rondando o país. Os empregos no campo da en-
genharia começaram a escassear. Mesmo assim, consegui em-

180 Seminário da Betânia – 96 anos


pregar-me na Construtora Britânia, do Ceará, que iniciava a
construção da sede do Banco do Brasil de Petrolina-Pe.
Assumi os trabalhos dando já de cara com um sério pro-
blema de fundação de solo. Foi nessa obra que tive a oportuni-
dade de executar, como engenheiro residente, estacas moldadas
“in situ”, em substituição às pré-moldadas previstas no projeto.
A essa experiência devo os 5 pontos que obtive na questão da
prova dissertativa sobre método de construção de estaca pro-
funda tipo Franki, em um concurso público promovido, anos
mais tarde, pelo Ministério do Planejamento. Classifiquei-me
exitosamente no processo seletivo.
Depois dessa vivência na obra do Banco do Brasil, decidi
partir para uma nova experiência: a de pequeno empresário na
área de engenharia civil. Fundei a pequena empresa ENTEP-
Engenharia Ltda. Dado o bom entrosamento já conquistado
na região, consegui, não sem muitos sacrifícios, sobreviver com
os parcos lucros da empresa no período de 1985 a 1995.
Mas a crise econômica que avassalou, sobretudo, as pe-
quenas empresas, em decorrência dos reflexos da implantação
do Plano Real, em 1994, não permitiam mais a persistência
nessa modalidade de empreendimento.
Foi aí que resolvi mobilizar minha rede de relaciona-
mentos conquistada ao longo de toda esta trajetória, em busca
de novas alternativas de sobrevivência.
Por intermédio de um dos diretores da Pecal, em cuja
empresa eu trabalhara na implantação do Projeto Curaçá-
-Ba, consegui ser convidado para trabalhar novamente com a
TAHAL, de Israel, no detalhamento do projeto básico e fis-
calização da construção das obras do Projeto de Controle de
Inundações – Cuenca Baja Del Guayas, no Equador.
Esse projeto foi concebido pela empresa holandesa
HASKONING com o objetivo de controlar as inundações

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 181


que frequentemente assolavam uma vasta área da Península de
Santa Elena, nas proximidades de Guayaquil.
Deixei o Brasil exatamente em 31-12–1995 para en-
frentar uma situação totalmente nova em terras estranhas. Em
princípio, assumiria simplesmente as funções de auxiliar do
“Jefe del Proyecto” Ing. Ortiz, com quem eu trabalhara antes,
em Petrolina-Pe. Por questões políticas, entretanto, antes que
lá chegasse, o engenheiro Ortiz foi afastado do cargo, por exi-
gência do presidente da CEDEGE, a estatal responsável pela
condução do Projeto.
Tive que assumir o posto de Chefe de uma equipe de
aproximadamente 10 engenheiros, todos nativos, sem nunca
sequer ter eu assistido a uma aula de espanhol. Nunca esqueci
dos apuros que passei logo nos primeiros dias de função no
cargo. Tive, entretanto, o privilégio de receber aulas particu-
lares de professora nativa e logo adquirir uma certa fluência
no idioma pelo qual me apaixonara ainda nos idos tempos de
seminário. Alguns dos colegas devem lembrar-se do poema
“De Blanco” de Manuel Gutierrez Najera cuja declamação
me valeu inesquecíveis aplausos em uma daquelas memoráveis
¨sessões solenes” do velho casarão da Betânia.
Como “Jefe del Proyecto”, no período de janeiro de 1996
a dezembro de 1997, gerenciei uma equipe de técnicos no
detalhamento do projeto e supervisão da construção das obras
do Sistema de Controle de Inundações da Bacia do Baixo
Guayas, que visava ao aumento da capacidade de descarga para
os rios Bulubulu – Boliche – Taura, y el Chimbo – Yaguachi,
mediante a construção de obras denominadas “Estructuras de
Derivación”. Estas estruturas davam início a um sistema de ca-
nais artificiais conectados a esses rios para desviar os excessos
de vazão e proteger de transbordamento as áreas tanto urbanas
como rurais.

182 Seminário da Betânia – 96 anos


Ao retornar ao Brasil, em dezembro de 1998, já tinha
emprego garantido na empresa AGRAR, que assinara con-
trato para prestar assessoria técnica para a CODEVASF, em
Brasília, no período de 5/1/1998 a 2/2/2000.
Minhas atividades profissionais tiveram sequência, a
partir de 2001, no Instituto Interamericano de Cooperação
para a Agricultura – IICA, assessorando o Ministério da In-
tegração Nacional nas atividades de análises de planos e pro-
gramas voltados às obras de infraestrutura hídrica, propostos
pelos estados e municípios. Paralelamente, era feita a super-
visão, fiscalização e acompanhamento da execução de obras e
serviços de engenharia de acordo com as definições do Depar-
tamento de Obras Hídricas do mesmo ministério.
Depois de passar mais de três anos exercendo a função
de assessor técnico do IICA, submeti-me e fui aprovado, em
2003, em dois concursos públicos para contratação temporá-
ria: um deles, no Ministério do Meio Ambiente e o outro no
Ministério da Integração Nacional. Em vista da classificação
em 1º lugar na área a que concorri no Ministério da Integração
Nacional, optei por nele permanecer.
Em 13/2/2008, após solicitar rescisão do contrato tem-
porário, até então vigente, fui nomeado para exercer o cargo
de Gerente de Projeto da Secretaria de Infraestrutura Hídrica
do Ministério da Integração Nacional, assumindo as funções
de Coordenador de Obras do Projeto de Integração do Rio
São Francisco - PISF. Em junho deste mesmo ano, fui apro-
vado em novo concurso público de âmbito nacional promo-
vido pelo Ministério do Planejamento. Em decorrência dessa
aprovação, assumi, no mesmo ano, o cargo de Especialista em
Infraestrutura Sênior e optei por permanecer no Ministério
da Integração, mesmo ligado ao Ministério do Planejamento.
Naquela ocasião, fui designado pelo mesmo Ministério da In-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 183


tegração para integrar missão ao Haiti sob a coordenação da
Agência Brasileira de Cooperação (ABC). A delegação envia-
da manteve encontro com o Presidente René Préval para tratar
da construção da barragem Artibonite 4C com vista ao avan-
ço das definições técnicas e levantamento das necessidades do
país para concluir o projeto de construção da barragem com a
brevidade possível.
Após a missão ao Haiti, retomei as atividades no âmbito
do Ministério da Integração Nacional. Em prosseguimento às
funções de Gerente de Projeto, assumi a gestão das obras do
PISF a cargo do Ministério do Exército, bem como as funções
de Chefe de Gabinete e de Secretário Substituto da Secretaria
de Infraestrutura Hídrica.
De todas essas atividades, a que mais me enobreceu foi
a que consistiu na gestão e acompanhamento das obras iniciais
do Projeto de Integração do Rio São Francisco– PISF, a cargo
do Exército Brasileiro.
Esse arrojado projeto, conhecido também como trans-
posição do Rio São Francisco está dividido em dois níveis de
captação de água. No primeiro, que ocorrerá de maneira per-
manente, serão retirados do rio 26 metros cúbicos de água por
segundo. O volume de água decorrente dessa vazão, que cor-
respondente a cerca de 1% da vazão total do Rio São Francisco
depois de Sobradinho, será destinado ao consumo humano e
animal. No segundo nível, quando o rio estiver mais volumoso,
a quantidade transposta será maior, chegando até 127 metros
cúbicos por segundo.
O projeto vai garantir a segurança hídrica a 12 milhões
de habitantes em 390 municípios, nos estados de Pernambuco,
Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, além de gerar emprego
e promover a inclusão social. O empreendimento tem extensão
de 477 km de canais organizados em dois Eixos de transfe-

184 Seminário da Betânia – 96 anos


rência de água – Norte e Leste. A obra engloba a construção
de 9 estações de bombeamento, 27 reservatórios, 4 túneis, 14
aquedutos, 9 subestações de 230 kV, e 270 km de linhas de
transmissão em alta tensão. Ao mesmo tempo em que busca
garantir o abastecimento por longo prazo de grandes centros
urbanos da região, como Fortaleza, Juazeiro do Norte, Crato,
Mossoró, Campina Grande, Caruaru, João Pessoa e de cen-
tenas de pequenas e médias cidades do Semiárido, o projeto
beneficiará áreas do interior do Nordeste com potencial eco-
nômico, importantes no âmbito de uma política de desconcen-
tração do desenvolvimento nacional.
Se no limiar de minha carreira profissional, há 50 anos,
sonhei que ao longo da jornada contribuiria para com a subs-
tituição de medidas emergenciais e paliativas, que só recrudes-
ciam as agruras das secas, por programas estruturantes, orgu-
lha-me registrar que, exatamente neste momento, as águas do
Rio São Francisco adentram lentamente o Cinturão das Águas
do Ceará – CAC, o projeto que viabilizará uma maior capilari-
dade das vazões transpostas pelo Projeto de Integração do Rio
São Francisco em território cearense.
Se algum dia declarei: “This is a war with all its suffering
and problems, we are doing all we can” – hoje eu diria: “The
war is over. We did everything we could”.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 185


186 Seminário da Betânia – 96 anos
UM CAMINHO DE LUTAS

José Hairton Carvalho


(De Bela Cruz – Publicitário, Músico – Compositor, em Crato-Ce)

Nem as pessoas que passavam conversando pela rua


escura, iluminada apenas por um fiozinho de lua que teimava
em aparecer entre as nuvens, diminuía a ansiedade reinante na
casa. A noite avançava e o clima meio frio do inverno daquele
vinte e sete de abril se instalava por todo o ambiente. Dona
Marieta, a parteira, já fora avisada que a Dnilda do Geraldo
Bernardino já estava com dor de menino. O fato de ser o pri-
meiro filho não trouxe problemas e o parto aconteceu den-
tro da normalidade que a situação permitia. Uma parição sem
acompanhamento médico, sem ajuda de enfermeira, feito den-
tro de uma rede, com parcos instrumentos cirúrgicos, reza e
muita providência divina. E lá estava eu quebrando o silêncio
daquela madrugada com o meu primeiro choro.
Descendente de família católica praticante e crente na mi-
sericórdia de Deus, não podia ter vida diferente. Logo fui levado à
igreja para receber o batismo cristão através das mãos abençoadas
de um certo Padre Odécio Loiola Sampaio, ordenado recente-
mente e logo nomeado o primeiro vigário de Bela Cruz.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 187


Desde cedo na escola, no catecismo, sempre à sombra
da proteção espiritual do padre, um amigo da família a partir
da casa do patriarca e meu avô Roque Lopes Araújo, onde o
clima era quase angelical. Muitas rezas, muitas orações, muitos
cantos, quadros de santos nas paredes, filiação às congregações
da igreja, além de um filho padre e um monte de familiares
tementes a Deus.
Aluno aplicado, filho obediente, logo fui convidado a ser
acólito, ajudante nos atos litúrgicos da igreja. Nesta função fo-
ram muitas as viagens de Jeep acompanhando o padre nas visi-
tas às capelas da paróquia para ajudar as celebrações de missas
de festas de padroeiros e ajudando a ministrar os sacramentos.
Um menino tímido, devotado à obediência e aplicação daquilo
que lhe era ensinado.
– Introibo ad altare Dei.
– Ad Deum qui laetificat juventutem meam.
Era em latim sim senhor, pacientemente ensinado pelo
vigário, que obrigava a decorar aquelas palavras cujo signi-
ficado estava longe da minha percepção, mas me conferiam
um status de fazer inveja. Era um trabalho e como tal o padre
remunerava. Ao final de cada mês eu recebia um envelope
no qual continha uma quantia pelas missas que eu ajudara.
Mas também sabia castigar quando não cumpria os seus en-
sinamentos. Lembro-me bem de um bom puxão de orelhas
quando, depois de ensaios e recomendações, cheguei atrasado
para a celebração da Paixão do Senhor porque ficara em casa
acompanhando meu pai a confeccionar um Judas, para as co-
memorações profanas da Semana Santa.
Mestre, professor e orientador meticuloso, o padre apro-
veitava todas as oportunidades para mostrar o caminho e des-
pertar o fervor a Deus e Nossa Senhora da Conceição nos seus

188 Seminário da Betânia – 96 anos


moldes e métodos, às vezes severos, sempre muito exigente,
capaz de despertar um pouco de medo, na verdade receio de
desrespeitar as suas orientações e os seus conselhos. Eu me en-
grandecia e ficava orgulhoso de me ver ao seu lado, de batina,
respondendo aquelas frases decoradas em latim, mesmo sem
entender o que estava dizendo.
– Dominus vobiscum.
– Et cum spiritu tuo.
Admirava ver a igreja cheia de pessoas em silêncio, com-
penetradas na celebração da missa. E nas traquinagens de me-
nino, já querendo paquerar, na cara do padre, de forma disfar-
çada para que ele não percebesse, roçar suavemente a patena
no queixo das meninas na hora da comunhão.
E assim por anos trilhei os caminhos obedecendo os
conselhos do padre, sempre sonhando entrar para o Seminário.
Mãe, pai, avós, tios, todos já falavam e incentivavam me levan-
do a cada dia mais acreditar na possibilidade. E concluído o
exame de Admissão, após reuniões e conversas da família com
o padre e uma severa confissão, lá estava eu, pronto para come-
çar uma vida nova, longe de casa, afastado das brincadeiras dos
amigos, deixando para traz as minhas traquinagens de menino.
E numa manhã fria e chuvosa, meio triste, meio ansioso,
tomava um ônibus junto com meu pai, rumo a Itapipoca, onde
tomaria depois o trem rumo a Sobral para estudar no Seminá-
rio São José.
Eu não tinha noção da dor da separação da família, da
saudade da minha mãe e irmãos, até quando meu pai me aben-
çoou e me deixou naquele casarão enorme onde eu iria passar
meus próximos quatro anos de vida. Quando vi meu pai su-
mindo na estrada, senti uma dor desesperada de saudade que
quase me fez desistir não fora a acolhida do padre que me

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 189


recebeu e alguns outros seminaristas que me acompanharam
na caminhada para conhecer a casa, meu guarda-roupas, mi-
nha classe e sala de estudos. E não demorou muito tive a forte
emoção da visita do padre, o mesmo Odécio que eu conhecia
tanto. Lembranças da cidade, dos amigos e familiares, e até
uma lata de doce que minha mãe mandara, para aumentar ain-
da mais minha saudade.
E assim foram quatro anos naquele casarão da Betânia,
estudando, rezando e sob o mesmo teto, sonhando como tan-
tos outros jovens o mesmo sonho de ser padre. Boa forma-
ção, bons estudos, bons professores e sobretudo a companhia
e a vivência com tantos futuros padres para Igreja de Deus.
Brincadeiras, passeios, jogos, viagens, uma vida simples, mas
completa, vigiada pelos padres que ensinavam e cuidavam de
todos num clima que dava segurança e fortalecia as minhas
aspirações.
Mas nem tudo foi fácil. Muitas dúvidas, muitos pen-
samentos, muitas incertezas, muitas dificuldades. A vida foi
abrindo horizontes que eu não conhecia de modo que nem os
muitos conselhos e as muitas orações de minha mãe foram su-
ficientes para manter aquele sonho de ser padre como desejei
quando mais jovem. E após aqueles quatro anos de estudo e
formação no Seminário São José, ao final de mil novecentos e
sessenta e quatro, numa conversa tão severa quanto aquela ini-
cial que definira minha caminhada rumo ao sacerdócio, con-
fessei ao padre vigário que não tinha vocação para ser padre.

E Agora, José?
Começar do zero era o meu desafio. De família de pou-
cas posses teria que ter em mente enfrentar uma grande luta
pela vida. Afinal acabara de concluir o ensino ginasial no Se-

190 Seminário da Betânia – 96 anos


minário, reconhecidamente uma escola de qualidade não só
no aspecto curricular como no aspecto moral. Parar de estudar
ignorando todo o conhecimento adquirido até aí seria uma
hipótese inadmissível. Na condição de quem não tinha mui-
tas opções, era seguir estudando para cursar o Científico e em
seguida o vestibular em busca da formação superior. Mas eu
tinha que fazer isso e ao mesmo tempo trabalhar para garantir
o próprio sustento.
E foram muitas as tentativas. Estudando à noite no
Liceu do Ceará, durante o dia tentei vender livros. Nun-
ca vendi nenhum. Dali fui para uma Indústria de bordados
trabalhando como Faturista. Morando numa república de
estudantes e por influência de um outro morador da casa,
acabei conseguindo trabalho na Rádio Verdes Mares. A
esta altura, já tinha passado pelas Faculdades de Economia
e Agronomia, tendo que abandonar os estudos tempora-
riamente para não perder o emprego. Acho que aqui valeu
muito o meu tempo de Betânia já que pela minha disponi-
bilidade, responsabilidade, conhecimento, comportamento
moral, dedicação ao trabalho, fui conquistando a confiança
da Direção da empresa, sendo promovido a um cargo supe-
rior dentro do Departamento Comercial do Sistema Verdes
Mares, com maior status e com salário suficiente para viver
dignamente. Nesta condição fui mandado para o Cariri fi-
xando residência no Crato com mulher e filhos, a vida me
deu dois, permanecendo ali por longos anos, os últimos vin-
te e seis na Direção Comercial da afiliada TV Verdes Mares
Cariri onde me aposentei no ano de 2009.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 191


Hairton e Rose com os filhos Aline e Saulo E com as netas: Laura e Letícia

Na travessia por estes anos foram muitas as idas e vin-


das, muitas pessoas e muitas amizades que influenciaram a
minha vida. Amigos, música, poesia, esposa, filhos, a família.
Para quem viveu num ambiente como o Seminário da Betânia
onde fluía a leitura, o estudo, a prosa, o verso, a arte, a música,
a continuidade disso tudo não foi difícil. Li muito, compus
músicas, escrevi poemas e cordéis, entre os quais o cordel “No
dia que sertão virou Mar” por ocasião da vinda da afiliada da
TV Verdes Mares para o Cariri, por solicitação da direção da
emissora que conhecendo outros trabalhos me confiou a pro-
dução de um documentário em verso em formato de cordel
para encartar no Jornal Diário do Nordeste.
Outros trabalhos em parceria como o cordel “Seminário
de Sobral” feito à duas mãos com o também Betanista Leunam
Gomes, um amigo e quase irmão que, com a sua esposa Mirtes,
hospedaram-me na sua casa em São Luís, quando por lá andei
em atividades profissionais.
Músicas como a que transcrevo abaixo, escrita em par-
ceria com o professor da UNB Elicio Bezerra Pontes, também
poeta, um irmão que Deus me deu, mas achou de me tomar, há
alguns poucos anos, me causando uma profunda tristeza. Mais
experiente e de melhor condição financeira estendeu a mão

192 Seminário da Betânia – 96 anos


em momentos incertos me acolhendo como irmão na sua casa/
república onde morava sozinho. A música na verdade foi mais
uma brincadeira de amigos estudantes, feita em homenagem à
figura da sogra, que conseguimos classificar em terceiro lugar
no décimo segundo Festival de música do BNB.

AZAR DE SOGRA
(Elício Pontes e Hairton Carvalho)

Seu Cunegundes, hoje eu tiro o pé da lama


Já saltei cedo da cama pra jogar no que sonhei
Vi minha sogra que pesa uma tonelada
Este sonho é barbada, desta vez eu acertei
Seu Cunegundes, o senhor que é cambista
E no jogo é cientista veja se eu tenho razão
Jogo o dinheiro no milhar do elefante
E depois ninguém se espante vou ganhar mais de um milhão
Além do bicho vou ganhar na loteria
Boto banca hoje é meu dia levo tudo de arrastão
Com esta nota eu compro um carro deste ano
Pois este plano há muito tempo que eu fiz
Largo o trabalho, a mulher e a meninada
E vou passar u’a temporada em Paris
Com uma garota que me chame mon amour
I love you eu lhe repondo pra esnobar
Por entre taças de champanhe eu vou viver
Pra esquecer que já vivi de trabalhar

Seu Cunegundes, deu burrice ou deu azar


A minha sorte é de amargar eu largo o jogo de uma vez
Me fez falseta o raio da minha sogra

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 193


Pois deu foi cobra com a final na trinta e três
Foi bom meu sonho eu não soube foi jogar
E por isso vou levar enorme tempo de castigo
Além de queda eu levei um bruto coice
Foi-se a sorte e a minha sogra ainda vem morar comigo
Fiz este choro pra contar minha desdita
Se sonhar com a maldita abra o olho, meu amigo.

Valeu a Betânia, valeu o Seminário, valeu toda uma vida


de sonhos e esperanças a que o destino deu rumos diferentes.
Valeu conhecer tantos amigos, tantos verdadeiros irmãos, pa-
dres, professores que transmitiram vida e conhecimentos. Fi-
caram muitas lembranças, muitas histórias, muitas amizades,
muitos momentos que me orgulham ter vivido estes tempos
e ter feito parte desta história para estar aqui neste AD LA-
BOREM.

EU SOU ORGULHOSO DE SER BETANISTA.

194 Seminário da Betânia – 96 anos


A MÍSTICA DA RESPONSÁVEL
DEDICAÇÃO AO TRABALHO!

José Henrique Leal Cardoso


(De Crateús-CE. Médico, Pós-Doutor, Cientista, Professor da UFC –
em Fortaleza-Ce)

C omo contribuição mais importante do seminário


para minha formação, destaco as posturas e a formação do ca-
ráter. Como postura quero significar o posicionamento inte-
grado emocional e racional diante dos fatos.
Exemplifico com episódio relacionado à formação das
posturas: autoconfiança e responsabilidade. Foi a minha ati-
vidade de sineteiro. Estava eu no quarto ano quando fui sur-
preendido com a nomeação de sineteiro. Um frio e aperto me
torturaram o estômago. Teria o compromisso de tocar a sineta
para que todos cumprissem os horários das atividades cole-
tivas, no Seminário. Era o meu primeiro cargo e, também, o
que eu mais temia. Sabia-me muito distraído e tinha certeza
de que não tocaria a sineta na hora certa. Seria um desastre.
Sentindo-me para tal incapacitado, procurei o Reitor, então Pe.
Austregésilo, e pedi para ser substituído.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 195


– Meu filho, todos nós temos de colaborar com a comunidade,
disse-me ele. Chegou a sua vez. Além disso, você tem sim capaci-
dade para o cargo e precisa demonstrar isso a si próprio.
Então pensei, se ele acha que tenho capacidade, é por-
que, de fato, devo ter. Encorajei-me. Aceitei o cargo. Fui um
bom sineteiro. Aquele foi, na minha trajetória pelo seminário,
um episódio pontual, mas de muita importância para a cons-
trução da minha autoconfiança e responsabilidade participati-
va. Fatos como este foram construindo uma mudança psicoló-
gica positiva importante na minha mente.
Julgo ter sido bem-sucedido nas minhas atividades pro-
fissionais. Este juízo de valor se aplica tanto à minha trajetória
individual, quanto à minha contribuição para o desempenho das
pessoas e instituições com as quais interagi, profissionalmente.
Sim, pela minha trajetória profissional, posso dizer que
fui bem-sucedido, a começar pela escolha da minha profissão.
Gostaria de ter sido um Engenheiro Eletrônico, talvez pela
influência que recebi do Pe. Luiz Dias Rodrigues (Pe. Luizito),
mas quando deixei o seminário (maio de 1964), não dispúnha-
mos deste curso em Fortaleza.
Então escolhi ser médico, por ser uma carreira que me
manteria num contato mais direto com as ciências, proxima-
mente, relacionadas ao biológico e ao humano (o que permitir-
-me-ia no futuro optar pela carreira acadêmica) e com pessoas
necessitadas de ajuda, os doentes. Pesou muito, nesta escolha,
a postura de responsabilidade social engajada, cujo início do
aprendizado deu-se na minha família, com meus pais e avós, a
quem sou muito grato, mas foi muito reforçada e consolidada
no Seminário.
Preparei-me para um bom desempenho escolhendo,
dentre as ramificações da profissão, aquela pela qual sentia

196 Seminário da Betânia – 96 anos


verdadeiro amor e me entregando a esse amor: o ensino e a
pesquisa científica na área médica. No Seminário, aprendi a
estudar, a pensar e a gostar do desafio. Depois de médico, du-
rante, nos intervalos e depois dos cursos formais, continuei es-
tudando todos os ramos do conhecimento que se mostravam
importantes para minha especialidade, dentro da medicina:
ciências fisiológicas (farmacologia, fisiologia e biofísica).
Com estas ideias e posturas, principalmente compro-
misso, responsabilidade e proatividade a serviço do cresci-
mento e da excelência, acredito que representei um diferen-
cial positivo importante nos meus ambientes de trabalho.
Por exemplo: Como estudante, soube posteriormente
ao meu curso de Ph.D., por ex-professores que se tornaram
amigos, que quando eu frequentava uma disciplina, os pro-
fessores se preocupavam em preparar melhor as aulas, pois
sabiam que na aprendizagem eu sempre queria ir às últi-
mas consequências. Como professor, nas instituições onde
exerci o magistério, Curso de Enfermagem e Obstetrícia de
Sobral (núcleo do que seria a futura UVA), Universidade
Federal do Ceará (UFC) e Universidade Estadual do Ceará
(UECE), atingi o topo da carreira, chegando a Professor
Titular (antigo catedrático) em todas elas (Professor Titu-
lar do Curso de Medicina, na UFC e UECE).
Além de exercer, com desvelo as tarefas regulares, mi-
nha presença foi importante, quando não decisiva, para ta-
refas extras importantes. Dentre elas destaco a criação de
vários cursos de graduação e pós-graduação nas instituições
onde trabalhei, como o Curso de Enfermagem e Obstetrí-
cia de Sobral, Programa de Pós-Graduação em Farmacologia
(UFC), Curso de Medicina da UECE (UECE) e Programa
de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas (UECE).

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 197


Como cientista pesquisador, liderei, na UECE, a cria-
ção de um Laboratório de Eletrofisiologia, para pesquisas
em eletrofisiologia, que coordeno, e é hoje um dos melhores
do Brasil, graças ao planejamento continuado e à renovada e
implementada busca da excelência. Como professor de pós-
-graduação e cientista, já orientei aproximadamente 70 dis-
sertações de mestrado e 30 teses de doutorado, a maioria das
quais resultaram em publicações internacionais em revistas
de alto quilate e de política editorial exigente.
Estas conquistas e realizações, tenho certeza, jamais as
teria obtido e mantido sem um grande compromisso com o
trabalho. Este compromisso está nos cuidados que vão desde
o planejamento e o acompanhamento do executar dentro do
planejado, até detalhes que, aparentemente pequenos, são em
realidade muito importantes, como a pontualidade, a coerên-
cia, a consistência e o cuidado com o relacionamento inter-
pessoal. O seminário me ensinou a mística da responsável
dedicação ao trabalho, acima de qualquer questionamento.
Na minha atividade diária, bem como nas implemen-
tações de projetos e construções nos meus ambientes de tra-
balho, foram constantes e decisivos o respeito e a valorização
ao outro e a capacidade de ouvir e dialogar. Esta postura foi,
por mim, aprendida no Seminário, principalmente na Juven-
tude Estudantil Católica ( JEC), no Seminário da Betânia, e
depois, na JUC, já no início do curso de Medicina. No ensi-
no, também sempre priorizei o amor, colocando em primeiro
plano o despertar do interesse do aluno pelo objeto do ensi-
no e aprendizagem. Também sempre priorizei um relaciona-
mento amigável com os alunos, os valorizando, numa atitude
de com eles também aprender e de conquistá-los à aprendi-
zagem pela bondade e compreensão.

198 Seminário da Betânia – 96 anos


Aprendi pelo exemplo e, através dele, pretendi ensi-
nar aos meus filhos biológicos e espirituais (alunos). Quanto
aos biológicos, tive um casal. Todos estão no exterior: ele,
em Lyon, na França, Leonardo Sampaio Cardoso, e ela em
Estocolmo, na Suécia, Debra Sampaio Cardoso. Ela deu a
mim e minha esposa (Lindalva Sampaio Cardoso), um casal
de netos. Leonardo é professor universitário de telecomuni-
cações e cientista na Universidade de Lyon, França. Debra é
educadora de crianças. Honestos, humanos e competentes,
são queridos pelos colegas e alunos. Acredito que o exemplo
do pai e da mãe (minha esposa é dentista e sempre foi muito
perfeccionista, honesta e dedicada ao trabalho) surtiram efei-
to para meus filhos. Com um toque anedótico, informo que,
de certo modo, até a escolha da minha esposa sofreu influ-
ência dos tempos de Seminário. Ela é de Nova Russas. Nas
viagens de trem, ida e volta para o Seminário, cada cidade
tinha sua especialidade: Cariré, arroz-doce; Ipu, frutas; Nova
Russas, moças bonitas etc. Então, voltei a Nova Russas para
apanhar a minha “moça bonita”.

José Henrique com a esposa Lindalva

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 199


E com os filhos Debra e Leonardo
Tenho certeza de que devo ao Seminário São José de
Sobral, onde fiz o seminário menor, parte majoritária e rele-
vante dos sucessos que obtive. A ele devo os conhecimentos
e, de maneira mais determinante e importante, os métodos
eficientes de aquisição de conhecimentos, a formação das pos-
turas e do caráter. Estes foram muito importantes para que eu
sempre procurasse me conduzir com competência, profissio-
nalismo, honestidade e dedicação nas atividades profissionais.
Sou muitíssimo grato ao seminário São José.

Fortaleza, 23 de agosto de 2020.

200 Seminário da Betânia – 96 anos


SEMINÁRIO SÃO JOSÉ – MINHA VIDA

José Isac Silveira


(De Bela Cruz-Ce. Advogado, em Fortaleza-Ce)

Passados tantos anos daquela convivência mais que


saudável no Seminário Diocesano São José, lá na Betânia,
somos agora chamados a rebuscar, vasculhando as sôfregas
memórias, os momentos felizes e fatos de subido valor que
muito contribuíram para a concretização dos nossos sonhos,
se não na grandeza do sacerdócio, mas com certeza alcançados
no mais variado universo das profissões, mesmo por mundos
e motivos diferentes da vida que abraçamos, cada um fazendo
sua própria história.
Lembro-me bem, era dois de fevereiro de 1.962, mal o
sol surgia e eu, acompanhado de meu saudoso pai, adentrava
altivo, embora envolto em visível timidez, ao Seminário São
José, deslumbrado com aquele impressionante casarão. Mo-
mento inesquecível, claro, embora se conduzindo cheio de sau-
dades de casa, da mamãe, irmãos e até dos amigos que deixei
no meu torrão natal.
Vinha de uma pequenina cidade do interior, minha Bela
Cruz, humilde e de rara oportunidade de estudos para um jo-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 201


vem que queria crescer e naquela acolhedora casa era o lugar
certo; pois à época, em Bela Cruz, só tinha o curso primário,
mas logo chegou lá o ensino ginasial. E, naquele momento,
acima de tudo, acalentava o sonho grandioso de ser Padre.
Portanto estava eu defronte do gostoso laboratório do saber e
de visão futurista da vida. Era então a grande oportunidade
de vencer, mesmo que não alcançasse o sublime ofício do sa-
cerdócio em virtude de alguma réstia de dúvida vocacional,
embora fosse este o objetivo mor, com certeza ali estava o
alicerce fundamental que precisava para atingir meus so-
nhos e ser, como sou, um cidadão útil e com a missão de
bem servir à nossa sociedade e a Deus. Costumo dizer que
estudar no Seminário da Betânia foi, sem dúvidas, a melhor
coisa que aconteceu em minha vida.
Nascido em uma família humilde, pais católicos fer-
vorosos, muito me encorajaram na educação Cristã, de fé
e amor a Deus. Mas devo dizer com justiça que, o meu
maior incentivador a encaminhar-me ao seminário foi na ver-
dade o Monsenhor Odécio Loiola Sampaio, um inconfun-
dível ministro de Deus e emérito benfeitor daquela paróquia
de Bela Cruz. A princípio ingressei na Cruzada Infantil de sua
fundação, depois coroinha, preparado pelo então seminaris-
ta betanista e hoje Padre Assis Rocha, e por fim, seguindo
na sua obra apostólica, o Monsenhor Odécio me convidou a
ingressar no seminário que tanto orgulho me dá, pelos seus
sólidos ensinamentos, aprimoramento da Fé e amor a Deus,
uma educação forte, bem sedimentada tanto moral, quanto
espiritual e intelectual, além da régua e compasso. Ali ingressei
com plena convicção de ser um dos escolhidos para o sacer-
dócio. Prestei, de início, o exame de admissão com sucesso e
permaneci naquela casa com extremo proveito até dezembro

202 Seminário da Betânia – 96 anos


de 1.965. Por decisão bem amadurecida, vendo não ser um dos
escolhidos para a messe do Senhor, saí para buscar a vida lá
fora que, cautelosamente, abracei, adotando todos os princí-
pios concebidos nos sólidos ensinamentos do seminário. Dali
em diante, seria uma nova história e uma missão de certo a
mim confiada e definida por Deus.
Nosso cotidiano no seminário era de saudável convivên-
cia e excelente interação entre os internos. Estudávamos, re-
závamos, brincávamos, algumas peraltices próprias de jovens
satisfeitos com o laser e a com a vida. Jogos de futebol com
suas discussões calorosas e, às vezes, surgiam surpreendentes
percalços e sazonais angústias, comuns entre nós adolescentes
inquietos, mas que serviam de aprendizado. Naquelas ocasiões
conflitantes, tínhamos orientações espirituais dos bondosos
Padres que lá residiam e nos dirigiam com sabedoria e zelo,
nos guiando no melhor caminho, além da solidariedade e
lealdade dos colegas, verdadeiros amigos quase irmãos. As
divergências, por ventura surgidas do conduto cotidiano entre
os internos, discussões às vezes alteradas, mas resolvidas na
velocidade das confissões e desculpas, pois se não éramos
de todo santos, também não seriamos demônios. Sem dúvi-
das, repita-se, foi na verdade um período de muita felicidade,
sólido aprendizado e formação sedimentada no respeito, na
lealdade, fé e amor a Deus. As lembranças que permeiam nos-
sas mentes são tantas e sempre muito agradáveis. Num instante
repassa aquele filme que nos renova e emociona, levando-nos a
fatos relevantes os mais variados, na sua grande maioria gostosos
e às vezes entrecortados por alguns senões que até nos choca
momentaneamente, mas, com certeza éramos no todo felizes.
Ao deixar o seminário, levando extensa bagagem e
bons propósitos, num misto perfeito de educação moral, es-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 203


piritual e intelectual absorvidas naquele convívio salutar e es-
perançoso, continuei meus estudos, embora intercalando um
curto período afastado por envolto nos prazeres que o mun-
do oferece, forrós, tragos e mulher, levado pelas peripécias e
emoções inquietantes da juventude. Porém sempre firme nos
propósitos sedimentados pela completa educação trazida do
querido casarão da Betânia.
Logo voltei aos estudos com intenso entusiasmo e
ingressei na faculdade de Direito da Universidade Federal do
Ceará, abraçando a carreira promissora de advogado, pois, a
formação moral e humanista recebidas no seminário me foram
incentivadoras e benéficas na minha profissão jurídica, onde
obtive sucesso e visão positiva no tratamento com lealdade
e muita ética junto aos colegas de labor e clientes, no convívio
com as autoridades judiciárias com quem trabalhei e ainda me
mantenho. Vi e recebi no labor jurídico os elogios dos demais
colegas de profissão e do corpo judicante que me deixaram li-
sonjeado e convencido de que tudo isto seria o reflexo positivo
dos ensinamentos recebidos no seminário, o que me deixa mais
convicto o quanto me foi válido a vida naquele casarão amigo.
Hoje, mais que setentão, sinto-me satisfeito pelo que fiz
e ainda faço ou posso fazer. Tudo devo sem dúvidas às bases
bem assentadas adquiridas na convivência do seminário, valo-
res bem agregados que me renderam ainda a constituição de
minha linda família a partir de um sólido e duradouro casa-
mento, na criação e educação de três filhas maravilhosas den-
tro dos melhores princípios de educação moral, ético, espiritual
e intelectual, trazidos e repassados a partir das bases advindas
da Betânia. Todas com formação universitária, garças a Deus,
valorosas profissionais na Medicina e no Direito e bem cons-
tituídas em suas famílias, fervorosas na fé e amor a Deus.

204 Seminário da Betânia – 96 anos


Renata Silveira, formada em Direito e servidora da Procuradoria
da República; Ana Cristina, formada em Direito e Advogada do
BNB - Conjur; a esposa Cleide Silveira, eu, Cristiane Silvei-
ra, Médica endocrinologista. Minha linda família.

Por estas e outras razões é que sou muito grato ao perí-


odo que estive no Seminário de Sobral, propulsor do excelente
aproveitamento de seus sólidos ensinamentos, sedimentados
na lealdade, ética, na Fé e no amor a Deus, que só benefícios
me trouxeram. Minha expressão lastreada neste texto, embora
sem tanta eloquência, mas transbordante de emoções e de sin-
ceros sentimentos de expressiva gratidão. Salve, meu querido
seminário São José, velho amigo casarão da Betânia! Sem dú-
vidas, “velhos tempos, belos dias”.

Fortaleza, 05 de Agosto de 2.020

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 205


LEMBRANÇAS E REALIZAÇÕES

José Lucivan Miranda


(Ubajara-Ce. Médico Neuropediatra -Professor -UFC, em Fortaleza-Ce)

Não posso dizer que foi uma escolha.


Seria difícil para uma criança de doze anos de idade de-
cidir o que seria de sua vida ao ser um dos escolhidos para
ingressar no Seminário. Outros personagens estiveram no co-
mando naquele momento. Nem mesmo meus pais foram as
figuras mais decisivas. Os homens passam a ser donos do seu
próprio destino ao longo da vida. Mas, com certeza, ali eu co-
meçava a escrever o meu futuro.
Se me fosse dado o poder de decisão, não tenho dú-
vidas que trilharia o mesmo caminho de Ubajara até Sobral
e lá na Betânia passaria novamente os melhores anos de
minha vida.
Definitivamente, o seminário foi o que de mais mar-
cante me aconteceu. Anos de estudo em outros colégios e
mesmo na faculdade, não deixaram marcas tão indeléveis.
Mas, por que não segui a carreira sacerdotal? A grande
transformação que o Concílio Vaticano II imprimiu na igreja,
a partir da década de 60, foi, a meu ver, o motivo maior. Fica-
mos desprotegidos, soltos, presas fáceis das tentações munda-

206 Seminário da Betânia – 96 anos


nas. Perdemos as referências dos muros do Seminário. Este
sentimento contagiou outros colegas.
Por que a Medicina?
Também não tenho uma resposta clara. Vindo de uma
família de classe média, sem muitos recursos, só me restava
concluir o “científico” e trabalhar, como foi o destino de meus
irmãos. Foi assim, que vindo para Fortaleza, concluí o curso no
Liceu do Ceará.
Mas, algo me ligava ao ato de cuidar e de curar. Avô
paterno autodidata, jornalista, escritor e boticário. Por muitos
anos, atuou no ramo de farmácia. Naquela época, significava
manipular e prescrever remédios para os mais diversos males
que afligiam a população. Com sua morte, meu pai e, poste-
riormente, um irmão deram seguimento a essa missão. Cresci
sentindo o cheiro de remédios, aprendendo a aplicar injeções.
Esse tempo fincou raízes na memória. Talvez explique o por-
quê da decisão de ser médico.
Não tinha tempo a perder. Faria o vestibular apenas uma
vez e, se não fosse aprovado, me restariam duas opções já com
concursos aprovados e convocado para assumir o posto: INSS
e Banco do Brasil.
Naquele momento decisivo da minha vida, o aprendizado
no seminário foi o que me deu as condições para obter o que
realmente desejava: ser acadêmico de Medicina da Universidade
Federal do Ceará. Este era um privilégio para poucos. Até então,
não havia filhos de Ubajara formados em Medicina.
Conclui o curso sendo, também, funcionário público.
Trabalhava à noite num posto do INSS. Isso me trouxe certa
liberdade econômica, mas me tirava tempo precioso nos estu-
dos, pelo cansaço das noites mal dormidas nos plantões.
Das especialidades médicas, uma sempre me despertou
interesse, a Pediatria. Mas, eu queria algo mais. E foi assim,
que decidi pela Neurologia Infantil. Era uma especialidade

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 207


com poucos profissionais no nosso estado e, com apenas um
centro de formação para todo o país, localizado em São Paulo.
Na América do Sul havia um centro de referência mundial lo-
calizado em Montevideo – Uruguai, aonde fui aceito e conclui
a residência e mestrado.
Sempre me interessou ensinar, desejava ser médico, mas
ambicionava, também, ter o título de professor. Logo que cheguei
a Fortaleza, procurei a Faculdade de Medicina e pouco tempo de-
pois, através de concurso público fui admitido no Departamento
Materno Infantil para ministrar a disciplina de Neuropediatria.
Pertencer a uma Faculdade como professor, impõe o de-
ver de estar sempre em estudo permanente, em dia com a ci-
ência. Na Neurologia, vivíamos a “década do cérebro”, anos 90.
Descobertas de novas enfermidades, novos tratamentos, que-
bra de paradigmas, faziam do cérebro um grande laboratório
de estudo e pesquisa. Até então, achava-se que no nascimento
já se tinha todas as células cerebrais - neurônios – que forma-
riam o sistema nervoso.
A neurociência começava a mostrar que era possível o
nascimento de outros neurônios em determinadas áreas cere-
brais, em fases diferentes da vida. Formação de novas sinap-
ses, construção de outros circuitos cerebrais de acordo com
as necessidades, mas, principalmente, com a interação com o
ambiente, passaram a fazer parte do conhecimento. Era o con-
ceito de Neuroplasticidade.
Frequentemente, como Neuropediatra, temos que lidar
com situações muito estressantes. A convivência diária com
pais que tem filhos que sofrem de transtornos no seu desen-
volvimento, quer seja mental, motor, sensorial ou comporta-
mental, imprime no neuropediatra um sofrimento e desgaste
emocional permanentes, necessitando muito cuidado para não
sucumbir ao desânimo e desmotivação.

208 Seminário da Betânia – 96 anos


Em 1987, essas novas ideias motivaram um grupo de
profissionais dentro da faculdade, a iniciar um trabalho pio-
neiro no nosso meio, até então, que era estimular muito pre-
cocemente, se possível desde o nascimento, crianças vítimas de
algum dano cerebral. Foi participando do grupo, no qual parti-
cipo até hoje, que me encontrei como médico, professor e pro-
fissional. Atualmente sou o diretor do Núcleo de Tratamento e
Estimulação Precoce (NUTEP), instituição de direito privado
que, também é um projeto de Extensão da UFC. Praticamente,
todas as suas atividades estão voltadas para a população mais
carente, tendo o SUS como financiador. Tenho dedicado gran-
de parte dos meus dias ao NUTEP.
Dos três filhos que tive, lamento nenhum ter escolhido
a Medicina como profissão. Mas, sou muito feliz pela opção
de vida que tiveram, pois cada um é realizado no que faz.
Não sei se teremos muitas oportunidades de voltar ao
casarão da Betânia. Mas, sempre que isso acontece, sou inva-
dido por lembranças ainda muito vivas na memória e que me
fazem muito bem.
Foram muitos os que tiveram participação nessa história
de vida. Sou grato a todos, indistintamente, por ter recebido
tanto. Tenho mantido a fé e, por tudo, dou graças a Deus.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 209


APRENDI A VALORIZAR O COLETIVO

José Vitorino de Sousa


(De Nova Russas-Ce. Geólogo, Pós-Doutor, Professor da UFC,
em Fortaleza-Ce)

Nunca sabemos como seria nossa vida sem a formação


adquirida no Seminário. Por outro lado, podemos apreciar o
que somos hoje, em função do que lá adquirimos.
Fui desmamado aos 12 anos e seis meses, só isso já é um
aprendizado de vida, aprender a viver longe dos pais, mas junto
a eles por meio de cartas. A saudade se renovava a cada férias
em casa.
A prática da disciplina de vida é conservada até hoje: me
sento, conforme aprendi no Seminário, com a coluna vertical,
ereta, mãos nos joelhos, olhando para frente. Fazíamos assim
porque víamos os padres fazerem. Uma vez, quando estava em
uma Sala de Espera de uma clínica médica, um desconhecido
se aproximou de mim, perguntando se eu era militar. Eu res-
pondi que não, mas tive uma formação semelhante. Ele, então,
disse: por seu modo de sentar eu tive esta dúvida.
Esta disciplina se reflete em tudo, na perseverança do
estudo, na ambição de querer sucesso na vida.

210 Seminário da Betânia – 96 anos


Outra lição que o seminário me deu foi seguir uma or-
dem na preparação de aulas, tanto como aluno quanto como
professor. No seminário, na Betânia, dispúnhamos de 20 mi-
nutos para organizar o aprendizado, antes das três primeiras
aulas da manhã, e 40 minutos antes da última aula, à tarde.
Isto contribuía para a desenvoltura na hora da aula. Na mi-
nha vida de professor, pouco antes das aulas eu fazia um resu-
mo do que era importante falar, ou lia o resumo já feito. Isso
levava a entrar na sala de aula com mais segurança.
Outra lição que influenciou toda a minha vida profissio-
nal, e a vida do dia a dia, foi aprender como tratar as pessoas e
compreender os seus diálogos. Fui “Prefeito” dos menores na
Betânia e no Seminário Regional de Olinda, durante o curso
de Filosofia. Aquele aprendizado me levou ao interesse pelo
coletivo. Acho até que o Padre Austregésilo fez isso de propó-
sito. Neste tempo o meu diretor espiritual dizia que eu tinha
uma atitude muito individualista. Estudava e jogava muito fu-
tebol, ficando o resto à deriva. Só não era individualista dentro
de campo, pois praticava o verdadeiro “Futebol “Association”,
com passes rápidos e certeiros.
Com o exercício da liderança como prefeito, aprendi a
valorizar o coletivo. Também contribuiu para isso o fato de
João Batista ter sido meu companheiro de Prefeitura, hoje co-
nhecido como Pe. João, que me ajudou a exercer a liderança.
Naquele tempo, eram dois prefeitos que se revezavam dia a dia,
talvez imitado do sistema de Consulado de Roma (tempo da
República) e introduzido pelo Bispo D. José. No meu dia de
folga, ficava observando o Pe. João, noutro dia procurava imitar.
Não aprendi tudo, mas melhorei muito. Diante disso, quando
cheguei ao curso de graduação em Geologia, e encontrei o cos-
tume de estudo em grupo, já estava preparado para partilhar

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 211


os estudos com os colegas. Os estudos em grupo foram im-
portantes para mim, porque eu tinha muitas deficiências nas
disciplinas básicas de ciências, como química, biologia e física.
Desse modo consegui superar esta deficiência com muita apli-
cação, ordem e compreensão por parte dos meus colegas.
A vida, em toda sua extensão, é uma construção árdua; se
quisermos levar sozinho, não sairemos do alicerce; com com-
partilhamento social a construção se dá de forma mais amena.
O que somos hoje senão uma construção de nossos pais, de
nossos irmãos, da família, de nossos amigos em geral e de nos-
sos professores desde o primário à pós-graduação. Mas parece
que só percebemos isso depois do fato consumado. Ortega e
Gasset já tinha dito: “eu sou eu e minhas circunstâncias” ...
Durante minha passagem pela Universidade Vale do
Acaraú, criei cursos de graduação em Nova Russas. Cer-
ta vez, uma professora de uma das disciplinas, falando em
público, ressaltou que ela tinha se formado na vida só por
esforço próprio, não agradecendo a ninguém. Ouvi atenta-
mente, pensando comigo mesmo, mas ela nem me agrade-
ceu o convite que eu lhe fiz para dar aulas, nem mencionou
seus pais. A partir daí, aprendi a não esperar gratidão, por-
que é frustrante, às vezes. Extravasando para um amigo, ele
reforçou minha decisão, sugerindo-me, de forma bem hu-
morada, que, se quisesse gratidão, comprasse um cachorro.
Sei também que a vida não é sempre assim; há muitas
pessoas que agradecem penhoradamente. Minha decisão foi a
de não esperar, mas se vier, será bem acolhida para alimentar
a autoestima.
Outra coisa importante na vida pós-seminário foi per-
der a timidez de falar em público. Uma vez, em sala de aula,
perguntamos ao Pe. Osvaldo como apreender a falar em públi-

212 Seminário da Betânia – 96 anos


co. De pronto, ele respondeu: tenha o que dizer. AH!!, como
me lembro do “Sermão do Encontro” na Semana Santa. A
imagem de Nossa Senhora ao encontro de Cristo crucificado
e o sermão tonitruante do Pe. Osvaldo. Eu, com meus botões:
AH!!! Eu não sei falar assim.
Não ficamos contentes com a resposta do Pe. Osvaldo.
O Jairo Linhares, posteriormente, Pe. Jairo, criou com co-
operação dos colegas, uma associação de oratória, a PASI
-Pequena Academia Seminarística de Improviso; as reuniões
se davam durante o intervalo do almoço, no SALÃO de
ATOS, onde aconteciam reuniões, leitura de notas, sessões
do Grêmio; até pregações de um Retiro Espiritual foram
pronunciadas ali. Uma pessoa era sorteada para falar de im-
proviso. Deste modo “quebramos” a timidez. Na vida pro-
fissional, toda vez eu era instado a falar. Lá ia eu improvi-
sando. Mais tarde, fiquei malandro. Sempre que a ocasião
se aproximava, preparava um pequeno discurso, e decorava.
Na hora, eu pedia desculpas por ter que improvisar. Que
malandragem na vida!!! Eu perdi tanto a timidez, que não
revi a ousadia de enganar. Hoje ainda tenho vários discursos
não pronunciados por não ter sido convidado a falar. Ainda
hoje, eu me pergunto por que a Retórica não era uma Dis-
ciplina no currículo do seminário.
O meu destino na vida estava delineado: ser professor.
Na Betânia, a disciplina Música era lecionada pelos alunos,
dentre os qualificados. Não sei como, mas descobriram que
eu sabia um pouco de leitura musical. Acho que foi também,
por participar da “Schola Cantorum” do Seminário. A gente
cantava, lendo partitura. Além disso, no recreio eu praticava
flauta doce. Alguns colegas me viam com partitura. Pois não
é que, graças a estas coisas, eu fui convidado pelo Pe. Reitor

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 213


para lecionar música. A experiência foi gratificante. Não sabia
tudo, só solfejava partitura com um bemol ou um sustenido, na
clave de sol ou clave de fá; quando apareciam mais sustenidos,
aprendi um jeito de transformá-los em partitura mais simples.
Infelizmente não desenvolvi esta capacidade, posteriormente.
O Benes Alencar Sales, meu colega de turma, é hoje um exí-
mio instrumentista, aluno em clarinete no Conservatório em
Pernambuco, além de já tocar vários instrumentos. Eu fiquei
no bê-á-bá.
A formação no seminário levava a gente a melhorar cada
vez mais. O Pe. Reitor dava prêmios aos alunos que progre-
dissem em notas de um mês para outro. Até aqueles alunos
que no seminário não se aplicavam muito, ao sair, se deram
muito bem nos estudos. Eu tinha um colega que era fraco em
Matemática; um dia o encontrei, e ele estava formado Enge-
nharia Civil. Que coisa maravilhosa!!!! Meu colega aprendeu a
estudar, e quando quis, adquiriu os conhecimentos necessários
para se graduar e trabalhar.
Quando deixei o seminário, tinha grandes conheci-
mentos na área de Humanas. Qual não foi o meu esforço em
aprender Química Geral, Física, Biologia e Química Analíti-
ca, e aperfeiçoar os conhecimentos em Matemática. Mas eu
queria sair das Humanas, e ir para a área de Ciências. Escolhi
Geologia. Esforço enorme, mas com disciplina e ordem, pas-
sei no segundo vestibular, no décimo sexto lugar, entre 30. No
Seminário, tive o aprendizado de que deveria tentar ir até mais
alto quanto possível. Graduado em Geologia, fiz o concurso
para professor na UFC. Não assumi de imediato, porque não
me achava preparado. Decidi fazer Mestrado na UFRJ, e fui
para o Rio de Janeiro com Givanilda, minha esposa. Assim foi
possível voltar e assumir o cargo com mais confiança.

214 Seminário da Betânia – 96 anos


Pouco depois, eu e Givanilda fomos a São Paulo, quando
fiz Doutorado na USP, ao mesmo tempo que ela fez mestrado
em Enfermagem na mesma Universidade. Concluída aquela
etapa, voltamos a Fortaleza; e, pouco depois, fomos, com toda a
família, para Nancy-França cumprir um estágio de Pós-Dou-
torado. Durante o estágio, Givanilda fez o Doutorado. Após
todas as etapas, prestei concurso para o ápice da carreira, Pro-
fessor Titular na UFC.
Aposentei-me da UFC, participando depois de um
concurso para Professor Titular da UVA, tudo com sucesso.
Os resultados se espalharam entre a família. Um filho e 2 fi-
lhas fizeram mestrados no Brasil. Depois o Filho, Sergio, fez
doutorado em Economia, na Pensilvânia, e pós-doutorado em
Chicago. A filha Rosana e seu marido Gerardo fizeram Dou-
torado em Oceanografia na Inglaterra. A filha Cristiane fez
Doutorado em Direito, em Madri. A filha Adriana fez espe-
cialização em Odontologia em Paris por 3 anos, junto com seu
marido que fez doutorado.
Eu via, ao meu lado, colegas geólogos até mais capaci-
tados tecnicamente que eu, que não arriscaram ir até o topo.
Talvez faltasse a eles a ambição benfazeja que nos foi ensinada.
Os livros que leio, tanto técnicos como culturais, são to-
dos riscados. Por isso é que não costumo usar de livro de bi-
blioteca. Tenho minha biblioteca. Esta atitude de riscar livros
é fruto da formação crítica da qual fomos imbuídos. Cícero,
retórico latino, dizia que sua casa era cheia de Alma. Era sua
biblioteca.
A Matemática e a Filosofia nos levaram a negar até o
óbvio, e procurar outro caminho. Em nosso tempo no Semi-
nário, não existia conhecimento inútil. Nada de não querer
estudar isso ou aquilo, por não ter aplicação. Não existe co-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 215


nhecimento pequeno (inútil), quando a “alma não é pequena”
(poeta português)
Saber história de Roma não é conhecimento inútil. Nas
aulas de latim, recebíamos algo de história de Roma e algo de
História de Atenas nas aulas de grego; hoje tenho uma parte de
minha biblioteca especializada em Roma, além de exemplares
da literatura latina. Os conhecimentos de Roma me são úteis.
Consigo entender o desejo de “Poder” de todo homem. Tenho
em minha biblioteca o livro de Maquiavel “Discurso sobre a
primeira década de Tito Lívio”, que junto com “O Príncipe”,
do mesmo autor, versam sobre o controle do Poder. Este é o
único “bem espiritual” que temos e que não partilhamos com
ninguém. Há pessoas que não concordam, e dizem com Freud
que é o desejo do sexo. Será mesmo o Poder um bem espiritu-
al? Não sei, pode ser. Mas sexo muitas vezes também envolve
relações de poder. Deixo correr a polêmica.
No seminário da Betânia, tivemos uma cultura geral:
Línguas (Português, Francês, Latim e Grego), Artes (músi-
ca, teatro), Ciências (matemática), História (Roma e Atenas)
e religião. Diria, como Virgílio, o poeta latino: “Quisera tudo
abranger, e tudo me convida, mas o tempo é fugaz, é curta e incerta
a vida (Geórgicas, livro III).
Aprendemos a estudar, e muito. Nunca nos disseram: es-
tude com seriedade, ou estude com profundidade. Oscar Wild
nos diz: “A seriedade é o único refúgio dos superficiais”; e Ba-
chelard, filósofo francês, nos adverte: A palavra profundidade
não significa nada, em estudo de qualquer coisa. Eu acrescento
como geólogo: só serve para distinguir um poço profundo de
um raso.

216 Seminário da Betânia – 96 anos


BETÂNIA: SEMENTE E FRUTO

Juarez Leitão
(De Novo Oriente-Ce. Professor, Historiador, Escritor Profissional,
em Fortaleza-Ce)

N aquele começo de tarde de 1968 o destino havia mar-


cado um encontro comigo. Vivia um momento crucial. Aca-
bara de perder a mesada, suspensa por razões políticas pelo
tio padre. Envolvera-me profundamente com o Movimento
Estudantil, participando de congressos, passeatas de protes-
tos e da diretoria do Centro dos Estudantes, como orador
oficial e recém-eleito vice-presidente. Exultava numa eu-
foria desabrida, pronto para salvar a Pátria, cheio de corda
até o pescoço, alistado vibrante na chamada resistência de-
mocrática. Tudo isso em plena ditadura militar, tempo es-
pecialmente perigoso para essa categoria de arroubos, com
sérias possibilidades de prisão e, quem sabe, até sumiço nos
misteriosos corredores do regime implantado em 1964. O
tio, padre das antigas, um homem conservador e previdente,
já me admoestara em várias ocasiões, arrancando-me pro-
messas de retraimento e abandono daquelas atividades, pro-
messas logo mais desobedecidas.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 217


Um dia, a carta. O padre se cansara das reincidências.
A mesada estava cortada. Que fosse me prover do famoso
“ouro de Moscou”, uma conversa fiada sobre um suposto pa-
trocínio da União Soviética para atividades subversivas pelo
mundo a fora.
Agora, zanzando pela Praça José de Alencar, sem um
tostão no bolso e sem qualquer perspectiva de obter recursos
para a sobrevivência na capital, começava a ser avisado pelo
estômago que ainda não almoçara.
De repente, uma visão divina! Avistara um possível sal-
vador para a necessidade imediata. Aquele cabra forte e bar-
bado que ia cruzando a praça era o François. Ele mesmo, o
Francisco Torres Martins, de Crateús, meu contemporâneo no
Seminário de Sobral, a velha Betânia de todas as saudades.
Fui-lhe ao encalço gritando o seu nome, braços abertos para o
encontro providencial.
Depois da efusão dos cumprimentos e abraços compa-
nheiros, abri meu coração. Contei, quase sem conter as lágri-
mas, o meu drama de sobrinho abandonado e miserável sonha-
dor, cheio de bandeiras-de-luta e sem um simples sanduiche
para mitigar a fome.
Meu amigo tratou inicialmente de financiar o almo-
ço, compartilhado ali mesmo num mosqueiro qualquer do
centro da cidade. E, no meio da conversa, uma ideia que
considerei alvissareira. Iria me apresentar ao diretor do
cursinho onde ele dava aulas de sociologia. Eu seria pro-
fessor de português. Achei a solução um tanto apressada,
mas para quem estava no fundo do abismo tentando esca-
lar o paredão para escapar do desespero, qualquer solução
seria bem-vinda. O tal curso ficava ali perto, na rua Pedro
Pereira.

218 Seminário da Betânia – 96 anos


Diante do Diretor, um homem imenso que rodava numa ca-
deira por trás de um birô, o velho amigo soltou a primeira mentira:
– Diretor, este aqui é o professor Juarez, que acaba de
chegar de São Paulo, onde brilhava nos cursinhos como pro-
fessor de português!
O dono do CEPREMA – Centro de Preparação para
Exames de Madureza e Vestibulares - me olhou visivelmente
incrédulo, e respondeu:
– Não estamos precisando de professor de português. O
que nos falta, agora e urgentemente, é um professor de história.
O que tínhamos, acaba de ser escorraçado pelos alunos, por
incompetência.
François, não titubeou: Pois, então, diante de seus olhos
está o maior professor de história de todos os tempos. O mes-
tre que abismou São Paulo e agora está morando no Ceará.
É claro que não dava para acreditar. Um fedelho daque-
les, cara cheia de espinhas, magro como um vem-vem, profes-
sor de português e, agora, também, de história. Só podia ser
brincadeira. Mas, resolveu desafiar:
– Você, primeiro, disse que este magrinho aí dava au-
las de português. De repente, mudou pra história...Pois, bem:
quero pagar pra ver. Tem uma sala sem aula, por falta de um
professor. Quero que o seu rapaz suba agora e dê uma aula de
história continuando de onde o professor anterior deixou. E
eu quero assistir.
Tremi na base. Deu vontade de ter asas para escapar dali ou,
no mínimo, ir ao banheiro para excretar a minha covardia.
Mas o meu protetor sussurrou, categórico: Você vai con-
seguir!
Enquanto subia as escadas rumo à grande provação,
nasceu-me uma força estranha. Uma energia que vinha de

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 219


dentro, das penedias da alma, reverberando lembranças de an-
tigas vitórias nos concursos de oratória e poesia no Seminá-
rio da Betânia, da contação das histórias dos romances que
lia para os menores no seminário, das declamações de poemas
de Castro Alves no salão de atos... Qualquer que fosse o tema
da aula, haveria de sobre ele fazer um discurso, deitar retórica
vazia, narrar coisas e deixar passar o tempo até chegar a batida
salvadora da sineta.
A sala estava cheia de gente adulta, jovens e velhos. O
diretor Leo Dantas apresentou-me como o novo professor de
história. Notei um geral sorriso de desconfiança dos alunos
que, no entanto, parecia não me atingir.
Do centro do tablado ao pé da lousa, saudei a todos. Es-
tava ali para continuar a matéria interrompida pelo professor
anterior.
Ao saber que o assunto era o Egito Antigo, soltei logo
aquela frase clássica do Padre Lira, citando o grego Heródoto:
“O Egito é um presente do Nilo.”
E, então, deitei falação sobre a importância de um rio na
formação de um povoamento, de uma cidade, de uma civiliza-
ção. Dei exemplos de grandes rios geradores de núcleos civili-
zatórios e de sua importância, como, o Ganges para a Índia, O
tigre-Eufrates para a Mesopotâmia, o Amarelo para a China,
o Jordão para a Palestina. E, em seguida, cheguei ao Ceará e
semeei referências ao Pajeú com Fortaleza, Acaraú com Sobral,
Salgado com Lavras da Mangabeira, Poti com Crateús e, até,
o raquítico Curtume com Nova Russas. E tanto fiz e refiz que
bateu a sineta. Como falara alto, praticamente aos brados, ter-
minei sob palmas. Do meio da sala ergueu-se um senhor, Ed-
son de Souza Aguiar, que me fez muitos elogios e parabenizou
o diretor pela feliz aquisição do jovem professor.

220 Seminário da Betânia – 96 anos


Vitorioso e com o emprego assegurado, depois de meter
o primeiro vale, fui comemorar com meu amigo François que,
no calor daquela efusão, frisava, dramático:
– Agora agradeça a ventura de ter passado pela velha
Betânia! Sem o que aprendemos por lá, talvez hoje não tivesse
dado certo para você!
Ao longo da vida comprovei várias vezes a constatação
de meu amigo. Fiz nome como professor em Fortaleza e, con-
victo de que o magistério era a minha vocação verdadeira, de-
sisti do curso de Direito e fui fazer História.
Por 48 anos dei au-
las com prazer e dedicação,
criando o meu próprio estilo,
inserido de humor e teatra-
lidade. Gerações passaram
pelas minhas salas em vários
colégios. Cheguei a ouvir de
jovens candidatos à universi-
dade que eu havia sido profes-
sor de sua avó.
Meus alunos me elegeram duas vezes vereador de For-
taleza e suplente de senador da República. E me fizeram en-
tender a juventude, estimular seus sonhos e aplaudir, depois, o
sucesso de muitos a quem, quando precisavam, ouvi com paci-
ência, mostrei rumos e incentivei.
A literatura, tão bem praticada nas aulas do Padre
Osvaldo Chaves, também tem me acompanhado. Publiquei
mais de 40 livros. Fui eleito como sócio efetivo do Instituto
do Ceará (fundado em 1887) e da Academia Cearense de
Letras (fundada em 1894), as mais antigas entidades cultu-
rais do Ceará.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 221


Para a Academia Cearense de Letras, recebeu o voto de Rachel de Queiroz

Aposentado como professor, hoje escrevo profissional-


mente e dou palestras sobre temas edificantes e História do
Ceará. Sou um operário da palavra.
Mas sei que, lá atrás, no alicerce de meu edifício hu-
mano, racional e cultural, estão aquelas lições formadoras
que recebi no seminário da Betânia. Elas me aprontaram
para a vida e para o trabalho. AD VITAM. AD LABO-
REM.

222 Seminário da Betânia – 96 anos


HONESTIDADE, RESPEITO E HUMILDADE

Lourença Araújo Lima


(Do distrito de Gásea, Ipueiras-Ce. Médico Veterinário, Empresário
no Rio de Janeiro-RJ)

M issão difícil escrever no meio de acadêmicos, poetas


e literatos. Vamos tentar. Corria o ano de 1967. Estudávamos
no Colégio Sobralense. Tínhamos aula no colégio pela manhã
e à tarde voltávamos à rotina do Seminário. Um dia, termina-
do o segundo período, fomos informados de que o Seminário
fecharia suas portas no final daquele ano.
Voltamos para casa sem ter uma definição clara do que
iria acontecer. Eis que mais uma vez surge em meu caminho
o meu conterrâneo Macário Galdino, que já estava em For-
taleza e, sabendo da situação, mandou-me um telegrama in-
formando que havia surgido uma oportunidade de emprego e
uma vaga no primeiro ano científico do Colégio João Pontes.
Assim sendo, poderia continuar estudando e trabalhan-
do e ligado à Diocese. Já era final de janeiro de 1968 quando
parti para Fortaleza. Em lá chegando, providenciei a matrícula
no colégio e fui em busca do trabalho, que infelizmente não
deu certo. Passei o ano de 1968 tentando todas as oportunida-
des e nada se concretizava.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 223


Em dezembro, peguei a transferência do colégio e resol-
vi tentar a vida no Rio de Janeiro. Ao chegar aqui, fui acolhi-
do por um conhecido que logo me arranjou um trabalho em
uma confeitaria. Começava uma nova batalha, conseguir uma
vaga em colégio público. Não consegui. Fui estudar em colégio
particular que tinha aula no turno da noite. Assim consegui
estudar e me manter. Fiz o segundo e o terceiro ano científico.
Na hora do vestibular, eis a grande questão, o que escolher.
Sabia que tinha inclinação para a área de Biologia. Tinha que es-
colher algo que me realizasse. Optei por Veterinária. Fiz vestibular
e não passei. No ano seguinte, estudei num curso pré-vestibular,
beneficiado com uma bolsa de cinquenta por cento de desconto.
Na ocasião encontrei o colega João Ribeiro, que estava
voltando para o Ceará, convidado que fora para trabalhar no
Movimento de Educação de Base (MEB), e se ofereceu para
me indicar a ocupar a vaga na empresa onde ele trabalhava.
Assim, me foi possível conciliar trabalho e estudo. Mais uma
vez meus agradecimentos ao amigo e colega João Ribeiro.
Aprovado no vestibular de Veterinária para UFF, resolvi
começar o curso só no segundo semestre, pois estava exaus-
to. Naquela época só havia duas faculdades de Veterinária no
estado do Rio de Janeiro, UFF em Niterói e UFRRJ em Se-
ropédica. A UFF, oferecia o curso em dois turnos, o que me
permitiu continuar estudando e trabalhando.
Em 1976, depois de oito anos, retornei à minha terra.
Na volta para o Rio de Janeiro, na passagem por Fortaleza, tive
a honra de receber a visita, no hotel que fica ao lado da rodovi-
ária, do ilustre poeta Juarez Leitão. A ele meus agradecimentos
por aquela tão carinhosa visita. Obrigado, Poeta.
Conclui o curso em junho de 1978, e, mesmo antes da
formatura, fui convidado para trabalhar com dois contemporâ-
neos da Universidade que tinham acabado de abrir uma clínica
veterinária, e dispunham de pouco tempo para o trabalho, pois

224 Seminário da Betânia – 96 anos


os dois estavam fazendo mestrado. Ao final de seis meses, tor-
nei-me sócio e permaneço até hoje, 43 anos depois, na mesma
empresa da qual já sou o único proprietário.
Em 1979, tive a oportunidade de voltar para Sobral, para
trabalhar no Centro Nacional de Criação de Caprinos. Após a
analisar a proposta, optei por não aceitá-la. Sempre pautei minha
vida, baseado em honestidade, respeito e humildade, princípios
recebidos de meus pais que foram aprimorados nos anos de Be-
tânia. Fui casado até 1995. Deste casamento tenho um casal de
filhos, que também são Veterinários, e um neto de 13 anos que
quer seguir esta mesma profissão. A partir de 1981, passei a visitar
minha terra com mais frequência e em todas as vezes reservei um
tempo para ver o grande mestre e amigo Padre Osvaldo Chaves.
Em 1996, ampliamos o nosso empreendimento. Hoje
temos uma matriz com 43 anos e uma filial com 24. Sem-
pre visando a saúde animal e coletiva. Há 25 anos mantenho
relacionamento com uma também Veterinária, Nubia minha
companheira. Ela também tem seu próprio empreendimento.
A formação humanística e cristã recebida na Betânia
sempre baliza minhas ações a cada dia.
Nesta pandemia, mantivemos o nosso quadro de funcio-
nários e sem redução de salários. Graças a Deus.
Na galeria dos padres que cuidaram de nossa formação,
destaco: Padre José Linhares, pelo seu elevado grau de cultura,
gentileza e educação; Padre João Mendes Lira pela sua humilda-
de e maneira simples de ser; Padre Luizito pela sua cultura geral
e humildade e por ter me feito sonhar um dia puder possuir
também uma motocicleta Indian igual a sua ( como ela demorou
chegar ao Brasil) comprei uma Harley Davidson, e sempre que
piloto, lembro o grande Mestre; Padre Osvaldo, com quem tive
a honra de trabalhar no Bairro Dom Expedito, na alfabetização
de adultos e evangelização de jovens, pela sua extraordinária cul-
tura, humildade e devotamento aos menos favorecidos.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 225


Sempre lembro a aposta que fizera: “Se houver vida eter-
na, eu ganharei a aposta, se não, também não haverá ninguém
para mangar de mim”.
Aos meus pais, pelo esforço sobre-humano que fizeram
por mim, a minha eterna gratidão e reconhecimento.
Ao meu grande incentivador e apoiador Macário Gal-
dino, minha eterna gratidão. Ao poeta e acadêmico Juarez
Leitão, pela sua simplicidade, a minha admiração e respeito.
Ao meu colega e irmão João Ribeiro que teve a oportunidade
de conhecer os meus pais e está sempre presente em diferentes
etapas de minha vida, principalmente em visitas que fizemos
ao Padre Osvaldo, o meu muito obrigado e eterna gratidão.

À minha companheira Núbia, que comigo participa de


uma fundação de assistência à infância e adolescência, crianças
especiais, onde damos um pouco aqueles que mais precisam,
o meu reconhecimento e carinho. Obrigado por me aturar.
Finalmente meu reconhecimento a cada um com quem tive
oportunidade de aprender.
Aos incansáveis Leunam e Aguiar Moura, grande e fra-
ternal abraço de reconhecimento.

Rio de Janeiro, julho de 2020

226 Seminário da Betânia – 96 anos


O SEMINÁRIO DOS MEUS QUERERES

Manoel Valdeci de Vasconcelos


(De Morrinhos-Ce. Professor/Letras, Advogado, em Sobral-Ce)

A pós muita hesitação e depois de matutar bastante, fui


tomado subitamente por um forte desejo de atender ao estí-
mulo do meu prezado amigo e colega do Seminário de So-
bral, Leunam Gomes, outra vez responsável, juntamente com
o também ex-seminarista, José Aguiar Moura, pela publicação
do II volume de depoimentos dos betanistas, sendo que agora,
o novo livro enfoca “A influência do Seminário, no campo de
ação profissional, de cada seminarista”.
Pois é; por várias vezes me manifestei afirmando não
reunir condições para elaborar um artigo, em face das mazelas
provindas de um longo estágio de depressão que me acometeu,
já faz um bom tempo.
Todavia, como disse, um ímpeto irrefreável sacode-me, de
tal modo que, renego a intenção antiga e abraço com vigor e
entusiasmo a ideia de colaborar com essa empreitada.
A fim de aproveitar tão ditoso impulso e eximir-me do
pecado da desistência, dispus-me nestes dias tensos e tumul-
tuados, por conta do infame vilão coronavírus, a consultar ex-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 227


certos de alguns trabalhos escritos acerca do nosso Seminário.
De lá, arranco um punhado de palavras, molhadas na
tinta da memória, a projetarem imagens de variegados forma-
tos incumbidas de mostrarem, de modo garboso e gentil, os
alongados corredores do Velho Casarão, a apontarem os pátios
internos, sombreados pelas copas frondosas dos seus oitizeiros,
e adentrarem, sem cerimônia, os salões de estudo, imergidos, a
essas desoras, no silêncio abissal, prosseguiram, como se numa
missão investigativa, na direção da Capela do Preciosíssimo
Sangue, sedentas de paz e alento, onde encontraram um doce
Cristo seminu e mudo, despojado totalmente de qualquer am-
bição terrena, de braços abertos, num gesto de reconciliação
e acolhimento eterno e universal. Em seguida, depois de um
contrito ato de recolhimento, rumaram com destino ao refei-
tório, não encontrando senão, um palco vazio, entrecortado
por mesas e cadeiras desocupadas. Mais tarde, foram flagradas,
indiscretas e afoitas em visita aos dormitórios dos Maiores e
Menores, recantos veneráveis, onde todas as vozes emudecem
e o corpo descansa da fadiga diária.
Cumpre, nessas alturas, lembrar os aspectos funda-
mentais do legendário Seminário, consubstanciados, no
mister de sua dupla vocação inata e divina de inculcar e
apregoar as verdades vivificantes dos preceitos cristãos e de
impregnar e disseminar os valores mais aprimorados do en-
sino e da instrução.
É hora de se atentar também, para o objeto-fim,
desta redação recomendada pelos organizadores do livro,
que consiste em se demonstrar de que forma, a perma-
nência de cada um no Seminário, influenciou a sua vida
profissional ou contribuiu para o sucesso das atividades
abraçadas.

228 Seminário da Betânia – 96 anos


Confesso que, assim como um edifício sólido se sustenta
inabalável e altaneiro, na robustez e firmeza de seus alicerces,
assim representa o “meu Seminário da Betânia”, com suas es-
truturas seguras e bem montadas em todos os ângulos, apon-
tando no rumo da educação, do caráter, da personalidade e da
dignidade humana.
Sobre esses alicerces resistentes, tenho traçado meu
plano de vida que, a despeito de alguns óbices a superar, pró-
prios da contingência humana, é-me prazeroso registrar mui-
tas vitórias e êxitos alcançados no seu avançado percurso.
Ao realizar uma reflexão e submeter a minha existência
aos raios-x, dobro os joelhos e curvo o meu corpo em sinceros
agradecimentos por tudo que o Seminário me proporcionou:
alcançar êxitos na vida religiosa e familiar; na esfera educacio-
nal, empregatícia e social. Isto significa, em suma, a garantia de
um bom emprego com renda suficiente para educar a família
e manter o sustento e a ordem em casa; alcançar bom nível
de instrução que todos almejamos; sustentar uma convivência
social equilibrada, não só para agradar a Aristóteles, mas ainda,
para resguardar a elevada autoestima e nos sentir bem.
Tomado por esta aura benfazeja e salutar, me congratulo
com todos os meus colegas seminaristas na certeza de que a
sua grande maioria, também, desfruta dessas dadivosas pre-
missas e, como eu, elevam as mãos aos céus formando um coro
digno dos anjos, em hosanas e louvações ao nosso amado Se-
minário da Betânia.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 229


Valdeci Vasconcelos e Maria de Lourdes

Adauto Barbalho, Ana Clélia, Enrico


Denis, Rita Lucélia, Valdeci, Maria
Amelia, Valdelia, Vamberto, Sentados:
Maria de Lourdes e Vinelia Maria

Família Valdeci Vasconcelos

230 Seminário da Betânia – 96 anos


UMA VIDA, UMA HISTÓRIA PESSOAL E
UMA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Modesto Siebra Coelho


(Itapipoca, Geógrafo, Professor/Mestre, Escritor e Gestor Universitário,
em João Pessoa-PB)

P or anos mantive a convicção de que me ordenaria pa-


dre. No meio do caminho, desistia de objetivo abraçado por
uma década. Novo projeto de vida precisava ser construído. As
diretrizes seriam outras e eu tinha pressa. À ocasião, só uma
certeza me guiava. Concorreria a um curso da área de ciências
humanas e sociais. Deixei a Prainha, em janeiro de 1966 e,
dois meses depois, ingressei em Geografia, na UFC, um cur-
so pouco competitivo no mercado de trabalho. Não demorou,
intui que poderia ampliar oportunidades, fazendo formação
que me permitisse trabalhar como Geógrafo e como Professor.
A profissionalização nos dois campos virou meta a alcançar.
E, decidido a não continuar dependente dos meus pais, corri
em busca de trabalho. Por ver o esforço que faziam, confian-
te, apressei-me em dizer-lhes que dali, em diante, passaria a
custear as minhas despesas. No foco estavam os seis irmãos

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 231


mais novos que precisavam estudar e por mesquinharias polí-
ticas locais não tinham acesso ao ensino público fundamental
e médio em nossa cidade. Sobreviver era preciso e logo me
tornei professor de Cursinhos. Foram cinco anos na informali-
dade laboral, mas a experiência foi enriquecedora. Concluídas
as Graduações, com um diploma de Bacharelado e outro de
Licenciatura às mãos, apesar da precária valorização do ma-
gistério nacional e da profissão de Geógrafo ainda não estar
reconhecida, as oportunidades não tardaram. Busquei rumos
novos. O tal Brasil Grande que se vivia à época, me permitiu es-
colha entre empregos em Rondônia, Maranhão, Espírito San-
to e Paraíba. A formação do Seminário conferia uma espécie
de selo de qualidade que valorizava minhas demandas e abria
portas em algumas situações.
Na metade da Graduação, fiz descoberta que poria mi-
nha formação em destaque. Ainda estudante, como secretá-
rio da Associação dos Geógrafos Brasileiros-AGB /Núcleo
de Fortaleza, metido em pequeno grupo de idealistas, dentre
estes, o professor Jorge Neves, participei de barulhenta campa-
nha para a inclusão de Planejamento no elenco das disciplinas
opcionais do Bacharelado em Geografia. O objetivo foi con-
seguido depois de seis meses, não sem antes nos incluírem no
índex dos incômodos à instituição. As nossas ideias e esta, em
particular, não agradava à Interventoria do Instituto de Geo-
ciências ali entronizada a reboque do AI5. De modo pessoal,
Planejamento, como campo de conhecimento, era o que falta-
va para completar minhas escolhas acadêmicas. Concluídas as
Graduações, logo faria conceituado Curso de Aperfeiçoamen-
to de Professores oferecido pelo IBGE e, em seguida, uma Es-
pecialização em Planejamento Urbano, em nível de mestrado,
na Escola Nacional de Serviços Urbanos, no Rio de Janeiro.
Foram decisões acertadas e definitivas. Com isso, fechei o de-

232 Seminário da Betânia – 96 anos


senho. Encontrei meu caminho como Professor e Geógrafo e
me profissionalizei nos dois campos. E lá na frente, serão a
cátedra e o planejamento que me conduzirão a crescimento
profissional, realização pessoal e a algum destaque em deci-
sões ou funções estratégicas ocupadas em fases do processo
de implantação, expansão ou consolidação de diferentes IES:
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Cajazeiras-PB,
Universidade Federal da Paraíba, Universidade Estadual Vale
do Acaraú e Universidade Aberta Vida-PB.
Estas páginas vêm a lume, primordialmente, em razão
do AD LABOREM. Mas, com travessia quase oitentona e já
em inexorável crepúsculo, me veio a ideia de que os mais jovens
da minha família e de famílias que me são próximas, conhe-
cessem melhor a história pessoal deste modesto cidadão, pro-
fessor, geógrafo, pesquisador, dirigente e autor, ao longo de 50
anos de atividades, sempre longe de sua Itapipoca. Escrevi-as
também com o propósito de homenagear, por seus incontáveis
méritos, a todos os padres-professores, colegas de Seminário,
professores de Universidades e dirigentes de instituições, dos
quais estive sempre próximo nesse percurso.

[... Principais Ocupações


Professor do ensino de adultos e do ensino fundamen-
tal e médio; Professor de ensino superior; Geógrafo, Dirigen-
te Universitário, Pesquisador e Autor; Diretor de Colégio de
rede privada de ensino (Sobralense-GEO); Chefe do Depar-
tamento de Ciências Exatas e Sociais da FAFIC-Cajazeiras-
-PB; Chefe do Departamento de Geociências da UFPB; Di-
retor do Centro de Ciências Exatas e da Natureza da UFPB;
Assessor de Planejamento de órgãos da administração pú-
blica federal (UFPB), estadual (SEPLAN-PB) e municipal
(Cajazeiras-PB); Prefeito Universitário-UFPB; Pró-Reitor

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 233


de Administração da UFPB; Membro do Conselho Técnico
Administrativo da UFPB; Pró-Reitor de Administração da
UVA-Sobral-CE; Diretor Administrativo e Diretor Geral da
Universidade Aberta Vida-UNAVIDA-PB; Secretário de Ad-
ministração e Planejamento da Prefeitura Municipal de Caja-
zeiras-PB; Coordenador brasileiro e pesquisador do Projeto
Geografia e Ecologia da Paraíba (1980-1984) - CNPq-UFPB
(Brasil), CNRS-CEGET (França); Coordenador e pesqui-
sador do Projeto Redefinição e Regionalização do Semiárido
Brasileiro-Paraíba (1984-1987) - (CNPq/SUDENE/UFPB),
Membro dos Conselhos Universitários da UFPB e da UVA,
Membro do Conselho Técnico Administrativo-CTA/UFPB;
Avaliador Institucional e de Cursos do MEC; Diretor da Edi-
tora Universitária da UFPB; autor de livros, crônicas e artigos
para jornais de Fortaleza, Sobral e João Pessoa; Sócio Efeti-
vo do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP),
Membro do Grupo de Estudos Cidadãos da Memória Mira-
beau Dias e outros ...]
Nada de extraordinário nesta caminhada. Orgulha-me,
contudo, caracterizá-la como jornada intensa, vivida com en-
trega e alicerces na disciplina, no estudo e no exercício da res-
ponsabilidade que a formação do Seminário me legou. Com
todas as deficiências que tivesse, e por certo tinha, a formação
dos Seminários era referência onde quer que fosse posta à pro-
va. Sempre afirmei que foi muito bom ter ido para o Seminário
e melhor ainda ter saído. Esse “melhor ainda ter saído” simboliza
para mim o ter tido a chance de conquistar herança tão especial.
Desta forma, não é à toa que, no processo de minha autocons-
trução, percebo alcances desta experiência seminarística. No
Seminário ou fora dele, procurei estar sempre de bem com ela
e afirmando que sua parte boa me serviu a tudo, até para filar
hospedagem a bom preço em casa de freiras no Vaticano ou dos
Lazaristas em Paris.

234 Seminário da Betânia – 96 anos


O ingresso no magistério superior e a realização de Cur-
so de Aperfeiçoamento de Professores imediatamente após a
Graduação trouxeram a confiança que o aprendiz precisava.
Como, desde cedo, tive que lutar pela sobrevivência, enfrentar
com coragem os desafios e oportunidades que surgissem era
a regra. Desta forma, designado, eleito por pares ou a convite,
fui construindo uma polivalência que aos poucos me permi-
tiu transitar com competência, de um trabalho a outro, de um
cargo a outro; de uma função a outra, pública ou privada; de
um Estado a outro, e até de um País a outro, de forma leve
e confortável. Em 1979, designado pela UFPB para estudos
e atividades de pesquisa junto ao Centro de Geografia Tro-
pical-CNRS-Bordeaux, procurei abrir portas para posterior
retorno. Em 1990 concluí estudos avançados em Organização
Espacial e Territorial junto à Universidade Paris 3 - Sorbonne
Nouvelle, com a defesa da dissertação denominada O Desen-
volvimento de C & T na periferia – O Caso do Polo Tecnológico de
Campina Grande. Paris, 1990, 110 p., e a obtenção de diploma
de mestrado-DEA, o que representou o coroamento dos meus
interesses por planejamento e a oportunidade de publicação de
quatro trabalhos, em parcerias, em revistas institucionais de
Paris e Bordeaux.
Nessa caminhada, enfrentei desafios que me fizeram
tremer, pelas responsabilidades técnicas e gerenciais que se
impunham. Mesmo em tempos sombrios e de restrições de
liberdade, assumi missões exigentes e complexas. Com convic-
ção, destaco que meus melhores aliados na busca da eficiência
foram o diálogo, o equilíbrio, a transparência, os colaboradores,
o foco na produtividade, mesmo em condições administrativas
ou políticas adversas.
O ensino formal da Prainha era de bom nível, mas lei-
tura livre, da qual éramos carentes, só a de títulos que conse-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 235


guíamos comprar. Posso afirmar que havia razoável quantidade
de bons livros em circulação subterrânea. Mesmo de proibidos.
Lembro-me bem que ajudado pela arriscada astúcia de um
colega, li escondido o proibido A Carne, de Júlio Ribeiro, ca-
muflado por sobrecapa branca e título: A Juventude de Santo
Agostinho. A tal livro inventado, quem iria censurar? Na Betâ-
nia, o contentamento foi grande. Encontrei ali a biblioteca que
a Prainha não oferecia e apreciei muito ter às mãos os clássicos
e famosos dez romances de Machado de Assis, em capa verde,
que por aposta, li do primeiro ao último, durante o ano de
1963, sob o incentivo do padre Oswaldo e animado pelas sa-
dias disputas de classe com o machadiano convicto Seu Cunha.
Na Betânia ou na Prainha, em tempos idos, compar-
tilhar escritos ou discutir crônicas e poesia com Ody Mou-
rão, Loiola Rodrigues, Carlos Augusto Figueiredo e outros,
comentar livros lidos com o papa jerimum Antonio Marques,
discutir cinema com Manoel Fonseca, política com José Car-
los Sabóia e François Torres, literatura e Machado com Seu
Cunha, ou mesmo liturgia católica com Edson Gonçalves ou
bisbilhotar o Assimil polilinguístico de Carlos Maurício, eram
práticas que levavam a descobertas e aprendizados enriquece-
dores. Pelos currículos que estes caríssimos amigos construí-
ram, posso avaliar quão valiosas foram nossas relações.
Conversas informais, ao pé do birô, me davam bons
frutos não só pelo proveito que retirava delas, mas também
pelas amizades duradouras e construtivas que cultivei com
professores como Padres José Nilson, Azarias Sobreira, Gotar-
do Tomás, Paulo Pontes, Oscar Peixoto, Luizito Dias, Albani
Linhares, Oswaldo Chaves e José Linhares, notadamente. Foi
por uma dessas conversas com o Padre Luz, então Diretor de
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da UFC, que trans-
formei a Geografia em opção de curso, depois de um quarto de

236 Seminário da Betânia – 96 anos


hora de sua exaltação à disciplina que europeus e americanos,
há muito, haviam transformado em ciência socioespacial de
prestígio e de larga aplicação em estudos regionais e urbanos,
geoecológicos, geoambientais ou outros.
Na minha segunda fase na Prainha (1964-1965), Ma-
cário Galdino, José Maria Andrade e eu guardamos um pac-
to mudo. Ao deixar o Seminário iríamos ser jornalistas. E
mais ou menos ao mesmo tempo, começamos a atuar como
repórteres em jornais diferentes. Macário e José Maria fo-
ram exitosos e fizeram brilhantes carreiras no jornalismo e
no marketing. Quanto a mim, no terceiro mês de trabalho,
encerrei a carreira. É que, em certo dia, denunciado e con-
duzido coercitivamente fui parar no DOPS. Ali recebi ame-
aças, em razão de reportagem investigativa que realizara.
Inspirara-me o dileto professor de Matemática, Padre José
Nilson, vigário do Mucuripe, onde suas crianças, como ele
próprio a elas se referia, estavam morrendo aos montes de um
surto desconhecido de diarreia. Na correlação de interesses,
estavam de um lado, a comunidade do Mucuripe e do outro,
recém-inaugurada companhia pasteurizadora de leite, sobre
a qual recaíam responsabilidades sobre o produto. Para a
matéria, tive o cuidado de buscar comprovações laborato-
riais. O leite vendido no populoso bairro acusava, de fato,
alta presença de coliformes fecais. O delegado preferiu ficar
do lado do mau cheiro do leite e do poder econômico, a dar
crédito à outra banda: a comunidade, o padre e o volunta-
rioso repórter iniciante.
Anteriormente, Padre José Nilson, meu mentor, em
razão da sua ação social-pastoral e atividades em educação,
fora arrestado por alguns dias. – O que fariam com o amigo
do padre, estudante universitário que, além de residir na Casa
Paroquial, participava dos movimentos sociais do bairro, em

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 237


conjunto com consciente e barulhenta plêiade de jovens, com
formação social e política, orientados pelo diligente vigário,
e que ainda se metia a fazer reportagens investigativas? Meu
sonho era fazer jornalismo diferenciado e produtivo, mas as
intimidações me afugentaram. E como nem o Padre Lan-
dim, Diretor do Jornal, nem o redator-chefe, um ex-colega de
turma na Prainha de 1959, aos quais recorri não me dessem
qualquer proteção, alegando falta de pauta da matéria com
antecedência – mas que eles, no entanto, publicaram, por sua re-
levância jornalística – raivosamente, resolvi chutar tudo para
o alto. Encerrei o projeto do jornalismo ali mesmo e passei a me
dedicar com afinco à Geografia que já cursava e a dar aulas
em uma escola noturna do Ensino de Adultos, da Prefeitura
de Fortaleza.
Não larguei mais o ensino daí em diante e fui durante os
dois cursos que fiz na UFC, professor de cursinhos em colégios
de Fortaleza, terreno onde também transitavam Rogerinho,
Ody Mourão, Pimpão, Teoberto Landim, Gilson Aragão, An-
tonio Valdinar, Assis Holanda, Gisafran Jucá, François Torres,
José Gomes e outros ex-seminaristas, de Sobral ou da Prainha,
cada um no seu Cursinho ou Colégio, a maioria concentrados
em território que se estendia da Fênix Caixeiral ao Colégio
Cearense.
No microcosmo dos cursinhos, naquele momento, ga-
nhei fama e convites para ensinar em outros ditos mais qualifi-
cados e bons pagadores. Ody Mourão, também meu colega de
classe na Geografia, me levou para o Farias Brito, quando esta
virou matéria de Vestibular. Não assumi. Larguei tudo no Ce-
ará e tomei o rumo da Paraíba, atendendo a proposta de traba-
lho da recém-criada Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
de Cajazeiras, por caminhos abertos pelo Professor e Advoga-
do José Leite da Silva, paraibano e ex-colega da Prainha.

238 Seminário da Betânia – 96 anos


[ ... A Prainha era sisu-
da, hermética, um grande
corpo de quatro cabeças:
os Cursistas, os Grandes,
os Pequenos e os Padres. É
tanto que depois a dividi-
ram. A sisudez dos tempos
fazia daquela casa de for-
mação para o sacerdócio um
território de pouca comuni-
cação interna. Os diferentes
segmentos viviam isolados.
A Betânia que encontrei
em 1962, ao contrário, era
aberta, comunicativa, um perfil com o qual a minha perso-
nalidade se encaixava. Educação integral sem comunicação é
algo incompleto. Esses fundamentos eram essenciais à minha
formação naquele momento de amadurecimento e crescimen-
to pessoal e eu o encontrei ali. Não saí sacerdote dessas casas,
mas posso me orgulhar de que saí cidadão ...]

Como o AD LABOREM, na esteira do AD VITAM,


nasce de ambiente Betanista, portanto, tendo o Seminário de
São José e a cidade de Sobral como referência e cenário, apre-
sento aos colegas a notícia bibliográfica sobralense à frente, na
qual relaciono 15, dentre mais de 40 trabalhos publicados, de
1994 a 2000, em estada em Sobral a convite do Reitor José
Teodoro Soares, para como Professor Visitante, compor sua
equipe administrativa como Pró-Reitor de Administração.
Voltava assim ao velho Casarão da Betânia, transformado em
sede da UVA, trinta anos depois de ali ter vivido dois dos mais
importantes e criativos anos da minha juventude. Nesse fértil
período, fui membro da Juventude Estudantil Católica-JEC,

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 239


exerci a presidência das Obras das Vocações Sacerdotais-O-
VS e o encargo de Prefeito de Disciplina, sob a orientação do
Reitor Padre José Linhares, em experiências marcantes que me
acordaram para mundos que até ali não descobrira. ( JECIS-
TAS entre 1960 e 1963: José Abner, Cícero Matos, Henrique
Leal, José Carlos Sabóia, Leopoldo Mont’Alverne, Ody Mou-
rão, Modesto Siebra).
Tal bibliografia sobralense compreende livros, artigos para
revistas acadêmicas e jornais de Fortaleza e Sobral, publicados
entre 1994 e 2000. O conjunto desses trabalhos tem por esco-
po a análise de fatos, fenômenos sociais e ambientais, relacio-
nados a aspectos do cotidiano da cidade e ao alcance de instin-
tos de sobralidade quase passional e de oralidades reveladoras de
aspectos culturais singulares.
Por descuido e falta de motivação, não tenho utilizado
os recursos da internet para (re) divulgação dos meus escritos.
Incitam-me, agora, os exemplos de Juarez Leitão, Leunam
Gomes, Francisco Feitosa, Cícero Matos, Régis Frota, Loiola
Rodrigues que o fazem. Juarez Leitão tem razão quando me
provoca. E como penso em me desempregar antes do próxi-
mo janeiro, ocupar-me disto poderá ser um novo e bom-que-
-fazer. Dentre cerca de 40 títulos desta minha bibliografia
sobralense, escolhi 15 que exponho nesta qualificada vitrine,
com a promessa de compartilhá-los, eletronicamente, tão
logo seja possível:
1. Uma Rurbanização nos Contrafortes da Meruoca? Re-
vista da Casa da Geografia de Sobral (RCGS), Ano 1.
v. 1, 11 p., Sobral-CE, 1999. Sobral Ceará (Brazil) – In
Ceará: Um Novo Olhar Geográfico, livro organizado por
José Borzachiello,
2. Tércia Cavalcante e Eustógio Dantas. Edições Demócrito
Rocha, 2007, p. 301-338. Fortaleza-CE.

240 Seminário da Betânia – 96 anos


3. As canoas voltam ao Acaraú – Artigo. Jornal O Noroeste,
Sobral-CE. Edição de 17.04.1999.
4. Dez anos de Geografia na UVA – Revista da Casa da Ge-
ografia de Sobral-CE, v. 6/7, n. 1, p. 19-20, 2004-2005.
5. Quarteirão do Sol, por que não? – Artigo. Jornal O Povo,
Fortaleza-CE. Edição de 20.06.1998.
6. A vingança do Becco (do Cotovelo) – Artigo. Jornal O
Noroeste, Sobral-CE. Edição de 17.04.1999.
7. As Sementeiras da Betânia – Artigo. Jornal O Povo, For-
taleza-CE. Edição de 05.05.2001.
8. Abrindo portas e janelas do Colégio Sobralense – Artigo.
Jornal O Povo, Fortaleza-CE. Edição de 11.03.2000.
9. De Colégio Sobralense a Colégio Sobralense GEO -
Cap. do livro Simplesmente Modesto, Sobral-CE, 2000, p.
39-41.
10. O Monumento ao Eclipse e ao Turismo – Artigo. Jornal
O Povo, Fortaleza-CE, edição de 11.11.1997.
11. Sinal dos Tempos: a Universidade como objeto de de-
sejo. Artigo. Jornal O Povo, Fortaleza-CE. Edição de
20.07.1998.
12. As vacas e outras questões urbanas. Ensaio. Capítulo do
livro De Sobral ao Global - Um percurso pela questão urbana,
Edições UVA, Sobral-CE, 2000, p. 139-186.
13. A UVA em novo diálogo com a cidade e o campo. Artigo.
Jornal O Povo, Fortaleza-CE. Edição de 21.06.1997.
14. A nova onda no transporte urbano – Mototáxi. Edições
UVA, Sobral, 1997, 144 p., prefaciado por Clélia Lustosa.
15. De Sobral ao Global - Um percurso pela questão urbana,
Sobral-CE. Edições UVA, 2000, 224 p., com prefácio do
Jornalista Lustosa da Costa e contracapas de Francisco
José Loiola Rodrigues.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 241


Honraram-me grandemente os Betanistas, Evaristo Li-
nhares (in memoriam), Teodoro Soares (in memoriam), Aguiar
Moura e José Vitorino, quando participaram do coletivo Sim-
plesmente Modesto (2005, 168 p.), um livro organizado pela
Professora Norma Soares (in memoriam) em minha homena-
gem. É da inteira responsabilidade destes senhores o que sobre
mim escreveram cinco anos depois que deixei a UVA e de um
segundo adeus ao inesquecível Casarão da Betânia, instituição
que moldou parte importante da minha formação humana e
intelectual. O capítulo Papel de destaque de Modesto Siebra no
consolidar da UVA, de Evaristo Linhares, (Idem, p. 63-65) sobre
a minha atuação na UVA, bem como os dos demais amigos,
muito me emocionou, mas deve soar apenas como gentil ho-
menagem do grande colega. Os méritos são do grupo que lá
estava. O certo é que voltei de Sobral cada vez mais convicto
de que o Seminário da Betânia foi muito importante na minha
vida e que posso inequivocamente caracterizá-lo como Casa
de Memória, escola de inquestionável referência e sempre de
lembranças que resistem ao tempo, mesmo que se tenha saído
de lá há 40, 50 ou 60 anos.
Andei um tanto distante das coisas do Ceará e de So-
bral, ultimamente. Continuo escrevendo, mas sobre temas pa-
raibanos, novas tecnologias de transportes e questões pontuais de
educação. Mas, foi só aparecer o grupo Betanistas no Whatsapp,
o garoto nascido nas barrancas da Uruburetama, com raízes
também sobralenses do Aracatiaçu, onde, em 1866, nasceu seu
avô paterno Antonio Siebra do Nascimento, pôs-se a olhar
para o seu Ceará, passando a desencavar memórias de profes-
sor, com prazer, como de modo criativo cunhou o comunicador
Leunam Gomes para fins outros.

[ ... Sem dúvida, a vida me privilegiou. Das barrancas da


Uruburetama, para o Seminário e deste para Universida-

242 Seminário da Betânia – 96 anos


des e Escolas importantes, no país e fora dele, posso até não
ter sido bom aprendiz, porém, não me faltaram os grandes
mestres. Como é impossível nominá-los neste texto, quero ao
menos deixar o registro de que foi incomensurável a contri-
buição que admiráveis mestres trouxeram à minha formação
e percurso profissional. A eles devo a orientação recebida para
o aprofundamento de conhecimentos e para a formação mul-
tidisciplinar que moldaram os meus caminhos profissionais,
orientaram relações pessoais e interinstitucionais nas minhas
atividades em sala de aula, na pesquisa, na gestão, em con-
sultorias, elaboração de livros ou outros ... ]

Talvez eu devesse ter sido mais parcimonioso, mas sa-


tisfação de ainda estar vivo e poder falar dos meus 50 anos de
atividades, com liberdade, responde por essa rédea solta que
envaidece o cidadão comum sobre o que fez de modo assertivo.
Ao ler este memorial, um recorte voltado às minhas passagens
por Sobral, a Professora Maria Wanderly, cândida e carinho-
samente, falou: - “eh, para quem saiu das barrancas da Urubure-
tama, você até que caminhou, Senhor meu marido”. Ouvi atento e,
também com candura, respondi: – Elogio maior do que este não
poderia haver, oh Senhora minha esposa e conterrânea.
(Betanista: 1962-1963)

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 243


O SEMINÁRIO E A MEDICINA

Plinio Belchior Magalhães


(De Viçosa do Ceará – Médico, Escritor, em Viçosa do Ceará)

Nunca me arrependi de ter deixado a batina como


nunca também, me arrependi de ter ido para o seminário.
Na época em que eu nasci, era mais bonito, era
mais honroso e era mais sublime até, ser padre do que
ser doutor.
Imediatamente após o meu nascimento, meu pai de-
monstrou, em palavras, o prazer de me ver feito médico. Con-
forme relato de minha mãe, posteriormente a mim, por ela
feito, ele disse: “Este vai ser o doutor Plínio. Doutor Plínio,
não, padre Plínio” _retrucou a minha mãe.
Assim, observo eu, que o meu nome havia sido, pela pri-
meira vez, pronunciado em tom profético. Algo de muito bom,
de muito bonito e de misterioso até, estava sendo proposto
sobre aquela criança tão nova de nascimento.
A partir dali, caberia ao destino determinar o que me
haveria de acontecer. Nasci sendo testemunha, nasci por ouvir
segredos. Não sei se, por coincidência só, ou se, por simbolismo
de profissão também, haveria de ser.

244 Seminário da Betânia – 96 anos


Padre deve guardar segredo. Médico tem que guardar
segredo. Por qual desses caminhos deveria eu seguir, guardan-
do os meus segredos se os tivesse de guardar? Feito padre ou
sendo doutor?
Aos treze anos da minha idade, sob o número 33, fui
matriculado para cursar o Preliminar no Seminário Menor de
São José de Sobral, sob os olhos vigilantes de D. José Tupi-
nambá da Frota, primeiro e segundo bispo de Sobral. Isso foi
no dia 08/02/1952.
De forma paciente, gradual, proveitosa e elevada, no se-
minário, eu dei continuidade aos estudos humildes, acanhados,
principiantes e iniciados na casa onde nasci, no meio do sertão
de tudo e de todos afastado, tendo por professores primeiros,
os meus próprios pais.
No seminário, eu estudei
muito, embora tenha aprendido
pouco, mas conforta-me mui-
to lembrar que na companhia de
mestres inteligentes, cultos e pie-
dosos, eu ia me preparando para
o exercício continuado de um sa-
cerdócio imprevisível. Até aí, sem
saber, contudo, se haveria de ser
o pretendido por meu pai ou se o
desejado por minha mãe.
E, por entre as finíssimas
linhas traçadas com proporção esmerada nos cadernos de Ca-
ligrafia, sob a condução do padre Edson Frota, e as páginas
difíceis de entender por serem escritas em Latim erudito de
Cícero nas Catilinárias, sob as exigências ameaçadoras do ve-
lho mestre, padre José Gerardo Ferreira Gomes, eu venci os
meus sete anos de estudo, para continuar, agora no Seminário

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 245


Maior de Fortaleza, Seminário da Prainha, lá eu estudei os
dois primeiros anos de Filosofia. Em fevereiro de 1961, com
alguns outros colegas, fui estudar o terceiro e último ano de
Filosofia, no Seminário Provincial de Olinda, no Estado de
Pernambuco. No dia 31 de maio daquele mesmo ano, resolvi
deixar o seminário e os estudos também. Segui o caminho er-
rado do comércio na companhia de parentes. Não me dei bem,
daquele caminho, eu me afastei sem lucro e sem vantagens.
Em agosto de 1968, retomei o caminho dos meus estu-
dos abandonados, mas nunca esquecidos. Matriculei-me num
cursinho, almejando ao vestibular para medicina, o que só con-
segui em janeiro de 1970. Era um novo início, em uma nova
tentativa.
Como a de um ressuscitado, reiniciei uma nova vida.
Cheio de coragem, cheio da vontade, impulsionado por um
estímulo interno capaz de me fazer subir, erguendo-me por
minhas próprias forças.
Aí, eu recordei o diálogo entre meu pai e minha mãe,
na noite do meu nascimento e o tempo já se havia passado
em 32 anos.
Readquirem-se as forças quando elas se fazem necessárias.
Na Faculdade de Medicina, eu aprendi o necessário para
ser médico, no Seminário, eu aprendi como ser médico.
Nas aulas de Anatomia, com a finalidade de aprender a
organização e a estrutura do corpo de uma pessoa, tive o pri-
meiro contato com o ser humano, embora sem vida. Estudar o
corpo humano sem vida é como visitar uma casa sem nenhum
morador nela. Dissecando cadáveres suspensos por lájeas apro-
priadas, na sala de Anatomia, eu tive a oportunidade de ver e,
muito de perto, o que me diziam no seminário, como termina
a vida de todos, como esmaece a beleza de alguns e de algumas,
como se esvai o orgulho de outros, como se extinguem a vai-

246 Seminário da Betânia – 96 anos


dade e o poder de tantos, como desaparece a prepotência dos
vaidosos, que por muito tempo, cada qual em sua vida, ao lado
de semelhantes seus, se julgaram ser alguma coisa a mais, além
da possibilidade de um dia serem cadáveres.
Às repetidas conferências às quais eu tive a oportunidade
de me fazer presente, os padres nos alertavam para a realidade
que somente 33 anos depois eu iria ver muito de perto. No se-
minário eu tomei conhecimento também, de atendimentos de
cura que, na vida, me ficaram para sempre. Um foi a um cego,
na saída de Jericó, quando se ouviu um grito de socorro, em
que se pedia por piedade que tivesse compaixão. ”Jesus, Filho
de Davi, tem piedade de mim. O que queres que te faça? Que eu
volte a ver. Outro foi, quando sem ser solicitado, Jesus Cris-
to, mandou um paralítico, que há trinta e oito anos aguardava
inutilmente a sua vez de entrar nas águas milagrosas da piscina
de Siloé. O Paralítico de Betsaida. Por último uma mulher que,
arrastada por sua fé, com a certeza de ser curada, queria ape-
nas tocar na roupa de Jesus e conseguiu ser curada depois de
identificada no meio da multidão. Jesus Cristo, que de longe,
ouviu gritos de dez leprosos, que sabiam não poder, d’Ele se
aproximar, pedindo misericórdia, embora sabendo que, de um
somente, iria receber o agradecimento pelo gesto que a todos
trouxe o restabelecimento, em mim deixou vivo o exemplo de
como exercer a medicina.
Há 44 anos, exatamente no dia 15/07/1976, pela Fa-
culdade de Medicina de Teresópolis, estado do Rio de Janei-
ro, recebia o meu diploma de médico para exercer correta,
digna e de acordo com a lei, a arte que tem por finalidade o
dever de proteger a vida desde os seus primórdios aos últimos
instantes seus.
Por isso, hoje, devo honrar aquela data, que para mim,
ainda não passou. Dela, fazendo-me rememorar, agradeço to-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 247


dos os mestres que comigo contribuíram para que eu pudesse
contar agora e sempre com esse momento de glória. Devem ser
meus pais, os primeiros a ser homenageados, pois eles foram os
responsáveis pelos meus primeiros passos nas trilhas da terra,
no chão da fé e no caminho das letras.
Agradeço os padres, os professores meus, que se encarre-
garam de me ensinar a ler e a rezar nos meus tempos de semi-
nário, tempos determinados por Deus para que na companhia
deles eu me familiarizasse com as letras, com os princípios da
caridade e com o próprio Jesus Cristo, estruturando-me forte
e, permanentemente, em uma personalidade necessária para
poder existir diante dos outros.
Agradeço os médicos e as médicas, professores e pro-
fessoras minhas que entre todas e, ao lado de minha mãe se
fizeram as mais diletas que já tive. Estes e estas, por repetidas
vezes, me passaram os conhecimentos científicos indispensá-
veis, à minha formação acadêmica e o posterior desempenho,
continuado, proveitoso e digno da medicina, garantindo-me o
poder e o direito de decidir com Deus a continuidade ou não
da vida de um ser humano.
Devo salientar ainda, outra
classe de professores que devo regis-
trar, por ter aprendido no seminário
como me portar com essas pessoas
que nos ensinam a viver e a dar vida a
tantos quantos nos procurarem.
Esses professores e essas profes-
soras foram aqueles e foram aquelas,
que por determinação do destino, se
permitiram que eu estudasse e apren-
desse em seus corpos como em verdadeiros livros vivos o que
nas páginas de papel jamais eu conseguiria ver, palpar e sentir.

248 Seminário da Betânia – 96 anos


Suas almas também, participavam do ensinamento
transmitido em suas palavras, em suas queixas, em sua dor, em
suas angústias e em seus desesperos. Eram os pacientes, que
de bom grado, se deixavam examinar por acadêmicos de me-
dicina com a finalidade de nos ensinar a sermos médicos. Não
foi no abdome de uma paciente rica que eu e outros, fizemos
o primeiro corte para aprender fazer uma cesariana ou uma
cirurgia geral. Não foi no tórax de um paciente rico em que
eu, pela primeira vez, pus o meu estetoscópio de acadêmico
para aprender ouvir as bulhas emitidas pelo coração ou os sons
pulmonares, não foi no abdome de uma pessoa rica em que eu
aprendi a fazer diagnóstico com as mãos, através do que cha-
mamos de palpação abdominal.
Foi no corpo deles e delas, pessoas pobres que aprende-
mos a tratar dos ricos e das pessoas ricas e bonitas.
E, hoje, 44 anos depois devo reavivar o pacto que fiz,
imediatamente após me ver colocando em um dos dedos de
minha mão, um anel encimado pelo verde de uma esmeralda,
com Deus eu fiz um pacto transformando-o em uma aliança
com este mesmo Deus, comprometendo-me com todos, ricos
ou pobres, pretos ou brancos, cultos ou ignorantes, tementes
a Deus ou criminosos, todos, sem distinção, eu os haveria de
atender, como se um dever fosse de quitar o débito que, com
aqueles que me emprestaram seus corpos para que eu apren-
desse a ser o médico que hoje eu sou. E, se assim, eu fizesse,
diante de todos e diante de Deus, eu seria o primeiro a me
fazer valer.
Na Faculdade de Medicina, eu aprendi ser médico, No Se-
minário, aprendi como ser Médico.

Viçosa do Ceará, 15/07/2020

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 249


RESPEITO E AMOR AO PRÓXIMO

Raimundo Leopoldo Frota Mont’Alverne


(De Sobral, Eng. Agrônomo Especialista em Planejamento Agrícola,
reside em Salvador-BA)

Minha mãe, Ieda, era muito religiosa e formou os seus


onze filhos, desde cedo, nos preceitos da Igreja Católica. Assim,
aos sete ou oito anos fazíamos a primeira comunhão e, a partir daí,
íamos à missa todos os dias. Tornei-me, logo depois, coroinha da
Igreja do Patrocínio, cujo vigário era o Mons. José Osmar Car-
neiro e tive como colegas o Rogério Martiniano, o Nelinho, entre
outros. Daí foi um passo para o Seminário da Betânia.
Ingressei em 1957 e conclui o 6º ano em 1962, com o
Abner, Brisamor, Cicero, Elisiário, José Armando, João de Deus,
João Edson, José Gentil, José Henrique, Lútfi e Luiz Gonzaga.
Passei o ano de 1963 no Seminário da Prainha, quando saí
para a vida leiga. No Seminário, em Sobral, minha ligação for-
te era com o esporte, tendo também participado da JEC, com
ótimos companheiros como Abner, François, Odi, Zé Carlos, os
que a memória me traz.
Fiz concurso para uma bolsa da SUDENE para cursar
Agronomia, que patrocinava o curso preparatório para o vesti-

250 Seminário da Betânia – 96 anos


bular e, caso aprovado, concedia uma bolsa de estudos durante
todo o curso, sem reprovação. Coisas do brilhante Celso Fur-
tado. Assim em 1968, graduei-me em Agronomia. Na época,
fiz política estudantil, sendo presidente do Diretório Central
dos Estudantes da então Universidade Rural de Pernambuco,
no período da ditadura militar.
Logo após, o governo da Bahia realizou uma seleção de
agrônomos no Recife e em Fortaleza, sendo selecionado e con-
vocado logo em janeiro/1969.
Inicialmente, trabalhei no Instituto Baiano de Crédito
Rural – IBCR – que desenvolvia um projeto de crédito rural,
orientado para produtores familiares de feijão, milho e arroz,
nas regiões de Irecê, Tucano, Itapetinga e Porto Seguro. Fui
sorteado para trabalhar em Irecê, que iniciava a trajetória que
a tornaria uma grande e produtora de feijão, conhecida nacio-
nalmente. De muita importância este projeto por apoiar, com
crédito orientado e de fácil acesso, os pequenos agricultores.
Assim, tive logo contato com segmento muito pobre e des-
protegido da população, a agricultura familiar, que busquei re-
lacionar-me de forma respeitosa e valorizando sua atividade.
Irecê, depois de alguns anos, tornou-se um grande produtor de
feijão, sendo conhecido como a terra do feijão.
Naquele período, envolvi-me em outras atividades, vin-
do em conjunto com um grupo amigos e colegas fundarmos a
Associação Cultural e Recreativa de Irecê - ACRI– clube que veio
a minorar a deficiência de equipamentos de lazer na cidade
e do qual fui o primeiro presidente. Também neste período
iniciei um relacionamento com uma jovem da cidade, que é
minha esposa até hoje, Eliete Alencar Mont´Alverne, neta de
cearense.
Em 1972, fui transferido para Salvador, após ter sido se-
lecionado para fazer curso de especialização em Planejamento

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 251


Agrícola, em Recife, organizado pela SUDENE. Este curso
preparava técnicos para comporem as Comissões Estaduais de
Planejamento Agrícola, que formavam o Sistema Nacional de
Planejamento Agrícola, coordenado pelo Ministério da Agri-
cultura e pela SUDENE, sempre presente. O planejamento
no Estado ainda era muito incipiente e esta iniciativa dava os
primeiros passos na área agrícola, consolidando as programa-
ções e acompanhando sua execução. Em 1975, fui morar em
Fortaleza com a família, para participar de curso se mestrado
em Economia Agrícola, desenvolvido pela Universidade Fede-
ral do Ceará/ Escola de Agronomia, onde convivi com colegas
de vários estados do Nordeste e cujos conhecimentos foram de
grande valia para minha vida profissional, além de viver dois
anos na maravilhosa cidade de Fortaleza. Foram dois anos
muito agradáveis entre familiares, meus pais moravam em So-
bral, e numa cidade com ótima qualidade de vida.
No início da década 1980 fui colocado à disposição da
Secretaria de Planejamento, lotado na Coordenação de Ação
Regional, que iniciava estudos para formulação de projeto de
desenvolvimento da Região do Lago de Sobradinho.
O Lago de Sobradinho é um dos maiores lagos arti-
ficiais do mundo, tendo 4.214 Km² de espelho de água, 400
km de extensão e 34 bilhões de m³ de água na cota máxima
de 392,5. Sua construção foi iniciada em 1973 e concluída
em dezembro de 1979. Para tal foram inundadas quatro sedes
municipais (Casa Nova, Remanso, Pilão Arcado e Sento Sé)
e numerosos povoados. Setenta mil pessoas foram transferi-
das de suas residências. Destas 25.000 (4.800 famílias) foram
deslocadas para as agrovilas no município de Bom Jesus da
Lapa, a Km de Sobradinho, construídas para receber os desa-
lojados da área da barragem. O principal objetivo da obra era
regularizar a vazão de 2.060 m³/s do Rio São Francisco para

252 Seminário da Betânia – 96 anos


garantir o funcionamento regular da geração de energia em
Paulo Afonso. Secundariamente, geração de energia, tendo
uma usina na barragem. Possui uma eclusa para passagem de
barcos pelo maciço da barragem devido ao desnível entre o
rio e o lago.
O Programa de Desenvolvimento da Região do Lago
de Sobradinho, financiado pelo BIRD e os Governos Fede-
ral e Estadual, teve um forte componente voltado à organi-
zação ou reorganização social e desenvolvimento sustentá-
vel, tendo em vista ser o público beneficiário os pequenos
produtores agrícola e trabalhadores rurais, que tiveram suas
comunidades relocadas, em função da construção da barra-
gem de Sobradinho. Destaca-se a implantação de três ter-
minais pesqueiros e implantação de perímetro irrigado de
220 há. Tive a satisfação de gerenciar este Programa por
dois anos, tendo oportunidade de desenvolver trabalhos no
sentido de oferecer aos relocados, muito traumatizados pela
obra governamental, alternativas para sua reorganização so-
cial e econômica.
Em 1985, o Conselho Regional de Engenharia, Arqui-
tetura e Agronomia da Bahia CREA-BA, na esteira da rede-
mocratização o país e no final da ditadura militar, realizou a
primeira eleição direta para presidência do Conselho no Brasil.
Concorremos nesta eleição e fomos eleitos com boa margem
de votos.
Em 1991, com o retorno do Carlismo ao governo da
Bahia, houve uma grande dispersão de técnicos da Compa-
nhia de Desenvolvimento e Ação Regional – CAR – que era
considerada foco de esquerdistas, fato este que ficou conhecido
simbolicamente como diáspora da CAR.
Então, a partir 1991 até 2015, fui colocado à disposi-
ção da Coordenação de Reforma Agraria, - CDA - que 1999

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 253


torna-se Coordenação de Desenvolvimento Agrário, onde
desenvolvi inicialmente trabalhos de apoio aos trabalhado-
res de usinas de açúcar do Recôncavo Baiano, no sentido de
lhes dotar com pequenas glebas de terra para agricultura de
subsistência. Desenvolvíamos também assistência a assenta-
mentos de reforma agrária através de investimentos sociais e
produtivos. No final da década o Ministério de Desenvolvi-
mento Agrário lançou o Programa Cédula da Terra, depois
denominado Programa de Crédito Fundiário e Combate à
Pobreza Rural, financiados pelo BIRD e Governos Federal
e Estaduais.
Este programa financiava imóveis rurais às associações
de produtores sem terra ou pouca terra, e destinava recursos, a
fundo perdido, para implantação de moradias, cercas, sistema
de abastecimento de água, equipamentos de beneficiamento
de produtos, lavouras comunitárias, e assistência técnica. Era
uma reforma agrária com a terra financiada e paga à vista ao
proprietário. Sabemos que a posse da terra no Brasil apresenta
uma concentração muito grande, quando 3 % das proprieda-
des detêm 56,7 % das terras agricultáveis. Por outro lado, os
trabalhadores rurais e pequenos agricultores carecem de terra
para o desenvolvimento de suas famílias. Os programas go-
vernamentais de reforma agrária não têm atendido, de forma
marcante, a esta carência. Durante mais de dez anos dirigi este
programa na Bahia, quando conseguimos financiar em torno
de duzentos e cinquenta imóveis rurais a associações de traba-
lhadores sem terra.
Posteriormente, assumi a Coordenação de Regulari-
zação Fundiária, outro setor de trabalho na área fundiária da
CDA. As ações desenvolvidas se referem, fundamentalmente,
à titulação de terras, já que a grande maioria das terras ocu-
padas não têm sua posse regularizada, ou seja, são terras de-

254 Seminário da Betânia – 96 anos


volutas pertencentes ao Estado e carecem do título de terra,
emitido por ele.
Para os pequenos agricultores, com até dez hectares, o
título é concedido gratuitamente. Além da regularização in-
dividual, os trabalhos se desenvolvem na regularização das
terras dos Quilombolas e de Fundos de Pastos. Estes se cons-
tituem em grandes áreas de terras no semiárido que pequenas
comunidades rurais, tradicionalmente, utilizam para pastoreio
coletivo, especialmente de caprinos e ovino, tendo cada parti-
cipante uma pequena área para cultivos de subsistência e de
palma. Também as prefeituras municipais são atendidas com a
realização de discriminatórias urbanas, quando são regulariza-
das as áreas particulares e das prefeituras. A titulação da posse
dá ao pequeno agricultor segurança quanto a possível grilagem
e lhe dá acesso ao crédito rural.
Em linhas gerais, esta foi minha trajetória profissional
para a qual busquei-me preparar de uma boa forma, dentro
de minhas limitações. A minha educação de casa, somada à
formação da Betânia, forjaram um cidadão de bom caráter,
com muito respeito humano e amor ao próximo. Estes pre-
dicados me orientaram na vida tanto de cidadão como de
profissional.
Sempre busquei ter grande respeito e lealdade aos co-
legas de trabalho e quando em posição de coordenação a fiz,
estimulando o trabalho solidário do grupo, a responsabilidade
social do serviço público e o respeito aos nossos clientes. Em
geral, trabalhei com a agricultura familiar o que muito me es-
timulou no sentido de buscar, com eles, alternativas que lhes
condicionasse a uma vida digna, num país de tantas e enormes
desigualdades.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 255


Hoje, aos 74 anos, vivo em Salvador há 48 anos, com e
para minha esposa Eliete, meus filhos Adelino, Cintia e Pau-
lo Marcelo e os netinhos Luiza, Alice, João e Marcelinho, seus
companheiros Fred e Drucila, e com bastante amigos que
consegui amealhar no meu ambiente profissional e social.

256 Seminário da Betânia – 96 anos


AO TRABALHO!!!

Ramiro Pereira
(De Santana do Acaraú-Ce, Economista, Analista de Sistemas, em Brasília)

Fui seminarista por cinco anos. Três deles (1961-1963)


na Escola Apostólica Nossa Senhora de Fátima, Floresta, For-
taleza; um ano no Seminário da Betânia (1964); um ano (1965)
no Seminário da Prainha em Fortaleza e um ano (1966) como
um agregado novamente na Betânia, já não mais como semi-
narista, neste período atuei como revisor do Jornal Correio da
Semana. Dos meus dez a dezesseis anos. Período muito rico
em experiências de toda ordem.
Depois de ser desligado do Seminário e antes de entrar
no mercado de trabalho formal de trabalho fui atendente numa
lanchonete em Caucaia-CE de propriedade de um tio meu que
me corrigiu os rumos pela vida (1967-1968). Foi um segundo
pai num período de minha vida onde eu precisava bastante de
direcionamento. O juízo andava meio curto.
Em 1968, ainda com 17 anos fui abençoado com meu
primeiro emprego formal. Através de um concurso um tanto
arranjado entrei para o Serviço Telefônico de Fortaleza, uma

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 257


autarquia da Prefeitura, como datilógrafo (datilografava com
dois dedos com razoável competência). O salário era pouco
mais que o salário mínimo. Pense numa pessoa feliz e realiza-
da, autônomo, dono de meu próprio nariz.
Ainda neste ano prestei vestibular e fui aprovado para a
Faculdade de Ciências Econômicas. Não que eu quisesse esta
profissão. Eu queria ser piloto da FAB mas um como tinha
daltonismo não fui em frente neste intento. Tinha outra pro-
pensão, Agronomia, mas como tinha que trabalhar durante o
dia este desejo foi esquecido.
Em 1969 dei de cara com um concurso interno para
profissionais de processamento de dados, operador de compu-
tador, programador e analista de sistemas. Iam instalar um “cé-
rebro eletrônico” no Serviço Telefônico. Eu não sabia do que
se tratava mas aventurei. Escolhi o que pagava menos (cinco
vezes o meu atual salário) para tentar garantir minha entra-
da no ramo. Não só passei quanto fui o único a me inscrever.
Poderia ter escolhido o que pagava mais… Fazer o que? Aí
começou a profissão que me acompanhou até o final da minha
vida laborativa.
Então o Serviço Telefônico virou Cotelce e depois virou
Teleceará com a criação da Telebrás. E eu, de operador de com-
putador virei programador e depois analista de sistemas.
Casei em 1974 com a mesma “ninfa” que me havia apri-
sionado nas férias do final do ano de 1963. Deste casamento
brotaram duas filhas, um filho e nove netos, lindíssimos e in-
teligentíssimos...
Neste mesmo ano por graça do destino me transferi para
a Telebrasília, uma empresa coirmã da Teleceará. Daí, no ano
seguinte fui trabalhar na Telebrás.
Exerci, nestas empresas, vários cargos, todos ligados à
área de dados.

258 Seminário da Betânia – 96 anos


Fui navegando nesta empresa e nessa atividade até 1996,
quando fui trabalhar no Ministério das Comunicações, como
encarregado da Informática. Nesta condição participei da cria-
ção da Agência de Telecomunicações (ANATEL).
Em 1997 fui diagnosticado com doença coronariana
grave que me obrigou a uma cirurgia cardíaca que me deixou
muito debilitado por uns dois anos. Por causa dela, fui afastado
e aposentado em 1998.
Depois disso ainda tentei voltar ao trabalho através de
uma firma de consultoria própria, mas uma implantação de
uns “stent” nas artérias do coração me convenceram de que não
valia mais a pena continuar o trabalho ativo. Fiz ainda alguns
trabalhos “free-lancer” mas já não sentia o mesmo gosto pelo
trabalho. Parei em definitivo.
Hoje só trabalho se não houver um cliente, um chefe ou
um subordinado.
Nestes últimos dias pensei bastante sobre qual a con-
tribuição definitiva e marcante que meus cinco (+um) anos de
Seminário trouxeram para minha vida profissional, vida esta
que segundo meus critérios foi muito exitosa, vejamos:

• desempenho escolar? Com certeza não foi uma


grande contribuição pois sempre fui um aluno mui-
to medíocre;
• princípios religiosos e morais? Tampouco, já os ti-
nha antes do Seminário. Meus pais, tios e tias já ti-
nham incutido bastante deles na minha cabeça para
o resto de minha vida; encaminhamento profissio-
nal? Também não foi, pois lá no Seminário só havia
o encaminhamento para ser sacerdote;
• disciplina e noção de obrigação? Alguma coisa disso
ficou, mas sempre fui um indisciplinado tácito;

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 259


• noções de coleguismo e equipe? Um pouco disso
também foi aproveitado, apesar de eu nunca ter tido
um grande espírito de equipe;
• noção de autoridade? Para dizer a verdade sempre
fui avesso a obediência.

Então, não soube achar algo preponderante o suficiente


para definir como causa ou causas de meu sucesso profissional
decorrentes do meu período de seminarista, mas todo o meu
ser me conduz a perceber que este período foi o mais enrique-
cedor, não só na profissão, mas em toda a minha vida.

Ramiro e esposa Maria Neila

Filha Denise com marido e três filhos


(Thiago, Matheus, Tomás e José)

260 Seminário da Betânia – 96 anos


Filho Lucas com Fernanda, Isabela e Marina

Filha Andréa com marido e 4 filhos ( João, Pedro, Davi. Manuela e Ana)

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 261


SABEDORIA, HUMILDADE E PAIXÃO

Prof. Teoberto Landim


(De Ararendá – Ce. Professor Mestre e Doutor em Letras -UFC,
em Fortaleza Ce.)

Acho que foi em 1956 que conheci o Padre Osvaldo


Chaves. Depois de alguns anos de atividades no magistério,
no Seminário Diocesano de Sobral e em outros colégios da ci-
dade, o professor Padre Osvaldo decidiu dedicar-se a sua mis-
são sacerdotal. E foi no corpo a corpo desse trabalho que lhe
fui apresentado, em Crateús, onde eu morava. O Mestre, agora
missionário, era Padre auxiliar da Paróquia, ao lado do então
Vigário, Padre José Maria Bonfim.
Eu era um garoto de 10 anos que pretendia ser padre,
por isso fui logo dominado pela curiosidade. Chamou-me
atenção, em primeiro plano, o andar daquele jovem Padre, um
andar manco, lento, dificultoso. Lembrei do meu irmão mais
velho que também foi acometido de poliomielite e que andava
assim. Depois descobri que o padre andava de bicicleta pelas
ruas da cidade.
Dizem que, até no seminário, ele singrava os imensos
corredores em sua Monark preta, com habilidade de um bom

262 Seminário da Betânia – 96 anos


ciclista. Admirava-me de sua careca adornada por uns restos
de cabelos laterais que teimavam em subir ao vento. Por outro
lado, chamava-me atenção o entusiasmo contagiante que tinha
pelo que fazia, apesar de velado pela humildade e pela paixão,
marcas que são registros das multifaces de sua vida, quer nas
missões sacerdotais, quer no exercício do magistério, ou quer
ainda no seu fazer poético.
Por um certo tempo tivemos interrompido esse contato
que nasceu sob o signo da admiração. Fizemos caminhos in-
versos: fui para o Seminário, achava que tinha vocação; o pa-
dre Osvaldo experimentava, no interior, uma vida paroquiana,
ao lado de padres velhos, rabugentos, acomodados e tempera-
mentais. Apenas em 1959, (lembro que estava cursando então
quarto ano ginasial) tive a alegria de ver o mestre de volta ao
lugar de onde nunca deveria ter saído. Dava aulas de Língua
Portuguesa. Aqui abro um parêntese para dizer que é impos-
sível fazer um retrato de corpo inteiro do meu ex Mestre por
me encontrar contagiado de uma grande dose de envolvimen-
to emocional, porque as relações professor/aluno no Seminário
de Sobral, sempre estiveram misturadas de amizade e respeito
mútuo, apesar das divergências que poderiam existir, muitas
de sentido pessoal, e outras no plano intelectual.
Como literato o Padre Osvaldo tem admirável visão da
obra literária, sem esquecer, privilegiando o estético, e dentro
de uma rede de relações sociais e culturais, sabe interligar com
fantasia e notável espírito crítico, os postulados do seu pensa-
mento. É um erudito que dava aulas de Língua Portuguesa,
através de textos de autores os mais representativos, abolindo,
parcialmente, a “decoreba” de regras gramaticais, sem nenhuma
praticidade. Entendia que, para se explicar um texto era pre-
ciso primeiro, tentar compreendê-lo, entendendo o vocabulá-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 263


rio, descobrindo a ideia principal, introduzindo uma análise de
conteúdo e, posteriormente, a análise gramatical. Posso dizer
que, um ano apenas sendo aluno do padre Osvaldo, foi uma
abertura de horizonte para a sequência dos meus estudos de le-
tras e tornar-me o professor, o escritor e o intelectual que sou.
Padre Osvaldo era rígido,
colérico com os alunos relapsos,
desconfiado com os que usavam
de malandragem, gentilíssimo com
os responsáveis. O mestre era tão
rigoroso que, talvez pensasse que o
aluno era de ferro e se ele deixasse,
usava e abusava nas tarefas. Mas era
honestíssimo nas suas avaliações, no trato com o ser humano e
sabia ouvir o que cada um tinha a dizer.
Quando fui diretor do Centro de Letras e Artes da UVA,
postei seu retrato no Curso de Letras, como justa homenagem
ao professor, ao grande poeta, e ao cidadão que é exemplo de
vida num mundo tão contraditório. É rico em alguns atribu-
tos nobres: morre, mas não fala mal das pessoas não desce a
vilezas; é discreto com o segredo dos outros, como os túmulos
invioláveis, não faz julgamentos morais, levando tudo na conta
da pequenez da natureza humana. É um trabalhador incan-
sável, um pastor sempre a serviço do seu rebanho, que pouco
soube o que era a vida privada.
Padre Osvaldo é sabedoria, é poesia que fala da vida, de
coisas simples que dão sentido à existência humana.

264 Seminário da Betânia – 96 anos


SEBASTIÃO TEOBERTO MOURÃO LAN-
DIM, de Ararendá – Ceará. Doutor em Letras,
Professor titular de Literatura Brasileira do De-
partamento de Literatura da Universidade Fede-
ral do Ceará. Membro da Academia Cearense de
Letras. Escritor. Presidente da Academia Cearen-
se de Língua Portuguesa 2018/2020. Obras: Con-
versa fiada (contos), (1983), Tocando em miúdos
(ensaios), (1984), Busca (romance), (1985), Li-
teratura sem fronteiras (ensaios), (1990), Seca:
a estação do inferno (ensaios), (1992), Colheita
tropical (ensaios), (2000), A próxima estação
(romance), (2002), Escritos do cotidiano (en-
saios), (2003), Ideia, pra que te quero (ensaios),
(2004), As noites acumuladas dos meus dias,
(2009), Agreste Aven, (2014), Escalador de so-
nhos, poesias.., (2016),

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 265


O SEMINÁRIO DA BETÂNIA ME
CAPACITOU PARA A VIDA

Vicente Lívio Rocha Giffoni


(De Acaraú-Ce. Agrônomo, Mestre em Solos, reside em Fortaleza-Ce)

N ascido em Acaraú-CE, no ano de 1951, filho de


Francisco Sales Giffoni e Maria Livramento da Rocha Gif-
foni. Criado em berço católico, onde fui Acólito, logo nutri
vontade de ser Padre. Foi quando, em meados de 1964, aos
13 de idade, em busca de melhores estudos e na ânsia de
dar seguimento à minha vocação, ingressei no Seminário da
Betânia.
Com o passar dos anos, sabia que em mim não havia
vocação para dar continuidade ao sacerdócio. Quando co-
meçaram aflorar outros sonhos e aspirações, em 1967, me
despedi, com grande tristeza, dos meus amigos queridos.
E fui em busca da formação acadêmica, levando na mala
saudades, mas em meu peito, vontade latente pelos dias
futuros.

266 Seminário da Betânia – 96 anos


De posse dos conhecimentos adquiridos no Seminário
da Betânia, onde obtive excelente aprendizado, fiz o científico
em Colégio de Fortaleza. Em início de 1971 prestei vestibular
e ingressei no curso de Agronomia, na Universidade Federal
do Ceará, formando-me em 1976.
O Seminário São José de Sobral, me preparou para a
vida e me proporcionou conhecimentos suficientes para me
sair bem nos cursos e exames que prestei.
Em 1977, dei início à minha trajetória profissional. Mu-
dei de Fortaleza-CE para Porto Velho-RO, tendo em vista
que, no Ceará àquela época, tudo ou quase tudo, girava em
torno da politicagem. Foi quando me submeti a entrevista com
o Recursos Humanos da ASTER-RO, hoje EMATER-RO,
Organização Modelo de Extensão Rural, na qual ganhei vasta
experiência, não só profissional, como também intelectual.
Através de Cursos e Mestrado, em solos e nutrição de
plantas, pela Universidade Federal do Ceará, obtive a capaci-
dade de entender melhor as atividades da empresa, conviver
com o público a ser trabalhado em extensão e, por consequên-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 267


cia servi-la de forma mais plausível e produtiva. Ali trabalhei
durante oito anos, prestando serviços de excelente qualidade
àquela comunidade, nos mais diversos cargos:

1. Coordenador de Escritório Local,


2. Coordenador de Escritório Regional,
3. Assessor Técnico de Borracha Natural (HEVEI-
CULTURA),
4. Coordenador de Operações,
5. Coordenador Técnico – Substituto,
6. Coordenador de Planejamento – Substituto,
7. Secretário Executivo – Substituto - o que corres-
pondia a Presidente da Empresa de Extensão Rural
de Rondônia.

Em 1984 retornei à Fortaleza- CE. Ingressei no De-


partamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNO-
CS, onde permaneci até o dia da minha aposentadoria, em
fevereiro de 2019, totalizando 34 anos, 8 meses e 29 dias
de bons serviços prestados com retidão e seriedade aquela
Autarquia Pública Federal, nunca me desviando das minhas
atribuições, nem deixando passar pelo meu crivo, nada que
não fosse condizente com a verdade, o qual exerci os se-
guintes cargos:

1. Chefe da Seção de Fitotecnia, da Segunda Diretoria


Regional do DNOCS, no Ceará;
2. Membro da Comissão para execução do Programa
de Emancipação na Segunda Diretoria Regional do
DNOCS, no Ceará;

268 Seminário da Betânia – 96 anos


3. Chefe da Seção de Conservação de Solo e Água da
Segunda Diretoria do DNOCS, no Ceará
4. Membro da Comissão Permanente de Engenheiros
Agrônomos do Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas – DNOCS, junto à Associação de
Engenheiros Agrônomos do Ceará.
5. Chefe do Grupo de Licitação da Segunda Diretoria
Regional do DNOCS no Ceará – Substituto.
6. Assessor Técnico de 5 (cinco) Diretores Regionais
da Segunda Diretoria Regional do DNOCS no Ce-
ará, no período de 1996 a 2008.
7. Chefe Técnico da Coordenadoria Estadual do
DNOCS no Ceará – Substituto.
8. Chefe do Setor de Piscicultura da Coordenadoria
Estadual do DNOCS no Ceará.

Me orgulho por ter trabalhado e contribuído para o en-


grandecimento do Semiárido Nordestino, conforme comprova
certificado abaixo:

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 269


Tudo isso só foi possível, graças a todos os conhecimen-
tos adquiridos durante a minha passagem pelo Seminário São
José de Sobral (1964-1967), e todos os valores ensinados por
meus Pais.

VICENTE LIVIO ROCHA GIFFONI - Casado com Karen Evelin Mota


Damasceno de Sousa Giffoni (Advogada). Pai de Carlos Eduardo Amorim Giffoni
(Farmacêutico).

270 Seminário da Betânia – 96 anos


POSFÁCIO

Depois da leitura destes textos, precedidos pela Apre-


sentação de Dom Edmilson da Cruz e do Prefácio do Padre
José Linhares, todos escritos com muita emoção, os leitores,
certamente, se questionarão: Qual a razão de tanto entusiasmo
e de tantas histórias positivas?
Sentimo-nos no dever de mostrar o que era e como era
o nosso Seminário e quem eram os nossos Reitores e Profes-
sores. Daí nasceu a ideia deste Posfácio.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 271


O NOSSO SEMINÁRIO DE SOBRAL

Ter um filho estudando no Seminário Menor de So-


bral era o grande sonho de muitas famílias da região norte
do Ceará. Mesmo que não chegasse ao sacerdócio, já era um
privilégio. Além da certeza da aprendizagem de alto nível e
da formação moral para os filhos, não havia outras opções
atraentes. As cidades, nas décadas de 50 e 60, não ofereciam
oportunidades além do ensino primário. Quando muito, fun-
cionavam as Escolas Reunidas, com duas turmas pela manhã
e duas à tarde, sem a mínima estrutura. Geralmente em salas
alugadas em alguma casa grande. Na zona rural, a situação era
mais difícil ainda. As poucas famílias que se interessavam pelo
estudo dos filhos tinham que contratar um Professor para dar
aulas em domicilio.
O Seminário tinha o objetivo de preparar futuros pa-
dres. Para cuidar desta tarefa, Dom José, selecionava os Padres
mais bem preparados. O Seminário tinha uma estrutura fun-
cional semelhante à que Dom José vivenciara em Roma. Era

272 Seminário da Betânia – 96 anos


o modelo. Tudo muito bem planejado. Horários rígidos para
estudo, para orações, para o lazer. Havia um Regulamento que
era, rigorosamente, cumprido.
Da estrutura também fazia parte um Diretor Espiritual
que tinha a tarefa de conversar e orientar os seminaristas. A
formação religiosa era, sem dúvida, o centro da atenção dos
dirigentes. A oração estava presente em todos os momentos da
vida coletiva. Ao despertar, todos rezavam o Te Deum. Após
os momentos de ginástica e asseio matinal, havia a Oração da
manhã, a Meditação e a Missa. Antes e depois das refeições e
das aulas. Diariamente, havia a reza do terço. Antes de dormir,
havia a oração da noite e, já no dormitório, enquanto os alu-
nos se preparavam para dormir, rezavam o Miserere. Todas as
orações em latim.
No início dos períodos letivos sempre havia um Retiro
Espiritual com duração de três dias e com a participação de
um pregador convidado. Durante o período do retiro, era si-
lêncio absoluto. As palestras eram seguidas de momentos de
meditação e leituras complementares.
Além das aulas, o Seminário proporcionava outras opor-
tunidades para o aprendizado dos alunos. Havia o Grêmio São
Tomaz de Aquino que promovia eventos literários e artísti-
cos em que os alunos apresentavam seus talentos. Os alunos
também promoviam eventos esportivos com a realização de
torneios de futebol entre as classes. O principal adversário ex-
terno do time do Seminário era o Colégio Sobralense. Em dias
festivos, sempre havia um jogo.
A maioria dos meninos tinha de doze anos acima. Éra-
mos divididos em dois grupos. Os Menores, normalmente até
15 anos. Os mais velhos formavam a Divisão dos Maiores. Não
se comunicavam entre si, durante o período letivo, a não ser em

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 273


sala de aula. Havia tempo para estudo e preparação das aulas.
O Professores, em maioria, eram padres. Na condução de cada
Divisão, estavam dois Seminaristas cuidadosamente selecio-
nados pelo Reitor e os padres que o auxiliavam nas questões
disciplinares.
Além dos dirigentes e professores contávamos com uma
equipe de apoio, composta por pessoas especiais e competentes
em suas respectivas tarefas. Na gestão do refeitório, cuidando
de nossas alimentações tínhamos a Irmã Hermenhilde e sua
equipe de religiosas e jovens que se preparavam para a vida
religiosa.
Nos serviços gerais contávamos com seu Pedro Lúcio
que era muito requisitado para cuidar dos serviços de restau-
rante dos principais clubes de Sobral. Tínhamos ainda Seu
Raimundo, o Raimundinho, o Tobal e outros eventuais. Para
cuidar do corte de nossos cabelos, contávamos com o Juvenal
que, anteriormente, pertenceu aos Oblatos Diocesanos. Mais
tarde, tornou-se motorista da Diocese de Sobral.
Nosso ano letivo começa no dia 8 de fevereiro e pros-
seguia até 01 de julho. Retornávamos das férias no dia 1 de
agosto e ficávamos em Sobral até o dia 8 de dezembro. Na
semana da Pátria, havia um recesso de uma semana de lazer.
Íamos para a Serra da Meruoca, onde Dom José construíra um
Seminário com esta finalidade. Muitas vezes, ele ia passar o
dia 10 de setembro, seu aniversário, com os seus Seminaristas.
À nossa disposição havia um grande sítio com muitas frutas e
mais um engenho produzindo o caldo de cana, o mel, a rapa-
dura e o alfenim para o nosso consumo.
Muitos grupos se organizavam para escalar os vários
montes que circulam a cidade de Meruoca. Os dias no Semi-
nário se tornaram inesquecíveis para todos nós.

274 Seminário da Betânia – 96 anos


NOSSOS REITORES

O Padre Reitor

Sabino Guimarães Loiola era o seu nome completo.


Nasceu no dia 25 de agosto de 1909, no lugar denominado
Campo Novo, então, município de Sobral. O local da casa
onde ele nasceu, conforme ele próprio me disse, foi recoberto
pelas águas do açude Forquilha. Batizado, ele foi pelo Padre
Francisco Cândido de Vasconcelos, no dia 03 de outubro no
mesmo ano do seu nascimento. “O termo de batismo está assi-
nado pelo vigário Padre José Tupinambá da Frota, (Liv. Sé de
Sobral, N. 56. Fl.61v.) Esses dados foram obtidos dos registros
feitos no volume III, do livro “Ungidos do Senhor”, da autoria
de Aureliano Diamantino Silveira.
Aos 14 anos de sua idade, Sabino Guimarães Loiola,
conforme ele mesmo me disse, foi interrogado por seu pai,
quando ele lhe falou: “Sabino, chegou o tempo de você estudar,
você quer ir para o Liceu(o pai queria que ele estudasse para
ser advogado) ou para o Seminário”? Ao que ele respondeu:
“Seminário”. Assim, foi, por ter ele achado mais bonito o nome
Seminário.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 275


Naquele tempo, como também, no meu, a palavra Semi-
nário era indicativa de ser um dos melhores colégios que havia.
Continuando ao que ele me disse, matriculou-se primeiro, no
Seminário Menor de Fortaleza, aos 17 de setembro de 1924,
ele nos 14 anos da sua idade. O Seminário de Sobral ainda
não existia. E, além disso, por não ter conseguido acompanhar
o curso, por lhe ter sido difícil a compreensão das disciplinas
ministradas, voltou para Sobral e, em 1925, a convite espe-
cial de D. José, matriculou-se no Seminário Menor de Sobral,
onde hoje funciona o colégio Sant’Ana e posteriormente foi
transferido para a Betânia. Recebeu a Ordenação Sacerdotal
em Sobral, a 10 de fevereiro de 1935 e como primeira função,
depois de ordenado, foi nomeado Capelão da Santa Casa e
Secretário do Bispado. No curso da sua vida sacerdotal, exerceu
várias outras funções tais com: Diretor da Obra das Vocações
Sacerdotais; Fundou e dirigiu o jornal “O Sacerdote”; Diretor
do jornal “Correio da Semana”; Por duas vezes, foi Reitor do
Seminário Diocesano de São José de Sobral(De 1936 a 1939;
De 1948 a 1957). Por colegas de turma ele teve: Eloy Nogueira
Mota, João Batista Pereira, Sabino Lima Feijão, João de Fran-
ça Melo, José Bezerra Coutinho, Antônio Regino Carneiro,
João Teófilo Soares, Sebastião Carlos de Lima, Adualdo Batis-
ta e Araújo, Inácio Nogueira Magalhães, Manuel do Carmo de
Albuquerque, Alexandre Neves de Oliveira, Expedito Noguei-
ra Mota, Francisco Napoleão de Macedo, Antônio Saboya de
Barros, Olympio Rodrigues Moreira, José Freire Filho, Antô-
nio Benjamin Cavalcante, Eudes Nogueira Aguiar, Danilo da
Silveira Borges, Nilo Verniaud, Francisco Linhares, Caetano
Dyonísio Alves, Francisco Olynto Leitão, Francisco das Cha-
gas Costa, Antônio Gerardo de Maria Aguiar, José Jarbas de
Vasconcelos, Melchiades Ribeiro. Essa relação me foi forneci-

276 Seminário da Betânia – 96 anos


da, pelo próprio padre Sabino, em uma das visitas que lhe fiz
em Sobral, muitos anos depois.
Com estas vinte e nove sementes, D. José deu início ao
cultivo da grande “messe”, a exigida pelo Mestre. Nela, se fizeram
brotar inúmeros rebentos, que também cresceram, que também
se esgalharam, que também floriram e que também produziram
sombras, deram frutos de que se alimentaram muitos. A outros
tantos protegeram, saciaram alguns, não conseguindo satisfazer
a todos. A Deus, deixaram o julgamento deles próprios. As suas
sementes se reproduziram, se transplantaram em novas mudas,
na pessoa de bispos e de sacerdotes, que rápido, a outras dioceses
foram para multiplicar-se em novos frutos, para saciar outros,
distantes e famintos ainda, de evangelização e de humanização,
e, assim, puderem o quanto permitido fosse, atender o pedido do
Mestre, quando disse: “A messe é grande e precisa de operários.”
Pela primeira vez, eu o vi em novembro de 1951, quando
fui fazer o terrível exame de admissão. Foi ele quem assinou o
boletim das notas que obtive, fui aprovado para fazer o Preli-
minar. Não consegui alcançar o primeiro ano, fui reprovado em
português e Matemática. Não sabia falar e nem contar.
Esse boletim, como todos os demais, do curso que fiz no
seminário, há 69 anos, eu os tenho comigo.
Àquela altura da minha vida, não pude conhecê-lo. Pas-
sei a conhecê-lo, a partir de 1952. Conheci-o como o Padre
Reitor. Era um homem, de rosto sisudo. De procedimento, de
atitudes e de aspecto, que a mim, me faziam parecer, ser ele, um
homem austero. Por temê-lo, comecei a respeitá-lo. Temia o
tom da sua voz. De longe, eu escutava os seus sapatos batendo
no chão.
Para mim, eu estava sendo continuadamente visto e vi-
giado por ele. A mim e aos que compunham a saudosa turma

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 277


de primeiranistas de 1953, foi ele quem deu a primeira aula de
Latim. Só entendi naquela aula que o Latim era uma língua
falada numa região da Itália chamada Lácio. Quanto a reco-
nhecer as declinações e declinar as palavras, nada entendi.
Fiquei apavorado. Pensei não poder ser padre, por não
ter aprendido Latim. As aulas seguintes foram dadas pelo pa-
dre Joaquim Arnóbio de Andrade. E, assim, as coisas melho-
raram para mim.
As suas ordens tinham que ser imediata e, continuada-
mente, obedecidas. Era exigente no que se referia ao “regula-
mento do seminário”.
A observância do silêncio na capela, no salão de es-
tudos e na fila, que nos conduzia às distantes dependên-
cias do grande seminário, muitas vezes, era, por ele, segui-
da, observada e cobrada. Entendi, naquele tempo, que a sua
maior característica era a observância da disciplina. Nossas
batinas não lhes poderiam faltar um só botão. O colche-
te, ao nível do colarinho, deveria sempre estar devidamente
ajustado, sob a pena de uma oportuna e dura repreensão.
Exigia-nos permanente estudo na preparação das aulas e o
respeito devido aos outros padres, professores nossos. Com
ele eu aprendi a obedecer, mesmo sem a pretensão de sa-
ber mandar. Era um homem da confiança do bispo. Era de
forte compleição física e de aspecto robusto. Era piedoso e,
muitas vezes, na sala da reitoria, como a mim, aconteceu,
mostrava-se um verdadeiro amigo.
Foi, contudo, sob a sua direção, sob as suas ordens, sob
as suas determinações e exigências que eu fui educado. Lem-
bro-me de tê-lo ouvido quando ele falou “Quem não faz silêncio
não pode ser padre e quem não pode ser padre tem que ser, no míni-
mo, um bom cristão.”

278 Seminário da Betânia – 96 anos


Revestido com a indumentária própria para a ocasião, de
barrete e estola, em um modesto púlpito, na igreja matriz de
Cariré, eu o vi fazendo o panegírico, na primeira missa cele-
brada por um recém-ordenado e que também, como eu, havia
sido discípulo dele. Filho da terra, o neo sacerdote orgulha-
va-se de tê-lo, como aquele que o saldou. Desde o dia da sua
ordenação, o novo sacerdote antecipou ao seu nome a palavra
Padre e, assim, o seu nome passou a ser, Padre Antônio Silvei-
ra Bastos. Empolguei-me com aquele discurso. Achei que um
dia, eu também, poderia ouvir um, semelhante àquele e, em
homenagem a mim.
Naquele tempo e, no seminário, as ordens vindas dos
superiores eram bem acolhidas, bem respeitadas e consciente-
mente cumpridas. Sob sua direção, eu estive até 1957, quando
ele foi ser vigário em São Benedito, ocupando a vaga deixada
pelo padre José Bezerra Coutinho, que havia sido nomeado
bispo auxiliar na diocese de Sobral. Passamos a ter como reitor
o padre Francisco Austregésilo de Mesquita Filho, meu pro-
fessor de Português no primeiro ano e de Matemática nos anos
seguintes. Lamento não ter aprendido um pouco do muito que
ele me ensinou. Foi ser bispo da diocese de Afogados da Inga-
zeira, no estado de Pernambuco.
Muitos anos depois de ter sido seu aluno, por algumas
ocasiões apenas, fui visitar o padre Sabino em Sobral. Eu, já
transformado, em médico, ele vivendo os proveitos da expe-
riência e a elegância da honrosa velhice. Grisalhos, já eram os
meus cabelos e iguais aos dele, como no tempo em que eu
o conheci. A força, no entanto, da autoridade permanente-
mente viva, no seu porte e no seu rosto, eu já não vi mais. A
firmeza do seu andar em porte autoritário transformou-se na
leveza e na lentidão dos seus passos, fazendo lembrar aqueles

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 279


ensaiados, no início da sua vida, que também, eram curtos, que
também eram inseguros e que também, eram incertos, necessi-
tando continuadamente de urgente apoio. O terror contido em
sua autoridade e que, no seu rosto sobre mim, por muitas vezes,
se fazia aflorar e inesperadamente sobre mim, recaindo duran-
te os meus saudosos tempos de estudante, transformou-se em
delicadas palavras de verdadeira amizade. Com ele, eu aprendi
a traduzir para o Português e para a minha vida, a expressão:
“Omnis potestas venit a Deo.” Toda autoridade vem de Deus.
Nas prazerosas visitas que eu lhe fazia, observava que
ele parecia querer resumir em poucas palavras cheias de
bons ensinamentos e no curto espaço de tempo reservado a
uma visita, tudo o que me havia sido dito pelos padres, pro-
fessores meus, que me haviam ensinado a ler, a ser e a rezar.
A mim, ele me oferecia livros para ler, café para tomar,
poltronas para sentar-me, perguntava-me por onde eu tinha
andado, se eu havia conservado a fé, insistia prudentemente
para que eu me conservasse um bom cristão, amando Jesus
Cristo. Curiosidades, por mim, até então, desconhecidas, ele
me revelou do exercício do seu sacerdócio e do sacerdócio
exercido por outros padres, no sentido de que eu me fizesse, a
cada dia, mais perfeito e, elegantemente, me tratando sempre
por doutor.
Ao Revmo. Padre Sabino Guimarães Loiola, em espíri-
to, eu agradeço a colaboração, que dele eu recebi para ser o que
hoje eu sou e para saber o que hoje eu sei.
E, diante do Nosso Deus, Todo Poderoso, Ele, no alto
dos céus, eu, na insignificância do que sou, como se numa ho-
menagem póstuma, ao Padre Reitor, pudesse ser, eu o reveren-
cio fazendo votos a este nosso Deus, para que Ele me atenda
favoravelmente e, para que Ele tenha, junto a Si e, aos outros

280 Seminário da Betânia – 96 anos


santos seus, a alma do nosso Reitor, o Padre Sabino Guimarães
Loiola, para que no céu, sua alma receba o que aos justos, no
Sermão da Montanha, foi prometido pelo próprio Jesus Cris-
to. De joelho, junto a Jesus Cristo, eu insisto, solicitando d’Ele,
a divina recompensa ao padre Sabino Guimarães Loiola, por
tudo o que de bom, ele fez e por tudo o que de bom, ele foi.

Viçosa do Ceará, 22 de novembro de 2020.

Dr. Plínio Belchior Fernandes Magalhães, de Viçosa do Ceará

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 281


Dom Francisco Austregésilo de
Mesquita Filho

Quem foi o Padre Austregésilo em nossas vidas?


A equipe organizadora desta edição - “ad laborem” - de
nossas reminiscências, pediu a alguns de seus “autores”, um de-
poimento sobre professores ou diretores que marcaram nossas
vidas. É claro que, para mim, não poderia ser outro, senão, o
Padre Austregésilo. Convivi com ele, admirando-o sempre, dos
meus 12 aos 60 anos. Ater-me-ei à fase inicial.
Ordenado sacerdote, começou seu ministério no Semi-
nário de Sobral, em 1952, como professor de português, litera-
tura e matemática, também mais tarde, Reitor. Em apenas 09
anos, marcou tão profundamente, seu trabalho que, em 1961,
foi eleito bispo para a Diocese de Afogados da Ingazeira em
Pernambuco, onde permaneceu até 2001 e lá morreu em 2006.
Como crianças que éramos, adolescentes, o admiráva-
mos pela maneira de ministrar suas aulas, com tanta segu-
rança, sabedoria, recursos didáticos e persuasão, que seria im-
possível não aprendermos. Falava tão alto, que incomodava as
salas de aulas vizinhas. Havia reclamações, de modo que ele
pedia a um aluno para chamar-lhe a atenção, quando exage-

282 Seminário da Betânia – 96 anos


rasse. Valia pouco “a chamada de atenção”, pois ele continu-
ava no mesmo tom, até concluir seu pensamento. O aluno o
advertia do barulho e ele dizia: “ah! Seu malandro”!...
Quando um de nós adoecia, tinha que ficar na enfermaria,
embora não houvesse enfermeiro ou enfermeira no Seminário.
Esse trabalho competia ao reitor. Quase todos os seminaristas,
éramos do interior ou da zona rural. Tínhamos muito medo de
tomar injeção. O Padre Austregésilo aplicava no próprio mús-
culo, a injeção, dizendo: “olha, cabra mole, como é simples. Nem
dói”. E a gente criava coragem e aceitava o sacrifício.
Todos recordamos muito seus sermões: verdadeiras
obras literárias, suas comparações, suas prolongadas alocu-
ções, cheias de elipses de verbos, de circunlóquios, de mui-
tos recursos de oratória e de retórica, deixando-nos a todos,
boquiabertos. Se, pela pouca idade e sabedoria, não alcan-
çávamos esses detalhes literários, ficávamos muito mais ad-
mirados ao ouvir outro “monstro sagrado” do clero sobralense
comentar: “o Tregeba falou uns 10, 15 minutos, sem colocar
um verbo em seu discurso”. A gente que nem havia percebido
esse detalhe, comentava: “quem é mais sábio: o que falou, ou
o Pe. Osvaldo, que entendeu seus recursos de oratória”?
O apelido “Tregeba” era usado pelos seus amigos mais
íntimos, dada a dificuldade que todos tinham de chamá-lo
“Austregésilo”. Por isso mesmo, ao chegar a Afogados da In-
gazeira, ele se apresentou como ‘Dom Francisco’, para que o
povo mais simples não encontrasse dificuldade em saudá-lo.
Morreu aos 82 anos de idade sem publicar uma Gramá-
tica Completa da Língua Portuguesa de sua autoria, que infor-
mava, nos mínimos detalhes, tudo o que fosse necessário para
se conhecer bem nosso vernáculo. Nessa idade, ainda tinha voz
firme, corajosa e forte, na defesa dos mais humildes.
Pe. Fco. de Assis Rocha, de Bela Cruz–Ce

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 283


Em Tributo ao Padre-Reitor
José Linhares Ponte

Vi alta relevância e significados nobres na decisão de


Leunam Gomes. Nosso operoso editor, ouvidos os pares, re-
solveu acrescentar um POSFÁCIO especial ao livro AD LA-
BOREM, atualmente em preparação, no qual, por textos indi-
viduais, poderíamos emitir pontos de vista sobre a importância
que tiveram na nossa formação os padres-mestres da Betânia.
Qualquer que tenha sido o período em que lá tenhamos estu-
dado, um grupo de diletos padres-educadores nos conduzia,
exercendo em proveito da nossa educação, incumbências prin-
cipais que podiam ser de Professor, Orientador Espiritual, Pre-
feito, Ecônomo, Regente de Música ou Reitor da instituição.
Senti-me muito honrado com o convite que aceitei, de
plano, para homenagear o Padre José Linhares Ponte. Sempre
demonstrando firmeza e admirável eficiência, era ele o Reitor
do período em que lá estudei. Antes de assumir a Reitoria, Pa-
dre José Linhares ocupara quase todos os cargos da instituição,
pois se não fora Orientador Espiritual de fato, era conselheiro
espontâneo de muitos que com frequência o demandavam.
Padre José Linhares integrara-se à equipe do Seminário
Diocesano de Sobral bem jovem, logo depois de sua ordenação

284 Seminário da Betânia – 96 anos


em fins de 1955. Após cinco anos de experiência direta com
educandos jovens, a maioria deles de idade entre 11 e 18 anos,
assumiu as funções de Reitor (1961 a 1965), sendo hoje, para
alegria de quantos com ele conviveram o único a continuar
entre nós.
Assim, nada mais justo e louvável do que esta homena-
gem ao Padre Zé Linhares, como carinhosamente o tratáva-
mos, extensiva também ao time de padres-mestres sob sua li-
derança. Num flash de época, meu reconhecimento e saudades
alcançam também Luizito Dias, Oswaldo Chaves, Albani Li-
nhares, Francisco Tupinambá, Francisco Moésia, Edson Frota,
João Lira, Jairo Linhares (In memoriam).

À ocasião do convite de Leunam Gomes, ao telefone


mesmo, já pude enaltecer o alcance da iniciativa. Pela lista de
homenageados, criava-se a oportunidade de deixarmos como
legado, escritos registrando os méritos, a importância e o pa-
pel de tantos sacerdotes-educadores, cuja vida, em grande
parte, esteve dedicada ao Seminário de São José de Sobral.
Até ouso afirmar que, de certa forma, sem este POSFÁCIO,

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 285


construído a muitas mãos, em homenagem a tantos, o livro
AD LABOREM, enquanto crônica de nossas trajetórias
pessoais de vida e trabalho se revelaria incompleto.
Complexa era a responsabilidade do grupo de sacer-
dotes-educadores, pois em regime de internato tradicional,
cuidavam da formação intelectual, espiritual e vocacional de
jovens que, encaminhados por famílias das paróquias da Dio-
cese, ou de fora dela, eram acompanhados naquela semen-
teira onde, por anos, habitariam à pension complète e teriam
educação formal e religiosa, com vistas a uma opção que o
amadurecimento pessoal, a orientação recebida e o livre ar-
bítrio iriam definir. Muitos permaneciam por algum tempo
somente, outros, o tempo todo da formação. Mas, como era
próprio do processo que experimentavam, poucos chegavam
ao sacerdócio. Mas, quando este objetivo não se concretizava,
sem dúvida, a experiência mesmo pequena resultava em con-
quista de valores humanos básicos e preparação para outros
caminhos igualmente.
Em sua existência, emblematizada por imponente e
majestosa edificação, de frontões sob influência da arquitetura
neoclássica, de pés direitos generosos e corredores alongados
que embelezam seus espaços interiores, o Casarão da Betânia,
como afetivamente nos referimos ao então Seminário Menor
de Sobral, foi lugar onde a minha e diversas outras gerações de
seminaristas viveram por algum tempo, construíram valores e
sedimentaram aprendizados que são aqui evocados como nor-
teadores de suas vidas.
Antes de 1934 e depois de 1969, outras casas abrigaram
o Seminário Diocesano de Sobral, mas nenhuma, talvez, com
a grandiosidade, carisma e majestade que caracterizam nossa
poética e eternizada Betânia, atualmente, sob outro uso nobre

286 Seminário da Betânia – 96 anos


em educação, pois abriga a Universidade de todo o Vale Aca-
raú, a UVA.
Dali, até parece que tudo se cristalizou, compondo acer-
vo diverso a ocupar lugar em nossas mentes. Vida em comu-
nidade, convívio fraterno, orientação lúcida e exigente, sonhos
e ideais... conhecimentos novos, aprendizados, reflexão... horas
dedicadas à meditação... direito à dúvida e à escolha ... o alari-
do dos recreios ... a curiosidade exercitada nas salas de aula... e
até tricas e futricas juvenis naturais de internato, são coisas que
não foram esquecidas; o silêncio acolhedor da Capela do Pre-
ciosíssimo Sangue, a sombra dos benjamins e oitizeiros e até os
aracatis que sopravam somente depois das 16 horas... tudo isto
ainda está em nossas lembranças, de algum modo, em algum
grau, com algum significado, mesmo depois de tanto tempo. É
só voltar no tempo, afastar um pouco a poeira assentada sem
reservas, recalques ou fantasias e tudo desse período de vivên-
cia singulares de nosso passado vem à tona.
O episcopado de Dom José (1916-1959) imprimiu
orientação praticamente linear ao Seminário durante todo
este tempo. O Seminário era à sua imagem e semelhança. E
se, por um lado, tal linearidade possa ser criticada, por outro,
cabe reconhecer que serviu à sua materialização e consolida-
ção como instituição educacional sólida, socialmente inclusi-
va e de prestígio, para muito além das fronteiras da Diocese
de Sobral e dos seus fins específicos de formar jovens para
o sacerdócio católico. Ao longo do tempo, os notáveis que
conduziram o Seminário São José, a exemplo de Padre José
Linhares, deram-lhe vida e souberam adequá-lo às realidades
que se impunham.
Por isso, no rastro do que aprendi com o Padre José Li-
nhares e seus colaboradores, e vivenciei na Betânia do meu

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 287


período, muito me engrandece a oportunidade de ter estado
ali, de ter a graça de ainda estar vivo e de poder emitir estes
testemunhos, cerca de 60 anos depois.
Meu ingresso no Seminário de Sobral aos 17 anos, em
1962, se deu após quatro anos de estudos no Seminário Ar-
quidiocesano de Fortaleza, a Prainha. As comparações entre as
duas experiências seriam inevitáveis para mim, pois entre elas
existiam largas diferenças formais.
De chegada e sob a orientação direta do Padre José Li-
nhares, Reitor que pessoalmente acolheu a minha transferên-
cia, logo pude discernir, sob sua orientação, de que existia um
mundo que até ali eu ainda não percebera e, do qual, eu não só era
parte integrante, como também agente de transformação. Este foi,
sem dúvida, não só o primeiro, como o mais importante apren-
dizado que o conselheiro e amigo Padre Zé Linhares, ali, me
levou a não só compreender, como a perseguir como lema de
vida. Um legado que me acompanhou vida afora.
Num recorte desses tempos, jamais me saiu da memó-
ria a Semana de Estudos e Debates por ele comandada, no
primeiro semestre de 1962, levando à Betânia um time mul-
tidisciplinar de educadores leigos de primeira linha, formado
por Lauro Oliveira Lima, Luíza de Teodoro Vieira, Eduardo
Diatahy Bezerra de Menezes, D’Alva Estela Nogueira, com
os quais podemos estar diante de conhecimentos novos, expor
dúvidas e aprofundar questões contemporâneas que respon-
diam a muitos dos nossos anseios e preenchiam a curiosidade
de jovens em formação.
A partir desse momento, para mim iluminado e antes
jamais vivenciado, percebi que eu existia no mundo e que uma
adolescência, até ali distanciada de questões existenciais de
maior sentido, por certo, começava a se encerrar. Aquela se-

288 Seminário da Betânia – 96 anos


mana de estudos me encantou! Despertou-me sobre muitas
coisas, notadamente sobre questões sociais e sobre a Igreja da-
queles dias, em aggiornamento.
Depois de alguns meses na instituição, recebi dois con-
vites do Padre José Linhares que me transformaram como ho-
mem e cristão. Um desses, para compor um Grupo da JEC
– Juventude Estudantil Católica, sob sua orientação; o outro,
para o encargo de Coordenador interno das Obras das Voca-
ções Sacerdotais - OVS, como colaborador da sua Presidência.
Para o jovem que acabava de chegar à Betânia, vindo de
uma instituição similar, mas mais fechada, as oportunidades
de participação e os envolvimentos resignificaram sua vida. De
maneira mais consciente, começava a se formar, a partir da-
quele momento, o cidadão que hoje sou. Incompleto sim, mas
consciente do seu papel no mundo. Pelas doutrinas de JEC,
me vi despertando e ganhando consciência como individuo,
aprendendo, dali em diante, a reflexão como base para a ação.
Da experiência da OVS, a lição maior foi o desenvolvimento
da percepção da existência do outro, do próximo, do carente, com
mais clareza.
Por suas qualidades, já àquele tempo, na Betânia, mes-
mo para nós, meninões ainda, não era difícil visualizar que o
jovem Padre José Linhares teria luminosa trajetória. Sempre
desempenhando funções relevantes, apoiado em sólidos co-
nhecimentos, não tardaria vê-lo notabilizar-se como gestor,
educador, homem experiente, firme, polifacetado e cultor da
arte de orientar pessoas. Desde cedo, começou a revelar-se
como o homem competente e o cidadão que hoje conhecemos:
padre, administrador, teólogo, filósofo, psicólogo, psicanalista e
homem político nacional de destaque. Homenageá-lo por es-
tas páginas é muito importante para seus ex-seminaristas, mas

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 289


é pouco. Este texto constitui-se apenas licença para volta a um
passado ao qual ainda estamos ligados e um modo de reencon-
trá-lo naquele momento em que ao lado dos seus professores
e colaboradores fizemos o Seminário da Betânia de então, por
ele dirigido.
Modesto Siebra Coelho, de Itapipoca–Ce

Padre José Linhares Ponte


José Henrique Leal Cardoso

Padre José Linhares, nosso amigo,


no, da Betânia, Velho Casarão,
foi para nós irmão mais velho sempre
além de um mestre em nossa educação.

Mais, talvez, do que mero irmão e mestre


o Padre Zé um pai nos foi também,
que, sem o pieguismo e com cobrança,
nos pôs no caminhar buscando o Bem.

Cobrança feita pelo acreditar


do que representava no futuro
nossa passada firme no trilhar.

Assim, cada vez mais reconhecemos


quão benfazeja foi sua presença
e no presente muito agradecemos.

* Modesto Siebra Coelho, de Itapipoca, foi aluno do Seminário Diocesano de Sobral nos
anos de 1962 e 1963. É Professor Universitário, Geógrafo, Dirigente de Instituição de
Ensino Superior, Pesquisador e Escritor e reside em João Pessoa-Paraíba. Tele-Whatsapp:
+55 83 99657-8477.

290 Seminário da Betânia – 96 anos


Cônego Sadoc, Magnífico Reitor

Jovens meninos marchavam em passos desafiantes para


transpor o grande portão do gigante arquitetônico da Betânia.
O “herói de pedra ficava para trás, cena do final do ano de
sessenta e sete, última turma de seminaristas naquelas depen-
dências.
Felizmente para o ensino brasileiro, a solidão do memo-
rável casarão seria meteórica. Inconcebível é recordar a ines-
quecível Betânia sem destacar o espírito empreendedor de D.
José, seu fundador, o amor e a competência de seus subsequen-
tes reitores.
O cônego Francisco Sadoc de Araújo antes da Prainha
e da Itália, foi aluno do seminário S. José de Sobral e após ba-
charelar-se pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma,
professor e reitor da mesma instituição que lhe recebeu quan-
do criança.
Fervilhava na mente criativa do intelectual e educador
Sadoc de Araújo, ideias de como dar continuidade ao desti-
no daquela magnífica estrutura formadora de extraordinárias
lideranças.
Fincado às margens do rio, o herói de pedra sentiu nas
bases o deslizar do Acaraú e despertou.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 291


Filetes de inteligência pura que se juntaram nas serras,
se avolumaram pelo vale e se espraiaram no litoral, tornaram-
-se uma geografia que o gigante da Betânia logo pretendeu
continuar alcançando.
Sadoc viu um Ceará interiorano surpreendente.
Seu talento de mestre não o aprisionou em salas, sua
intelectualidade não excluiu de chances, esmeraldas a serem
lapidadas.
Os olhos geniais do historiador que visitou as origens do
seu povo, agora redirecionava sua visão para o vale e adjacên-
cias, enxergando- lhes um futuro alvissareiro no saber, através
da universidade.
Sua paixão em servir, ultrapassou os limites do seu berço
sobralense. Sua comunidade deixou de ser apenas os conter-
râneos. Agora o seu povo também habitava pequenas cidades,
sítios, fazendas e vilarejos.
O desejo de ver sua gente crescer no conhecimento, seria
o início da realização do sonho de “aproveitar integralmente o
potencial latente do estado em todos os seus vales.
Já em 1969, após um ano de repouso, o “temporário he-
rói solitário” voltava às atividades. Cônego Sadoc de Araújo,
mobilizara autoridades eclesiásticas, líderes políticos, clubes de
serviços, a sociedade de sua terra e de maneira discreta e muito
trabalho, fundava a vanguardista universidade de Sobral.
A Universidade Vale do Acaraú recém-nascida, emitia
seus primeiros sinais audíveis, anunciando boas notícias. Ci-
ências Contábeis juntava-se à Filosofia, iniciando o desfile da
chegada de importantes cursos.
Decorridas décadas, mentalidades têm sido transforma-
das e centenas de guerreiros dos vales, montanhas e regiões
banhadas pelo mar, região norte do Ceará, têm vindo para os

292 Seminário da Betânia – 96 anos


braços do herói de pedra, para uma imersão formativa que ha-
bilita grandes profissionais para servir ao país.
Quando a criança trazida à majestosa edificação cultural
da Betânia pelo vovô ex-seminarista com passagem na UVA,
extasiada perguntar o que significam estes prédios, a resposta
será uma rica história de amor em que as realizações de dois
benfeitores , Dom José Tupinambá da Frota e Cônego Fran-
cisco Sadoc de Araújo, serão realçadas como sinais dos mimos
de Deus através da educação, neste notável pedaço do Brasil.

Texto de João Batista da Silva, de Quatiguaba – Viçosa do Ceará

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 293


NOSSOS PROFESSORES

Padre Francisco Tupinambá Melo

Francisco Tupinambá Melo nasceu em São Miguel do


Tapuio – PI, a 9 de março de 1911. Filho de Manoel Tabajara
Melo e dona Josefa de Araújo Melo. O pai do Pe. Tupinambá
foi o fundador de uma fábrica de bebidas em 1916, que hoje
é a Indústria de Guaraná Del Rio, pertencente à família, com
sede na cidade de Sobral- Ce.
Pe. Tupinambá entrou para o seminário menor em So-
bral aos 26 anos e o seminário maior fez em Fortaleza.
Foi ordenado em Sobral a 25 de outubro de 1942 e ce-
lebrou sua primeira missa, no mesmo dia, na Matriz da cidade
de Ipueiras. Ressalte-se que no dia da primeira missa a família
matou boi e serviu alimentação aos pobres, constituindo-se em
uma grande festa.
Sua primeira paróquia foi Tamboril, onde tomou posse
no dia 22 de janeiro de 1943.
Posteriormente, foi vigário da paróquia de Ibiapina de
06/07/1947 a 05/01/1953. Foi sempre um sacerdote virtuoso,
de muita responsabilidade no exercício de sua missão sacer-

294 Seminário da Betânia – 96 anos


dotal. Padre Tupinambá realizou obras sociais beneficiando a
comunidade católica da sede e zona rural, tendo as capelas re-
cebido atenção, zelo e melhoramentos nas suas ações de um
pastor zeloso, virtuoso e dedicado. Em Ibiapina criou o serviço
de alto-falante que funcionava de 18:00 às 21:00 hs. Era im-
portante instrumento para prestar informações e para a prega-
ção da verdade evangélica.
Um grande feito que o Pe. Tupinambá comemorou mui-
to foi uma peregrinação que fez a Roma em 1950, nas come-
morações do Ano Santo, no reinado de Pio XII. Após a volta
dizia que podia morrer feliz;
Posteriormente, foi trabalhar em Sobral, onde lecio-
nou religião no Seminário. Prestou inestimável colaboração ao
Pré-Seminário, instituição criada para preparação dos meni-
nos que pretendiam ingressar, posteriormente, no Seminário
de Sobral.
Tanto no Seminário quanto no Pré Seminário, estimu-
lava os alunos ao esporte, especialmente, ao futebol de que gos-
tava muito. Sempre prestigiava os torneios de futebol entre os
alunos e comparecia às partidas, o que deixava os alunos muito
entusiasmados.
Era um homem de estatura alta, corpo fino, muito sé-
rio, responsável, e de poucas conversas. Era muito compene-
trado em seus compromissos e não gostava de brincadeiras.
Era cumpridor de suas obrigações. Morou por muito tempo
no Seminário de Sobral, enquanto era professor e depois mu-
dou-se para o prédio dos Oblatos, onde passou a ajudar o
Mons. Arnóbio.
Em 24 de junho de 1997, faleceu na Santa Casa de
Sobral.

Texto de Elisiário Nobre, de Guaraciaba do Norte-Ce.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 295


Mons. Arnóbio, Servo de Deus!

Joaquim Arnóbio de Andrade, sacerdote da diocese de


Sobral, filho de Joaquim Anselmo de Andrade e Maria da Pe-
nha Sousa, nasceu, em Massapê no dia 26 de abril de 1915.
Foi batizado, no dia 25 de junho de 1915, na Igreja Matriz de
sua terra natal. Com 10 anos, fez sua primeira comunhão na
Catedral de Sobral.
Muito novo ingressou no Seminário São José de Sobral,
onde fez os cursos correspondentes aos que, atualmente, deno-
minamos Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Em Forta-
leza, no Seminário da Prainha, estudou filosofia e teologia. Foi
ordenado sacerdote por Dom José Tupinambá da Frota em 20
de novembro de 1938.
Após sua ordenação, foi nomeado pelo bispo diocesano
para trabalhar no Seminário da Betânia, onde residiu, durante
muitos anos, exercendo as funções de professor, ecônomo, di-
retor espiritual e reitor. Assumiu também os encargos de cape-
lão do Colégio Sant’Ana, de professor do Colégio Sobralen-
se e diretor diocesano da Catequese. Durante o ano de 1950,
dirigiu a paróquia de Santana do Acaraú. Em 1957, fundou a
Congregação das Irmãs Missionárias Reparadoras do Sagrado
Coração de Jesus, acompanhando, com empenho e dedicação,

296 Seminário da Betânia – 96 anos


esta instituição até o fim de sua vida. Nos últimos anos de sua
existência, prestou também assistência religiosa aos bairros do
Coração de Jesus, Expectativa, Parque Silvana l e Pedrinhas.
Mons. Arnóbio exerceu seu ministério com muita pro-
ficiência, realizando bem as diversas missões que lhe foram
confiadas por seu bispo. Idealizador, empreendedor, prestou
muitos serviços à Diocese. Sua maior obra foi, sem dúvida, a
fundação da Congregação das Irmãs Missionárias Reparado-
ras do Sagrado Coração de Jesus, comumente chamadas ``as
Irmãs do Pe. Arnóbio´´. Ao Seminário da Betânia, no entanto,
consagrou as primícias de seu sacerdócio. Sua vida de oração,
seu apreço à reza do Ofício Divino (Breviário), do terço de
Nossa Senhora e o amor à Eucaristia levaram muitos semi-
naristas a abraçar a vida sacerdotal. Contribuíram igualmente
para fortalecer a fé em Deus e o amor a Deus e ao próximo
daqueles que deixaram o Seminário, optando por outro estado
de vida.
Mons. Arnóbio, no exercício das diversas funções que
desempenhou no Seminário, foi sempre esforçado, correto,
capacitado, justo, compreensivo e acolhedor. Ensinou latim,
francês e outras disciplinas. Foi meu professor e meu diretor
espiritual. Sou testemunha do bem que fez a mim e a todos
os seminaristas. Alegre, comunicativo, de fácil acesso, dirigia-
-se aos seminaristas, com algumas palavras que a desconheci-
dos pareciam inimagináveis. No entanto, para os seminaristas,
eram manifestações de carinho e acolhimento. Vejamos, nas
frases seguintes, algumas destas palavras. ``Para onde você vai
seu ladrão?´´, ``O que você está fazendo seu malandro?´´.
Como bom formador, procurava estimular os idealistas
e encorajar os desanimados, mostrando-lhes que não há glória
sem esforço, não há vitória sem luta. Nada se faz de uma vez.
Galga-se uma escada de degrau em degrau. Usava costumeira-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 297


mente algumas expressões latinas para ensinar que devagar se
vai ao longe. Seguem algumas destas expressões. ``Nemo repen-
te fit summus´´ ( Ninguém se torna perfeito de uma vez). ``Ad
augusta per angusta´´. (Através das dificuldades é que se chega
aos grandes resultados). ``Natura non facit saltus´´ ( A natureza
não dá saltos)
Mons. Arnóbio faleceu em Fortaleza, na casa do novi-
ciado das Irmãs Missionárias Reparadoras do Coração de Je-
sus, em 2 de abril de 1985. Seu corpo foi velado, por toda a
noite, na Catedral de Sobral e sepultado no dia seguinte, 3 de
abril, na igreja do Menino Deus.
Inspiradas pela vida exemplar deste homem de Deus, as
Irmãs Missionárias Reparadoras, estando à frente Irmã An-
tonieta Portela, Superiora Geral, levaram, em 4 de agosto de
2018, ao bispo diocesano, a proposta de postulação à Santa Sé
da beatificação e da canonização de Mons. Arnóbio. Dom José
Luiz Gomes de Vasconcelos acolheu a proposta. Escolheu Dr.
Paolo Villota como postulador e Dr. José Luís Lira como vice
postulador. Em seguida, a proposta foi dirigida à Congregação
para as Causas dos Santos, em Roma, recebendo parecer favo-
rável. Em 14 de setembro de 2019, foi oficialmente aberta a
Causa da Postulação, na Catedral, com a presença do Bispo, de
vários sacerdotes, de muitas religiosas, de muitos fiéis, do pos-
tulador, do vice postulador e da equipe vinda de Roma. A par-
tir deste momento, Mons. Arnóbio passou a ser considerado
servo de Deus em processo de beatificação e de canonização.

Texto do Mons. Gonçalo Pinho Gomes, de Poranga-Ce.

298 Seminário da Betânia – 96 anos


Padre João Batista Ribeiro

“Os colegas de seminário chamavam-no de Peba folcló-


rico ligado às suas origens Santana do Acaraú.
Peba. A referência é sobre o Padre João Batista Ribei-
ro que tinha a honraria eclesiástica de Cônego. Os colegas
padres o tratavam também como “Capitão” pois ele assumira
com muita competência a Capelania Militar do quartel da
cidade.
De vida simples e humilde sempre demonstrou desape-
go aos bens terrenos. Mesmo no pastoreio de uma paróquia
pobre, em nenhum momento se percebeu nele avidez por di-
nheiro, mesmo que fosse necessário para suprir carências na
paróquia.
A sua pregação era do agrado dos ouvintes. É de se espe-
rar que ele fizesse alguma preparação anterior mas sua pregação
era mesmo de improviso. No entanto, ele fazia a sua fala com
tal desenvoltura que, sem papel na mão, parecia estar lendo um
texto, sem interrupções. À força de repetir as ideias que tirava
dos textos bíblicos lidos, algumas ficaram assimiladas pelos fiéis
da comunidade que passavam aceitá-las.
Foi professor no Seminário da Betânia e vigário de
Cariré. Um dos últimos cargos a exercer foi o de Chanceler

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 299


da Cúria Diocesana, tendo falecido no dia 1º de janeiro de
2002, com 75 anos, tendo o corpo sepultado em Santana do
Acaraú.”

Texto extraído do livro: PADRES: gente que a gente não esquece!


Do Padre Manoel Valdery da Rocha – Gráfica Nova Cruz – 2014,
Cruz – Ceará

300 Seminário da Betânia – 96 anos


Padre João Mendes Lira

Convivi quatro anos de Betânia. Para mim foi sempre


um exemplo de simplicidade e humildade. Aprendi a admirá-
-lo pelas coisas mais simples que observava na sua maneira de
ser e de viver entre nós e os outros padres.
Todos os seminaristas se sentiam à vontade para abordar
o Padre Lira onde o encontrassem. E ele ouvia com atenção
a cada um. Em relação aos demais padre, não havia barreiras,
mas o Padre Lira nos parecia oferecer mais acolhida, em razão
de sua simplicidade.
Depois de ler o livro que ele escreveu sobre D. José, fi-
quei ainda mais convicto do que eu pensava a seu respeito, pois
ali ele narra fatos que muitos de nós desconhecemos, princi-
palmente no que se refere à sua obediência ao bispo.
Como professor de História e Geografia sempre o con-
siderei excelente.
Assim sendo, a minha escolha e homenagem foi sobre
o Pe. Lira.
Gostaria de fazer uma sugestão aos colegas que, tendo
oportunidade, não deixem de ler o livro que ele escreveu sobre
D. José.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 301


Ao mestre Pe. João Mendes Lira o meu carinho e minha
admiração.
Estudou na Escola dos Carmelitas Descalços, em Roma
(Itália) e nos Seminários Maiores de Fortaleza e João Pessoa.
Ordenou-se padre em Sobral (1951). Professor, jornalista, his-
toriador. Membro do Centro Histórico e Antropológico de
Fortaleza. Publicou: De Caiçara a Sobral (1971), Nossa His-
tória (1972), Sobral na História do Ceará e a Personalidade do
Pe. Ibiapina (1976), A Vida e a Obra de Domingos Olímpio
(1977), A Escravatura e a Abolição dos Escravos em Sobral
(1981), Vida e Obra de Dom José Tupinambá da Frota (1932).
Fonte: Revista Instituto do Ceará-2010

Lourenço Araújo Lima (Rei Magro), de Gásea, Ipueiras -


Betanista de 1964 a 1967.

302 Seminário da Betânia – 96 anos


Padre Albani Linhares

Padre José Albani Linhares, cearense de Santa Quité-


ria, chegou em Sobral, de seus estudos teológicos na Universi-
dade Gregoriana em Roma, entre 1956 e 1957.No Seminário
de Sobral, ele foi meu professor de grego. Destacava-se por
ser descontraído na maneira de se comunicar com as pessoas,
de forma contagiante, por sua simplicidade e gargalhadas. Ao
mesmo tempo revelava uma grande espiritualidade. Era gran-
de admirador de uma comunidade de religiosos da Europa que
se destacava por sua espiritualidade e simplicidade na maneira
de viver, denominada Petits Frères de Jesus fundada por Char-
les de Foucauld. Aspirava em fazer parte dessa congregação
religiosa, mas desconheço os motivos que o levaram a desistir.
Albani continuou presente em minha vida em todo o
meu percurso pelos seminários onde fui fazer os cursos de Fi-
losofia e Teologia. Inicialmente, no Seminário Maior da Prai-
nha em Fortaleza e posteriormente no Seminário Regional do
Nordeste em Olinda.
Quando me ordenei e fiquei na recém-criada Diocese
de Crateús, minha cidade natal, continuamos a nos encontrar.
Após eu ter deixado o sacerdócio, continuamos nos co-
municando e às vezes nos encontrando.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 303


Quando ele estava hospitalizado em Fortaleza, poucos
dias antes de sua morte, comuniquei-me com ele de Recife
por telefone. Ele falava de sua morte que se aproximava, rindo,
com suas gargalhadas, como se fosse fazer uma simples viagem.
Herdei de Albani o Novo Testamento em grego e a Bí-
blia hebraica.

Texto de Benes Sales, Recife, Pe. Dezembro de 2020

304 Seminário da Betânia – 96 anos


Pe. Edson Frota

Sugere-me Aguiar Moura que descreva meu tio, padre


José Edson Frota, em meia lauda. Prometi tentar, ele reagiu:
imagina!!! Ora, à primeira vista, parece tarefa fácil, contudo,
as complexidades da vida alheia tornaram quase impossível
minha missão. Confesso recordar-me bem do “padre mestre”,
como lhe chamava minha avó, dona Lucília Frota, desde os dez
anos, quando, ao entrar na Betânia, deparei-me com o profes-
sor de matemática e religião, óculos garrafais, figura retilínea
e estrita, em seus conceitos de moral e cívica. Nunca esqueci a
arguição por ele procedida, aos 14 de novembro de 1961, dia
do meu aniversário, da qual saí, envergonhado perante toda a
classe presente – reprovado por ele, saí a chorar feito criança
pelas escadarias do pátio interno do Seminário. Chamado, à
tarde, a seu aposento, me presenteava com um livro e se di-
zendo mais prejudicado que eu, porquanto teria que me en-
sinar matemática, para uma recuperação durante os 3 meses
das férias do final do ano, cuja paciência do tio-professor, em
tomar-me o pulso, em troca de seu merecido lazer no sítio da
Meruoca, revelava o espírito de caridade cristã do sacerdote.
Álbuns e fotos familiares me faziam consciente de sua
admiração por “turnê” feita em Veneza e, pela Roma eterna.
Humilde, risonho, irônico nas observações cotidianas, metó-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 305


dico e disciplinado, mostrava que a fé remove tantas monta-
nhas quanto a inteligência privilegiada, da qual não éramos
os mais dotados. Nos anos sessenta, sobretudo após o golpe
de 64, parecia “superado” pelas ideologias contestatórias, ten-
do assumido, apesar das constantes crises de “asma”, seu papel
de vigário-cônego. Celibatário estrito, exemplo de dedicação
às missões e vocações sacerdotais, Padre Edson primou pela
“compreensão do outro”, pela determinação de observação aos
preceitos de votos de obediência e pobreza. Todo final de ano
se deslocava ao sitio Conceição, na Meruoca, a celebrar na ca-
pelinha das freiras do colégio Sant´Ana, cujos sermões proferia
com pequenas anotações evangélicas em papelotes, cuidado-
samente guardados. Ali, no mesmo sitio familiar da Meruoca,
me observou, como se estivesse eu, “caducando”, segundo ele,
por embalar minha filha primogênita, ainda em 1979.
Sempre em Sobral e paróquias circunvizinhas (Cariré,
Forquilha etc.), padre Edson continuou morando com sua mãe
viúva, a suportar as constantes crises de “asma”, ampliadas pe-
los vapores da fábrica da CIDAO, até que vindo a Fortaleza,
para mero procedimento oftalmológico habitual, em 1985,
deixou carta-testamento, segundo a qual, se acaso não voltasse,
fossem destinados seus bens materiais à Diocese sobralense e
seminaristas pobres.
Não voltou. Preferiu o céu. O modernismo está cativo
dos bens terrenos; Cônego Edson Frota, dos celestiais.

Regis Frota Araújo, sobrinho e Betanista, de Sobral – CE.

* Professor de Matemática e Religião

306 Seminário da Betânia – 96 anos


O Eterno Mestre: Mons. Gerardo

Uma personalidade a merecer muitos biógrafos, entre os


mais qualificados Dom Edmilson, seu aluno de italiano (com a
queda do fascismo, a língua ficou excluída do nosso currículo).
José Gerardo Ferreira Gomes, irmão de Evangelista e Anita,
clã remoto aos primórdios do século 18 no Ceará, sendo ele do
crepúsculo do século 19.
Vaidoso, mas nada exagerado, não gostava de revelar a
idade, nem as aparências dela. Era sobretudo na eloquência
sagrada em que se distinguia. Muitos anos afora haveremos,
seus pupilos, de repetir o mote do elogio fúnebre de Dom
José: Homo Dei, eu venho vos falar do homem de Deus!-. Sua
voz forte reboando pelos recantos da Sé, ampliada pelas ondas
da Rádio Iracema aos confins da diocese enlutada. O sermão
histórico marcou também a reconciliação com o Pe. Palhano,
desavindos por urdiduras políticas.
Às quais o mestre sempre se mostrou infenso, cioso
apenas da grandeza de sua terra e do bem-estar de sua gente,
em favor de cuja educação mostrava-se de um desprendimen-
to franciscano. Pedagogo no sentido originário do termo, nos
conduzia pela senda envolvente da apreciação da beleza estéti-
ca em suas inesquecíveis aulas de latim e literatura. Este curto
parágrafo pretende não repetir as histórias documentadas em

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 307


Padres que a gente nunca esquece do padre Manuel Valdery, tex-
to precioso ao qual remeto o leitor eventualmente insatisfeito
com este resumo..
Restrinjo-me a narrativas com que entremeava suas au-
las tornando-as o frisson de seus alunos que o idolatrávamos.
As peripécias de seu debut acadêmico no Seminário da Praí-
nha: – Olha esse novato da Sant’Ana que entregou a prova
em 15 minutos, em branco decerto, não deve ter feito nada
–. Lá adiante o seis(nota máxima da época)surpreendendo a
todos. A elegância do seu latim passou a ser referência, confor-
me documentado na revista do Instituto do Ceará, a propósito
de uma versão de documentos diplomáticos encaminhados à
Santa Sé, versão assinada pelo então minorista J. Gerardo Fer-
reira Gomes.
Imbuído do bom bairrismo sobralense, não admi-
tia deslustres na representação de seus alunos remetidos
anualmente ao Seminário Provincial de Fortaleza. Que-
ria que todos repetissem o feito do novato santanense em
1917. E isto acabou não se dando em nossa turma de 1960,
quando, por motivos de saúde, o colega Pinheiro atrasou-
-se não obtendo a nota de aprovação em latim. Encarrega-
do de notas, tentei de todas as maneiras superar o impasse.
Mas o mestre se mostrava irredutível. Até prevalecer o seu
bondoso e compreensível coração. Da sala dos professo-
res, elevou a voz para que seu veredictum inicial não fosse
consumado no andar de cima onde ficava o salão das no-
tas: - Domine Coeli, salva Pinum! Do Seminário egresso, o
colega Joaquim Pinheiro Filho fez sucesso no radialismo
da Rádio Dragão do Mar e como diretor de vários colégios
na Capital. Quando me vê vai logo reverenciar a figura
inolvidável: – Coeli, salva Pinum.

308 Seminário da Betânia – 96 anos


O mesmo rigor empregava na seleção do corpo docente
da Faculdade de Filosofia Dom José, onde o seu olho clínico
foi descobrir lá nas Ipueiras o doublèe de auditor e poeta Costa
Matos.
A morte o surpreendeu justamente encaminhando, em
Fortaleza, a oficialização deste autêntico embrião da Universi-
dade Estadual do Vale do Acaraú, em cujo Partenon pontifica
como um dos seus legítimos pais fundadores.

por José Célio Fonteles, de São Benedito – Ce.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 309


Padre Joviniano Loiola

São vários os motivos que me animam a proferir algu-


mas palavras sobre o Padre Joviniano Loiola Sampaio. Foi
um sacerdote que esteve presente em vários momentos de
minha vida. No Seminário São José de Sobral, como diretor
espiritual e professor de Música. E Patrono de nossa turma de
conclusão do Curso Ginasial. Na Faculdade de Filosofia Dom
José, como diretor, quando eu lá lecionava. E depois, em Core-
aú, ele pároco, e eu bioquímico do Hospital Municipal daquela
cidade. Também, muito me honra ser membro da Academia
Sobralense de Letras (ASEL), da qual ele ocupou a cadeira de
No 31, embora não tenhamos sido contemporâneos.
Além desse convívio profissional, tive o privilégio de
desfrutar de vários outros momentos com o Padre Joviano. Vi-
sitava-o, em sua residência, com certa frequência. Viajei algu-
mas vezes com ele ao Ipaguaçu (antigo Mirim), durante as fes-
tas religiosas. E após as missas em Coreaú, tínhamos deliciosos
e amistosos bate-papos. Afinal de contas, éramos bons amigos.
Padre Joviniano é protagonista de uma bela história de
vida. Foi um sacerdote virtuoso, piedoso, oriundo de uma fa-
mília católica, fervorosa, de Independência - CE. Seus pais,
Francisco Rodrigues Sampaio e Maria Inácia Loiola, geraram

310 Seminário da Betânia – 96 anos


mais dois padres, Odécio Loiola Sampaio e Adonias Loiola
Sampaio, e uma freira, Edite Loiola Sampaio (Irmã Ânge-
la, filha da Caridade), para reforçarem a messe do Senhor.
Completaram a prole o juiz de Direito, Dr. Duque Rodrigues
Sampaio; a professora Altina Loiola Sampaio; o médico, Dr.
João de Deus Sampaio; os dentistas Dr. Gerardo Rodrigues
Sampaio e Dr. Edmilson Loiola Sampaio.
Dedicou sua vida inteira ao sacerdócio e à educação. Foi
Pároco de Santana do Acaraú (por dois períodos) e de Coreaú.
Foi também Vigário Geral da Diocese de Sobral. No Semi-
nário São José, exerceu a função de ecônomo, de regente da
Schola Cantorum e de diretor espiritual. Foi professor e diretor
da Faculdade de Filosofia Dom José de Sobral. Desempenhou
também a função de diretor da Cáritas Diocesana.
Padre Joviniano era gentil, manso, andava sempre com
um leve e sincero sorriso. Era zeloso em tudo que fazia. Como
bom apóstolo, cuidava com desvelo e dedicação das almas.
Contudo, nunca se esquecia das obras sociais, sempre visando
o crescimento do ser humano.
Finalizo expressando minha eterna gratidão ao Padre
Joviniano por seus abundantes ensinamentos que nortearam
minha formação humanística e religiosa e muitas decisões de
minha vida profissional.

Por Davi Helder Vasconcelos, de Sobral – Ce.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 311


Padre Luizito

Luiz Dias Rodrigues, carinhosamente, conhecido na


família por Luizito, nasceu no dia 18 de março de 1934 na Rua
Coronel Lúcio em Crateús. Era filho do Professor Antônio
Lisboa Rodrigues e de dona Maria Soares Dias Rodrigues. Ir-
mão das professoras Antônia Lisboa de Oliveira e Maria Es-
tela Dias Rodrigues, professoras do Grupo Escolar Lourenço
Filho, educandário crateuense fundado em 1921.
No decorrer da vida notabilizou-se como uma das
mentes mais iluminadas que Crateús conheceu. As ativida-
des sacerdotais tiveram início com sua nomeação, por Dom
José Tupinambá, em 1959 para ministrar aulas no Seminário
de Sobral, no Colégio Santana e Colégio Sobralense. Fui seu
aluno no seminário e sou testemunha da extraordinária com-
petência, conhecimentos e didática de que era dotado o padre
Luizito. Foi maestro da Schola Cantorum do seminário. Branco,
rosto bonito, porte físico avantajado, era alegre, brincalhão com
os seminaristas e tudo isto cativava e atraia a nossa confiança.
No seminário atuavam professores dinâmicos e compe-
tentes, mas o padre Luizito se destacava, pelo conhecimento
em diversas disciplinas. Era dono de um cabedal cultural. Era
polivalente. Entendia de Eletrônica, Mecânica, Física, Quími-

312 Seminário da Betânia – 96 anos


ca e outras matérias. Preparou grandes profissionais, que ao
deixarem o seminário brilharam e se destacaram em diversas
atividades sociais.
Dinâmico, sozinho aprendeu a tocar flauta, violão, har-
mônio, piano e sanfona e em ocasiões propícias divertia-se
executando as músicas de sua preferência. O seu passa tempo
predileto era o cuidado com as árvores que circundavam a sua
residência. Nelas colocava água e alimentos para dezenas de
pássaros que vinham pousar naquele pomar.

Texto extraído de um artigo de Flávio Machado, de Crateús-Ce.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 313


Padre Marconi

Pe. Marconi Freire Montezuma estudou no Seminário


Maior de São Leopoldo no Rio Grande do Sul, dirigido pelos
Padres Jesuítas.
No Seminário da Betânia, onde veio ensinar logo que
chegou em Sobral, foi meu professor de Geografia, em meu
primeiro ano, cuja disciplina fora lecionada com certo nível de
Astronomia. Ficávamos empolgados com suas aulas.
No Seminário, despertou-nos o gosto pela música eru-
dita, organizando um espaço físico com as coleções de discos
dos mais diversos clássicos, trazidos por ele do Sul do País.
Em 1955, Nosso Bispo Dom José Tupinambá da Frota
fez sua “Bodas de Ouro” de Sacerdócio.
Ele terminou seus estudos de Seminário na Universida-
de Gregoriana em Roma em 1905.
Com a celebração de suas bodas de ouro, ocorreu na ci-
dade de Sobral, acredito, a maior festa cívico-religiosa.
Esta festa ocorreu em uma grande praça da Cidade, to-
talmente cercada de residências e no seu interior livre de cons-
truções o que permitiu ocupá-la toda de grandes bancos para
acento dos participantes. Na frente, foi organizado um grande
palco que permitiu a presença de Dom José, ladeado por cerca

314 Seminário da Betânia – 96 anos


de vinte bispos e arcebispos de várias dioceses do Brasil, inclu-
sive contando com, pelo menos, a presença de um cardeal e o
Núncio Apostólico do Brasil. Ao lado havia ainda um espaço
reservado para cerca de 30 músicos da grande orquestra de Fu-
zileiros Navais do Rio de Janeiro que à noite nos presenteavam
com execuções de músicas clássicas.
Esta grande festa foi organizada em seus mínimos de-
talhes por Pe. José Palhano de Sabóia, Secretário de Dom José
que residia com ele no palácio episcopal, juntamente com o Pe.
Marconi Freire Montezuma.
Coube ao Pe Marconi a Letra da música do hino a Dom
José que assim se iniciava: “Dobram os sinos da Roma Eterna.
Ordenou-se sacerdote Dom José
Em 1972, o Padre Marconi foi nomeado pelo Prof. Ze-
ferino Vaz, estruturador da Faculdade de Educação da UNI-
CAMP.

Texto de Benes Alencar Sales, de Crateús–Ce

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 315


Monsieur Mo ési a

Nosso Padre Moésia Nogueira Borges é uma figura


meio lendária. A partir daquele reticente sorriso à la Gioconda,
quando alguém se queixava de mal sucesso na prova de fran-
cês:- Quel malheur, quelle dommage! Sua maneira econômica de
dar a benção final da missa apenas movendo ligeiramente a
destra. E ai de quem ousasse querer transpor os umbrais de sua
privacidade.
Apesar de capaz de conviver em paz com colegas ab-
solutamente díspares, coadjutor tanto de Monsenhor Sabi-
no, quanto do Cônego Sadoc. Nas paróquias do Patrocínio e
da Ressurreição. Aliás foi o padre Sadoc que desvendou uma
faceta desconhecida de sua cidadania. Descendente colateral
do mais longevo governante do Ceará(1765-1781)Vitoriano
Augusto Borges da Fonseca, autor da ‘Nobiliarquia Pernam-
bucana’(ARAÚJO LIMA, 2016).
Depoimento do Padre Valderi registra-lhe o crepúsculo
da vida, já quase alheio às suas finas ironias(Padres que a gente
nunca esquece).
Além de francês, nossa turma desfrutou de sua docência
também em História Sagrada.

316 Seminário da Betânia – 96 anos


Colho lembranças matriciais de sua convivência num
fevereiro longínquo, ao portão do Hotel do Norte da mi-
nha tia-avó, Dondon Ponte. Aquele padre moreno, em so-
bre-mangas de batina, me pedia para anunciar-lhe a visita
a seus antigos paroquianos de Cariré, o casal Sofia-Inácio
Memória que me apontam: - Ele veio se matricular no Se-
minário. Será que tem mesmo vocação… - Deixa o menino.
É muito novo prá saber - . Lembro de ter sido seu penitente
uma única vez, onde mais juiz foi que mestre. Rigores ine-
rentes aos terríveis contextos pré-conciliares.
No derradeiro encontro não me reconheceu, com os pa-
ramentos dobrados no braço, surgiu como um anacoreta de
sua Tebaida, à porta de modesta casa da Praça da Sé, encami-
nhando-se para concelebrar a missa inaugural de Dom Fer-
nando Saburido, quando de sua posse no bispado de Sobral
em 2005.
– Monsieur, eu sou aquele aluno que o senhor sorteou
com um long-play, justo por ter sabido falar longueplêi em
francês: microsillon! - Expressão aprendida com ele, versado
em ambos os códigos, apesar de declarar-se leigo no idioma de
Byron, taxativo na anedota referida pelo Valderi.
Excursionistas pelos Estados Unidos os dois padres de
Sobral deram generosa esmola a um pedinte igualmente ex-
cessivo em um interminável agradecimento, de pronto abrevia-
do pelo padre Moésia:
– Meu amigo, você falando com todos os dentes eu ain-
da não sou capaz de lhe entender, avalie sem dentes… –. Mas
sabia sim muita coisa de inglês. A convite do Padre Zé Linha-
res, assistente espiritual da JOC, discorreu na festa do Grê-
mio(1.5.56) sobre o american way of life, os exageros anticris-

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 317


tãos da struggle for life, com citações no original em pronúncia
mais que aceitável.
Tantos anos passados, fico matutando nos rumos toma-
dos por aquela família de comensais de minha tia no Hotel
do Norte: o casal Memória, a filha Lucy, um neto e seu pai
engenheiro do Dnocs. Tanto afeto demonstravam ao seu vi-
gário que avento a hipótese de não terem sido eles os bons sa-
maritanos a que alude o Padre Valderi: viram-no caído à beira
do caminho, ferido em seu corpo mortal e o recolheram e dele
trataram até o fim dos seus dias. Thesaurisantes ad aeternitatem.

Texto de José Célio Fonteles, de São Benedito- Ce

318 Seminário da Betânia – 96 anos


O Padre Edmilson Cruz

Os nossos Professores do Seminário de Sobral eram ver-


dadeiros exemplos a serem seguidos. Aos nossos olhos, sabiam
tudo que lhes cabia saber. Eram nossos modelos. Cada um, a
seu modo, era mais dedicado às suas tarefas.
A ideia que se tinha do Padre Manoel Edmilson Cruz,
então Professor de Inglês e Latim, era de uma pessoa quase
perfeita. Dava-nos a ideia de uma pessoa que fazia tudo com
muita fé e perfeição.
O seu jeito de andar, parecia-nos programado. Muito
ereto, parecia-nos estar participando de um desfile militar.
Ao fazer uma genuflexão, tinha gesto, milimetricamente, cal-
culado. Sua batina estava sempre muito bem cuidada. A
missa que celebrava, em latim como eram as normas da épo-
ca, seguia tudo conforme a liturgia. Uma pronúncia perfeita
da língua.
Na sala de aula, sentava-se à mesa do professor de um
jeito muito bem disciplinado. Os livros que trazia eram bem
arrumados ao seu lado esquerdo para eventuais consultas.
Percebia-se que seguia, cuidadosamente, o seu plano de aula.
Muito metódico, seguia o padrão tradicional de aula. Aos alu-
nos, cabia apenas assistir e anotar.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 319


Tanto como Professor quanto na condição de Diretor
Espiritual dava muita atenção a tudo que os seminaristas fala-
vam com ele.
Anos depois, a Igreja, que já devia observá-lo há muito
tempo, o escolheu como Bispo Auxiliar da Arquidiocese de
São Luís do Maranhão. Ninguém imaginaria que aquele padre
tão bem comportado, se transformaria num grande Bispo de-
fensor da causa dos pobres e de combate às injustiças sociais.
Foi o único, até hoje, a recusar, na tribuna, uma honraria que
lhe fora concedida pelo Senado Federal.

Fco. Leunam Gomes, de Guaraciaba do Norte – Ce

320 Seminário da Betânia – 96 anos


Padre Osvaldo Carneiro Chaves –
O Professor

Pensador, filósofo, escritor, teólogo, poeta e o meu Pro-


fessor de Português na Betânia e para a vida.
“Pai do tempo”, assim ele gostava de me chamar, a sua
redação está muito boa, mas você demora muito pra dizer as coisas.
Olhe, meu filho, é como se você fosse a uma casa e em vez de chegar
e entrar, você primeiro arrodeia a casa, duas, três vezes, para depois
dar bom dia”.
Assim eram seus ensinamentos: plenos, diretos, com
gestos simples, às vezes cômicos com um sabor de humor e
carregados de ensinamentos.
Um incentivador nos elogios aos trabalhos de redação,
quando escrevia de lápis sobre os trabalhos observações como:
“Muito bom trabalho”, “Excelente trabalho, estude mais gramá-
tica”, “Leia mais, meu filho, leia Machado, leia Fernando Pessoa,
Carlos Drumond, Guimarães Rosa...”
Como ele próprio definiu-se certa vez: “O Professor é fei-
to pelos alunos, o que eu fui como professor foi aquilo que os alunos
exigiram que eu fizesse”.

Ad Laborem – nossa caminhada profissional 321


De extrema humildade teve uma vida simples, pautada
pelos gestos de um homem de coração bom, que levou a sério
a profissão de ensinar.
Felizes os que, como eu, suaram frio nas suas aulas e
arguições em classe.
Hoje compreendemos o quanto nos ajudou, na forma-
ção, na profissão e na vida.

Por Hairton Carvalho, de Bela Cruz-Ce.

Padre Osvaldo Carneiro Chaves


In memoriam

José Henrique Leal Cardoso

Os poemas, eu já os conhecia,
quando estudante eu pude te encontrar
porém a prosa só me apetecia;
para a poesia todo o desdenhar!

Mas logo me levaste a perceber


de Camões a subida inspiração,
cujo teor me pode embevecer
para o valor sublime ver-lhe então.

Encantado parti para outros temas,


de outros tantos a verve admirei
expressa nas ideias e nas rimas

mas devo a ti meu versejar primeiro,


por isso grato a ti sempre serei
nos dias meus, até no derradeiro.

322 Seminário da Betânia – 96 anos

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