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21/03/2024, 09:13 22º Encontro Nacional da Abrapso - Grupos de Trabalho - GT 63: Resistências contracoloniais : corpos, territórios e conflitos socioambientais

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GT 63: Resistências contracoloniais : corpos, territórios e conflitos


socioambientais
Coordenação:
Saulo Luders Fernandes (Universidade Federal de Alagoas), Maria da Graça Silveira Gomes da Costa (UFRN), Leandro Amorim Rosa
(UFAC)

Descrição: O século XXI inaugura um processo de ampliação do projeto neo extrativista em toda Abya Yala. As políticas de estado, intimamente
ligadas aos projetos neoliberais, evidenciam o aumento das disputas por territórios, especialmente os territórios ancestrais. Se, anteriormente,
as potências coloniais utilizavam a espoliação dos recursos naturais, bem como formas alternativas de produção e consumo dos povos
colonizados; atualmente, os projetos extrativistas de mineração, extração de petróleo, sequestros das águas e complexos agroindustriais estão
encontrando cada vez mais geografias para se estabelecer em toda a região, financiados pelo capital transnacional e a incorporação de estatais,
através da consolidação de um modelo neodesenvolvimentista. No entanto, como apontam os zapatistas, a resistência dos povos, desde o
marco da intrusão colonial até o presente, é uma afronta a um poder que busca a todo custo impor sua hegemonia. O impacto das ações
humanas em todo o mundo, sobretudo nos últimos 80 anos, provocou uma inversão de papéis impressionante: a humanidade se tornou o fator
dominante das mudanças globais, superando até processos de escala geológica, enquanto aquilo que reputávamos como mero ambiente – a
atmosfera, os oceanos, as geleiras, os ciclos do carbono, etc. – adquiriu agências inesperadas (Alyne Costa, 2019). O Antropoceno, a nova época
geológica batizada a partir do anthropos, nos mostra que, para que ainda possa haver mundo para nós e para tantas outras formas de vida
com quem compartilhamos a existência, como propõe a filósofa Donna Haraway (2016), precisamos fazer o que estiver ao nosso alcance para
tornar essa época de catástrofes num intervalo, o mais breve e menos destrutivo possível. Neste caso, o anthropos refere-se ao que Davi
Kopenawa chama de “povo da mercadoria”, a humanidade colonial branca. Por sua vez, um grupo de pensadoras/es defende que seria mais
adequado nomear a atual era geológica terrestre como “capitaloceno”, uma vez que as mudanças perpetradas em nosso meio ambiente não
são fruto da ação da humanidade genérica, ou seja, não se trata de um humano abstrato que produz tais alterações. A crise climática é
produzida por uma forma de organização social historicamente construída, o capitalismo (Carlos Porto-Gonçalves, 2020). Assim, afastando-se
de concepções fincadas no preservacionismo, defende-se que a presença humana pode ser fonte de proteção do meio ambiente – a depender
de sua forma de organização social. Comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais têm demonstrado como é possível coexistir de maneira
não predatória em biomas diversos. A presença de várias dessas comunidades tem se evidenciado como fator protetivo contra a destruição de
áreas ambientalmente preservadas (Antônio Oviedo & Juan Doblas, 2022). A catástrofe climática vivenciada globalmente com maior
intensidade nas últimas décadas convoca-nos a reinventar espaços de existência partir da cosmopercepção de povos que vivem em comunhão
com aquilo a que o Ocidente nomeou natureza, que através dos valores, experiências e práticas sintetizam outros modos de vida face ao
sistema-mundo colonial (Alberto Acosta, 2012). O projeto colonial assenta-se na violência, no extrativismo, no extermínio, na subalternização
de povos tradicionais, pretes, indígenas, mulheres, corpos dissidentes e de tudo aquilo e aqueles que estão para fora do “clube” da humanidade
que, como nos mostra Frantz Fanon (2008), é um status exclusivo a Humanidade branca. Clube este sustentado por um aparato de dispositivos
de gênero, raça, sexualidade, especismo, entre outros, que tem por objetivo reproduzir regimes de hierarquização e silenciamento. Para Fanon
(2008), o colonialismo institui um projeto de mundo que toma a Europa como centro ao nomear o não-europeu/não-ocidental como o Outro
da civilização, o seu antagonismo, representação do atraso e do não desenvolvimento. Como nos informa Ailton Krenak: ​[…] a ideia de que os
brancos europeus podiam sair colonizando o resto do mundo estava sustentada na premissa de que havia uma humanidade esclarecida que
precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida trazendo-a para essa luz incrível. Esse chamado para o seio da civilização sempre foi
justificado pela noção de que existe um jeito de estar aqui na Terra, uma certa verdade, que guiou muitas escolhas feitas em diferentes
períodos da história (2019, p. 11). A ideia de universalidade e de sujeito que a Europa trata como se fosse a própria humanidade é na verdade a
racialização da experiência europeia, que passa a ser tida como a própria experiência humana. Esta proposta universalista está alicerçada ao
menos em quatro grandes fundações/concepções: 1º. a compreensão de humanidade eurocentrada fruto do iluminismo que coloca o humano
como centro do mundo e a medida de todas coisas; 2º. a concepção filosófica racionalista que impõe um único modelo de pensar, sentir e
perceber o mundo, na propagação de um projeto imperial da razão sobre outras tantas possibilidades epistêmicas e ontológicas do viver; 3º. a
ciência moderna como hegemonia que atua na produção de um conhecimento tecnicista e instrumental clivado dos debates éticos e políticos
da vida; 4º. a separação entre humano e natureza, na disseminação de uma concepção de natureza utilitarista e como recurso material a ser
usado por uma suposta humanidade. Estas quatro grandes fundações supracitadas atuam como dispositivo moderno do desencantamento do
mundo. Como afirma Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino (2020, p.11): O desencantamento diz sobre as formas de desvitalizar, desperdiçar,
interromper, desviar, subordinar, silenciar, desmantelar e esquecer as dimensões do vivo, da vivacidade como esferas presentes nas mais
diferentes formas que integram a biosfera. Entender o desencante como uma política de produção de escassez e de mortandade implica pensar
no sofrimento destinado ao que concebemos como o humano, no deslocamento e na hierarquização dessa classificação entre os outros seres.
Esta hierarquização entre os seres e a classificação do mundo tendo como medida a humanidade eurocentrada irradia-se às ciências, incluindo
a psicologia, como um saber que ao se conceber universalizado mensura a pluralidade de realidades a superfície restrita da modernidade. Esta
circunscrição, não apenas limita a relação entre os saberes e os seres, ela atua com a tarefa do desencante, ou melhor, do desencantar o mundo
e os entes que nele habitam. Diante disso, este GT busca refletir sobre a questão da produção do conhecimento, sem, no entanto, perder a

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dimensão das lutas políticas de resistência e reexistência das populações afrodiaspóricas, indígenas, periféricas e faveladas. Assim, o GT tem
como objetivo questionar sobre como a psicologia tem potencializado outros horizontes éticos e políticos de constituição de mundos, de
modos de subjetivação, e de modos de vida contracoloniais diante dos conflitos socioambientais que incidem sobre os corpos-territórios. O
que chamamos de contracolonialidade, inspirados aqui pelo mestre Antônio Bispo dos Santos (2015), diz respeito a uma diversidade de práticas
que desmantelam o projeto totalitário da colonialidade que estrutura nosso mundo. A contracolonialidade, portanto, não é um posicionamento
teórico, mas diz respeito a práxis ética e política que povos afropindorâmicos (Santos, 2015), ou seja, povos indígenas, quilombolas e favelados
produzem a partir da sua ancestralidade. Esta práxis ética e política dos povos produz outras formas de ser, de existir e de se organizar formas
diante dos escombros da violência colonial. As ruínas deste outro lado não se restringem à confirmação daqueles que supostamente foram
vencidos, ao contrário, elas apontam as capacidades de habitar a ruína e dela fazer a vida em construções coletivas. Como afirma Luiz Antônio
Simas e Luiz Rufino (2020, p.06): Os sobreviventes podem virar “supraviventes”: aqueles capazes de driblar a condição de exclusão, deixar de ser
apenas reativos ao outro e ir além, armando a vida como uma política de construção de conexões entre ser e mundo, humano e natureza,
corporeidade e espiritualidade, ancestralidade e futuro, temporalidade e permanência. São estas mesmas ruínas ornamentadas como a vitória
do suposto conquistador, que erguem as políticas de vida de povos, comunidades e territórios que não se findam como o espelho do
colonizador. Ao contrário, como afirma Bruno Gonçalves (2019), a Latino América é um território de espelhos enterrados, de narrativas,
memórias, conhecimentos e modos de existência, que apesar de habitar o cotidiano, encontram-se soterrados e nas sombras. As imagens e
vidas dos povos de Abya Yala - América Latina vão para além do espelho do colonizador e expressam-se na afirmação de outros modos de
viver, que mesmo diante das violências estruturais, alastram-se por todo o continente e fecundam: histórias, relações, coletivos, territórios e
uma multiplicidade de artes de fazer e refazer o mundo que o encanta diante do desencantamento racionalista e instrumental da modernidade.
Nos, “[…] cabe entender o encantamento como ato de desobediência, transgressão, invenção e reconexão: armação da vida, em suma.” (Simas
e Rufino, 2020, p.06). Fazer da impossibilidade do viver a expressão da vida, talvez seja, uma das artesanias e das astúcias subjetivo políticas
presentes em nossas vidas cotidianas, que nos permite encantar e ser encantado pelo mundo. Este não mais impresso como um recurso ou
instrumento para os fins do capitaloceno, mas vivido enquanto extensão de nossas próprias experiências coletivas, humanas e não humanas. O
aforismo cartesiano “Penso, logo existo” nas terras colonizadas ganham outra roupagem, o “conquisto logo existo”, a conquista como
dispositivo político circunscreve a condição da existência a dominação, como afirma Enrique Dussel (1994, p. 41): La "Conquista" es un proceso
militar, práctico, violento que incluye dialécticamente al Otro como "lo Mismo". El Otro, en su distinción, es negado como Otro y es obligado,
subsumido, alienado a incorporarse a la Totalidad dominadora como cosa, como instrumento, como oprimido, como "encomendado", como
"asalariado" (en las futuras haciendas), o como africano esclavo (en los ingenios de azúcar u otros productos tropicales). A lógica da conquista
foi e é imposta sobre nossos corpos e territórios, mas este projeto de hegemonia não se totaliza por completo, contra ele se erguem a
afirmação das supraviências que nos permitem a afirmação da abundância: nas matas, nas folhagens, nas aldeias, nos mocambos, nos arraías,
nos rios e nas forças coletivas. Emergem destas tentativas de dominação ao menos dois movimentos de luta contracolonial que são parte do
mesmo processo: 1. as resistências, que podem ser compreendidas pelas estratégias de luta que colocam a vida, os corpos e os territórios de
encontro as políticas de morte impostas pela colonialidade e suas forças coloniais; 2. as reexistências, que expressam-se como as ações, que
permitem os povos, mesmo diante das políticas de morte, produzirem práticas que afirmem a continuidade da vida. Assim, as artes da
reexistência não restringem a ação dos povos apenas a um antagonismo às forças da dominação, mas permitem exercícios coletivos de
continuidade à vida dos territórios e dos entes que os habitam. Há nos territórios de Abya Yala a produção de um modo de viver que está para
além do projeto colonial, que não se finda e nem se inicia com ele, mas se produz como afirmação de um viver insurgente que têm nas
cosmopercepções dos povos da afrodiáspora e ameríndios sua própria medida. Como afirma Santos (2018, p.05): “Os quilombos são
perseguidos exatamente porque oferecem uma possibilidade de viver diferente.”. Esta outra possibilidade de viver não se faz apenas pela
resistência à guerra, há também espaços de refúgio, lugares de restauração que permitem às forças da resistência seguir seu curso, aqui
habitam os elementos do reexistir. O refúgio aqui não se expressa como lugar da falta ou da incapacidade, ele é a formação de um lugar de
cuidado coletivo capaz de restaurar, proteger e curar. O refúgio, como afirma Dénètem Bona (2020), é o lugar continuum das resistências que
não se restringe apenas às reações insurgentes às explorações vividas em terras quilombolas. Ele é experienciado enquanto paragens de
restauração das forças coletivas, espaço de afirmação de formas comunais de viver com a terra e seus entes. Como afirma Beatriz Nascimento
(1989/2009) no filme Orí, a fuga não expressa a impossibilidade de agir, ao contrário, ela é o ato do homem e da mulher quilombola, que ao
não se reconhecer como objeto e mercadoria colonial afirma para si um território de liberdade. Nas palavras de Santos (2022, p. 75): “Como
dizia um dos meus grandes mestres, nós precisamos transformar as armas dos inimigos em nossa defesa para não transformarmos a nossa
defesa em armas. Quem só tem armas, só ataca e quem só ataca não sabe se defender.”. Assim, este GT busca identificar e potencializar
ferramentas para avançar no horizonte político da descolonização. Ainda que a perspectiva nomeada “descolonizar a psicologia” seja recente,
este debate vem sendo trazido há décadas pelos povos originários e intelectuais/ativistas não brancas (Geni Nuñez, 2021). Ao pensarmos sobre
a história da Psicologia, há uma correlação entre a importação de teorias produzidas nos contextos do Norte global para a explicação de
fenômenos psicossociais de forma colonizadora, desconsiderando todos os saberes produzidos desde a concretude da vida dos povos dos
nossos territórios, bem como sua história de profunda desigualdade social. Uma ideia potente para pensar a relação entre processos
psicossociais e território desde a contracolonialidade e a cosmopercepção dos povos afropindorâmicos é o de corpo-território, proposto pelas
feministas comunitárias indígenas de Abya Yala. A conjunção das palavras corpo-território fala por si mesma: diz que é impossível recortar e
isolar o corpo individual do corpo coletivo, o corpo humano do território e da paisagem. Corpo e território compactados como única palavra
desindividualiza a noção do corpo limitado às margens do corpo próprio entendido como “propriedade” respaldada por direitos individuais e
especifica uma continuidade política, produtiva e epistêmica do corpo enquanto território, como matéria ampliada, superfície extensa de afetos,
trajetórias, recursos e memórias. Habitar este corpo/território é povoar a si mesmo enquanto uma instância vivida com muitos outros entes:
humanos, não humanos, espirituais, naturais e coletivos. É a relação destas vidas como território que permite a produção do corpo como uma
nova morada (Nascimento, 2006). A composição entre corpo e território, permite questionar as tentativas de colonização do pensamento
propostas pela ficção branco colonial. Estes corpos experienciados como territórios vivos retiram do plano metafísico a suposta subjetividade
universal, agora corporificada em experiências de afirmação de vidas contracoloniais territorializadas. Este ato de corporificação do território e
de territorialização do corpo permite uma rearticulação de vidas e histórias que foram despedaçadas, mas que agora são vividas enquanto
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território coletivo incorporado. Este processo produz afetos capazes de recriar as narrativas e histórias das comunidades afropindorâmicas, bem
como, criam alternativas para enfrentar os esquadrinhamentos, a morbidez e o automatismo impostos pela sociedade moderna. O corpo se
revela, assim, na composição de afetos, recursos e possibilidades que não são “individuais”, mas se singularizam, por que passam pelo corpo de
cada um na medida em que cada corpo nunca é só “um”, mas o é sempre com outros, e com outras forças também não humanas (Veronica
Gago, 2020). Para populações indígenas e quilombolas é no território-corpo onde reexistem saberes, ancestralidade e espiritualidade. Nas
palavras de Case Angatu Xukuru Tupinambá (2018, n. p.), “nós não somos donos da terra, nós somos a terra”. O corpo-território nos convoca a
ampliar nossas concepções de produção de subjetividade. A defesa dos territórios passa a ser um princípio fundamental gerador de vida e
saúde. Nessa concepção o que chamamos de sagrado, a natureza, é o que nos nutre e nós a nutrimos à medida que a protegemos. Desse
modo, é impossível pensar a produção de vida e saúde que não seja coletiva, ainda que a produção de adoecimento e de sofrimento psíquico
seja vivenciada através de uma corporeidade de cada um. Assim, o corpo-território evidencia que a defesa da terra contra o extrativismo deve
ser simultânea e inseparável à defesa dos territórios, na qual os povos possam ter uma vida livre de violências e da exploração de seus corpos
(Laura Echeverry, 2018). Ao mesmo tempo, mostra que só é possível defender modos de vida contracoloniais ao defender principalmente os
corpos das mulheres em seus territórios. A partir desse paralelo, os movimentos de mulheres indígenas contra os projetos extrativistas
construíram uma nova imaginação política e de luta que coloca o corpo da mulher como o primeiro território a ser defendido – a recuperação
do “território corporal” como um primeiro passo indivisível da defesa do território geográfico. Essa maneira de experimentar o corpo extenso
nos faz entender também por que hoje se trava uma guerra no corpo e no território. “Quando dizemos que a exploração do meio ambiente e o
extrativismo não são apenas modalidades econômicas, mas um regime político, se visualiza uma articulação: as violências sexuais como
violências políticas em uma maquinaria de saqueio, despojo e conquista” (Gago, 2020, p.114). É a concepção de mundo orgânica e conectada,
inclusive como concepção cosmológica, dos nossos corpos como parte indissociável dos territórios que permite, para mestre Antronio Bispo
dos Santos, que se desenvolvam uma série de tecnologias que confluem em projetos contracolonais de constituição de mundos como: as
diversas propostas agroecológicas que partem de cosmopercepções restaurativas do corpo e da natureza, do sagrado, os aquilombamentos,
as assembleias indígenas, os conselhos quilombolas, as práticas de cuidado e cura para a vida coletiva, afirmação da cosmopolítica das plantas
viventes nos territórios, compreensão da vida em humanidades não antropocêntricas. O campo da psicologia ambiental e socioambiental tem
buscado dar contribuições para as problemáticas advindas da relação predatória do “povo da mercadoria” com seus territórios (Eda Terezinha
Tassara & Eliane Rabinovich, 2003). Pretendemos aqui também pensar uma forma de psicologia socioambiental. No entanto, ao utilizarmos o
termo “socioambiental” não nos referimos a combinação de campos acadêmicos - psicologia social e psicologia ambiental -, mas sim a uma
forma de ação política que surge a partir da luta dos povos da floresta na Amazônia sul-ocidental brasileira. A concepção de sociambientalismo
começa a ser forjada a partir das lutas protagonizadas pelo seringueiro Chico Mendes e tantas outras pessoas trabalhadoras e moradoras da
floresta. Organizados(as) inicialmente em sindicatos rurais, a partir da década de 1970, tais trabalhadores(as) defendiam a manutenção da
floresta de pé contra fazendeiros que haviam comprado a área e pressionavam suas famílias – as quais já tinham direito de posse - para sair das
terras que habitavam. As lutas eram pautadas não apenas na defesa da floresta e do meio ambiente, mas, essencialmente, era uma luta pela
manutenção das formas de vida e trabalho daquelas pessoas. Dessa forma, não se caracterizava apenas como uma luta ambiental, mas sim
socioambiental, a qual tinha como objetivo a preservação do meio-ambiente, mas também a sustentabilidade econômica e a justiça social. A
organização dos(as) extrativistas resulta em uma política pública mundialmente inovadora: as Reservas Extrativistas (RESEX). A partir de meados
da década de 1980, os povos indígenas e extrativistas se articulam e é forjada a Aliança dos Povos da Floresta (Mary Allegrett, 2008). Assim, ao
falarmos aqui em uma psicologia socioambiental, estamos nos referindo a uma psicologia que possui como referência a luta dos povos da
floresta. Entendemos que uma das principais formas da psicologia contribuir para transformações sistêmicas que se fazem necessárias diante
da crise climática é atuar junto e a partir das lutas das comunidades e populações. Nas palavras da defensora da floresta Socorro: Quero que
vocês entendam bem uma coisa. Sem nós, os povos da floresta, não tem rio, não tem animais, não tem nada. Se vocês querem normalizar a
temperatura do planeta, têm que cuidar de nós. Porque sem nós não tem futura geração. (Socorro, s.d. apud Eliane Brum, 2021, p.57). As lutas
socioambientais estão presentes também nas lutas em defesa dos corpos-territórios nos sertões, nas águas doces e salgadas, nos quilombos,
nos terreiros, nas comunidades campesinas, nos movimentos pela reforma agrária, nas favelas e periferias urbanas. Interessa-nos neste GT,
trabalhos que busquem pensar o que essas articulações trazem para construir um projeto ético, político e epistemológico de recompor o
mundo em que vivemos fazendo emergir as intricadas e heterogêneas redes que permitem nos tornar com outros atores e fenômenos,
humanos e não humanos (Ronald Arendt & Márcia Moraes, 2016). Experiências como a agroecologia no campo e na cidade, as cozinhas
comunitárias, as encantarias, as tecnologias ancestrais de cuidado, os feminismos comunitários e territoriais, as pescas e coletas tradicionais, as
agriculturas indígenas e quilombolas, os catimbós e juremas, as artesanias da existência dos povos das águas, dos sertões e das florestas, entre
outros, nos dão pistas sobre como sustentar outras vidas possíveis e modos de habitar a terra diante dos conflitos socioambientais.
Convocamos trabalhos que partam dos diálogos com os movimentos sociais, resistências, experimentações, vivências e saberes tradicionais nos
territórios. Interessam-nos também, trabalhos que tratam dos impactos do neoextrativismo e desenvolvimentismo nos corpos-territórios e
comunidades, e as possibilidades de construção de uma psicologia comprometida com a justiça socioambiental. Para a partilha das
experiências utilizaremos da Educação Popular, inspirados nas metodologias de trabalho dos movimentos sociais como forma de circulação de
nossos aprendizados e saberes construídos em nossas experiências com os territórios. Assim, o nosso GT terá o funcionamento nos três dias,
pedimos que as/os integrantes participem dos três momentos, sendo que: nos dois primeiros dias iremos realizar o compartilhamento de
nossas experiências e no último dia teremos uma culminância das confluências produzidas em nossos encontros e nos encaminhamentos
possíveis das construções coletivas produzidas para uma psicologia que potencialize práticas contracoloniais para outros horizontes éticos e
políticos de mundos. REFERÊNCIAS Allegrett, Mary (2008). A construção social de políticas públicas. Chico Mendes e o movimento dos
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