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ARTE AUTÔNOMA DA MARGINALIDADE URBANA: O ENCONTRO DO

ARTESANATO E O JOVEM DA PERIFERIA DE SÃO PAULO


Autonomous Art From Urban Marginality: The Meeting of Crafts and Young People from
the Outskirts of São Paulo

Silva, Camilla Santos; Graduanda, Centro Universitário


Belas Artes de São Paulo, 1camillasantos@gmail.com

Resumo:
Palavras chave: Artesanato, Periferia, Cultura, Juventude.
Abstract:
Keywords: Crafts, Outskirts, Culture, Young.

Introdução

A palavra ‘artesanato’ pode ser interpretada de diversas formas a depender da


relação que o indivíduo tem com este objeto, suas percepções do que é arte e o que faz a
indústria, ou até mesmo da região em que se está inserido. Em busca do significado nos
dicionários de Língua Portuguesa, citações como “sem sofisticação”, “rústicos”, “que
apresentam feitura grosseira” (BORGES, 2011, p.22), são apresentados como principais
resultados da palavra, contendo um visível teor depreciativo. Caso que muda quando, por
exemplo, visita-se o Le Grand Robert de la Langue Française, em que a palavra Artisan é
acompanhada de:
Ocupação manual que exige qualificação profissional. (...) Pessoa
que pratica uma arte, uma técnica, até mesmo estética (este uso
acumula os sentidos de artesão [1. artisan] e de artista).
(...) Autor, pessoa que é causa de (uma coisa, uma situação, uma
condição), com uma ideia de perseverança, de paciência. (Le
Grand Robert de la Langue Française. Dictionnaire Alphabétique
et Analogique de la Langue Française, Deuxième Édition apud
BORGES, 2011, p.22).

Da mesma forma no inglês em que craft é colocado como um substantivo e depois como
um verbo, descrevendo que se trata de um fazer de maneira habilidosa. Há uma
divergência no sentido da palavra, no qual implica diretamente na percepção de valor
daqueles consumidores da região, ora, diante da escolha entre um produto "sem
sofisticação" e aquele proveniente da prática artística, técnica e estética, certamente a
segunda opção chamará mais atenção para compra.

E quem designou tais significados? Lauer (1983) cita que as artesanias pré-capitalistas ou
delas oriundas foram dominadas por classes imperantes, seja por perseguições a suas
criações, principalmente com teor religioso, bem como a desvalorização da criatividade do
oprimido, marginalizando e integrando-a a pastas conforme seus interesses. O que não
inibiu a produção deste grupo, que passou conhecimentos e perpetuou tais manualidades.

No presente artigo, será explorado a relação dos fazeres manuais com os sujeitos
periféricos, estas pessoas que por

Artesanato e Design
O conceito de arte que será abordado se relaciona com os estudos de Lauer, que
se refere a uma “criação cultural e de classe e, consequentemente, de um fenômeno
historicamente determinado, dotado de gênese histórica e destinado a sofrer modificações
a partir das avaliações da sociedade". (LAUER, 1983, p.9)
Esta conceituação se inicia em projetos filosóficos e interesses de classes ocidentais.
Kristeller enfatiza que a arte foi criada pela aristocracia como forma de transformar as
vidas daqueles que haviam sido menos afetados pelas transformações da burguesia no
século XVII, mas logo após, a própria burguesia irá se apropriar deste sistema para seu
uso próprio. (P. O. Kristeller apud LAUER, 1983).
Quando se chega à América Latina, já no século XVIII, este conceito de arte se manifesta
como um dos fatores das esferas da classe dominante, é a partir da oposição “às
expressões criativas dos setores e culturas dominantes” (LAUER, 1983, p.11) que estes
passam a definir o que é arte ou não.
No momento em que precedente a chegada dos portugueses e outros fluxos migratórios
europeus no Brasil, em que a cultura já oriunda da região foi desconsiderada.
“O desejo deliberado de abolir o objeto feito à mão em prol do
feito à máquina obedeceu à visão de que a tradição da
manualidade era parte do passado de atraso,
subdesenvolvimento e pobreza, que o futuro promissor
proporcionado pelas máquinas nos faria superar”. (BORGES,
2011, p. 31)
O Design vem como esta figura de progresso, negando o artesanato. E isto fica explicito
com a criação da Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), no Rio de Janeiro em
1963 - uma instituição seguiria a mesma linhagem da linguagem universal do design
proposta por Bauhaus e Ulm1 - durante o governo de Juscelino Kubitschek que buscava
industrializar o país como forma de crescer “cinquenta anos em cinco”. (BORGES, 2011).

A Criação Cultural Periférica

No entanto, ao contrário desta ideologia industrial, da burguesia e das altas e médias


classes, se tem as criações culturais advindas do extremo urbano. Os milhares de
habitantes das periferias, resultantes de uma emigração em busca de melhores condições
na cidade, uma população que não prosseguiu exatamente com seu estilo de vida –
mesmo porque, há uma mudança na dinâmica social quando se deparam com o
capitalismo – formam nesta região uma cultura distinta que
“se expressa em novo idioma e manipula novos costumes. Deste
meio provém uma plástica radicalmente diferente, que alguns
estudiosos consideram uma arte autônoma da marginalidade
urbana”. (LAUER, 1983, p.6).
Essa cultura periférica, inclusive, cria suas próprias expressões cada vez mais ligadas aos
seus próprios “gostos, interesses e atitudes, em um dado período de tempo. Em
consequência, confirma, em vez de questionar, suas visões de mundo e autoimagens”.
(CRANE, 2011, p. 46).
Como cita o antropólogo José Magnani, no estudo Brasil Corre2 “A periferia não é apenas
uma localização geográfica distante do centro urbano, mas também uma construção
social e cultural”.
É neste gancho que o jovem que vive hoje nas periferias se amarra aos saberes de seus
ancestrais e alia aos seus signos para produzir peças manuais, autorais e gerarem
renda.

Referências
BORGES, Adélia. Design + Artesanato: O Caminho Brasileiro. São Paulo: Editora
Terceiro Nome, 2011.
CASTILHO, Maria Augusta et al. Artesanato e saberes locais no contexto do
desenvolvimento local. Interações (Campo Grande), v. 18, p. 191-202, 2017.
CRANE, Diana. Ensaios sobre moda, arte e globalização cultural. São Paulo: Editora
Senac, 2011.
LAUER, Mirko. Crítica do Artesanato: Plástica e Sociedade nos Andes Peruanos. São
Paulo: Nobel, 1983.
SANTOS, Thiago de Sousa et al O artesanato como elemento impulsionador no
desenvolvimento local. In: SEGET SIMPÓSIO DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO E
TECNOLOGIA, 7. Anais... Resende, 2010.

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