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Conclusão ....................................................................................................................... 16
Bibliografia ..................................................................................................................... 17
2
Direito à não autoincriminação e a obrigação de facultar dados biométricos para
desbloqueio de dispositivos moveis
Introdução
Com a importância que estes dispositivos ganharam no dia a dia de cada um, é
cada vez mais normal, e muito frequente, que as pessoas guardem cada vez mais
informação pessoal e profissional nestes dispositivos.
O artigo 32.º da CRP, como nos indica a própria epigrafe do preceito, consagra as
garantias de processo criminal, ou seja, as garantias que possibilitam o acionamento do
direito de defesa de cada individuo. Posto isto e atentando ao disposto no artigo 32.º, n.º
5 percebemos que o processo criminal tem estrutura acusatória. A modelo de processo
acusatório puro traduz-se num processo de partes, ou seja, existe uma parte que defende
a acusação estabelecendo desde logo o objeto do processo, e outra parte distinta que
defende a absolvição, sendo o juiz uma entidade suprapartes que, após ouvir ambas as
partes do processo, decide com base na sua convicção. 1 No entanto, em Portugal não é
este processo acusatório puro que vigora, a igualdade de armas entre a acusação e a defesa
apenas tem lugar na fase de instrução formal e no julgamento. Por sua vez, a fase de
inquérito é dominada pelo Ministério Publico onde predomina a natureza inquisitória.2
Neste sentido surgem algumas questões que procuramos responder neste trabalho:
1
CF. LEONOR CACAES PALÁCIOS DA SILVA, in Dissertação de Mestrado A obtenção de provas em
smartphones protegidos através de biometria (impressões digitais) e senhas numéricas e o princípio da
não auto incriminação, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018, p.42
2
CF. GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito processual penal português, Vol.I., 2.ª edição,
Universidade Católica Editora, Lisboa, 2019 p.71
3
• Pode o arguido/suspeito detentor de um smartphone/tablet/computador,
ser obrigado a facultar os seus dados para desbloquear estes dispositivos
quando os mesmos sejam alvo de investigação?
• Pode o arguido ser acusado com base nas provas encontrados, desta forma,
nestes dispositivos?
• É diferente se o dispositivo for desbloqueado por senha numérica ou por
acesso a dados biométricos?
• Como articulamos esta obrigação com o direito à não autoincriminação?
• Existem limites a esta obrigação?
4
1. O Direito à não autoincriminação
O princípio nemu tenetur contém duas vertentes: o direito ao silêncio e o direito à não
autoincriminação.5
Neste sentido, convém ressalvar que, do silencio do arguido não é legitimo retirar
quaisquer conclusões ou presunções de culpa, ou seja, o seu silêncio não pode ser
valorado total (artigo 343.º, n. º1 CPP) ou parcialmente (artigo 345.º, n. º1 CPP) na
tomada de decisão sobre a matéria de facto7, tal como estipula a parte final do artigo 343.º,
n.º 18. Podemos afirmar existir uma proibição de valoração negativa do silêncio.
3
CF. JORGE FIGUEIREDO DIAS, NUNO BRANDÃO, Sujeitos Processuais Penais: o Arguido e o
Defensor, Coimbra, 2020, p.39
4
CF. GERMANO MARQUES DA SILVA,in Direito processual penal português, Vol.I, 2.ª edição,
Universidade Católica Editora,Lisboa, 2019,p.98
5
CF. LARA SOFIA PINTO, Privilégio contra a auto-incriminação versus colaboração do arguido,
contido no manual Prova Criminal e Direito de Defesa, Estudos sobre teoria da prova e garantias de defesa
em processo penal, Edições Almedina, Coimbra, 2017, p.104
6
CF. JORGE FIGUEIREDO DIAS, NUNO BRANDÃO, Sujeitos Processuais Penais: o Arguido e o
Defensor, Coimbra, 2020, p.40
7
CF. JORGE FIGUEIREDO DIAS, NUNO BRANDÃO, Sujeitos Processuais Penais: o Arguido e o
Defensor, Coimbra, 2020, p.42
8
– “sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo”
5
No entanto, o direito ao silêncio não é um direito absoluto. Na verdade, o código de
processo penal consagra algumas situações em que o arguido está submetido a algumas
restrições no processo penal.
1. O âmbito normativo;
2. O âmbito temporal e,
3. O âmbito material.
Por último, no que diz respeito ao âmbito material é necessário fazer uma ponderação
de princípios, ou seja, em algumas situações teremos de analisar o caso em concreto e
ponderar os interesses e valores em causa. Estando em causa uma colisão de
princípios/direitos, esta ponderação poderá ser realizada pelo juiz, na aplicação do caso
em concreto, e pelo legislador, devendo aplicar o princípio da proporcionalidade. A título
de exemplo: olhemos para atuação do legislador no artigo 152.º e 153.º do Código da
9
CF. LEONOR CACAES PALÁCIOS DA SILVA, in Dissertação de Mestrado A obtenção de provas em
smartphones protegidos através de biometria (impressões digitais) e senhas numéricas e o princípio da
não auto incriminação, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018, P.52
10
CF. ANDREIA FILIPA ADERNEIRA PONTÍFICE SOUSA, Dissertação de Mestado Direito à não
autoincriminação e cibercrime: colaboração do arguido no acesso a dados informáticos, Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, 2018 p.32
6
Estrada11. Vemos aqui que o condutor é obrigado a sujeitar-se ao teste do balão (expiração
de ar) ou de sangue. Como justificação da obrigatoriedade da realização do teste de álcool
temos a elevada sinistralidade existente pela existência de álcool no sangue. Temos aqui
então o confronto entre a invasão da privacidade e a integridade física por um lado, e o
bem jurídico vida por outro, sendo este último o mais relevante de todos.12
11
“Artigo 152.º (Princípios gerais)
1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou
por substâncias psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito; c) As pessoas que se propuserem
iniciar a condução.
2 - Quem praticar atos suscetíveis de falsear os resultados dos exames a que seja sujeito não pode
prevalecer-se daqueles para efeitos de prova.
3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para
a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de
desobediência.
4 - As pessoas referidas na alínea c) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a
deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são impedidas de iniciar a
condução.
5 - O médico ou paramédico que, sem justa causa, se recusar a proceder às diligências previstas na lei para
diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas é punido por crime de
desobediência.”
Artigo 153.º
(Fiscalização da condução sob influência de álcool)
1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade
mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade
deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente:
a) Do resultado do exame;
b) Das sanções legais decorrentes do resultado do exame;
c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre
o do exame inicial; e
d) De que deve suportar todas as despesas originadas pela contraprova, no caso de resultado positivo.
3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo
com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de
imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efetuado. 5 - Se
o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente
possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o
efeito.
6 - O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.
7 - Quando se suspeite da utilização de meios suscetíveis de alterar momentaneamente o resultado do
exame, pode a autoridade ou o agente de autoridade mandar submeter o suspeito a exame médico.
8 - Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser
submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser
realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado
pelo álcool.”
12
CF. LEONOR CACAES PALÁCIOS DA SILVA, in Dissertação de Mestrado A obtenção de provas em
smartphones protegidos através de biometria (impressões digitais) e senhas numéricas e o princípio da
não auto incriminação, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018, P.53 e 54
7
Tendo em conta o critério defendido pela doutrina e jurisprudência da dependência
ou independência da vontade do arguido, ou seja, a prova independentemente da sua
vontade, tem-se entendido que os fluidos orgânicos, a colheita de sangue e de ar expirado
não estão abrangidos pelo princípio nemo tenetur. No entanto, em nossa opinião não
podemos concordar absolutamente com este entendimento, por considerarmos que a
colheita de materiais corpóreos terá sempre de ser analisada caso a caso, sob pena de
tornarmos o arguido num “banco de prova”.13
Mais, nos dias que correm o ADN é detentor de um grau de fiabilidade muito elevado,
sendo basicamente um meio de prova irrefutável, contribuindo desta forma em muito para
a autoincriminação do sujeito. Neste sentido, entendemos não poder ser desconsiderado
sem mais o princípio nemo tenetur. É necessário, perante o caso concreto fazer uma
ponderação de valores ao abrigo do princípio da proporcionalidade.
13
CF. LEONOR CACAES PALÁCIOS DA SILVA, in Dissertação de Mestrado A obtenção de provas
em smartphones protegidos através de biometria (impressões digitais) e senhas numéricas e o princípio
da não auto incriminação, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018, P.55
14 14
CF. ANDREIA FILIPA ADERNEIRA PONTÍFICE SOUSA, Dissertação de Mestado Direito à não
autoincriminação e cibercrime: colaboração do arguido no acesso a dados informáticos, Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, 2018 p.37
8
Nos termos da lei a prova não poderá ser obtida mediante coação, ou ofensa à
integridade física ou moral. Se assim for essa prova é nula, nos termos do disposto nos
n.ºs 1 e 2 al. a) e d) do artigo 126.º do CPP, e nessa medida não pode ser valorada. 15
Neste seguimento o TEDH considerou existir violação do artigo 6.º, n.º 1 da CEDH,
na medida em que o direito ao silêncio ou de não se autoincriminar integram a noção de
procedimento justo. Como refere Paulo de Sousa Mendes o TEDH afirma o seguinte
“Para determinar se o direito à não autoincriminação do queixoso foi violado, o Tribunal
por sua vez, terá de considerar os seguintes fatores: a natureza e o grau de coerção
empregado para obter a prova, a importância do interesse público na investigação e
punição da infração em apreço, a existência de garantias relevantes no processo e a
utilização prevista dos meios de prova obtidos dessa forma”. Acrescentou ainda que o
direito de não autoincriminação reside exatamente na defesa por parte do arguido contra
15
CF. LARA SOFIA PINTO, Privilégio contra a auto-incriminação versus colaboração do arguido,
contido no manual Prova Criminal e Direito de Defesa, Estudos sobre teoria da prova e garantias de defesa
em processo penal, Edições Almedina, Coimbra, 2017, p.133
16
CF. PAULO DE SOUSA MENDES, in Lições de Direito Processual Penal, Edições Almedina, Coimbra,
2020, p.214 e 215
9
qualquer tipo de coerção inapropriada por parte das autoridades. O tribunal entendeu
ainda que tais provas foram obtidas mediante a utilização de atos de força e violência
excessiva. Posto isto, o TEDH defendeu que não era necessária tamanha violência para
se conseguir prender um pequeno traficante de rua, ou seja, o interesse publico em
assegurar a condenação do queixoso não podia justificar o recurso a tão grave
interferência na sua integridade física e mental.
O caso17 que nos propomos analisar versa sobre a questão fundamental do presente
trabalho, o de saber se um arguido, que possua um smartphone ou um aparelho que
contenha imagens, vídeos ou documentos que o possam incriminar ou contenham provas
de um crime pode ser obrigado a desbloquear esse mesmo dispositivo. A resposta será
igual no caso de o dispositivo ser desbloqueado com recurso à impressão digital do
arguido ou por senha numérica?
Nos seus depoimentos, tanto Baust como a vítima declararam que o dispositivo de
gravação poderia ter possivelmente gravado a agressão e que a gravação poderia existir.
17
Commonwealth of Virginia vs David Charles Baust, 2014, disponível em
https://consumerist.com/consumermediallc.files.wordpress.com/2014/11/245515028-fingerprint-unlock-
ruling.pdf
10
A decisão do tribunal foi fracionada, entendendo este ser necessário distinguir os dois
métodos de desbloqueio do Smartphone, o que originou duas conclusões distintas. Por
um lado, o juiz Steven Frucci autorizou o pedido para obrigar o arguido a fornecer a sua
impressão digital para desbloquear o seu smartphone, por outro lado negou o pedido para
compelir o arguido a fornecer a sua palavra-passe.
O juiz entendeu que Baust não poderia ser obrigado a fornecer a sua palavra-passe,
uma vez que esta apenas existe por ser fruto da cabeça do arguido, e desta forma, se fosse
obrigado a entregá-la estaria a contribuir para a sua autoincriminação, pois está a fornecer
informações apenas do seu conhecimento, e desta forma estaríamos perante uma violação
da quinta emenda.
No entanto, no que toca à impressão digital, como vimos a decisão não foi no mesmo
sentido. Isto porque o juiz entendeu que o arguido ao fornecer a sua impressão digital não
estaria a transmitir conhecimento, sendo esta não declarativa e não comunicativa. É algo
que existe para além da vontade do sujeito.
O TEDH tem seguido a mesma posição, defendendo que tudo o que exista para além
da vontade do arguido, isto é, que o próprio não tenha contribuído para a sua existência,
não pode ser considerado uma violação do princípio da não autoincriminação. No entanto,
temos que ter em consideração que cada caso é um caso e que sempre que tal questão se
coloque teremos de analisar o caso concreto e fazer um juízo de ponderação de valores,
tendo sempre que estar em causa bens jurídicos superiores.18
18
CF. LEONOR CACAES PALÁCIOS DA SILVA, in Dissertação de Mestrado A obtenção de provas
em smartphones protegidos através de biometria (impressões digitais) e senhas numéricas e o princípio
da não auto incriminação, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018, p.13
11
No entanto, tendo em conta a evolução da tecnologia, hoje em dia, ao contrário do
que sucedia antigamente, a impressão digital é utilizada para além da simples
identificação de um sujeito numa base de dados. Serve também para guardar e proteger
informações, muitas vezes de caráter mais pessoal do que a identidade do individuo.19
Neste sentido a impressão digital também deve ser entendida como algo privado e
passível de proteção, como uma senha. Posto isto, não deveria ser também a impressão
digital protegida pelo nemo tenetur? Isto porque, ao permitir obter uma prova através do
corpo do suspeito, nomeadamente para desbloqueio de um smartphone, inevitavelmente
este suspeito poderá estar a contribuir para a sua autoincriminação.
Como vimos no caso anterior, tem sido entendido que nos casos da impressão digital,
por esta ser apenas uma característica física de identificação, não se deverá considerar o
princípio do nemo tenetur.
No nosso entendimento não nos parece ser esta a melhor solução. Isto porque temos
que ter em consideração a própria evolução da tecnologia, hoje em dia, a impressão digital
ao funcionar como mecanismo de desbloqueio de um smartphone, permite aceder a
informação pessoal e possivelmente incriminadora. Se pensarmos bem, não é
especificamente a divulgação da senha numérica ou o facultar da sua impressão digital
que viola o princípio nemo tenetur, mas sim o que poderá posteriormente ser lá
encontrado. Ou seja, em nossa opinião não releva a forma como o dispositivo é
desbloqueado, uma vez que consideramos que a forma de desbloqueio em si mesmo não
autoincrimina ninguém, o que poderá incriminar é sim a informação contida nesses
dispositivos, que apenas poderá ser acedida após o seu desbloqueio.
Neste sentido não nos parece fazer sentido hoje em dia fazer a distinção entre estes
dois meios de desbloqueio dos dispositivos móveis.
Em nossa opinião, para ambos os casos de desbloqueio, deverá ser realizada uma
análise de todas as circunstâncias do caso, atendendo sempre ao princípio da
proporcionalidade. De outra forma estaríamos a violar inúmeros direitos fundamentais do
arguido.
19
CF. GOLDMAN, in Biometric Passwords and the privilege against self-incrimination, p.226
12
Neste sentido tem-se defendido a utilização do princípio da proporcionalidade, ou
seja, como refere Leonor Palácios da Silva 20“apenas em determinados casos em função
da sua gravidade e dos bens jurídicos em causa é que pode o suspeito ser obrigado a
colocar a sua impressão digital para desbloqueio do smartphone, mas somente em casos
muito estritos.” Nestes casos temos que estar perante bens jurídicos superiores aos
direitos fundamentais do suspeito.
20
CF. LEONOR CACAES PALÁCIOS DA SILVA, in Dissertação de Mestrado A obtenção de provas em
smartphones protegidos através de biometria (impressões digitais) e senhas numéricas e o princípio da
não auto incriminação, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018, p.10
21
Disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070155.html
13
não pode deixar de ser compreendida como uma invasão da sua integridade física,
abrangida pelo âmbito constitucionalmente protegido do artigo 25º da Constituição.”
Desta forma, o tribunal entendeu que a recolha coerciva de saliva para efeitos
probatórios, utilizando os arguidos como meio de prova, entra em confronto direto com
vários direitos constitucionais, designadamente o direito à integridade física. Considerou
que os meios empregues eram proporcionais para alcançar os fins visados, uma vez que
o interesse público em causa, a necessidade de investigação penal e a busca da verdade
material assim o justificavam.
Percebemos assim que, no fundo, se tem entendido que o pilar deste princípio do nemo
tenetur é o princípio da proporcionalidade.
Em 2009 foi aprovada a lei do cibercrime (Lei 109/2009 de 15 de setembro), que veio
dar algumas respostas às questões colocadas ao longo do presente trabalho. Segundo o
artigo 14.º, n.º 1 da presente lei “Se no decurso do processo se tornar necessário à
produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, obter dados informáticos
específicos e determinados, armazenados num determinado sistema informático, a
autoridade judiciária competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses
dados que os comunique ao processo ou que permita o acesso aos mesmos, sob pena de
punição por desobediência.” Como percebemos pela parte final da norma, quem não atuar
de acordo com as imposições será punido pelo crime de desobediência previsto no artigo
348.º do Código Penal.
22
CF. RITA CASTANHEIRA NEVES e HÉLDER SANTOS CORREIA, in A lei do Cibercrime e a
colaboração do arguido no acesso aos dados informáticos, Úria Menéndez, p.147
14
processamento num sistema informático, incluindo os programas aptos a fazerem um
sistema informático executar uma função”.
Desta forma, a pessoa sobre quem recaia esta norma tem obrigação de autonomizar
os dados objeto de investigação, transmitir ou conceder o acesso. Desta forma o trabalho
por parte das entidades que prosseguem a investigação criminal é facilitada, dado que na
maior parte das vezes, estes dados encontram-se armazenados em sistemas informáticos
de grande armazenamento. 23
Coloca-se então a questão de saber se esta norma pode ter por alvo o arguido,
restringindo assim o princípio do nemo tenetur. O próprio legislador responde a esta
questão no n. º5 do mesmo preceito, ao estipular que “a injunção prevista no presente
artigo não pode ser dirigida a suspeito ou arguido nesse processo”. Parece-nos aqui existir
uma intenção do legislador de salvaguarda o direito à não autoincriminação.
Neste sentido consideramos que, deverá sempre, em primeiro rácio ser aplicada a lei
do cibercrime, uma vez que a própria previu e consagrou um regime para as situações que
tratamos ao longo do trabalho. No entanto, a norma em questão não pode ser absoluta, e
por isso, consideramos que deva continuar a ser tido em conta o princípio da
proporcionalidade em casos de fronteira, em casos em que o bem jurídico violado seja
superior ao direito fundamental lesado, ou em que exista uma grande dúvida.
23
CF. RITA CASTANHEIRA NEVES e HÉLDER SANTOS CORREIA, A lei do Cibercrime e a
colaboração do arguido no acesso aos dados informáticos, Úria Menéndez, p.147
15
Conclusão
Chegados a este ponto, e em jeito de conclusão consideramos oportuno responder
às questões colocadas inicialmente.
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Bibliografia
• GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito processual penal português, Vol.I.,
2.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2019
• LARA SOFIA PINTO, Privilégio contra a auto-incriminação versus
colaboração do arguido, contido no manual Prova Criminal e Direito de Defesa,
Estudos sobre teoria da prova e garantias de defesa em processo penal, Edições
Almedina, Coimbra, 2017
• ANDREIA FILIPA ADERNEIRA PONTÍFICE SOUSA, Dissertação de Mestado
Direito à não autoincriminação e cibercrime: colaboração do arguido no acesso
a dados informáticos, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018
• LEONOR CACAES PALÁCIOS DA SILVA, Dissertação de Mestrado A
obtenção de provas em smartphones protegidos através de biometria (impressões
digitais) e senhas numéricas e o princípio da não auto incriminação, Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa, 2018
• JORGE FIGUEIREDO DIAS, NUNO BRANDÃO, Sujeitos Processuais Penais:
o Arguido e o Defensor, Coimbra, 2020
• PAULO DE SOUSA MENDES, Lições de Direito Processual Penal, Edições
Almedina, Coimbra, 2020
• RITA CASTANHEIRA NEVES e HÉLDER SANTOS CORREIA, A lei do
Cibercrime e a colaboração do arguido no acesso aos dados informáticos, Úria
Menéndez, pp.146-149
• GOLDMAN, Biometric Passwords and the privilege against self-incrimination
Legislação e Jurisprudência
17
• Constituição da República Portuguesa
• Lei do cibercrime
18